adeus estranho - memórias e reflexoes do fim do amor

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Adeus Estranho Memórias e reflexões do fim do amor. Gilda Gislene, @thealanprost

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Em 2011, Gilda Gislene deu início à saga da novela real online mais acompanhada do Brasil - (thealanprost.com), o projeto era encontrar o amor na Irlanda. 5 anos depois, ela conta tudo sobre o amor, o fim dele, e como algo muito maior surgiu das trevas - o despertar espiritual.

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Adeus Estranho

Memórias e reflexões do fim do amor.

Gilda Gislene, @thealanprost

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Todos os direitos reservados

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Para todos os seres, lugares e coisas que passei a amar quando descobri o que é o amor.

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Índice

A pílula vermelha

A luz

O verão do amor

O campo das potencialidades

O universo é amor

Amar é

O outono do Amor

Um universo de arte

Querer é poder

O inverno do amor

Atração pelo medo

Como mudar de frequência

Ódio próprio

What we design is desiging us in return

Verão do fim do amor

Depressão

Rejeição

Desejo

Desejo x Vibração

Outono da aceitação

Karma

Resistência x Permitir

A energia do dinheiro

Por que conseguimos o oposto daquilo que pedimos?

Reza

Sombra

Projeções

Tempo de Despertar

Consciência - um trabalho coletivo

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Estrangeirice x Auto-conhecimento

Amor próprio

Dharma – Nosso propósito de vida

Escolha

Gratidão

Desapego

Símbolos

O poder do desconhecido

Sou uma gota d’água, sou um grão de areia

Morte e Vida

Amor não morre

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Digamos que Gilda, após mais uma briga com Matt, agora sabe dirigir, pega o carro e sai sem destino. Dirigiu até acabar a gasolina, e quando já tinha abastecido tudo o que podia, bateu o carro numa curva.

Um acidente não muito sério, só perdeu a memória e esqueceu seu marido e os anos de tristeza e desespero. O acidente aconteceu já em outra cidade. Gilda dirigiu muito, por muito tempo, queria ser Louise, mas estava mais pra Thelma. Tanto faz. Em outra cidade, ninguém que Gilda conhecia lhe acharia.

Digamos que Gilda foi parar num hospital, onde ficou por um tempo considerável, e, embora não tivesse seus produtos de higiene pessoal preferidos, conseguiu passar com dignidade pelos meses que se seguiram. Como nenhum parente foi achado, um médico já velho resolve abrigar Gilda em sua casa.

Com o passar do tempo, Gilda, agora com vida nova, pode ser alguém melhor. O médico, que antes vivia solitário, agora tem a melhor das companhias. Gilda era um amor. Uma pena o médico já estar gravemente doente, mas Gilda cuida, Gilda boa. Com o acidente, o cérebro de Gilda mudou, e agora Gilda toca piano perfeitamente. Toca por horas para o médico, faz leitura de seus livros preferidos, lhe serve o chá e quase o chama de pai.

Num dia fatídico, o médico decide que é hora de morrer, e morre. Gilda triste. No funeral, aparece o filho do médico, um homem tão lindo e digno e charmoso que acho melhor chamá-lo de Clint Eastwood de Pontes de Madison. Após a leitura da herança, ao ficar confirmado que Gilda era a única herdeira do médico, Clint Eastwood decide ficar por mais tempo naquela cidadezinha para conhecer Gilda e entender por que o pai deixou tudo para ela.

Obviamente, Clint Eastwood se apaixona por Gilda, quem não se apaixonaria? Gilda artista pintava quadros lindamente mas os escondia de todos. Naturalmente Clint os descobre. Após momentos de muita tensão sexual, em um

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jantar junto à lareira, enquanto Gilda falava de toda a vida que não se lembrava, Clint a beija.

Tudo era perfeito, quando após todos estes anos (dois), Matt lhe bate a porta. Ele a tinha procurado pelo país inteiro, mas Gilda não era adepta da internet, nunca veio a saber. Matt a quer de volta e promete uma vida nova, mas agora Gilda tem um novo amor: Clint Eastwood de Pontes de Madison. Os dois lutam por Gilda, que fica só olhando de fora, tomando um chá. Por ser mais racional que emocional depois do acidente, Gilda decide por bem passar uma semana com Matt para comparar entre ele e Clint Eastwood. Gilda agora tem o poder. Gilda decide quem fica e quem sai.

Matt a leva para casa e tenta lhe mostrar a vida que tiveram, enquanto se esforça para criar uma nova e melhorada. Gilda agora era outra pessoa. O tempo também não havia parado para Matt. E quanto ao Clint Eastwood, faz de conta que ele estava brevemente criogenado, esperando a decisão de Gilda.

Gilda era meu alter-ego e meu anti-herói. Voltei à realidade, e enviei o roteiro de amor para Deus em [email protected]. Eu nunca conseguia decidir entre Clint Eastwood e Matt. Era o último roteiro de amor que fiz enquanto morávamos juntos. Passei pela vida escrevendo roteiros de amor absurdos e bem humorados, sugerindo-os a Deus, sem saber que eles realmente aconteciam, em outras proporções. Inocentemente, eu pensava que eles não aconteciam porque me concentrava nos símbolos e nos detalhes, ao invés de entender que tudo era energia.

Quando os emails de Deus voltavam, avisando que não havia um recipiente válido, não pensava que Deus os tinha lido de qualquer forma, e eu co-criava minha vida, jogando os jogos inocentemente. Às vezes, inocente demais.

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A pílula vermelha

Nas lembranças que tenho da minha vida, há um ponto exato em que percebo uma diferença de cores, texturas, formato. É como se eu tivesse vivido 31 anos numa realidade estranha até conhecer a verdadeira. A realidade que conheci depois deste ponto é diferente. Suas cores são mais reais, suas texturas... Foi depois do amor, que conheci o esgoto de Matrix. Foi quando Matt me deixou e me fez engolir a pílula da realidade, que eu descobri que o amava. Foi quando ele me deixou, que eu acordei.

E ao acordar, sem saber o que estava acontecendo, pensei que era isso: o começo da loucura, certamente as drogas que usei. Não sabia nem quais palavras buscar no Google para entender o que me acontecia. Vozes, visões, entidades, sincronicidades, mágica, coincidências, telepatia... Nunca entendi por que as portas do universo tinham se aberto para mim quando tudo o que eu queria era a porta de Matt.

Muitas vezes quis voltar a dormir, especialmente em seus braços. Mas depois de acordar, não se adormece de novo. Quando Neo toma a pílula, Morpheus avisa que é sem volta. Ainda bem.

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A luz

Dizem que de um pequeno ponto, há muito tempo atrás, surgiu tudo o que conhecemos, e tudo que imaginamos. E a isso, eles chamaram Big Bang. Engano é pensar que o processo inteiro foi apenas uma explosão. Engano é quando não percebemos que vivemos na explosão, tudo o que conhecemos e vivemos está contido no que chamamos de explosão e está ainda acontecendo e acontecerá para sempre. Estamos eternamente na expansão daquele ponto 0. Se o criador disse “Que haja luz”, ela se formou e vivemos nela, não precisamos ir tão longe para encontrar luz, somos luz.

Outro engano comum é pensarmos que somos uma coisa, enquanto o universo é outra. Somos o universo manifestado na capacidade de pensar, e mais que isso – pensar a respeito de si mesmo. Um pássaro é o universo com a capacidade de voar, um peixe, o universo em toda sua capacidade de nadar. Tudo e todas as coisas têm um nível próprio de consciência, tudo é luz. Tudo está contido em tudo.

Na mais famosa equação de todas, E=mc², Einstein mostra que energia é igual a massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado. O que isso quer dizer? Que se acelerarmos determinada massa até a velocidade da luz ao quadrado, obteremos apenas energia. Mas mais que isso: massa e energia são a mesma coisa, mas em outro estado. Somos literalmente energia, mas vivemos numa dimensão em que nossa condição foi desacelerada para que pudéssemos experienciar essa realidade. Se ainda está difícil de entender, pense que somos como água em estado sólido: o gelo não deixa de ser água, apenas está em outro estado.

Os ciclos da natureza são também nossos ciclos. Às vezes, é preciso congelar, outras vezes, é preciso morrer, depois germinar, trocar de pele... Há milhões de vidas e mortes dentro de uma vida só. O corpo que me veste não é o mesmo da infância, nem mesmo o mesmo que usei no ano passado. Mais que isso: minha mente já não é a mesma. E é importante que seja assim – faz parte da expansão.

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E para entendermos que tudo é luz, às vezes é preciso passar um tempo na ilusão de que estamos longe dela, cair no desespero, nas trevas. Ao sair de lá, é só então que percebemos que até mesmo a escuridão em que entramos era parte da luz. O doce não seria tão doce se não houvesse o salgado.

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O verão do amor

Há na Terra tudo o que há no céu, em diferentes formas. Cada vez que alguém completa 29 anos, Saturno completa 1. Eu tinha 1 ano de vida em Saturno quando conheci Matt. Era verão, era na Irlanda, e eu era dançarina. Parece que foi na vida passada.

As coisas mais impactantes da vida acontecem por acaso. Só o acaso é significante, porque todas as outras coisas que repetimos não nos tocam o coração, não nos dizem nada, não nos trazem nada novo. O acaso é o encontro entre nós e o inesperado, a parte em nós que não sabíamos ter. Entre 2011 e 2012, eu era a pessoa mais feliz do mundo inteiro, estava em euforia. Tinha magnetismo para toda sorte de sorte. Eu era querida porque também me apreciava. Eu vivia no campo dos acasos.

Era a primeira vez em toda minha vida que eu era independente, tinha não só meu próprio quarto, mas minha própria cama. Sempre tinha dividido cama quando morava com minha família, era como se eu tivesse sempre sido uma visita. Agora não. Às vezes eu parava no meu quarto entre um cigarro e outro e ficava admirada olhando para **minha própria cama**. Engraçado como coisas tão simples podem causar o maior dos impactos.

Eu estava indo bem. O trabalho como stripper não me incomodava nem um pouco. Saía de casa de manhã cedo só para ver o mundo, e voltava tarde. Era a primeira vez que tinha dinheiro para viajar, eu podia comprar os vestidos rodados e brilhantes que eu amava e sair para dançar com eles, rodopiando até o bar fechar.

Meu inglês tinha melhorado, e eu podia aprofundar minhas amizades. Conhecia pessoas e me conectava facilmente. Era verão, época dos festivais, drogas e amizades. Eu estava em Oz. Era realmente uma criança, virgem de vida, tudo era muito novo para mim, porque depois de viver 12 anos num relacionamento com meu primeiro namorado, parecia que eu tinha saído de um quarto escuro pela primeira vez e visto o sol.

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Era muito fácil fazer amigos em Dublin. No parque, conheci uns meninos lindos, jovens, absurdamente inteligentes, charmosos. Fomos para as montanhas gravar o clipe de sua banda, tomei muitas balas, no meio da viagem vi o Mick Jagger, batemos um papo. Phillip era lindo, um jeito de surfista, eu o chamava de Michael porque ele me lembrava um tal one night stand. Os meninos me tratavam como se eu fosse a coisa mais inocente deste mundo. Enquanto iam guardar as coisas no carro, tiveram que me deixar sozinha do lado da fogueira. Quando já estava quase no meio da descida, Phillip voltou correndo, para colocar o urso do meu lado. Era a coisa mais querida que já tinham me feito.

Obviamente, também conhecia homens que me viam puramente como objeto sexual. Mas os homens com os quais me relacionava mais profundamente se sentiam chamados a me proteger. Naquele tempo eu não pensava que estava desconectada da mulher em mim e extremamente conectada com a criança. Não teria como saber, eu era totalmente ignorante a respeito de mim mesma.

Mas tive meus momentos. No parque, estávamos em um dos únicos quatro dias de verão daquele ano, todos deitados e high. Comecei a cantar uma música. Achei que somente nós podíamos ouvir e estávamos todos viajando nela. Ao terminar a canção, ouvimos todas as pessoas do parque levantarem e aplaudirem. Elas tinham ficado em silêncio enquanto eu cantava. Foi um momento extremamente mágico. Nunca mais senti uma conexão tão forte com tantas pessoas ao mesmo tempo. Deve ser isso o que os astros da música sentem. É como por um breve momento todas as almas se unirem numa só. A vida era cheia de mágica.

Eu certamente estava no auge dos meus anos, era selvagem, vivia a mil. Quebrei uma costela brincando com meus amigos. E quando adquiri uma infecção nos pulmões, nem mesmo a febre me fez ficar em casa. E foi naquela febre de maio que conheci Matt.

Para cada relacionamento que tive na minha vida, ao final deles, eu só concluía “eu não estava preparada para este relacionamento”. Mas ninguém está. Nunca estamos preparados para o relacionamento que temos, pois se estivéssemos, não o estaríamos vivendo. Eles nos acontecem para que possamos aprender, expandir e depois sentir saudades.

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No bar que eu frequentava toda semana e Matt nunca havia ido, nos conhecemos. Pensei que Matt era o Matt Berninger, mas mesmo após entender que não era, senti que eu já o conhecia. Era uma impressão forte de reconhecimento. Foi mais como se eu o tivesse finalmente achado. Havia tantas pessoas no bar, que se eu procurasse por alguém significante, nunca acharia. Mas enquanto eu dançava naquele espaço apertado, Matt estava logo ao lado, e roubou de mim o papelão de chope que eu usava para me abanar.

Após aceitar o convite mais direto que já haviam me feito – Ir para uma festa cheia de drogas - eu sentia como um dejavu tudo o que nos acontecia: nós dois no taxi, semi-estranhos, a mão de Matt que vacilava para tocar meu rosto e depois então o pedido “você pode fingir que a gente é noivo quando chegar lá?”. Isto tudo sem nunca termos dado um beijo ou a impressão de que daríamos. Eu, que dizia sim para tudo naquela época, obviamente aceitei fingir que éramos noivos. Só para descobrir depois que Matt já era quase casado.

Na festa, Matt não tinha a menor cerimônia de mostrar a todos que estava comigo, mesmo sabendo que todos da festa conheciam sua namorada. No momento em que nos conhecemos, imediatamente sofremos uma mudança energética tão grande e tão intensa, que tudo o que já tínhamos vivido parecia ter ficado num passado tão distante, e que todo espaço da vida era agora ocupado demais por aquele evento – tínhamos nos encontrado. Matt me tratava como se tivesse achado algo extremamente valioso. Lembro-me de ele me sentar em seu colo e ficar com os olhos brilhando enquanto eu falava as maiores bobagens, sentada à mesa com seus amigos. Ninguém entendia seu comportamento, ninguém entendia o que eu era. Eu não entendia o que éramos, mas era o encontro mais familiar que eu já havia tido na vida.

Estávamos finalmente a salvo, e todas as formalidades e compromissos da vida real eram mera insignificâncias diante de um evento cósmico daquela proporção. E isto tudo antes de qualquer beijo, antes de qualquer intimidade. Nos encontrarmos foi a sensação de chegar em casa. Ele era eu. Mais eu que eu mesma.

Algo muito importante tinha acontecido, só não sabíamos como prosseguir dali em diante. Fui até a escada fumar. Matt veio logo atrás e nos beijamos, muito rapidamente. Decidi ir embora. Ele inventou uma mentira para que pudesse ir comigo. E naquele taxi para casa, nossa história estava oficialmente iniciada. No fim da corrida, Michael Jackson tocava no rádio,

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avisamos que só desceríamos quando a música terminasse. Era Man on the mirror.

Naquela noite, Matt me disse o seu segredo mais secreto, algo que ele nunca havia dito a ninguém. E embora eu ache que não seja nada de mais, morrerei guardando-o. Parecia que tínhamos vivido todos aqueles anos na busca daquele encontro para finalmente podermos ser nós mesmos. Era uma sensação de alívio, de pertencimento, de estar em casa, seguros. Estávamos numa felicidade infinita de compartilharmos uma intimidade tão natural.

Me apaixonei naquela noite, quando ouvíamos Slow Show – The National. Matt Berninger dizia “You know I dreamed about you for 29 years before I saw you”, falei que eu tinha 29. Matt disse “essa música é para qualquer um com mais de 29, você pode sempre dizer: comecei a sonhar com você quando tinha 3 anos”. Eu amava seu senso de humor e seu sotaque caipira do interior da Irlanda. Eu tinha 1 ano em Saturno, e um homem de 2 metros deitado na minha própria cama. Eu era feliz. Deus é um autor de novelas.

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Dublin 2012

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O campo das potencialidades

A realidade para além do que enxergamos e vivemos é um campo de possibilidades infinitas de acontecimentos diversos, como uma biblioteca gigante e infinita, em que cada livro da estante é um evento em potencial esperando que alguém o manifeste na terceira dimensão.

Vivemos dentro da mente de Deus, onde tudo que podemos viver está gravado, como em um cd. O desafio é fazer o download destas informações para a nossa vida.

Imagine, por exemplo, que todas as músicas que existem, existiram ou que ainda existirão estão em um campo de possibilidades. Estas músicas todas compostas ou não, estão todas contidas num espaço infinito, todas as combinações possíveis de acordes e notas musicais flutuam neste espaço de pura potencialidade. Já a realidade que percebemos, a terceira dimensão, seria então um grande piano. Um piano intacto, quieto. A mão que toca o piano é a emoção. Ao tocá-lo, trazemos para esta realidade, músicas que estão nesse espaço infinito, no campo das potencialidades. O que era potencial de uma música, agora é uma música que pode ser ouvida. É por isso que a música tem o poder de transcender – é a manifestação direta da conexão divina entre a terceira dimensão e a dimensão de pura potencialidade.

Com nossas mãos, somos capazes de tocar um instrumento e extrair-lhe sons, mas quem pode dizer se de fato não é a música quem toca o músico? E se a música é uma entidade de outra dimensão que usa nosso corpo para ter a experiência da terceira dimensão? O sonho de toda música é ser ouvida.

Paul McCartney teve um sonho com a música do que se tornaria Yesterday. Ele a trouxe da realidade dos sonhos para esta dimensão. Quando não estamos tocando Yesterday no piano, ela não deixa de existir. Ela agora está na nossa memória. Sabemos que ela existe porque Paul a

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trouxe para nosso conhecimento. Sem Paul, ela ainda existiria – no campo das potencialidades, mas nós não teríamos acesso à sua beleza. Yesterday seria somente o potencial de si mesma, o potencial de sua existência.

Teria sido Paul mais um descobridor, um canal para manifestação da canção? Um catalisador para sua manifestação na terceira dimensão? O que sabemos é que Paul vibrou suas emoções na frequência de Yesterday, a captou como um ímã, e então a manifestou.

Assim como com as músicas, podermos manifestar em nossas vidas tudo o que queremos do universo é uma questão de combinarmos nossas emoções na frequência de nossos desejos, todos imersos e já existentes no campo infinito de potencialidades. Tudo que pudermos imaginar acontecer é possível, absolutamente tudo, pois as potencialidades deste campo são infinitas bem como é verdade a nossa capacidade de sentir e sonhar. Nas dimensões mais elevadas, não há espaço entre pensar e existir – todas as coisas que pensamos já existem em outro plano, o desafio é trazê-las para o nosso.

Indo um pouco mais longe, se nos compararmos à música, sabendo que através de nossos corpos, estamos tendo a experiência de uma realidade tridimensional, enquanto a canção Yesterday dura em torno de 3 minutos, e depois fica em nossas memórias, renascendo a cada vez que alguém a executa, ou a escuta, nós podemos viver até uns 90 anos, e depois ficamos na memória dos que deixamos para trás, tendo lapsos de existência a cada vez que somos lembrados.

Demorou 29 anos para que o universo sincronizasse todos os eventos que me colocariam na frente do homem que eu conhecia antes de conhecer. Levou 29 anos para que conseguíssemos vibrar na mesma freqüência energética, engatando um casamento magnético. Mas em Saturno, ao menos, tinha se passado só um ano.

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O universo é amor

Independentemente da concepção individual sobre amor, há uma característica universal aceita por todos. Amor é o foco puramente positivo sobre o objeto amado. É por isso que, para os casais novos e apaixonados que só vêem as partes positivas do outro, tudo é mágico no começo da relação, pois é neste momento em que estamos conectados com a mais pura essência do universo: o foco puramente positivo.

Para facilitar, ainda contando com o exemplo de Paul McCartney, pensemos que nós somos Yesterday, nós somos a música que antes vivia no mundo das potencialidades, esperando por uma chance de ser manifestada. Quando Paul toca Yesterday, Yesterday também toca Paul em retorno, usa seu corpo para ser manifestada, e lhe devolve as sensações que se tem ao ouvi-la. O piano que Paul usa para trazer Yesterday (nós) à vida é a terceira dimensão. A mão de Paul é a emoção, que vibrada na frequência de Yesterday (nós), foi capaz de manifestá-la. A pergunta é: quem é Paul? O criador?

Enquanto Paul tocar a canção, todo o seu ser está comprometido em SER Yesterday. A música, enquanto tocada, dá outra perspectiva para a existência de Paul, e embora o papel de Paul tenha sido importante, Yesterday existe nesta dimensão porque quis existir. Nesta dimensão, ela pode ser um objeto de Paul, mas na dimensão em que Yesterday vive enquanto não é tocada, talvez Paul é que seja um objeto seu, não sabemos. Criador e criação se misturam, enquanto a única coisa comum aos dois é a frequência da emoção que os uniu.

Quem pode nos dizer se Yesterday atrás do véu não é uma outra entidade que combinou com a frequência emocional de Paul, e agora de tempos em tempos, Yesterday é quem toca Paul, que é apenas uma linda música descoberta naquela outra dimensão, ouvida e cantada por outras Yesterdays? Quem pode dizer se Paul não é a música mais ouvida naquela dimensão? Sim, a viagem pode ser intensa (e nem estamos drogados), mas quem pode dizer que tudo isso é impossível?

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Ainda que seja difícil dizer quem é Paul nessa história, uma coisa é certa: A emoção que nos trouxe à existência como a conhecemos era uma combinação perfeita para nossa vontade de existir nesta realidade, tanto quanto para Yesterday surgir no piano. Era o "eu quero existir" somado ao "eu quero que você exista". Esta emoção é a responsável pela existência de tudo que vive, de tudo que há, esta emoção é a mão que toca o piano trazendo o sonho para a realidade. Este é um universo do sim, das coisas que são possíveis. Como num casamento, o campo de puro potencial diz sim à frequência da emoção que lhes contata, e manifesta eventos na realidade tridimensional. A manifestação de existência de tudo o que conhecemos foi um grande sim para tudo que podia existir. Sendo o amor o foco puramente positivo sobre o objeto amado, a emoção a que nos referimos é o tão aclamado Amor. É o amor a emoção que segura a existência de tudo.

Contamos nosso tempo a partir do Big Bang, o momento do grande sim. Na verdade, o ponto zero do infinito “siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...m”, que se expande eternamente. Vivemos no tempo presente, contidos em um dos “i” e expandindo para que nossa expansão ajude na expansão do todo universal.

E porque este é um universo de amor e possibilidades, nossos desejos são todos possíveis, e o poder em nós é imensurável. Desejos devem ser orientados na direção do que realmente queremos, do foco positivo, pois este não é um universo baseado nas coisas que não queremos. Mas, por muito tempo, vivemos numa realidade de medo, e cada vez que queremos algo por medo de algo que não queremos, bagunçamos o entendimento do modus operantis do universo, e acabamos conquistando o que realmente não queríamos.

Entender que o universo funciona e se relaciona conosco através do amor é o primeiro passo para conquistar a vida que queremos viver.

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Amar é

Conheci na minha vida dois tipos de gente: os que amam imediatamente no nível máximo e vão perdendo o amor com o tempo, e os outros que vão amando mais e mais aos poucos. Matt era o primeiro tipo, eu era o segundo. Quando ele me deixou, eu estava no auge do amor, ele no final. A dor não poderia ser maior, pois eu não estava acostumada a perder algo que amava tanto. Para mim, foi a dor da morte. Para ele, um alívio.

As pessoas podem ter formas muito diferentes de amar, e todas elas estão intimamente relacionadas com seu background, com o tipo de infância que tiveram, sua relação com seus pais, e tantas outras variáveis. E quem pode julgá-las? Quando uma noite, lá na metade da nossa relação, ele me tinha sentada em seu colo, numa época em que eu já estava em depressão, eu lhe disse que conseguiria reconhecer seus olhos se colocassem só as bolinhas num frasco grande cheio de outros olhos porque eu conhecia todos os tons de azul dos olhos dele. Ele chorou. Disse que era por amor: “afinal, a gente não chora por outra coisa, chora?”. Com nosso jeito inversamente proporcional de amar, aquela foi a noite em que nos encontramos no meio do caminho. Amávamos igualmente por um breve espaço de tempo, dali em diante, eu ascenderia, ele decairia.

A experiência do amor nos aproxima dos deuses, nos transforma em criadores da nossa própria arte. O outro recebe todas as nossas projeções inconscientes daquilo que nos salvará de nós mesmos. Depositamos no outro a esperança de sermos salvos de uma vida de insignificância que não queremos viver. Fazemos do outro uma divindade, e nos relacionamos com ela, vemos o sagrado em sua humanidade e nos sentimos especial por sermos seu escolhido. Sentimos que somos o escolhido de Deus. E quando o outro nos deixa, bem, tudo o que nos resta é dor: o mais bruto dos materiais de transformação, a matéria bruta de toda arte.

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O outono do Amor

A vida que tínhamos no início era a total aceitação do que éramos. A mais completa intimidade. Matt costumava botar uma bola de papel dentro do nariz para estancar o sangue quando ele sangrava. E numa das festas que íamos, ao deitarmos para dormir, só conseguia ver aquela bola dentro do seu nariz, e me apaixonava ainda mais. Amava Matt quando ele era simples, quando não tinha máscaras, quando perdia as camadas da cebola.

Ele tinha algo nas suas costas, que sempre chamei de “that thing”, pois não era uma espinha, mas também não sabia o que era. E de tempos em tempos, eu tirava that thing para fora, espremendo sua pele. No início, ele ficava constrangido, mas quebramos muito rapidamente as barreiras de intimidade entre nós. Nos aceitávamos mais na nossa imperfeição e nos sentíamos cada vez mais próximos. Líamos a mente um do outro, nos tornamos um só.

Havia obviamente um choque de classes, realidade e cultura. No nosso primeiro jantar, havia um recipiente com água e limão na bandeja. Pensei que era molho para o frango, Matt rapidamente me corrigiu antes que eu o molhasse: “você sabe que esta água é para molhar as mãos, não sabe?”. Eu era Julia Roberts na cena do restaurante em Pretty Woman. Eu era muito simplória e/ou selvagem para Matt, ainda que ele viesse de uma família de fazendeiros. Quando amamos alguém, todos os choques são vistos como positivos, fonte de diversão e crescimento. Quando não amamos, todos os choques nos servem para nos distanciar.

Naquela época, Matt usava muito a bicicleta. Eu sentava na frente, e juntos saíamos pelas ruas de Dublin cantando Rain drops keep falling on my head, dizendo “Good morning” para as pessoas na rua. Éramos o retrato de um casal apaixonado e absurdamente felizes. Eu era a menina dos olhos de Matt.

Em Berlim tivemos nosso casamento falso com vestido de noiva que comprei no brechó. Ouvi de Matt pela primeira vez “eu te amo”. Ganhávamos

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drinks nos bares por sermos “recém-casados”. Todos amam o amor. Na volta para casa, esperando um taxi no aeroporto, ele disse “tudo agora vai ser diferente. Agora você tem a mim”. Era verdade.

Rapidamente passamos a morar juntos, meu emprego tinha se tornado fonte de desconforto e motivo de vergonha para com seu círculo de amizades. Mesmo tendo largado o emprego, a vergonha e o ciúme contaminaram a mente de Matt, e suas atitudes comigo todas tinham um agravante inconsciente relacionado com o meu valor. Eu valia menos por ter tido o emprego que tive. Ele nunca esteve consciente disto, é claro. Até eu só pude compreender depois do fim.

Agora eu morava com Matt. Havia entrado por livre e espontânea vontade numa gaiola. Eu pararia de voar, e aos poucos, perderia as asas.

Todas as diferenças culturais e de realidade agora cresceriam enormemente. Quando se pára de ter foco positivo no objeto amado é quando se começa o fim do amor. Para nós, o fim do amor começou em setembro de 2012, no outono. De um dia para o outro, Matt mudou a energia, se tornou inacessível. Por mais que eu tentasse penetrar na sua vibração, algo tinha mudado, e eu não sabia o que era, pois ele não se abria. Eu nunca tinha lidado com pessoas que trocam de energia tão dramaticamente e tão rapidamente sem dizer uma palavra a respeito, quase enlouqueci. Soube eventualmente que sua mãe não me aceitava, e era isto o que tinha mexido com ele. Na opinião de sua mãe, eu era a forasteira sem história que o separou de um relacionamento estável de 8 anos, e ela não tinha a menor intenção de me conhecer pois não queria ter a chance de mudar de opinião.

Como irlandês, Matt era uma pessoa extremamente influenciável pelo meio, e quando sua mãe entrou em sua mente, abriu a porta para toda energia que fosse contra mim. Se não temos a nossa própria integridade definida, a opinião alheia tem grande impacto no modo como nos sentimos a respeito de nossas próprias escolhas. Aquele foi o mês que Matt iniciou seu próprio conflito interno entre coração e razão, entre sua voz e a dos outros. O homem que eu havia conhecido naquele verão se transformava em outro. A mulher que eu tinha sido também.

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A arte imita a vida

Arte é reprodução, música é reprodução, filhos são reprodução. No mais literal sentido da palavra, re-produzimos a nós mesmos, pois sabendo de nossa mortalidade, encontramos na arte uma forma de nos tornarmos deuses de um pequeno universo. Possivelmente nosso próprio universo é a reprodução de outros antes de nós, a arte que eles criaram.

O que nos motiva a criar, no entanto, raramente é o desejo consciente de sermos deuses. Assim como o que nos motiva a ter filhos também não é o desejo consciente de nos tornarmos imortais através de nossa genealogia. É preciso que este desejo permaneça inconsciente, para que ele seja eficaz. Ninguém, enquanto bebe com os amigos no bar e flerta com o sexo oposto, assumiria que está à procura de uma matriz para reprodução de si mesmo, porque deseja procriar e se tornar um pequeno deus.

Quando assistimos a um filme, aqueles personagens na tela representam uma série de emoções. Mas ainda que os atores, ao filmar, as tenham realmente sentido ou fingido bem, no momento em que vemos o filme, a única emoção real no processo é a nossa própria. Emprestamos nossos sentimentos, embarcamos num acordo em que os atores serão avatares para a expansão da nossa própria consciência enquanto assistimos. E ainda assim, o filme é a reprodução, a criação do roteirista, o pequeno deus.

Qualquer filme que vejamos, no entanto, é sobre nós, pois as emoções que sentimos ao ver um filme não são as mesmas para todo mundo. O jeito como eu ouço as coisas e o sentido que elas têm para mim não são necessariamente iguais ao das outras pessoas. Posso me comover muito mais com uma situação do que com outra que comoveu outras tantas pessoas. O filme que vemos diz sempre mais sobre nós do que sobre o próprio filme. Uma vez vi o filme “The Field” com Matt. Ao terminarmos, perguntei-lhe sobre o que ele acha que o filme era. Para ele, o filme era sobre um filho que devia ou não tomar conta das terras do pai. Para mim, o filme era sobre um homem que devia ou não fugir com a cigana por quem se apaixonou.

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Matt era filho de um fazendeiro. Eu era a cigana estrangeira que causava desconforto e desconfiança nas pessoas da cidade. Nosso magnetismo um pelo outro se dava quando ele era o mais fazendeiro possível e eu a mais cigana possível. Era o contraste o que segurava nosso fascínio pelo outro. De algum modo, tudo ruiu quando fomos obrigados a nos adaptar.

Como um filme, a realidade que vivemos também é subjetiva. Podemos passar pela mesma experiência e ainda assim absorver coisas completamente diferentes, que se casam com a noção de mundo que temos internalizada.

Seríamos nós mesmos os atores de um filme assistido por outra dimensão? Seria possível que ao sentirmos emoções nesta realidade, estamos na verdade sentindo as emoções emprestadas de nossos expectadores? Estaríamos nós interpretando diferentes papéis por toda nossa vida? Eu era em Dublin o personagem da cigana, enquanto em meu país eu era outro personagem. Seria a vida uma grande Hollywood, uma questão de escolha de papéis que interpretaremos durante a temporada?

Conhecemos já segredos suficientes do universo para nos tornarmos não só atores, mas roteiristas e diretores de nossa própria vida? Por mais incrível que possa parecer, a dinâmica em que vivemos funciona como uma produção cinematográfica: temos um roteiro daquilo que acreditamos ser possível, vibramos a emoção daquela cena imaginária, e extraímos do universo a vibração da mesma emoção manifestada numa cena real. Muitas vezes o roteiro que temos não nos favorece porque nele há nossas crenças limitantes, mas enquanto nossas crenças estiverem “no papel”, há sempre a possibilidade de alterá-las para que nossos desejos positivos sejam manifestados.

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Querer é poder

É muito difícil convencer alguém de que tudo que vivemos é escolha nossa, inclusive as coisas que não gostamos, e muitas vezes, principalmente as coisas que não gostamos. De todas as leis do universo, o livre arbítrio e a lei da atração, são as leis mestras, são fortes e inquebráveis. O livre arbítrio é mais simples do que parece – é a livre escolha do foco. Onde quer que foquemos, estamos alimentando com energia para sua manifestação, logo, se meu foco é em tudo que me falta na vida, as situações de falta e carência aumentam e se perpetuam.

Todas as nossas escolhas, por mais que tentemos justificá-las racionalmente com motivos e cálculos perfeitamente sensatos, são formadas pelo nosso subconsciente. Posso escolher um sorvete de morango, mas o que me fez escolher este sorvete está no banco de dados do meu subconsciente – pode ser que eu me lembre de alguém especial quando tomo este sorvete, pode ser que tenha tido momentos felizes enquanto o saboreava... há infinitas possibilidades. A maioria das escolhas feitas pelas pessoas que vivem em medo, no entanto, é baseada não na preferência por um desejo, mas no pavor de obter o contrário daquela escolha: um sorvete de morango pelo enorme medo do sorvete de chocolate.

Muitas vezes, fazemos escolhas inconscientes que nos trazem sofrimento. Escolhas que nunca faríamos em nível consciente, mas ainda assim as fazemos. Por quê? Porque elas refletem alguma questão interna não resolvida. Há pessoas que são praticamente um ímã para assaltos, enquanto outras passam a vida sem nunca serem assaltadas. O primeiro grupo de pessoas geralmente foca tanto no medo de ser assaltado, traça planos e roteiros com horários para chegada em casa, pensando nos perigos do caminho, pensam tanto em evitar o assalto, que, ao invés de afastá-los, os atrai – lei da atração – você vibra, você atrai. Enquanto o segundo grupo raramente pensa sobre assaltos, anda sem medo pelas ruas, independentemente dos horários. O fator chave está na atenção. Enquanto o primeiro grupo não trabalhar este medo interno, mais situações de violência continuarão a se manifestar em suas vidas, pois sua

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atenção, seu foco, está todo no assalto. Tudo o que não resolvemos, volta a se manifestar. O sonho de todo problema é ser resolvido.

Por estarmos num universo de possibilidades, um universo de sim, a toda vibração que emitimos, receberemos um sim do universo. O universo não julga que aquele evento nos fará bem ou mal, ele apenas reafirma a vibração que enviamos, ele nos aceita incondicionalmente. Bom ou ruim, bem ou mal são nossas próprias concepções. Num plano maior, até mesmo o mal que nos acontece tem uma foco positivo escondido, então naturalmente o universo deixará tudo o que vibrarmos passar, ele não nos protegerá de nada, porque a única coisa a nos proteger seria de nós mesmos, ele é de amor, não de julgamentos – ele nos aceita por inteiro mesmo quando emitimos a mais baixa das vibrações, e como um espelho, apenas reflete de volta – “sim”.

A maior lição que aprendi na vida é que o universo não nos dá o que queremos, nos dá o que somos. Posso querer me tornar uma pessoa bem sucedida, mas o que receberei do universo será apenas o que eu sou agora. A lição de casa, é trabalhar a mim mesma para que eu consiga ver e acreditar em meu sucesso em alguma escala. Este sucesso será ampliado à medida que eu conseguir vibrar a emoção positiva por tê-lo alcançado, recebendo de volta mais manifestações para a mesma emoção.

Sendo o universo um espelho que nos reflete, todas as tentativas de mudar nossa realidade externamente são frustradas quando não mudamos nossa realidade interior. Quando me olho no espelho e não gosto do meu cabelo, não tento mudar meu reflexo, e consertar meu cabelo tocando no espelho, ao invés disto, mexo em meu próprio cabelo para que este seja refletido da forma que eu espero no espelho. Toda mudança deve vir primeiramente de dentro. TODA MUDANCA.

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O inverno do amor

“Não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer. E isso, eu vi, o vento leva” - a música de Rodrigo Amarante fala mais sobre nós do que eu posso fazer. Com a contaminação de nosso amor pelo foco em tudo que nos separava ao invés de unir, começaram as brigas. E basicamente eram todas enraizadas no mesmo problema – eu não entender o que acontecia com Matt e ele não se expressar. Eu nunca ter acesso à verdade, e ele não conseguir pôr em palavras toda a raiva que vinha acumulando. Eu falhava em ler seus sinais, ele falhava em expressá-los. Hoje sei que a raiva acumulada sobre mim era a projeção da raiva que ele sentia de si mesmo por amar alguém que não atendia às expectativas do grupo: família, amigos, sociedade.

As coisas que não dizemos, muitas vezes, causam mais estragos do que as que dizemos. Ao expressarmos nossa insatisfação, damos ao outro a chance de entender a situação e mudar o que pode ou deve ser mudado positivamente. Mas ao calarmos, deixamos que o vento leve nossos sentimentos mais negativos para a mente do outro, causando mudança de comportamento, desespero, falta de compreensão.

Todo pensamento gera uma vibração, e ainda que o pensamento não seja realmente alinhado e verbalizado, o desconforto emocional cria uma vibração, captada pelo coração do outro. Uma vida em clima de climao.

Em meio à tanta confusão e negatividade entre nós, comecei a mudar o que eu era, no desespero de atingir a aprovação e limpar a energia entre nós dois. Matt dizia “eu te amo”, mas sua energia dizia o contrário. Qualquer um que tenha passado por esta situação sabe que é devastadora, causa um grande conflito mental e emocional entre o que é verdade e o que é ilusão, e perdemos a confiança em nosso guia interno. Recebi do vento todos aqueles sentimentos de raiva pela inadequação e os incorporei em meu próprio sistema de valores a respeito de mim mesma.

Eu já não saía de casa, não tinha os amigos que antes tinha, não dançava, tinha empregos que eu detestava e que pagavam mal só para não pisar

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nas inseguranças de Matt. Eu já tinha traído completamente a pessoa que eu era, a fim de mostrar a Matt que eu era confiável, que ele podia confiar em mim. Estávamos deixando a chama se apagar, e eu desesperada tentando mantê-la. Eu realmente não era confiável: como poderia ser confiável se eu traia a mim mesma?

No último dia dos namorados, não sabia o que pensar quando vi que Matt não havia preparado nada, nenhum cartão, nada especial, nada. Ele saiu às pressas para comprar algo, e não com muito gosto. Ao chegar em casa, no portão, encontrou anúncios que eu havia espalhado pelo prédio inteiro: era uma foto sua em preto e branco como cartazes de desaparecidos, com a frase “missing... a lot”. Ele amou a surpresa. Olhando para trás, vejo que era a manifestação mais simbólica do que eu realmente sentia: a falta do homem que eu amei.

Com tantos sentimentos negativos sobre mim, mas nenhuma palavra a respeito para que eu entendesse o que acontecia, passei a sentir o mesmo por mim mesma: uma vergonha, um ódio, um desprezo. Foi quando virei o alvo perfeito para o medo e, conseqüentemente, a depressão. Tudo o que Matt não expressava eu então expressava da pior forma, culpando-o, brigando, sofrendo, chorando. Tudo o que ele sentia por mim e não dizia, eu passei a lhe dizer, magoando-o. Gastei toda a minha cota de erros que eu poderia ter com alguém ali naquela relação.

O amor era um campo minado em que ora se perdia membros, ora se comemorava o cruzamento para o outro lado. Mas o doce não seria tão doce se não fosse pelo salgado, e com tanto sal entre nós, os momentos de açúcar, para mim, ainda eram extremamente doces. Eu amava nossas conversinhas antes de dormir, era meu momento preferido do dia. Ele trabalhava muito ao chegar em casa, eu lhe preparava chás. De vez em quando, ele parava e nós fumávamos um cigarro juntos neste intervalo, ou ficávamos na rede, víamos a lua no telescópio, tomávamos um vinho. E estas eram as coisas em que eu tentava focar, pois o amava.

Eu encontrava alegria como podia. Fiquei obcecada em colorir a casa. Comprava capas de sofá de todas as cores. Ligava para Matt no meio do dia e dizia “Mattiiiiii, adivinha o que eu comprei”, e ele já sabia que era outra capa. Mandava-lhe emails com gifs que eu passava longos minutos preparando. Minha energia inteira era focada naquela relação, e obviamente, esse era o maior dos

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meus erros. As cores que eu tentava incluir na casa eram as que faltavam em minha vida.

Amava quando fazíamos Road trip, amava seu carro velho. Amava que ele não ligava para carros. Amava a intimidade que tínhamos, apesar de ele não expressar as coisas que mais deveria. O problema da intimidade, no entanto, é que, quando sabemos que o outro nos ama inteiramente como somos, independentemente do que fazemos, então não nos esforçamos mais para merecer aquele amor. Sabemos que ele estará ali, quando devia ser o contrário: devíamos pôr mais esforço naqueles relacionamentos em que sabemos que somos amados imensamente, por lhe valorizarmos, pois a força que temos para sermos quem somos vem muitas vezes do imenso amor que nos sustenta.

Naquela época em que Matt dizia me amar mas vibrava o contrário, como eu não entendia de onde vinha tanta tristeza, achava que o problema era eu ter depressão. E também não entendia por que eu estava deprimida. Como eu poderia ser deprimida se eu tinha o homem que eu amava e que dizia me amar? E então eu ficava ainda mais deprimida por estar deprimida. Era um loop infinito.

Algumas lições demoram muito a ser aprendidas. Podemos ter tudo na vida, mas não somos nada se não pudermos ser nós mesmos.

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Atração pelo medo

De 2013 a 2014, atraí para minha vida toda sorte de situações que conscientemente eu não queria e ativamente fugia, nadava contra. Todos os meus medos se manifestaram, pois minha vibração era de medo de que aquelas situações se manifestassem (olha o foco). Ao vibrarmos o medo, nossos pensamentos se concentram não no que queremos que aconteça, mas põe todo o foco no que não queremos. E quanto mais o medo cresce, mais a situação indesejada cresce junto, influenciada pela atenção que damos a ela.

O medo é como falam em Star Wars: “é o caminho para o lado negro. Medo leva à raiva. Raiva leva ao ódio. Ódio leva ao sofrimento”. O medo é a total falta de confiança no poder do universo em preencher nossos desejos. É a total falta de confiança em si mesmo ou numa forca maior. Quando fazemos um pacto com o medo, nos conectamos à sombra do universo, e perdemos o contato com nossa própria luz, somos seduzidos pela sombra de Deus. Se o universo é feito de amor, e a existência tem como propósito expansão e felicidade, ao nos aliarmos ao medo, temos o oposto da natureza de luz do universo: ódio e sofrimento, ainda que consigamos o que desejamos.

Posso me relacionar com alguém não porque quero estar com esta pessoa, mas por um medo desesperador da solidão, e o que conseguirei é me sentir sozinho mesmo estando junto, a tão famosa solidão a dois. Conseguimos o que queremos pelo medo do que não queremos, e paradoxalmente, conseguimos o que não queríamos.

Tudo que podemos imaginar existir no universo, realmente existe, perceber é apenas uma questão de ajuste de freqüências. Anjos, demônios, aliens, fadas, elfos... mas é a nossa atenção o que alimenta a frequência dos eventos. Tudo a que damos atenção, cresce. A atenção é como o fermento para um bolo. Um bolo sem fermento não cresce, e quanto mais fermento, maior o bolo. No momento em que desinvestimos nossa atenção de algo, aquela coisa diminui seu tamanho e sua importância em nossas vidas, gradualmente desaparecendo. Em contrapartida, quanto mais

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atenção investimos em algo, maior ele se torna, a ponto de, muitas vezes, tomar conta de nossas vidas.

Nos anos de meu relacionamento com Matt, eu não tinha a menor noção de que criamos nossa realidade. Então atraí, através do medo, o abandono pelo homem que eu amava, entrei num túnel de vergonha e humilhação dentro do círculo que eu freqüentava em Dublin, Irlanda. Desencadeei um processo de ódio próprio. Tornei-me a combinação perfeita para a manifestação de entidades e eventos sombrios. Os pensamentos que tinha eram todos maldosos e maléficos. Energeticamente toda minha luz tinha se apagado, estava bloqueada pela interferência de todo tipo de pensamentos e sentimentos de baixa frequência.

Via objetos se transformarem em rostos e palavras. Obviamente achei que era o começo de uma esquizofrenia seguida da depressão. Nas pinturas que eu fazia e odiava, lia o nome Satanás se formar, e eu nem mesmo era religiosa. Ouvia vozes. Minha glândula pineal estava aberta, mas atraía muitas experiências negativas, pois eram essas freqüências as que eu vibrava mais.

Em outros momentos, tinha experiências sobrenaturais positivas, muitas visões, ouvia muitas vozes, músicas no além, gente falando em outras línguas, que nem sei se existem mesmo. Quando percebi que Matt achava que eu estava louca, parei de lhe contar as coisas que me aconteciam, e a auto-censura só acresceu ainda mais meu sentimento de inadequação, meu ódio a mim mesma e conseqüentemente o ódio dos outros. Teria sido ótimo ter todas estas experiências sem me julgar doente, pois elas eram mágicas.

Parecia que eu estava fazendo um mestrado sobre a loucura. Experiencias espirituais em que colocamos um rótulo de esquizofrenia fazem o sujeito se sentir doente, e então ele passa a se comportar como doente, ainda que inicialmente não seja. É como dizer para alguém “você vai chorar?” e a pessoa nem queria realmente chorar, mas ao repetirmos a frase, a estimulamos a se comportar daquela maneira por despertar vários fatores emocionais e julgamentos a respeito do ato de chorar.

As trevas que manifestei inconscientemente estão ligadas a um foco positivo escondido – tudo o que nos acontece é para nossa expansão. Quanto mais cedo se aprende esta lição, menos estrangulados estamos diante das dificuldades.

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O que aprendi sobre o medo é que quanto menos atenção se dá a ele, menos impacto ele tem em nossas vidas. O medo se alimenta de atenção, sonha ser olhado nos olhos, ser ouvido, ser considerado. A cada não que dizemos ao medo, nos elevamos mais em direção à luz.

Todas as notícias na televisão nos dão a sensação de que a realidade é extremamente perigosa, e é como se a televisão expressasse a sombra do universo, na tentativa de atrair nossa atenção e nos manipular através do medo. Funcionou muito bem por muito tempo, ficávamos trancados em casa e deixávamos as ruas e os espaços públicos para os destemidos ou as baixas freqüências. O resultado era que a cidade era muito mais violenta.

Com o salto de consciência dos últimos anos, de maneira geral, as pessoas têm questionado mais a realidade que elas vêem na televisão. As pessoas têm dado menos atenção à tentativa de sedução pelo medo. Quando decidimos dizer não ao medo e ocupamos o espaço que antes era de baixas vibrações, elevamos a frequência do ambiente.

Quando fazemos da escolha em dizer não ao medo um hábito freqüente em nossas vidas, passamos a ter cada vez menos situações em que precisamos escolher, porque então construímos um padrão de comportamento no cérebro voltado para a luz, e nossas manifestações externas refletem este padrão.

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Como mudar de frequência

Pense no cérebro humano como uma antena que capta o ambiente e forma circuitos relacionados com a onda captada. Nascemos com certa predisposição a sermos mais positivos ou negativos, pois herdamos desde o útero emoções e projeções do ambiente em que estamos nos desenvolvendo. Naturalmente o processo em ambiente familiar primário se estende pela primeira infância, adolescência, e, em alguns casos, até mesmo a vida adulta.

Gestantes deprimidas naturalmente proverão seus fetos com hormônios de estresse, cansaço, tristeza, tudo através da corrente sanguínea. Estes hormônios, circulando pelo corpo do feto, serão sintetizados e farão parte daquilo que integrará os primórdios de personalidade. Hoje se sabe que herdamos muito mais dos nossos pais do que pensávamos, e que as características não se limitam às físicas, mas também se estendem pelas psicológicas. O ambiente interno ao útero tem tanta influência quanto o ambiente externo pós-nascimento na formação de personalidade.

A boa notícia, entretanto, é que o cérebro não é algo fixo e imutável, ao contrário, é o órgão de maior plasticidade do corpo. Isto significa que as conexões que fizemos podem ser inabilitadas se deixarmos de alimentá-las, e que outras conexões que não existem podem nascer e serem fortalecidas se começarmos a traçá-las. Alguém que vive em ambiente extremamente negativo e tóxico obviamente tenderá a refletir e projetar tal toxicidade. Porém, a partir do momento em que esta pessoa se torna consciente do processo e faz a escolha consciente de parar de alimentar o fluxo, enquanto o substitui por outro positivo, as ligações do cérebro para o comportamento negativo se enfraquecem, sendo desligadas por falta de uso com o tempo, enquanto as conexões para comportamento positivo se fortalecem a cada vez que aquele novo caminho desenhado é acessado.

Somos inteiramente responsáveis pela nossa própria felicidade porque temos o poder de interagir até mesmo sobre nossa própria biologia.

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Quando olhamos para alguém que teve uma infância de amor e felicidade desde o útero, é fácil pensar que aquela pessoa teve sorte. Ainda que não gostemos de certos aspectos de nossas vidas, estes aspectos foram todos escolhidos previamente. Ainda que nossa infância não tenha sido a melhor de todas, ela nos serviu para expansão, pois quando aprendemos que cabe sempre a nós a mudança de atitude que fará nosso presente/futuro ser o mais feliz possível, sentimos a presença do deus em nós. Uma vez que o cérebro desliga conexões negativas e liga conexões positivas, atrai para sua realidade manifestações que combinem com as novas ligações.

O que percebemos sobre nós mesmos é sempre um processo de alquimia em tornar pedras brutas em materiais preciosos, e transformar metais. A alma está sempre em transformação, sua beleza está em todos os estados e cabe a nós aceitá-los, abraçá-los e desenvolvê-los.

Quando percebemos que o cérebro tem o poder de ligar e desligar conexões, fica fácil entender que nossa frequência pode ser modificada no momento que quisermos. Obviamente há grandes lacunas entre umas e outras – de vergonha/humilhação para felicidade, por exemplo. Mas há sempre a possibilidade de flutuar gradualmente elevando a energia através de pensamentos positivos. Não somos nossos pensamentos: eles apenas passam por nossa cabeça, e da forma que entraram, podem sair e serem substituídos por outros melhores.

Sabendo que nossa realidade se manifesta de acordo com a combinação da energia que vibramos, a procura pela combinação perfeita entre pessoas é algo até paradoxal: todo relacionamento a partir deste ponto de vista é um caso de perfect match, pois o que atraímos é sempre exatamente o que estamos vibrando. Se queremos atrair coisas melhores, devemos vibrar coisas melhores.

Gastamos, no geral, muito tempo tentando encontrar a pessoa ideal, e pouquíssima energia em nos tornarmos a pessoa ideal. No momento em que nos consideramos verdadeiramente a pessoa ideal, que temos aquelas qualidades que gostaríamos de encontrar em outra pessoa, é quando nos tornamos potenciais combinações para atração das pessoas que queremos conhecer.

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Quando paramos de esperar pelo convite do outro para que possamos nos integrar como amigos, e tomamos a iniciativa de convidá-lo, damos um passo à frente a encontro da pessoa que queremos ser e das situações que queremos atrair.

Uma noite com amigos, bebi absinto pela primeira vez misturado a outras bebidas e substancias. Literalmente quase morri. Dentro do banheiro, sozinha, deitada no vômito, senti conscientemente que estava dividida entre dois caminhos: deitar e dormir (ou morrer), ou usar minhas últimas forças para lutar contra aquele veneno. Era muito tentador somente encostar e dormir, pois a frequência da preguiça é lenta, é pesada e atraente. É preciso que o protagonista de nossas próprias vidas, no entanto, seja sempre nós mesmos: mártir ou herói. Levantei, enfiei o dedo na garganta e vomitei até não ter mais o que vomitar, me recompus. Saí do banheiro, e todos estavam na pista. Eu estava acabada, mas me sentia melhor. Agora tinha que decidir entre sentar e me isolar ou elevar ainda mais a frequência. Decidi dançar e comemorar pois agora eu me sentia muito melhor, não ia mais morrer no vômito. A frequência se elevava cada vez mais, e num passe de sincronicidade, eles tocaram “Boys don’t cry” . Meu masculino tinha resgatado meu feminino. Eu era meu próprio herói.

Trabalhar a frequência energética significa escolher pensamentos melhores e situações que nos fazem sentir melhor, este é também o atalho para alcançar o amor próprio. Das pequenas às grandes escolhas. Possivelmente, em um primeiro momento, o esforço será enorme, mas depois que criamos um padrão para as escolhas mais positivas, criamos novos caminhos em nossa personalidade para naturalmente seguir a luz. Tornamo-nos uma versão melhor de nós para nós mesmos e para o mundo. Desencadeamos o processo de amor próprio, e amor pelo mundo exterior.

Trabalhando a mente para que esta foque na solução do problema ao invés de focar na sua contemplação também ajuda na elevação da frequência e obtenção de soluções. A mente que criou um problema não pode ser a mesma que encontrará a solução pois as frequências de problema e solução são diferentes. Uma mente focada no problema não consegue se organizar como combinação para a frequência que atrairá a solução. A solução só se dá quando paramos de vibrar a frequência do problema e vibramos a frequência da solução.

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A mente focada no problema se pergunta "2 + 2". E ao invés de desapegar da pergunta e buscar a solução, continua a se perguntar "2+2", "2+2", "2+2", sem nunca sair da pergunta. A mente que busca a solução se desapega da pergunta e vai ao encontro da solução: "2+2, bem... tenho 2, acrescento 2, agora tenho 4".

Meu avô tinha uma história de muito tempo atrás. No sertão de Pernambuco, um dia, chegou em seu sítio um homem para lhe matar por encomenda. “Seu Luís, num tenho nada contra o senhor pessoalmente, mas fui pago pra lhe matar, por isso vim”. Meu avô sem muito drama perguntou ao rapaz “Meu filho, quanto lhe pagaram pra me matar?”; “2 conto, seu Luís”; “Tá certo. Pois lhe dou 3 pra num me matar”. O rapaz aceitou e se foi. Meu avô viveu até não querer mais.

Não se trata no entanto de trabalhar nossa psique para nos tornamos outra pessoa, mas ao contrário, para nos tornamos quem somos. Meu avô era o melhor negociante da cidade, até para negociar sua própria vida. Somos naturalmente luz, e tudo o que impede ou bloqueia nosso acesso à nossa luz interior não faz parte do que somos, mas do que vestimos como modo de sobrevivência em uma realidade banhada por sistemas de crenças que nos limita.

Muito tempo atrás, meu primeiro namorado precisava de um terno para ir a uma entrevista de emprego. Sem outra opção disponível, pegou emprestado o terno de um primo, que era muito menor que ele. Para caber no terno, era preciso que meu pobre namorado se curvasse, e andasse de maneira torta, obviamente demonstrando nenhuma autoconfiança. A realidade em que estamos acostumados a viver funciona mais ou menos como aquele terno – nós a vestimos porque é a opção que nos foi dada, nos moldamos a ela, mas ela impede o nosso verdadeiro eu de se expressar dentro de toda sua potencialidade. Somente removendo todos os bloqueios que nos impede de acessar nossa própria luz é que passamos a viver a vida que realmente queremos viver, e deixamos de atrair por medo aquela que não queremos.

Escolhemos desde antes do nascimento as experiências que servem a nosso propósito, que servem à nossa expansão. Escolhemos experiências que nos darão contraste, pois do contrário, não sentiríamos o desejo de nascer, ficaríamos eternamente numa dimensão de luz em que nada como conhecemos realmente acontece.

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O livre arbítrio do foco vem de muito antes de nascermos. Escolhemos a vida que teríamos antes mesmo do nascimento, e estamos aqui para entender por que a escolhemos, onde é que expandiremos através dela. Num plano superior, não importa muito se passaremos fome na África ou seremos um milionário ao encarnarmos – escolhemos a opção que mais nos favorece à expansão. Obviamente ao chegarmos aqui, não achamos que fizemos esta escolha porque ela é, na maioria das vezes, incompatível com o que realmente queríamos viver no mundo 3D. Cabe a nós então descobrir por que fizemos esta escolha, e somente olhando muito dentro de nós é que encontramos o motivo.

Uma pessoa pode ter como desejo experimentar o amor, então escolhe nascer em ambiente de desamor, para que o contraste inicial a leve a buscar o encontro do que ela não tem ainda – não entenderíamos a luz se não tivéssemos a experiência da escuridão. As escolhas que fazemos antes e depois do nascimento tem base no karma – ação, lei do retorno, da causa e efeito.

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Ódio próprio

Eu queria ser amada, mas estava vibrando simplesmente a mais baixa das freqüências – vergonha de mim mesma. Tudo o que você vibrar em relação a si mesmo é o que emitirá na rádio mental, e as outras pessoas captarão aquela vibração e sentirão o mesmo por você. Como eu poderia ser amada se eu mesma não me amava? Crescemos ouvindo isso, e achamos que é apenas um clichê, quando é uma verdade simples de atração de freqüências, é a lei da atração.

Já percebeu que quando nos olhamos no espelho nos achando genuinamente bonitos, e nos sentimos atraentes, saímos na rua, e todos nos olham? Todos nos admiram, não porque estamos vestidos de determinada forma, mas pela energia que estamos emanando. Agora experimente se odiar de verdade. Um dia, no auge do meu ódio a mim mesma, passei por uma feirinha de rua, havia uma barraquinha de espelhos, parei por um minuto para arrumar meu cabelo. O dono da barraca virou o espelho para o outro lado e me mandou embora dali num tom muito rude, gritava, me xingava. Era a manifestação perfeita do meu ódio a mim mesma – para mim, eu não era digna nem mesmo de ver meu reflexo gratuitamente. Tudo o que existe no mundo é uma coisa só – o mundo externo é reflexo do mundo interno, o dono da barraca era eu.

O caminho mais fácil para conquistar ódio próprio é se enxergando através dos olhos dos outros, medindo seu sucesso em relação ao sucesso alheio, comparando sua vida a uma realidade absurdamente diferente da sua própria história e bagagem, deixando de ter plenitude em todo o seu ser, deixando de entender que você é a melhor versão do que poderia ter acontecido com alguém estando no seu lugar, tendo sua história, tendo vivido sua vida. O caminho para o ódio próprio é cheio de foco no que nos falta ao invés do que temos.

Quando perdemos o contato com a aceitação de nossa própria natureza, perdemos contato com a luz que somos e com as forças de manifestação de luz do universo. Fazemos um pacto com as trevas, pois trevas é tudo que enxergamos sobre nós mesmos.

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Sendo culturalmente diferente num país diferente, é fácil perceber contrastes que ajudam a quebrar nosso sistema de crenças. Mas em casos de ultra-sensibilidade e foco no que nos falta, o remédio também pode se tornar um veneno. Lembro que no círculo de amizades que eu freqüentava em Dublin, as pessoas falavam sempre sobre coisas interessantes que estavam fazendo, nunca ninguém falava sobre algo ruim, ou alguma dificuldade que estavam passando. Eu achava que eu era a única pessoa com problemas nesse mundo inteiro, e falava sobre meus problemas porque naquele momento, era tudo o que eu tinha, até que parei de falar completamente sobre problemas e depois parei de falar completamente sobre qualquer coisa. A gente nunca quer ser o rato com comportamento diferente no laboratório, mas também como um rato correndo na roda, quanto mais a gente foge da situação, mais entra na situação.

A auto-censura é um dos processos mais degradantes que podemos engatar contra nossa própria personalidade. Viola nossa essência, nossa natureza, reflete vergonha, a mais baixa das vibrações. Se precisamos nos auto-censurar em um ambiente, é porque aquele ambiente certamente não reflete o melhor de nós. Verdadeiros amigos sempre farão o melhor de nós brilhar porque com verdadeiros amigos é que ficamos à vontade para sermos nós mesmos. Sentimos que somos aceitos e naturalmente os aceitamos. Lidar somente com círculos em que não há apreciação de nossa própria verdade leva à depressão, ao auto-bullying, ao ódio a si mesmo.

Quando tudo o que atraímos são pessoas e situações que nos leva à auto-censura, é porque nós mesmos não nos amamos, e estamos manifestando exteriormente aquilo que sentimos a respeito de nós internamente. Viramos alvo fácil para a vibração da vergonha.

Mas novamente, inconscientemente escolhi passar por aquele contraste, pois através dele, com a auto-censura, pude perceber que essencialmente, eu vinha de uma realidade em que as pessoas focavam muito mais nos problemas do que nas coisas boas da vida. Se eu me sentia inadequada, não era apenas em relação àquele grupo, mas era uma inadequação interna de uma vida de negatividades que eu mesma não queria viver, mas ainda não tinha consciência disto.

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What we design is desiging us in return

Tudo o que desenhamos nos desenha em retorno. As cidades, as profissões que temos, os lugares que freqüentamos, a paisagem, tudo tem um reflexo em nós mesmos. Quando deixei São Paulo para ir morar na Irlanda, era uma época muito agressiva, os muros em São Paulo tinham pichações “Mais amor por favor”, “O amor é importante, porra!” Era uma época em que as pessoas não se amavam mesmo. Era um estado coletivo de falta de amor, a cidade te engolia, te tirava a alma, te estuprava. E eu deixei o país sedenta de amor.

Cinco anos depois, a cidade estava mudada, as pessoas mais conscientes, mais gentis, e os muros agora tinham outras frases “Vila Gomes é mais amor”. Ou será que fui eu que mudei e somente agora eu via o amor que antes eu não enxergava na cidade? Quando você muda seu mundo interno, o mundo externo muda com você. A cidade tinha agora outro prefeito muito moderno, antenado com um mundo novo, e tinha deixado de ser governada por prefeitos focados no próprio enriquecimento. Em retorno, toda a sociedade tinha dado um salto de consciência, lazer gratuito de qualidade tinha virado norma, as pessoas tinham ocupado as ruas, quando antes deixavam as ruas para o mal e se guardavam em casa.

A realidade nada mais é que um sonho coletivo. Co-criamos a nossa realidade de acordo com o nosso mundo interno. É por isso que não adianta querermos que a vida sorria para nós, se fechamos a cara para a vida. O espelho não sorri primeiro, é o contrário – sorrimos, e temos de volta o reflexo do sorriso.

Muitas vezes, reclamamos por não termos amigos, mas sendo o mundo externo o reflexo do nosso mundo interno, será que não temos amigos porque verdadeiramente não somos amigos de ninguém? Será que não fazemos real companhia às pessoas e nos chocamos quando percebemos que elas não nos fazem também? Dizemos que queremos um amor, mas será que nos abrimos para amar as pessoas? Será que as observamos com foco puramente positivo? Será que as deixamos ser quem elas são ou pedimos delas a atuação de um personagem que nos satisfaz?

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Tudo o que queremos do mundo exterior, precisamos primeiramente encontrar em nós mesmos. Se ensinarmos este processo às crianças desde cedo, é possível que criemos adultos bem mais felizes do que os que fomos/somos.

Quando alguém se torna popular em determinado grupo, uma unanimidade a quem todos amam, é certo que esta pessoa tem por si mesmo grande apreço, grande amor. Há também os casos em que, ainda que alguém tenha a melhor das intenções, todos do grupo parecem detestá-lo, não suportar sua presença, e por mais que esta pessoa se esforce, não consegue conquistar o amor genuíno dos demais, e ninguém realmente sabe explicar o porquê. Usa-se a ideia de que muitas pessoas pensando o mesmo a respeito de alguém não podem estar erradas. Situações assim podem levar vidas à destruição, pois a pessoa odiada é vítima, antes de tudo, de si mesma.

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Verão do fim do amor

Sentia como se o amor fosse uma chama trêmula que Matt assoprava e eu tentava acender todo dia, a todo momento. Obviamente, do ponto de vista dele, ele deve ver a situação exatamente da forma oposta, com nossos papéis nesta fantasia invertidos.

Eu manifestava agora situações de ciúme e insegurança, pois uma vez destruída minha ideia positiva sobre mim mesma, restava proteger o pouco daquilo que me definia – nossa relação. Ao invés de enxergar o problema e resolvê-lo dentro de mim, eu tentava resolvê-lo fora, esperava que Matt não pisasse em minhas próprias inseguranças, do jeito que eu tentava não pisar nas dele.

O mesmo motivo que nos uniu – a intimidade imediata, a familiaridade completa – agora nos separava. Eu conhecia Matt demais, e ele a mim. Ele não queria estar numa relação tão simbiótica. Ele queria menos, algo mais superficial. Enquanto eu, quanto mais o conhecia, mais o amava, mais me apegava e me transformava nele.

Eu não era nem de longe a pessoa que um dia fui. Aquela não era eu. Insegura para tudo, pedindo permissão para falar, e me desculpando a todo momento por tudo. Eu sentia uma inadequação tão grande, que me desculpava por existir. Matt odiava minhas fragilidades. Detestava quando eu falava com meu subconsciente, detestava a demora para concluir um raciocínio, buscando palavras em inglês ou me certificando de que era permitido que eu me expressasse. Eu não era aquilo. E ele não gostava do que estava me tornando.

O que ele nunca soube é que eu refletia o ambiente hostil que meu mundo interno e externo haviam se tornado. Com o tempo, ele passou a odiar também o fato de eu ser muito simples. Uma vez, tomando vinho, ele disse "eu gosto de sapicar para sentir o sabor, você não?", "eu? não, eu tomo pelo álcool mesmo". Rimos, mas meses depois ele me deixaria e aparecia alguns meses depois vestindo terno e degustando vinho com outra pessoa, a quem ele certamente julgava mais sofisticada.

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Eu não era simples por não saber ser sofisticada. Eu só não achava que fosse importante. E o que antes era um charme entre nós, agora era um fator de desprezo, pois perdendo o foco positivo no objeto que amamos, perdemos a admiração pelas diferenças.

No verão de 2014, Matt me deixou. Mas quis fazer da forma mais fácil para ele, o que era a mais dolorosa para mim: quis desconectar aos poucos, e todos os dias que nos víamos era mais um dia de rejeição para mim. Eu tinha, naquela época, zero amor próprio para me concentrar em cortar o fluxo daqueles encontros, e ao contrário, ansiava por vê-lo, mesmo sabendo que ia doer.

Eu tinha esperança de que com aqueles encontros, ele pudesse enxergar minha vontade de mudar, seja lá o que ele achava que estava errado, pois mesmo no término, ele não foi capaz de expressar um motivo razoável. Então passava o dia chorando, mas quando ele vinha até meu apartamento, para jantar ou conversar (e ajudá-lo a lidar com a minha ausência), eu então me arrumava, passava maquiagem nos olhos e fingia que estava tudo bem.

Matt então ficava forte, e gastava suas energias renovadas após nossos encontros entre seus amigos e novos affairs. Enquanto eu entrava num buraco ainda maior, sem ninguém para preenchê-lo. E quando a realidade da minha ausência novamente o deixava mal, ele vinha ao meu encontro novamente e o ritual se repetia.

A pessoa que quebra seu coração nunca pode ser a mesma que irá consertá-lo. Eu não sabia disto. Então também lhe procurava por qualquer motivo, e na ânsia de vê-lo e por falta de companhia, inventava pretextos, perigos, situações de necessidade, para estar perto dele.

Todo aquele amor que tivemos tinha se transformado em algo tão triste, tão sujo, tão deprimente. Mas qualquer amor era melhor que nenhum amor, e eu acabava dormindo em sua casa, chorando em seu travesseiro.

Seu apartamento aos poucos ia se transformando numa casa sem sinais de mim. Primeiro ele se livrou das nossas fotos na geladeira, depois das fotos na parede. Por algum motivo, ele deixou uma em que aparecíamos numa moldura de coração, e ela esteve na parede por muito tempo, e me enchia de esperanças. Era uma foto em 3x4, estávamos em Berlim, eu o beijava.

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Todas as minhas roupas que eu havia deixado em sua casa, incluindo meu vestido de casamento pelo qual eu tinha tanto amor, ele colocou em dois sacos de lixo. Minhas coisas em sua casa eram um assunto em que nunca tocávamos como se falar delas fosse quebrar o pequeno fio que possivelmente nos unia.

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Depressão

Nas primeiras 24 horas sozinha no meu apartamento após ter sido abandonada, chorava alto como uma criança recém-nascida. Mas não é isso o que somos após o rompimento de um relacionamento? Uma criança recém-nascida, expulsa do céu que era o útero, aquela relação de simbiose entre nós e a pessoa amada. Sabia que tinha que comer, porque já estava há muito tempo sem comida. Sabia que não queria tomar anti-depressivos, aqueles que tomei durante toda minha relação com o ex. Não queria simular nada, queria sentir a fundo toda tristeza.

Ah, as primeiras 24 horas que seguem o rompimento são as mais longas de qualquer vida. O silêncio, os cigarros todos fumados no cinzeiro, a carne em cima da pia, a faca para parti-la. Partir a carne era a mais difícil das tarefas, era como a minha própria carne o que eu iria partir. Os olhos inchados. Há momentos na sua vida em que você simplesmente precisa ter esperança de que há algo mais, uma força maior. Pedi com todas as forças que a vida sorrisse para mim, que me tirasse daquele estado emocional. Mas a vida não ri primeiro, especialmente se você pedir. É impossível passar do desespero para a alegria imediatamente. São duas frequências opostas e muito distantes uma da outra. Ao perceber isso, pedi apenas que Deus, o universo ou quem quer que estivesse do outro lado, me desse forças para viver por mais 6 horas até a hora de dormir.

E ao acordar, todo dia, a dor voltava. E então, novamente pedia para viver por 6 horas. E de 6 em 6, vivia o dia. No silêncio de meu apartamento, as únicas vozes que eu ouvia eram meus pensamentos, até reconhecer que alguns deles não eram meus, e toda aquela dor passou a ficar interessante. Obviamente, por não ter nunca tido notícias de outra pessoa que tivesse passado pelas experiências que eu estava começando a passar, eu pensava que estava ficando louca devido à solidão, ou à maconha.

Os primeiros meses de luto após o rompimento me mostraram logo uma coisa: eu estava no poço, totalmente no limite da tristeza, mas não era depressão. Ao contrário, depressão era o que eu sentia antes do rompimento quando morava com Matt: a total falta de esperança e confiança em mim mesma

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e no universo, a total perda de contato com o sagrado, com o divino em mim. É possível passarmos por momentos de grande tristeza sem entrar em depressão, se confiamos que há uma saída para aquilo e que há uma força maior que nós ou dentro de nós.

Cortando totalmente os anti-depressivos, eu tinha feito a escolha consciente de devolver a mim mesma o poder de me tolerar nos meus piores momentos e eventualmente me curar. Anti-depressivos são uma porta de saída de si mesmo: nós os tomamos para não ficarmos conosco nos momentos que mais precisamos. Nós nos abandonamos.

Obviamente, reconheço a importância da medicação, pois quando comecei a tomá-los, também achava que não poderia passar nem mais uma noite dentro de mim mesma. E muitas vezes, preferimos a morte à nossa própria companhia.

A depressão que tive enquanto morava com Matt estava muito mais relacionada à traição que cometi a mim mesma quando perdi o controle de minha vida e ao mundo de plástico que havia comprado para mim. Parar com os anti-depressivos abruptamente foi a retomada de posse da minha própria vida, o direito ao grito. Muitas pessoas tomam anti-depressivos não porque é melhor para elas, mas porque não querem se tornar difícil para as pessoas ao redor. Tomamos anti-depressivos, em alguns casos, porque não confiamos no amor em volta, sentimos que ele é frágil e não resistiria à verdade sobre nós quando momentos de dor chegassem.

O maior ponto positivo que enxerguei quando Matt me deixou e finalmente fechei a porta para me recolher sozinha em meu apartamento foi o alívio de não precisar mais me medicar. O alívio de ter um lugar só meu onde eu poderia ser triste como quisesse e chorar o quanto quisesse sem me preocupar por aborrecer outra pessoa. A solidão pode ser uma bênção.

Algo que aprendi no processo de auto-conhecimento é que depressão está intimamente ligada a bloqueios para com a nossa própria luz. Convém sempre se analisar e se perguntar onde exatamente é que começamos a nos trair. Fazer uma regressão mental até aquele ponto e sintonizar a mente na frequência da solução. Nunca precisei de anti-depressivos, o que eu precisava era a sensação de estar pisando num solo sólido que não fosse despencar quando meu verdadeiro eu se mostrasse em verdadeira dor.

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Rejeição

Uma das maiores limpezas de ego pela qual se pode passar é a rejeição. A rejeição mexe conosco em todos os níveis. Ninguém gosta de se sentir rejeitado, mas mesmo não gostando, a rejeição é algo que atraímos também, é uma escolha inconsciente. Por quê? Geralmente pelo medo de sermos rejeitados. E para quê? Aí é que mora o mistério de tudo – as piores experiências que temos nos dão o contraste para o encontro das experiências que realmente queremos.

Somos o primeiro e o último amor de nossas vidas. Se sobrevivemos à rejeição do outro, esta pode ser a chave para o verdadeiro genuíno amor próprio. Às vezes, para que possamos alcançar o amor próprio de verdade, é preciso que tenhamos tido a experiência de uma grande rejeição, que nos deixará sem chão, e depois nos mostrará o caminho da reconstrução e iluminação. Se somos capazes de nos resgatar do buraco em que quem mais amávamos nos jogou, então nos tornamos heróis de nós mesmos, e alcançamos o amor próprio.

Podemos ter uma vida razoavelmente felizes sem nos amarmos, quando o mundo exterior preenche o vazio interno de forma superficial, plástica. Estamos felizes em tese, mas não somos felizes de fato. Não nos amamos, mas não percebemos que não nos amamos, ao contrário preenchemos rapidamente os vazios que nos fariam encarar a realidade. A rejeição é o furacão que leva tudo embora, é a bomba de Hiroshima que destrói tudo completamente para dar lugar a algo concreto, com bases fortes. A rejeição te diz "está vendo este buraco negro dentro de você ? a pessoa que o tampava se foi. e agora? vai procurar outra para tapá-lo ou vai preenchê-lo de verdade?"

Grande parte das relações que conhecemos tem base em nossas deficiências, não nas qualidades. O outro é uma muleta que usamos, pois emocionalmente somos deficientes, amputados por traumas do passado que não resolvemos em nós, amputados por partes de nós que rejeitamos ou não integramos.

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Muitos de nós, ao entrarmos numa relação, especialmente quando somos mais jovens, nos moldamos completamente ao ritmo, crenças, modo de vida do outro. E quando somos rejeitados, não entendemos o porquê. Ao sobrevivermos à rejeição e encontrarmos a nós mesmos, através do auto-conhecimento, entramos num lugar de amor próprio e aceitação, e nas próximas relações, dificilmente trocaremos o que realmente somos para viver a vida de outra pessoa. Enxergamos a preciosidade de sermos nós mesmos e não abrimos mão de nossa autenticidade. Muitas vezes, todo este processo de auto-conhecimento e aceitação seriam impossíveis sem a rejeição da pessoa perfeita que fingíamos ou tentávamos ser.

Como tudo se baseia na lei da atração, as chances de que tenhamos atraído alguém que também fingia ou tentava se moldar ao nosso estilo também são grandes. Relações assim, sem base na verdade de cada um, tendem a ruir. Às vezes, é preciso demolir algo falso para construir algo verdadeiro no lugar. E quando estivermos num lugar de amor próprio verdadeiro, atrairemos alguém que vibre na mesma frequência e capte a nossa, nos devolvendo amor verdadeiro.

Numa relação amorosa, quando as partes fingem inconscientemente o que não são, não é por maldade, mas pela melhor das intenções de serem algo melhor do que aquilo que são. Falta amor próprio em expressar com confiança aquilo que se é, e sobra medo de perder aquilo que se conquistou através da máscara dos áureos tempos.

Quando após a rejeição, fazemos nosso trabalho interno e nos integramos, nos tornamos inteiros, nos aceitamos, e amamos todas as nossas partes, expressando-as com segurança e alegria. Não somos mais deficientes, andamos confiantes sem ajuda, sem apoio de muletas emocionais. E são pessoas assim que atrairemos para nosso campo.

Alguns desejos que temos escondem buracos dentro de nós que não fomos capazes de tapar sozinhos. Posso pensar que tudo o que eu mais queria era casar com Matt porque o amava perdidamente, mas mesmo sendo verdade, este desejo refletia também não só o medo de perdê-lo, mas a minha dificuldade em ser. Refletia a minha falta total de plenitude, a muleta emocional.

O ego se esconde atrás de desejos que parecem bastante razoáveis e benignos, enquanto tenta conseguir através deles uma maquiagem

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para uma ferida gigante que não fomos capazes de curar. Ao desejar algo, é importante saber de onde vem este desejo – qual buraco dentro de mim eu espero que a pessoa que eu amo preencha?

Muitas vezes vivemos num jogo de gato e rato com a pessoa que desejamos ou nos relacionamos, sem entender que o amor que esperamos ter daquela pessoa somente será alcançado quando preenchermos sozinhos o vazio que esperamos que o outro preencha em nós. No meio do processo, a verdade sobre relacionamentos é colocada à prova: somente os que têm uma base forte sobrevivem, mas os que morrem semeiam o solo para florescimento de algo muito melhor do que já vivemos até então.

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Desejo

Quando decidimos encarnar, fazemos escolhas, porque afinal, tudo é escolha. Viemos para a Terra com propósitos e desejos. O desejo de encarnar por si só já gera a manifestação da encarnação, pois em dimensões mais elevadas, o simples pensamento já é manifestação, não há espera ou delay. Desejamos encarnar para que possamos expandir, e com isso, acrescentar nossa experiência na expansão do universo. Tudo o que vivemos serve à nossa expansão, pois expandir é o propósito-mestre de tudo no universo.

Desejar é um ato intensamente humano. No filme Faraway, So close, Cassiel é um anjo que, ao desejar salvar uma criança da queda fatal da varanda de um prédio, automaticamente se torna humano. Ele não desejou ser um humano, mas ao desejar interferir na realidade, se humanizou. É humano desejar, é humano tentar interferir.

Expansão se dá através do desejo porque é do desejo que as manifestações de tudo que queremos e não queremos viver ocorrem. Desde crianças temos desejo pelas coisas, e se paramos de desejá-las, deixamos de viver. Através do que vivemos e desejamos, o universo aprende sobre si mesmo e expande. É como se o universo fosse uma colcha de retalhos enorme constantemente crescendo através de cada retalho que dá sua contribuição. Somos um retalho.

Mas alguns desejos não são bem vistos pela sociedade, e por isso os reprimimos, a ponto de quase não percebê-los mais. O que reprimimos não desaparece, ao contrário, vai para o subconsciente, o lugar mais poderoso em termos de manifestação da realidade. E então passamos a viver aqueles desejos de forma disfuncional, quase doentia. Eu posso ter um desejo enorme, ligado à infância, de me sentir protegida e salva por um homem (dada minha relação problemática com meu pai, que nunca foi exatamente um herói), aceito que a sociedade me diga que eu devo ter minha independência, e então a conquisto, mas por outro lado, estou sempre doente, e sempre em alguma situação de apuros em que meu parceiro precisa me resgatar. Enquanto eu não trouxer essa

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necessidade à luz da consciência e resolvê-la, mais situações de apuros se manifestarão, pois elas querem ser resolvidas.

Manifestamos tudo aquilo que desejarmos e não nos colocarmos limites. Manifestamos qualquer coisa que queiramos e acreditemos no nosso coração que aquela coisa é possível. Este é o maior desafio da vida nesta terceira dimensão – quebrar os padrões do que nos foi ensinado que é impossível no nível do subconsciente e trazê-lo para a realidade. Fazer o download de nossa potencial felicidade já gravada na mente de Deus.

São impressionantes os vídeos de mães que, em situações de extremo perigo para seus filhos, são capazes de colocar uma forca sobre-humana para salvá-los de algo – levantar um carro, por exemplo. O que acontece nestas situações é que o desejo de salvar a criança é tão intenso e puro, que a mãe não se dá tempo nem para raciocinar a respeito das limitações, e então elas passam como se não existissem.

Minha mãe conta uma história de quando ela era criança. Ela quis voar e voou. Todos que ouvem riem, acham que ela está brincando ou mentindo, desvalorizam a história da minha mãe. Ela fica sem graça, e diz “mas foi verdade”. Obviamente, ela não tem testemunhas, e o caso fica eternamente sem solução. Acontece que se acreditarmos do fundo do coração, sem sombras de dúvida, que podemos voar, é possível que voemos. Se minha mãe voou, é algo que ela nunca poderá provar, pois se houvesse uma segunda pessoa no ambiente, a consciência coletiva sobre o vôo já seria invalidada pela descrença da outra pessoa.

Há o caso de um antropólogo que estudava uma tribo indígena. Em um dos rituais, o shaman mudava de forma, se transformava em um tigre. Todos os índios viam a mudança, o antropólogo não via nada. Qual percepção era a correta? As duas. O antropólogo não estava inserido de corpo e alma na consciência coletiva da tribo, ele via o mundo com os olhos de fora, os olhos do pesquisador, incapaz de testemunhar a mágica que os índios compartilhavam. Já os índios acreditavam sem a menor sombra de dúvidas de que aquele processo era não só possível quanto natural, e o fenômeno se manifestava. Para qualquer das possibilidades, no entanto, é preciso que haja consciência envolvida, o observador influencia na realidade.

Tem ainda a história do celular de Matt. Escrevíamos coisas no bloquinho de notas que achávamos muito engraçadas, ríamos muito, anotávamos

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para não esquecer. Eram ideias para TV shows, piadas, frases que tirávamos do nada, várias piadas internas. Uma vez ele mostrou aos seus amigos. Ninguém riu. Era engraçado só para nós, que vivíamos numa realidade para além da realidade, nos entendíamos porque compartilhávamos uma realidade de amor. Os outros não.

Quando criança, temos os sentidos abertos para outras dimensões e potencialidades, pois não sabemos ainda o que é possível ou impossível na terceira dimensão. É o ambiente que vai limitar o alcance de tudo aquilo que existe para nós. É o ambiente e as pessoas ao redor que vão nos mostrar o raio de frequência em que temos que focar para falarmos a mesma língua, para compartilharmos a mesma realidade. Mas quando ainda não temos estes limites definidos, se não sabemos o que é impossível, tudo é possível. Se queremos voar e não temos limites internalizados, simplesmente voamos. A experiência mágica da minha mãe infelizmente ficou na infância, pois crescer é basicamente assumir as crenças e descrenças de quem chegou no planeta antes.

Quando temos um background de pobreza e escassez, é difícil acreditar que ter muito dinheiro e abundância é realmente possível, pois todas as experiências que tivemos ou observamos nos mostram que dinheiro é algo muito difícil de conseguir. Nós vemos nossos pais e parentes, vizinhos, amigos estrangulados com relação ao dinheiro, e automaticamente aceitamos que a natureza da abundância para nós não existe. O mesmo acontece com amor ou qualquer outro desejo que tenhamos. Ao mudar o sistema de crenças que nos alimentou por toda a vida, permitimos que nossos desejos se manifestem sem resistências.

Tenho uma tia que sempre diz “amor é uma geladeira cheia”. Na vida dela, tanto amor quanto abundância sempre foram desejos vistos como impossíveis, distantes. Isto, obviamente, já herdado de gerações anteriores naquela região do país. Como mudar o modo de pensar de pessoas que já aceitaram que amor e abundância são coisas tão difíceis de conseguir que nem vale o esforço da tentativa, e o caminho mais sensato seria o contentamento com o básico, uma geladeira cheia – o suficiente para viver?

É muito difícil mudar a mentalidade de gerações mais antigas, especialmente porque, quanto mais velhos, mais rígidos e inflexíveis ficamos para entender o mundo de outra forma. Os mais velhos mudam sua visão de mundo quando as correntes de salto de consciência já são efetivamente populares o

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suficiente para afetar o todo do inconsciente coletivo. Eles se permitem mudar a visão de mundo somente quando percebem enormemente uma mudança de consciência ao redor, e por isso é tão importante a propagação de difusão de novas ideias através de meios mais antigos e tradicionais.

Tendo sido criada numa família em que as gerações anteriores pensam o amor de forma tão miserável, obviamente, eu só poderia ter herdado uma terrível concepção. Nunca havia me amado nem me sentido digna de receber amor. Até que durante um breve período da vida, estive em contato com o mais próximo que tinha chegado do amor próprio. Ao encontrar o amor do outro, não soube lidar, e alimentava o enorme medo de perdê-lo, acarretando, obviamente, na manifestação da perda, não sem antes a perpetuação da dinâmica ansiosa do por favor me ame.

Quando estava com Matt, o medo de perder era tão grande, que até pouco tempo atrás, estar ou falar com ele era uma busca ansiosa de coisas engraçadas, interessantes, fofas, atraentes, inteligentes, divertidas, no banco de dados do meu cérebro, pouco me permitindo relaxar, ficar em silêncio ou expressar meus verdadeiros sentimentos. Acontece que a vibração ansiosa do medo de perder, a tentativa forte de ressaltar as nossas qualidades o tempo inteiro, tudo isso faz parte da dinâmica do por favor me ame, e ninguém gosta de alguém que energeticamente, no plano astral, implora por amor.

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Desejo x Vibração

Se nossos pensamentos criam nossa realidade, podemos desejar algo e conquistarmos quando temos certeza de que é possível. Podemos vibrar a energia do que queremos conquistar e manifestar este evento em nossa realidade. Mas não devemos nunca esquecer que o universo, acima de tudo, nos dá de volta aquilo que somos, não o que queremos ser.

Se queremos um trabalho, precisamos entrar na vibração do trabalho. Então ao invés de sentarmos eternamente esperando ou procurando por um trabalho, o melhor a fazer para se colocar na frequência de trabalho é... trabalhando. Encontrar algo para fazer que alimente a frequência do trabalho remunerado que desejamos ter, pode ser qualquer trabalho, o importante é a energia, o ato de trabalhar. Para atingir o que queremos, precisamos combinar com a exata frequência daquilo que queremos, ainda que em pequena escala.

Quando eu era mais jovem, influenciada por filmes de Hollywood e pela criação católica-crista, imaginava que conheceria um homem que seria forte o suficiente para me salvar de várias situações humilhantes em que eu deliberadamente tinha me colocado em minhas visualizações para esta história de amor. Com um universo infinito de possibilidades, eu tinha escolhido situações em que eu seria humilhada por todas as pessoas do universo da pessoa amada, somente para que ele pudesse se mostrar meu herói, enfrentando o mundo por mim. E quanto a mim... eu era apenas um bichinho a ser salvo. O que diabos era aquilo?

Acontece que tudo que eu sonhei realmente aconteceu, com exceção de que o homem não era o herói que eu roteirizei e também esperava que eu fosse a heroína que o salvaria daquele mundo. Atraí para minha vida exatamente o que eu era. Eu vibrava na frequência da inferioridade, sabia que devia ser salva, mas não encontrava em mim nenhuma parte forte, e buscava no outro. O que não encontramos dentro de nós não pode ser encontrado fora. A minha função em meu próprio roteiro de vida era de coadjuvante, o papel principal era do herói – o homem que me salvaria, e eu ficaria ali somente iluminando-o com meus olhos de admiração. Resumindo: eu queria um homem

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que fosse tudo o que eu não era, ao invés de trabalhar em mim tudo o que eu gostaria de ser através do outro.

Eu poderia ter criado para minha vida situações tão felizes, mas algo em meu background simplesmente precisava de remendos. Meus desejos para o amor estavam desvirtuados, pois não amava a mim mesma, relacionava amor a sofrimento, dor e salvação. Não me via capaz de ser melhor, de ter as qualidades que eu gostaria de ter e as projetava no outro. Nossos sonhos acordado, nossas fantasias, podem dizer mais sobre nós do que imaginamos.

Quando temos o desejo de viver o amor através do sofrimento, da degradação, estamos alimentando o lado negro em nós. O masoquismo não é certo ou errado, mas com certeza nos leva a conflitos internos pois uma parte de nós se sentirá feliz em sofrer, buscando mais sofrimento para lhe satisfazer, enquanto outra parte de nós sentirá que há algo errado e apontará insatisfação mesmo com todo sofrimento que estamos conseguindo para nos alegrar. Se o masoquista tem um retorno da outra parte envolvida, a relação pode durar por anos mesmo sendo destruidora. Mas quando se está envolvido nesta dinâmica, mal se percebe o buraco em que entramos, apenas sentimos que algo não parece certo.

Obviamente uma vez que ficamos conscientes deste processo doentio, temos a chave para a porta do entendimento de nossas escolhas, encontrando uma grande oportunidade de começar a quebrar os padrões. O primeiro passo para a quebra de um padrão é sempre ficar ciente de que ele existe. Cavando mais e mais fundo, achamos mais respostas e podemos mudar completamente o rumo de nossas vidas. A infância é uma caixa de pandora de nossos comportamentos e desejos mais doentios e destrutivos, e é através da fantasia que temos acesso a todas as lacunas a que precisamos dar atenção.

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Outono da aceitação

O tempo passava se arrastando em meu apartamento. Eu agora estava sozinha, e Matt não mais apareceria, ele já tinha superado a dor da separação. Seu foco era agora me substituir rapidamente, preencher o vazio que eu deixei. Nas poucas vezes que nos encontrávamos, eu sempre me deixava levar pela esperança, e sempre acabava me decepcionando a cada evidência de outros affairs que eu encontrava.

Ao invés de agora tentar entender por que Matt havia me deixado, meus pensamentos já estavam mais claros e me orientavam para entender a nós dois como indivíduos. E estando longe, foi que eu conheci o verdadeiro Matt.

Os anos que dividimos morando juntos não só não me fizeram conhecer o homem que eu amava, como fizeram com que eu desaprendesse o que já conhecia desde a primeira noite que nos vimos. Quando nos conhecemos, era como nos reconhecer de vidas passadas, pois estávamos inteiros. Eu estava num lugar de auto- apreciação, sabia o que eu era, ainda que superficialmente. A convivência com Matt fez com que nos perdêssemos, nos misturássemos um no outro, entrando num labirinto de emoções. Afastando-nos de nossa essência, nos afastamos um do outro.

O processo de auto-conhecimento foi também o processo de conhecimento de Matt. Quanto mais eu me conhecia, mais o conhecia à distancia, mais revia nossos comportamentos, situações, brigas, conversas, eventos. Aos poucos, eu deixava de amar Matt da forma como eu o amava. Deixando de amá-lo, eu perdia a referência do que eu era, pois havia me definido demais no amor que eu sentia. Perdendo a referência, eu morria e precisava agora me redefinir.

Viciamos facilmente em emoções, mesmo as negativas, pois, como todo vício, elas são alimentadas pelo input que lhes damos. Estava me viciando em sofrer por Matt, cultivando emoções de desprezo ao insistir em vê-lo e saber de sua vida, quando percebi que era hora de cortar o fluxo. Fase dos emails cheios de ressentimento e ódio - a principal máscara para a dor.

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Ainda que eu estivesse aos poucos me recuperando de toda dor da separação, todos os dias, meu primeiro e último pensamentos eram Matt, e ao longo do dia, carregava uma angústia sem fim. Nunca entendi por que ainda me acompanhava a angústia mesmo em momentos em que eu deveria estar feliz, com amigos, em festas. Somente muitos meses depois entendi o que aquela angústia era: a necessidade de criar algo com tudo o que eu havia vivido – a urgência por transformar a dor em criação.

No processo de mitose, uma célula do corpo leva em torno de 80 minutos para se dividir. Ela se separa, e no momento da divisão, há a cópia de toda bagagem genética que deve permanecer nas duas novas células. Tudo o que sei é que a separação foi o momento em que copiamos inconscientemente tudo aquilo do outro que queríamos levar para nossas vidas, já que não tínhamos habilidade para levar o outro. Ao final do processo, eu era o espantalho de Oz, que ganhava um cérebro, Matt o homem de lata, com um coração novo em folha.

Havia passado todos os meus anos sem saber jogar o jogo da vida, sem conseguir calcular, sem entender o funcionamento. Estava sempre sujeita à sorte e à boa vontade dos outros e do universo. Era café com leite. Falava e me expressava com meu subconsciente por não saber me colocar em consciência plena. Após Matt, eu estava mudada, e a esse encontro e desencontro serei eternamente grata.

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Karma

Tenho outra tia que só sofre. É simplesmente a pessoa mais sofrida deste mundo inteiro. Tudo dá errado para ela, toda a sua vida gira em torno de problemas, e tenho a sensação de que no dia em que seus problemas acabarem, ela morre. E obviamente ela não pensa que ela cria sua realidade, mas que seu karma é esse – sofrer.

As pessoas geralmente confundem o termo karma tanto quanto minha tia. Para elas, karma é o mesmo que destino, elas estão destinadas a viver o que quer que lhes aconteça e assumem que quem escolheu esta sina só pode ter sido um terceiro, uma entidade, ou deus, mas nunca elas mesmas, pois elas nunca escolheriam sofrer.

Minha tia não sabe que desde muito jovem ela vibra na frequência do sofrimento, que criada numa família católica, inconscientemente valoriza o sofrimento acima da felicidade. Quanto mais se sofre, mais digna a pessoa é. Ela se vê não como deusa de seu próprio destino, mas como vítima dele. Atrai situações muito difíceis de enfrentar, e não para superá-las mas para ser sua própria mártir. E toda sua vida passa a ser moldada em cima do sofrimento, e a isso, pessoas como minha tia dão o nome de karma.

Karma no entanto, o verdadeiro, não tem nada a ver com sofrimento. Karma é simplesmente ação, é a lei do retorno, da ação e reação. Tudo o que vai volta, somente colhemos aquilo que plantamos. Porém, tudo, como sabemos, é escolha. E estamos na terceira dimensão para expandir. Então como fazemos escolhas inconscientes, somos surpreendidos por karma sem pensar que aquilo que agora voltou, aquele jogo que agora virou, também foi uma escolha nossa. Sim, escolhemos até mesmo ser a caça depois de ter sido o caçador.

Acontece que tudo o que vivemos nos serve à expansão. Por isso é que quando Matt me deixou, eu sabia exatamente que ele seria o “eu” de outra relação, e eu seria o “ele” de meu próximo relacionamento. Assim como a nossa

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relação era alimentada pelo pagamento dos karmas de relações anteriores minhas e dele.

Fazemos a escolha inconsciente de passar pelas experiências que o outro enfrentou para nos servir de expansão para nossa própria experiência. Isto significa dizer que se um dia você me deu tudo o que podia e eu não dei valor, na minha próxima experiência, meu subconsciente escolherá viver a mesma situação, mas com papéis invertidos, assim, saberei como funciona aquela situação estando do lado em que você esteve e eu não conseguia acompanhar, sendo apenas eu mesmo.

Após 12 anos de namoro com o primeiro namorado, tive o segundo, Matheus. A relação durou 3 meses, pois tínhamos concordado desde o início vivermos só 3 meses juntos, antes de eu deixar o Brasil. Ao final da relação , eu teria ainda mais 5 meses no Brasil antes de mudar de país. Pedi que ele não me deixasse quando completamos 3 meses. Ele me deixou, sofri. A relação seguinte, com Matt, foi ótima durante 3 meses, após este período, eu já queria terminar, Matt pediu que não, aceitei. Tive a situação e as chances de escolher ser o Matheus daquela relação , mas abri mão, traindo a mim mesma, pois a relação já não era boa para mim. E então entramos no karma seguinte: a relação de 12 anos em 2, onde agora eu fazia o papel do meu primeiro namorado, e Matt fazia o papel da sua primeira namorada. Era o pagamento perfeito.

Obviamente, o karma traz esse contraste do qual não estamos conscientes e muitas vezes acarreta em um sofrimento que não queremos passar, e é por isso que tendemos a achar que não foi algo que escolhemos, mas obra do destino, uma punição dos deuses. Nenhuma dívida fica sem pagamento no universo, sabemos disso e inconscientemente escolhemos pagar para expandirmos nossa consciência e experiência na Terra.

Podemos mudar de país, podemos mudar de planeta, mas não podemos mudar de karma. Ele é pessoal e intransferível. O que podemos fazer, no entanto, para aliviar no sofrimento do pagamento, é usar a lição para extrair algo positivo, algo que nos beneficiará e/ou beneficiará os outros.

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Resistência x Permitir

Tudo o que tentamos com muita força ou que desejamos por medo da manifestação do seu oposto cria uma resistência. Alan Watts fala sobre tentar com força versus apenas permitir. Se não sabemos nadar e pulamos na piscina para tentar aprender, damos braçadas e mais braçadas sem efetivamente conseguir, e então, quando desistimos, quando entregamos os pontos, e finalmente aceitamos que somos simplesmente terrível no nado, algo mágico acontece: nós boiamos. Paradoxalmente, é desistindo de tentar que conseguimos o que queremos, pois cortamos o fluxo de resistência. Se, durante a respiração, prendemos o ar, morremos sufocados. Mas se o inspiramos e o soltamos, ele volta para nós.

No início do relacionamento com Matt, eu era tão relaxada, gostava tanto da minha vida de solteira que até lhe dava corda para que ele fizesse o que quisesse, queria ter um relacionamento aberto, não queria compromisso. Quanto mais corda eu lhe dava, mais ele queria ficar preso, mais ele queria um relacionamento exclusivo. O que fazia com que Matt quisesse se prender a mim não era meu desejo em ficarmos juntos, mas minha total segurança e confiança em mim mesma, a total falta de medo de perdê-lo, pois eu estava preenchendo sozinha meus próprios vazios.

Passada a fase inicial, quando eu já amava demais e havia criado o attachment, eu já não era a pessoa relaxada que um dia fui, tentava com muita força ser amada ou manter o amor, nunca relaxando, nunca indo com o fluxo. Estas são as atitudes mais fadadas ao fracasso, pois o que causa a resistência não é o que você quer alcançar, mas correr do que você não quer que aconteça. Se nos abrimos para todas as possibilidades, inclusive as do fracasso, sem que fiquemos obcecados por elas, encontramos um lugar de paz e aceitação em que podemos trabalhar então somente com a atração do que nos trará prazer.

Quando nos conectamos conosco e num lugar de amor próprio e autenticidade, fiéis à nossa natureza, nos encaixamos perfeitamente com o tempo e as forças da natureza, pois também somos frutos dela. Então a mesma

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força que age sobre o desabrochar de flores, caminho dos rios, divisão celular, órgãos trabalhando, vôo dos pássaros... estas forças da natureza agem sobre nossos desejos, e acabamos conquistando as coisas que tanto queremos com o mínimo esforço. Na natureza, não há tentativas, há o fluxo – o pássaro não tenta voar, ele voa. O coração não tenta bater, ele bate. Tudo com o mínimo esforço. Se precisamos fazer um esforço enorme por algo que devia ser fácil, é porque não é a coisa certa, o momento certo, ou a vibração certa.

Todo mundo conhece uma história de alguém que tentou de tudo por um amor. E quando parou de tentar, aceitando que estava tudo perdido e começou a se concentrar em si mesmo, em sua própria autenticidade, começou a vibrar frequências elevadas e alinhadas com sua própria natureza, e como que no nado, passou a boiar, e aquele amor que era tão difícil, uma noite lhe bateu à porta. Às vezes, o amor da nossa vida só quer nos conhecer no mais puro estado de autenticidade, mesmo que conscientemente não saibamos disso. Mas novamente, quando estamos nesse estado de amor próprio, o cuidado com nosso jardim não é mais para atrair as borboletas, mas por amor pelas nossas plantas. As borboletas são só consequência, não mais a causa.

Permitir é aceitar as forças da natureza, a força do momento, do presente. Uma noite, no bar, encontrei um amigo por acaso. Eram os primeiro dias da primeira separação da minha vida amorosa. Ele disse “não tenta fugir da tristeza. Aproveita pra ser triste agora, porque vai que você nunca mais vai ser triste na sua vida. Já pensou? Então aproveita a oportunidade agora porque pode ser que você nunca mais tenha esse privilégio”. Obviamente anos depois eu fui infinitamente mais triste do que aquilo, mas o conselho ficou marcado. Estamos na terceira dimensão para viver contrastes, e as emoções, todas elas, fazem parte do pacote. Em momentos de profunda tristeza, é claro que gostaríamos de ser congelados e acordar dali a três meses, mas a pessoa que nos tornamos ao viver e sobreviver às emoções negativas é sempre uma versão melhorada em relação à anterior.

Há alguns relacionamentos em que as pessoas nunca brigam, e eles podem funcionar muito bem. Mas aqueles relacionamentos em que as partes brigam constantemente, eles são desgastantes mas extremamente significativos. Enquanto brigam, as pessoas envolvidas estão em atrito como em um polidor de pedras. Somente com o atrito é que as pessoas saem dali melhoradas. Aceitar e permitir o fluxo do momento é estar presente consigo mesmo, aceitar a experiência, passar pelo polidor de pedra, ir fundo na tristeza,

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na emoção negativa e aprender com aquilo. Deixar que o furacão passe por você, ao invés de fugir dele. E sair de lá melhorado.

Quando Matt me deixou, eu não tinha amigos, família por perto, não tinha emprego, dinheiro, nada. Apenas um apartamento. E como que eu atraí aquela situação? Bem, eu atraí. Passei três meses completamente sozinha, meu cérebro ficou totalmente intolerante à música. Eu não tinha companhia, então passei muito tempo em silêncio, involuntário, no início. E no silêncio encontrei a fonte de tudo. Eu nunca tinha tido a experiência do silêncio, ao contrário, estava sempre falando, sempre evitando o silêncio, e caindo em desespero quando Matt não falava.

Para ajudar ainda mais, ao terminar, Matt nunca me deu o real motivo. Ao contrário, deu um nó na minha cabeça quando falava “eu te amo, adoro passar tempo com você”, e não fechava a porta de vez. Então descobrir o motivo do fim virou minha busca ao cálice sagrado. E até mesmo ir à loucura tentando encontrá-lo, por não ter as respostas que eu precisava, foi algo que atraí.

Acontece que eu estava entrando num processo de espiritualização e não sabia. Tudo que atraí no subconsciente foi para meu despertar espiritual. O silêncio é o melhor amigo que podemos ter. No início é desesperador. Mas com o tempo, pensamentos passam a se alinhar mais com nossa própria natureza. Começamos a observar os pensamentos, a ouvir o universo, filtrar o que é nosso, reconhecer o que não é. Para entrar em contato consigo mesmo, é primordial que sejamos capazes de nos tolerar quando não há ninguém por perto, e ouvir a voz de nosso próprio coração, ouvir o corpo, ficar atento aos sinais que dele recebemos.

Tudo que me aconteceu naquele período de luto estava relacionado ao processo de despertar, e tudo muito inconscientemente, pois eu não sabia então que eu estava acordando. Eu obviamente, triste, não estava vibrando as melhores frequências para abundância. Ao contrário, vibrava a falta de tudo, a carência profunda, acarretando finalmente na falta de comida. E durante as semanas que passei com fome, num jejum forçado, atingi outro nível de consciência. Eu, que nunca havia feito nenhum ritual de igreja, estava agora experimentando algo que eu nem mesma acreditava ser possível – após os dias de fome, minha energia era outra. Eu estava muito mais centrada, com mais vitalidade, mais clareza e consciência. Tudo tem sua intenção positiva.

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Quando fazemos jejum, nosso chacra coronário se realinha, recebemos energia diretamente da fonte com mais facilidade, pois o corpo não está recebendo energia através da comida. E é por isso que pessoas em situação de tristeza, muitas vezes, tendem a não comer, pois é um mecanismo de sabedoria do corpo, um movimento auto-corretor em que mente e corpo se curam sozinhos através da energização não pela comida, mas pela fonte do universo.

Esta reenergização pela fonte nos faz ficar mais alinhados conosco, mais centrados, mais conectados com nosso verdadeiro eu. E pessoas em situação de tristeza, sem desejo por comida, após um período de reenergização pela fonte, passam a raciocinar melhor em direção à solução do problema que estão enfrentando, não mais focando somente em sua imensidão.

Não somos apenas espírito dentro de um avatar. O corpo tem uma sabedoria própria. O corpo segue sempre o fluxo da natureza. O que somos não está contido apenas no cérebro, mas em cada célula do corpo. O corpo é nosso eu inconsciente. O coração é o primeiro órgão a se formar, emite um forte campo magnético e manda mais sinais para o cérebro do que recebe dele. O mundo pode nos abandonar, mas nosso corpo nunca. Ele estará conosco até o fim de nossas vidas. O corpo é sagrado e faz o contato direto entre nós e o espírito, é nosso piano. O corpo não se engana, e o coração quer o que o coração quer.

Gastamos muita energia observando nossos próprios “defeitos” no espelho, mas pouca energia nos olhando e pensando positivamente a respeito de nós - “que lindos olhos eu tenho, como sou grata por essa pele que me cobre”, raramente olhamos para nosso corpo com amor, raramente observamos nossas rugas não como marcas mas como a prova de tudo que vivemos, das risadas que já demos, do quanto nos importamos com algo. Quando Gisele Bundchen desfila na passarela, somos hipnotizados não pela sua beleza, mas pela forma com a qual ela impõe seu corpo: com orgulho, com amor, com poder.

Estar conectado com o corpo é conectar-se também com o coração. Quando não estamos devidamente conectados com nosso coração, ficamos perdidos entre as vozes da nossa mente e espírito. Nosso coração nos diz algo, mas nossa mente diz o oposto. Em tempos de escuridão, meu coração dizia muitas vezes que eu não gostava de algumas pessoas, mas minha mente raciocinava “como não? Ela é uma ótima pessoa”. Quando isto acontece,

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devemos lembrar de ouvir nossos instintos, aquela sensação que temos geralmente na região do abdome – eles nunca estão errados.

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A energia do dinheiro

Dinheiro é poder. O poder energético do dinheiro está implícito nas relações. Vendemos nosso tempo por dinheiro. O modo como o vendemos e a fonte de aquisição têm grande influência nas manifestações em nossas vidas. Novamente o que desenhamos nos desenha. E se não ganhamos dinheiro, mas dependemos de alguém, então quem tem o poder sobre nossa vida é quem retém o dinheiro. Desta pessoa vem nossa sobrevivência, o que nos infantiliza, nos remete aos tempos em que nossos primeiros cuidadores é que exerciam poder. Em muitos casos, reféns do poder de um terceiro, é possível que deixemos de ser nós mesmos para sermos o que o provedor deseja ou espera de nós, ainda que ele não expresse estes desejos externamente.

Somente quando nossos recursos são totalmente providos por nós mesmos é que temos consciência exata da pessoa que somos, já que não precisamos dançar conforme a música de outra pessoa. A dependência financeira leva à dependência emocional. Ao passar a depender financeiramente de Matt, me vi me tornar uma pessoa que nunca fui, pois ainda que ele não expressasse seus desejos ou expectativas sobre mim externamente, telepaticamente, energeticamente, eu captava a música que deveria dançar, ainda que externamente sua consciência tocasse outra – ele era quem tinha o poder. A diferença entre consciente e subconsciente pode ser fatal para relacionamentos e até vidas.

Cada emprego que temos na vida nos molda de formas diferentes. Pense nos empregos que você já teve e observe como a energia de um para o outro afetava suas relações com o mundo exterior ao trabalho. Não sei exatamente qual dos mundos de Matt começou a ruir primeiro – a vida pessoal ou profissional. Só sei que na empresa onde ele trabalhava, as coisas não iam bem, e os mundos passaram a se misturar. De repente, ele se via sendo alvo de reclamações pessoais no trabalho muito semelhantes às que eu fazia em casa – emoções inacessíveis, sinais trocados.

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Tive alguns bons empregos na vida, mas minhas duas maiores experiências com diferentes energias foram nas épocas em que trabalhei primeiro como stripper e depois como faxineira.

Como stripper, estava envolvida num ciclo em que o modo como se adquire dinheiro, através do uso do corpo atrai outras situações que nos dão a sensação de uso e abuso. Profissões como stripper e prostituta podem estar intimamente ligadas à falta de auto-estima e amor próprio, heranças da infância de meninas que, quando crescem, sentem que não tem valor, e optam por uma profissão em que o valor que lhes é dado é através do uso de seus corpos para prazer de outros.

O ego em ambientes como stripclubs também é afetado, e é possível se perder num ambiente de ilusões e máscaras. A máscara social usada em profissões deste tipo pode ficar tão grudada que passa a fazer parte da personalidade de quem a usa, causando, muitas vezes, sérios transtornos de personalidade. De repente, pessoas maravilhosas, inteligentes, incríveis, inconscientemente levam o personagem para fora do clube, e passam a ver os homens como uma fonte de dinheiro e subsistência, mas nunca de amor.

Acostumamos rapidamente com a ideia de que somos para uso instantâneo e passageiro, acostumamos com usar e sermos usadas. Quando menos esperamos, nosso comportamento em um bar num final de semana é igual ao da stripper do clube. Conseguimos free drinks dos homens em volta como quem os consegue de clientes. Aceitamos que nos paguem uma mesada. Quando se passa muito tempo nesta profissão, a vida real vira um stripclub, e nosso valor real se desintegra.

Obviamente, não há uma regra, e é possível passar por este tipo de emprego sem que nossa personalidade e relações sejam impactados, quando temos a mente forte.

Sempre que vendemos nosso tempo para um trabalho que odiamos, aquela energia contagia todos os aspectos de nossa vida, nos fazendo sentir inferior, impotentes, e não donos de nossa própria história. Por um tempo, tive um emprego que eu realmente não gostava. Sentia que desperdiçava meu potencial e não conseguia mais ser feliz. Mas novamente foi algo que eu mesma manifestei na fase de ódio a mim mesma.

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Quando fazemos qualquer coisa no plano físico com raiva, ódio, ou sentimentos negativos, estamos poluindo o aspecto astral daquele ato. Então, por mais que eu limpasse a casa de meus patrões, energeticamente, eu estava poluindo o ambiente. Eles sentiam a energia pesada. Obviamente não durei muito no emprego. Depois tive outros empregos como faxineira, também sem sucesso. E a intenção era somente uma: mostrar a Matt, na época, que eu estava disposta a tudo para que ficássemos juntos (vale lembrar que eu morava em outro país, e naquela baixa frequência que eu emitia, estes eram os únicos empregos que eu atraía – os que eu odiava). Além de poluir a casa dos meus patrões energeticamente, eu também poluía a nossa, pois vendia meu tempo na intenção de mostrar meu amor por Matt, mesmo que este custasse minha própria felicidade.

É comum reclamarmos “eu fiz tudo por ele, dei minha vida por essa pessoa e não foi o suficiente”. Com raras exceções, quando damos o que temos de melhor para alguém, quando entregamos nosso ouro, a outra pessoa, sem maldade, nos olha de volta e não vê alguém que lhe entregou seu ouro, mas nos olha de volta e vê alguém sem ouro algum. O ouro que entregamos, ao passar para outras mãos, torna-se invisível. Nosso ouro somente é visível em nossas mãos. Por isso convém zelar por ele e não lhe transferir a posse. No meu caso, meu ouro era minha independência, era minha própria cama, meu próprio quarto que eu pagava com meu próprio suor tão orgulhosamente. Ao entregá-la a Matt, ele me olhou de volta e não viu a independência que eu tinha aberto mão por ele, ele me olhou de volta e viu apenas alguém dependente.

Dinheiro pode não trazer felicidade mas certamente nos deixa mais seguros em todos os aspectos de nossa vida, pois nos dá autonomia. Como tudo é energia no universo, para aumentar o fluxo de dinheiro na nossa vida, é preciso que também façamos o fluxo circular. É exatamente como o amor – para sermos amados, precisamos fazer o amor circular, levar amor aos outros. O universo funciona num sistema de troca. Toda vez que você dá algo a alguém, não apenas financeiramente, você está na verdade dando a si mesmo.

Se eu lhe ofereço uma carona, estou lhe fazendo um favor, mas este é um favor que também faço a mim. Ganho companhia, talvez uma conversa que vá mudar minha vida, ou me entreter, ou me abrir os olhos. Cada favor que fazemos a alguém é o favor que fazemos a nós mesmos. E cada mal que fazemos a alguém também é o mal que nos cometemos. O universo é, entre outras coisas, uma grande calculadora de trocas. Tudo o que damos gera uma energia de troca.

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Pessoas que se comportam com avareza em relação ao dinheiro geralmente são pessoas sem prazeres, pois não fazem o dinheiro circular com experiências que lhes tragam alegria. Vivem para guardar o dinheiro, que não lhes faz feliz, com esperança de que com mais economias conquistarão a felicidade. O ciclo se repete infinitamente, e a felicidade não chega porque o dinheiro guardado nunca foi usado para lhes trazer experiências prazerosas. Nunca há o suficiente.

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Por que conseguimos o oposto daquilo que pedimos?

Na virada do ano de 2013 para 2014, enquanto todos faziam seus pedidos para o novo ano, eu estava perdida. Sempre ficava perdida na hora de fazer pedidos nas viradas de ano. Esta dificuldade em estabelecer intenções é muito relacionada com o fato de não sabermos quem somos e/ou o que queremos. É normal não saber e muitos passam a vida sem nunca descobrir. Mas tudo que eu me lembro de ter pedido foi “casar com Matt”, claro, obcecada. O desejo, por si só, já estava atrelado ao medo de perdê-lo.

No desenrolar do ano, parecia que eu tinha pedido o oposto, tudo fluindo para a separação. Houve outros momentos ainda da minha vida em que fiz pedidos, pedi para anjos, rezei e... novamente só consegui o oposto do que queria. Acontece que alguns desejos são verbalizados de uma maneira quando a vibração do que sentimos em relação a eles é outra. O universo entende a vibração. Ao pedir para casar com Matt, a minha vibração era de total falta de poder sobre mim mesma, e achava que casando, eu conseguiria ter a segurança e poder que eu sozinha não conseguia mais ter. Eu queria casar, mas meu higher self sabia que eu queria era uma muleta. Se eu já estava numa relação baseada em muleta emocional, com o casamento, eu ficaria na cadeira de rodas emocional. O meu desejo real era me sentir mais empoderada, atraente o suficiente para que Matt quisesse casar comigo. Muitos ovos seriam quebrados para fazer a omelete.

É muito importante nos alinhar com nosso espírito para conhecer exatamente a raiz de um desejo e suas vibrações, pois nosso higher self atenderá sempre às vibrações e não à maquiagem que inconscientemente usamos para esconde-las.

Há também uma diferença entre desejar e pedir. O desejo é interno, é natural, é tão internalizado que às vezes se confunde conosco e muitas vezes, mal sabemos que temos tal desejo, já que muitos deles ficam no

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subconsciente. O pedido externaliza o desejo mas dando-lhe probabilidades de manifestação/não- manifestação.

Sem pedirmos, o desejo fica lá no campo das potencialidades, onde tudo é possível. Ao pedirmos, e trazermos o desejo para a terceira dimensão, ele agora se casa perfeitamente com a dúvida – o pedido indica que não temos confiança na realização daquilo que pedimos, e a dúvida gera o medo da manifestação do oposto do que pedimos, criando resistência.

Quando temos certeza de que algo nos acontecerá porque estamos trabalhando para conseguir, não pedimos aos anjos que nos ajude a conquistar tal coisa. Apenas vamos com o fluxo a encontro daquilo que queremos, esperamos em paz, sem ansiedade. Muitos chamam isso de fé. O universo tem um plano, confiamos nele?

Pedir é dar poder a um terceiro. Há entidades da natureza, entidades divinas, anjos, guias espirituais a quem podemos convidar, para fins de proteção, amor, forca, coragem... mas devemos saber que somos nossos próprios deuses, e que o poder de conquistar o que queremos reside em nós mesmos. Ao duvidarmos desse poder e o depositarmos em outra entidade, geramos a premissa interna de que nosso deus interior é incapaz de manifestar o que deseja.

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Reza

A tradição católica- cristã nos ensinou que a reza consiste em pedidos feitos e repetidos à exaustão, com força, com dor, com humilhação, com humildade, com imploração. Antes de acordar para a verdadeira realidade, era assim que eu rezava, quando rezava.

Independentemente do que se deseja, uma reza não deve ser um ato de imploração, pois o universo tem um plano e um jeito de captar seus desejos através da frequência. Vibrar uma frequência de impotência através da imploração só projeta no universo a nossa carência, desconfiança e total falta de esperança, fé e certeza de que podemos conquistar aquilo que queremos.

Indígenas, ao rezarem por chuva, por exemplo, não imploram ao universo. Ao contrário, eles se colocam através da visualização/imaginação/meditação num lugar de manifestação daquilo que querem, então imaginam todas as sensações que têm quando chove: imaginam o cheiro da chuva, a sensação de molhado, o barulho, a emoção que aquilo lhes traz. Mandam ao universo aquela vibração/emoção que simularam, e em troca, o universo, sendo o espelho que é, reflete a frequência enviada, com a combinação perfeita daquela frequência: a chuva. Não parece com a simulação de emoção que os atores fazem no filme?

De fato, os indígenas não rezam por chuva, eles rezam a chuva. Aqueles que dominam a prática da reza sabem que ela não deve ser por algo, mas algo. Significa dizer que para manifestarmos aquilo que desejamos, basta que sejamos capazes de sentir as emoções que aquela manifestação nos trará quando ela efetivamente ocorrer. É por isso que pessoas com medo de assalto são geralmente as assaltadas: elas sentem o medo por antecipação, o universo, através do espelhamento, lhes devolve a combinação perfeita para os sinais que elas mandaram. Obviamente seria muito injusto que este processo só realmente ocorresse para manifestação de nossos medos. As razões pelas quais não conquistamos com mais frequência o que desejamos de verdade são: ignorância na administração desta lei, falta de confiança ou inabilidade para acessar as emoções que queremos.

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Sombra

Há uma parte de nós que funciona como um porão – tudo o que não gostamos ou que não gostam em nós é colocado lá dentro e trancado com cadeado, pois, na tentativa de sermos amados, escondemos tão profundamente características que não são aceitas, que acabamos esquecendo que nós as possuímos.

Mas como sabemos, o sonho de toda doença é ser curada. O sonho de todo problema é ser resolvido. O sonho de toda característica é ser encarada. E em alguns momentos de nossas vidas, estas características que temos escondidas aparecem contra nossa própria vontade. Na maioria das vezes, por negarmos em nós mesmos que as temos, nós as projetamos no outro, e o criticamos por possuir o que há dentro de nós.

Sendo humanos, todos nós estamos sujeitos a sentir inveja, ciúme, preguiça, medo, covardia, e tantos outros sentimentos que consideramos negativos. Mas os reprimimos tão fortemente que chegamos a não mais encontrá-los em nós, e somente temos acesso a estes sentimentos quando os projetamos no outro.

Você pode pensar que alguém tem inveja de você por um motivo qualquer, mas analisando seus próprios sentimentos por aquela pessoa, não há alguma coisa nela que você mesmo sente inveja e não quer encarar? É assim que funciona a projeção da sombra.

O nosso ego nos protege de encarar coisas que nos fariam sofrer, este é o papel dele. Então vemos o “defeito” no outro, para que a partir do outro integremos em nós o nosso próprio defeito. A nossa sombra, dentro do porão, é um personagem muito assustador de se visitar porque passamos a vida sem consciência da outra face que temos. Quando encaramos nossa própria sombra e percebemos que a inveja que vemos no outro é na real a nossa própria inveja, ou covardia, ou preguiça, levamos um choque: não somos perfeitos como imaginávamos.

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Ver a nossa própria sombra é algo que só acontece quando estamos prontos, pois, para muitos, a visão do mundo que não queremos que exista em nós pode ser fatal. A primeira de todas as coisas que me aconteceu quando entrei no processo de auto-conhecimento foi encarar minha sombra. E obviamente eu quis morrer.

É difícil evoluir espiritualmente sem passar pelo reconhecimento da própria sombra. A reação mais natural ao pisarmos neste campo, é querer desesperadamente mudar aquilo em nós, tomando decisões conscientes para não mais sentirmos aqueles sentimentos dos quais nos envergonhamos, e ao fazermos isto, novamente os reprimimos.

Com o tempo, auto-conhecimento e amor próprio, entendemos que a sombra também faz parte de nós e nos dá o contraste para sermos o que queremos ser. É preciso integrá-la positivamente, acolhê-la, e então os efeitos destrutivos que ela pode ter vão diminuindo. Não mais projetamos no outro nosso próprio lado sombrio porque os aceitamos e lhes damos luz. Se eu me percebo em estado de inveja, posso me questionar sobre os pontos que eu gostaria de trabalhar em mim para alcançar o que eu admiro no outro. Neste caso, a inveja se torna uma amiga porque nos mostra um lugar dentro de nós que deseja ser trabalhado.

Se tenho ciúme do meu parceiro, geralmente projeto nele o meu próprio complexo de inferioridade, a falta de amor próprio que sustente minha segurança, e espero dele que se comporte de modo a não tocar nas minhas feridas, quando o que eu deveria fazer era curar estas feridas por mim mesma. Novamente, o ciúme pode nos mostrar uma parte de nós que precisa ser trabalhada. A sombra pode ser uma amiga, se a iluminarmos.

Muitas pessoas vivem e morrem sem reconhecer a própria sombra. Quanto mais cedo a integrarmos em nossas vidas, menos conflitos internos e externos teremos.

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Projeções

As partes de nós que suprimimos com o tempo, na tentativa de sermos aceitos pela família e sociedade, não desaparecem. Ao contrário, pedem de todo jeito para serem reintegradas, e é assim que atraímos para nossa vida pessoas que possuem aqueles traços que nós reprimimos em nós mesmos.

Quando estes traços aparecem em pessoas de que não gostamos, geralmente reprimimos ainda mais aqueles traços em nós mesmos, mas quando eles aparecem em pessoas a quem olhamos positivamente, aí então nos apaixonamos. É através da pessoa amada, que expressa aquelas características que negamos em nós, que vamos fazer a reintegração daquelas partes em nossas vidas, ao menos externamente.

Parece que a busca maior de nossas vidas é nos encontrarmos, tornarmos quem somos e sermos inteiros. Quando pensamos em relacionamentos amorosos, é fácil perceber várias projeções, pois todos projetam o tempo inteiro. E quando somos alvo de uma projeção, é porque também temos aquele traço a trabalhar em nós.

Eu achava que Matt era extremamente frio e distante em alguns momentos. E embora eu esteja certa em minhas impressões, havia muitos momentos em que eu é quem era fria e distante, mas isto eu não percebia em mim.

Há ainda situações em que a pessoa amada se torna nosso herói/heroína porque tudo aquilo que enxergamos neles é o que nós mesmos seríamos ou poderíamos ser, se não tivéssemos reprimido aquelas qualidades incríveis. Ao perceber esta dinâmica, foi quando decidi ser meu próprio herói, desenvolver minhas qualidades reprimidas de herói, e tentar olhar para o outro como ele realmente é. Apesar de ser tarde demais para a relação, nunca é tarde para aprender com ela.

Somente enxergamos o mundo de maneira mais assertiva quando enxergamos a nós mesmos por inteiro. Somente me conhecendo é que posso saber se aquele traço que vejo no outro é dele mesmo ou faz parte da minha

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tentativa de me integrar, de ser feliz através dele. Por isso é que é tão importante se conhecer e se permitir ter um intervalo entre um relacionamento amoroso e outro, para que possamos nos integrar, nos balancear e não projetar em outras pessoas nossa própria salvação para o fracasso de um relacionamento.

Outro tipo de projeção muito comum é a inclusão das artes que gostamos em nossa própria vida, personalidade, relações. O subconsciente é muito poderoso. Quando nos apaixonamos por alguém, nos apaixonamos por vários pontos da pessoa, nossos, e a representação de tudo o que nos fascina sobre o amor. Vemos na pessoa as mensagens subliminares das propagandas, o comercial de cigarro, o jeito de sorrir do Julian Casablancas, o rosto do Matt Berninger, o jeito de dirigir que lembra seu pai, um certo olhar que lembra um amigo... Nos apaixonamos por várias pessoas dentro de uma pessoa só, e fazemos tudo tão rápido, que nem notamos.

A pessoa por quem nos apaixonamos é sempre muito especial porque ela catalisa tudo que nos causou uma impressão em nossa vida, tudo que nos tocou o coração.

Projetar arte em nossas vidas pessoais pode ser também um processo de autodestruição quando nos identificamos com padrões negativos. Na minha maneira doentia de trabalhar meus problemas internos, sonhava com roteiros para minha vida que fossem um pouco como os filmes que eu gostava, nunca entendendo o perigo de escolher filmes como Closer ou Uma Linda Mulher como inspiração para meus sonhos. Filmes em que as personagens principais ora lidavam com um homem perdido, ora tinham que ser resgatadas de uma vida indigna me causavam impressão, me faziam desejar manifestar em minha realidade aquele sofrimento e salvação, e tudo ruía em seguida.

Quando entramos num lugar de amor próprio, nosso gosto para artes, filmes, música, eventualmente acaba mudando, pois agora pisamos outra realidade, e as projeções de arte em nosso próprio mundo passam a ser mais positivas e alinhadas com nossa luz.

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Tempo de Despertar

Nunca gostei quando as pessoas falavam “Esquece! é só uma coincidência”. As coincidências da vida são todas significativas, mas eu não acreditava tanto nelas porque comprava a ideia dos outros de que eram só coincidências, apesar de não gostar da ideia que eu comprava.

Foi quando comecei a ter experiências de sincronicidades muito presentes, especialmente depois do rompimento com Matt. Sincronicidade significa dois acontecimentos significativos e aparentemente sem relação que ocorrem ao mesmo tempo. É como aquele exemplo clássico de estar pensando em alguém e o telefone tocar, sendo esta pessoa do outro lado.

O momento em que percebi que estava vivendo outro nível de experiência de coincidências foi quando comecei a ver 11:11 em todas as coisas, e a notar como as fases da lua influenciavam eventos recentes da minha vida. Muitos já devem ter ouvido falar sobre a ocorrência de números repetidos, pois há uma onda de despertar correndo nos nossos tempos. Muitas pessoas relatam experiências muito parecidas. No meu caso, o tempo dos 11 foi quando tentava encontrar o cálice sagrado da razão pela qual Matt me deixou, e com o passar do tempo, passei a ver outros números, 12:12, 15:15 etc.

Além disso, naquela época, logo após o rompimento, eu pensava em algo, e a coisa instantaneamente se manifestava na minha frente. Saí de casa após fumar um baseado, e onde eu olhasse, as coisas ao redor falavam comigo. Estava em outro nível de consciência, é claro. Perguntava a mim mesma “o que eu devo fazer com relação a Matt?”, aparecia alguém na minha frente vestindo camiseta GAP. Eu duvidava, pedia uma confirmação “é isso mesmo que devo fazer? Dar um espaço? Um gap?”, e imediatamente a rua se enchia de gente vestindo camisetas GAP, outras pessoas se viravam para minha direção e também vestiam. Eu parecia estar num filme, Vanilla Sky, ou algo do tipo. Eu entrava num pânico misturado com fascínio, perguntava “Deus, é você? O que tá acontecendo? Devo entregar minha vida ao senhor?”, virava a esquina, e lá estava alguém falando no microfone sobre entregarmos nossa vida a Deus. Comecei a ficar assustada, peguei um taxi e dentro dele, pensei que eu

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devia talvez ir à igreja. Imediatamente o motorista me oferece um santinho, me convidando para uma missa no final de semana. Era oficial: eu estava vivendo coisas inacreditáveis todo dia, a toda hora.

Desci as escadas do meu trabalho uma vez, havia dois homens no bar, e eu ia até o banheiro. Senti uma vontade de cantar Joni Mitchel enquanto descia, mas não cantei. Enquanto eu estava no banheiro, podia ouvir os dois homens do bar começando a falar na Joni Mitchel.

Tentei dizer a Matt as coisas que estavam me acontecendo, pois ele ainda era a pessoa com quem eu tinha mais intimidade. Ele me olhou assustado e com pena. Entendi que eu estava mesmo enlouquecendo. O problema não é a solidão, é a falta de real companhia. Já tinha desenvolvido habilidades extra-sensoriais para enxergar energia, espontaneamente, e nunca mais veria o mundo da maneira que via antes, o que para Matt, era um sintoma de qualquer doença.

Quando parei de lutar contra as visões e coincidências e já tinha aceitado que era isso: eu passaria a vida na loucura, pois nem mesmo sabia que isto tinha um nome e se chamava sincronicidade, encontrei por acaso aquela que se tornou uma grande amiga. Num café, lhe perguntei as horas, e descobrimos que estávamos passando pelas mesmas experiências. Ainda bem que Naomi sabia o nome disso, e tinha uma vasta bibliografia a respeito. No mesmo dia, ela me emprestou o livro Synchrodestiny de Deepak Chopra, e fiquei aliviada: eu era normal, só estava acordando.

Quando olho para trás, percebo que sincronicidade é algo que nos acompanha desde sempre, mas eu não prestava atenção. Os olhos só vêem o que querem ver. Tudo faz tão mais sentido quando penso nas sincronicidades. Na noite que conheci Matt, fomos para minha casa, e na minha cozinha, toquei no violão a única música que eu sabia: “All my little words” – do Magnetic Fields, a primeira música que cantei já previa tudo que passaríamos. E todas as músicas que tocavam aleatoriamente quando estávamos juntos falavam de amores impossíveis, que não duravam porque mexiam com a liberdade individual das pessoas: “Ride on” do Christy Moore, “Sweetest Kill” do Broken Social Scene.

Se pararmos um minuto para olhar a vida que vivemos no dia a dia com outros olhos, encontramos significado em tantas coisas, pois manifestamos aquilo, num nível tão íntimo e tão pessoal, que entendemos que

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absolutamente tudo que vemos, toda experiência é sobre nós. O primeiro álbum que ouvimos foi Obscured by Clouds - Pink Floyd, e hoje eu sei que o que estava obscuro pelas nuvens éramos nós mesmos, era nossa luz. Conhecer Matt foi conhecer a mim mesma.

Em meu apartamento sozinha, eu tinha certeza de que estava ficando psicótica. E como dizer a alguém normal que enquanto eu chorava no banheiro, vi a carência se manifestar como uma entidade na minha frente? Como explicar que vi a materialização de meus sentimentos em três dimensões como uma entidade?

Sentia muitas presenças, sentia meu cérebro trabalhando como uma máquina e fazendo download de informação. Anotava todos os pensamentos que vinham do nada e não eram meus, e todos eram insights, pistas, palavras-chaves que não faziam parte de meu vocabulário: leveza, desapego, attachment, resistência... Era como se o universo estivesse me ensinando tudo sobre o que eu estava passando, e não entendia. Tudo o que posteriormente vi em livros e vídeos, eu tinha ouvido antes do próprio universo.

Obviamente naquela época fumava muita maconha para desviar da tristeza, e naturalmente ficava ainda mais sensível a este outro mundo que não podemos ver. Agora eu me comunicava telepaticamente com animais. Como eu poderia explicar tudo isso a alguém saudável? Impossível. Era muito intenso. E eu tinha 100 problemas, mas ser internada num manicômio não seria um deles.

Fiquei obcecada em assistir o pôr-do-sol. É incrível como criamos rituais quando passamos muito tempo sozinhos. E sentia que durante o pôr-do-sol, eu podia fazer download de informação. Loucura ou não, o que me deu forças para voltar a viver foi toda mágica e mistério que agora me cercavam. Ouvia vozes e músicas. Vozes que cantavam e músicas feitas com instrumentos que não temos. Eu tinha me tornado uma ótima esquizofrênica.

Uma tarde, enquanto meu cérebro fazia download num estado alterado de consciência, eu tinha meu celular ligado pois estava gravando algo que deveria me lembrar quando estivesse sóbria. Não percebi que o celular tinha ficado gravando por muitos minutos. Já sóbria no dia seguinte, quando ouvi a gravação, ouvia estas vozes e músicas no fundo. Matt disse que não ouvia nada. Foi a última vez que compartilhei com ele o que estava passando. Minhas amigas posteriormente ouviram.

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Quem pode dizer se aquelas pessoas a quem chamamos de esquizofrênicas na verdade não enxergam a realidade amplamente, enquanto nós só enxergamos a loucura coletiva?

Ainda viciada na occitocina da relação com Matt, e sem a menor vontade de arranjar substitutos, mesmo não querendo, acabava sempre dormindo na cama de Matt, os dois abraçados, ainda que não houvesse nenhuma intimidade sexual. A falta de amor próprio era imensa, e no outro dia, me sentia miserável. Eu não tinha forças para cortar aquele fluxo. Pedi ao universo que me ajudasse de alguma forma a parar com aquilo. Ele me mandou um gato em minha porta, e por causa do meu querido Clementino, a quem amei e sempre amarei mesmo à distância, nunca mais dormi fora de casa. Eu não tinha o amor de Matt, mas sentia que o universo me amava verdadeiramente, e aquilo era bom.

Pobres de nós na terceira dimensão que temos acesso a um campo tão limitado de percepção da realidade, nos prendemos a um mundo que é basicamente visual, e acreditamos que tudo o que não vemos não existe, nos fechamos para o anjo que toca nosso ombro, para a fada que nos cobra a realização de nossa missão. Pobres de nós, nos fechando para o amor em tantas manifestações.

Pobres de nós que, ao menor sinal de visões, nos convencemos rapidamente a tomar remédios. Tememos tanto a perda da realidade compartilhada, que perdemos o contato com a realidade ampliada. A mente científica coloca pedras onde há portais: decide quem são os loucos e que são os sãos, e ao invés de se abrir para a possibilidade de algo que está além de qualquer explicação racional, encaixam o fenômeno na caixa da esquizofrenia, fazem da racionalidade um jogo em que o dono da bola, se não pode jogar, não admite que haja jogo.

Com o passar do tempo, as experiências extra-sensoriais ficaram menos intensas, pois a atenção que dava a elas também diminuiu, afinal, com exceção de Naomi, eu nunca fiz amigos bebendo leite e falando dos anjos que eu sentia.

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Consciência - um trabalho coletivo

Não há um ponto do corpo ou do cérebro que possamos apontar e chamá-lo de consciência. Ao contrário, consciência é um conceito sem localização definida. Ela está em todo lugar e em tudo que existe.

Antigamente, olhava-se para um animal, e dizia-se que ele não tinha consciência, como se ele fosse um avatar sem nenhuma percepção de realidade. Acontece que até as pedras têm consciência, até mesmo os avatares, os objetos. Somente porque os outros seres não falam nossa língua, não quer dizer que não tenham uma. Também não falamos a língua das pedras.

Qualquer um que tenha experimentado estados alterados de consciência, por meio de drogas ou outras estratégias, sabe que facilmente percebemos a diluição de nosso ego, podemos flutuar nossa consciência por entre objetos e outros seres, podemos ver o mundo através da realidade de outra entidade. E então se percebe na pele que tudo é realmente um ser só. Deus certamente é um ser infinito, e representamos sua manifestação em diferentes formas. Mas todos nós somos o mesmo Deus.

A família em que nascemos, o país em que vivemos, o círculo de pessoas que frequentamos, o ambiente, os objetos, as pessoas que amamos, ainda que todos fiquem calados, nos moldamos de acordo com os pensamentos do grupo, e juntos, formamos o ego coletivo, que representa a manifestação de Deus naquele meio. É por isso que em cidades grandes, a pluralidade de identidades e modos de viver é tão mais numeroso e consequentemente mais naturalmente aceita do que em cidades pequenas. A comunidade que nos cerca co-cria nossa consciência enquanto co-criamos a consciência da comunidade.

Na última das grandes brigas entre mim e Matt, viajei por um mês, e ele ficou em seu próprio país, aquela ilha pequena em que todo mundo conhece todo mundo. Tínhamos decidido conversar quando eu retornasse. Mas ao voltar, ele já estava decidido, e terminou a relação. Enquanto estive fora por um mês, Matt esteve em contato somente com a consciência do grupo, o ego

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coletivo da sociedade que o co-criava, sua família, seus amigos. Sem influência da minha presença física, ele havia se desconectado da minha energia e deixado que a voz do grupo dentro dele crescesse. Ele não era do tipo que fugiria com a cigana.

Eu era a ex-stripper, que, para aquela cidade pequena, era quase como ser prostituta. E se tive meus medos, era por saber inconscientemente que, na menor das oportunidades, Matt ouviria as vozes do grupo dentro dele. Por mais que Matt me amasse, minha história nunca saiu de sua cabeça. Muitas de suas ações tinham base inconsciente no fato de que este era meu passado. Muitas decisões pessoais baseadas na voz do grupo dentro de nós obviamente não poderão nos trazer felicidade. Demorou muito para que eu entendesse que eu era tratada não pelo que eu era mas pelo que ele sabia sobre meu passado. Era uma mancha imperdoável, e ele nem mesmo tinha consciência daquilo, era tudo inconsciente.

Diferenciar as vozes de um grupo de sua própria voz pode ser uma tarefa incrivelmente difícil quando não estamos em contato com nosso próprio coração, quando perdemos confiança no nosso próprio sistema de navegação. Assumimos ideias de outros porque elas parecem razoáveis o bastante, compramos os sentimentos dos outros como nossos próprios para preencher o buraco da falta de habilidade para trabalhar nossos próprios sentimentos e desenvolver autonomia. E no apagar das luzes, quando tudo o que temos somos nós mesmos, sentimos o eterno vazio que as outras vozes não conseguem preencher. A vida é uma eterna busca por nós mesmos, o modo como agimos com as vozes dos outros dentro de nós ajuda a definir o que somos.

O inconsciente coletivo pode nos causar uma experiência horrorosa quando não estamos em sintonia com seus valores ou não somos aceitos propriamente. No filme Malena, a personagem principal, viúva de um soldado, precisa se sustentar e começa a se prostituir. Ela, incrivelmente bonita, atrai o desejo dos homens e a fúria de todas as mulheres da cidade, que eventualmente acabam violentando-a, cortando seus cabelos, espancando-a e humilhando-a em praça pública. Não se encaixar em um grupo pode ser extremamente doloroso.

Todas as experiências, no entanto, são de expansão. É extremamente importante que um grupo homogêneo tenha a experiência de ser confrontado por algo muito diferente de si. A experiência individual de cada

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membro com a ovelha negra acrescenta na expansão do todo. Quando as mulheres da cidade se vingam de Malena, seus julgamentos sobre Malena dizem menos sobre ela do que gritam sobre si mesmas. Malena é o espelho em que a sociedade se viu e não suportou se ver.

Muitas vezes torna-se difícil assumir que somos donos de sentimentos tão confusos, pequenos, mesquinhos, intolerantes, invejosos, medrosos e quando nos deparamos com eles, os projetamos em algum objeto, e no objeto projetado, descontamos nosso ódio. A Irlanda é um país cheio de estrangeiros, mas dentro dos círculos de amizades, quase não há estrangeiros que não sejam brancos english-speaker. Naquele círculo de amizades, eu era a única latina. E no dia em que tivemos um indiano numa festa, ele foi implicitamente hostilizado. Eu vibrava ódio próprio, então não só atraía o ódio dos outros, como espelhava seus sentimentos menos nobres, e por eles também os sentia.

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Estrangeirice x Auto-conhecimento

Não nos conhecermos é como andar sem destino sem saber aonde ir. É como Dorothy em Oz. Em Oz, o caminho de tijolos amarelos se divide em várias direções. Qualquer uma leva ao que Dorothy procura, já que o que está em conta é a jornada, não o destino. Dorothy deseja voltar para casa, como quem deseja voltar a si mesmo, se conhecer e com isso conquistar seu próprio poder. Sem nos conhecermos, somos os reis dos pedidos de conselhos, damos o poder ao outro de nos guiar, pois não confiamos na nossa voz interna.

Quando Dorothy sai do Kansas, deixa para trás tudo que a define, todas as relações, todos os costumes, ambientes, toda a vida como ela conhecia. É como se ela tivesse acabado de nascer. Com o tempo, as pessoas e situações que vão se manifestando na vida de Dorothy são razoavelmente semelhantes às do Kansas, mas com os olhos da novidade, Dorothy agora lida de outra forma com aquilo. Você pode sair do Kansas mas o Kansas não sai de você porque novamente você manifesta os mesmos complexos, as mesmas questões na sua realidade. No fim do filme, Dorothy diz “não há lugar como nosso lar”, e é quase uma ironia: Todos os lugares são como nosso lar, a diferença é que no nosso lar, as pessoas geralmente nos amam mais e há mais tempo, e por isso toleram com amor e paciência as nossas limitações.

Ao largarmos uma vida em um lugar para irmos morar em outro do qual nada conhecemos, fazemos a Dorothy. Um caminho muito eficaz para conhecer-se a si mesmo é ser totalmente estrangeiro por um tempo. As manifestações que causamos na nossa realidade são todas reflexos de nós mesmos pois já sabemos que o mundo externo é reflexo do mundo interno, mas se ficarmos atentos, temos a oportunidade de entender e trabalhar situações internas mais facilmente, sem todo o emaranhado de complicações que relações muito antigas trazem consigo.

Somente me tornando estrangeira por um tempo é que percebi que sempre tive um comportamento ambíguo – procurava isolamento dos mais íntimos e intimidade com desconhecidos. Depois de atingir certo grau de intimidade, me isolava deles. Passava a vida com medo de ter uma

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relação verdadeira. Como é possível tantos anos de uma tristeza que eu nem sabia ter? Sem ter virado estrangeira, eu provavelmente nunca a descobriria.

Procurava conhecer fora o que eu mesma não conhecia internamente, mas também não tinha coragem para ir a fundo na intimidade. Fugia de me conhecer, provando aqui e ali um pouquinho das outras pessoas e nunca uma dose grande de mim mesma.

O véu do padrão caiu porque as pessoas de outros países geralmente tem outros padrões de comportamento. Meu comportamento quanto a relacionamentos era razoável no Brasil, as pessoas ao meu redor nos meus círculos se comportavam me dando inputs para mantê-lo, do contrário, eu o teria enxergado mais facilmente. Mas seguindo outros padrões de relacionamento, as pessoas não alimentavam meu sistema de crenças, e então, é quando começamos a questioná-los. Esta é a importância de ficar estrangeiro por um tempo. As pessoas não seguem sua cartilha, e é quando você começa a ver que tem algo errado nela.

Obviamente a troca também é verdadeira: também servimos de espelho para que os nativos do país se olhem e percebam suas fragilidades. Sem o foco puramente positivo entre estrangeiro e nativo, nascem os atritos. Para que uma relação entre estrangeiros funcione bem, é preciso apreciação pelas diferenças, e a consciência de que todas as relações são uma ponte em que as duas partes concordam em andar um pouquinho e se encontram no meio.

Inconscientemente manifestei tantas situações negativas que me mostravam o quão meu sistema de crenças era frágil e falho, que concluí tempos depois que o que eu queria com tudo aquilo era me curar dele. Atingi naturalmente o ódio a mim mesma, pois eram muitos erros na minha cartilha, coisas que eu não queria continuar levando por esta vida. O processo de cura se deu não quando conheci as pessoas que me amavam, mas quando conheci as que não gostavam de mim.

A primeira coisa que percebi que as pessoas que não gostavam de mim tinham em comum é: elas se amavam. Elas valorizavam cada pequena coisa que elas faziam, falavam de suas conquistas, de coisas interessantes que fizeram, que viram, falavam bem de si mesmas. E sempre escolhiam coisas que faziam bem a elas, ainda que aquelas coisas não fossem as melhores opções para as outras pessoas que elas amavam. Eu não tinha tido até então muitas

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experiências em minha vida junto a pessoas que se amam, e eu era justamente o contrário daquelas pessoas.

Quando lidamos com o espelhamento de nós mesmos através dos outros, é preciso sermos fortes para reconhecer que nem tudo que vemos e reconhecemos sobre nós é tão ruim, que não somos a pior pessoa do mundo, e que apesar das negatividades que observamos, há ainda muitas outras coisas boas a respeito de nós que aquelas pessoas não sabem ou não enxergam. É preciso segurar este pensamento para não cairmos no buraco que é o ódio a si mesmo.

Em Dublin, após meus meses de glória e solteirice, agora eu era a exótica. As pessoas não se aprofundavam em conversas comigo, ora porque pensavam que eu não poderia acompanhar toda pragmática da realidade deles, ora porque pensavam de mim que eu era a estrangeira bonita e burra. Obviamente, novamente, manifestamos o mundo exterior de acordo com o interior, algum lugar em mim não queria me aprofundar para não mostrar a pessoa desinteressante que eu era, pois era isso que eu, sem amor próprio, achava de mim mesma. De alguma forma, começamos a espelhar uns nos outros nossos maiores preconceitos e perdemos a linha de onde veio tanto desamor.

Ao terminarmos, Matt e eu, ficou ainda mais claro o funcionamento do inconsciente coletivo a meu respeito – não tinha amigo algum. Alguns sentiam por mim simpatia, não empatia. Sentiam pena. Enquanto outros, somente curiosidade sexual. Atraía pessoas que me viam como um objeto sexual, e iam embora no outro dia, assim que eu começava a querer conversar. Eu tinha virado uma tela em branco para as projeções de cada um. Havia o eu que existia, e o eu que imaginavam, e as pessoas não queriam cruzar a ponte até o eu que existia.

Era o espelhamento máximo da minha deficiência em viver relacionamentos verdadeiros. O mais chocante foi perceber que aquela dinâmica não tinha nada de novo, minha vida tinha sido sempre assim, mas só agora que eu não estava mais satisfeita com as mazelas do meu sistema de crenças é que estas coisas me chamavam a atenção e incomodavam. Foi quando, por essas e outras complicações, decidi ir embora. Escolhemos pagar nosso karma, e eu escolhi inconscientemente pagar por todas as pessoas que tratei superficialmente porque tinha medo de me envolver ou não tinha interesse em conhecer seus verdadeiros eu.

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Escolhemos passar pela situação difícil que estamos passando, muitas vezes, porque precisamos deste contraste inicial para alcance do que realmente queremos. Conscientemente, tudo o que eu queria quando deixei o Brasil era encontrar o amor, a pessoa amada. De uma forma muito estanha, com o processo de cura, foi o que eu encontrei: a pessoa amada hoje sou eu.

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Amor próprio

Demorei muito tempo para entender profundamente o que é amor próprio. Parece algo tão simples, assim, só falando. Mas não é. É triste saber que a maior parte das pessoas que conhecemos, incluindo nós, não se ame por inteiro.

Amor próprio não vem de ter o corpo que queremos. Não vem de conseguirmos um bom diploma, um ótimo emprego, dinheiro, família e casa própria. Obviamente isto faz parte, mas é só o dedo mindinho do iceberg, e às vezes representam o contrário: os esforços estéticos e simbólicos que fazemos refletem justamente a falta de amor próprio: implanto silicone não porque quero me amar mais, mas porque não me amo, e oficializo isto no implante. Faço uma faculdade concorrida não porque é minha paixão mas para corresponder a expectativas que não são minhas, deixando de valorizar meus próprios talentos e desejos. As pessoas mais inseguras que eu conheci em minha vida tinham o corpo perfeito ou uma ótima carreira, eram pessoas com carreira e corpo perfeitos, mas inseguras e infelizes.

Todas as vezes que pensei “agora sim me amo”, descobri mais um ponto que me contrariava. Amar a si mesmo é ter um foco puramente positivo sobre si mesmo, suas limitações e suas características. É reconhecer que somos a melhor versão do que poderia acontecer a alguém em nossas condições com nosso background, com nosso jeito de ver o mundo. Amar a si mesmo é gostar de tudo em nós, inclusive perseguindo nosso propósito de vida, as coisas que gostamos de fazer, e não deixar que as vozes de fora poluam nosso apreço por nós mesmos ao tentarmos buscar o que nos faz felizes.

Quando as coisas dão errado em nossas vidas, é muito fácil entrar num processo de auto-depreciação e culpa, quando a atitude correta é buscar o pelo menos positivo em nós, o que fizemos de certo, “pelo menos eu tentei”, “pelo menos mantive-me fiel a mim mesmo”, “pelo menos...” O pelo menos positivo é um bom começo porque parte de uma vibração fácil de alcançar para ir gradualmente se elevando para o status de aceitação e alegria.

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Um hábito muito interessante a se começar a fazer é sempre questionar a qualquer escolha que fazemos, o que seria melhor para nós naquele momento. Por quase toda minha vida, todas as minhas decisões tinham base na felicidade de outros que eu amava, ora por sacrifício, ora por manipulação inconsciente. Poucas vezes fui a protagonista das minhas decisões. Você não pode passar sua vida sendo coadjuvante da sua própria história. Em casos de dúvida, pergunte a si mesmo: o que uma pessoa que se ama faria neste caso? E então faça.

As decisões que tomamos por nos amarmos podem variar bastante e serem até opostas dependendo de cada situação. Digamos que você já tentou de tudo por um amor que só lhe desprezou. Amor próprio neste caso pode ser parar de tentar, focar em si mesmo, deixar para trás aquela história. Agora se você, também depois de um término, percebeu que sua vida sem aquela pessoa fica incrivelmente vazia, amor próprio pode ser tentar com suas últimas forças trazê-la de volta, pois seus esforços se orientam na tentativa de fazer-se a si mesmo mais feliz. Tudo depende de quanta energia em vão ou não você já colocou no mesmo dilema.

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Dharma – Nosso propósito de vida

Através do nosso DNA, carregamos nossa bagagem de características físicas, psicológicas e também nossos talentos, as coisas em que somos melhores ou piores. Crianças apresentam desde cedo orientações mais para a lógica, outras para as artes, outros para a dança etc. e por mais que qualquer pessoa possa aprender qualquer coisa, a inclinação natural que fala a nosso coração está cravada e escolhida antes mesmo de nascermos e tem relação com o modo como vemos o mundo.

É importante para o universo que haja uma vasta pluralidade de talentos e formas de expressá-lo, pois através de nós ele se expande. É como uma fábrica em que cada parte da produção é essencial para a expansão da malha universal. Nascemos então com uma missão importante, essencial para cumprimento da nossa parte na expansão do universo, e somente realizando nosso propósito é que encontramos a felicidade.

Cada um de nós tem um talento e uma forma de expressá-lo tão único e tão especial, que somente nós neste mundo inteiro somos capazes de expressá-lo da forma que o expressamos. Achar este talento e perseguí-lo nos alinha com nosso verdadeiro eu, com nossa missão na terceira dimensão.

Ao invés de nos perguntarmos “como podemos ter dinheiro e sucesso”, a pergunta que devemos nos fazer é “como posso, com meus talentos únicos, servir o todo?”. Descobrir a resposta para esta pergunta é encontrar os códigos gravados pelo universo no nosso sistema operacional, é entender nosso lugar no quadro. Nenhum talento é melhor ou pior, todos têm o mesmo peso para o universo, todos são essenciais.

Ao aceitarmos nosso talento e nossa missão, ao aceitarmos a nós mesmos com amor, e focarmos nossa atenção para realização do nosso propósito, nos colocamos num lugar de conforto com a nossa entrada no mundo, então criamos magnetismo para a abundância, pois concordamos com o universo em contribuirmos com o todo, gerando troca de energia em retorno do todo para conosco.

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Quando não nos conhecemos o suficiente e entramos num relacionamento amoroso, muitas vezes compramos para nós mesmos a missão do outro, o que ocasiona grande sofrimento, porque nos perdemos, ignoramos nossa natureza. Podemos apoiar e ajudar o outro a atingir seus propósitos, mas não podemos viver sua missão. A missão de vida é um emprego espiritual dado pelo universo antes de nascermos, cada um tem o seu e as habilidades necessárias para viver em abundância ao realizá-la.

Crescemos cercados por uma sociedade que super-valoriza as exatas, que valoriza a lógica e pouco valor dá a talentos de introspecção ou expressão, às artes, à cultura ao cuidado com o outro, à doação, à cura. Se dissermos que estamos estudando finanças ou programação de computadores, temos o apoio de todos, mas se dissermos que estamos pintando um quadro, seguindo nosso propósito, nossa missão alinhada com as artes, aí então temos um problema.

Quando olho para trás em minha vida e junto os pontos da minha história, percebo que todas as vezes que segui meu coração, meu propósito, meu talento, usando-o para servir o todo, as coisas praticamente se resolviam sozinhas para mim, me levando à abundância. Outras vezes em que tentava me encaixar em talentos que não eram os meus, as coisas simplesmente despencavam, não evoluíam, me estrangulavam.

Acontece que quando nos alinhamos conosco e com nossa missão, a abundância vem naturalmente. Ainda que aqueles que fazem coisas que não gostamos de fazer tenham grande abundância, não é no sucesso deles que devemos nos concentrar, mas na possibilidade de termos nós mesmos sucesso fazendo o que gostamos e nos espelhar em pessoas com talentos semelhantes aos nossos que são bem sucedidas.

O que mais me enchia de alegria era escrever e dançar. Vivendo com Matt, parei de escrever, pois as coisas que antes escrevia eram sobre a procura pelo amor. Uma vez que o amor apareceu, levou embora meu material, e eu não soube me renovar. Perdi o contato com minha missão, o que me trouxe infelicidade.

Antes de Matt, também saía para dançar de 3 a 4 vezes por semana, e me sentia em contato comigo mesma. Era como um ritual. Era a primeira a chegar na casa que eu frequentava, e a última a sair. Com o namoro,

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me vi tentando substituir minha paixão por pintura. Ao invés de sair às quintas como eu tanto gostava, agora eu tentava pintar, pois não queria deixar Matt inseguro com as minhas saídas, mesmo sabendo que era somente para dançar. O resultado é que todas as minhas pinturas eram horrorosas, e eu me tornei uma pessoa extremamente triste sem exercer minha paixão. Não era de se surpreender que o relacionamento não tenha funcionado – com ele, me distanciei do meu propósito, cortando o fluxo de abundância da minha vida.

Ao exercer nosso propósito, perdemos até mesmo a noção de tempo, pois o prazer em fazê-lo é tamanho que não vemos o tempo passar. Se estiver em dúvida a respeito de seu talento, de seu propósito, observe se você perde a noção de tempo quando o está exercendo, observe se você tem um talento único para tal.

Muitos de nós conhecemos nossa missão, mas a deixamos de lado, tentando nos encaixar em algo que é aceito pela sociedade como maior garantia em termos de abundância. Independentemente do que seja seu propósito, você terá abundância quando se dedicar de verdade a ele, pois o universo funciona num sistema de troca – gerando energia com seu talento natural para servir a todos, terá de volta a energia de todos por gratidão ao seu empenho, criando uma situação de abundância.

Quem nunca ouviu uma história sobre alguém que largou seu emprego em uma grande empresa e se dedicou à culinária, sua paixão, erguendo um negócio abundante, e não poderia ser mais feliz?

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Escolha

Alguns desejos que temos na vida tem base no ego, e muitas vezes, esta é a razão de eles não se realizarem, pois se relacionam não com nosso coração, não com a luz, mas com o medo. Para que alcancemos algo através do medo, é preciso que todas as variáveis que influenciam neste desejo estejam vibrando na mesma frequência de medo.

Algumas relações se mantêm não por amor, mas por medo do que é a vida sem o outro. Enquanto houver o medo, a relação se mantém. Quando uma das partes perde o medo, é quando a relação tende a ruir, se a base da relação não é forte e aliada ao amor.

Voltando ao meu pedido de ano novo para casar com Matt, aquele desejo tinha base no medo do que era a vida sem ele, pois do contrário, eu não pediria, não veria necessidade, eu confiaria no amor que tínhamos pelo outro e encararia o casamento como um passo natural. Meu pedido se lançava em torno do que eu não queria que acontecesse: ficar sem Matt.

No momento em que lançamos nossos pedidos de ano novo, vale dizer que já era uma época em que eu me encontrava em depressão, não conseguia mais me relacionar com as pessoas, já sentia vergonha de mim mesma, e mal conseguia ficar em um cômodo da casa se Matt não estivesse por perto. Em um momento da festa tive total consciência desta impotência e me envergonhei, e pensei rapidamente como seria bom poder ser a pessoa feliz que eu era antes de entrar naquele processo. Deseje, e será concedido.

Ao pedir casamento, minha mensagem ao universo traduzida era: sou impotente, não sou ninguém sem Matt. A vibração que o universo retornou para mim foi mais impotência, claro. No decorrer do ano, com o relacionamento ruindo, porém, meu desejo mais íntimo foi realizado, o que eu queria naquele pedido de ano novo era: ter meu poder de volta. E este desejo do coração foi o que o universo me devolveu.

Ao desejarmos algo e jogarmos nossas intenções para o universo, é importante que analisemos com cuidado onde aquele desejo é enraizado, pois

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não há compatibilidade entre um caminho de luz que estamos traçando, e intenções baseadas no ego.

Ao entendermos que escolhemos nossos pensamentos, para que estes formem a nossa realidade, e aceitarmos nossos aspectos negativos, nossa sombra, integrando-a positivamente em nossa vida, somos levados ao campo das escolhas para a realidade que queremos viver. Nele, conseguimos escolher exatamente a vida que queremos ter ao parar de fugir da que não queremos. Fazendo escolhas positivas em direção às experiências que queremos ter ao invés de fazer escolhas que evitam as que não queremos viver, estamos prontos para fazer das nossas vidas a melhor experiência possível.

Lançamos nossas intenções para o universo sem medo, sem receio, sem dúvida pois sabemos que o que queremos não só é possível como serve ao universo em expansão. Geralmente temos medo de desejar sermos felizes porque pensamos que o universo nos dará de volta uma vida em que somos felizes, porém pobres, somos felizes, porém sozinhos. Mas o universo sabe exatamente o que nos dar e os eventos que deve orquestrar para nos dar de volta a felicidade que queremos.

Quando despertamos espiritualmente e percebemos que tudo é uma questão de escolha, e que as decisões baseadas no medo nos levam a sofrimento, ficamos com medo de ter medo, e às vezes, negamos tão profundamente as coisas negativas, que elas acabam dando um jeito de se manifestar na nossa vida. Tudo aquilo contra o que lutamos acaba nos encontrando em outra esquina, sem aviso.

Não encarnamos nesta vida para sermos anjos nem santos. Não

estamos livres de sentimentos humanos, e se quiséssemos apenas viver uma vida

de luz, não teríamos encarnado. O importante é manter um equilíbrio e escutar o

que nossos sentimentos negativos têm a nos dizer, pois eles também têm seu

valor. O importante é não ser totalmente luz, nem totalmente sombra, mas esse

acinzentado mediano que equilibra a vida humana que escolhemos ter.

Se tudo fosse luz, não haveria mudanças em nossas vidas, pois todas

as grandes mudanças que temos nascem de um incômodo, por menor que ele

seja. Ninguém muda algo que está indo bem. Heaven is a place where nothing

ever happens. – Talking Heads.

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Sou muito grata a todos os eventos em minha vida que me fizeram

sair da minha zona de conforto. Todos os eventos em nossas vidas giram em um

círculo perfeito. Tente observar quantas coisas boas você adquiriu após passar

por algo ruim. Cada sentimento ou situação ruim tem uma mensagem e uma

possibilidade de crescimento.

Ao nos rendermos ao processo de espiritualização, é muito comum

pensarmos que não podemos mais pisar nos calos de ninguém, e que devemos

ser extremamente cuidadosos para não criar karma ruim. Fato é que quanto mais

nos jogamos em direção ao Karma, em direção a experiências, mais rapidamente

evoluímos e limpamos nosso karma. Privar-se de experiências só faz com que a

energia kármica não flua, interrompendo o processo de expansão.

Quanto maior o número de relações que temos, mais possibilidades

de limpar nosso karma teremos, pois haverá várias frestas usadas pelo universo

para nos proporcionar as lições que devemos aprender e as experiências nas

quais devemos expandir.

Ao invés de pisar em ovos para não atrair bad karma ou afetar

alguém, o que devemos é nos alinhar com nossa verdade e agir conforme ela. Se

outras pessoas se sentirão ofendidas com nossa verdade, não é algo que nos

pertence interferir. Quando nos libertamos para sermos nós mesmos, damos

poder e permissão aos outros para que façam o mesmo. Pessoas seguras não

despertam nosso encolhimento, ao contrário, se concentram em seu próprio

brilho, nos deixando livres para brilhar também.

Page 97: Adeus Estranho - Memórias e reflexoes do fim do amor

Gratidão

Trazer felicidade para nossas vidas é basicamente uma questão de sermos felizes agora. Não esperarmos para ser felizes somente quando tivermos o emprego dos sonhos, somente quando encontrarmos a pessoa amada. Pois o que vai trazer o emprego dos sonhos, a pessoa amada, a vida que queremos é sabermos ser felizes na jornada, lembrando que o universo nos dá o que somos, não o que queremos ser.

Lembro-me mais de momentos felizes antes de encontrar a pessoa amada do que de momentos felizes com ela. Isto porque a jornada até o nosso encontro foi divertida, cheia de desafios, mistérios, acasos, dramas, situações inusitadas, e esperança. Além disso, durante a jornada, eu podia ser eu mesma, sem culpa, sem passado constrangedor.

A visão da pessoa que queremos ser será conquistada aos poucos conforme trabalhamos a pessoa que somos, nos direcionando ao encontro da que queremos ser. A lagarta pode ter o desejo de se tornar borboleta, mas este somente acontecerá quando ela aceitar passar pelo processo de metamorfose, que acontece aos poucos.

Ser feliz parece impossível quando estamos passando por situações que abaixam nossa frequência. Mas cuidar de nossos pensamentos para que estas situações não nos engulam para frequências ainda mais baixas é sempre possível, e reconhecer pontos positivos até nas dificuldades que estamos passando ajuda a ter gratidão, que é a chave da felicidade no agora e depois.

Quando, apesar das circunstâncias, conseguimos filtrar o lado positivo e somos gratos pela experiência, mandamos um sinal ao universo, que nos devolve com mais vibrações de gratidão. O sentimento de gratidão tem alta frequência energética, e muitos motivos para sermos gratos gera um estado de felicidade. Enviando ao universo a vibração de gratidão, acumulamos dele mais sinais do mesmo sentimento. Vibrando a felicidade através da gratidão, nos tornamos combinação perfeita para a felicidade que desejamos, fazendo com que

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o universo orquestre eventos para preencher a felicidade de acordo com nossa intenção.

Pessoas que focam apenas na falta de algo, que não percebem o lado positivo das coisas, falham na gratidão. Ao falharmos em perceber as coisas positivas, nos sentimos como se o mundo estivesse sempre contra nós, pois sempre está faltando algo. Nada nunca está bom. Muitas pessoas tem o hábito de perceber somente o que não está feito, o que não está perfeito: chegam em casa e encontram os pratos lavados no escorredor? - “os pratos todos aqui para secar, que inferno!”. Tudo é uma questão de foco – quando nos sentimos gratos pelas coisas que estão em ordem na nossa vida, sentimos mais harmonia e paz. Não foque nos pratos que precisam ser secos, foque no fato de eles estarem lavados. Gratidao.

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Desapego

Quando eu era criança, minha mãe mandava que nós vigiássemos o leite enquanto ele fervia, para que pudéssemos apagar o fogo antes que ele transbordasse e sujasse o fogão. Enquanto eu olhava para o leite, atenta, ele demorava anos para “subir”, era extremamente cansativo, ainda que eu saiba que aquilo durava apenas alguns minutos. No momento em que eu desistia de olhar o leite, pois tinha já aceitado que ele ia demorar ainda mais que toda aquela eternidade que já havia passado, aí sim o leite subia, transbordava, molhava o fogão e eu falhava na missão do leite.

O que mais nos afasta daquilo que queremos é a tentativa absurda de consegui-lo. O universo tem um tempo próprio para orquestrar os eventos, não é possível impor nosso tempo ao tempo do universo, pois enquanto achamos que já estamos prontos para receber o que queremos, há outros fatores que ainda não estão e fariam o evento ruir. Respeitar o tempo do universo e confiar nele significa desejar, mas focar nossa atenção no momento presente, vivendo as coisas que temos para viver no agora.

Quando nos apegamos muito ao resultado de algo, criamos uma resistência para seu florescimento. Nenhum agricultor planta uma semente e fica obcecado observando a todo momento se ela já nasceu. Ele sabe que a semente vai crescer no tempo dela. O que ele faz é focar sua atenção em viver o tempo presente. Se a semente precisa ser regada, ele rega. Se não precisa, ele simplesmente se afasta e deixa que o universo orquestre os eventos de seu crescimento: a chuva, a mudança das estações, as fases da lua, a divisão das células...

As coisas que temos para viver acontecem na hora que precisam acontecer pois é uma questão de combinação de vibrações. Render-se ao tempo delas é uma arte que nos aproxima da mente do universo. Aceitar é uma sabedoria. Tive um relacionamento no passado em que, quando tudo terminou, desejei tanto ter somente mais um dia junto à pessoa. Com o tempo, deixei o sentimento de lado e me concentrei em viver o presente. Anos depois, nos reencontramos e tivemos aquele dia que eu havia desejado muito tempo

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atrás. Se aquele dia tivesse acontecido um dia antes ou um dia depois do que aconteceu, o resultado poderia ser diferente. Eu poderia estar ainda coberta por dúvidas e mágoas. Tendo deixado o universo agir, no dia em que nos reencontramos, éramos duas pessoas inteiras concentradas apenas no melhor de nós mesmos e nos divertimos. Mas somente a ponto de vermos que nossa história havia mesmo ficado no passado, e estávamos felizes com isso.

O segredo é trabalhar com intenção e atenção. A intenção é a semente que plantamos para colher no futuro. A atenção, no entanto, se volta para o presente, pois o presente é onde construímos o futuro. Se voltarmos nossa atenção para o futuro, não estamos trabalhando o presente para obtermos o que queremos, e criamos resistência para o resultado que desejamos.

Se quero fazer um mestrado em uma renomada universidade, posso jogar a intenção para o futuro, plantar esta semente. Mas a atenção, o fermento do bolo, deve ficar no presente, alimentando minhas condições para chegar até lá, estudando, pesquisando, elaborando o projeto. Se somente jogar minha atenção para o futuro, somente me frustrarei por entender que o caminho entre onde estou e onde quero chegar ainda é extremamente longo. Já no presente, a atenção faz com que cada dia que passe eu chegue mais perto do meu alvo, por focar nas ações que me levarão até ele.

Distanciar-nos do resultado de algo significa também confiar que o que quer que o universo nos traga de volta, foi a combinação perfeita para nosso desejo, a melhor opção que poderia acontecer. Se o agricultor plantar a semente e por algum motivo ela não nascer, ele não ficará tão abatido, pois houve outras sementes que ele plantou que nasceram.

A nossa vida inteira não pode ser baseada em uma só semente. Ao contrário, quanto mais sementes plantarmos, mais colheremos. Quanto mais opções de felicidade nós temos disponíveis e semeadas, mais resultados satisfatórios o universo nos devolverá.

Se projeto a minha vida inteira numa relação amorosa, as chances de frustração são imensas pois minha única fonte de felicidade passa a ser uma pequena fresta de luz que, a qualquer sinal de falha, causa o maior dos impactos na minha vida. Se, ao contrário, enchemos nossa vida de luz através de várias fontes: amigos, família, hobbies, conhecimento, trabalho, filhos, amor etc.,

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aí então as chances de sermos felizes em qualquer área são muito maiores, pois a felicidade atrai a felicidade.

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Símbolos

A realidade é como um sonho, em que cada componente diz algo sobre nós mesmos, porque o que percebemos espelha diretamente nosso eu interior. Em um sonho, tudo o que sonhamos são símbolos de lugares dentro de nós. Um pássaro, uma casa, a mãe, o pai, os estranhos... tudo o que acontece no sonho fala conosco, nos manda uma mensagem através dos símbolos que nele aparecem.

Como no sonho, nossa vida enquanto acordados também é cheia de símbolos: a casa, o carro, o emprego, o marido, a pessoa amada, o amigo... tudo são símbolos em 3D da realidade que há dentro de nós. Sem saber que tudo são frestas pelas quais recebemos do universo a manifestação de nossas próprias questões, acabamos nos apegando aos símbolos.

Se eu não entendo que minha posição em uma empresa nada mais é do que a manifestação da minha vibração, posso acabar me apegando demais a esta posição a ponto de sofrer imensamente se a perco. Se não entendo que a pessoa amada é um símbolo, posso me apegar profundamente a ponto de desligar as luzes de minha vida ao perdê-la. Símbolos vêm e vão, cumprem a representação daquilo que eles espelham, e não havendo neles a renovação de novas projeções, eles se vão, dando lugar a outros.

Ao jogarmos nossas intenções ao universo, é importante estarmos claros do significado dos símbolos. Se peço ao universo para ter o amor daquela pessoa em especial, estou limitando toda a capacidade do universo em me enviar amor, estou reduzindo sua enorme e vasta potencialidade a uma única fresta de luz, a qual me apeguei imensamente e não aceito me desapegar. As chances de ter o amor que desejo neste caso são muito pequenas.

Se, ao contrário, peço ao universo que me mande o amor, aí me desapego dos resultados, confio em sua poderosa capacidade de orquestrar situações, eventos e pessoas, a fim de me trazer aquilo que atenderá meu desejo.

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Nos meses que se seguiram ao rompimento, entrei num estado de obsessão e, se antes eu tinha devoção por Matt, passei a alimentá-la ainda mais. E tudo o que eu fazia com esta devoção era não só ficar sem o amor de Matt como fechar as portas para pessoas que potencialmente me fariam feliz.

Os símbolos de amor que temos podem ter se tornado símbolos de rejeição, e ao se apegar ao símbolo, impedimos que o amor que queremos chegue até nós, pois limitamos sua porta de entrada, ou queremos forçar sua entrada pela porta errada, que agora não abre mais para aquela frequência que queremos, mas para outras que não desejamos.

Querer de volta alguém que nos rejeitou é vibrar a frequência da rejeição, é querer reverter o quadro de inadequação, é um problema a resolver consigo mesmo, e não com o outro, e é acima de tudo, o foco na rejeição. Vibrando a rejeição, somos rejeitados. O melhor a se fazer quando queremos de volta alguém que nos rejeitou é aceitar os fatos e nos concentrar na solução, não no problema: concentrarmos nossa energia em nós mesmos, pois ao vibrarmos o amor próprio apesar da rejeição, automaticamente mudamos a energia em volta, fazendo até mesmo que a pessoa que nos rejeitou mude o foco sobre nós. Fomos rejeitados, mas não iremos também nos rejeitar, ao contrário, nos amaremos.

Aprendemos grandes lições da vida, muitas vezes, quando é tarde demais... bem... nunca é tarde demais para o universo. A vida tem um jeito muito próprio de resolver problemas que damos como perdidos. Somente porque nossa consciência se limita às crenças que nos fazem sentir impotentes, não quer dizer que elas são a verdade. Somente porque não conseguimos calcular grandes equações, não significa que elas não tem solução. Para o universo, resolver o maior dos problemas que podemos imaginar é tão simples quanto piscar os olhos, e esta é a razão pela qual devemos confiar que o resultado que atingirmos ao confiar no universo é o melhor possível, pois ele é.

A fórmula química da molécula da água é H2O. Se alterarmos um só componente, mudamos completamente a composição. Somos um emaranhado de compostos, em que um pequeno detalhe alterado, muda tudo o que somos. O universo tem o poder de saber exatamente qual átomo, qual ordem, qual pequeno detalhe que nem mesmo percebemos deve ser alterado para que nossos desejos de felicidade sejam preenchidos.

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O poder do desconhecido

Quando nascemos, tudo é um grande mistério. Somos jogados nos braços do desconhecido, e dele não temos medo algum. Nos primeiros anos de nossas vidas, tudo é novo e nosso sistema de julgamentos é completamente inexistente, somos virgens de vida, tudo é interessante, mágico, envolvente. Somos livres para sermos nós mesmos, expressamos nossa essência com a maior das precisões, e temos absoluta confiança de que nossas necessidades serão atendidas assim que elas se manifestarem.

Adultos, acumulamos uma infinidade de coisas para zelar, e tememos o medo do desconhecido por medo de perdermos as coisas que temos. Perdemos o contato com a mágica do desconhecido. Guardamos dinheiro para eventuais surpresas desagradáveis, e então elas acontecem. Antecipamos em nossa mente o que alguém responderá, raciocinamos demais as possibilidades, e perdemos o contato com o espontâneo em nós.

Todas as vezes que perdi coisas significantes, após o impacto da perda, outra sensação muito envolvente logo aparecia – a sensação de nascer de novo, de estar de volta às mãos do desconhecido, era o contato com a liberdade de ser.

Quando deixei o Brasil para ir morar na Irlanda, eu não falava inglês, não conhecia ninguém na cidade, não sabia o que ia fazer, não tinha plano algum. Deixei minha vida nas mãos do mistério, e as manifestações que me ocorreram foram frutos dos meus desejos mais íntimos. Quando entrei no avião, foi para levar o melhor de mim àquele país - minha completa esperança, foco positivo e vontade de viver o que quer que me acontecesse. Vivia totalmente no presente, não tinha nada a perder. E era assim que por onde eu passava, esbarrava com a sorte. Não me esforçava para nada e conseguia tudo. Confiava na vida.

Com o passar do tempo, as coisas não eram mais novas e agora eu tinha outras coisas a zelar, e consequentemente medo do desconhecido. Ao perdermos o contato mágico e envolvente com o mistério, damos-lhe não mais a

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nossa pura expressão de luz, mas a nossa desconfiança, nosso receio de que o dia que não conhecemos pode nos tirar tudo o que temos. O desconhecido é tão mágico, que muitas vezes é isso mesmo o que ele faz: nos tira tudo o que temos para que possamos nos relacionar com ele positivamente de novo – quando não temos nada, não temos nada a perder, e então novamente somos livres para brilhar nossa luz pelo mistério.

Não é preciso que percamos tudo, no entanto, para manter uma relação positiva com o desconhecido. É preciso saber que o campo dos milagres, o campo das manifestações de nossos desejos é o desconhecido. A casa da sorte é o desconhecido. A natureza opera em silêncio, em mistério. As células trabalham em silêncio, quase em segredo, não avisam. O leão come a caça, mas não a estoca em uma geladeira, ele sabe que haverá outro dia e outra caça, ele confia no universo. Os animais todos dominam a essência do desconhecido, não há acúmulo ou preocupação com o futuro, eles apenas vivem.

Confiar no desconhecido significa aceitar que o que vem é ainda melhor que o que já veio, e não raciocinar demais as possibilidades e as opções que teremos no futuro. É o que é, e será o melhor.

Não é preciso que façamos grandes mudanças nas nossas vidas para mantermos contato positivo com o desconhecido. O dia-a-dia é cheio deles: o lugar ao qual você nunca foi, a pessoa que você acabou de conhecer, a atividade que você nunca fez... Todas as vezes que trocamos a pergunta "o que tem lá para mim?" pela pergunta "como posso dar o meu melhor lá?", abrimos a porta para presentes do mistério em nossas vidas. Conheci Matt no bar em que eu sempre ia, e no qual ele nunca havia estado. Amo as histórias de amores que se conheceram por acaso, e que, se ao menos um dos pequenos fatores envolvidos tivesse sido diferente, eles nunca teriam se amado.

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Sou uma gota d’água, sou um grão de areia

É muito difícil aceitar as contradições da vida quando estamos presos e orientados sempre pelo ego. O ego é o mecanismo que nos separa como indivíduos, e até tem sua importância. É através dele que nos preservamos, lutamos pela vida e para nos manter vivos. Mas também através dele lutamos pelo poder, nos agarramos a tudo e lutamos para manter o que temos porque é do ego querer preservar tudo o que usamos para nos definir.

Somos, no entanto, apenas uma pequena parte que contribui para a manutenção e expansão do universo. Se aceitamos que estamos aqui para contribuir, nos integramos à mente da natureza, aceitamos seu fluxo e vivemos com leveza as mudanças, as rejeições, os desafios.

Tudo o que há em nós foi desenhado para cumprir o papel na expansão do todo através de nossa própria expansão. Nossas células, quando trabalham organizadamente, realizam as tarefas que precisam realizar. Mas quando uma delas decide que não quer mais operar para contribuir com o todo e decide se emancipar e fazer o que bem entender, é quando o sistema colapsa, e temos o início de um câncer.

Sempre que algo não funciona exatamente como gostaríamos, é importante rever se nos distanciamos do fluxo de cooperação com o todo. Onde nos distanciamos, onde deixamos nos conduzir por nosso ego, com medo, com obsessão pelo poder, com competição, separação. O amor une, a falta dele separa. Trabalhando com o amor, estamos sempre sintonizados na mente do universo.

Mas somos humanos, e tendo nossa consciência sujeita a desvios, é natural que nos afastemos da melhor dinâmica. Estamos nesta realidade para expandir, e quando travamos o fluxo natural, disparamos um mecanismo auto-corretor. Assim como temos no sangue células que nos defendem de possíveis infecções, se auto-corrigindo, temos em nossa vida um restaurador de sistemas. É

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quando manifestamos eventos que, ainda que sejam extremamente dolorosos, nos dará o exato remédio para nos fazer mudar de direção. Muitas vezes é a morte em vida, a morte de nosso eu que já não nos serve mais.

O ego, ao se ver morrer, se desespera. É neste momento de desespero que devemos abrir mão daquilo que mais queremos manter. Quanto mais rápido entendermos isto, mais rápido curaremos nossa infecção emocional e externa que manifestamos. Mais rapidamente teremos acesso às boas coisas que estão por vir.

Era óbvio que devíamos nos separar – eu já cortava os pulsos, já havia me distanciado de minha missão e meu mundo. Havia me distanciado da minha própria vida. Se não fosse o fim do relacionamento, seria o fim da minha vida. A separação foi o sistema auto-corretor, a mão do anjo no meu ombro.

Nos momentos da minha suave psicose ao fim da relação , percebia vários sinais de salvação. Percebia que alguém do outro lado do véu estava a todo custo tentando me resgatar, mas me mandava sinais de que era preciso desistir daquela busca enlouquecida contra a rejeição. Eu não queria aceitar, lutava contra os anjos. Eles me mandavam sinais de que eu seria amada, mas não da forma como eu queria. E eu detestava aqueles sinais: eu queria o amor que eu queria. Aquele era o ego.

Em julho de 2014, finalmente entendi que minha estadia por mais aquele ano em Dublin era um evento de morte das ilusões. Sabia que não haveria volta com Matt, mas meu ego ainda se agarrava às ilusões tão fortemente, que se não estivesse em Dublin para ter aquela esperança vazia, eu não conseguiria suportar de uma vez só a morte do meu eu que já não me servia. Sabia que cada mês que eu passava lá, era um mês a menos de ilusões. E elas morriam lentamente, uma a uma, a cada distanciamento, a cada mensagem mal respondida, a cada vez que Matt me ignorava, desprezava ou maltratava. Tive exatamente o que eu precisava para matar aos poucos o eu que não contribuía nem para mim nem para os outros.

É importante reconhecer os milagres em nossas vidas. Algumas pessoas vivem como se tudo fosse milagre, outras como se nada fosse milagre. Precisou muito mais de um ano para matar todas as ilusões. Ilusão é uma entidade ingênua, romântica, cheia de apego e cálculos de karma, ela nunca quer morrer, ela quer provar que seus sonhos se realizam, ilusão é baseada no ego. A

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ilusão não consegue enxergar o mundo como ele é, apenas como ela gostaria que fosse. A indiferença de Matt foi o melhor dos eventos, pois sem ela, não conseguiria nunca matar a ilusão.

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Morte e Vida

Sendo o desconhecido o campo dos milagres, é nele também que curamos nossas feridas, pois diante do desconhecido, somos os artistas improvisando e criando uma nova realidade.

Deixamos para trás o nosso velho eu e nos dedicamos a uma vida nova em que nascemos de novo, inocentes, puros, perdoados. Conhecemos já tudo sobre a vida que tivemos. Se, ao invés de nos renovarmos, ficamos presos ao passado, paramos de expandir, dificultamos a chegada da sorte em nossas vidas, envelhecemos. Uma cobra que não troca de pele, morre apodrecida.

Renovar-se é a habilidade de estar sempre atual diante dos acontecimentos da vida: quando a versão passada do que somos morre, nos recolhemos em nosso casulo processando as experiências que tivemos, e usando-as para moldar nossa nova pele.

Tudo na vida tem um ciclo de vida e morte, inclusive os problemas. Quando um problema nasce, é aquele probleminha, pequeno e só irritante, com o tempo, ele ganha gravidade, ganha importância, tem seu auge, devastando vidas. Depois do estrago, vai definhando, fica magrinho, fraquinho, e morre. E então quando pensamos nele, às vezes até sentimos saudades, mal nos lembramos mesmo por que que ele era tão ruim. Descansa em paz.

O ser humano, complexo que é, está sempre no projeto Beta, nunca finalizado. A cada fase da vida que passamos, começamos com o entusiasmo ou inocência de uma criança, e com o passar do tempo, vamos ficando experts naquela realidade. Como um computador, sem que haja o upgrade do programa, as fases da vida podem ficar obsoletas, e não fazerem mais sentido, travam o fluxo de energia, não expandem. É quando grandes mudanças ocorrem.

Quando chegamos a um ponto da vida em que paramos de sonhar, de querer expandir, esta é a hora em que nos aproximamos da morte. Ora física, ora emocional. O Talking Heads diria que o céu é um lugar onde nada

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nunca acontece, é perfeito. Os anjos não desejam. Aqueles que travam o fluxo de expansão a ponto de não mais verem sentido em viver, atraem para si mesmos a morte, desejando-a inconscientemente. Era isto o que eu fazia. Havia colocado a razão da minha vida inteira na busca do amor. Quando o encontrei, havia acabado a busca, e consequentemente a razão de viver. Eu não tinha mais desejos. Sem desejos, morremos.

Das coisas que já vivi na vida a que eu mais gosto é o processo de renascimento. A morte do nosso velho eu pode ter sido dramática ou suave. Podemos ter passado por um furacão emocional ou apenas decidimos que era hora de desligar nossos aparelhos emocionais. Entramos num casulo pessoal, filtrando a nós mesmos, selecionando as partes de nós com as quais costuraremos nossa nova pele, processamos a nós mesmos, nos digerimos e nos transformamos.

Para uma borboleta, a saída do casulo pode ser uma experiência muito traumática, pois demanda grande esforço para empurrar a casca e forçar a saída. Ela gasta bastante tempo e energia empurrando as paredes do casulo, forçando-as, batendo-as, quebrando-as e se debatendo. Um grupo de cientistas resolveu ajudar um grupo de borboletas, e, quando elas estavam prontas para saírem do casulo, eles os abriam para que elas saíssem. O resultado é que as borboletas a que eles ajudavam, ao saírem, caíam no chão e morriam.

Todo o sofrimento envolvido na quebra das paredes do casulo é essencial para o sucesso do processo, pois ao quebrar o casulo com seu corpo, a borboleta oxigena seus membros, bombeia energia para todo o seu novo corpo ainda não usado, e suas novas asas, recém-adquiridas. É no processo de quebra, com o reconhecimento de seu corpo e suas novas dimensões que a borboleta gradualmente se percebe borboleta, e não mais lagarta. O ponto mais alto da vida de uma borboleta é o breve momento entre a quebra do casulo e seu primeiro vôo. O auge da sua capacidade de criar.

Muitas vezes gostaríamos de apertar o controle remoto da vida e adiantar as fases, evitando o sofrimento. O fato é que se pudéssemos ir de 1 a 10 instantaneamente sem passarmos pelos outros números entre eles, chegaríamos lá sem saber como chegamos, o que fizemos para chegar, e como manter. Cairíamos no chão e morreríamos assim que saíssemos do casulo. E ainda que sobrevivêssemos, quantas histórias não teríamos perdido? Quanta vida!

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Para nos reconhecermos borboletas com todo o esplendor e graça, é preciso que nos permitamos passar por todas as fases: a morte do velho eu, o encasulamento, o rompimento da casca, e finalmente o vôo. Só então podemos olhar para nós mesmos e perceber que realmente nos tornamos borboleta. Imagine um dia acordar no corpo de outra pessoa – por mais gracioso que ele pudesse parecer, ficaríamos perdidos na nova situação, em luto por nosso corpo e sem segurança no novo. Mas se ao longo da vida, nosso corpo fosse se tornando aquele, não teríamos problemas para reconhecer nossas habilidades e qualidades naquele corpo. Assim é com nosso processo de crescimento psicológico e emocional – sentimos segurança em nós mesmos quando estivemos por perto de nós mesmos na dor e na metamorfose.

A criança que tem sua tarefa feita por outra pessoa não se sente dona do mérito, e cresce sem noção de valor próprio, ainda que em um primeiro momento fique feliz por não precisar se esforçar. Quando vemos alguém num estado de morte emocional, podemos estender-lhe a mão e dar o suporte necessário, mas nunca a ponto de tirar da pessoa o enorme poder que a dor lhe trará. A dor é sempre transformadora.

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Amor não morre

Eram 5 horas da manhã de uma primavera e sentávamos nos balanços de um playground infantil no quintal da casa de um amigo. Estávamos high e ríamos sem parar. Inventávamos nomes e anúncios para perfume, depois olhávamos um para o outro, e fazíamos o comercial. Eu olhava para Matt, e de forma muito pretensiosa para a câmera invisível, dizia "Lancome, Headache", com um pequeno sorriso maroto, então voava no imenso impulso do balanço. E sabíamos exatamente como seria o comercial, se pudéssemos mesmo filmar um.

Outro nome para perfume inventamos, junto a um slogan "The essencial is invisible to the eye, Le Petit Prince", dizíamos com vozes roucas, sotaque francês e olhares de top model, e novamente nos jogávamos com o balanço. Já havíamos passado mais de duas horas naquela brincadeira que não perdia a graça nunca. E é assim que me lembro do Matt que amei - eternamente congelado naquela cena. Hoje invisível e essencial.

Naturalmente vivi muitas coisas depois que Matt me deixou. Coisas intensas e numerosas demais para serem ditas neste livro. Conheci muitas pessoas, me refiz por completo, aprendi a viver, paguei meus karmas, revi meus erros, me tornei a minha melhor versão dos últimos 32 anos.

Mas sou grata a Matt por ter passado pela minha vida e ter sido a fresta que o universo usou para manifestar todas as risadas, amor, lágrimas, crescimento e conhecimento.

Amei Matt não só nas primeiras semanas, não só no nosso casamento falso em Berlim, não só quando tudo eram flores. Amei Matt quando tudo era escuridão. Foi na dor, no sofrimento, nas noites sem resposta que o amei ainda mais. Vi nele um ser humano extremamente complexo, vi nele o que nunca tinha me aberto para ver em ninguém, e através dele, me vi. Foi de longe a experiência mais profunda que tive, estudei seu espírito como quem faz um mestrado em amor. Foi como ver a primeira pessoa nesse mundo inteiro.

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Amei Matt no furacão das brigas, nas paredes cheias de buraco dos socos que ele lhes dava, nos pratos que eu quebrava. Amei Matt insanamente quando não deveria amá-lo. Amei suas histórias, seu passado e todas as pessoas que ele amou, e quando não havia mais o que amar, amei a ideia do que ele potencialmente era, foi ou viria a ser.

Amei seus defeitos, porque eles eram parte do desastre, do quadro todo, da complexidade da pessoa que me espelhava e me enlouquecia. Amei Matt em cada chá que eu lhe fazia enquanto ele trabalhava, e na nossa vida simples, e nos sonhos que tivemos. Da casa no interior que não alugamos, do filho que não criamos, da viagem a Cuba que não fizemos, do casamento com a banda de jazz que nunca aconteceu. Amei Matt na presença, amei na ausência. E quando ele já não era nem de longe a pessoa que um dia amei, então amei sua lembrança.

O amor que sentimos por alguém é um lugar em nosso coração, ele não some. Ele abriga. Aquele amor enorme que sentia por Matt, contido num único ponto, explodiu, e então houve luz. Dizem que de um pequeno ponto, há muito tempo atrás, surgiu tudo o que conhecemos, e tudo que imaginamos. E a isso, eles chamaram Big Bang, lá em meados de 2014.

Somos o que perseguimos por toda a vida, e quando me conheci, deixei seu país, e entreguei-lhe a chave do apartamento 10 da 67, North Circular Road. Lá, ele encontraria seu piano, CDs, e outros pertences. Um deles, o primeiro presente que lhe dei – uma caixinha de música, que segurava meu último bilhete: “Goodbye Stranger”.