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12 c apa DOMINGO, 9 DE SETEMBRO DE 2012 - Adeus, sofá Rebeka Figueiredo rebeka.fi[email protected] U sar elevador, ir à pa- daria de carro, traba- lhar no computador e pedir comida por telefone tornam a vida con- temporânea menos cansativa. Aparentemente inofensivos, os minutos poupados em tarefas cotidianas contribuem para o crescimento acelerado do se- dentarismo. Mais de 3 milhões de pessoas morrem por ano por causa da inatividade físi- ca, e o risco de todas as causas de mortalidade sobe até 30% para pessoas insuficientemente ativas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Estudo publicado em julho no periódico “The Lancet” mostra que o sedentarismo pode ser tão mortal quanto o tabagismo, fato que o tor- naria uma nova “pandemia” mundial. A pesquisa, coman- dada por I-Min Lee, professora de epidemiologia da Universi- dade de Harvard, nos Estados Unidos, concluiu que a falta de movimentação causou uma em cada dez mortes por doenças cardíacas, diabetes e câncer em 2008, o que corresponde a 5,3 milhões de óbitos no mundo. Para se ter uma ideia, o cigarro mata 5 milhões de pessoas todos os anos. FOTOLIA O cardiologista Carlos Al- berto Machado, diretor de Pro- moção da Saúde Cardiovascu- lar da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), concorda com a avaliação. “O problema é muito grave, estamos diante de uma epidemia. A vida em grandes centros urbanos, com longas jornadas de trabalho, faz com que as pessoas deixem de se movimentar.” Segundo a SBC, 49% dos brasileiros não prati- cam nenhum tipo de atividade física. A pesquisa Vigitel, do Mi- nistério da Saúde, aponta que 49% dos adultos estão com ex- cesso de peso e a obesidade atinge 16% deles. Machado lembra que exercitar-se re- gularmente ajuda a prevenir o corpo de doenças cardíacas, além de controlar a pressão arterial e ajus- tar os níveis de colesterol e açúcar no sangue. “A pes- soa que faz atividade física está reservando um tempo para si, tornando-a mais comprometida com a qualidade de vida.” A gerente de comércio ex- terior Cristina Gonçalves, de 32 anos, conhece as vantagens dos exercícios e até chegou a se matricular em academia, mas confessa que sempre tem uma desculpa para evitá-los. “Não é prioridade, acho um té- Todo mundo sabe que fazer exercícios físicos faz bem à saúde. O que a maioria desconhece é que o sedentarismo mata mais de 3 milhões de pessoas por ano

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Page 1: Adeus, sofá

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capaDOMINGO, 9 DE SETEMBRO DE 2012 -

Adeus, sofá

Rebeka [email protected]

Usar elevador, ir à pa-daria de carro, traba-lhar no computador e pedir comida por

telefone tornam a vida con-temporânea menos cansativa. Aparentemente inofensivos, os minutos poupados em tarefas cotidianas contribuem para o crescimento acelerado do se-dentarismo. Mais de 3 milhões de pessoas morrem por ano por causa da inatividade físi-ca, e o risco de todas as causas de mortalidade sobe até 30% para pessoas insuficientemente ativas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Estudo publicado em julho no periódico “The Lancet” mostra que o sedentarismo pode ser tão mortal quanto o tabagismo, fato que o tor-naria uma nova “pandemia” mundial. A pesquisa, coman-dada por I-Min Lee, professora de epidemiologia da Universi-dade de Harvard, nos Estados Unidos, concluiu que a falta de movimentação causou uma em cada dez mortes por doenças cardíacas, diabetes e câncer em 2008, o que corresponde a 5,3 milhões de óbitos no mundo. Para se ter uma ideia, o cigarro mata 5 milhões de pessoas todos os anos.

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lia

O cardiologista Carlos Al-berto Machado, diretor de Pro-moção da Saúde Cardiovascu-lar da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), concorda com a avaliação. “O problema é muito grave, estamos diante de uma epidemia. A vida em grandes centros urbanos, com longas jornadas de trabalho, faz com que as pessoas deixem de se movimentar.” Segundo a SBC, 49% dos brasileiros não prati-cam nenhum tipo de atividade física. A pesquisa Vigitel, do Mi-nistério da Saúde, aponta que 49% dos adultos estão com ex-cesso de peso e a obesidade atinge 16% deles.

Machado lembra que exercitar-se re-gularmente ajuda a prevenir o corpo de doenças cardíacas, além de controlar a pressão arterial e ajus-tar os níveis de colesterol e açúcar no sangue. “A pes-soa que faz atividade física está reservando um tempo para si, tornando-a mais comprometida com a qualidade de vida.”

A gerente de comércio ex-terior Cristina Gonçalves, de 32 anos, conhece as vantagens dos exercícios e até chegou a se matricular em academia, mas confessa que sempre tem uma desculpa para evitá-los. “Não é prioridade, acho um té-

todo mundo sabe que fazer exercícios físicos faz bem à saúde. o que a maioria desconhece é que o sedentarismo mata mais de 3 milhões de pessoas por ano

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capa 13 - DOMINGO, 9 DE SETEMBRO DE 2012

a vontade de viver cresceu depois que mudei meu estilo de vida. o sono melhorou, a pressão arterial está controlada. o impossível não existe, bastatomar a iniciativa

Claudio Garbi, de 38 anos, empresário de Brasília que perdeu

60 quilos desde que começou a se exercitar e participar de maratomas

dio correr na esteira”, explica, acrescentando que há 4 anos fez cirurgia para retirar a glândula tireoide e, por isso, está acima do peso. Agora, pretende inves-tir em hidroginástica, atividade que considera mais prazerosa.

Para o fisioterapeuta e edu-cador físico Marcio Marega, responsável pelo programa

Anti-Sedentarismo do Hospital Albert Einstein, Cristina tem chances de sucesso. “Quando há prazer, consegue-se mais re-gularidade. Uma dica é criar um diário e comemorar as pe-quenas metas alcançadas, além de contar com o suporte de fa-miliares”, ensina.

A falta de tempo não pode ser empecilho. Segundo Mare-ga, é preciso criar oportunida-des de movimento, como estacionar o carro mais dis-

tante e caminhar até o des-tino final, preferir escadas e não ficar muito tempo no sofá. “Qualquer atividade que envolva gasto de ener-gia além do necessário para a sobrevivência, durante 30 minutos por dia, pelo menos cinco vezes por semana, tira a pessoa do sedentarismo.” (veja mais dicas na pág.15).

Para as crianças, o ritmo das atividades deve ser de mode-rado a intenso, pelo menos 60 minutos por dia. “Elas estão em fase de crescimento e precisam gastar mais energia”, argumen-ta Marega. Iago de Oliveira, de 18 anos, aproveita a bicicleta para ir à escola e ao trabalho. “Gosto de pedalar, até nos fins de semana”, conta.

O envelhecimento da popu-lação brasileira também reforça a importância de hábitos saudá-veis. Em 50 anos, o percentual de idosos mais que dobrou no País, segundo o Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Precisamos começar agora. Se houver um grande número de idosos doentes daqui a alguns anos, não vai existir sis-tema de saúde capaz de supor-tar”, analisa Machado.

O futuro foi o estímulo

49% dos brAsileiro

não prAticAm

nenhum tipo de

AtividAde físicA,

estimA sociedAde

de cArdiologiA

byke: iago oliveira gasta energia pedalando para ir à escola, ao trabalho e nos fins de semana

mudança de hábito: Cláudio Garbi na versão atleta e há dois anos (acima), quando pesava 180 quilos

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que levou o empresário bra-siliense Claudio Garbi, de 38 anos, a se livrar de mais de 60 quilos e da obesidade mórbi-da em apenas dois anos. Com 1,94 m de altura, ele pesava 180 quilos quando marcou ci-rurgia de redução de estôma-go. No entanto, após dez dias em um spa e 8 quilos mais ma-gro, Claudio cancelou a ope-ração e decidiu mudar o estilo de vida radicalmente.

“Tenho dois filhos, precisava dar o exemplo”, relembra. Ele começou com caminhadas de 6 quilômetros por dia, que logo evoluíram para corridas. Quan-do ganhou a primeira medalha, ficou empolgado e desde então já participou de 115 provas, in-cluindo uma maratona de 42 quilômetros “A vontade de vi-ver cresceu, o sono melhorou, a pressão arterial está controlada. O impossível não existe, basta tomar a iniciativa”, acredita.

eXeRCÍCio fáCil: substituir a escada rolante pela fixa já ajuda a gastar energia, afirmam especialistas

A esposa Evandra e os filhos Cauê, de 7 anos, e Giovana, de 9, além de amigos dele, foram influenciados e também par-ticipam de eventos esportivos. O próximo desafio de Claudio Garbi é a Maratona de Amster-dã, marcada para outubro.

O ex-triatleta Fernando Die-fenthaeler, doutor em ciências do movimento humano e pro-fessor da Universidade Federal de Santa Catarina, compara o corpo a um carro que não pode ficar parado na garagem. “Para as engrenagens funcionarem, elas devem estar em movimen-to. O exercício diminui o risco de obesidade, acelera o metabo-lismo e os ossos recebem impac-tos que estimulam a formação de cálcio”, explica.

A atividade física traz bene-fícios em qualquer idade, e não é necessário ser atleta nem ter muito dinheiro para se mexer. Vale reunir os amigos para uma caminhada, procurar associa-ções de bairro e utilizar praças e faixas para bicicletas, sugere Fernando Diefenthaeler, que conseguiu convencer a própria mãe a iniciar um programa de caminhadas aos 70 anos.

Orientação é fundamentalQuem já conseguiu sair do

sedentarismo ou deseja resulta-dos mais rápidos deve pro-

qualquer atividade que envolva gasto de energia além do necessário para a sobrevivência, durante 30 minutos por dia, pelo menos cinco vezes por semana, tira a pessoa do sedentarismo

marcio marega, fisioterapeuta e educador físico

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30% mAior entre

pessoAs Que

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capa 15 - DOMINGO, 9 DE SETEMBRO DE 2012

sor da academia Companhia Athletica, de São Paulo, os prati-cantes devem usar roupas leves, que permitam a movimentação e a transpiração, e calçados con-fortáveis. Além de corrida, na-tação e musculação, há outras opções para melhorar o condi-cionamento físico. “Pilates, lutas e escalada trazem os mesmos ganhos. O exercício deve ser fre-

quente e de intensidade mode-rada, o suficiente para elevar a frequência cardíaca e produzir sudorese, mas cada caso deve ser avaliado individualmente.”

A nutricionista Carolina Carnevalli, especialista em Fi-siologia do Exercício, afirma que a boa alimentação é alia-da na luta contra o sedentaris-mo. Comer pelo menos cinco porções de frutas, verduras e

legumes diariamente e aumentar a in-gestão de produtos

integrais é um bom começo. “É importante beber bastante água e nunca se exercitar em jejum”, diz ela. Outro estímulo para cuidar do corpo pode ser conseguido com a redução de

alimentos gordurosos ou com muito sal e muita açúcar. “O de-safio é fugir da gordura escondi-da em cada prato”, ensina.

O cardiologista Carlos Al-berto Machado explica que, em 2011, o Brasil participou de assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) para o combate do câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. As metas preveem que a diminui-ção da mortalidade por essas enfermidades seja alcançada a

a vida em grandes centros urbanos, com longas jornadas de trabalho, faz com que as pessoas deixem de se movimentar. o problema é muito grave. estamos diante de uma epidemia

Carlos alberto machado, diretor de promoção da saúde

cardiovascular da sociedade Brasileira de Cardiologia (sBC)

partir de quatro eixos: o com-bate ao tabagismo e ao uso abu-sivo de álcool, o aumento do consumo de frutas, verduras e legumes e a redução do seden-tarismo. Machado acredita que essas mudanças ajudariam a re-duzir as mais de 300 mil mortes por doenças cardiovasculares todos os anos no País.

PRomeSSa: Cristina Gonçalves admite não gostar de correr na esteira, mas tem planos de compensar com hidroginástica

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Lançado em 1996 para combater o se-dentarismo no Es-tado de São Paulo, o Agita São Paulo es-palhou o princípio de acumular 30 mi-nutos de atividade física, cinco vezes por semana. O projeto converteu-se em re-ferência para a Orga-nização Mundial da Saúde (OMS) em 2002. “Existiam outras iniciativas, mas elas eram acadêmicas”, avalia Luis Carlos de Oliveira, um dos co-ordenadores. Hoje, o Agita SP faz parcerias com órgãos públicos e privados para dis-seminar a ideia, e a rede Agita Mundo tem mais de 60 paí-ses. “A grande sacada foi transformar a ati-vidade física em algo simples e acessível”, resume Oliveira.

Agita sp é referência mundial

curar a ajuda de médicos e pro-fissionais de educação física. Os “atletas de fim de semana”, que se esforçam muito sem preparo adequado, correm mais riscos, diz Diefenthaeler. “É como se uma pessoa pegasse um avião sem nunca ter pilotado. Ela pode sofrer lesões, passar mal e até ter uma morte súbita.”

Para Nilo França, profes-