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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 9434/06.6TBMTS.P1.S1 Nº Convencional: 7ª SECÇÃO Relator: ANA PAULA BOULAROT Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DANOS NÃO PATRIMONIAIS INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DIREITO À NÃO EXISTÊNCIA DIREITO À VIDA Data do Acordão: 17-01-2013 Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / PERSONALIDADE JURÍDICA / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL. DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS. DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA INTRA-UTERINA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS. Doutrina: - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 431, 971; Direito das Obrigações, 6ª edição, 507. - Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, Reflexões em torno da Responsabilidade Civil dos Médicos, in Direito e Justiça, Vol XIV, Tomo III, Universidade Católica, 2005, 161/252; Responsabilidade Civil por erro médico: Esclarecimento/Consentimento do Doente, 5/27, in Data Venia, Revista Jurídica Digital, Ano 1, nº1, Julho-Dezembro 2012, disponível na internet; Responsabilidade Médica Em Direito Penal, Estudo Dos Pressupostos Sistemáticos, 2007, 53/59. - Álvaro Dias, Breves considerações em torno da responsabilidade civil médica, RPDC, 1993, Ano II, nº3, 27/59. - António Pinto Monteiro, Direito à não existência, direito a não nascer, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Vol II, A parte geral do código e a teoria geral do direito civil, 131/138; em anotação ao Acórdão do S.T.J. de 19 de Junho de 2001, in RLJ, ano 134, nº3933, 377/384, 387. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II volume, 5ª edição, 10. - Carlos Ferreira de Almeida, Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, in Direito da Saúde e Bioética, 1996, 110/112. - Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 423. - Carneiro da Frada, A própria vida como dano? Dimensões civis e constitucionais de uma questão limite, in Revista da Ordem dos Advogados, 2008, I, 215/253; Contratos e deveres de protecção, in BFDUC, suplemento Vol XXXVIII, 1993, 335/337. - Dias Pereira, O Consentimento Informado na relação médico-paciente. Estudo de direito civil, 2004, 378/391. - Fernando Dias Simões, Vida Indevida, As acções por wrongful life e a dignidade da vida humana, in Revista de Estudos Politécnicos, Polytechnical Studies Revuew, 2010, Vol. VIII, nº13, 187/203. - Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, A Responsabilidade Médica em Portugal, in BMJ, nº332, 21/79; e, Responsabilidade Médica na Europa Ocidental – Considerações de lege ferenda, in Scientia Iuridica, Tomo XXXIII, 1984, 100/107. - Guilherme de Oliveira, O fim da arte silenciosa – O dever de informação dos médicos, in RLJ, ano 128º, 1995/1996, 70/104. - Henriques Gaspar, A Responsabilidade Civil do Médico, in CJ Ano III, Tomo I, 1978, 341, 342. - João Álvaro Dias, Culpa Médica: algumas ideias força, in Revista Portuguesa Do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, nº5, pags 23 e 55; Dano Corporal, 503/504. Page 1 of 57 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 25-02-2013 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e657efc25ebbdf3b8...

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  • Acrdos STJ Acrdo do Supremo Tribunal de JustiaProcesso: 9434/06.6TBMTS.P1.S1N Convencional: 7 SECORelator: ANA PAULA BOULAROTDescritores: RESPONSABILIDADE MDICA

    RESPONSABILIDADE CONTRATUALDANOS NO PATRIMONIAISINTERRUPO DA GRAVIDEZDIREITO NO EXISTNCIADIREITO VIDA

    Data do Acordo: 17-01-2013Votao: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENCTexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTADeciso: NEGADA A REVISTArea Temtica:

    DIREITO CIVIL - RELAES JURDICAS / PESSOAS SINGULARES / PERSONALIDADE JURDICA / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAES / FONTES DAS OBRIGAES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAES / OBRIGAO DE INDEMNIZAO / NO CUMPRIMENTO IMPUTVEL AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL.DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA INTRA-UTERINA.DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAO / DISCUSSO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENA / RECURSOS.

    Doutrina:- Almeida Costa, Direito das Obrigaes, 5 edio, 431, 971; Direito das Obrigaes, 6 edio, 507.- lvaro da Cunha Gomes Rodrigues, Reflexes em torno da Responsabilidade Civil dos Mdicos, in Direito e Justia, Vol XIV, Tomo III, Universidade Catlica, 2005, 161/252; Responsabilidade Civil por erro mdico: Esclarecimento/Consentimento do Doente, 5/27, in Data Venia, Revista Jurdica Digital, Ano 1, n1, Julho-Dezembro 2012, disponvel na internet; Responsabilidade Mdica Em Direito Penal, Estudo Dos Pressupostos Sistemticos, 2007, 53/59.- lvaro Dias, Breves consideraes em torno da responsabilidade civil mdica, RPDC, 1993, Ano II, n3, 27/59.- Antnio Pinto Monteiro, Direito no existncia, direito a no nascer, in Comemoraes dos 35 anos do Cdigo Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Vol II, A parte geral do cdigo e a teoria geral do direito civil, 131/138; em anotao ao Acrdo do S.T.J. de 19 de Junho de 2001, in RLJ, ano 134, n3933, 377/384, 387.- Antunes Varela, Das Obrigaes em Geral, II volume, 5 edio, 10.- Carlos Ferreira de Almeida, Os Contratos Civis de Prestao de Servio Mdico, in Direito da Sade e Biotica, 1996, 110/112.- Carlos Mota Pinto, Cesso da Posio Contratual, 423.- Carneiro da Frada, A prpria vida como dano? Dimenses civis e constitucionais de uma questo limite, in Revista da Ordem dos Advogados, 2008, I, 215/253; Contratos e deveres de proteco, in BFDUC, suplemento Vol XXXVIII, 1993, 335/337.- Dias Pereira, O Consentimento Informado na relao mdico-paciente. Estudo de direito civil, 2004, 378/391.- Fernando Dias Simes, Vida Indevida, As aces por wrongful life e a dignidade da vida humana, in Revista de Estudos Politcnicos, Polytechnical Studies Revuew, 2010, Vol. VIII, n13, 187/203.- Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, A Responsabilidade Mdica em Portugal, in BMJ, n332, 21/79; e, Responsabilidade Mdica na Europa Ocidental Consideraes de lege ferenda, in Scientia Iuridica, Tomo XXXIII, 1984, 100/107. - Guilherme de Oliveira, O fim da arte silenciosa O dever de informao dos mdicos, in RLJ, ano 128, 1995/1996, 70/104.- Henriques Gaspar, A Responsabilidade Civil do Mdico, in CJ Ano III, Tomo I, 1978, 341, 342. - Joo lvaro Dias, Culpa Mdica: algumas ideias fora, in Revista Portuguesa Do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, n5, pags 23 e 55; Dano Corporal, 503/504.

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  • - Joo de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, 1978, 103/109.- Jos de Faria Costa, em Redor Da Noo De Acto Mdico, in RLJ, Ano 138, n3954, 135.- Jos Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, "Cdigo de Processo Civil", Anotado, vol 3, tomo I, 2 edio, 162/163.- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigaes, 1963, 2 edio, 413/4215.- Maria Paula Ribeiro de Faria, O Erro Em Medicina E O Direito Penal, in Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Sade, Ano 7. n14, 2010, 21/24.- Mark Cohen, Park v. Chessin: the continuing judicial development of the theory of wrongful life, in American Journal of Law & Medicine, 1978, vol 4, n2, 211/232.- Marta de Sousa Nunes Vicente, Algumas Reflexes sobre as aces de wrongful life), in Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Sade, Ano 6, n11, 2009, 117/141.- Menezes Cordeiro, Da Boa F no Direito Civil, 1984, vol II, 684; Direito das Obrigaes, I volume, 1980, 380; Tratado de Direito Civil Portugus, I, Tomo III, 331, 358/359.- Menezes Leito, A Responsabilidade do gestor perante o dono do negcio no Direito Civil portugus, 2005, 340; Direito das Obrigaes, Vol I, 4 edio, 128/130.- Moitinho de Almeida, A Responsabilidade Civil do Mdico e o seu Seguro, in Scientia Iuridica, Tomo XXI, 1972, 329/336.- Paulo Mota Pinto, Indemnizao em caso de nascimento indevido e de vida indevida (wrongful birth ewrongful life), in Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Sade, Ano 4, n7, 2007, 5/27.- Pedro Romano Martinez, Responsabilidade Civil Por Acto Ou Omisso do Mdico, in Estudos De Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 468/472.- Pinto de Oliveira, in Responsabilidade Civil em instituies privadas de sade: problemas de ilicitude e de culpa, responsabilidade civil dos mdicos, 2005, 245.- Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral De Personalidade, 205/206.- Ribeiro de Faria, Da Prova na Responsabilidade Civil Mdica - Reflexes em torno do direito alemo, RFDUP, Ano I, 2004, 115/118.- Ricardo Lucas Ribeiro, Obrigaes De meios E Obrigaes De Resultado, 1edio, 2010, 38/47.- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil Do Mdico reflexes Sobre A Noo Da Perda De Chance E A Tutela Do Doente Lesado, in FDUC Centro De Direito Biomdico, 15, 272/277.- Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, in Revista de Direito e Economia, Ano IV, n1 Jan-Jun, 1978, 319.

    Legislao Nacional:CDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 66., N.S 1 E 2, 358., 364., 393., 483., N.1, 563., 799., N.1, 1154..CDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655., 660., N.2, 710., N.1, 722., N.3, 726., 729., N.3.CDIGO DEONTOLGICO DOS MDICOS, APROVADO EM 23 DE FEVEREIRO DE 1985, PUBLICADO REVISTA DA ORDEM DOS MDICOS 3/85: ARTIGO 26..CDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 142., N.1, ALNEA C).CONSTITUIO DA REPBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1., 24., 25., 71., N.2.

    Jurisprudncia Nacional:ACRDOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIA:-DE 16 DE JUNHO DE 2001, DE 19 DE JUNHO DE 2001, 5 DE JULHO DE 2001, 17 DE DEZEMBRO DE 2002, 6 DE MAIO DE 2004, 7 DE ABRIL DE 2005, 11 DE JULHO DE 2006, 22 DE MARO DE 2003, 18 DE SETEMBRO DE 2007, 27 DE NOVEMBRO DE 2007, 4 DE MARO DE 2008, 16 DE JUNHO DE 2009, 15 DE OUTUBRO DE 2009, 17 DE DEZEMBRO DE 2009, 21 DE JANEIRO DE 2010, 1 DE JULHO DE 2010, 7 DE OUTUBRO DE 2010, 18 DE MAIO DE 2011, 24 DE MAIO DE 2011, 13 DE SETEMBRO DE 2011, 15 DE NOVEMBRO DE 2011 E 23 DE FEVEREIRO DE 2012, IN WWW.DGSI.PT E SITE STJ, LINK JURISPRUDNCIA SUMRIOS DE ACRDOS.

    Jurisprudncia Internacional: JURISPRUDNCIA FRANCESA: - DECISO DE 17 DE NOVEMBRO DE 2000,

    ARRT PERRUCHE, DA COUR DE CASSATION FRANCESA, EM WWW.COURDECASSATION.FR E WWW.LEGIFRANCE.GOUV.FR.JURISPRUDNCIA HOLANDESA: - DECISO NO CASO BABY KELLY MOLENAAR, PELO HOGE RAAD HOLANDS.

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  • JURISPRUDNCIA NORTE AMERICANA: - DECISO DO TRIBUNAL DO ESTADO DO ILLINOIS, NO CASO ZEPEDA VERSUS ZEPEDA; DECISO DO CASO GLEITMAN V. COSGROVE, IN HARVEY TEFF, THE ACTION FOR WRONGFUL LIFE IN ENGLAND AND THE UNITED STATES, IN INTERNATIONAL AND COMPARATIVE LAW QUATERLY, N34, ISSUE 3, JULHO 1985, 423/441; CFR. TAMBM WRONGFUL BIRTH WRONGFUL LIFE Y WRONGFUL PREGNANCY, ANALISIS DE LA JURISPRUDENCIA NORTAMERICANA. RESEA DE JURISPRUDNCIA FRANCESA, POR GRACIELA MEDINA Y CAROLINA WINOGRAD, DISPONVEL NA INTERNET NO SITE BIBLIOTECA JURDICA VIRTUAL.

    Sumrio :

    I O acordo havido entre a a Autora e os Rus com vista efectivao dos exames neo-natais, consistentes nas duas ecografias estabelecidas como obrigatrias no protocolo da Direco Geral de Sade, configura uma obrigao de meios pois tais exames destinavam-se, primacialmente, identificao, determinao e informao de eventuais distrbios e malformaes do feto.II Sendo a obrigao principal assumida pelo mdico a de tratamento e dividindo-se esta obrigao em outras quantas prestaes diversas que passariam, ou poderiam passar, consoante o protocolo a seguir segundo o caso concreto, por actividades de mera observao, diagnstico, teraputica efectiva e vigilncia, a mesma de qualificar como obrigao de meios e no de resultadoIII H um erro mdico, quando ocorra uma falha profissional, no intencional, consistente numa deformada representao da realidade, in casu, imagiolgica, decorrente das ecografias que foram efectuadas Autora.III Por parte dos Rus houve uma conduta ilcita e culposa, pois poderiam e deveriam ter agido de outro modo face constatao inequvoca de malformaes do feto, traduzindo-se a violao do dever cuidado na preterio da leges artis na matria de execuo do diagnstico porque este deveria ter conduzido aferio das aludidas malformaes, atentos os meios empregues em termos de equipamento e tendo em ateno a preparao privilegiada do Ru.IV A conduta dos Rus ao fornecerem Autora uma falsa representao da realidade fetal, atravs dos resultados dos exames ecogrficos que lhe foram feitos, contriburam e foram decisivos para que a mesma, de forma descansada e segura, pensando que tudo corria dentro da normalidade, levasse a sua gravidez at ao termo.V Estamos em sede de causalidade adequada, pois a conduta dos Rus foi decisiva para o resultado produzido, qual foi o de possibilitarem o nascimento do Autor com as malformaes de que o mesmo era portador, o que no teria acontecido se aqueles mesmos Rus tivessem agido de forma diligente, com a elaborao dos relatrios concordantes com as imagens que os mesmos forneciam, isto , com a representao das malformaes

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  • de que padecia o Autor ainda em gestao.VI Como deflui inequivocamente do preceituado na alnea c) do artigo 142 do CPenal, a Lei no pune a interrupo da gravidez nos casos em que h seguros motivos para prever que o nascituro vir a sofrer, de forma incurvel, de doena grave ou malformao congnita e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, constituindo aquela soluo o nico meio de tutela de interesses juridicamente protegidos, isto , um meio sem alternativa, exigindo-se que sobre o caso haja um juzo de previso fundada em motivos seguros, integrada por conseguinte pela certeza de que o nascituro sofre j da doena e/ou malformao, conduzindo desta sorte ao aborto por indicao embrioptica ou fetoptica.VII A circunstncia de a Lei permitir grvidas a interrupo da gravidez nesta situao, alm do mais, no tem de per si a virtualidade de interromper o apontado nexo, fazendo antes parte do mesmo, porque sendo aquela soluo uma opo das interessadas, desde que devidamente informadas com o rigor que se impe neste tipo de ocorrncias, impenderia sobre os Rus os mais elementares deveres de cuidado no que tange elaborao do diagnstico, o que de forma culposa omitiram, impedindo assim a Autora de utilizar o meio legal que lhe era oferecido, atento o tempo de gestao em curso (inferior s vinte quatro semanas), de no levar a termo a sua gravidez caso o entendesse, o que esta teria feito atentas as circunstncias, daqui decorrendo o dever de indemnizar a Autora por banda dos RusVIII De uma maneira geral a doutrina e jurisprudncia europeia e norte americana admite as aces de wrongful birth, no caso sujeito a que se mostra intentada pela Autora, me do Autor, com vista a ser ressarcida pelos danos decorrentes da gravidez, bem como aqueles que decorrem das necessidades especiais da criana (onde se inclui a doutrina portuguesa maioritria, j que a nvel jurisprudencial apenas existe uma nica deciso deste STJ a propsito desta temtica, de 19 de Junho de 2001 (Relator Pinto Monteiro)). IX Todavia, aquelas mesmas correntes, nos casos em que a par da wrongful birth action se cumula uma wrongful life action, esta rejeitada in limine por se considerar inadmissvel o ressarcimento do dano pessoal de se ter nascido (para alm igualmente das questes suscitadas a nvel da quantificao do valor da vida quanto vale a vida? pode uma vida valer mais do que outra? uma vida com deficincia menos valiosa que uma vida sem deficincia? quais os critrios de valorao? etc - caso tal indemnizao fosse possvel), sendo que esta questo nos coloca perplexidades vrias, passando pelas filosficas, morais, religiosas, politicas, acrescidas, obviamente, das jurdicas.X O problema com o qual nos deparamos, neste particular o de saber se a atribuio de uma indemnizao nestas circunstncias

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  • especficas, o nascimento deficiente do Autor, constitui um dano juridicamente reparvel atento o nosso ordenamento jurdico, o que no nos parece ser enquadrvel em termos normativos, antes se nos afigurando a sua impossibilidade e nos levaria a questionar outras situaes paralelas tais como a eutansia e o suicdio, as quais passariam a ter leituras diversas, chegando-se ento concluso que afinal poder existir um direito no vida, o que poria em causa princpios constitucionais estruturantes plasmados nos artigos 1, 24 e 25 da CRPortuguesa, no que tange proteco da dignidade, inviolabilidade e integridade da vida humana, quer na vertente do ser, quer na vertente do no ser.XI Nem se poder seguir pela chamada terceira via da responsabilidade civil, atravs do enquadramento neste instituto do contrato com eficcia de proteco para terceiro, um tertium genus, o que possibilitaria abarcar as situaes de violao de deveres especficos de proteco e cuidado emergentes daquele acordo havido com os Rus e para com terceiros.XII A nossa grande dificuldade, nesta possvel construo jurdica, consiste na impossibilidade de se considerar como terceiro o feto, pois no se pode aceitar, de todo em todo que a criana, inexistente enquanto ser humano em gestao apenas face ao preceituado no normativo inserto no artigo 66, n1 do CCivil, que prescreve que a personalidade se adquire () no momento do nascimento completo e com vida., possa ser tida como parte interessada num contrato havido entre aqueles que a conceberam e outrem, sendo a mesma na altura um nascituro e por isso carecida de personalidade jurdica, sem prejuzo da Lei lhe atribuir alguns direitos. XIII Nenhum outro direito se afigura concretizvel com o nascimento do nascituro, maxime, o decorrente de um pretenso contrato com eficcia de proteco de terceiro (terceiro este apenas nascituro, falho da qualidade jurdica de terceiro para efeitos obrigacionais, por ausncia de personalidade jurdica), a quem a Lei no concede qualquer proteco por via da celebrao daqueloutro contrato de prestao de servios mdicos, a no ser a proteco directa do mesmo, ou seja, a decorrente de uma actuao do mdico dirigida especificamente ao feto e por isso causadora das suas eventuais malformaes, o que no se mostra ter ocorrido no caso sub judice.XV O Autor existe, mas concluir-se que o mesmo no deveria existir assim desta forma deficiente e por isso tem o direito a ser ressarcido, no pode ser, uma vez que a tal se ope, alm do mais, o direito.APB

    Deciso Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIA

    I S, por si e em representao do seu filho menor J, instaurou aco declarativa com processo ordinrio contra CENTRO DE

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  • RADIOLOGIA X, LDA, DR. M, director clnico da primeira R, e DR. H, alegando essencialmente que o J nasceu a 26 de Novembro de 2003 (e no 26 de Novembro de 2006 como por lapso se escreveu na Petio Inicial) com sindroma polimalformativo s 38 semanas de gestao, designadamente sem mos nem braos, deformao dos ps, da lngua, do nariz, das orelhas, da mandbula e do cu da boca. Durante a gravidez, a Autora realizou as ecografias obsttricas medicamente previstas para gravidez na 1 R, onde foi sempre assistida pelo Sr. Dr. M, que elaborou os relatrios correspondentes s ecografias realizadas. medida que os exames eram efectuados e visualizados, pelo Ru sempre foi dito e mostrado Autora que o beb era perfeitamente normal. Porm, incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciao e diagnstico, pois que, segundo as actuais exigncias das leges artis, com os conhecimentos cientficos existentes na poca, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizvel a um mdicoradiologista, pela anlise das pelculas em causa que existiam j determinadas patologias ou, pelo menos, indcios delas que deveriam constar dos relatrios efectuados, permitindo um diagnstico definitivo atravs de novos exames. Caso no se demonstre que as pelculas demonstravam tais patologia, ento houve troca grosseira das imagens. No possuindo o Autor mos e antebraos, fossem visveis nas imagens ecogrfcas que no so estas no lhe poderiam pertencer. Agindo como agiram, podendo e devendo ter identificado as patologias observveis nos exames que realizaram, malformaes congnitas permanentes e irreversveis, os 1 e 2 Rus deixaram a Autora no desconhecimento de que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfolgicas. Se as conhecesse data dos exames ecogrficos realizados, a Autora teria optado, por interromper voluntariamente a gravidez.

    A 26 de Agosto de 2003 a Autora foi encaminhada pela sua mdica de famlia para o Hospital P, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetio onde foi consulta da 3 R, Dr.H, especialista em obstetrcia, que qualificou a gravidez de alto risco, mas, procedendo visualizao e anlise das ecografias referiu Autora que nada de anormal se passava com o embrio, receitando-lhe medicamentos para a dita ITU. Pelo que tambm esta R incorreu em manifesto e grosseiro erro de apreciao e diagnstico.

    Por sucessiva negligncia grosseira, foi coarctado Autora o direito de auto-determinar a sua vontade relativamente ao destino da sua gravidez, pelo que ambos os Autores tero de encarar para a vida as malformaes congnitas descritas. O Autor sempre depender de terceiros para a sua sobrevivncia, e necessitar dos cuidados permanentes da Autora para a execuo das mais

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  • simples tarefas do quotidiano.

    Com o nascimento do Autor com as patologias da malformao, a Autora passou a viver num desequilbrio emocional profundo, j previsvel aquando dos errados diagnsticos e a interrupo da gravidez seria, ento, o nico meio idneo a evitar o real perigo que a gravidez constitui para a sua sade psquica.

    Tambm o Autor sofre danos no patrimoniais, no interesse do qual a Autora deveria ter abortado, evitando a vida de angstia e sofrimento por que ambos os Autores passam.

    O Autor tem graves problemas de formao, desenvolvimento e crescimento que advm da malformao uterina, pelo que nunca poder, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere realizao das mais bsicas tarefas do quotidiano. Tendo perfeita conscincia disso por ter um desenvolvimento mental normal, sofre profunda revolta, nervosismo e incompreenso no seu penoso dia a dia.

    Pela sua gravidade e perenidade, os critrios de equidade impem compensao global nunca inferior a 100.000.00.

    O Autor sofre tambm danos patrimoniais resultantes da total falta de capacidade de trabalho que se ir prolongar por toda a sua maioridade, completamente dependente de terceiras pessoas. A capacidade de ganho est totalmente afectada, ou pelo menos extremamente reduzida, constituindo um dano futuro previsvel a reparar desde j por recurso equidade e, assim, num valor que estima em 300.000,00.

    Quanto Autora:

    Estima a compensao dos seus graves danos no patrimoniais na quantia de 100.000,00.

    Relativamente aos seus danos patrimoniais, invoca as despesas de farmcia para cuidar do J, a impossibilidade de trabalhar por causa da indispensvel dedicao quase exclusiva ao Autor, vivendo ela apenas do rendimento social de insero no valor mensal de 318,32, tendo ainda a me e um outro filho menor, mais velho, a cargo. Antes do nascimento do Autor auferia, em mdia, 600,00 por ms do seu trabalho. O seu prejuzo patrimonial ascende j a 10.140.48 (36 meses).

    Alm disso, os Rus devem ser condenados no pagamento da quantia de 281,68 ( 600,00 - 318,32) por cada ms que decorra entre a data da petio inicial (19 de Novembro de 2006) e a efectiva contratao de tcnico que venha a acompanhar o

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  • Autor, permitindo que a Autora regresse ao trabalho.

    A situao clnica do Autor determinar um acrscimo de despesas para a Autora que s no futuro podero ser determinadas.

    Terminam com o seguinte pedido:

    Termos em que

    Deve a aco ser julgada totalmente procedente por provada e, por via dela, serem os Rus solidariamente condenados:

    a) a liquidar ao Primeiro Autor quantia nunca inferior a . 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danosno patrimoniais descritos nos artigos 137 a 179, directamente imputveis s condutas dos Rus;

    b) a liquidar ao Primeiro Autor quantia nunca inferior a . 300.000,00 (trezentos mil euros), pelos danos patrimoniais causados pelos R.R., melhor descritos nos artigos 180 a 202, montante equitativo atendendo a que aquele Autor poderia ter cerca de 50 anos de vida til, e poderia vir a auferir um rendimento equitativamente mdio de cerca de . 500,00,

    c) a liquidar Segunda Autora quantia nunca inferior a . 100.000 (cem mil euros), pela gravidade e perenidade dos danos no patrimoniais descritos nos artigos 203 a 249, directamente imputveis s condutas dos Rus;

    d) a liquidar Segunda Autora a quantia de . 10.957,91 (dez mil novecentos e cinquenta e sete euros e noventa e um cntimos, acrescida de . 281,68 (. 600,00 - . 318,32) por cada ms que decorra entre a presente data de 19 de Novembro de 2006 at efectiva contratao de tcnico que venha a acompanhar o Primeiro Autora, - para compensao dos danos patrimoniais lquidos melhor alegados nos artigos 250 a 265.

    e) A liquidar Segunda Autora quantia correspondente s despesas mdicas e de educao que assumem carcter extraordinrio, melhor alegadas nos artigos 266 a 286, quantia essa a fixar em sede de incidente de liquidao ou, em alternativa, em sede de execuo de sentena, ou ainda por critrios de equidade, caso a instruo da demanda assim venha a permitir.

    f) No pagamento de juros moratrios, taxa legal, contados sobre as importncias lquidas acima peticionadas, desde a data da citao at efectivo e integral pagamento;

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  • g) No pagamento de todas as custas e encargos do processo, bem como de procuradoria. (sic)

    Citados, os Rus contestaram a aco.

    O 1 Ru, Centro de Radiologia, impugnou parcialmente os factos alegados pelos Autores dizendo que as ecografias realizadas no so as medicamente previstas e que apenas permitem uma avaliao fotogrfica do instante/momento em que o exame realizado, sem uma natureza definitiva, atento o carcter dinmico e progressivo da gestao que, por seu lado, interfervel por uma multiplicidade de factores endgenos e exgenos com os quais, naturalmente, o exame ecogrfico em si mesmo no contende.

    As expresses utilizadas de favorvel, compatvel e feto normal, so o que a imagem do equipamento permite visualizar, e no a absoluta realidade, o diagnstico absoluto, que os equipamentos no captam nem captaro e no possvel realizar, nem nos dias de hoje.

    Dada a limitao dos equipamentos imageolgicos, no houve qualquer erro de diagnstico e as imagens tiradas (doc.s de fl.s 110 e seg.s) no permitiam concluses diversas das constantes dos relatrios.

    Ascende a 45% a percentagem de erro na execuo tcnica dos exames ecogrficos, mesmo quando realizada pelos melhores especialistas mdicos. E no exame ecogrfico no h qualquer resultado de diagnstico alcanvel fora do contexto de interveno do equipamento ecogrfico, com a sua falibilidade intrnseca prpria. No se pode garantir um resultado que o equipamento no atinge (e que por essa circunstncia no pode ser atingido).

    Por outro lado, a leitura que o ecografista faz das imagens por si captadas da forma medicamente indicada destinam-se ao mdicoassistente da utente, no sendo um exame do qual se parta para a execuo imediata de acordo com a concluso que dele se retira. Cabia mdica de famlia ou mdico assistente da Autora a formulao de um juzo prprio, sem sujeio ao relato do mdico ecografista.

    Alm disso impunha-se a realizao de uma terceira ecografia s 28/32 semanas de gestao.

    Entre a 15 semana de gestao e o parto podem acontecer mltiplas vicissitudes gravidez e, por consequncia, ao feto, como certamente aconteceram, designadamente por medicao a que a grvida se submeta com errada indicao mdica ou por sua

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  • iniciativa, sem controlo mdico.

    Conclui que nem as malformaes eram patentes data da realizao dos exames, nem a sua configurao podia ser diagnosticada, nem a afirmao, actual da Autora, pode ter qualquer valor retroactivo. Nega qualquer relao causal entre o diagnstico efectuado e os danos alegados pela Autora, considerando ainda exagerados os valores indemnizatrio peticionado.

    Por tudo, defende a improcedncia da aco, com as legais consequncias.

    O Ru M ops-se petio inicial em termos em quase tudo idnticos aos da contestao do Centro de Radiologia.

    Impugna os danos, por desconhecimento, considerou inadequados os exames realizados, quer quanto aos momentos em que tiveram lugar, quer relativamente s ecografias previstas pela Ordem dos Mdicos.

    Desvalorizou as ecografias no sentido de que no so um valor absoluto em si mesmo quanto aos resultados que apresentam por no eliminarem margens de erro e invocou tambm a no realizao, pela Autora, de todos os exames medicamente previstos e aconselhveis, da derivando tambm o seu desconhecimento sobre as caractersticas do feto.

    Concluiu, tal como a 1 R, pela improcedncia da aco.

    Requereu a interveno principal provocada da Unidade Local de Sade de M ou, subsidiariamente, a respectiva interveno acessria, incidente este que foi recusado por falta de pagamento da correspondente taxa de justia e multa (cf. despacho de fl.s 406).

    Tambm a R H contestou a aco, desde logo invocando a sua ilegitimidade resultante do facto prestar servios em regime de exclusividade no Hospital P, instituio de sade que os Autores, alis, j demandaram nos tribunais administrativos e onde referiram que a ora R sua funcionria.

    Com efeito, podendo vir a ser accionada na sequncia de eventual condenao do hospital, no exerccio do direito de regresso que a este assiste, entende que deve ser absolvida da instncia.

    Defendeu-se ainda por impugnao dos danos e dos factos relacionados com os exames ecogrficos e a sua obrigao de os interpretar. Faz sobressair o carcter dinmico do exame

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  • ecogrfico e as especiais exigncias que se impem ao ecografista, enquanto mdico especialista.

    Concluiu que, no sendo absolvida da instncia, deve ser absolvida do pedido.

    Os Autores deduziram rplica pela qual, sobretudo, impugnaram a matria das contestaes, concluindo em conformidade com a Petio Inicial.

    Em sede de despacho saneador foi a R H absolvida da instncia, por se ter entendido ser o Tribunal incompetente em razo da matria, a qual estaria cometida aos Tribunais Administrativos.

    A final foi proferida sentena que culminou com o seguinte segmento decisrio:

    ()Em concluso, com fundamento nas normas legais citadas, julgo a presente aco parcialmente provada e procedente, em razo do que condeno os RR. Centro de Radiologia X, Lda e Dr. M a pagarem autora S, solidariamente, a ttulo de indemnizao por danos no patrimoniais e patrimoniais que lhe causaram, respectivamente, duas quantias de cem mil euros cada, num total de 200.000 (duzentos mil euros), a acrescer com juros que se contaro taxa anual de 4%, at integral pagamento, sobre 100.000 (cem mil euros) desde a data desta sentena; e sobre os outros 100.000 (cem mil euros) desde a data da respectiva citao.

    No mais, quer no que respeita ao demais pedido pela autora S, quer no que respeita totalidade do pedido pelo autor J, julgo a aco no provada e improcedente, absolvendo os RR. do restante que contra ambos vinha pedido ().

    Inconformados, apelaram os Autores e os Rus, tendo a Apelao destes sido julgada improcedente e parcialmente procedente a Apelao dos Autores e, em consequncia, alterando a sentena, na procedncia do pedido da Autora S condenaram-se os Rus a satisfazer a titulo de indemnizao as despesas futuras relativas ao acompanhamento clnico permanente de que o J necessita e continuar a necessitar, tratamento e acompanhamento tcnico de que a Autora no tem conhecimentos para assegurar; prteses de que o J necessitar; e educao e instruo especial de que o J houver de ter em razo da deficincia, com a contratao de professores, tcnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clnico, que se quantificar em oportuna liquidao, mantendo-se a mesma no mais.

    Deste Aresto, inconformadas, recorreram de Revista ambas as

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  • partes.

    Os Autores apresentaram as seguintes concluses:

    - Nos autos no a vida, em si mesma, que consubstancia o dano do recorrente, mas sim a vida com deficincia;

    - A causa de pedir que o recorrente alega no contende com a indisponibilidade da vida humana, sendo justamente o respeito pela dignidade da vida humana a impor a atribuio de uma indemnizao que assegure uma vida com um mnimo de condies;

    - A questo que se coloca no a de saber se o ordenamento jurdico contm um "direito no existncia" e uma indemnizao pela sua violao.

    - Na discusso desta temtica usual o recurso a um "vocabulrio dos direitos", sendo invocada frequentemente a inexistncia de um "direito a no nascer";

    - A utilizao deste tipo de discurso pode perturbar a compreenso do que verdadeiramente est em causa neste tipo de aces. Neste sentido, MOTA PINTO (2007) defende que "no til trabalhar com um pretenso direito a no nascer, ou com um direito no-existncia, cuja difcil articulao, pela contradio que encerra em si mesmo, logo remete o julgador para uma atitude negativista. Tal noo, embora corrente, parece-nos mesmo, susceptvel de criar confuses, dando a entender que a posio da criana se tem de fundamentar num tal "direito".

    - Nos autos no a vida, em si mesma, que consubstancia o dano, mas sim a vida com deficincia. O dano invocado pelo autor centra-se, no na discusso, como refere ARAJO (1999: 96), de "saber se h um limite (e onde est) para l do qual a vida perde de tal modo o sentido que a sua ocorrncia um dano para quem a experimenta", mas apenas e to-somente na necessidade de responsabilizar o profissional negligente que ilegitimamente se substituiu aos pais na tomada de uma deciso que s a eles pertence (CARDOSO CORREIA, 2007: 106). Neste sentido, o acrdo do tribunal de 2 instncia holands no clebre caso Kelly Molenaar;

    - O dano no a deficincia de per si, nem o prprio nascimento, mas antes o nascimento nessa condio, ou seja, o nascimento deficiente. - Tal tutela no contende com a dignidade da existncia humana e com a indisponibilidade do direito vida;

    - O Autor da aco no pretende auto-limitar nenhum direito de

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  • personalidade, concretamente o direito vida - muito pelo contrrio, ele pde intentar a demanda justamente porque est vivo e sujeito de direito.

    - A indisponibilidade da vida humana no posta em causa pelo simples facto de se atribuir uma indemnizao ao autor;

    - Do que se trata nestes autos no da vida como valor ou desvalor, mas antes, realmente, dos sofrimentos e das necessidades causadas pela deficincia.

    - A indemnizao no deve compensar o dano de ter nascido mas sim a dor e o sofrimento que a criana experienciou aps o nascimento.

    - facto, incontestvel, de que nasceu uma pessoa com deficincias severas, que busca a reparao dos danos sofridos, pessoa essa que est viva e no morta.

    - A obrigao de indemnizar o autor surgiu com a verificao de determinados pressupostos legais: o dano, ilicitude, a culpa, e o nexo causal;

    - O dano invocado pelo autor - a dor, o sofrimento que experincia aps o nascimento, e as necessidades causadas pela deficincia - so consequncia directa e necessria do acto ilcito e culposo praticado pelas rs;

    - O contedo e alcance dos efeitos do contrato mdico so delimitados, tambm, pelo Cdigo Deontolgico que rege a profisso mdica;

    - No devendo o direito ser estranho ao amplo alcance que a qualidade de vida, dignidade do doente, e os amplos interesses dos doentes so impostos como deveres especiais no mbito do contrato mdico.

    - Em especial - e num sentido de proteco muito mais abrangente do que resulta do direito civil geral - no que concerne proteo da vida desde o seu incio e na proteco dos interesses do futuro ser humano.

    - Interpretando convenientemente as normas prprias de exerccio da profisso mdica, vinculativa a todos os contratos mdicos, o recorrente tinha j direitos ante o recorrido, sendo que, obviamente, apenas com o seu nascimento os mesmos se consolidaram na sua, ento surgida, esfera jurdica.

    - O recorrido violou aqueles seus deveres ante o recorrente, que

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  • obtm expressa tutela nas normas que regem o exerccio da profisso e que, assim, impunham uma verdadeira obrigao contratual no cumprimento do contrato celebrado com a autora me, com efeitos face ao recorrente.

    - Considerar entendimento diverso, plasmando assim que ao recorrente nenhum direito prprio assiste, ser at, eventualmente, denegar-lhe justia - pois ele , na essncia, o principal interessado no ato mdico praticado, e, em ltima instncia, o maior lesado com a omisso do recorrido.

    - Sendo porventura mais aviltante considerar que o maior lesado com o incumprimento de normas contratuais (destinadas a proteg-lo) seja totalmente ignorado do ponto de vista jurdico -considerando que nenhum direito adquiriu - do que porventura considerar que a responsabilizao do incumpridor poder pr em causa uma aplicao meramente terica de princpios que o legislador no previu para situaes ad hoc como a destes autos, mas que nem por isso deixam de merecer a devida tutela.

    - Sendo assim totalmente admissvel que a obrigao de indemnizar o autor, de facto, exista, por preenchimento dos requisitos legais que subjazem responsabilidade civil: dano, ilicitude, a culpa, e o nexo causal.

    Os Rus apresentaram as seguintes concluses:

    - Atravs da douta sentena recorrida, no plano da matria de facto, o Tribunal a quo 1 qualifica como ecografia morfolgica e retira da consequncias, quando afinal, a ecografia solicitada pela autora, sob indicao da mdica assistente, foi uma ecografia obsttrica; 2 recusa reconhecer que a percentagem de erro na execuo tcnica de exames ecogrficos ascende a percentagem significativa, mesmo quando realizados pelos melhores especialistas situando-se as taxas de deteco das malformaes estabelecidas em percia, consoante o segmento da morfologia fetal em causa, de modo inequvoco em sentido frontalmente contrrio ao decidido pelo Tribunal, o que impunha uma fundamentao que inexiste; em ambas as percias se estabelece, sem qualquer margem para dvidas, aquilo que consensual, ou seja, que estes exames ecogrficos, atenta a sua natureza prpria, comportam uma margem de falibilidade; 3 recusa reconhecer falibilidade ao exame ecogrfico, sujeitando a discusso a um vazio, por se ter de reflectir sem o facto dessa falibilidade; 4 Das ecografias realizadas pela autora volta das 28/32 semanas de gestao, a designada ecografia do terceiro trimestre, nenhuma corresponde ecografia morfolgica recomendada pelo Servio Nacional de Sade, pelo que o Tribunal a quo incorre at na contradio de por um lado, dar como provado que a autora

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  • confiando do diagnstico da Primeira e Segunda RR no repetiu o mesmo tipo de exames, nem adoptou cuidados mdicos especiais ... (pgina 9, 7) e dar como no provado o facto alegado pelos RR de que a autora deveria ter feito, no mnimo, a 3 ecografia, a qual, alis, estava recomendado ser feito pelo prprio relatrio a que se referem as Alneas G) a J), em torno do qual se desenvolve todo o objecto do presente processo.

    - Embora reconheam estarmos perante uma obrigao de meios, tanto a douta quanto o Acrdo recorrido reflectem e decidem como se estivssemos perante uma obrigao de resultado, por i) erradas considerao e relevo da natureza dos equipamentos utilizados na execuo do exame ecogrfico, e ii) inconsiderando a falibilidade destes, fazendo impender sobre os rus um designado dever objectivo de resultado;

    - significativa a margem de falibilidade na execuo de exames ecogrficos, porque se verifica 1 a complexidade cientfica do acto, 2 o exame incide sobre um feto com escassos centmetros de comprimento,

    - No era razovel concluir e decidir como a douta sentena e o Acrdo recorrido vieram a fazer, reflectindo num contexto de obrigao de meios, mas movendo-se e decidindo no quadro factual de uma obrigao de resultado.

    - o princpio consagrado subjacente doutrina do Acrdo do STJ de 2008 a de que uma obrigao pode ser de meios ou de resultado, estando em causa a utilizao de equipamentos mdicos, tcnicos, a margem de falibilidade, consoante seja maior ou menor (ou nenhuma) a falibilidade dos equipamentos e do exame em causa.

    - No caso do Acrdo est em anlise um exame laboratorial de anatomia patolgica em que a margem de falibilidade negligencivel, de onde o Supremo tribunal estabeleceu que a obrigao podia e devia ser tratada como de resultado e o mdicoresponsabilizado, sendo de meios quando a margem de falibilidade seja significativa ou no negligencivel e de resultado quando inexiste margem de falibilidade.

    - A ilicitude no domnio da responsabilidade contratual afere-se pela preterio de uma concreta obrigao contratual preterida pelo devedor, ou de particular obrigao legal associada realizao da prestao.

    - No est estabelecida da qualquer obrigao contratual que possa reputar-se violada, e assim, ilicitamente, nem que os Recorrentes tenham violado alguma norma legal ou regulamentar,

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  • do domnio das leges artis mdicas que possa concluir-se como sendo o pressuposto da ilicitude.

    - No caso dos autos, embora a douta sentena e o Acrdo recorrido o afirme, at no prprio enunciado da matria de facto, a verdade no estar devidamente identificado qual o dever cuidado que foi preterido; e qual das leges artis na matria de execuo do diagnstico foi violada.

    - A douta sentena e o Acrdo recorrido adoptam um verdadeiro raciocnio consequencial reversvel, isto , parte da constatao de malformaes para concluir que se h malformaes, ento deveriam ter sido diagnosticadas e, como no o foram, h ilicitude e culpa mdica nessa no deteco e consequente informao grvida.

    - No pode exigir-se ao mdico ecografista, utilizando equipamentos falveis, o atingimento de um resultado de diagnstico, um dever objectivo de resultado que no est ao seu completo alcance, no seu integral e pleno domnio, realizar, nem censurvel que o no alcance; E, no podendo exigir-se, no pode haver juzo de censura que consubstancie a culpa.

    - O pressuposto da causalidade adequada regulado na nossa lei civil constitui um elemento objectivo do instituto da responsabilidade civil [tal como o elemento culpa constitui um elemento subjectivo] pelo que a causalidade adequada constitui um elemento de imputao objectiva, isto , densificada por factos, por situaes e circunstncias, no podendo s-lo por declaraes de vontade;

    - Nesse contexto, uma declarao de vontade do lesado, no poder contribuir para consubstanciar o pressuposto da causalidade adequada;

    - No caso dos autos, em caso algum pode estabelecer-se uma relao causal de responsabilidade civil entre o acto de diagnstico de realizao da ecografia a que se referem as alneas D) a J) da matria assente e as malformaes e danos associados de que padece o Autor J; nem s necessidades particulares que a autora ter de enfrentar com a criao do filho;

    - Sem embargo de se poder admitir uma afectao da margem de autodeterminao, por falta de informao da grvida quanto ao desenvolvimento da sua gravidez (que - nas ecografias indicadas pelo Servio Nacional de Sade, nas fases de gestao estabelecidas) se dirige orientao da gravidez e no formao da deciso de abortar ou no;

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  • - Na elaborao do diagnstico, por exame ecogrfico, o erro mdico constitui no limite uma afectao da capacidade de autodeterminao da vontade do paciente, nunca uma causa da prpria produo do dano consequente ao exerccio dessa autodeterminao.

    - Com efeito, o exerccio da vontade da grvida constitui uma interrupo do nexo causal ligado ao acto de diagnstico e enceta um novo processo autnomo;

    - Com efeito, o dano limite a indemnizar no pode deixar de se conter na prpria informao/notcia no prestada - surpresa pelo nascimento da criana com malformaes, e nunca, j no, pelos danos subsequentes, associados, directos ou indirectos, com as prprias malformaes de que padece a criana.

    - No h um autntico direito a interromper a gravidez pois Na nossa ordem jurdica no existe qualquer" direito" ao aborto. Apenas ocorre que nalguns casos se encontra estabelecida a no punibilidade do aborto (Assim, literalmente, o art 142 do Cdigo Penal. Isto induz dogmaticamente a perspectiva de que, nestas situaes, a ilicitude permanece), in Manuel A Carneiro da Frada, op cit;

    - No esto assim estabelecidos valida e comprovadamente os pressupostos de que dependeria a responsabilizao contratual do mdico ecografista pela deficiente realizao do exame ecogrfico, e pela consequente no prestao da informao correcta mulher grvida, pelos danos patrimoniais inerentes ao agravamento das condies e necessidades de vida da me da criana deficiente;

    - A atitude contratual dos RR restringiu-se (no) prestao de informao correcta, com atingimento e perturbao da vontade da titular do direito informao.

    - Como mostra o Prof Jos Fragata, op cit, No obstante o enorme desenvolvimento da cincia e das tcnicas para proteco da sade e tratamento das doenas, inmeras situaes no so vencveis pela medicina. E o mdico no um super-homem. Certamente que em muitos casos ao mdico deparam-se situaes de difcil interpretao em que o mdico pode errar; ... o mdicopode no ter a preparao cientfica ou tcnica para abordar uma situao especial, mas ter de agir sem o tempo necessrio para adquirir essa preparao. Em todos estes casos - e muitos outros poderiam imaginar-se - no pode falar-se de negligncia

    - Ao ter decidido como o fez, violaram a douta sentena e Acrdo recorrido as normas dos arts 563, 562, 564, 494 e

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  • 496 do Cdigo Civil, art 142 do Cdigo Penal - este por ter sido interpretado como se houvesse um direito subjectivo a interromper a gravidez, os quais poderiam e deveriam, ainda luz da doutrina e jurisprudncia aqui invocadas, ser aplicados no sentido da absolvio dos RR.

    - Subsidiariamente, no pode deixar de ser reduzido o montante arbitrado a ttulo de ressarcimento dos danos morais da A pela diminuio da intensidade da culpa mdica que resulta da utilizao de equipamentos para a produo do acto mdico de diagnstico.

    Nas contra alegaes as partes pugnam pela procedncia das suas pretenses e consequente improcedncia das da contraparte.

    II Pem-se como questes a decidir no mbito do presente recurso as de saber, no que concerne ao recurso dos Autores se o Autor J tem ou no direito indemnizao peticionada a titulo de danosmorais, bem como a titulo de perda da capacidade de ganho e no que tange ao recurso dos Rus, saber se no se encontram verificados os requisitos de que depende a sua responsabilizao, ou, caso se verifiquem, se a indemnizao arbitrada Autora, dever ser objecto de reduo.

    As instncias declararam como assentes os seguintes factos:

    - A Primeira R uma clnica que se dedica realizao de exames e diagnsticos radiolgicos.(Alnea A))

    - O Segundo Ru o director clnico da Primeira R. (Alnea B))

    - A Segunda A. comeou por ser acompanhada pela sua mdica de famlia, Sr. Dr C Doc. de fls 104. (Alnea C))

    - Para realizar as ecografias obsttricas a segunda A consultou e contratou os servios da clnica privada CENTRO DE RADIOLOGIA X, LDA, Primeira R. (Alnea D))

    - Ali foi assistida pelo Sr. Dr. M, Segundo Ru, que elaborou os relatrios correspondentes s ecografias realizadas. (Alnea E))

    - No exame ecogrfico realizado em 4 de Junho de 2003 foi examinado o lquido amnitico e placenta, e efectuada uma avaliao embrionria, havendo o 2 Ru concludo: gravidez com evoluo favorvel e compatvel com 12 semanas e 6 dias de gestao, a controlar s 20/21 semanas Docs de fls 110 a 12 cujo teor aqui se d por integralmente reproduzido. (Alnea F))

    - No exame ecogrfico realizado em 17 de Julho de 2003 foi

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  • visualizado os membros, a coluna e a cabea. (Alnea G))

    H) Nas imagens ecogrficas do Doc. junto de fls 111 assinala-se a existncia de mos e a visualizao de ps, bem como do lbio superior. (Alnea H))

    - Nos documentos de fls 112 e 113 assinala-se tambm a visualizao de ps, lbio superior e fmur. (Alnea I))

    - Em todos os casos, o relatrio do Segundo R. conclui que a gravidez normal e com evoluo favorvel, referindo expressamente:

    - anomalias morfofuncionais no evidenciadas doc. de fls 112;

    - cabea, coluna e membros visualizados doc. de fls 113. (Alnea J))

    - A Primeira R. possui um corpo clnico formado por profissionais competentes, actualizados permanentemente no campo da imagiologia. (Alnea L))

    - No mbito da especialidade que exerce radiologia o Segundo R. um mdico com conhecimentos e capacidades acima da mdia, tendo sido nomeado membro da Royal Society of Medicine organizao inglesa de grande prestgio na rea da medicina a nvel mundial. (Alnea M))

    - A 26 de Agosto de 2003 (e no 2006, como por lapso manifesto se deixou consignado), a Segunda A. foi encaminhada pela sua mdica de famlia para o Hospital P, por lhe ter sido diagnosticada ITU de repetio Doc. de fls 118. (Alnea N))

    - O Primeiro A. sempre depender de terceiros para a sua sobrevivncia, e necessitar dos cuidados permanentes da Segunda A. para a execuo das mais simples tarefas do quotidiano. (Alnea O))

    - A Segunda A. viver sempre com a preocupao do futuro do Primeiro A., especialmente caso este lhe sobreviva. (Alnea P))

    - Assim como ser sempre angustiante para a Segunda A., como ser humano e como me, assistir inevitvel infelicidade do seu filho J, Primeiro A., dadas as insuficincias de que enferma.

    - A Segunda A. sofre, contnua e permanentemente, de profunda angstia e indignao. (Alnea Q))

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  • - A sua me sofreu uma profunda depresso e desgosto, encontrando-se internada no Hospital de M. (Alnea S))

    - O seu filho mais velho acha-se perenemente irado, sem capacidade para entender o motivo de ter um irmo mais novo nas condies de vida actuais. (Alnea T))

    - Assistir um filho como o Primeiro A. , e ser, uma contnua tarefa, para toda a vida da Segunda A. (Alnea U))

    - A Segunda A. sente profundo desgosto, ira, e desorientao sempre que d banho ao seu filho J, Primeiro A. (Alnea V))

    - Quando o alimenta, quando o veste, quando o leva ao Pediatra. (Alnea X))

    - Quando assiste prpria frustrao da criana, que com o decorrer do tempo, se vai apercebendo das suas tremendas limitaes em se mexer, em tocar, em saborear, em andar, em comunicar. (Alnea Z))

    - A segunda A tem vindo a recorrer a anti-depressivos como ltimo recurso para manter o seu alento em viver nas circunstncias actuais. (Alnea AA))

    - A segunda A deixou de poder encarar familiares, amigos, conhecidos e at desconhecidos. (Alnea BB))

    - Nenhum tratamento, internamento, ou prvia preparao psiquitrica constitui meio idneo e cabalmente capaz de assegurar, nestas circunstncias, a tutela da sade psquica da progenitora, aqui Segunda A. (Alnea CC))

    - Sendo, neste tipo de casos, absolutamente previsvel - e usual - a ocorrncia nas progenitoras de alteraes psico neurticas da personalidade, evolues neurastnicas ou depressivas e tendncias suicidas. (Alnea EE))

    - Os RR. tm uma situao financeira prspera, com actividades profissionais estveis e lucrativas. (Alnea EE))

    - O agregado familiar dos AA. extremamente pobre, no detendo qualquer tipo de rendimento fixo, nem patrimnio a que recorrer. (Alnea FF))

    Da Base Instrutria provou-se ainda que:

    - J, Primeiro A., nasceu em 26 de Novembro de 2003, no Servio de Obstetrcia do Hospital de M. (Ponto 1. da BI)

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  • - data, tinha 38 semanas de idade gestacional. (Ponto 1. da BI)

    - Pesava 1885 (mil oitocentas e oitenta e cinco) gramas. (Ponto 2. da BI)

    - Tinha 43 centmetros de comprimento. (Ponto 3. da BI)

    - E nasceu com Sndroma Polimalformativo. (Ponto 4. da BI)

    - Padece, e sempre padecer das seguintes patologias:

    a) Agenesia de ambos os antebraos e braos;

    b) M.I.direito: p boto, com presena de 3 dedos com sindictilia parcial, agenesia do 4 e 5 dedos;

    c) M. I. esquerdo: sindactilia do 2 e 3 dedos;

    d) Face: hipoplasia da mandbula e hipoglossia; palato ogival, sem fenda palatina; nariz largo; pavilhes auriculares de implantao baixa;

    e) Micropnis;

    f) Hipospdias;

    g) Sndrome oromandibular;

    h) Hipogenesia dos membros;

    i) Candidase oral e perineal;

    j) Cremeloma umbilical;

    k) Hiperecogenicidade bilateral da matriz germinal. (Ponto 6. da BI)

    - A autora realizou as ecografias previstas nas indicaes da DGS para o seguimento da gravidez, designadamente a primeira, s 12 semanas e 6 dias, referida em F), e a segunda, s 19 semanas e 2 dias, referida em G). (Ponto 8. da BI)

    - No segundo dos referidos exames, foi efectuada avaliao fetal, econometria fetal, exame anatomia fetal, placenta e ao lquido amnitico O exame atrs referido a denominada eco grafia morfolgica, que analisa toda a anatomia fetal e detecta a grande maioria das malformaes graves.

    - Alm disso permite avaliar os marcadores ecogrficos de anomalias cromossmicas e/ou genticas, e uma anlise

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  • sistemtica e completa da morfologia fetal, a saber:

    1. crnio (forma e ossificao);

    2. crebro;

    3. face (lbios, palato, globo ocular, cristalino, osso nasal,

    mandbula, maxilar);

    4. orelhas (implementao e formato);

    5. coluna (cervical, torxica, lombar);

    6. nuca;

    7. trax;

    8. corao;

    9. abdmen;

    10. rins;

    11. bexiga;

    12. estmago;

    13. fgado e intestino;

    14. membros (pernas, ps, braos, mos e dedos);

    15. genitais. (Ponto 11. da BI)

    - O Sr. Dr. M, Segundo R., ali conclui : gravidez com evoluo favorvel e compatvel com 19 semanas e 2 dias de gestao. (Ponto 12. da BI)

    - Nos exames referidos em F) e G), medida que os mesmos eram efectuados, e visualizados, sempre foi dito e mostrado Segunda Autora que o beb era perfeitamente normal. (Ponto 13. da BI)

    - Sendo que lhe foi at indicado no monitor onde estariam os braos, ps, e mos do Primeiro A. J. (Ponto 14. da BI)

    - Agindo segundo as actuais exigncias das leges artis, com os conhecimentos cientficos existentes na poca, e actuando de acordo com um dever objectivo de resultado, seria visualizvel a um mdico radiologista, pela anlise das pelculas juntas de fls

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  • 110, 111, 113 e 114, as seguintes patologias:

    1. agenesia de ambos os braos e antebraos;

    2. membro inferior direito com p boto e ausncia de 2 dedos;

    3. membro inferior esquerdo com sindactilia do 2 e 3 membros;

    4. hipoplasia e hipoglossia da mandbula;

    5. nariz largo;

    6. hipogenesia dos membros;

    7. micropnis. (Ponto 15. da BI)

    - Ou, pelo menos, seriam detectveis indcios da mesmas, que deveriam constar dos relatrios efectuados, permitindo um diagnstico definitivo atravs de novos exames. (Ponto 16. da BI)

    - O mesmo diagnstico se exigiria Primeira e Segundo RR.. (Ponto 17. da BI)

    - As referidas malformaes eram definitivas e irreversveis. (Ponto 18. da BI)

    - Confiando no diagnstico da Primeira e Segundo RR., a Segunda A. no repetiu o mesmo tipo de exame, nem adoptou quaisquer outros cuidados mdicos especiais, no aconselhados na altura pelo relatrio das ecografias. (Ponto 20. da BI)

    - Ficando a Segunda A. no desconhecimento que gerava um feto que nasceria com profundas patologias morfolgicas. (Ponto 21. da BI)

    - Caso tivesse conhecido a existncia das referidas patologias data dos exames ecogrficos realizados, a Segunda Autora teria optado por interromper voluntariamente a gravidez, por lhe parecer que seria muito reduzida a qualidade e esperana de vida do primeiro A. (Ponto 22. da BI)

    - No dia referido em N) foi-lhe agendada consulta com a Doutora H, tendo a sua gravidez sido classificada como de risco. (Ponto 23. da BI)

    - Na mesma consulta, a Dra. H atentou na circunstncia de a gravidez da primeira autora exigir cuidado em funo de esta padecer de infeces urinrias de repetio. (Ponto 24. da BI)

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  • - Procedendo visualizao e anlise das ecografias j juntas de fls 110 a 115 a referida mdica nada mais diagnosticou do que o que j havia sido diagnosticado ITU de repetio. (Ponto 25. da BI)

    - Limitando-se a referir Primeira A. que nada de anormal se passava com o embrio, e

    receitando-lhe medicamentos para a dita ITU. (Ponto 26. da BI)

    - Perante este diagnstico, mais uma vez a Segunda A. absteve-se de efectuar qualquer exame adicional de diagnstico. (Ponto 27. da BI)

    - O A. J uma criana com graves problemas de formao, desenvolvimento e crescimento. (Ponto 28. da BI)

    - Para alm das malformaes congnitas, o A. J tem um deficit de crescimento de 70%. (Ponto 29. da BI)

    - O autor J, em Julho de 2009, pesava 11,590kg e media 96,5 cm, ambos os valores de peso e altura num percentil correspondente inferior a 10. (Ponto 30. da BI)

    - Tal situao irreversvel. (Ponto 31. da BI)

    - Por fora das deficincias do nariz, palato, lngua, e mandbula, padece ainda de constantes e variadas patologias associadas s vias respiratrias sendo certo que o aumento gradual de actividade impunha um desenvolvimento da capacidade respiratria. (Ponto 33. da BI)

    - O seu desenvolvimento mental , aparentemente, normal tendo o mesmo, e cada vez mais ter, conscincia das suas profundas malformaes e correspondentes limitaes. (Ponto 35. da BI)

    - O que j lhe provoca, e continuar a provocar, profunda revolta, nervosismo e incompreenso. (Ponto 36. da BI)

    - O Primeiro A. nunca poder, de forma independente, ter uma vida normal, mesmo no que se refere realizao das mais bsicas tarefas do quotidiano. (Ponto 37. da BI)

    - Por si s nunca poder tratar da sua higiene pessoal. (Ponto 38. da BI)

    - Nunca poder fazer as suas necessidades fsiolgicas. (Ponto 39. da BI)

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  • - Nunca se conseguir vestir. (Ponto 40. da BI)

    - Jamais poder alimentar-se. (Ponto 41. da BI)

    - No poder falar. (Ponto 142 da BI)

    - No ter capacidade de expresso gestual. (Ponto 43. da BI)

    - No poder escrever. (Ponto 44. da BI)

    - O seu rosto nunca adquirir capacidade expressiva perceptvel. (Ponto 45. da BI)

    - Pelo que ter sempre grandes dificuldades de comunicao. (Ponto 46. da BI)

    - No conseguir deslocar-se. (Ponto 47. da BI)

    - No poder ler, estudar, e instruir-se. (Ponto 48. da BI)

    - No poder brincar, seja sozinho, seja com outros meninos da sua idade. (Ponto 49. da BI)

    - A conscincia das suas limitaes causaro desequilbrios emocionais profundos. (Ponto 50. da BI)

    - Com grande tendncia para a criao de quadros psiquitricos graves. (Ponto 51. da BI)

    - J hoje o Primeiro A. tem acessos de profunda revolta, nomeadamente ao tentar interagir, e imitar os outros meninos da sua idade, especialmente o irmo mais velho, tambm criana. (Ponto 52. da BI)

    - Clinicamente, o tempo de vida do A. J incerto. (Ponto 53. da BI)

    - Podendo-se prever que seja mais curto que a esperana de vida mdia da populao portuguesa, atenta a dificuldade de desenvolvimento que o afecta. (Ponto 54. da BI)

    - O que causar acrescida angstia ao seu penoso dia a dia. (Ponto 55. da BI)

    - As carncias fisionmicas de que padece iro dificultar, seno mesmo impedir, o Primeiro A. de vir a ter qualquer tipo de relacionamento amoroso. (Ponto 56. da BI)

    - Bem como de vir a constituir famlia. (Ponto 57. da BI)

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  • - O Primeiro A., por via das incapacidades congnitas, que se agravam, no ter qualquer capacidade para o trabalho. (Ponto 58. da BI)

    - Caso a me no lhe sobreviva restar-lhe- o irmo, que poder ou no ter capacidade para assumir o seu sustento. (Ponto 59. da BI)

    - Caso sobreviva a ambos, ficar sem qualquer meio prprio de assegurar o seu sustento. (Ponto 60. da BI)

    - A Segunda A. no pode deixar o Primeiro A. sozinho por um nico momento. (Ponto 61. da BI)

    - No pode, nem seria capaz, de deixar o Primeiro A. ao cargo de pessoas de confiana, devido especificidade de cuidados que o mesmo precisa. (Ponto 62. da BI)

    - A segunda A ficou sem emprego aps ter sido internada na sequncia da gravidez. (Ponto 63. da BI)

    - E deixou de ter um emprego regular desde o nascimento do Primeiro A., visto que as necessidades constantes deste so completamente incompatveis com um horrio de trabalho fixo. (Ponto 64. da BI)

    - Por esse motivo, a Segunda A. no tem qualquer tipo de realizao profissional, o que a frustra profundamente. (Ponto 65. da BI)

    - A Segunda A. vive a vida do seu filho, deixando de ter tempo, disponibilidade, ou mesmo vontade de viver a sua. (Ponto 66. da BI)

    - A Segunda A., seu primeiro filho e me eram uma famlia, apesar de modesta, muito feliz, equilibrada e socialmente inserida. (Ponto 67. da BI)

    - Os amigos deixaram de conviver com a Segunda A. e sua famlia, atentas as dificuldades em conseguir lidar com a presena do Primeiro A. (Ponto 68. da BI)

    - A av do primeiro autor precisa de acompanhamento psiquitrico para lidar com as condies de vida do seu agregado e da sua filha e neto. (Ponto 69. da BI)

    - O filho mais velho da Segunda A. vive revoltado com a triste sina do irmo, no sendo igualmente fcil para este lidar com a inocente crueldade dos amigos e colegas da sua idade que tm

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  • conhecimento da existncia do J. (Ponto 70. da BI)

    - A restante famlia afastou-se dos AA.. (Ponto 71. da BI)

    - A Segunda A. deixou de frequentar locais pblicos, como um simples caf, como era habitual, devido excluso, ainda que involuntria, que o seu filho provoca, e que a Segunda A. no consegue encarar. (Ponto 72. da BI)

    - E ainda que quisesse frequentar um simples caf, tambm no poderia, pois as dificuldades econmicas que se multiplicaram com as despesas relacionadas com o Primeiro A. implicaram a impossibilidade financeira de frequentar tais locais. (Ponto 73. da BI)

    - Apenas nos ltimos meses foi despendida a quantia de 817,43 (oitocentos e dezassete euros e quarenta e trs cntimos) em produtos de farmcia. (Ponto 74. da BI)

    - A Segunda A. vive apenas do rendimento social de insero, com o montante mensal de .318,32 (trezentos e dezoito euros e trinta e dois cntimos). (Ponto 75. da BI)

    - Para alm do J, a Segunda A. tem um outro filho menor a seu cargo, mais velho que aquele. (Ponto 76. da BI)

    - Para alm dos dois filhos menores que consigo vivem, a Segunda A. tem ainda financeiramente a seu cargo a sua me, av do J que, pela sua idade e fraca sade no consegue contribuir em nada, antes constituindo, neste aspecto, mais uma despesa na vida familiar. (Ponto 77. da BI)

    - A Segunda A. auferia, em mdia, . 600,00 (seiscentos euros) lquidos mensais. (Ponto 78. da BI)

    - Desde que se viu forada a deixar de trabalhar decorreram j, at data da propositura da aco, 36 meses. (Ponto 39. da BI)

    - O Primeiro A. necessitar de acompanhamento clnico permanente, tratamento e acompanhamento tcnico que a Segunda A. no tem conhecimentos para assegurar. (Ponto 80. da BI)

    - O Primeiro A. necessitar de prteses. (Ponto 81. da BI)

    - Para a instruo e educao do Primeiro A ser necessrio a contratao de professores, tcnicos, e material de ensino especialmente direccionados ao seu estado clnico. (Ponto 82. da BI)

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  • - O acompanhamento da gravidez pelo Servio Nacional de Sade e de acordo com as orientaes do Colgio da Especialidade da Ordem dos Mdico, implica a realizao de anlises ecogrficas s 11./13., 20./22. E 28./32. Semanas de gestao. (Ponto 83. da BI)

    - A actuao clnica dos mdicos ecografistas implica a manipulao cuidada da sonda ecogrfica e gel de contacto, procurando captar o feto nos vrios ngulos que proporcione uma completa visualizao ecogrfica. (Ponto 84. da BI)

    - E o equipamento utilizado nas ecografias a que se referem os exames realizados pela A tem de ser, como foi, um equipamento certo e adequado. (Ponto 85. da BI)

    - Sendo correcta a tcnica adoptada de deitar a grvida na marquesa em posio de decbito dorsal com o ventre totalmente descoberto, com colocao de gel de contacto e execuo do exame atravs do deslizamento de uma sonda ecogrfica sobre o gel e toda a cavidade abdominal, deixando a grvida em condies de conforto para si prpria e, em consequncia, para o prprio feto. (Ponto 86. da BI)

    - Devendo ainda o exame ser realizado em local com condies de luminosidade tnue e utilizado monitor ecogrfico de alta resoluo. (Ponto 87. da BI)

    - Os exames efectuados A foram-no de acordo com os parmetros atrs descritos. (Ponto 88. da BI)

    - A imagem fetal s 19-20 semanas de gestao representa graficamente um organismo com escassos centmetros de comprimento, sendo o dimetro biparietal entre 40 e 49mm, com um tamanho mdio de 45mm. (Ponto 91. da BI)

    - No exame ecogrfico no h qualquer resultado de diagnstico alcanvel fora do contexto da interveno do equipamento ecogrfico, com a sua falibilidade intrnseca prpria. (Ponto 92. da BI)

    - A captao e visualizao de imagens do feto pode captar/fotografar uma aparncia que a progresso/evoluo fetal dissipar, seja por factores genticos de surgimento diferido, seja por factores medicamentosos ou outros. (Ponto 93. da BI)

    - O relatrio correspondente leitura que o ecografista faz das imagens por si captadas destinam-se ao mdico assistente da utente, cabendo a estes profissionais, e a outros que eventualmente intervenham no apoio assistencial grvida, de

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  • novo o visionamento das imagens. (Ponto 94. da BI)

    - A segunda A sofria de infeces urinrias de repetio e ter sido sistematicamente medicada a partir da realizao das ecografias. (Ponto 95. da BI)

    - A autora devia ter feito e fez a terceira ecografia e outras ulteriores, de forma a ser controlado o desenvolvimento e bem estar fetal do seu filho. (Ponto 96. da BI)

    - Entre a 15 semana de gestao e o parto pode haver interferncias no desenvolvimento do feto, por efeitos txicos resultantes por exemplo de medicao, mas sem qualquer fenmeno semelhante tenha ocorrido na gravidez da autora. (Ponto 98. da BI)

    1.Do contrato havido entre a Autora e os Rus.

    Entre a Autora e os Rus foi celebrado um contrato de prestao de servios, tal como o mesmo nos definido pelo artigo 1154do CCivil e atravs do qual a R Centro de Radiologia X, Lda, atravs do seu mdico, o Ru M, se obrigaram para com aquela a realizar ecografias obsttricas, isto , aceitaram os Rus em prestar Autora a assistncia mdica requerida neste tipo de situao de gravidez, assumindo as obrigaes da advenientes e no se encontrando provado que o acordo tenha sido gisado e delineado, mediante o pagamento pela Autora queles Rus de uma retribuio pelos servios, a remunerao, como comummente aceite pela doutrina, no constitui sequer elemento essencial deste tipo contratual, cfr matria assente nas alneas A), B), D) e E), cfr neste ponto especfico da retribuio videHenriques Gaspar, A Responsabilidade Civil do Mdico, in CJ Ano III, Tomo I, 1978, 341.

    Nessa sequncia, a Autora procedeu realizao daqueles exames, assistida pelo Ru, o qual elaborou os relatrios atinentes s ecografias realizadas, tendo efectuado um primeiro exame em 4 de Junho de 2003 onde foi examinado o lquido amnitico e placenta e efectuada uma avaliao embrionria e um segundo exame em realizado em 17 de Julho de 2003 onde foram visualizados os membros, a coluna e a cabea, ecografias estas correspondentes s indicadas pela Direco Geral de Sade para o seguimento da gravidez, isto , s doze semanas e seis dias e s dezanove semanas e dois dias, cfr matria assente nas alneas F) e G) e resposta ao ponto 8. da base instrutria.

    Este tipo de contrato de prestao de servios mdicos, em termos gerais, pode implicar para o respectivo executor uma obrigao de meios ou uma obrigao de resultado, no sendo indiferente a sua

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  • qualificao e a diferenciao que eventualmente da advenha para efeitos de aplicao do preceituado no disposto no artigo 799, n1 do CCivil, em sede de nus da prova e presuno de culpa no que tange responsabilidade mdica, questo esta de que se cura aqui.

    A obrigao de meios pode ser definida como sendo aquela que existe quando o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade com vista produo de um determinado efeito, mas sem se comprometer a que este se produza; ao passo que a obrigao de resultado se traduz no comprometimento por banda do devedor a garantir a produo de um determinado resultado em beneficio da contraparte ou de terceiro, cfr neste sentido Almeida Costa, Direito das Obrigaes, 5 edio, 431, Antunes Varela, Das Obrigaes em Geral, II volume, 5 edio, 10, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigaes, I volume, 1980, 380, Menezes Leito, Direito das Obrigaes, Vol I, 4 edio, 128/130.

    A vexata quaestio em termos de dicotomia das aludidas obrigaes a de estabelecer, afinal das contas, qual o interesse prtico jurdico da eventual diferenciao, posto que, para um sector da doutrina todas as obrigaes so obrigaes de resultado nas suas vrias facetas, entendendo-se que o nico interesse do credor estar nesse resultado, cfr Menezes Cordeiro e Menezes Leito, ibidem, 358/359 e 128/30 e ainda Carlos Ferreira de Almeida, in Os contratos civis de prestao de servio mdico, in Direito da Sade e Biotica, 1996, 110/112, sendo que este Autor sustenta a sua posio na circunstncia de considerar, alm do mais, que a sustentao da apontada diferenciao pode constituir um elemento perturbador face presuno de culpa plasmada no normativo inserto no artigo 799, n1 do CCivil, tornando-se um factor de confuses que em termos de ordem jurdica seria de evitar.

    Todavia, a maior parte da doutrina nacional subscreve a tese da diferenciao da natureza das sobreditas obrigaes, embora divirja no que toca ao efectivo interesse da sua destrina e a tendncia jurisprudencial , mutatis mutandis, a de completa aceitao do binmio obrigaes de meios/obrigaes de resultado, na doutrina cfr Manuel de Andrade, Teoria geral das obrigaes, 1963, 2 edio, 413/4215, Almeida Costa, ibidem, 971, lvaro Dias, Breves consideraes em torno da responsabilidade civil mdica, RPDC, 1993, Ano II, n3, 27/59, Ribeiro de Faria, Da prova na responsabilidade civil mdica-Reflexes em torno do direito alemo, RFDUP, Ano I, 2004, 115/118, sendo que os dois primeiros Autores pugnam pela relevncia da distino em sede de impossibilidade superveniente da prestao no imputvel ao devedor, pois tratando-se de

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  • obrigao de meios, quer a impossibilidade objectiva, quer a subjectiva, exoneraro o devedor, se se tratar de uma obrigao de resultado, apenas a impossibilidade objectiva ter esse efeito exoneratrio; os dois ltimos fazem retirar da diferena entre os dois tipos de obrigaes as consequncias ao nvel da repartio do nus da prova da culpa, existindo a presuno aludida no artigo 799, n1 do CCivil, na responsabilidade pelo no cumprimento das obrigaes de resultado mas no na responsabilidade pelo no cumprimento das obrigaes de meios, em que aquela presuno seria de afastar. Outros entendem que a distino releva em sede de nus da prova, apesar de aceitarem a aplicao da regra do artigo 799, n1 aos dois tipos de obrigaes, estando neste caso Carneiro da Frada, in Contratos e deveres de proteco BFDUC, suplemento Vol XXXVIII, 1993, 335/337 e Pinto de Oliveira, in Responsabilidade civil em instituies privadas de sade: problemas d e ilicitude e de culpa, responsabilidade civil dos mdicos, 2005, 245; na jurisprudncia, cfr inter alia Ac STJ de 16 de Junho de 2001 (Relator Pinto Monteiro) [sendo alis esta a nica deciso jurisprudencial portuguesa proferida nesta precisa temtica que nos ocupa], 5 de Julho de 2001 (Relator Ferreira de Almeida), 17 de Dezembro de 2002 (Relator Afonso de Melo), 11 de Julho de 2006 (Relator Nuno Cameira), 22 de Maro de 2003 (Relator Sousa Leite), 18 de Setembro de 2007 (Relator Alves Velho), 27 de Novembro de 2007 (Relator Rui Maurcio), 4 de Maro de 2008 (Relator Fonseca Ramos), 16 de Junho de 2009 (Relator Joo Camilo), 15 de Outubro de 2009 (Relator Rodrigues dos Santos), 17 de Dezembro de 2009 (Relator Pires da Rosa), 1 de Julho de 2010 (Relator Serra Baptista), 7 de Outubro de 2010 (Relator Ferreira de Almeida), 24 de Maio de 2011 (Relator Hlder Roque), 13 de Setembro de 2011 (Relator Joo Camilo) e 15 de Novembro de 2011 (Relator Gregrio Silva Jesus), in www.dgsi.pt e site STJ, link Jurisprudncia Sumrios de Acrdos.

    No caso sujeito, a Autora ao acordar com os Rus a efectivao dos exames neo-natais, consistentes nas duas ecografias estabelecidas como obrigatrias no protocolo da Direco Geral de Sade, tratou-se de uma obrigao de meios como consideraram as instncias, pois tais exames destinavam-se, primacialmente, identificao, determinao e informao de eventuais distrbios e malformaes do feto, sendo certo que sendo a obrigao principal assumida pelo mdico a de tratamento e dividindo-se esta obrigao em outras quantas prestaes diversas que passariam, ou poderiam passar, consoante o protocolo a seguir segundo o caso concreto, por actividades de mera observao, diagnstico, teraputica efectiva e vigilncia, a mesma de qualificar como obrigao de meios e no de resultado, cfr Henriques Gaspar, ibidem, 342, lvaro da Cunha

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  • Gomes Rodrigues, Reflexes em torno da responsabilidade civil dos mdicos, in Direito e Justia, Vol XIV, Tomo III, Universidade Catlica, 2005, 161/252, Moitinho de Almeida, A Responsabilidade Civil do Mdico e o seu Seguro, in Scientia Iuridica, Tomo XXI, 1972, 329/336 e Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, A Responsabilidade Mdica em Portugal, in BMJ, n332, 21/79 e Responsabilidade Mdica na Europa Ocidental Consideraes de lege ferenda, in Scientia Iuridica, Tomo XXXIII, 1984, 100/107.

    De harmonia com o preceituado no artigo 26 do Cdigo Deontolgico dos Mdicos, aprovado em 23 de Fevereiro de 1985, publicado Revista da Ordem dos Mdicos 3/85, aplicvel no caso sujeito (entretanto alterado em 26 de Setembro de 2008) O mdico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se por esse facto prestao dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correco e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a Sade, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida, no pleno respeito pela dignidade humana..

    Daqui deflui que os Rus assumiram perante a Autora o seu comprometimento no sentido de prestarem os seus servios de acordo com as regras e os mtodos da profisso, a se incluindo os cuidados especficos e os conselhos, sempre seguindo as melhores tcnicas da leges artis, o que significa que o aporema daqui se reconduza, prima facie, aferio de um eventual desrespeito daquelas artes, por via de comportamentos censurveis, vg, a imprudncia, impercia, falta de cuidado dos Rus/Recorrentes aquando da feitura dos exames Autora, por forma a poder-lhes ser imputada a culpa na produo do resultado danoso, cfr Pedro Romano Martinez, Responsabilidade Civil Por Acto Ou Omisso do Mdico, in Estudos De Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 468/472, Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, in Revista de Direito e Economia, Ano IV, n1 Jan-Jun, 1978, 319 e Maria Paula Ribeiro de Faria, O Erro Em Medicina E O Direito Penal, in Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Sade, Ano 7. n14, 2010, 21/24.

    Tratou-se, sem dvida de uma verdadeira obrigao de meios assumida pelos Rus perante a Autora, no sentido de serem utilizados os seus melhores recursos tcnicos, desenvolvendo as suas melhores valncias e competncias necessrias obteno dos resultados neo-natais pretendidos e impostos pelas ecografias de feitura obrigatria em termos de plano nacional de sade, para o acompanhamento da gestao do Autor, cfr quanto problemtica da dicotomia explanada, Ricardo Lucas Ribeiro, Obrigaes De meios E Obrigaes De Resultado, 1 edio, 2010, 38/47.

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  • 1.1.Do incumprimento contratual por banda dos Rus.

    Por uma questo de lgica, comecemos por abordar as questes suscitadas no recurso dos Rus, posto que, pondo-se as mesmas em sede de inexistncia dos pressupostos de que depende a responsabilizao contratual a que as instncia os submeteram, a proceder a respectiva impugnao, intil se tornar, segundo as regras processuais, o conhecimento do recurso dos Autores, tendo em ateno as disposies conjugadas dos artigos 710, n1 e 660, n2, ex vi do preceituado no artigo 726, todos do CPCivil.

    1.1.1. Da impugnao da matria de facto constante nos pontos 10., 89., 90. e 96. da base instrutria.

    Em primeiro lugar os Rus voltam em sede de recurso de Revista a por em causa a matria de facto j impugnada em sede de recurso de Apelao, nomeadamente as respostas que foram dadas aos pontos 10., 89., 90. e 96. da base instrutria.

    s instncias, e designadamente Relao, que cabe apurar a factualidade relevante para a deciso do litgio, no podendo o Supremo Tribunal de Justia, em regra, alterar a matria de facto por elas fixada.

    O erro na apreciao das provas e na fixao dos factos materiais da causa no pode ser objecto do recurso de Revista, a no ser nas duas hipteses previstas no n3 do artigo 722 do CPCivil, na redaco dada pelo DL 329-A/1995, de 12 de Dezembro aplicvel in casu, isto : quando haja ofensa de uma disposio expressa de Lei que exija certa espcie de prova para a existncia do facto ou haja violao de norma legal que fixe a fora probatria de determinado meio de prova, cfr Jos Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Cdigo de Processo Civil Anotado, vol 3, tomo I, 2 edio, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Arajo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Tvora Victor), in www.dgsi.pt.

    A Revista, no que tange deciso da matria de facto, s pode ter por objecto, em termos genricos, aquelas situaes excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensvel para demonstrar a sua existncia; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a fora probatria dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurdico; e ainda, quando o Supremo entenda que a deciso de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradies da matria de facto que inviabilizem a deciso jurdica do pleito, caso especfico do normativo inserto no artigo

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  • 729, n3 do CPCivil.

    Vejamos ento.

    No ponto 10. da base Instrutria perguntava-se: O exame atrs referido a denominada ecografa morfolgica, que analisa toda a anatomia fetal e detecta a grande maioria das malformaes graves?, tendo a resposta sido a de Provado, devendo ser a de No provado, uma vez que no entendimento formulado pelos Rus nas suas concluses o de que a referida ecografia seria obsttrica e no morfolgica.

    No ponto 89. questionava-se se Ascende a cerca de 45% a percentagem de erro na execuo tcnica dos exames ecogrfcos, mesmo quando realizados pelos melhores especialistas mdicos?, tendo a resposta do Tribunal sido a de No provado, pretendendo que o Tribunal tivesse concludo pela existncia de uma percentagem significativa de erro neste tipo de exames.

    E no ponto 90. questionava-se ainda Situando-se as taxas de deteco das mal formaes msculo esquelticas entre os 23 % e os 55%, consoante o segmento da morfologia fetal em causa?, o qual obteve igualmente a resposta de No provado, pretendendo uma resposta idntica pretendida ao ponto anterior.

    No ponto 96. perguntava-se se A A. devia ter feito, no mnimo, a 3 ecografia?, tendo a resposta obtida sido explicativa Provado com o esclarecimento de que a autora devia ter feito e fez a terceira ecografia e outras ulteriores, de forma a ser controlado o desenvolvimento e bem estar fetal do seu filho., sendo que, na tese dos Rus, o Tribunal deveria ter concludo que das ecografias realizadas pela Autora volta das 28/32 semanas de gestao, a designada ecografia do terceiro trimestre, nenhuma corresponde ecografia morfolgica recomendada pelo Servio Nacional de Sade.

    Por ltimo e ainda neste contexto factual, continuam a insistir com a existncia de uma contradio entre a resposta a este ponto controvertido e a resposta dada ao ponto 20. do seguinte teor Confiando no diagnstico da Primeira e Segundo RR., a Segunda A. no repetiu o mesmo tipo de exame, nem adoptou quaisquer outros cuidados mdicos especiais, no aconselhados na altura pelo relatrio das ecografias..

    Decorre do disposto no artigo 655 do CPCivil que no nosso ordenamento jurdico vigora o princpio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matria de facto em sintonia com a

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  • convico que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existncia ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta no pode ser dispensada.

    De acordo com este princpio, que se contrape ao princpio de prova legal, vinculada pois, as provas so valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquizao, nem preocupao do julgador quanto natureza de qualquer delas.

    Mas o princpio da livre apreciao da prova cede em determinadas situaes, perante o princpio da prova legal, designadamente no caso da prova por confisso, da prova por documentos autnticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358, 364 e 393 do CCivil.

    Assim, enquanto segundo o princpio da prova livre o julgador tem plena liberdade de apreciao das provas, segundo o princpio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciao das provas s regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a fora probatria.

    Ora, os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justia quanto deciso da matria de facto circunscrevem-se em verificar se estes princpios legais foram, ou no, no caso concreto violados.

    Da que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo, censurar a deciso da matria de facto feita nas instncias s pode faz-lo por referncia violao de tais regras e no tambm em relao apreciao livre da prova, que no sindicvel por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justia.

    Por outras palavras, e em termos prticos, pode dizer-se que o que o Supremo pode conhecer em matria de facto daqueles efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixao da prova realizada em juzo, sendo que nesta ptica, afinal, sempre se est no mbito da competncia prpria Supremo Tribunal de Justia.

    O que compete a este tribunal pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existncia de qualquer obstculo legal a que a convico de prova formada nas instncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

    Obviamente que dentro destes princpios no cabe ao Supremo Tribunal de Justia apreciar os depoimentos testemunhais, as

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  • percias e/ou inqurito mesmo efectuados pelos melhores especialistas, a fim de aferir se eles provam, ou no, determinados factos, que no tenham sido objecto de outra prova de valor superior.

    Como no cabe averiguar se a convico firmada pelos julgadores nas instncias em relao a determinado facto, em prova de livre apreciao, se fez no sentido mais adequado, tanto mais estando as instncias, mormente a 1., em melhores condies de julgamento, atento o princpio da imediao em que determinadas provas so produzidas.

    Por ltimo quanto apontada contradio, a qual sempre poderia fazer actuar por banda deste Supremo Tribunal o preceituado no normativo inserto no artigo 729, n3 do CPCivil, isto , a anulao do julgamento, a mesma no ocorre, alis como se concluiu no segundo grau, posto que se apurou que a Autora no s fez a terceira ecografia como fez outras subsequentes (matria decorrente do ponto 96.) e porque confiou no diagnstico dos Rus, diagnstico esse decorrente dos relatrios efectuados em resultado dos exames ecogrficos realizados, no repetiu o mesmo tipo de exames, nem adaptou cuidados mdicos especiais (matria decorrente do ponto 20. da base instrutria).

    Por aqui se v a sem razo dos Rus no que tange impugnao efectuada matria de facto uma vez que o sancionamento eventual daquelas respostas transcende a competncia decisria deste Supremo Tribunal, limitado como est apreciao da matria de direito, posto que se no mostra violada qualquer disposio de direito probatrio material, no tendo havido qualquer disposio expressa da Lei a exigir determinado meio de prova que no tenha sido considerado, nem qualquer contradio na matria de facto que inviabilize a deciso jurdica do pleito, ibidem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes.

    Sempre se diz ex abundanti que a diferenciao entre uma ecografia morfolgica ou obsttrica, no caso em anlise se nos afigura despicienda.

    Recorrendo wikipdia podemos dela recolher o significado de ecografia como sendo ultrassonografia (ou ecografia) um mtodo diagnstico que aproveita o eco produzido pelo som para ver em tempo real as reflexes produzidas pelas estruturas e rgos do organismo. Os aparelhos de ultrassom em geral utilizam uma frequncia variada dependendo do tipo de transdutor, desde 2 at 14 MHz, emitindo atravs de uma fonte de cristal piezoeltrico que fica em contato com a pele e recebendo os ecos gerados, que so interpretados atravs da computao grfica. Quanto maior a frequncia maior a resoluo obtida.

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  • Conforme a densidade e composio das estruturas a atenuao e mudana de fase dos sinais emitidos varia, sendo possvel a traduo em uma escala de cinza, que formar a imagem dos rgos internos. A ultrassonografia permite tambm, atravs do efeito doppler, se conhecer o sentido e a velocidade de fluxos sanguneos. Por no utilizar radiao ionizante, como na radiografia e na tomografia computadorizada, um mtodo incuo, barato e ideal para avaliar gestantes e mulheres em idade procriativa. A ultrassonografia um dos mtodos de diagnstico por imagem mais versteis e ubquos, de aplicao relativamente simples e com baixo custo operacional. A partir dos ltimos vinte anos do sculo XX, o desenvolvimento tecnolgico transformou esse mtodo em um instrumento poderoso de investigao mdica dirigida, exigindo treinamento constante e uma conduta participativa do usurio..

    Do site fetalmed.net, podemos ver a diferenciao entre ecografia morfolgica e ecografia obsttrica, sendo que aquela visa a avaliao pormenorizada da anatomia fetal e marcadores para doenas genticas, biometria fetal complementar e descrio detalhada de toda morfologia fetal devendo ser feita por profissionais especializados em medicina fetal com conhecimentos profundos de obstetrcia, fisiopatologia materno-fetal, diagnstico sindrmico fetal, infeces congnitas e teratognese e com aparelhagem especifica, entre as 11 a 14 semanas e as 20 a 24 semanas, esta outra, a obsttrica tem como desiderato biometria fetal, localizao de placenta, quantidade de lquido amnitico e crescimento fetal, poder ser efectuada durante toda a gravidez, por um qualquer profissional com conhecimentos bsicos de obstetrcia e ultrassonografia.

    Sem embargo de se poder concluir desta diferenciao que a ecografia morfolgica mais precisa que a ecografia osbttrica, ambas tm como objectivo a avaliao