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ACOMPANHAMENTO PLENUS Defensoria Pública DIREITO PROCESSUAL PENAL SEMANA 11 SINOPSE DE ESTUDO #SouPlenus #TôchegandoDefensoria #TôDentro

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ACOMPANHAMENTO PLENUS

DefensoriaPública

DIREITO PROCESSUAL PENALSEMANA 11

S I N O P S E D E E S T U D O

#SouPlenus#TôchegandoDefensoria

#TôDentro

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SUMÁRIO

1. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROVA NO PROCESSO PENAL ........................................................... 41.1 Princípio da proporcionalidade ................................................................................................. 41.2 Princípio da aquisição ou comunhão da prova ........................................................................ 41.3 Princípio da autorresponsabilidade das partes ........................................................................ 51.4 Princípio da audiência contraditória ......................................................................................... 51.5 Princípio da oralidade ................................................................................................................ 51.6 Princípio da publicidade ............................................................................................................ 61.7 Princípio do livre convencimento motivado ............................................................................. 71.8 Princípio da liberdade probatória ............................................................................................. 71.9 Princípio do favor rei .................................................................................................................. 92. TERMINOLOGIAS ........................................................................................................................... 93. DESTINATÁRIO DA PROVA........................................................................................................... 134. FINALIDADE DA PROVA ............................................................................................................... 145. SUJEITOS DA PROVA ................................................................................................................... 146. OBJETO DA PROVA ..................................................................................................................... 147. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA ......................................................................................................... 158. PROVA EMPRESTADA .................................................................................................................. 189. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA ............................................................................................... 2010. ÔNUS DA PROVA ....................................................................................................................... 2111. GESTÃO DA PROVA PELO JUIZ ................................................................................................. 2312. SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA ........................................................................................ 2512.1 Sistema do convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz ou da livre aprecia-ção judicial da prova ...................................................................................................................... 2512.2 Sistema da íntima convicção do magistrado ou da certeza moral do juiz ou da livre convic-ção ................................................................................................................................................... 2612.3 Sistema da prova tarifada ou das regras legais ou da prova legal ....................................... 2613. PROVA ILEGAL ........................................................................................................................... 2813.1 Provas ilícitas por derivação: teoria dos frutos da árvore envenenada ou taint doctrine .. 2913.2 Teoria da fonte independente (independent source doctrine) ............................................. 3013.3 Teoria da descoberta inevitável ou exceção da fonte hipotética independente (inevitable descovery limitation) ...................................................................................................................... 3113.4 Limitação da mancha purgada, dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída (purged taint) ..................................................................................................................... 3213.5 Exceção da boa-fé ................................................................................................................... 3213.6 Teoria do risco ........................................................................................................................ 3313.7 Limitação da destruição da mentira do imputado ............................................................... 3313.8 Doutrina da visão aberta ....................................................................................................... 3313.9 Teoria do encontro fortuito de provas ou serendipidade .................................................... 3413.10 Limitação da renúncia do interessado ................................................................................ 35

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13.11 Limitação da infração constitucional alheia ....................................................................... 3613.12 Limitação da infração constitucional por pessoas que não fazem parte do órgão poli-cial ................................................................................................................................................... 3614. PROCEDIMENTO PROBATÓRIO ................................................................................................ 3615. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL PARA PRODUÇÃO PROBATÓRIA .......................... 37

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1. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROVA NO PROCESSO PENAL

Alguns princípios gerais do processo penal possuem relação com a produção pro-batória, quais sejam, a presunção de não culpabilidade, a não autoincriminação e a busca da verdade pelo juiz. Entretanto, outros princípios necessitam ser aqui aprofundados.

1.1 Princípio da proporcionalidade

É necessário analisar o princípio da proporcionalidade e sua relação com a prova ilícita, a qual tem sua utilização vedada pela Constituição Federal:

Art. 5º (...)LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

No entanto, deve-se entender essa proibição como uma limitação ao Estado, ao seu direito de punir. Dessa forma, é possível que uma sentença absolutória se fundamente na prova ilícita produzida A FAVOR do acusado. É nesse sentido a orientação da doutrina e da jurispru-dência, com base no princípio da proporcionalidade. Entre a proibição da prova ilícita versus o direito de defesa e o princípio da presunção de não culpabilidade, estes dois últimos prevale-cem sobre o direito de punir.

É inadmissível que alguém seja condenado e privado de sua liberdade injustamente apenas porque a prova que demonstrou sua inocência foi produzida ilicitamente. Ademais, ao Estado não interessa a condenação de alguém inocente, sob pena da impunidade do culpado. Por fim, defende-se que a utilização da prova ilícita pelo acusado pode ser justificada pelo es-tado de necessidade como excludente da ilicitude.

Por outro lado, a proporcionalidade não pode ser invocada pelo Estado para utiliza-ção da prova ilícita pro societate, como entende a jurisprudência dos Tribunais Superiores, sob pena de se criar um perigoso precedente em detrimento dos direitos e garantias individuais. A vedação à utilização de prova ilícita sobrepõe-se à busca da verdade real. Apesar disso, alguns doutrinadores defendem sua possibilidade.

1.2 Princípio da aquisição ou comunhão da prova

Com base nesse princípio, não importa quem produziu a prova, ela não pertence às partes, mas sim ao processo. Dessa forma, a prova pode ser inclusive invocada a favor da parte que não a produziu.

Ressalta-se, no entanto, que somente cabe falar desse princípio após a produção da prova. Até tal momento, a parte pode renunciá-la:

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Art. 402 (...)§ 2º A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.

1.3 Princípio da autorresponsabilidade das partes

Esse princípio possui relação intrínseca com o ônus da prova, que será trabalhado mais à frente. Com base nele, as partes assumem as consequências da sua negligência ou erro, ou seja, da sua inatividade na produção probatória.

1.4 Princípio da audiência contraditória

Toda prova que é produzida no processo deve ser apresentada à parte contrária, possibilitando-se sua manifestação sobre ela, em cumprimento ao princípio do contraditório.

1.5 Princípio da oralidade

Segundo a oralidade, deve ser dada preferência à palavra falada, porém sem exclu-são total da palavra escrita. Desse princípio decorrem os subprincípios da concentração, do imediatismo, da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e da identidade física do juiz.

Conforme o princípio da concentração, toda a produção probatória deve acontecer em uma única audiência. Excepcionalmente, não sendo isso possível, deve-se designar a conti-nuidade da audiência para a data mais próxima. Encontra respaldo no CPP:

Art. 400 (...)§ 1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz inde-ferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

Segundo o princípio do imediatismo, o juiz deve ter contato direto com a prova pro-duzida, em contato imediato com as partes. Esse princípio não veda a produção de prova por videoconferência ou carta precatória.

O princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias objetiva evitar inter-rupções no processo por meio de recursos das partes. Essa irrecorribilidade é imediata, não impedindo que eventuais ilegalidades praticadas pelo juiz sejam alegadas em preliminar de apelação e sem prejuízo dos remédios constitucionais, como o habeas corpus ou o mandado de segurança.

Por fim, o princípio da identidade física do juiz significa que aquele que teve contato com a prova é o mais apto a tomar as decisões, encontrando-se expresso no CPP:

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Art. 399 (...)§ 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. 

Apesar do silêncio do dispositivo processual, entende-se que o princípio pode ser mitigado nas hipóteses de convocação, licenciamento, afastamento por qualquer motivo, promoção e aposentadoria do juiz. Nesses casos, seu sucessor ficará responsável pela senten-ça.

Essas exceções foram identificadas a partir da aplicação subsidiária do CPC/73 ao processo penal. Apesar de o CPC/15 não ter repetido a regra, certo é que sua aplicabilidade ao processo penal não foi revogada. A ocorrência de qualquer dessas hipóteses cessa a competên-cia do juiz que acompanhou os atos. Ainda, caso entenda necessário, o sucessor pode determi-nar a repetição das provas produzidas antes de proferir a decisão.

O princípio da identidade física do juiz não impede a realização de atos instrutórios por videoconferência ou carta precatória, cuja necessidade tem como fundamento as dimen-sões continentais do Brasil, bem como o exercício do direito de defesa e de audiência do acu-sado.

Os magistrados instrutores também não encontram limitação nesse princípio. Tra-tam-se de desembargadores de Turmas ou Câmaras Criminais ou de juízes de varas criminais convocados pelos Ministros do STF ou do STJ para a realização de atos de instrução dos proces-sos de competência originária dos Tribunais Superiores.

A possibilidade de utilização desses magistrados é devidamente prevista em lei ordi-nária, assim como o princípio da identidade física do juiz, sendo plenamente possível que uma lei ordinária excepcione a regra de outra. Ademais, os magistrados instrutores atuam como lon-ga manus do Relator e sob sua constante supervisão. Trata-se de medida necessária para fazer observar o princípio da duração razoável do processo.

1.6 Princípio da publicidade

Não havendo como ser diferente com os atos instrutórios, a publicidade dos atos processuais é a regra, havendo algumas exceções:

CF/88, art. 5º (...)LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Art. 93 (...)IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a

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lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

CPP, art. 792 (...)§ 1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, pu-der resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

1.7 Princípio do livre convencimento motivado

Também chamado de princípio da persuasão racional do juiz ou da livre aprecia-ção judicial da prova, consiste no fato de que todas as provas produzidas em juízo possuem o mesmo valor e que o magistrado detém ampla liberdade para valorá-las, não estando adstrito a um valor pré-estabelecido em lei, desde que fundamente sua decisão.

A necessidade de fundamentação permite o controle da atividade jurisdicional, pos-sibilitando às partes conhecer dos motivos da decisão e recorrer delas, bem como permite o reexame dos argumentos em grau de recurso.

Tal princípio é adotado como regra no nosso ordenamento processual penal, sen-do ressalvado pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, no qual prevalece a íntima convicção, bem como pelo sistema de provas tarifadas em relação ao estado das pessoas. Esse assunto será melhor trabalhado adiante.

1.8 Princípio da liberdade probatória

A regra no processo penal é a liberdade probatória quanto ao momento da prova, quanto ao tema da prova e quanto aos meios de prova.

Quanto ao momento, a prova pode ser produzida a qualquer momento do processo, conforme o CPP:

Art. 231.  Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.

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Atenção! Como exceção a essa regra, tem-se a apresentação do rol de testemunhas, que deve ocorrer, para a acusação, na peça acusatória (art. 41) e, para a defesa, na resposta à acusação (art. 396-A), sob pena de preclusão. Nada impede, no entanto, que o juiz inquira as testemunhas tardiamente apre-sentadas como do juízo.

Outra exceção trata-se do julgamento no júri, quando vedada a leitu-ra de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis (art. 479). Sobre isso, atente--se ao recente entendimento jurisprudencial:

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respeitado não apenas para a juntada de do-cumento ou objeto, mas também para a ciência da par-te contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Jú-nior, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Quanto ao tema, quaisquer fatos podem ser objeto de prova, desde que tenham relação com as afirmações feitas pelas partes e interessem ao processo. Nesse sentido, há o poder do juiz de recursar a produção de provas consideras irrelevantes, impertinentes ou pro-telatórias (art. 400, § 1º).

Finalmente, a liberdade probatória quanto ao meio de prova significa que as partes podem se utilizar de provas nominadas e inominadas, desde que obtidas por meios lícitos. A exceção nesse caso fica a cargo da prova do estado das pessoas:

Art. 155 (...)Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observa-das as restrições estabelecidas na lei civil.

Súmula 74-STJ: Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.

Além da licitude das provas e do estado das pessoas, há também limitação quanto às pessoas impedidas de depor (art. 207) e quanto aos documentos em poder do defensor (art. 243, § 2º).

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1.9 Princípio do favor rei

Esse princípio tem como objetivo equilibrar a produção probatória entre Ministério Público e acusado, tendo em vista que aquele possui todo um aparato oficial, auxiliado pela polícia judiciária. Trata-se da criação de mecanismos processuais a favor da defesa, numa bus-ca da igualdade substancial, tais como recursos exclusivos da defesa, regra de interpretação in dubio pro reo, absolvição por falta de provas, proibição da reformatio in pejus, etc.

Nesse sentido, o legislador editou a Lei nº 13.432/17, disciplinando a profissão de detetive particular, na qual foi reconhecida a possibilidade de este profissional poder colaborar com investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante e com a aceitação do delegado de polícia. Apesar de falar em investigação, nada impede a utili-zação da colaboração do detetive particular também no processo penal.

2. TERMINOLOGIAS

Segundo Renato Brasileiro (p. 583), “provar significa demonstrar a veracidade de enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real (...) a palavra prova tem vários signifi-cados.” O autor aponta três acepções da palavra prova:

I) Prova como atividade probatória: conjunto de atividades de verificação e de-monstração cuja finalidade é chegar à verdade dos fatos. Produção dos meios e atos praticados no processo que visam ao convencimento do juiz sobre a veracidade de uma alegação. Nesse sentido, diz-se que há um direito à prova para as partes.

II) Prova como resultado: trata-se da formação da convicção do julgador sobre os fatos alegados pelas partes.

III) Prova como meio: são os instrumentos à disposição das partes para introduzi-rem a prova no processo e influenciarem na formação da convicção do juiz. Devem ser lícitos, tendo em vista a inadmissibilidade de provas ilícitas. Ex.: perícia.

As partes possuem um direito à prova, que decorre do direito de ação. Para que esse direito seja pleno, não basta a mera propositura ou produção de provas, mas sim a possibili-dade efetiva de influenciar no convencimento do juiz. Obviamente, não é um direito absoluto, encontrando limitações nos direitos e garantias fundamentais e nos princípios éticos:

CF/88, art. 5º (...)LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Prova não se confunde com os elementos de informação do inquérito policial ou de outros procedimentos investigativos. Prova consiste em elementos de convicção produzidos

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em juízo e sobre os quais houve a possibilidade de exercício do contraditório pela parte que não a produziu, ainda que diferido. O contraditório é requisito de existência e validade da prova.

Elementos de informação não são prova, pois sobre eles não houve o contraditório. Sua finalidade é apenas formar a opinio delicti do autor da ação penal. Tanto o é que, em regra, o julgador não pode fundamentar uma sentença condenatória apenas com base neles:

CPP, Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da pro-va produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na inves-tigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Atentem-se que eles não podem ser utilizados de forma exclusiva, mas o podem de forma subsidiária, complementando a prova produzida sob o contraditório, não sendo comple-tamente dispensáveis.

Cabe atenção também às exceções: provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Essas podem ser sim utilizadas exclusivamente para fundamentar um decreto condenatório, ainda que produzidas na fase de investigação. Sobre cada uma, diz-se o seguinte:

Provas cautelares

Há risco de desaparecimento do objeto de prova pelo de-curso do tempo.

Em regra, necessitam de autorização judicial.São submetidas ao contraditório diferido.Ex.: interceptação telefônica.

Provas não repetíveis

Não têm como serem produzidas mais de uma vez, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimen-to da fonte.

Em regra, não necessitam de autorização judicial.São submetidas ao contraditório diferido.Ex.: exame pericial de lesões corporais.

Provas antecipadas

Produzidas perante a autoridade judicial em momento processual distinto do determinado legalmente, poden-do ser até mesmo antes do início do processo, por situa-ção de urgência e relevância.

Necessitam de autorização judicial.São submetidas ao contraditório real, em juízo.Ex.: depoimento ad perpetuam rei memoriam de teste-

munha enferma ou muito idosa (art. 225).

Nos casos de provas cautelares e não repetíveis, ainda que produzidos em inquérito, serão provas, pois irão submeter-se ao contraditório diferido, postergado ou adiado. As provas

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antecipadas, por outro lado, são submetidas a contraditório real, pois produzidas perante o juiz e com a presença de defensor, ainda que dativo, no caso de não se conhecer o acusado.

Outro exemplo de provas antecipadas ocorre no caso do art. 366 do CPP, quando o processo é suspenso pelo não comparecimento do acusado citado por edital e que não consti-tuiu defensor. Sobre o assunto, importante ter conhecimento sobre o entendimento dos Tribu-nais Superiores:

Súmula 455-STJ: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

A antecipação da prova testemunhal prevista no art. 366 do CPP pode ser justificada como medida necessária pela gravidade do crime prati-cado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as teste-munhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo. Além disso, a antecipação da oitiva das testemunhas não traz nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Isso porque quando o processo retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu, basta que seja feita nova inquirição. STF. 2ª Turma. HC 135386/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/12/2016 (Info 851).

Ressalta-se que o julgado acima não é contrário ao disposto no enunciado da sú-mula, tendo em vista que, no caso concreto, a decisão que determinou a produção da prova antecipada foi considerada concretamente fundamentada, uma vez que demonstrada a real necessidade da medida por outros motivos além do decurso do tempo.

COMO ISSO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS

Ano: 2013 / Banca: CESPE / Órgão: AGU / Prova: Procurador Federal

Segundo o entendimento dos tribunais superiores, julgue os próximos itens, a respeito da pri-são e das provas no processo penal.

Quando a demora na produção das provas puder prejudicar a busca pela verdade real, notadamente em razão da grande probabilidade de as testemunhas não se lembrarem precisamente dos fatos presenciados, será cabível a produção antecipada de provas.

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Deve o juiz, para tanto, observar a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medi-da.

( ) Certo( ) Errado

R – C

Sobre a possibilidade de oitiva de testemunhas que são policiais ser ou não conside-rada prova urgente para os fins do art. 366 do CPP, há divergência jurisprudencial:

STJ STFÉ possível.O atuar constante no combate à crimi-nalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações confli-tuosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitu-de dos fatos, sem que isso configure violação à garantia da ampla defesa do acusado.A antecipação do depoimento de poli-cial é considerado como sendo uma fun-damentação concreta, não havendo ofensa à Súmula 455-STJ.STJ. 3ª Seção. RHC 64.086-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/11/2016 (Info 595).

Não é possível.É incabível a produção antecipada de prova testemunhal fundamentada na simples possibilidade de esquecimen-to dos fatos, sendo necessária a de-monstração do risco de perecimento da prova a ser produzida (art. 225 do CPP).Não serve como justificativa a alegação de que as testemunhas são policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração penal.STF. 2ª Turma. HC 130038/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/11/2015 (Info 806).

Também não se confunde prova com elementos de prova, resultado da prova, fontes de prova e meios de obtenção de prova.

Elementos de prova são informações objetivas que confirmam ou negam as alega-ções das partes. São utilizados pelo juiz como fundamento. Ex.: declaração da testemunha, opinião do perito, conteúdo do documento.

Resultado da prova, por sua vez, é a conclusão que se extrai a partir da análise dos elementos de prova e da atividade intelectual do magistrado.

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Fontes de prova são as pessoas ou as coisas das quais se constituem a prova, poden-do ser fontes pessoais (ex.: testemunhas) ou fontes reais (ex.: documentos). As fontes derivam do próprio fato e são anteriores ao processo.

Por outro lado, meios de obtenção de prova são procedimentos regulados em lei cujo objetivo é a obtenção de provas materiais. Geralmente, são extraprocessuais. São classifi-cados em ordinários e extraordinários.

Os meios de obtenção de provas ordinários são utilizados tanto na apuração de infrações de menor gravidade quanto na apuração de delitos graves.

Os meios de obtenção de provas extraordinários são utilizados para os crimes mais graves, que exigem estratégias investigativas. São próprias do combate ao tráfico de drogas e às organizações criminosas. Caracterizam-se pelo sigilo e dissimulação, com o objetivo de atingirem a maior eficácia possível. O contraditório em relação a elas é diferido e necessitam de prévia autorização judicial. Ex.: infiltração de agentes, ação controlada.

Para facilitar, verifique quadro comparativo adaptado de Renato Brasileiro (p. 590) sobre o assunto:

MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA MEIOS DE PROVAEm regra, executados na fase de inves-tigação, o que não afasta a possibilida-de de utilização também no curso do processo.

Em regra, utilizados na fase processual e, excepcionalmente, na fase investi-gativa.

São atividades extraprocessuais São atividades endoprocessuaisEm regra, executados por policiais com atribuição para a investigação

Atividades desenvolvidas perante o juiz competente

Fundamentam-se na surpresa, sem o conhecimento do investigado

Produzidos sob o crivo do contraditó-rio, com a participação do acusado

Se não seguir o modelo típico, será considerado ilícito, devendo ser de-sentranhado

Se não seguir o modelo típico, haverá nulidade, relativa ou absoluta

3. DESTINATÁRIO DA PROVA

O destinatário da prova é aquele que deve formar sua convicção sobre as alegações das partes, ou seja, o órgão jurisdicional.

Parte da doutrina defende que o Ministério Público também pode ser destinatário da prova, já que cabe a ele a formação da opinio delicti. Entretanto, compreendendo prova como

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elementos de convicção submetidos ao contraditório, esse entendimento não é cabível, uma vez que o que o Ministério Público analisa são os elementos de informação colhidos na investi-gação, não submetidos ao contraditório.

4. FINALIDADE DA PROVA

A finalidade da prova é justamente formar a convicção do órgão jurisdicional sobre os fatos. Tendo em vista ser impossível a precisão absoluta da verdade dos fatos, busca-se a verdade processual, a verdade que pode ser atingida com a produção probatória, e é com base nela que o juiz decide.

5. SUJEITOS DA PROVA

Os sujeitos da prova são as pessoas ou as coisas de que deriva a prova. É a partir da-qui que nasce a classificação da prova em real e pessoal.

6. OBJETO DA PROVA

O objeto da prova são os fatos que interessam ao processo. Segundo Renato Brasi-leiro (p. 594), “o objeto da prova é a verdade ou a falsidade de uma afirmação sobre um fato que interessa à solução do processo”.

Devem ser objeto de prova as imputações da peça acusatória, os costumes, regula-mentos e portarias, o Direito estrangeiro, estadual e municipal e os fatos não contestados e in-controversos. Quanto a esses dois últimos, atente-se que, devido ao princípio da presunção de inocência, não existe a confissão ficta ou presumida no processo penal e, ainda que o acusado confesse, a acusação deve comprovar os fatos que alega.

Por outro lado, alguns fatos não precisam ser objeto de prova: fatos notórios (de co-nhecimento público, a exemplo de datas históricas), fatos axiomáticos ou intuitivos (evidentes, como o fato de que o fogo queima), fatos inúteis ou irrelevantes (que não interessam ao proces-so) e as presunções legais.

As presunções são afirmações feitas pela lei sobre um fato e podem ser absolutas ou relativas. As absolutas ou iuris et de iure não permitem prova em sentido contrário, sendo sem-pre como a lei determina. Ex.: o menor de 18 anos é sempre inimputável. As relativas ou iuris tantum admitem prova em contrário, mas invertem seu ônus: alegada a presunção, a parte que se beneficia é dispensada de provar o fato, e cabe à outra parte demonstrar que não ocorreu.

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7. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA

A doutrina costuma classificar as provas conforme o seguinte:

Quanto ao objeto

Direta ou positiva: refere-se diretamente ao fato pro-bando, demonstrando-o. Ex.: testemunha visual.

Indireta, negativa ou contrária: refere-se a outro fato que não é aquele a ser provado, mas que demonstra que ele não ocorreu ou é incompatível com ele. Ex.: álibi.

Quanto ao efeito ou valor

Plena: traz um juízo de certeza ao julgador, permitin-do a condenação.

Não plena ou indiciária: prova limitada quanto à profundidade, permitindo decretação de medidas cautelares.

Quanto ao sujeito ou causa

Real: as informações derivam da coisa, do fato. Ex.: o projétil da arma, as lesões no corpo humano.

Pessoal: advém de afirmações feitas por alguém so-bre o fato. Ex.: testemunha, confissão.

Quanto à forma ou aparência

Testemunhal: manifestação pessoal e oral.Documental: escrito que traz declarações sobre a

existência ou não de algum fato. Ex.: cartas, livros co-merciais e contábeis.

Material: elementos que demonstrem a materializa-ção do crime. Ex.: instrumentos do crime.

Quanto à possibili-dade de renovação

em juízo

Irrepetível ou não repetível: não tem como ser pro-duzida mais de uma vez, pois a fonte probatória é perecível.

Repetível: pode ser reproduzida em juízo, pois não há perda da fonte.

Quanto ao momento procedimental

Cautelar preparatória ou prova cautelar antecipa-da: produzida no curso da investigação, antes do processo. Ex.: interceptação telefônica.

Cautelar incidental ou antecipação probatória: pro-duzida no curso do processo penal, porém em mo-mento anterior ao que normalmente ocorre.

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Quanto à previsão legal

Nominada: a legislação prevê o meio de prova, in-clusive com nomen iuris. Pode ser típica, quando tem também seu procedimento expresso na lei, ou atípi-ca, quando não tem seu procedimento especificado1.

Inominada: não está expressa na lei, mas é permitida, desde que lícita, tendo em vista a liberdade probató-ria.

Quanto à finalidade

Prova anômala: utilização de um meio de prova em substituição a outro nominado, que seria mais apro-priado.

Prova irritual: prova produzida sem a observância de seu rito legal. É ilegítima e passível de nulidade.

Quanto à imposição legal da forma

Prova legal positiva, prova legal ou prova tarifada: a lei exige determinado meio de prova para aquele fato. Ex.: estado civil das pessoas.

Prova legal negativa: a lei limita a cognição do juiz. Ex.: não é possível condenação exclusivamente com base em elementos de investigação.

1

COMO ISSO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS

Ano: 2014 / Banca: PUC-PR / Órgão: TJ-PR / Prova: Juiz Substituto

Analise as assertivas abaixo e escolha a resposta CORRETA.

I. Prova não plena tem uma probabilidade de procedência da alegação, sendo suficiente para medidas preliminares. II. Prova real é a que exprime o conhecimento subjetivo e pessoal de alguém, por exemplo, interrogatório, depoimentos etc. III. Prova indireta é aquela que por si demonstra o fato alegado. IV. Os fatos incontroversos não podem ser objeto de prova, pois são aqueles admitidos pelas partes.a) Apenas as alternativas I e II estão corretas. b) Apenas as alternativas II e III estão corretas.c) Apenas as alternativas II e IV estão corretas.d) Apenas a alternativa I está correta.

R – D

1 Há divergência doutrinária quanto a essa classificação. No quadro, consta a posição ampliativa da doutrina. A posição restritiva trata a tipicidade e atipicidade da prova como sinônimos de prova nominada e inominada, respectiva-mente.

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A prova indireta, negativa ou contrária não se confunde com contraprova, que é qual-quer prova apresentada cujo objetivo é refutar as afirmações da outra parte. Ex.: assistente técnico.

Ainda, Renato Brasileiro (p. 591 a 593) explica que a palavra “indício” no CPP pode ser utilizada em dois sentidos: como prova indireta e como prova semiplena (não plena).

O indício como prova indireta é utilizado no art. 239 e é uma espécie de prova:

Art. 239.  Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Já o indício como prova semiplena (não plena) é aquela com menor valor persua-sivo, de cognição sumária, não exauriente, que permite a decretação de medidas cautelares:

Art. 126.  Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indí-cios veementes da proveniência ilícita dos bens.

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução cri-minal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Art. 413.  O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se con-vencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Por fim, o indício não se confunde com suspeita. A suspeita é subjetiva, pode até de-sencadear investigações, mas não é suficiente para a propositura de ação penal ou fundamen-to de condenação. Apesar disso, o CPP utiliza a expressão “fundada suspeita”. Esclarece-se, porém, que não basta a intuição subjetiva, é necessário haver dados objetivos para legitimar o ato:

Art. 240 (...)§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

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8. PROVA EMPRESTADA

Prova emprestada consiste na utilização de uma prova que foi produzida em um processo em processo diverso. Seu fundamento principal são os princípios da economia pro-cessual e da busca da verdade possível, tendo em vista que nem sempre há a possibilidade de repetir a prova.

Ela ingressa no segundo processo como prova documental, independentemente de como tenha sido produzida no processo anterior. Ex.: a prova testemunhal será transportada como prova documental, com as transcrições do depoimento. Apesar disso, ela terá o mesmo valor da prova originalmente produzida.

Além de reconhecida pelo novo CPC, aplicado subsidiariamente ao processo penal, a possibilidade de utilização da prova emprestada é amplamente aceita na doutrina e na juris-prudência. Inclusive, há entendimento sumulado nesse sentido:

Súmula 591-STJ: É permitida a “prova emprestada” no processo administra-tivo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.

A doutrina defende que a validade da prova emprestada está condicionada ao con-traditório no processo anterior. Dessa forma, somente seria possível sua utilização contra quem tiver participado do processo originário. Caso contrário, não seria emprestada, mas sim prova documental. Porém, esse não é o entendimento do STJ:

É admissível, desde que assegurado o contraditório, a prova empresta-da vinda de processo do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será trasladada.A prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabili-dade sem justificativa razoável para isso.Quando se diz que deve assegurar o contraditório, significa que a parte deve ter o direito de se insurgir contra a prova trazida e de impugná-la.STJ. Corte Especial. EREsp 617.428-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014 (Info 543).

Portanto, para o STJ, na verdade, o contraditório deve ser assegurado no processo para o qual a prova emprestada é transportada.

Ainda, não caberia falar de prova emprestada em relação a elementos de informação de investigação, uma vez que sobre eles não é exercido o contraditório. Esse é o entendimento da doutrina, porém não reconhecido pelos Tribunais Superiores:

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A prova colhida mediante autorização judicial e para fins de investiga-ção ou processo criminal pode ser utilizada para instruir procedimento administrativo punitivo. Assim, é possível que as provas provenientes de interceptações telefôni-cas autorizadas judicialmente em processo criminal sejam emprestadas para o processo administrativo disciplinar. STF. 1ª Turma. RMS 28774/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acór-dão Min. Roberto Barroso, julgado em 9/8/2016 (Info 834).

É possível compartilhar as provas colhidas em sede de investigação criminal para serem utilizadas, como prova emprestada, em inquérito civil público e em outras ações decorrentes do fato investigado. Esse empréstimo é permitido mesmo que as provas tenham sido obtidas por meio do afastamento (“quebra”) judicial dos sigilos financeiro, fiscal e telefônico.STF. 1ª Turma. Inq 3305 AgR/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acór-dão Min. Roberto Barroso, julgado em 23/2/2016 (Info 815).

A jurisprudência do STJ e do STF são firmes no sentido de que é admi-tida a utilização no processo administrativo de “prova emprestada” do inquérito policial ou do processo penal, desde que autorizada pelo juízo criminal e respeitados o contraditório e a ampla defesa.STJ. 1ª Seção. MS 17.472/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13/6/2012.

Uma última questão que cabe discutir é sobre a nulidade do processo originário, de que a prova emprestada foi trazida. Conforme entendimento da doutrina, há duas possibilida-des:

I) A nulidade do processo decorre da nulidade da prova: nesse caso, se a própria prova é ilícita, não se admite sua utilização em processo diverso sob nenhuma hipótese. O vício não se convalesce somente porque a prova foi emprestada.

II) O processo foi anulado por questão não relacionada à prova emprestada: sua utilização será possível caso a nulidade não se relacione diretamente com a prova. Ex.: a nuli-dade é relativa às alegações orais. Diferentemente será se a nulidade for na citação, que torna nulos todos os atos posteriores.

Por fim, importante ter conhecimento sobre a possibilidade de utilização dos dados obtidos pela Receita Federal em processo administrativo fiscal como prova emprestada no pro-cesso penal:

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Os dados do contribuinte que a Receita Federal obteve das instituições bancárias mediante requisição direta (sem intervenção do Poder Ju-diciário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/2001), podem ser com-partilhados, também sem autorização judicial, com o Ministério Públi-co, para serem utilizados como prova emprestada no processo penal. Isso porque o STF decidiu que são constitucionais os arts. 5º e 6º da LC 105/2001, que permitem o acesso direto da Receita Federal à movimen-tação financeira dos contribuintes (RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fa-chin, julgado em 24/2/2016. Info 815). Este entendimento do STF deve ser estendido também para a esfera criminal.Assim, é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Recei-ta Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal.STF. 1ª Turma. RE 1043002 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.STF. 2ª Turma. RHC 121429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822).STJ. 6ª Turma. HC 422473-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2018 (Info 623).

9. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA

Cadeia de custódia é um mecanismo cujo objetivo é garantir a autenticidade das evidências coletadas e examinadas, sem que haja a possibilidade de sua alteração ou contami-nação interna ou externa capaz de colocar em dúvida a atividade probatória. Ela inicia-se no momento em que a evidência é coletada e prossegue por seu transporte, análise, etc., até o fim do processo. Ex.: a droga apreendida deve ser embalada, etiquetada e lacrada, impedindo sua adulteração ou contaminação, e encaminhada para análise.

Trata-se de uma garantia ao acusado, uma vez que a quebra da cadeia de custódia põe a prova apresentada em dúvida, resultando em sua inadmissibilidade, devendo-se aplicar o princípio in dubio pro reo, não havendo validade jurídica de uma prova violada pelo incorreto manuseio das autoridades policiais.

Sobre o assunto, importante ressaltar entendimento do STJ no qual foi considerado que não houve esse quebra:

A ausência de lacre em todos os documentos e bens - que ocorreu em razão da grande quantidade de material apreendido - não torna auto-maticamente ilegítima a prova obtida. STJ. 5ª Turma. RHC 59.414-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, jul-gado em 27/6/2017 (Info 608).

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No caso, o Tribunal entendeu que, além de não haver exigência legal específica de que haja lacre em todos os documentos e bens apreendidos, o prejuízo não ficou demonstrado.

10. ÔNUS DA PROVA

Ônus da prova é o encargo que recai sobre as partes de provar a veracidade das afir-mações formuladas no processo. Trata-se de um interesse da própria parte, de modo que, em havendo seu descumprimento, não haverá qualquer sanção ou ilicitude, mas apenas prejuízos que devem ser suportadas pelo sujeito.

Assim, ônus diferencia-se de dever e de obrigação. O dever é um imperativo diante de toda a sociedade. Seu descumprimento gera sanção, seja jurídica ou moral. A obrigação é um imperativo de interesse do credor, de modo que seu descumprimento é um ato ilícito que gera sanção.

A doutrina classifica o ônus da prova no processo penal em ônus perfeito e ônus me-nos perfeito:

Ônus perfeito O prejuízo por seu descumprimento ocorre obrigato-riamente.

Ônus menos perfeito O prejuízo por seu descumprimento depende de uma análise judicial.

O ônus da prova pode ser analisado tanto sob um aspecto objetivo quanto sob um aspecto subjetivo.

No aspecto objetivo, o ônus da prova funciona como uma regra prática de julgamen-to, direcionada, portanto, ao órgão julgador, que consiste numa determinação ao juiz de em que sentido julgar quando, apesar de todo o acervo probatório, ainda persistem dúvidas.

O ônus da prova subjetivo, por outro lado, é uma regra de conduta direcionada às partes, consistindo no encargo que recai sobre elas de provar as afirmações realizadas no pro-cesso.

Ônus da prova objetivoRegra de julgamentoDirecionado ao órgão julgadorDeterminação de como julgar em caso de dúvida

Ônus da prova subjetivo

Regra de condutaDirecionado às partesEncargo de provar o que se alega

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No processo penal, o ônus da prova subjetivo é atenuado pelo princípio da comu-nhão da prova e pela iniciativa probatória do juiz, tendo em vista que a prova não pertence à parte que a produziu, podendo beneficiar a parte contrária, bem como o juiz pode produzir de ofício uma prova que favoreça uma das partes.

Entretanto, não se pode afirmar que não existe mais ônus subjetivo da prova no pro-cesso penal. Ele apenas é atenuado. Trata-se de um ônus menos perfeito, uma vez que a conse-quência de seu descumprimento pode não existir após a análise judicial.

Diante da prescrição do art. 156 do CPP, existem duas correntes sobre a distribuição do ônus da prova no processo penal:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:  

A corrente majoritária defende uma distribuição entre acusação e defesa. Assim, à acusação cabe a prova do fato constitutivo do seu direito, qual seja, a existência de fato típico, a autoria ou participação, a relação de causalidade e o elemento subjetivo do sujeito (dolo e culpa)2. A prova do fato típico resulta na presunção de ilicitude e culpabilidade.

Por sua vez, à defesa cabe a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Portanto, a defesa deve provar as excludentes de ilicitude e de culpabilidade e a presença de causas extintivas de punibilidade.

Dessa forma, para haver condenação, é necessário um juízo de certeza do magistra-do quanto ao cumprimento do ônus da acusação. De outro lado, o ônus da defesa apenas ne-cessita gerar uma dúvida sobre a existência dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da acusação:

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte disposi-tiva, desde que reconheça:VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

A corrente minoritária defende que, diante do princípio do in dubio pro reo, o ônus da prova recai totalmente sobre a acusação. Então, além de provar a existência de fato típico, autoria, relação de causalidade e elemento subjetivo, caso a defesa alegue a existência de ex-cludente de ilicitude, caberia à acusação fazer a prova negativa.

2 Há doutrinadores que defendem que o dolo é presumido e que sobre a acusação recairia apenas o ônus de provar a culpa.

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Por fim, necessário registrar que, no processo penal, não cabe inversão do ônus da prova, justamente por conta do princípio in dubio pro reo. A inversão consistiria na aplicação do in dubio pro societate, o que não é admitido no processo penal brasileiro para fim de con-denação. Tendo em vista a hierarquia constitucional da presunção de inocência, não cabe à lei invertê-la sob pena de inconstitucionalidade.

Atenção! Isso se aplica apenas ao direito de punir do Estado. Assim, é cabível a inversão do ônus da prova quanto aos efeitos civis da condenação. Ex.: a liberação de bens, direitos e va-lores apreendidos depende da demonstração da sua origem lícita.

11. GESTÃO DA PROVA PELO JUIZ

Importante discutir sobre os poderes instrutórios do juiz no processo. Conforme o art. 156 do CPP, há dois momentos em que o juiz teria esses poderes: na fase investigatória e no curso do processo. Analisemos quanto à fase investigativa:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:   (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipa-da de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessi-dade, adequação e proporcionalidade da medida;                 (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Observa-se que o caput do artigo afirma que esse poder existe “de ofício”. Entretan-to, esse dispositivo deve ser lido com certa cautela, uma vez que no processo penal brasileiro vigora o sistema acusatório. Tendo em vista que o mencionado sistema objetiva separar as funções de julgar, acusar e defender, com o propósito de se manter a imparcialidade do juiz, afastando-o da fase investigatória, a doutrina é uníssona em afirmar que sua atuação de ofí-cio não deve ser permitida.

Dessa forma, na fase investigativa, a atuação probatória do juiz somente ocorre com a provocação das partes, sendo ele um garante das regras, sob pena de prejuízo a sua impar-cialidade.

A doutrina fundamenta essa impossibilidade na semelhança do dispositivo com a redação do art. 3º da Lei nº 9.034/95, que previa a possibilidade de quebra de sigilo de dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais mediante diligência pessoal do juiz, sendo um verda-deiro juiz inquisidor. O STF declarou o art. 3º inconstitucional por haver violação à imparciali-dade e ao devido processo legal. Dessa forma, a mesma interpretação deve ser aplicada ao art. 156, I, do CPP.

Na fase processual penal, a atuação do juiz se dá do seguinte modo:

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Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:   (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

A doutrina e jurisprudência majoritárias admitem a atuação probatória do juiz no processo de forma subsidiária, supletiva, complementar, a fim de dirimir dúvida, tanto na ação penal pública quanto na privada. Não se permite que o magistrado se substitua às partes na produção de provas.

Essa possibilidade não compromete a imparcialidade do juiz, tendo em vista que ele não sabe se a prova a ser realizada irá beneficiar a defesa ou a acusação. Como afirma Renato Brasileiro (p. 615), “por mais que a ausência de poderes instrutórios do juiz seja uma caracte-rística histórica do processo acusatório, não se trata de uma característica essencial a ponto de desvirtuar o referido sistema”.

Ademais, o magistrado deve possibilitar a participação das partes na produção da prova, garantindo-lhes o direito de manifestação e exercício do contraditório, e, até mesmo, a possibilidade de produção de uma contraprova. Por fim, obviamente, a decisão do magistrado em atuar de ofício na produção de provas deve ser devidamente fundamentada.

A atuação subsidiária do magistrado encontra-se espalhada no CPP:

Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes. 

Art. 209.  O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemu-nhas, além das indicadas pelas partes.§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

Art. 212.  As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à tes-temunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Art. 234.   Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independen-temente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível.

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Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem consti-tuir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo pres-cricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. 

12. SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA

Os sistemas de avaliação da prova consistem na relação entre as provas produzidas e a decisão do magistrado. Existem três sistemas, a seguir detalhados.

12.1 Sistema do convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz ou da livre apre-ciação judicial da prova

De acordo com o sistema em questão, o magistrado possui ampla liberdade na va-loração das provas dos autos, tendo em vista que elas possuem todas o mesmo valor, devendo ele fundamentar sua decisão.

No entanto, o magistrado somente pode valorar as provas que estejam nos autos. Ainda, ele faz o controle sobre as provas ilícitas e ilegítimas.

A necessidade de fundamentação permite o controle da atividade jurisdicional, pos-sibilitando às partes conhecer dos motivos da decisão e recorrer delas, bem como permite o reexame dos argumentos em grau de recurso.

O sistema do convencimento motivado é o adotado em regra no processo penal brasileiro, conforme disposição constitucional e legal, respectivamente:

Art. 93 (...)IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua de-cisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investi-gação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Da adoção desse sistema decorrem os seguintes efeitos:

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I) Não há prova com valor absoluto, não há hierarquia de prova;

II) Somente devem ser valoradas as provas que constam nos autos;

III) O magistrado deve valorar todas as provas produzidas no processo, seja para concordar com elas ou refutá-las.

Apesar da disposição do art. 155 do CPP, existem exceções no processo penal brasi-leiro ao sistema do convencimento motivado, estando presentes o sistema da íntima convicção do magistrado e o sistema da prova tarifada, adiante explicados.

12.2 Sistema da íntima convicção do magistrado ou da certeza moral do juiz ou da livre con-vicção

Por esse sistema, o juiz é livre para valorar as provas como bem entender, inclusive as que não constam nos autos, sem a necessidade de fundamentar o sentido de sua decisão. Dessa forma, o juiz pode decidir conforme as provas dos autos, decidir sem considerar as pro-vas dos autos ou decidir contrariamente às provas dos autos.

Esse sistema é prejudicial às partes, tendo em vista que não possibilita identificar ao certo do que elas devem recorrer.

O sistema da íntima convicção foi adotado EXCEPCIONALMENTE no ordenamento jurídico brasileiro, em relação ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, tendo em vista que os jurados decidem de acordo com critérios subjetivos, não estando necessariamente vin-culados às provas apresentadas, sendo possível decidirem contrariamente a elas, nem haven-do a necessidade de fundamentação, já que possuem como garantia o sigilo dos votos (art. 5º, XXXVIII, da CF/88).

12.3 Sistema da prova tarifada ou das regras legais ou da prova legal

Trata-se de sistema próprio do sistema inquisitivo do processo penal. Nele, as provas já possuem um valor probatório previamente fixado em abstrato pelo legislador, estando o ma-gistrado necessariamente vinculado a ele, cabendo-lhe apenas a verificação de quais provas valem mais para decidir.

No sistema da prova tarifada, a confissão é a rainha das provas, prevalecendo sobre todas as demais, enquanto que uma única testemunha não é suficiente para comprovar um fato.

Existem resquícios do mencionado sistema no CPP brasileiro, principalmente quan-to ao estado civil das pessoas:

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Art. 155 (...)Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observa-das as restrições estabelecidas na lei civil.Art. 92.  Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cí-vel seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente.

Súmula 74-STJ: Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.

Dessa forma, no processo penal, somente pode se provar que uma pessoa é casada mediante a apresentação da certidão de casamento; somente é possível provar a menoridade com a verificação da data na certidão de nascimento; o óbito só se verifica com a certidão de óbito, etc.

COMO ISSO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS

Ano: 2017 / Banca: CESPE / Órgão: DPU / Prova: Defensor Público Federal

Acerca dos sistemas de apreciação de provas e da licitude dos meios de prova, julgue o item subsequente.

Embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha adotado o sistema da persuasão racional para a apreciação de provas judiciais, o CPP remete ao sistema da prova tarifada, como, por exemplo, quando da necessidade de se provar o estado das pessoas por meio de documen-tos indicados pela lei civil.

( ) Certo( ) Errado

R - C

De modo semelhante, tem-se que a lei determina a obrigatoriedade do exame de corpo de delito para os crimes que deixam vestígios, porém com uma atenuação no caso de impossibilidade de realização:

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exa-me de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confis-são do acusado.

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Art. 167.   Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

13. PROVA ILEGAL

Conforme previsão no art. 5º, LVI, da CF/88, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Trata-se de garantia fundamental, tendo em vista que a busca da ver-dade real não deve ser feita a qualquer custo, sob pena de deslegitimação do sistema punitivo. De fato, é inadmissível que o Estado, com o objetivo de punir ilícitos, se utilize de ilícitos.

Para a compreensão do assunto, inicialmente, faz-se necessário esclarecer que pro-va ilegal consiste em violação de normas e princípios e é gênero, do qual são espécies a prova ilícita e a prova ilegítima, cuja diferença entres elas se segue:

Provas ilícitas

Quando obtida em violação de norma direito mate-rial, seja penal, seja constitucional.

Em regra, a violação se dá em momento anterior ao processo, fora dele, mas nada impede que seja tam-bém produzida em juízo.

Deve ser desentranhada dos autos.

Provas ilegítimas

Quando obtida em violação de norma de direito processual.

Em regra, sua produção ocorre no curso do processo.Gera nulidade, seja absoluta ou relativa.

O art. 157 do CPP positivou infraconstitucionalmente a inadmissibilidade de provas ilícitas:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Como o dispositivo não faz diferença se a norma violada é de caráter material ou processual, a doutrina diverge quanto a isso. Parte defende que abrange ambas, sendo todas as provas ilícitas. Outra parte defende que se deve interpretar como norma de direito material, aplicando-se às provas ilegítimas a teoria das nulidades.

A utilização de prova ilícita faz nascer o direito de exclusão (exclusionary rule), deven-do ser desentranhada dos autos:

Art. 157 (...)§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inad-missível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. 

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O desentranhamento imediato consiste em uma inutilização formal provisória, de modo que a prova possivelmente ilícita permanecerá na vara, separada dos autos, para even-tual retorno, caso haja reforma da decisão que a declarou ilícita. Observa-se que, além da exclu-são, a lei determina a inutilização da prova.

No caso de a sua inadmissibilidade ser declarada antes da audiência de instrução, a decisão desafia recurso em sentido estrito, em interpretação extensiva do art. 583, XIII, do CPP. No caso de não ser declarada a inadmissibilidade, é cabível habeas corpus, sem prejuízo de impugnação em preliminar de apelação. Se a ilicitude for reconhecida em audiência de instru-ção e julgamento e proferida a sentença, caberá apelação. Por fim, caberá revisão criminal se a ilicitude fundamenta condenação criminal transitada em julgado.

Por outro lado, a utilização de prova ilegítima gera sua nulidade, absoluta ou relati-va, utilizando-se os seguintes parâmetros:

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

Art. 565.  Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

Art. 566.  Não será declarada a nulidade de ato processual que não hou-ver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Por fim, a ilicitude de uma prova faz nascer o que a doutrina chama de prova ilícita por derivação.

13.1 Provas ilícitas por derivação: teoria dos frutos da árvore envenenada ou taint doctrine

Conforme define Renato Brasileiro (p. 625), “provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal”.

A título de exemplo, segue recente julgado do STJ:

Sem consentimento do réu ou prévia autorização judicial, é ilícita a pro-va, colhida de forma coercitiva pela polícia, de conversa travada pelo investigado com terceira pessoa em telefone celular, por meio do recur-so “viva-voz”, que conduziu ao flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

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STJ. 5ª Turma. REsp 1.630.097-RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 18/4/2017 (Info 603).

O flagrante, embora realizado de forma devida, foi ilícito porque a obtenção da infor-mação sobre a ação criminosa se deu de forma ilícita, qual seja, a coerção da polícia de que o investigado pusesse a conversa da ligação no viva-voz sem a prévia autorização judicial.

O fundamento dessa teoria é que a admissão de provas ilícitas por derivação poderia servir de leque para contornar a garantia do art. 5º, LVI, da CF/88. A ilicitude da prova originária, então, transmite-se às outras provas que dela derivem.

A teoria dos frutos da árvore envenenada foi criada pela jurisprudência norte-ameri-cana nos casos Silverthorne Lumber CO vs. US, Nardone vs. US e Miranda vs. Arizona (fruit of the poisonous tree), posteriormente, adotada pelos tribunais brasileiros, e finalmente positivada no CPP:

Art. 157 (...)§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Como transcrito acima, a teoria dos frutos da árvore envenenada encontra exceções (exceções à exclusionary rule) nas teorias trabalhadas a seguir.

13.2 Teoria da fonte independente (independent source doctrine)

Também com origem no direito norte-americano, nos casos Bynum vs. US e Murray vs. US, essa teoria prega que, se a prova foi obtida por uma fonte autônoma, legítima, que não tenha qualquer relação de dependência ou origem com a prova ilícita, não havendo vínculo causal, ela é admissível por não estar contaminada com a ilicitude da prova originária.

É necessário que essa ausência de nexo causal seja cabalmente demonstrada. Caso reste alguma dúvida, ainda que mínima, deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo, preva-lecendo a teoria da prova ilícita por derivação.

Encontra-se expressa no CPP brasileiro:

Art. 157 (...)§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

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Esclarece-se que, apesar de a parte final do dispositivo falar expressamente em “fon-te independente”, na realidade, ele se refere à teoria da descoberta inevitável, como será melhor explicado adiante. Dessa forma, a referência legislativa quanto à teoria da fonte independente é quando se fala do nexo de causalidade entre as provas.

13.3 Teoria da descoberta inevitável ou exceção da fonte hipotética independente (inevitable descovery limitation)

Enquanto que a prova produzida por uma fonte independente não possui nenhum nexo causal com a prova ilícita, a prova ilícita por derivação amparada pela teoria da descober-ta inevitável dela decorre, mas seria apurada de qualquer forma, independentemente daquela, sendo, pois, considerada válida. Assim, haveria outros elementos na investigação que levariam para aquela mesma prova derivada da prova ilícita.

Entretanto, ressalta-se que não basta um mero juízo de possibilidade de que a prova seria descoberta. É necessário um juízo de probabilidade, demonstrado pelas circunstâncias fáticas, em dados concretos.

Mais uma vez com origem norte-americana, aplicada no caso Nix vs. Williams--Williams II, a teoria da descoberta inevitável foi positivada no CPP:

Art. 157 (...)§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução crimi-nal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

Conforme mencionado no tópico anterior, quando o CPP fala de fonte independen-te, na realidade refere-se à teoria da descoberta inevitável, como demonstrado pela definição de fonte independente do art. 157, § 2º.

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COMO ISSO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS

Ano: 2014 / Banca: MPE-SC / Órgão: MPE-SC / Prova: Promotor de Justiça – Matu-tina

São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as deriva-das puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. É o que estabelece o Código de Processo Penal.

( ) Certo( ) Errado

R – C

13.4 Limitação da mancha purgada, dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída (purged taint)

Por essa teoria, o vício da prova ilícita por derivação seria afastado uma vez que o nexo causal entre a prova original e a decorrente seja atenuado pelo decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal. Ou seja, um aconteci-mento posterior convalidaria o vício da prova ilícita por derivação.

Teoria de exclusão elaborada pela Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Wong Sun vs. US, não há precedentes da adoção da limitação da mancha purgada no STF ou no STJ.

13.5 Exceção da boa-fé

A exceção da boa-fé foi reconhecida pela Suprema Corte dos EUA no caso US vs. Leon. Com base nela, a prova obtida não seria ilícita quando derivada de um mandado de busca e apreensão ilegal, mas com aparências de legalidade, havendo motivos razoáveis para o agente policial acreditar em sua validade, posteriormente considerado como não fundado em indícios necessários para sua expedição.

O fundamento dessa teoria é que a exclusionary rule é destinada a combater os ex-cessos e irregularidades da conduta policial e não a punir erros dos juízes, não havendo provas de que eles sejam inclinados a ignorar ou subverter a 4ª emenda americana ou para acreditar que a exclusão da prova haveria um efeito dissuasivo significativo sobre eles.

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Ou seja, a prova seria aceita já que sua obtenção deu-se em uma situação de erro ou ignorância e não pela vontade de quem comandava as investigações.

Não há registros de sua aplicação pelo STF ou STJ.

13.6 Teoria do risco

Segundo essa teoria, quem faz confissão espontânea de um delito a alguém que não tenha o dever legal de sigilo assume o risco de que a informação seja registrada ou divulgada. Dessa forma, não haveria violação ao direito de intimidade pela utilização de escutas, filma-gens e fotografias.

Não há precedentes no STF ou no STJ de aplicação expressa da teoria do risco. Entre-tanto, os Tribunais Superiores reconhecem a admissibilidade de gravações realizadas por um dos interlocutores da conversa, ainda que sem o conhecimento do outro, desde que não haja a proteção do sigilo, como no caso de advogados, médicos, padres, etc.

Na mesma linha de raciocínio, são consideradas válidas as gravações feitas por câ-meras de sistemas de segurança instaladas em estabelecimentos, não havendo que se falar em direito à intimidades, uma vez que se tratam de locais públicos.

13.7 Limitação da destruição da mentira do imputado

Adotada pela Suprema Corte dos EUA no caso Walder vs. US, a prova ilícita não pode ser utilizada para condenar o acusado, mas o pode para demonstrar que ele estaria mentido.

Não há precedentes no Brasil de adoção da limitação da destruição da mentira do imputado. Por outro lado, não haveria fundamento, uma vez que, no processo penal brasileiro, ao contrário do processo penal americano, o acusado não comete crime em mentir, tendo em vista que não tem o dever de falar a verdade.

13.8 Doutrina da visão aberta

No direito norte-americano, a inviolabilidade de domicílio é protegida inclusive no caso de flagrante delito. Dessa forma, ao adentrar em domicílio do investigado, além de ser necessário um mandado de busca e apreensão, não serão válidas provas recolhidas relativas a crime diverso, ainda que permanente e ainda que em flagrante delito.

Assim, nasceu a doutrina da visão aberta, a qual defende que a prova recolhida re-lativa a delito diverso ao do mandado não será ilícita se encontrada por estar à plena vista do agente de polícia, visível ou ao alcance de todos, e de maneira casual.

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Não há registros de adoção da mencionada doutrina no Brasil, até porque a inviola-bilidade de domicílio é constitucionalmente mitigada no caso de flagrante delito em seu inte-rior (art. 5º, XI). Ademais, essa doutrina encontra certa semelhança com a teoria do encontro fortuito de provas.

13.9 Teoria do encontro fortuito de provas ou serendipidade

O encontro fortuito de provas se aplica quando, havendo o cumprimento de diligên-cia pela autoridade policial para apurar um delito, há a descoberta de elementos relativos a ou-tros delitos ou até mesmo outros agentes, que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação.

Dessa forma, a validade das provas fortuitamente encontradas dependerá da valida-de da diligência que lhe deu origem. Caso regularmente autorizada, ainda que para a investiga-ção de um crime distinto e determinado, as provas obtidas não serão ilícitas.

É o caso, por exemplo, de uma busca e apreensão em busca de documentos que pro-vem o delito de lavagem de dinheiro, mas quando a polícia adentra a residência, descobre um laboratório de produção de drogas. Considerando ser crime permanente, o agente encontra-se em estado de flagrância, sendo legítimas as provas apreendidas relativas ao delito de tráfico.

Outro caso comum é o de interceptações telefônicas devidamente autorizadas pela autoridade judiciária, por meio das quais se descobrem outros delitos sem relação com o origi-nariamente investigado ou mesmo outros agentes do delito originário. É plenamente possível a utilização dessas informações para embasarem denúncia pela infração descoberta.

A serendipidade é amplamente reconhecida pela jurisprudência nacional:

É lícita a apreensão, em escritório de advocacia, de drogas e arma de fogo, em tese pertencentes a advogado, na hipótese em que outro ad-vogado tenha presenciado o cumprimento da diligência por solicitação dos policiais, ainda que o mandado de busca e apreensão tenha sido expedido para apreender arma de fogo supostamente pertencente a es-tagiário do escritório – e não ao advogado – e mesmo que no referido mandado não haja expressa indicação de representante da OAB local para o acompanhamento da diligência.STJ. 5ª Turma. RHC 39412/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 03/03/2015 (Info 557).

O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal de-

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terminada para apuração de outros crime não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito.Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipida-de, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação.STJ. 6ª Turma. HC 282096/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/04/2014 (Indo 539).

O réu estava sendo investigado pela prática do crime de tráfico de dro-gas.Presentes os requisitos constitucionais e legais, o juiz autorizou a inter-ceptação telefônica para apurar o tráfico.Por meio dos diálogos, descobriu-se que o acusado foi o autor de um homicídio.A prova obtida a respeito da prática do homicídio é LÍCITA, mesmo a in-terceptação telefônica tendo sido decretada para investigar outro delito que não tinha relação com o crime contra a vida. Na presente situação, tem-se aquilo que o Min. Alexandre de Moraes chamou de “crime achado”, ou seja, uma infração penal desconhecida e não investigada até o momento em que, apurando-se outro fato, desco-briu-se esse novo delito. Para o Min. Alexandre de Moraes, a prova é considerada lícita, mesmo que o “crime achado” não tenha relação (não seja conexo) com o delito que estava sendo investigado, desde que tenham sido respeitados os requisitos constitucionais e legais e desde que não tenha havido desvio de finalidade ou fraude. STF. 1ª Turma. HC 129678/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/6/2017 (Info 869).

13.10 Limitação da renúncia do interessado

Também relativamente à inviolabilidade domiciliar no direito norte-americano, há a discussão sobre a possibilidade de o consentimento do sujeito afastar eventual nulidade de diligência realizada por agentes policiais sem a prévia autorização judicial.

Essa discussão não encontra respaldo no Brasil, uma vez que o consentimento do morador é constitucionalmente previsto como hipótese de autorização de ingresso em domi-cílio.

Sua discussão caberia, no entanto, em relação ao lixo produzido por sujeito alvo de investigações. Assim, o lixo no interior da casa goza da inviolabilidade, mas, uma vez descar-

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tado, entende-se que haveria renúncia ao direito de intimidade, sendo possível sua apreensão independentemente de autorização judicial.

13.11 Limitação da infração constitucional alheia

A partir dessa limitação, a ilicitude da prova somente poderia ser invocada pelo su-jeito titular do direito fundamental violado. J Essa teoria não encontra respaldo no ordena-mento brasileiro.

13.12 Limitação da infração constitucional por pessoas que não fazem parte do órgão policial

Outra limitação derivada do direito norte-americano, onde a teoria sobre a ilicitude das provas objetiva coibir os abusos da polícia. Dessa forma, a ilegalidade somente existiria se praticada por agente policial, não se cabendo falar quando praticada por outros agentes do Estado ou particulares.

No Brasil, não interessa quem produziu a prova ilícita, se o Estado ou particular, au-toridade policial ou não, de modo algum ela é aceita.

14. PROCEDIMENTO PROBATÓRIO

Em linhas gerais, as fases do procedimento probatório são as seguintes:

Proposição

Momento de requerer as provas a serem produzidas. Em regra, ocorre na inicial acusatória e na resposta à acusação, não sendo preclusiva.Exceção: a apresentação de rol de testemunhas

deve necessariamente ocorrer nos momentos aci-ma, sob pena de preclusão. Entretanto, ainda que preclusa, o magistrado pode ouvir as testemunhas como do juízo.

AdmissãoO juiz autoriza a produção da prova requerida pelas partes ou a introdução aos autos das provas pré--constituídas.

Produção e contraditório

É quando se dá a confecção das provas. Ex.: oitiva das testemunhas, produção de perícia, etc.Após, as provas produzidas são submetidas à possi-bilidade de manifestação da outra parte.Caso sejam provas pré-constituídas, já serão encami-nhadas ao contraditório.

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Valoração

É o momento de decisão do magistrado, cabendo a ele a fundamentação sobre cada prova produzida nos autos. Cabe também o afastamento das provas ilícitas e ilegítimas.

15. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL PARA PRODUÇÃO PROBATÓRIA

A cooperação jurídica internacional já era disposição de diversos tratados interna-cionais assinados pelo Brasil, inclusive relativos à investigação de crimes de caráter transnacio-nal, cujo objetivo é facilitar a persecução penal.

A cooperação jurídica internacional é, portanto, instrumento de colaboração entre Estados para a realização de um procedimento que interessa a um deles ou a ambos.

O CPC/15 inovou na positivação da matéria em lei interna, a despeito da incorpo-ração dos tratados dos quais o Brasil é parte. Ademais, ele reconheceu expressamente como objeto da cooperação jurídica internacional a produção de provas:

Art. 27.  A cooperação jurídica internacional terá por objeto:II - colheita de provas e obtenção de informações;

Dessa forma, é plenamente possível a aplicação subsidiária da disposição do novo CPC ao processo penal, com fundamento no art. 3º do CPP.

A colheita de provas se dá, em regra, pelo auxílio direto:

Art. 30.  Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:II - colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;

O auxílio direto pode ser ativo, quando o Brasil é o Estado requerente da medida, ou passivo, quando o Brasil é o Estado requerido. Dessa forma, fica evidente que o Brasil tanto pode colaborar na colheita de prova de interesse de outro país quanto pode ser o agente que requer a colaboração.

Sobre o assunto, atentar a julgados do STJ:

Não há ilegalidade na utilização, em processo penal em curso no Brasil, de informações compartilhadas por força de acordo internacional de cooperação em matéria penal e oriundas de quebra de sigilo bancário

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determinada por autoridade estrangeira, com respaldo no ordenamen-to jurídico de seu país, para a apuração de outros fatos criminosos lá ocorridos, ainda que não haja prévia decisão da justiça brasileira auto-rizando a quebra de sigilo.Com base nesse entendimento, o STJ julgou válida a utilização, em pro-cesso penal no Brasil, de informações bancárias sigilosas obtidas pela justiça dos Estados Unidos e trazidas para o processo aqui por força do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT).STJ. 5ª Turma. HC 231633/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 25/11/2014 (Info 553).

A utilização pelo Ministério Público de documentos enviados por outros países para fins de investigação por meio de cooperação jurídica inter-nacional é legítima mesmo não havendo ainda legislação específica no Brasil regulamentando o tema. Isso porque a transferência de procedi-mento criminal encontra abrigo em convenções internacionais sobre coo-peração jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumem status de lei federal.Dessa forma, é legítima a providência da autoridade brasileira de, com base em material probatório obtido da Confederação Suíça, por sistema de cooperação jurídica internacional, investigar e processar o congressis-ta em questão pelo delito de evasão de divisas, já que se trata de fato de-lituoso diretamente vinculado à persecução penal objeto da cooperação, que tem como foco central delitos de corrupção e lavagem de capitais.STF. Plenário. Inq 4146/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/6/2016 (Info 831).

COMO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS DE DEFENSORIA PÚBLICA

DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL – DPE/GO – 2014 – BANCA: UFG

Em que consiste o fenômeno jurídico da serendipidade? Explicite os casos em que a serendipida-de vem sendo expressamente admitida pelo Superior Tribunal de Justiça no contexto de inter-ceptações telefônicas.

RESPOSTA

A serendipidade consiste na descoberta fortuita de provas ou fontes de provas, por meio do cumprimento de uma diligência investigativa regular, referentes a delitos ou sujeitos que não são objeto da investigação desenvolvida e que não estavam na linha de desdobramento normal da investigação.

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O STJ tem admitido a serendipidade quando da realização regular de interceptações telefônicas, por meio das quais a autoridade policial toma conhecimento de outros delitos diver-sos daqueles que ensejaram a quebra do sigilo ou outros sujeitos envolvidos no delito, mesmo que não relacionadas com a medida requerida.

Dessa forma, a Corte tem entendido que as provas obtidas relativas a novos delitos ou novos sujeitos não serão ilícitas, desde que a diligência que lhe deu origem não o seja e ainda que não tivessem relação com o crime investigado inicialmente.

Ressalta-se que o STF possui entendimento no mesmo sentido, de forma que a prova relativa ao “crime achado”, ainda que não tenha relação com o crime originariamente investiga-do, é lícita se a diligência que lhe deu origem também for.