acir radião

10
Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos Finalmente voce vai conhecer a arte e a filosofia do Caboclo

Upload: gente-de-atibaia

Post on 08-Apr-2016

220 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Caboclo bom tá ai, ele fica olhando de esguelha, nem pisca os olhos na hora que fica vendo os outros fazerem qualquer coisa. Dez minutos depois, se precisar, quem faz é ele. Sempre foi assim, desde criança. Foi assim sim, que aprendeu a plantar, a colher, a fazer, a guiar e até a dirigir trator. Forte feito um touro, Caboclo encarava serviço pesado, derrubava mato, carregava pedra quando era preciso e foi isso até que a espinha quase vergou. “Tive que parar e só fazer serviço mais leve”. Se bem que o serviço que ele faz e já fez nunca foi tão leve assim. Esse Caboclo, na verdade, se chama Acir Radião, nome que também teria um Petrovsky, que ele nunca assina.

TRANSCRIPT

Page 1: Acir Radião

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

Finalmente voce vai

conhecer a arte e a

filosofia do Caboclo

Page 2: Acir Radião
Page 3: Acir Radião

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

Page 4: Acir Radião

Texto: Edgard de Oliveira BarrosFoto: Jean Takada

Caboclo bom tá ai, ele fica olhando de esguelha, nem pisca os olhos na hora que fica vendo os outros fazerem qualquer coisa. Dez minutos depois, se precisar, quem

faz é ele. Sempre foi assim, desde criança. Foi assim sim, que aprendeu a plantar, a colher, a fazer, a guiar e até a dirigir trator. Forte feito um touro, Caboclo encarava serviço pesado, derrubava mato, carregava pedra quando era preciso e foi isso até que a espinha quase vergou. “Tive que parar e só fazer serviço mais leve”. Se bem que o serviço que ele faz e já fez nunca foi tão leve assim. Esse Caboclo, na verdade, se chama Acir Radião, nome que também teria um Petrovsky, que ele nunca assina.

Page 5: Acir Radião

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

Acir só se chama de Caboclo porque para ele todos na vida são caboclos. “Eu chamava todo mundo de caboclo e todos os caboclos resolveram me chamar de caboclo.” Caboclo é um artista desses que não se encontra toda hora por aí. Faz arte com a natureza. Sai por aí para podar e cortar árvores, serviço que rende bem e ele fica sempre com o melhor. “Melhor para mim são os troncos, os ga-lhos, os pedaços”, explica. Ele enxerga longe e vê como ninguém o melhor das árvores. “As árvores são feitas de pedaços. Como as pessoas. Quando não têm base boni-ta, tronco bonito ou galhos bonitos, têm raízes lindas. Eu aproveito o que elas têm de melhor.”

Quem passa pela Jerônimo de Camargo, ali onde era o lixão e onde agora funciona a Usina de Reciclagem de Atibaia dá de cara com as artes que Caboclo faz com a madeira. Bancos, banquetas, mesas, cadeiras, tudo rústi-co. Lindamente rústico. Arte pura. Peças iguais, talvez, às usadas num passado distante. Naquelas casas coloniais, aqueles bancos que parecem ter saído de um filme.

Caboclo, que já tem 39 anos de idade, está ali no peda-ço com a família há cinco. “Eu, a Solange Rodrigues Leal Radião, minha mulher e minhas filhas Tabatta, Thelma e Tainara.” Chamar Caboclo de Acir é não querer resposta, pois o filho de Elias Radião Petrovsky, um russo hoje com 98 anos, só se conhece mesmo como Caboclo. “E eu sou caboclo mesmo. Meu avô imigrou para o Brasil e foi para o campo. Acho que foi durante a guerra. A primeira. Ele teve propriedades, fazendas e tal. Meu pai também foi dono de terras. Vai ver os negócios não saíram tão bem e ele passou mal. Se recuperou, voltou a ficar bem, enfim, viveu...” Foi com o pai que Caboclo aprendeu a lida do campo, do gado, da vida que viveu no Estado do Paraná, onde nasceu.

“Eu até ganho bem, mas invisto muito.” Anda por aí olhando e procurando madeira para criar arte. “Gosto

Page 6: Acir Radião
Page 7: Acir Radião

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

de ensinar. Faço tudo pros caboclos aprenderem. Pego os caboclos, sem experiência, sem nada, para trabalhar comigo. Trabalham de ameia. O que der a gente racha. Já fez isso com muita gente.” Não gosta de quem derruba árvores ilegalmente. Adora quando alguém chega e diz: “Ô caboclo, preciso cortar umas árvores. Já tenho autori-zação. Vai lá e pega a madeira pra você...”

Caboclo não tem religião. “Leio a bíblia. Penso que não é por acaso que a gente está aqui, não é por acaso que a gen-te sofre. A gente sofre é para aprender”, filosofa. “Sempre gostei de mexer com madeira. Olho para os troncos, para as árvores como quem vê uma mulher bonita. Vejo coisas diferentes do que as pessoas veem. Acho que as árvores também têm espírito. Eu não gosto de cortar árvores. Só quando tem que cortar mesmo. Só trabalho com árvore morta. Fico olhando, imaginando as figuras formadas por galhos, por troncos.” Caboclo transforma qualquer pedaço de madeira em uma peça rara, útil, obra de arte pura. “Ninguém me ensinou. Aprendi prestando atenção em quem trabalhava a madeira. Vivo vendo coisas, vou pensando e imaginando. Passo o dia inteiro ruminando no que fazer com um tronco de árvore. Fico prestando atenção em tudo, vou aprendendo.”

Muito peso, muito trabalho, não é fácil derrubar ou re-tirar uma árvore de algum lugar. “Muita gente me cha-ma e eu sempre procuro alguém para me ajudar. Chego a pagar 250 reais por dia pelo trabalho do caboclo. Não gosto quando o caboclo trabalha devagarzinho pro tem-po passar e ele ganhar outro dia de trabalho. Eu corto e aproveito toda a madeira.”

Faz o que quer com a madeira, “só não sei esculpir. Te-nho uma parceira, uma amiga que também trabalha com madeira há muito tempo.” Caboclo gosta é de criar. Diz que até dá bom dinheiro. Vai estocando a madeira que corta e encontra por aí. Guarda em propriedades de ami-

Page 8: Acir Radião

gos. “A madeira precisa ficar esparramada, jogada no tempo para enxugar. Depois vai para um barracão e fica descansando. Tem madeira que demora muito para ser trabalhada.”

Dia destes Caboclo aprendeu que madeira de paineira é ótima para se fazer violão. “Descobri um rapaz que tra-balha nos Estados Unidos e dá aulas de violão por lá. Ele faz violões com madeira de paineira. Comecei a cortar pedaços de madeira e ele levava para os Estados Unidos. Eu vendia por cinquenta reais o pedaço. Ele leva de pou-quinho por vez, faz e vende violões para pessoas famosas. Vende por um dinheirão...”

Para ele, toda madeira é boa. “Precisa ser bem traba-lhada.” Bom de negócio, diz que seu preço é justo. “Já sou bem conhecido nas artes por aí”, gaba-se. Caboclo tem trabalho seu até em Hollywood. “Uma senhora famosa que mora lá tem uma propriedade aqui em Atibaia. Ela trabalha com cinema. Um dia pediu que eu cortasse e aparasse umas árvores na chácara dela, ali pelos lados da Usina. Aproveitei uns tocos de madeira para fazer umas banquetas bem simples, bem pequenas. Ficaram muito bonitas. A mulher levou as banquetinhas pra casa dela em Hollywood. Disse que tem uma porção de gente de lá querendo as banquetinhas...”

Caboclo sorri e diz que é conhecido no Rio de Janeiro e em outros Estados. “Meus trabalhos estão por aí no Bra-sil. Tudo começou quando fiquei com a coluna ruim sem poder trabalhar fazendo força. Comecei a criar e desen-volver minha técnica. Já deu bem. Até para trocar a lixa-deira bem velha e simples do começo. Fui teimando e já fiz muito trabalho para gente famosa da arte no mundo. Atores, artistas. Eles chegam aqui no meu buraco e ficam até assustados. Como é que eu posso fazer coisas que eles acham tão bonitas num lugar tão abandonado e tão tosco como esse...”

Page 9: Acir Radião

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

Convenhamos que o “estúdio” do Caboclo é muito me-nos do que aquilo que se pode chamar de “simples”... “O importante é que meu trabalho é bom e vende logo. Eu faço um banquinho, deixo exposto na calçada, passa gente e leva. Sempre alerto o comprador que o móvel até pode ficar exposto ao tempo, mas é bom evitar. Porque não se trata de móvel feito com peroba ou madeira de lei. Trabalho com madeiras menos nobres que recebem um bom tratamento para durar muito tempo.” Caboclo diz que seu trabalho tem preço justo. “Um banquinho des-ses pode ir de cem até duzentos reais. Tudo depende do tamanho da prancha e da madeira.” Feliz da vida está re-formando um jeep bem antigo para ajudar na entrega das peças e para entrar no meio das florestas.

“O lugar onde estou, o antigo lixão, ficou muito bom agora. Antes era tudo abandonado, tudo largado, ago-ra dá até para andar com chuva e tudo. Claro que tem problemas, tem muito pessoal viciado. Precisava que al-guém ajudasse nisso. Precisava.” Caboclo chegou no lu-gar há cinco anos. Pagou cinco mil reais pelo seu pedaço. “Aqui era da Fepasa. Se um dia eles vierem eu vou falar: eu compro. Eu queria fazer uns melhoramentos, ficar fa-zendo bancos direto. Dá para fazer até uns três bancos por dia.” Caboclo ajuda todo mundo que quer aprender. “Já ensinei muita gente. Até crianças. Eu queria ensinar mais crianças, mas dizem que não pode. Não pode e as crianças ficam largadas e são aproveitadas para coisas bem piores. Até para transportar drogas...”

Faz questão de dizer que o atual prefeito “mandou” bem no lugar. “Asfaltou. Aqui tem muita gente séria. Se tem vagabundo é vagabundo que vem de fora. Já ensinei muita gente, mas, às vezes o vício não deixa, a pessoa de-siste. Bebem, fumam, ficam loucões, pega mal para quem passa ou vem comprar.” Caboclo é vendedor nato, um ar-tista. “Não tenho funcionário, tenho é sócios, parceiros.

Page 10: Acir Radião

Se eu ganho, todo mundo ganha.” Pouco se importando com sua aparência se veste mal, um calção, uma roupa velha, uma camiseta enrolada na cabeça. “Aprendi isso com japonês. A camisa em volta da cabeça impede que o suor caia no olho da gente...”

Caboclo sonha. “Inteligente é o caboclo que perde um dia sentado olhando alguém fazer, prestando atenção fir-me até conseguir aprender o que o outro caboclo esta-va fazendo. Quando aprendeu o caboclo vai para frente.” Caboclo sonha muito. Já teve convites para trabalhar em lugares, digamos mais apresentáveis... E para se associar com pessoas que financiariam seus projetos. Só que ele não quer. “Fico por aqui. Quero criar um local onde a criançada do lugar possa brincar e se divertir.” Caboclo está construindo uma casinha de boneca em um terreno que fica próximo ao seu “estúdio”. Ele vai cercar e pro-teger esse lugar para a garotada brincar, aprender, estar junta, socializar. Ele imagina e sonha que um dia o pre-feito vai até o seu pedaço, vai ver o seu sonho. Caboclo es-pera esse dia para pedir ajuda e realizar o seu sonho. Na cabeça do Caboclo, tem um dia marcado que o prefeito vai chegar e a criançada vai ganhar sim um lugar gosto-so para ficar e brincar. Da mesma forma que vai chegar o dia da Elektro mudar o padrão. Apesar de toda sua força Caboclo precisa demais que a Elektro dê mais força para a energia do lugar. ■