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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ....VARA DE FAMÍLIA
DE BELO HORIZONTE/MG
“Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica, fora disso sou doido, com todo o direito de sê-lo”
Fernando Pessoa
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por
seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas
atribuições legais, com fulcro no disposto nos artigos 9º, 10
e 11, alínea “a”, do Decreto nº 24.559/34; art. 29 do
Decreto-lei nº 891/38; artigos 6º, caput e seu inc. III, e
9º, ambos da Lei Federal n.º 10.216/2001; na Portaria GM n.º
2.391/2002 do Gabinete do Ministro da Saúde; na Lei estadual
nº 11.802/95; na Lei estadual 12.684/97; no Decreto nº
42.910/02; na Lei nº 10.741/03 (ESTATUTO DO IDOSO); vem,
perante Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO PARA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA
em face de Vladimir Gonçalves, brasileiro,
solteiro, maior, desocupado, residente e domiciliado na Rua
São Roque, nº 1320, ap. 403, bairro Sagrada Família, em Belo
Horizonte, pelas razões expostas adiante.
1 – Dos Fatos
Conforme consta dos autos do Procedimento
Preparatório de nº 922 (em anexo), que tramitou perante esta
3ª Promotoria de Justiça da Saúde de Belo Horizonte, o
requerido Vladimir Gonçalves, de 31 anos de idade, é portador
de CID 10 F.20.0 (Esquizofrenia) e F. 19.0 (Transtornos
mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas
e ao uso de outras substâncias psicoativas), e já fez
tratamento no Hospital Galba Veloso (atendimentos na urgência
e internação), no CERSAM (em regime de internação e
permanência-dia), e no Centro de Saúde Sagrada Família.
Emerge, ainda, do referido procedimento
preparatório que, no dia 03 de junho de 2008 (fl. 10),
compareceu nesta Promotoria de Justiça a Sra. Vanda Maria
Cordeiro, de 70 anos de idade, mãe do usuário Vladimir
Gonçalves, solicitando fosse garantida a transferência de seu
filho para o Hospital Galba Veloso, onde acredita que o mesmo
receberia melhor atendimento. Esclareceu, na oportunidade,
que seu filho foi internado no CERSAM (Centro de Referência
em Saúde Mental) Leste, na sexta-feira dia 30/05/2008, de
onde evadiu, desde então, por 04 (quatro) vezes, foi
localizado e novamente conduzido ao CERSAM, encontrando-se
muito agressivo e a ameaçando de morte, caso ela não compre
um carro para ele. Informou, também, que, quando o usuário
foi encontrado, ela solicitou ao CERSAM e ao SAMU que ele
fosse encaminhado à Santa Casa e, depois, ao Hospital Galba
Veloso, mas ele foi levado à Santa Casa e depois ao CERSAM,
razão pela qual decidiu dormir na casa de uma filha, temendo
ser agredida. Asseverou, por fim, que, em outra ocasião, o
usuário já ameaçou a síndica do prédio e feriu com um
estilete um vizinho, acreditando que no Hospital Galba Veloso
o filho não conseguirá fugir.
No dia 06 de junho de 2008 (fl. 10), o Dr. Júlio,
profissional do CERSAM Leste, após contatado por esta
Especializada, informou que na última fuga o usuário cometeu
um furto e a polícia chegou a detê-lo, liberando-o de volta
ao CERSAM após constatar que se tratava de portador de
sofrimento mental. Atestou, ainda, que seus roubos são para
aquisição de drogas, já que ele é usuário de cocaína e
psicótico, apresentando agressividade direcionada à mãe, o
que se agrava com o uso de droga.
No dia 09 de junho de 2008 (fl. 12), através de uma
ligação telefônica, a Sra. Vanda informou que seu filho
evadiu novamente do CERSAM, no dia 08/06/2008, mas ela o
encontrou e o conduziu de volta àquela unidade de saúde,
estando o mesmo tranqüilo, embora delirante, ameaçando-a caso
ela não lhe dê um carro de presente: “Vou te quebrar toda”.
Na oportunidade, a declarante reafirmou seu pedido de
transferência do usuário para o Hospital Galba Veloso, a fim
de se evitar novas fugas, assim como de protegê-la de suas
ameaças.
Em ofício encaminhado a esta Especializada pelo
CERSAM Leste, datado em 11/06/2008 (fls. 13/14), registrou-se
que todas as intervenções de tratamento tiveram um “certo
fracasso quanto à remissão dos sintomas produtivos do
sofrimento mental”; que no início de 2008 houve uma nova
desestabilização do quadro psiquiátrico, que piorou nos meses
de abril e maio de 2008, determinando sua internação no
CERSAM, a partir de 31/05/2008, onde recebeu tratamento
psiquiátrico e terapêutico; que apesar de o tratamento
dispensado ao usuário ter sido direcionado dentro dos
princípios da Reforma Psiquiátrica, apesar da revisão da
medicação, e apesar do acolhimento das demandas do usuário,
ocorreram fugas, que colocaram em risco o usuário e sua mãe;
que no dia 10/06/2008, o paciente foi liberado da pernoite.
No dia 11 de junho de 2008 (fl. 15), esta 3ª
Promotoria de Justiça da Saúde recebeu uma ligação telefônica
da Sra. Vanda M. Cordeiro, mãe do usuário, informando que ele
havido recebido alta médica do CERSAM Leste, tinha sido
encaminhado para permanência-dia na referida unidade de
saúde, estava delirante no momento da alta, mas sem lhe fazer
ameaças, havia dormido em casa, mas logo de manhã saiu e não
voltou a ir ao CERSAM, e foi visto em praça pública fazendo
uso de drogas.
No dia 16 dos mesmos mês e ano, a Sra. Vanda, após
contatada pela psicóloga desta Promotoria de Justiça, com o
objetivo de que esclarecesse sobre o tratamento dispensado ao
usuário pelo CERSAM Leste, afirmou que Vladimir permanece
duas vezes por semana em permanência dia, que tem ficado em
uma praça pública fazendo uso de drogas ilícitas, que a noite
vai para casa e que voltou a ameaçá-la, caso ela não lhe dê
um carro.
Não bastasse, insta registrar que o Sr. Vladimir já
figurou como autor do fato em boletim de ocorrência
confeccionado no dia 04 de junho de 2008, pela prática da
contravenção de vias de fato contra sua mãe, conforme o
seguinte histórico da ocorrência:
“SOLICITANTE COMPARECE A ESTA UNIDADE POLICIAL PARA
RELATAR QUE ESTÁ SENDO VÍTIMA DE AGRESSÃO FÍSICA POR
PARTE DO PRÓPRIO FILHO, DE NOME VLADIMIR GONÇALVES, O
QUAL É ESQUIZOFRÊNICO, E JÁ ESTEVE VÁRIAS VEZES
INTERNADO PARA TRATAMENTO, ONTEM A AGREDIU, CONTUDO NÃO
DEIXOU LESÕES APARENTES. PEDE E ESPERA PROVIDÊNCIAS”
De outra banda, em consulta feita no TJMG,
constatou-se que o usuário tem contra si 02 (dois)
procedimentos no Juizado Especial Criminal por crime contra a
pessoa, e 01 (um) na 3ª Vara Criminal do Fórum Lafaiete, por
crime contra o patrimônio.
Em pesquisa junto ao Juizado Especial Criminal/BH,
pôde-se observar que o usuário transacionou em um
procedimento por crimes do art. 150 e 163 do CPB, tem contra
si 02 (dois) inquéritos por lesão corporal, teve extinta sua
punibilidade por cumprimento de suspensão condicional de
processo da Justiça Comum, por crime previsto no art. 155 c/c
art. 14, II, ambos do Código Penal, e responde a um processo
(em instrução) por crime previsto no art. 163, P.U., IV, do
Código Penal.
Note-se que a prática das infrações acima
mencionadas certamente está relacionada ao consumo de drogas
e ao quadro psiquiátrico do usuário, o que demonstra que,
após fazer uso de drogas, fica agressivo, passando a ter
comportamento desmedido e incontrolado, o que, por si só,
poderá vir a ter conseqüências muito mais sérias e graves do
que as que até agora ocorreram.
Isso se coaduna com o teor das declarações de sua
mãe e evidencia que é fundado o temor de ela vir a ser
novamente agredida por Vladimir.
Pontofinalizando, no dia 25 de junho de 2008, após
determinação deste subscritor, o psiquiatra deste órgão de
execução, Dr. Carlos Reiff Miranda, lavrou o parecer técnico
de fls. 16/17, concluindo:
“Considerando-se que a Esquizofrenia Paranóide (CID 10.
F20.0) é um transtorno mental grave, que no caso
específico do usuário em tela, tem cursado com sintomas
resistentes ao tratamento empregado (segundo informação
de sua mãe), fugas do CERSAM e agressividade contra
terceiros (tem feito repetidas ameaças de matricídio,
caso a mãe não lhe dê um carro.
Considerando-se que o usuário tem história de
heteroagressividade consumada (feriu um vizinho com
estilete-SIC).
Considerando-se que os sintomas impulsivos na
Esquizofrenia se agravam com o uso de drogas como a
cocaína.
Considerando-se que os técnicos do CERSAM fizeram
também o diagnóstico de CID 10 F.19 (transtorno mental
e de comportamento decorrente do uso de múltiplas
drogas e do uso de outras substâncias psicoativas).
Considerando-se que, apesar o tratamento de quadros
psicóticos se torna mais difícil quando há também o uso
de drogas.
Considerando-se que, apesar do tratamento humanizado
que os técnicos do CERSAM relataram dispensar ao
usuário, dentro dos Princípios da Reforma Psiquiátrica,
o mesmo não se estabilizou e continua oferecendo risco
para si e para terceiros, através do uso de drogas, o
que agrava ainda mais seu quadro psicótico. (grifo
nosso)
Considerando-se que a internação hospitalar faz parte
das modalidades de tratamento propostas pela Reforma
Psiquiátrica.
Considerando-se que o CERSAM Leste não conseguiu evitar
as fugas do usuário durante tratamento integral (24
horas) neste unidade de saúde. (grifo nosso)
Considerando-se que a singularidade de qualquer cidadão
Deva ser respeitada até o limite em que essa
singularidade não coloque em risco a vida de terceiros
ou a do próprio cidadão, sugerimos que o usuário seja
internado compulsoriamente.
2 – Dos transtornos mentais diagnosticados com o usuário
Uma classificação de doenças pode ser definida como
um sistema de categorias atribuídas a entidades mórbidas
segundo algum critério estabelecido. Existem vários eixos
possíveis de classificação e aquele que vier a ser
selecionado dependerá do uso das estatísticas elaboradas. Uma
classificação estatística de doenças precisa incluir todas as
entidades mórbidas dentro de um número manuseável de
categorias.
A Décima Revisão da Classificação Internacional de
Doenças e de Problemas Relacionados a Saúde é a última de uma
série que se iniciou em 1893 como a Classificação de
Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte. Uma
revisão completa dos antecedentes históricos da classificação
é apresentada no Volume 2. Ainda que o título tenha sido
alterado visando tornar mais claro o conteúdo e a finalidade
bem como refletir a extensão progressiva da abrangência da
classificação além de doenças e lesões, permanece mantida a
familiar abreviatura "CID". Quando da atualização da
classificação, as afecções foram agrupadas de forma a torná-
las mais adequada aos objetivos de estudos epidemiológicos
gerais e para a avaliação de assistência à saúde.
Segundo a referida classificação Versão, a
categoria “Transtornos mentais e comportamentais devidos ao
uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias
psicoativas” (F.19) deve ser usada quando se sabe que duas ou
mais substâncias psicoativas estão envolvidas, não sendo
possível, entretanto, identificar qual substância contribui
mais para os transtornos. Esta categoria deverá ser usada
quando a identidade exata de alguma ou mesmo de todas as
substâncias psicoativas consumidas é incerta ou desconhecida,
desde que muitos usuários de múltiplas drogas freqüentemente
não sabem pormenores daquilo que consomem.
Inclui: abuso de drogas SOE
Um dos diagnósticos do usuário em voga (F19.0Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de
múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas - intoxicação aguda) é classificado como um estado conseqüente ao uso de uma substância psicoativa e compreendendo perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da percepção, do afeto ou do comportamento, ou de outras funções e respostas psicofisiológicas. As perturbações estão na relação direta dos efeitos farmacológicos agudos da substância consumida, e desaparecem com o tempo, com cura completa, salvo nos casos onde surgiram lesões orgânicas ou outras complicações. Entre as complicações, podem-se citar: traumatismo, aspiração de vômito, delirium, coma, convulsões e outras complicações médicas. A natureza destas complicações depende da categoria farmacológica da substância consumida assim como de seu modo de administração.
Bebedeira SOE
Estados de transe e de possessão na intoxicação por substância psicoativa
Intoxicação alcoólica agudaIntoxicação patológica"Más viagens" (drogas)
Versão 1.6c - ©1993 by CBCD e DATASUS
Por outro lado, o grupo dos “transtornos esquizofrênicos”, se caracteriza em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a percepção delirante, idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos.
A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser contínua, episódica com ocorrência de um déficit progressivo ou estável, ou comportar um ou vários episódios seguidos de uma remissão completa ou incompleta. Não se deve fazer um
diagnóstico de esquizofrenia quando o quadro clínico comporta sintomas depressivos ou maníacos no primeiro plano, a menos que se possa estabelecer sem equívoco que a ocorrência dos sintomas esquizofrênicos fosse anterior à dos transtornos afetivos. Além disto, não se deve fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando existe uma doença cerebral manifesta, intoxicação por droga ou abstinência de droga. Os transtornos que se assemelham à esquizofrenia, mas que ocorrem no curso de uma epilepsia ou de outra afecção cerebral, devem ser codificados em F06.2; os transtornos que se assemelham à esquizofrenia, mas que são induzidos por drogas psicoativas devem ser classificados em F10-F19 com quarto caractere comum .5.
Exclui: esquizofrenia:
· aguda (indiferenciada) (F23.2)
· cíclica (F25.2)
reação esquizofrênica (F23.2)transtorno esquizotípico (F21)
F20.0 Esquizofrenia paranóide
A esquizofrenia paranóide, transtorno também diagnosticado com o usuário, se caracteriza essencialmente pela presença de idéias delirantes relativamente estáveis, freqüentemente de perseguição, em geral acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das percepções. As perturbações do afeto, da vontade, da linguagem e os sintomas catatônicos, estão ausentes, ou são relativamente discretos.
Esquizofrenia parafrênica
Exclui: estado paranóico de involução (F22.8)
paranóia (F22.0)
Versão 1.6c - ©1993 by CBCD e DATASUS
3 – Dos Fundamentos Jurídicos
A Internação Psiquiátrica Compulsória (IPC), como medida possível de determinação judicial, está positivada desde há muito em nosso ordenamento jurídico, tendo recentemente sofrido alterações de tratamento legislativo e regulamentar a fim de adequação à necessidade de proteção aos direitos das pessoas portadoras de sofrimento psíquico – atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana -, bem como ao redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental e à regulação do Sistema Único de Saúde.
O Decreto nº 24.559/1934, que tratava da assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, já dispunha:
Art. 9º. Sempre que, por qualquer motivo, for inconveniente a conservação do psicopata em domicílio, será o mesmo removido para estabelecimento psiquiátrico.
Art. 10. O psicopata ou indivíduo suspeito que atentar contra a própria vida ou de outrem, perturbar a ordem ou ofender a moral pública, deverá ser recolhido a estabelecimento psiquiátrico para observação ou tratamento.
Art. 11. A internação de psicopatas toxicômanos e intoxicados habituais em estabelecimentos psiquiátricos, públicos ou particulares, será feita:
a) por ordem judicial ou a requisição da autoridade policial; (...)” (grifos meus)
A Lei Federal n.º 10.216/2001 estabelece os tipos
de internações psiquiátricas possíveis, entre as quais a
internação compulsória, in verbis:
Art. 6º. (...)
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. (grifo nosso)
A Portaria GM n.º 2.391/2002, do Ministério da
Saúde, regulamenta as internações psiquiátricas a partir da
Lei Federal n.º 10.216/2001, estabelecendo em seu art. 3º as
modalidades de internação psiquiátrica, a saber:
“Art. 3º. Estabelecer que ficam caracterizadas quatro modalidades de internação:
- Internação Psiquiátrica Involuntária (IPI);- Internação Psiquiátrica Voluntária (IPV)- Internação Psiquiátrica Voluntária que se torna Involuntária (IPVI);- Internação Psiquiátrica Compulsória (IPC);
§ 1º. Internação Psiquiátrica Voluntária é aquela realizada com o consentimento expresso do paciente.
§ 2º. Internação Psiquiátrica Involuntária é aquela realizada sem o consentimento do paciente.
§ 3º. A Internação Psiquiátrica Voluntária poderá tornar-se involuntária quando o paciente internado exprimir sua discordância com a manutenção da internação.
§ 4º. A Internação Psiquiátrica Compulsória é aquela determinada por medida judicial e não será objeto da presente regulamentação.” (grifos nossos)
A par disso, a Lei Federal n.º 10.216/2001 e as Leis Estaduais nº 11.802/95 e 12.684/97, com também o Decreto Estadual nº 42.910/02, estabelecem os direitos assegurados às pessoas portadoras de transtornos mentais em relação internação psiquiátrica, entre os quais os seguintes:
Direito ao esgotamento dos recursos extra-hospitalares
para tratamento antes da internação psiquiátrica - Lei
Estadual n.º 12.684/97:
“Art. 9º. A internação psiquiátrica será utilizada após a exclusão das demais possibilidades terapêuticas, e sua duração máxima corresponderá ao período necessário para que possa ser iniciado, em ambiente extra-hospitalar, o processo de reinserção social da pessoa portadora de transtorno mental.
Direito ao esgotamento dos recursos extra-hospitalares
para tratamento antes da internação psiquiátrica – Lei
Federal n.º 10.216/2001:
“Art. 4º. A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.”
Direito à laudo e presença médica para estabelecer a
necessidade da internação – Lei Federal n.º
10.216/2001:
“Art. 2º. (...) Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:(...)
V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
Art. 6º. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.” (grifo nosso)
Por outro lado, se a internação psiquiátrica for
levada a efeito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mister,
ainda, se observe a regulação desse serviço público. Assim,
imprescindível seja seguido o fluxo de atendimento
regulamentar, devendo a necessidade de internação
psiquiátrica ser atestada por médico psiquiatra do serviço de
referência em saúde mental, como médico assistente do SUS,
independente de laudo ou atestado de médico particular.
Sobre o tema, ensina o Promotor de Justiça Dr. Raul
de Mello Franco Júnior , professor de Direito Constitucional
do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) e Mestre em
Direito pela UNESP de São Paulo:
“A disseminação do uso de álcool e drogas é, certamente, o
maior flagelo sofrido pela humanidade nos últimos 50 anos. O número de mortos que estas práticas produziram supera as
estatísticas de qualquer conflito bélico que a história tenha registrado, sobretudo porque os males não se limitam aos
usuários, mas atingem vítimas inocentes.
A mudança de hábitos, a flexibilização dos padrões de conduta moral, a instantaneidade das informações e as facilidades da sociedade de consumo, a aparente normalidade do uso corriqueiro de bebidas alcoólicas e cigarros dentro de casa e nos ambientes sociais, a desagregação familiar, a falta de
diálogo franco entre pais e filhos, a curiosidade, a necessidade de afirmação perante um grupo, a propagação da idéia de que existem drogas “inocentes” e, em especial, a ganância de alguns são, entre tantas, algumas das causas desta explosão irracional do uso de álcool e narcóticos.
A vida em sociedade pariu esse estado de coisas. Mas os grupos sociais conscientes não se debruçam diante deste
cenário em atitude meramente contemplativa. Mobilizam-se na
formação e manutenção de entidades públicas, privadas,
religiosas, filantrópicas que, congregando pessoas sedentas de informação e auxílio, fornecem aconselhamento, permitem a troca de experiências e proporcionam tratamento aos
dependentes.
Mães e pais desesperados batem às portas dessas instituições ou do poder público, relatando que já perderam tudo: a paz, o
sono, a saúde, o patrimônio. Agora, estão prestes a perder a
esperança e a vida, levadas de roldão pelo comportamento
suicida de um filho ou familiar que se atirou no poço profundo do vício, de onde não tem forças para sair.
São divergentes as opiniões acerca da melhor forma de tratamento, mas todos defendem que alguma intervenção
terapêutica é sempre melhor do que a omissão. A síndrome de
dependência é doença crônica passível de tratamento. O
sucesso desta iniciativa, como qualquer intervenção médica responsável, depende do acerto entre a medida usada e as
necessidades do paciente. Qualquer atividade de atenção e reinserção social exige a observância de princípios legais,
como o respeito ao dependente de drogas ou álcool, a
definição de projeto terapêutico individualizado e o atendimento, ao doente e a seus familiares, por equipes
multiprofissionais (cf. art. 22, da lei 11.343/06). São raríssimos os casos de adictos ativos que conseguiram se
libertar sem o auxílio da família ou de terceiros, o que não
significa que todos precisem de internação. Esta alternativa, de caráter extremo, deve ser sopesada por equipe profissional
habilitada, de acordo com o grau de dependência do paciente, com a gravidade dos transtornos que ele apresenta, suas peculiaridades socioculturais, o nível de comprometimento familiar na busca da cura, a insuficiência de medidas anteriores menos agressivas etc. O tratamento somático e
psicossocial bem ajustado, no plano doméstico ou ambulatorial, é capaz de inibir o uso das drogas lícitas ou ilícitas, manejar a fissura, orientar sobre as possíveis recaídas e recuperar pessoas. Mas a internação é, quase sempre, evocada pela família como a primeira e única porta de
saída para a crise gerada pelo comportamento desregrado de um de seus membros.
Em contrapartida, é certa a existência de casos que, no
mosaico dos programas de reinserção social, exija a
internação como o único ou último recurso para um tratamento eficaz. Uma pesquisa americana revelou que 50% dos dependentes químicos apresentam algum tipo de transtorno
mental, sendo o mais comum deles a depressão. Muitos são
inaptos para aquilatar a própria dependência e a nocividade
de seu comportamento e mesmo quando alcançam esse entendimento, não aceitam qualquer tipo de ajuda. Atribuem a idéia de intervenção alheia, mormente sob a forma de
internação, a desvarios de quem a sugere. A insistência nesta
tecla potencializa a agressividade dos dependentes e gera
episódios agudos de crise. Paralelamente, a desorientação dos familiares desemboca, quase sempre, na resposta igualmente violenta (berço de grandes tragédias familiares), na omissão
(o doente recebe o anátema de “caso perdido”) ou na busca
desesperada pela internação compulsória, tábua de salvação
idealizada para o dependente e demais pessoas que com ele
convivem.
Surge então o questionamento: é possível obrigar alguém a se
submeter a um tratamento? É possível e útil a internação
compulsória para tratamento de alcoolistas e toxicômanos?
O Código de Ética Médica afirma que o paciente ou seu
representante legal tem o direito de escolher o local onde
será tratado e os profissionais que o assistirão. O paciente pode decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.
Os Conselhos de Medicina enfatizam que obrigar o paciente a se submeter, contra a sua vontade, a um regime de
confinamento institucional é sinônimo de ilícito penal (cárcere privado). O paternalismo ou o autoritarismo médico é, nesses casos, capaz de inibir ou contrariar direitos
elementares de cidadania, próprios da condição humana.
A advertência, entretanto, não pode ser interpretada a partir de uma autonomia que o doente mental não tem. Aplica-se, por
coerência, a casos de normalidade psíquica. Para os dependentes químicos, integra o próprio quadro da doença a postura refratária ao tratamento e dobrar-se a esta resistência significa afrontar a mais elementar das prerrogativas: o direito à vida. Ainda que se diga que
tratamentos compulsórios são estéreis para gerar resultados proveitosos, a tentativa em obtê-los pela força é o derradeiro grito de quem não consegue cruzar os braços ante a marcha galopante e inexorável de um ente querido rumo ao
abismo da morte.
No cotejo entre os direitos constitucionais do cidadão e a imperiosa necessidade de tratamento, a legislação permite que
o juiz, em análise firmada na assessoria médico-pericial,
possibilite ou imponha a internação. É o que alguns denominam
“justiça terapêutica”.
A lei antidrogas prevê que o agente considerado inimputável
(por não entender, em razão da dependência, o caráter ilícito
do crime) deve ser encaminhado pelo juiz a tratamento médico (art. 45). O magistrado poderá determinar ao poder público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente,
estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial,
para tratamento especializado (art. 28, § 7º, da lei 11.343/06).
O Decreto 891/38, produzido pelo Governo Vargas, continua em
vigor e permite que os toxicômanos ou intoxicados habituais sejam submetidos a internação obrigatória ou facultativa, por
tempo determinado ou não. A medida tem cabimento sempre que se mostre como forma de tratamento adequado ao enfermo ou
conveniente à ordem pública e será efetivada em hospital
oficial para psicopatas ou estabelecimento hospitalar submetido à fiscalização oficial. O pedido pode ser formulado
pela autoridade policial, pelo Ministério Público ou, conforme o caso, por familiares do doente.
Paralelamente, como medida de restrição a atos da vida civil,
o Código Civil também prevê a possibilidade de interdição de ébrios habituais e dos viciados em tóxicos (art. 1767, inc. III, CCB).
Na esfera da Infância e da Juventude, a internação pode ser requerida judicialmente pelo Ministério Público, como medida protetiva à criança ou ao adolescente (art. 101, inc. V e VI, ECA). Há casos em que a internação voluntária é providenciada pelo Conselho Tutelar, independentemente de ordem judicial
(art. 136, I, ECA). A inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos é também medida aplicável aos pais (art. 129, inc. II e 136, inc. II, ECA).
A implementação da medida encerra algumas dificuldades. A primeira delas diz respeito às vagas nos estabelecimentos públicos adequados ao tratamento. As redes dos serviços de
saúde pública têm obrigação legal de desenvolver programas de
atenção aos usuários e dependentes de drogas, seja de forma
direta, seja de forma indireta, destinando recursos às entidades da sociedade civil que não tenham fins lucrativos e que atuem neste setor. Todavia, há evidente negligência no
cumprimento desta obrigação, o que redunda em permanente
carência de vagas para internação. Mesmo havendo determinação
judicial, não são curtos os períodos de espera dos que carecem de tratamento. Em razão disso, cresce o número de decisões obrigando o poder público a custear internações em
serviços da rede privada de atendimento. Algumas dessas
entidades recebem recursos de órgão federal (FUNAD – Fundo Nacional Antidrogas) e se obrigam a prestar assistência
gratuita a quem necessita. A questão deve ser analisada sob a
ótica das prioridades constitucionais (como, por exemplo, a proteção integral às crianças e adolescentes – cf. art. 227,
CF) e do estudo particular das condições familiares de cada
necessitado.
Neste azimute, a Lei nº 10.741/03 (Estatuto do
Idoso) objetivou dar maior proteção, por meio de normas
legais específicas, às pessoas idosas (isto é, com mais de 60
anos - artigo 1º), para assegurar a essas pessoas, dentre
outros, os direitos à vida, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária. Vale
registrar que, no caso entelado, a mãe do usuário é idosa,
cotando com 70 anos de idade.
Para tanto, essa lei estabeleceu normas prevendo
medidas de proteção ao idoso, medidas essas que deverão ser
adotadas sempre que os direitos reconhecidos na citada lei
forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade
ou do Estado, por falta, omissão ou abuso da família, curador
ou entidade de atendimento, ou em razão da sua condição
pessoal (artigo 43).
Essa lei ainda preconizou, no seu artigo 45, caput
e inciso IV, que "Verificada qualquer das hipóteses previstas
no artigo 43, o Ministério Público, ou o Poder Judiciário, a
requerimento daquele, poderá determinar", dentre outras
providências, a "inclusão em programa oficial ou comunitário
de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de
drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de
sua convivência que lhe causa perturbação".
De outra parte, o Decreto nº 24.559/34 prevê
(artigo 11, alínea a) a possibilidade de internação, "por
ordem judicial", de "psicopatas, toxicômanos e intoxicados
habituais em estabelecimentos psiquiátricos, públicos ou
particulares".
Em sentido semelhante dispõe o Decreto-Lei nº
891/38, que estabelece (artigo 29, caput) que "Os toxicômanos
ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por
inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de
internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado
ou não". Esse Decreto-lei ainda prevê (artigo 29, § 1º ) que
"A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania
por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a
necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for
conveniente à ordem pública.".
Assim, vê-se que o nosso ordenamento jurídico, seja
para proteção específica do idoso, seja para proteção do
próprio intoxicado habitual, seja para a preservação da ordem
pública, autoriza a internação de pessoas como Vladimir, que
fazem uso abusivo e constante de bebidas alcoólicas ou de
drogas, passando a ter comportamento incontido e violento,
pondo em risco familiares idosos e a ordem pública.
4- Da legitimidade ativa
O Ministério Público propõe a presente ação com base, também, nas disposições do Decreto-Lei nº 891, de 25/11/1938, que determina:
“Art. 29. Os toxicômanos ou os intoxicados, por entorpecentes, por enebriantes em geral, ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa, por tempo determinado ou não.
§ 1º. A internação obrigatória se dará, nos casos de
toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos,
quando provada a necessidade à ordem pública. Essa
internação se verificará mediante representação da
autoridade policial ou a requerimento do Ministério
Público, só se tornando efetiva após decisão judicial.
(...)”
5 – Os Pedidos
Diante do exposto, ante a gravidade dos motivos
retromencionados, visando à proteção da integridade física e
mental do usuário e da integridade física de sua genitora, e,
por fim, face às provas constantes dos documentos anexos, que
permitem o convencimento da verossimilhança das alegações e
demonstram a existência de fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação Ministério Público requer:
a) a procedência do pedido, para fins de que
seja determinada a internação psiquiátrica
compulsória de Vladimir Gonçalves, nos
termos preconizados pelos artigos 29, caput
e parágrafos 1º, 5º e 6º, do Decreto-Lei nº
891/38; artigos 6º, § único, inciso III, e
9º, da Lei nº 10.216, de 06 de abril de
2.001, regulamentada pela Portaria
Ministerial MS/GS 2391, de 26.12.2.002,
artigo 3º, § 4º e Decreto nº 24.559, de 03
de Julho de 1.934, no Hospital Galba Veloso
(local onde o usuário já teve passagens com
melhora do quadro de saúde mental), pelo
prazo necessário para a sua desintoxicação
e tratamento (a critério médico), a fim de
dar guarida e garantir a integridade do
internando e das pessoas que estão
providenciando o deslocamento. Caso exista
necessidade de tratamento clínico prévio,
deverá o Poder Público Municipal, gestor de
saúde pública, providenciá-lo. Vale
ressaltar que a Diretora Clínica do
Hospital Galba Veloso, a Dra. Márcia Amaral
Montezuma, foi comunicada, no dia
01/07/2008, por telefone, por este
subscritor, da presente medida,
oportunidade em que esclareceu que o
referido nosocômio tem condições de receber
o internando e lhe providenciar tratamento
adequado;
b) o transporte do Sr. Vladimir Gonçalves
deverá ser executado pelo SAMU (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência), acompanhado
pela Brigada Militar, se necessário;
c) que o presente feito tramite em segredo de
Justiça (art. 27, § 4º, do Decreto
24.559/1934);
d) seja nomeado, após, curador especial ao
internando, e defensor dativo, para que
acompanhe os seus interesses no presente
feito;
e) seja oficiado ao Hospital Galba Veloso,
para que este informe ao Juízo sobre o
cumprimento da presente medida;
f) seja comunicada a internação compulsória à
mãe do requerido;
Nestes termos e dando à presente o valor de R$
260,00 (duzentos e quarenta reais);
P.deferimento.
Belo Horizonte, 28 de junho de 2008.
Bruno Alexander Vieira Soares
Promotor de Justiça
ROL DE TESTEMNHAS
1- Vanda Maria Cordeiro – mãe do internando -
domiciliada na rua São Roque, nº 1320/403, Sagrada Família,
em Belo Horizonte.