abril terras: ministério da justiça publica indÍgena ... 295.pdf · abril indÍgena encontros,...

16
Acampamento Terra Livre – 16 a 19 de abril – Brasília – Foto: Gertjee van der Pas ISSN 0102-0625 Ano XXVIII N 0 295 Brasília-DF Maio - 2007 R$ 3,00 ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos Páginas 6 a 12 Terras: Ministério da Justiça publica sete Portarias Declaratórias Página 5 Acampamento Terra Livre: Comissão Nacional de Política Indigenista é instalada Páginas 8 e 9

Upload: others

Post on 30-Aug-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Acam

pam

ento

Ter

ra L

ivre

– 1

6 a

19 d

e ab

ril –

Bra

sília

– F

oto:

Ger

tjee

van

der P

as

ISSN

010

2-06

25

Ano XXVIII • N0 295Brasília-DF • Maio - 2007

R$ 3,00

ABRILINDÍGENA

Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por

seus direitosPáginas 6 a 12

Terras: Ministério da Justiça publica sete Portarias DeclaratóriasPágina 5

Acampamento Terra Livre:Comissão Nacional de Política Indigenista é instaladaPáginas 8 e 9

Page 2: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

�Maio-�007

Edição fechada em 07/05/2007

Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.

ISSN

010

2-06

25

Outro sinal foi a nomeação do antro-pólogo Márcio Meira para presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Mili-tante da causa indígena, o novo presiden-te assumiu com um discurso mais próximo do movimento, comprometendo-se a am-pliar o diálogo com povos, organizações indígenas e entidades indigenistas, em fortalecer a CNPI como espaço estratégico de construção da política indigenista e em encaminhar a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

Ainda outro indicativo de mudança fo-ram as demarcações de terras anunciadas durante o Abril Indígena, algumas delas há muito tempo estavam bloqueadas no Ministério da Justiça, devido a pressões de aliados antiindígenas do governo Lula e de políticos do próprio PT, como do estado de Santa Catarina.

Finalmente, temos as falas do pre-sidente Lula, durante a instalação da CNPI, quando ele reconheceu a dívida de seu governo com os povos indígenas e se comprometeu a realizar, durante o segundo mandato, tudo o que não fez ao longo do primeiro.

Não foi o acaso que criou a atual conjuntura, com sinais de maior diálogo e de reconhecimento das demandas e pro-postas do movimento indígena. Foi, sim, a determinação dos povos e comunidades

APOIADORES

UNIÃO EUROPÉIA

s mobilizações e lutas in-dígenas dos últimos anos, particularmente as quatro edições do Abril Indígena e do

Acampamento Terra Livre, parecem estar, finalmente, surtindo efeito no âmbito governamental. A última edição desse movimento reuniu de 16 a �0 de abril, em Brasília, mais de 1.000 indígenas de mais de 100 povos de todo o país.

Durante o mês de abril, ocorreram articulações e lutas indígenas em diversas regiões, como o II Encontro Continental Guarani, no Rio Grande do Sul, que reuniu mais de 800 Guarani do Brasil, Paraguai e Argentina; e as mobilizações contra a transposição do rio São Francisco, no nor-deste e contra as hidrelétricas no rio To-cantins, que levou indígenas e ribeirinhos a fecharam a rodovia Belém-Brasília.

Principal sinal das respostas gover-namentais às mobilizações indígenas foi a instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), no dia 19 de abril, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Proposta pelo movimento indígena e pelas entidades indigenistas, estava criada, porém bloqueada no Ministério da Justiça. Foi a determinação dos índios e das entidades de apoio, articulados no Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, que tornou possível sua concretização.

Lula, os bagres e os pescadores

O presidente Lula ficou indignado porque o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (IBAMA) decidiu fazer mais exigências antes de conceder a licença am-biental para as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Estreito. Entre os impactos que pode causar, a obra impediria a migração de 400 espécies de peixes, entre elas o bagre.

Lula não gostou e disse que “alguns peixes” não podem travar o desenvolvimento do país. O presidente também parece não estar se importan-do com as cerca de 15 mil pessoas que dependem do rio e dos peixes que vivem nele.

Facilitando as obrasÉ tão grande a insatisfação do governo

e do setor energético em ter que cumprir a legislação ambiental e respeitar os direitos das populações locais antes de uma construção, que estão surgindo idéias absurdas para facilitar os empreendimentos.

O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, encaminhou um projeto para o Congresso, que teria apoio do Palácio do Planalto, sugerindo mudanças na legislação ambiental. A idéia é transferir para o Conselho de Defesa Nacional as decisões sobre os licenciamentos mais importantes. Quem analisaria os impactos sociais seria o Ministério do Planejamento.

Pelo projeto, mesmo que o Ibama considere uma obra inapropriada, o presidente pode de-cidir pela sua execução. É tudo que o governo queria!

Das nações indígenas?Mas, não para indígenas! Durante as mobi-

lizações do Abril Indígena, os povos que vivem no Mato Grosso do Sul foram a Campo Grande, capital do estado, fazer sua manifestação e, ironi-camente, foram impendidos de entrar no Parque das Nações Indígenas.

Os organizadores da mobilização haviam acordado com as autoridades responsáveis que o ato terminaria no parque, cujos portais têm os nomes das etnias que vivem no MS. Entretanto, foram impedidos de entrar no espaço, que é público. Indignadas, as lideranças indígenas escre-veram uma carta ao governador André Puccineli para retratar mais esta violência contra os povos indígenas do MS.

Conquistas e desafios na atual conjuntura

MARIOSAN

em suas lutas locais; em suas mobilizações regionais e nacionais; em suas alianças com movimentos sociais e entidades da sociedade civil; na repercussão nacional e internacional de denúncias das graves situações envolvendo violências que atingem as comunidades indígenas.

Permanecem agora os desafios para o movimento indígena de manterem a disposição para a luta nas bases; as arti-culações regionais e nacionais; a busca de alianças na sociedade brasileira, além de cobrarem os compromissos assumidos pe-los presidentes da República e da Funai.

Permanece o desafio de defender territórios e direitos indígenas frente às ameaças representadas por aspectos centrais do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), assim como por ações de políticos e setores, que fazem parte ou são aliados do governo Lula, e que continuam agindo ostensivamente contra a demarca-ção e desintrusão de terras indígenas.

Permanece, principalmente, o desafio dos povos indígenas de ocuparem os no-vos espaços que se abrem, com sua partici-pação firme e qualificada, garantindo seus direitos constitucionais e não admitindo nem um passo atrás nas suas conquistas na história recente de nosso país.

Paulo MaldosAssessor político do Cimi

Publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Faça sua assinatura pela internet:

[email protected]

Preços:

Ass. anual: r$ 40,00

Ass. de apoio: r$ 60,00

América latina: Us$ 25,00

outros Países: Us$ 40,00

Na língua da nação indígena sateré-Mawé, PorANTIM

significa remo, arma, memória.

Dom Erwin Kräutler PresIDeNTe

Paulo Maldos Assessor PolíTIco

Marcy PicançoeDITorA

rP 44458/sP

editoração eletrônica:licurgo s. Botelho

(61) 3349-5274

revisão:leda Bosi

Impressão:Gráfica Teixeira(61) 3336-4040

Administração:Dadir de Jesus costa

redação e Administração:sDs - ed. Venâncio III, sala 310 ceP 70.393-902 - Brasília-DF

Tel: (61) 2106-1650Fax: (61) 2106-1651caixa Postal 03.679

ceP: 70.089-970 - Brasília-DFe-mail: [email protected]

cimi Internet: www.cimi.org.brregistro nº 4, Port. 48.920,

cartório do 2º ofício de registro civil - Brasília

Priscila D. CarvalhoeDITorA

rP 4604/02 DF

coNselho De reDAçÃoAntônio c. Queiroz

Benedito Preziaegon heck

Nello ruffaldiPaulo Guimarães

Paulo MaldosPaulo suess

A

OpiniãoPorantinadas

Page 3: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Abril Indígena 2007

ós, 1.000 lideranças, de 98 povos indígenas, das distintas regiões do Brasil, mobilizados no IV Acam-pamento Terra Livre, a maior e

principal ação protagonizada por nós, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, de 16 a 19 de abril de �007, para tornar visível, junto ao governo, à sociedade e opinião pública nacional e internacional, a grave situação de desrespeito aos nossos direitos, após analisarmos a conjuntura política e indi-genista no governo atual, com destaque para nossas preocupações quanto aos impactos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sobre as terras que tradicionalmente ocupamos, formulamos nossas prioridades e estratégias de intervenção diante dos graves desafios relacionados à: violência contra os povos indígenas; demarcação, proteção, gestão e sustentabilidade das terras indígenas; atenção à saúde; educação escolar; afirmação e o respeito aos nossos valores culturais; participação na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e ao exercício do controle social sobre os órgãos públicos; proposições legislativas em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, para exigir do governo

vontade política no atendimento das nossas reivindicações, através de uma política indigenista, realmente nova, democrática e sincronizada com os anseios dos nossos povos e organizações.

Violência contra os povos indígenas, criminalização,

prisão e assassinato de lideranças

O quadro de violência contra os nossos povos tem se agravado nos últimos anos, através da prisão ilegal, criminalização e assassinato de lideranças e membros das co-munidades, da intimidação e agressões por parte das forças policiais, do confinamento de comunidades em suas próprias terras, da discriminação e preconceito, da violência contra as mulheres indígenas e da falta de assistência que vitima, por desnutrição e doenças endêmicas e epidêmicas como a malária e hepatite, principalmente crianças e idosos.

O Estado brasileiro deve garantir, através dos órgãos responsáveis, a integridade física e cultural dos povos indígenas, a punição daqueles que cometem crimes contra as

comunidades e lideranças, o atendimento de qualidade à saúde indígena, a assistência jurídica a índios acusados de violência contra não índios, e o respeito às instituições penais próprias dos nossos povos.

Demarcação, proteção, gestão e sustentabilidade. Impactos do PAC sobre as

Terras IndígenasContinua preocupando a extrema mo-

rosidade e até paralisia na tramitação dos processos de demarcação das terras ocupa-das tradicionalmente pelos povos indígenas, cenário que tem estimulado o aumento das invasões às terras indígenas e a dilapidação das riquezas naturais nelas existentes, acir-rando conflitos pela posse da terra e atos de violência contra as comunidades.

Por essas razões considera-se fundamen-tal que o governo cumpra sua obrigação cons-titucional de proteção dos bens indígenas, que conclua a demarcação de todas as Terras Indígenas e garanta a revisão dos limites de Terras Indígenas quando as demarcações não tenham sido empreendidas corretamente. Para tanto é preciso a formulação de um

programa integrado de gestão territorial e desenvolvimento sustentável dos povos e terras indígenas, com adequados recursos or-çamentários e financeiros; competente apoio jurídico e administrativo às organizações indí-genas nos processos de desintrusão e demais ações de regularização ainda pendentes; a eliminação das sobreposições de Unidades de Conservação (UC’s) em Terras Indígenas. Também é fundamental que o Poder Judiciário assegure a demarcação das Terras Indígenas, bem como a posse da terra.

Os impactos diretos ou indiretos de grandes empreendimentos como hidrelétri-cas, estradas, linhas de transmissão, hidro-vias, agronegócio sobre as Terras Indígenas, colocam em risco a continuidade física e cultural dos nossos povos, a integridade do meio ambiente e da biodiversidade. É por isso fundamental que o governo garanta o direito dos povos indígenas à consulta prévia e informada, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o direito de exercer a sua autonomia, que implica inclusive em não aceitar a implementação desses empreendi-mentos em seus territórios. A transposição do Rio São Francisco, a Usina do Belo Monte,

chegou ao seu quarto ano tendo amadurecido um importante debate sobre a política indigenista no Brasil. Neste período, ficou mais claro que esta política tem que ser construída a partir dos povos e suas organizações, envolvendo assim todo o movi-mento indígena. Para tanto, torna-se cada vez mais necessária a criação de instâncias, a exemplo de um Conselho Nacional de Política Indigenista, que permitam a participação real dos

Povos exigem do governo política indigenista democrática e sincronizada com seus anseios

povos na definição das prioridades e dos focos das políticas públicas que os afetam ou que são voltadas para eles. Só assim poderá ser superada a velha prática tutelar e autoritária que marca a história do Brasil.

Em �007, mais uma vez, indígenas de todo o país enfretaram longas viagens e permaneceram quatro dias acampados na Esplanada dos Ministérios, discutindo seus problemas, propondo alternativas e buscando dialogar com o poder público. Ao fim deste período, entregaram pessoal-mente aos representantes dos poderes judiciário, executivo e legislativo o documento final da mobilização, cobrando que os governantes os respeitem cada vez mais como atores políticos.

O Abril Indígena – Acampamento Terra Livre

N

�� Maio-�007

Documento Final do Acampamento Terra Livre

Foto: Egon Heck Foto: Gertjee van der Pas

Page 4: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

4Maio-�007

Abril Indígena 2007

a barragem do Estreito, e as hidrelétricas do Rio Madeira, são projetos contestados pelos povos atingidos, mas o governo insiste em implantar.

Reivindicamos providências contra: o aumento de conflitos, extração ilegal de madeira, diminuição de Terras Indígenas, invasão de posseiros, fazendeiros e minera-doras, seca de rios e aumento de agrotóxicos utilizados pelo agronegócio.

Saúde IndígenaO atendimento à saúde indígena ca-

racterizou-se pelo caos e atendimento precário, em decorrência do fato da Funda-ção Nacional de Saúde (Funasa) não ter se estruturado para cumprir devidamente a sua função, situação que piorou pelo processo de partidarização dos cargos no órgão e o fortalecimento da tendência de municipa-lizar o atendimento, bem como pela falta de apoio ao controle social exercido pelas comunidades.

O Estado brasileiro deve, através do órgão gestor, resolver com urgência casos críticos de atendimento à saúde que atingem os povos indígenas no Mato Grosso do Sul e no Vale do Javari; aprimorar o subsistema de atenção à saúde indígena, garantindo autonomia financeira e administrativa aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s), o exercício do controle social e a criação de Distritos e pólos-base em regiões como Oiapoque e Tapajós. Não aceitamos a municipalização do atendimento de saúde, pois muitos municípios não têm a capacida-de para gerenciar os recursos e as prefeituras tendem a desviar esses recursos para fins político-partidários.

Exigimos ainda o reconhecimento dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) como ca-tegoria profissional; a valorização dos pajés e parteiras, garantindo a participação dos mesmos nas equipes de saúde; a implantação de programas de saúde da criança, mulheres e idosos; o respeito às deliberações dos conselhos locais, distritais e do Fórum de pre-sidentes de conselhos; realização de concurso público para a saúde indígena, com garantia de 50% das vagas para indígenas; o encami-

nhamento das resoluções das Conferências de Saúde Indígena; a garantia de condições de comunicação no subsistema; condições de sa-neamento nas comunidades; e a participação dos povos indígenas nas instâncias de decisão e gestão do subsistema.

Educação IndígenaA implementação da Educação Escolar

Indígena Diferenciada nas comunidades até hoje não atendeu as diretrizes e condições estabelecidas pela legislação específica, ficando condicionada à vontade de estados e municípios, que mostram pouco ou nenhum interesse em que esta demanda dos nossos povos seja devidamente atendida.

Em função desta realidade reivindica-mos:u criação de um sistema federal de

educação escolar indígena com sub-sistemas regionais gerenciados pelos professores e representantes indígenas;

u realização ainda em �007 das conferencias regionais e da Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena;

u condições para a produção de material didático específico para cada povo indígena;

u programas específicos com dotação orçamentária para a educação escolar indígena, em todos os níveis, incluindo a garantia do acesso de indígenas ao ensino superior, através de cotas, bolsas e recursos para manutenção e permanência durante o período de formação;

u realização de concurso público específico e diferenciado para professores indígenas;

u criação de escolas técnicas profissionalizantes de ensino médio e de programas específicos de graduação para os povos indígenas;

u avaliação periódica do plano plurianual da educação escolar indígena;

u ampliação dos programas de formação de professores indígenas de forma continuada, levando em conta a especificidade de cada povo;

u reconhecimento da autonomia para a elaboração e implementação do projeto político-pedagógico das escolas indígenas;

u valorização das línguas indígenas através de sua inclusão nos currículos e programas de pesquisa das Universidades;

Nova legislação indigenista

Setores antiindígenas vêm se articu-lando no Congresso Nacional para tentar reverter os direitos dos nossos povos garantidos pela Constituição Federal, e o Governo Brasileiro não tem mostrado vontade e interesse em apoiar a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indíge-nas, em consonância com os interesses e aspirações dos nossos povos.

Somos contrários a qualquer altera-ção dos nossos direitos garantidos pela Constituição e reivindicamos que todos os assuntos de nosso interesse sejam tratados no Estatuto dos Povos Indígenas e não de forma fragmentada em Projetos de Lei iso-lados, como por exemplo o relacionado com a exploração mineral nas Terras Indígenas. Por isso entendemos que o Governo não deve encaminhar nenhum projeto específico sobre esta matéria.

Reivindicamos também que na discussão e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas seja assegurada a participação direta dos nossos povos e organizações.

Participação e controle social

A política indigenista do Estado brasilei-ro tradicionalmente tem se caracterizado por ser centralizadora e autoritária, formulada e implementada a partir de diretrizes integra-cionistas, arcaicas e ultrapassadas, que ne-gam a participação dos povos e organizações indígenas na definição das políticas e ações de governo que lhes dizem respeito.

O Estado brasileiro deve garantir a plena participação dos povos e organizações indígenas na formulação e acompanhamento de quaisquer projetos e políticas que os afetem, conforme estabelece a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para o efetivo funcionamento da Co-missão Nacional de Política Indigenísta (CNPI) e de outras instâncias que formulam e implementam políticas voltadas aos povos indígenas, é preciso que lideranças, organi-zações e comunidades sejam informadas devidamente com antecedência a respeito da pauta ou dos assuntos em questão.

O Estado brasileiro, na interlocução com os povos indígenas, deve garantir a indicação de pessoas com capacidade de compreensão e respeito à diversidade e especificidade dos povos e culturas indígenas.

Reivindicamos que o Estado brasileiro respeite a autonomia dos povos e organiza-ções indígenas ao indicarem ou substituírem seus representantes nos espaços e instâncias de interlocução ou de formulação das políti-cas públicas que lhes dizem respeito.

A CNPI deve garantir o repasse das atas e outras informações necessárias aos conse-lheiros e organizações indígenas.

A CNPI deve ter uma página na internet para divulgar o calendário de reuniões, pauta, relatórios e documentos, e receber propostas e sugestões.

Os representantes indígenas devem chegar na cidade onde vai acontecer a reu-nião da CNPI pelo menos um dia antes, para debater a pauta e definir suas posições.

Os participantes do Acampamento Terra Livre sentem-se fortalecidos pela realização desta mobilização, que revelou o nível de organização e luta dos nossos povos e organizações e que significou uma maior qualificação de nossa articulação em nível nacional e da nossa capacidade propositiva frente ao Estado e à sociedade brasileira, para a solução dos problemas que tanto afligem as nossas comunidades.

Esperamos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, neste momento de instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista, que revele uma nova qualidade na interlocu-ção e relação com os povos e organizações indígenas, baseada no respeito e reconhe-cimento da nossa autonomia na construção do nosso futuro.

Brasília, 19 de abril de �007.

Após três dias de debates,

indígenas de todo o país

encaminharam suas

reivindicações aos poderes

executivo, legislativo e

judiciário

Foto: Otto Mendes Foto: Egon Heck

Page 5: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

55 Maio-�007

Cláudio Luiz BeirãoAdvogado e assessor jurídico do Cimi

Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), durante o Acam-pamento Terra Livre, foi informado que no dia 19 de abril o ministro

da Justiça, Tarso Genro, assinaria sete por-tarias referentes à demarcação de terras indígenas. Estes atos, chamados portarias declaratórias, respondiam em parte à reivindicações do FDDI e do movimento indígena.

Segundo o FDDI, há mais de �5 pro-cessos relativos a demarcações aguardando decisão do ministro. Essa é a maior crítica do movimento indígena ao governo Lula, na gestão do ministro Marcio Thomaz Bastos. Nos mais de quatro anos à frente do Ministério da Justiça (MJ), Bastos assinou �9 portarias declaratórias, sendo duas delas (Baú e Raposa Serra do Sol ) para reduzir limites de áreas tradicionais. Essa média, de seis portarias por ano, deixa o governo Lula numa triste marca de demarcações de terras indígenas – abaixo do governo do general João Baptista Figueiredo.

A desconfiança das entidades do FDDI foi tamanha que, mesmo participando do evento promovido no MJ, todos preferiram aguardar as publicações das portarias no Diário Oficial da União (DOU), no dia �0 de abril.

Agora, os povos indígenas renovaram as esperanças de que o governo Lula não se submeta às pressões dos interesses antiin-dígenas, como fez no primeiro mandato. Para se ter uma idéia dessa submissão, durante a gestão de Thomaz Bastos, não foi publicada uma portaria declaratória que incidisse no Mato Grosso, do governador Blairo Maggi, aliado de Lula. No início do

primeiro mandato, Maggi solicitou por ofício uma “moratória” nas demarcações das terras indígenas, no que foi atendido.

Pressões em Santa Catarina

Outro estado onde a forte pressão dos ruralistas significou omissões foi Santa Cata-rina. Para oficializar a omissão e atender ao pedido do governador Luiz Henrique, Bastos criou em setembro de �004 uma comissão especial, interinstitucional, com represen-tantes da União, do estado, de agricultores e indígenas. Desde então, nenhuma portaria declaratória de terra em Santa Catarina foi publicada. Ou melhor, uma parte da terra indígena Palmas, dos Kaingang, localizada no Paraná, se estende sobre Santa Cataria.

Essa moratória, que significa “demora em agir”, levou o Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina a entrar com diver-sas ações para obrigar o ministro Thomaz Bastos a decidir conforme determina o Decreto nº 1.775/96, declarando ou não as terras reivindicadas como indígenas.

A Justiça Federal em Santa Catarina, es-pecialmente a seção de Chapecó, concedeu liminares a diversas dessas ações, determi-nando que o ministro decidisse. Apenas para a terra Toldo Imbu, o MPF entrou com duas ações civis públicas. Na decisão em relação a uma delas a Juíza Federal, Vânia Hack de Almeida, observou que a demora do ministro em decidir dentro do prazo legal acirrava os conflitos nas regiões.

Desse caso, surgiu uma condução admi-nistrativa que ficou comum naquele período: o retorno dos processos de demarcação, sem qualquer fundamentação, à Funai ape-nas para o ministro da Justiça não decidir e não ficar exposto às pressões políticas.

Esse procedimento virou regra, tanto que das sete portarias publicadas no dia 19 de abril, apenas três não haviam sido objeto de análise no Ministério da Justiça.

Contra os Tupinikim e Guarani

Antes de sair do Ministério, Márcio Thomaz Bastos fez o seu último ato adminis-trativo contra os povos indígenas: devolveu à Funai o processo de demarcação das terras indígenas Tupinikim e Comboios, no Espírito Santo, solicitando que a Fundação promovesse acordo entre as partes.

Como esta medida proposta por Bastos é inconstitucional, o movimento indígena tinha esperança de que a Funai remetesse ao ministro Tarso Genro, também, aqueles processos para edição das respectivas por-tarias declaratórias. Mas, não foi dessa vez que o governo Lula corrigiu um grave erro cometido no governo Fernando Henrique Cardoso, que favoreceu a empresa Aracruz Celulose em prejuízo ao direito dos Tupini-kim e Guarani.

Ao levantar as suas barracas e se dirigirem aos ônibus de volta as suas aldeias, os mais de mil indígenas do Acampamento Terra Livre levaram na bagagem a vitória do movimento indígena com assinatura das portarias declara-tórias e a esperança de que o governo federal mude sua postura na política de demarcação de terras. Esperam que os processos não

EspErANçA rENovADAMinistério da Justiça publica sete portarias declaratóriasOs povos indígenas esperam que Genro não ceda às pressões dos antiindígenas, como Thomaz Bastos

fiquem parados na Funai, que não aprova os relatórios dos Grupos de Trabalho, ou no Ministério da Justiça que cede às pressões dos setores antiindígenas.

Tão logo foram publicadas as porta-rias declaratórias no DOU, os jornais já noticiavam as mobilizações contrárias às demarcações. Os parlamentares da base de sustentação do governo Lula de Santa Catari-na, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul já começaram as suas agendas de pressão no Ministério da Justiça, solicitando, inclusive, mudanças na legislação, para permitir que os poderes executivo e legislativo munici-pais e estaduais participem das decisões de demarcação de terras.

O FDDI e os povos indígenas esperam que o atual ministro da Justiça não repita os erros do seu antecessor e cumpra as seguintes ações: não dialogue apenas com os inimigos dos povos indígenas; abra as portas do Palácio da Justiça e receba em audiência as delegações indígenas que vêm a Brasília ouvir e falar com ele; não devolva os proces-sos administrativos de demarcação à Funai, apenas para ganhar tempo; encaminhe, sem demora, os processos para a homologação do presidente da República; e determine que a Polícia Federal aja de forma a proteger e a garantir os bens de uso dos indígenas. Tudo isso faltou na gestão de Márcio Thomaz Bastos, ministro que não deixará saudades aos povos indígenas.

oGoverno estadual, parlamentares e elite econômica tentam evitar demarcação de terras em Santa Catarina. Acima e abaixo à esquerda, terra Toldo Pinhal; abaixo à direita, terra Guarani do Araça´í

Foto

: Alb

erto

Cap

ucci

Foto

: Cim

i – e

quip

e C

hape

Foto

: Arq

uivo

Cim

i

Page 6: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Abril Indígena 2007

Luciano MarcosCimi Leste/Equipe Itinerante

Nilton S. SeixasCimi Leste/Equipe Xakriabá

uase �000 pessoas se reuniram na área indígena Xakriabá, em São João das Missões, Minas Gerais, entre 1� e 15 de abril, na 1ª Romaria dos

Mártires da Terra. O evento, parte da pro-gramação do Abril Indígena �007, lembrou os �0 anos do massacre Xakriabá, ocorrido no dia 1� de fevereiro de 1987, quando as lideranças Rosalino Gomes, Manuel Fiúza e José Santana foram assassinadas. A chacina foi considerada crime de genocídio, com repercussão internacional.

Participaram da Romaria representantes dos povos Pataxó, Krenak, Aranã, Pankararu, Mukurim, Kaxixó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tuxá, Tupinambá, Xakriabá, além de militantes da Via Campesina, quilombolas, gerazeiros, vazanteiros, pastorais sociais, agentes das dioceses de Januária e Montes Claros, univer-sidades, organizações populares e indígenas, deputados e vereadores.

Comovidas, as lideranças indígenas re-lembraram os momentos significativos da luta Xakriabá, as conquistas e os desafios de ontem e hoje. Lembrando de Rosalino e de tantos ou-tros que deram a vida para que o povo tivesse hoje suas terras demarcadas, os participantes renovaram o compromisso de construir um futuro de esperança e dignidade.

Domingos, cacique Xakriabá e filho de Rosalino, falou da determinação de seu pai em não abrir mão dos seus direitos, que afirmava sempre: “Eu prefiro ser adubo, mas sair daqui eu não vou”.

José Nunes Xakriabá, atual prefeito municipal e também filho de Rosalino,

Gertjee van der PasRepórter

Roberto SaraivaCimi - NE

erra Toré é o nome do encontro que ocorreu entre 10 e 1� de abril na Serra do Arapuá, terra do povo Pankará, em Carnaubeira da Penha,

Pernambuco. O ideal seria chamá-lo de Toré Terra, porque o Toré nesta região é força e luz para os povos lutarem pelos seus territórios. O Toré garante a Terra e a fortalece.

Participaram do evento �00 indígenas de povos que vivem no Nordeste, entre eles: Pankará, Pankararu, Pipipã, Atikum, Kambiwá, Xukuru e Truká (Pernambuco); Tremembé, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Pitaguari, Tapeba (Ceará); Tumbalalá e Tupã (Bahia); Potiguara (Paraíba) e Koiupanká (Alagoas).

O encontro refletiu sobre a importância da terra para a sobrevivência física, cultural e espiritual dos povos, tratando de questões espirituais na relação com a terra como Solo Sagrado, onde vivem os Encantos de Luz e a ciência destes povos.

romaria dos Mártires da Terra Xakriabá em Minas Gerais

conclamou o povo a fortalecer os vínculos de união e de autonomia. “Não podemos esquecer nossa história, apesar da dor, pois ela nos ajuda a olhar para o futuro”, destacou José Nunes.

Padre Gilberto, representando o bispo de Januária, Dom Anselmo Muller, destacou o

compromisso da Igreja com a luta deste povo nos momentos mais tensos da luta. Segundo Padre Gilberto, a Igreja sempre esteve presen-te, apoiando as iniciativas para que o povo Xakriabá pudesse ter de volta suas terras.

Vários amigos que conviveram com os mártires Xakriabá lembraram da coragem, da animação e da vontade de viver em liberdade, assinalando que “os guerreiros não morrem, são plantados, dão novos frutos e seguem iluminando o caminho dos que aqui ficam”.

A presença e olhar de Dona Ercina, mãe de Rosalino, com mais de 110 anos, comoveu a todos. Dona Ercina tornou-se símbolo da resistência, fonte inesgotável de sabedoria dos povos indígenas em Minas Gerais.

Durante a programação, os participantes discutiram a demora nas demarcações de ter-ras indígenas, avaliando a política indigenista do governo Lula e debateram o fortalecimento do movimento indígena em nível estadual e regional, tendo como referência os �0 anos do massacre Xakriabá.

Na caminhada pelos sete quilômetros que liga a aldeia Brejo Mata Fome e Itapicuru, local onde ocorreu a chacina, os participantes refletiram sobre a mãe-terra, a luta pelos di-reitos, o cuidado com as águas, o movimento indígena e a busca pela Terra sem Males.

A Romaria foi uma promoção do povo Xakriabá, Cimi Leste, Diocese de Januária e o Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais. Teve apoio da Prefeitura Municipal de São João das Missões, da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese-BA), e da Articu-lação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Terra Toré - Territorialidade, religião e identidadeEncontro em Pernambuco traduz a importância da religião na luta dos povos do Nordeste

Os líderes religiosos e políticos destaca-ram a importância do evento e apontaram a necessidade de um Terra Toré �, diante das forças manifestadas no encontro, como a fala de Valdemir Pipipã: “Auto-identificação de índio é o Toré, é o marco do fortalecimento contra os não-índios. No mundo atual um italiano pode ter um colar indígena, mas nosso Toré é só nosso. É a responsabilidade dos pajés de ensinar nas escolas a forma do Toré do povo, como balançar o maracá, como pisar no chão, como chamar os Encantados.“ O encontro Terra Toré nos remete ao texto do

Paulo Suess, A mística na ação missionária: “Na mística vivemos antecipadamente o fim da dicotomia entre o campo espiritual e o campo material, entre coisas de Deus e outras, que não sejam de Deus. Por isso, o nosso tema não é mística e realidade, mas mística na realidade; não é luta e contemplação, mas luta na con-templação ou contemplação na luta.”

Ao final do evento, os participantes seguiram para o Acampamento Terra Livre, em Brasília, com o espírito fortalecido: “Esse momento é a hora de nos fortalecer para en-frentar os poderosos e irmos para o Terra Livre

Lembrança do massacre fortalece o povo diante dos novos desafios

Q

Tde coração aberto e cheio de Luz”, reforçou Zenilda Xukuru.

Além dos �00 indígenas, estiveram, no Terra Toré, representantes do Cimi, Centro de Cultura Luiz Freire, Estação da Cultura de Arcoverde, UFPE e UFPB. No Documento Final, os participantes reivindicaram, entre outras coisas: agilidade nos processos de demar-cação das terras; retirada e reassentamento dos invasores das terras indígenas; combate à criminalização das lideranças indígenas e paralisação das obras da transposição do São Francisco.

Rosalino Xakriabá

(imagem na foto), uma das

lideranças assassinadas

na chacina. Evento

também discutiu o

fortalecimento do movimento

indígena e a questão das

terras

Com muitos rituais, encontro reforçou o Toré como elemento que une povos da região

6Maio-�007

Foto

s: A

ndré

Per

illo

Foto

: Otto

Men

des

Foto

: Ger

tjee

van

der P

as

Page 7: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

77 Maio-�007

Rabeca Peres da Silva e Roberto Antonio Liebgott

Cimi Sul- Equipe POA

Segundo Encontro Continental do Povo Guarani foi um acontecimento extraordinário. Reuniram-se, de 11 a 15 de abril, no parque da Harmonia,

em Porto Alegre, mais de 800 Guarani proce-dentes do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), Argentina, Paraguai, Bolívia. O acampamento, esta “grande reunião”, ou a “Ñemboaty Guassu”, esteve envolta em mística, orações, rituais religiosos, discursos políticos e aconselhamentos. Foi uma reunião entre os Guarani, um espaço em que eles proferiram a boa palavra.

Foram momentos bonitos de reencontro entre os parentes distantes. As crianças pro-tagonizaram um encontro à parte. Brincaram, correram e animaram o ambiente que aos poucos foi sendo transformado pela presença viva de diferentes gerações.

O ambiente que não foi, e nem poderia ser, exclusivo de homens ou de adultos. A convivência incluiu toda a família, mostrando que nas formas atuais de luta se mantêm e re-afirmam as maneiras próprias de organização e de vida Guarani.

As cerimônias religiosas foram ritualizadas através de cantos, danças e de palavras dos mais velhos. Os momentos de rituais uniram a todos e explicitaram, uma vez mais, que a relação com o sagrado é a grande força deste povo na resistência frente ao poder coloniza-dor. Os Karaí e as Kuña-Karaí, ao proferirem suas orações e cantos, pediam a Ñanderu muita força, coragem e esperança. Pediam e anunciavam a confiança numa terra sem mal. Em suas falas lembravam de Sepé Tiaraju, um Guarani que, ao lado de tantos outros, lutou e derramou o sangue pela vida e pela terra de todos os Guarani. Sepé Tiaraju serve, ainda hoje, como inspiração para a continuidade da luta pela garantia dos direitos de existirem enquanto povo e sobre as terras que lhes assegurem condições de vida e futuro.

Os Karaí e as Kuña-Karaí assumiram a responsabilidade da palavra, proferindo as mensagens sagradas e os bons conselhos para que todos e de modo especial os caciques e li-deranças mantenham-se atentos às realidades de suas comunidades. A grande preocupação manifestada pelos líderes religiosos, neste encontro, foi com as crianças e jovens, que precisam de ensinamentos e orientações para cultivar a cultura Guarani.

Afirmaram também que a terra e a natu-reza são essenciais. A terra é fonte de toda a

existência e viver sem ela tem sido o motivo e causa de todos os males. Centenas de famílias vivem hoje entre a cerca das fazendas e o asfalto das estradas, próximo aos lugares que eles identificam como sendo seus tekohá. Por isso, em muitos momentos os mais velhos afirmaram a necessidade de fortalecer as lutas pela reconquista da terra. Dizem que, ao contrário, em pouco tempo restará para os Guarani somente o asfalto das estradas.

Articulação continentalNas palavras dos caciques ecoava a sinto-

nia e comprometimento com as mensagens dos mais velhos. Todos manifestaram o com-promisso com o fortalecimento da organiza-ção dos Guarani e afirmaram a necessidade de maior união entre as comunidades, dando continuidade a uma articulação continental. Segundo eles, os Guarani que vivem em uma determinada terra hoje, amanhã estarão em

outra. As terras demarcadas, portanto, são para todos os Guarani.

CaminhadaUm fato marcante e inédito foi a rea-

lização da caminhada indígena pelas ruas do centro de Porto Alegre. Participaram os Guarani, os Kaingang do Morro do Osso, a Via Campesina, o Movimento dos Trabalhadores Desempregados, o Levante da Juventude.

A marcha teve como objetivo tornar visível a presença do povo no Continente, e as lutas pela demarcação de suas terras, por assistência à saúde e educação dife-renciadas.

O grupo foi até o Palácio Piratini, sede do governo do estado, onde solicitaram uma audiência com a governadora Yeda Crusius para entregar uma pauta de reivindicações.Durante a caminhada, houve duas paradas significativas. A primeira foi onde a empresa

II Encontro Continental Guarani articula povo que vive em 4 países diferentesPara os Guarani do Brasil, mobilização os fortalece frente às omissões da Funai e do governo federal

Povo Guarani:Um Grande Povo!Vida, Terra, FuturoNo encontro também se deu início a uma campanha internacional em apoio às lutas Guarani. A campanha Povo Guarani: Um Grande Povo! Vida, Terra, Futuro mostra que eles continuam firmes. Vivendo, resistindo e lutando pela demarcação de suas terras, pela garantia da vida e do futuro.

de comunicação RBS construiu um relógio que simbolizava os 500 anos de colonização e que foi destruído, em �� de abril de �000, por manifestantes que repudiavam as celebrações dos “500 anos de descobrimento”. No local, foi plantada uma árvore sagrada para os Guarani, simbolizando o fim da violência e anunciando que todos os oprimidos do Continente querem viver e construir um outro mundo possível. Uma segunda árvore foi plantada na Praça da Alfândega, na Rua dos Andradas, onde existe um cemitério Guarani. O gesto reafirma que ali é território Guarani e que sua história continua presente.

Documento finalOs Guarani elaboraram documento final

em que denunciam que a falta de terra é o principal problema que os atinge. Relataram também que o seu modo de ser está sempre em sintonia e respeito com a natureza. Para eles não há fronteiras entre suas terras no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai: existe um grande território Guarani, que não se divide por fronteiras nacionais, e que acolhe a todos, no seu contínuo caminhar.

Afirmam no documento que a Educação acontece no cotidiano e em todos os mo-mentos em seus Tekoha e é na Casa de Reza que os conhecimentos são transmitidos de maneira mais sistemática. Algumas aldeias possuem escolas, porém muitas delas seguem as lógicas formais do sistema de ensino e não respeitam o jeito de ser Guarani. Muitas vezes as Secretarias de Educação exigem que os professores indígenas ensinem às crianças da mesma maneira que ocorre nas escolas dos não-indígenas. Quanto à saúde, reivindicam que o atendimento respeite os seus conhecimentos tradicionais e que as pessoas que atuam em suas comunidades sejam preparadas para que compreendam as maneiras de pensar e de ser deste povo.

“Nós temos que manter forte a nossa união, temos que continuar fazendo Ñemboaty Guassu, nossas grandes reuniões, porque temos que lutar muito para que a demarcação de nossas

terras aconteça. Não podemos confiar nos juruá (brancos) porque eles não querem a demarcação de nossas terras

tradicionais, eles preferem ver a gente na beira das estradas”Karaí Rodolfo Chamorro

Argentina

oIndígenas e integrantes de diversos movimentos sociais caminharam pelas ruas de Porto Alegre, até o Palácio do Governo, para tornar visível a presença e as lutas Guarani na América do Sul

Foto

: Cim

i Sul

Foto

: Wal

ter K

arw

atzk

i

Foto

: Wal

ter K

arw

atzk

i

Foto

: Wal

ter K

arw

atzk

i

Page 8: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

8Maio-�007

Marcy PicançoEditora do Porantim

ma grande Assembléia Indígena. Foi como Uilton Tuxá, da Arti-culação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo, a Apoinme, definiu o espírito do Acampamento Terra Livre �007. De

fato, entre 16 e 19 de abril, mais de mil indíge-nas de 100 povos de todo o país se reuniram, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para se fortalecerem, trocarem experiências e definirem os rumos da luta dos povos por seus direitos.

No primeiro dia do Acampamento, um jor-nalista perguntou às lideranças da mobilização sobre as conquistas desta ação, que já está em seu quarto ano. Homologação da Raposa Serra do Sol, ratificação da convenção n.169 da OIT, criação da Comissão Nacional de Política Indi-genista foram algumas das respostas. Mas, se o repórter tivesse retornado à tenda colorida no dia seguinte, conseguiria perceber a grande conquista destes anos de Terra Livre:

“Estou preocupado com os parentes do Sul, que não têm a terra demarcada”, dizia Darci Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas. “Temos que nos unir de Norte a Sul para obrigar o governo a demarcar”, completava a liderança da região que enfrenta uma grave situação de saúde.

Solidariedade, articulação que gera mobili-zação, lutas, conquistas. Este é o grande resul-tado do Acampamento Terra Livre, momento central do Abril Indígena.

Protegidos do sol forte, sob tendas ou sob palcos da festa do aniversário de Brasília, os indígenas trataram de demarcações, susten-tabilidade, educação, saúde, legislação entre outros temas. A partir dos debates, definiram os posicionamentos do movimento.

Estas decisões ganham agora uma impor-tância maior, pois poderão ser discutidas na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), que, um ano depois de criada, foi instalada, no dia 19 de abril. Pretende-se, com a Comissão, que

as ações públicas voltadas aos povos indígenas sejam definidas com a participação destes.

A Comissão, presidida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), é composta por �0 lideranças indígenas, além de duas entidades indigenistas e �� representantes de ministérios. Será um avanço importante na política indige-nista do País, considerada inexistente por Jeci-naldo Cabral, Sateré Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) e um dos integrantes da Comissão.

No dia 19, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao receber os indígenas da Comissão, assumiu não ter feito um bom governo para os povos do país. Lula prometeu fazer no segundo mandato o que não fez no primeiro.

O presidente admitiu que a falta de terras dificulta a subsistência das comunidades e as-sinou três decretos de homologação de terras e corrigiu a homologação de outras três. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, assinou as Portarias Declaratórias de outras sete terras.

As lideranças saíram confiantes, mas não iludidas, da audiência. “Sempre ficamos em segundo, último plano”, já dizia Jecinaldo no início do Acampamento. Passado o Dia do Índio, políticos ligados ao governo já prometem a setores antiindígenas que as demarcações serão canceladas. O movimento já se mobiliza para impedir que isso ocorra.

As recentes ações do governo sinalizam a intenção de dar melhor rumo à política indige-nista: as demarcações, a saída de Mércio Gomes da presidência da Funai, a instalação da CNPI... Mas, como foram conquistas e não presentes os povos indígenas não se acomodam.

O Acampamento Terra Livre, a resistência de crianças, homens, mulheres e idosos que passam quatro dias firmes debaixo de sol, vento e chuva traduz a resistência dos povos indígenas. Vivendo tudo isso juntos, em diversos idiomas, a articulação se fortalece e, na longa jornada de volta, o espírito é como o de Darci Marubo: “Se for preciso, eu vou pra luta, pressionar o governo. Tenho certeza que os parentes vão também.”

Acampamento Terra Livre 2007

No Supremo“Quem está aí dentro nem percebe se chove aqui fora”

No dia 19 de abril, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, recebeu lideranças de 14 povos que agradeceram o cumprimento do compromisso, assumido por Gracie, no Abril Indígena �006, de priorizar processos ligados a temas indígenas. Elas pediram, novamente, que sejam julgados os processos relativos à terra Pataxó Hã Hã Hãe, na Bahia; dos Potiguara, na Paraíba e dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. “Conse-guimos dar conta de uma parcela. O STF dá um exemplo que pode traçar um rumo a ser seguido pelos demais tribunais”, avaliou a ministra.

Neuza, do povo Terena, esteve na rápida reunião. Na saída, ficou olhando o enorme prédio de mármore, sede do Supremo. “É bonito aqui. Muito grande. Se chove aqui fora, quem está aí dentro nem deve perceber que está chovendo, né?”

Era o fim da tarde do último dia do Acampamento e, em breve, ela estaria voltando para sua aldeia. “Acho que as coisas tão melhorando um pouco. Vamos ver se melhora mais, com tudo isso que a gente faz aqui.”

U

Acampamento Terra Livre 2007 mostra o fortalecimento e organização do movimento indígena

Foto

s: E

gon

Hec

kFo

to: W

alte

r Kar

wat

zki

Foto

: Den

ise

Alv

es

Foto

: Wal

ter K

arw

atzk

i

Page 9: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

9 Maio-�007

“Esta casa não trata com seriedade os projetos que nos afetam e está cheia de antiindígenas”, declarou Jecinaldo Cabral, coordenador da Coiab, no início de sua fala na audiência sobre direitos indígenas no Senado Federal, no dia 19 de abril. Em protesto, ficou sentado no chão do palco, apesar de ser um dos expositores.

Mesmo agradecendo aos parlamentares que convocaram a Audiência, conduzida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), os indígenas reclamaram por não serem ouvidos apropriadamente pela Casa e criticaram os projetos de lei e as decisões do Congresso contra os direitos indígenas. O barulho dos maracás dos mais de 600 indígenas que lotaram o auditório ressoava alto quando as lideranças lembravam que não estavam pedindo favores, mas exigindo que a Constituição fosse cumprida.

Diversos parlamentares ouviram as reivindicações e relatos da realidade dos povos. “Não tenho novidades”, disse Leia Aquino, Gua-rani Kaiowá. Segundo ela, todos os políticos sabem o que se passa no Mato Grosso do Sul, onde “pistoleiros matam índios e crianças morrem de fome”, pois tudo é resultado do trabalho deles. “Não queremos tomar o poder. Queremos nossas terras. Não agüentamos mais viver como se não tivéssemos sentimento e conhecimento”, exigiu Leia.

Estatuto e grandes projetos

A Sub-Procuradora Débora Duprat, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, lembrou que a última grande decisão do Congresso em relação aos indígenas foi a aprovação da Conven-ção n.169 da Organização Internacional do Trabalho. Esta lei determina que os povos sejam ouvidos na discussão de leis que lhes afetam. “Mas, vocês foram ouvidos antes deste Congresso conceder a autorização para a Usina de Belo Monte? E para a de Estreito? E antes da licença para a transpo-sição do São Francisco? E sobre o incentivo às plantações de cana no Mato Grosso do Sul, parte do PAC?”, perguntou Débora. Um sonoro não foi ouvido.

“Queremos transparência nos debates sobre o Programa de Aceleração do Crescimento. Não queremos ser fardo para o governo. Queremos debater os projetos”, afirmou Sandro Tuxá, da Apoinme, reforçando a fala de Duprat.

A audiência também tratou de outra questão que não é nova: o Estatuto dos Povos Indígenas. Paulo Paim afirmou que é necessário aprovar um Estatuto feito com a participação dos povos. Os indígenas reafirmaram que não aceitam a aprovação de projetos de lei, como o da mineração em terras indígenas, fora do Estatuto.

Saulo Feitosa, vice-presidente do Cimi, lembrou que há �0 anos o Congresso vivia o clima da Constituinte, quando os indígenas lotavam os plenários e assim garantiram seus direitos na Constituição. Porém, muitos deles não saíram do papel.

Diante das realidades expostas, fica a celebrar no dia 19 de abril, “a força cada vez maior deste movimento, desta luta, que resiste a tantos ataques”, como disse Débora Duprat, que também celebrou aniversário no Dia do Índio.

Em sua quarta edição, Terra Livre se consolida como auge da articulação dos povos no Abril Indígena. Impactos do PAC e crise na saúde indígena foram algumas das questões debatidas. No dia 19 de abril, CNPI foi finalmente instalada.

No dia 17 de abril, o Acampamento Terra Livre fez um ato para marcar os 10 anos do assassinato de Galdino Jesus dos Santos, do povo Pataxó Hã Hã Hãe. Cerca de mil indígenas caminharam da Esplanada até a Praça Galdino, onde o indígena foi queimado vivo em abril de 1997 por jovens da classe média alta de Brasília.

O ato também lembrou os �57 indígenas que foram assassinados desde aquela data, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário. Muitas pessoas levavam cartazes com os nomes de lideranças que morreram na luta pela terra. “Continuam ameaçando nosso povo. Os assassi-nos do cacique João montaram casa dentro de nossa terra e estão nos perseguindo. A Justiça não fez nada,” repetia indignada Antonia Guajajara, levando o cartaz com o nome de João Araújo, assassinado em �005, em meio à luta pela demar-cação da terra Bacurizinho, no Maranhão.

Neste estado, um dia antes da passeata, diversos Guajajara ficaram feridos, alguns balea-dos, num conflito com moradores da cidade de Arame, depois que os indígenas bloquearam uma estrada em protesto contra a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

Galdino também foi assassinado lutando pelos direitos de seu povo. Ele estava em Brasília para dis-cutir com aliados o processo que pede a nulidade dos títulos de terra, concedido pelo governo da Bahia para fazendeiros que invadem a área Hã Hã Hãe. Há �4 anos, esta ação aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal. “Esse processo parado faz aumentar a violên-cia. Os fazendeiros contratam pistoleiros para ameaçar a gente”, reforça Reginaldo Vieira, cacique da aldeia

Ato marca 10 anos do assassinato de GaldinoProtesto lembra lideranças que morreram na luta pela terra

Audiência no senado destaca direito dos indígenas discutirem

leis que lhes afetam

Caramuru, que estava com Galdino na época do crime. Ao chegarem na Praça Galdino, onde há um monu-

mento em memória do indígena, houve um ritual feito por líderes religiosos de diversos povos. Em seguida, limparam e pintaram a obra, que estava suja e abandonada. “É para mostrar que o movimento indígena está forte. Por isso vamos cuidar da memória de nossos mártires que morreram na luta”, afirmou Jecinaldo Sateré Mawé, coordenador da Coiab.

Na audiência do Senado, também foi lembrado processo de criminalização que as lideranças indígenas estão sofrendo

Foto: Marcy Picanço

Foto

: Ger

tjee

van

der P

as

Page 10: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

10Maio-�007

Abril Indígena 2007

Brincando e se conhecendoEnquanto na tenda central, os adultos discutiam os problemas que afetam os povos indígenas, Agapito (7 anos), Pataxó Hã Hã Hãe, e os Kaiowá Guarani Joilson (11 anos) e Jonantan (9 anos) brincavam no gramado da Esplanada. Estão no Terra Livre pela segunda vez, mas apenas este ano ficaram amigos.O pequeno Pataxó Hã Hã Hãe fala o que sabe sobre os Guarani:— Eles vivem na rua, assim numa estrada...— Não vive! – contesta Joilson.— Vive, sim! Minha mãe já foi por lá e me falou – reafirma Agapito.Melhor mudar de assunto. É a vez de Joilson e Jonantan falarem o que sabem sobre o povo do colega:— Aquele que mataram com fogo. É de lá.— É. Foi aqui em Brasília – confima Agapito – Foram uns ladrões que colocaram fogo nele. Depois fugiram.— É?!? – dizem os três, ao saberem que, na verdade, foram garotos ricos.Melhor mudar de assunto.Todos três estudam. Mas ficam tímidos na hora de escreverem os nomes e se desafiam para ver quem consegue. Todos gostam da escola.— Meu tio é o professor. Eu não gosto quando tem sopa – diz Agapito.— Eu não gosto de salada. – informa Joilson e completa: Às vezes não tem merenda e alguns colegas ficam doente.E se acham que algumas coisas vão melhorar com essas discussões?—Hum... Acho que sim, né?

Marcy PicançoEditora do Porantim

entre as questões discutidas du-rante o Acampamento Terra Livre, que reuniu mais de 1000 indígenas na Esplanada dos Ministérios,

entre 16 e 19 de abril, tiveram destaque os impactos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o caos da saúde indígena.

O PAC foi o tema central do primeiro dia (16), com a palestra de Roberto Smeraldi, da organização Amigos da Terra. Ele falou sobre os riscos que os grandes projetos – hidrelétricas, hidrovias, asfaltamento das grandes rodovias – podem trazer para terras indígenas, particularmente na Amazônia.

“O problema, muitas vezes, não é a obra em si, mas o pacote que vem com ela: os impactos dos canteiros de obras e da valorização das terras”, alertou Smeraldi. Ele lembrou que projetos de infraestru-tura estimulam a criação de municípios e movimentam a economia local, “por isso a pressão pelas obras vem mais dos políticos e empresários regionais do que da popu-lação”. Segundo Smeraldi, estes projetos também geram desmatamento e grilagem: “Se essa nova ‘geografia dos supercanteiros’

se confirmar, teremos mais pecuária e mais pressões sobre as terras já demarcadas e a demarcar”.

“O Estado aprova uma lei que não quer cumprir”, afirmou Uilton Tuxá, da coorde-nação da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, referindo-se ao direito dos povos indígenas de serem consultados sobre a instalação de projetos que afetem suas terras, antes da autorização para início das obras. A Cons-tituição e a Convenção 169 da OIT, válida como lei no Brasil, garantem este direito.

Ele reafirmou que os povos do Nordeste que serão afetados pela transposição do rio São Francisco são contra o projeto. “O território do meu povo está embaixo da água de barragem. Não tem volta. Os povos do Nordeste não aceitam mais isso.”. Durante o Acampamento, o presidente da Fundação Nacional do Índio, Márcio Meira, compro-meteu-se a ir ao Nordeste fazer audiências sobre este projeto com os povos que podem ser afetados.

Caos na saúdeA situação caótica na qual se encontra a

saúde indígena foi outra questão discutida durante o Acampamento. Foram várias as denúncias, vindas de todas as regiões, sobre

o trabalho da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pela área.

“Queremos uma CPI na saúde indígena.”, afirmou Débora Tan Huare, do setor de mulheres da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), durante audiência no Senado. “Não pode continuar o desvio de verba na Funasa, enquanto nossos parentes morrem por falta de remédio, de transporte. A Funasa tem dinheiro, mas o que vemos hoje é negociata de político com dinheiro indígena para pagar campanha”, denunciou.

Ela achava que a saúde indígena iria melhorar, depois que passou a ser respon-sabilidade da Funasa. Segundo a Subprocu-radora Deborah Duprat, até hoje, a Funasa não consolidou o subsistema de saúde indígena. A Fundação não deu autonomia administrativa e financeira para os Distri-tos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), concebidos para empoderar os indígenas, valorizando o controle social. “A Funasa dá poder aos coordenadores regionais, que são indicações políticas. Apesar das denúncias, a Funasa tapa os ouvidos e faz uma política genocida de saúde”, enfatizou Duprat, que, em sua fala na audiência, lembrou a líder Maninha Xukuru-Kariri, morta por falta de assistência médica.

Os problemas na saúde também se relacionam diretamente com a questão da terra. “É por falta de terra que nossas crianças morrem de fome. Por que não há onde trabalhar”, lembra Leia Aquino, sobre a mortalidade infantil entre os Guarani Kaio-wá, no Mato Grosso do Sul. Davi Yanomami denunciou que a malária voltou a matar seu povo e atribui isto também à volta dos garimpeiros: “Há quatro anos a Funai não tira garimpeiro da terra”.

No Vale do Javari, no Amazonas, os invasores da terra são responsáveis pela grave situação de saúde, além do precário atendimento da Funasa. Na região, �4,9% dos indígenas estão contaminados pelo vírus da Hepatite Delta, a forma mais perigosa da doença, e 85,1% dos examinados pela Funasa já tiveram o vírus da hepatite tipo A. Clovis Reis, do povo Marubo, coordenador do Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), explica que os garimpeiros e madeireiros ile-gais levam doenças aos índios e circulam pela região onde vivem povos sem contato.

Clóvis, que esteve em audiências na Funasa, com o Ministro da Saúde e no Mi-nistério Público, pede pressa na solução dos problemas: “Os técnicos de saúde falam que os povos do Javari vão acabar em �0 anos se nada for feito”.

Grandes projetos e descaso da Funasa ameaçam sobrevivência dos povosIndígenas exigem serem consultados antes de autorização de obras e pedem ações urgentes na saúde.

Débora Duprat, do MPF, Saulo Feitosa, do Cimi e Débora Tan Huare, da Coiab, na audiência do Senado

D

INTEGrAção ENTrE os povos:

Foto

: Cél

io A

zeve

do/A

gênc

ia S

enad

o

Foto

: Mar

cy P

ican

ço

Page 11: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Luiz CláudioCimi Norte II

o dia 16 de abril, a chuva deu as boas-vindas aos mais de 600 militantes da Via Campesina que, junto de indígenas e quilombolas,

acamparam até �0 de abril em Belém, Pará. Com debates, audiências e duas passeatas, os movimentos sociais na Amazônia mos-traram sua organização para lutar contra o avanço do capital e do agronegócio sobre a floresta.

Dia 17, uma passeata marcou os 11 anos do massacre de Eldorado de Carajás, quando 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados em ação da Polícia Militar. Atualmente, nenhum dos condenados pelo crime cumpre pena.

Em frente à Federação da Agricultura do Estado do Pará, entidade que influencia

do leilão da Vale. Em seguida, no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), de-nunciaram a exploração ilegal de madeiras em terras indígenas.

Odair José, cacique Borari e coorde-nador do CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns), denunciou a situação vivida pelos indígenas do Tapajós, onde fazendeiros têm milícias para expulsá-los de suas terras. Nesta região, os indígenas também são afetados pelo porto de grãos da Cargil, que opera irregularmente, mas com garantias do governo estadual.

No dia �0 de abril, Claudemir Monteiro, do Cimi, e Rosa Azevedo Marin, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, falaram sobre como os territórios indígenas e quilombolas contêm o avanço do capital na Amazônia. Isto explicaria, em parte, a morosidade para a demarcação das terras e as tentativas para diminuição das áreas demarcadas.

Priscila D. CarvalhoRepórter

ão à Barragem”. Reafirmaram 40 lideranças dos quatro povos afe-tados pela hidrelétrica de Estreito em reunião no Ministério da Justiça

(MJ), no dia �4 de abril. Junto com quilom-bolas e ribeirinhos, eles falaram sobre as preocupações com o impacto das obras.

A decisão de não aceitar a usina foi fortalecida pela decisão liminar da Justiça Federal em Imperatriz, no Maranhão, que parou as obras da hidrelétrica, devido a fa-lhas no licenciamento ambiental. A sentença do juiz, anunciada em �0 de abril, responde a uma Ação Civil Pública movida pelo Cimi e pela Associação de Desenvolvimento e Preservação dos Rios Araguaia e Tocantins (Adeprato), em junho de �006.

Dentre os pontos destacados pelos indígenas estão: migração, violência, alte-rações nos rios que chegam ao Tocantins e passam por terras indígenas, aumento da pressão sobre as terras – com a chegada da população das cidades que serão alagadas

– e o crescimento da população das cidades próximas por causa da obra.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) comprometeu-se a apoiar a decisão dos povos Krahô, Apinajá, Krikati e Gavião. A reunião, no entanto, não definiu ações concretas para este apoio.

Marcio Meira, presidente da Funai, reconheceu as falhas da instituição no licenciamento e prometeu visitar as comu-nidades. Os indígenas aceitaram a visita, mas enfatizaram que a atuação do órgão na

Justiça decide parar obras da hidrelétrica de Estreito, no Tocantins

região não pode ser vinculada ao apoio às obras. “Que a ida aponte para a desintrusão e demarcação das terras, porque esta é a função da Funai. Sem precisar falar em barragem”, disse Antônio Apinajé.

Na reunião, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) afirmou que vai recorrer da decisão judicial. “O licenciamento está corre-to e não há possibilidade de cancelamento da licença de instalação concedida pelo Ibama.”, afirmou o Diretor de Licenciamento Ambien-tal do Ibama, Luiz Felippe Kunz.

O Ministério Público Federal manteve os questionamentos em relação ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Deborah Duprat, subprocuradora da República, prepara ações questionando o fato da obra não levar em conta quilombolas e ribeirinhos da região. “Só a partir do EIA se resolve se vale o dano ambiental e social, em nome do que se chama de desenvolvimento. Só este estudo define a influência da obra, e ele tem que ser submetido a debate público”, questionou.

Mobilização e apoioIndígenas, sem-terra e ribeirinhos es-

tiveram, entre 16 e �6 de abril, acampados ao lado das obras. No dia 16, cerca de 500 pessoas bloquearam, por 11 horas, a rodovia Belém-Brasília em protesto contra a hidrelé-trica. As lideranças também participaram de reunião na Câmara Municipal de Estreito e, em praças da cidade, exibiram vídeos sobre impactos das barragens. A mobilização foi organizada pelo Cimi, CPT, MAB, MST entre outros.

A organização Humanos Direitos divul-gou um vídeo sobre os impactos negativos às comunidades locais que a hidrelétrica de Estreito pode causar. A atriz Letícia Sabatella, integrante da organização, foi a Brasília, no dia �4, para participar da reunião no MJ.

as políticas agrárias do estado em favor do agronegócio, dois casais acorrentados e carvão espalhado pelo chão lembraram que o Pará é recordista de trabalho escravo, prin-cipalmente nas carvoarias que abastecem o polo siderúrgico de Marabá, com madeira retirada ilegalmente de florestas localizadas em terras públicas.

O 18 de abril foi de debates sobre os entraves à dignidade dos povos da Ama-zônia. O Procurador Federal Felício Pontes falou sobre o projeto de destruição da Amazônia implementado desde o regime militar, quando a União despejou recursos em projetos agropecuários e de exploração da madeira.

No sul do Pará, local da primeira experi-ência desse modelo, a troca dos castanhais pelo pasto resultou na migração de trabalha-dores e em violentos conflitos envolvendo camponeses e indígenas. Hoje, esta região

apresenta um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil e um dos maiores índices de concentração de terra e de trabalho escravo.

Em outro debate, Rogério Hon, dirigente nacional do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) falou sobre o hidronegócio – exploração da água, por exemplo, para a produção de energia e de grãos para exportação.

Os acampados refletiram sobre como esta situação impede a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas, o que também aumenta ameaças e atentados contra lideranças sociais. Crimes que, no geral, ficam impunes.

Em 19 de abril, outra caminhada mar-cou o dia de luta dos povos indígenas. Em frente ao escritório da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), anunciaram o plebiscito, no mês de setembro, sobre a anulação

No pará, acampamento da via Campesina discute a exploração e alternativas na AmazôniaCamponeses, indígenas e quilombolas protestam contra escravidão, violência e impunidade na região

Mobilização contra obra parou rodovia Belém-Brasília por mais de 11 horas

Nas ações no Tocantins e na reunião em Brasília, indígenas mantêm decisão contra barragem

N“

As terras dos ribeirinhos, reservas extrativistas, terras quilombolas e indígenas são o foco maior de resistência ao modelo predatório de desenvolvimentona região

N

1111 Maio-�007

Foto

: Cim

i GO

/TO

Foto

: Lui

z C

láud

io/C

imi N

orte

II

Page 12: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Egon D. HeckCimi/MS

m calor de rachar, em Porto Espe-ridião, Mato Grosso. Um galpão coberto de zinco aquecia o es-pírito Chiquitano. As delegações

chegavam da fronteira Brasil-Bolívia, das barrancas dos rios Paraguai e Cáceres e de diversas aldeias chiquitanas. Foram quase �50 participantes na �ª. Assembléia Popular de Afirmação do Povo Chiquitano, ocorrida nos dias �1 e �� de abril.

A mística inicial deu o tom do encontro. “Queremos apenas terra para viver, sem arame e sem cercas”. Soaram os tambores. E o tom suave das flautas inundou o espaço. As bandeiras bailavam alegres enquanto as delegações bebiam a chicha da abundância e liberdade e eram marcadas com terra na testa.

Caminhada de lutasCláudia estava feliz porque colocou um

chapéu Chiquitano no presidente Lula, no Dia do Índio. Era a força simbólica de uma luta sofrida, mas vitoriosa. Em menos de um ano ocorreram duas assembléias, um seminário e uma romaria de solidariedade para as aldeias na Bolívia, além da partici-pação no acampamento Terra Livre e em debates e audiências. Centenas de Chiqui-tano deixaram seu silêncio e assumiram sua identidade.

Apesar do avanço, eles ainda enfrentam oposição à demarcação das terras, por parte da elite local. Para José Antônio, da aldeia Acorizal, no Portal do Encantado, “quem assume a sua identidade Chiquitana sofre muitas ameaças”. Como dona Celina Muquissai, que teve a casa incendiada por fazendeiros no dia 1� de abril.

Por conta dessa agressão, a Assembléia solicitou ao Ministério Público acompanha-mento do processo de demarcação das ter-ras, principalmente de Vila Nova Barbecho, onde ocorreu a violência.

A oposição contra o povo Chiquitano e a demarcação de suas terras é tamanha que, durante a Assembléia, o Pe. Salomão, um dos apoiadores dessa luta, recebeu quatro ameaças pelo telefone.

No encontro, o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no Mato Grosso, falou sobre a

Egon D. HeckCimi/MS

uiabá, capital do Mato Grosso, foi novamente cenário da memória do martírio do missionário Vicente Cañas, assassinado brutalmente

em 6 de abril de 1987, em seu barraco, nas barrancas do rio Juruena, município de Juína, (MT). No dia �0 de abril de �007, na simplicidade da Igreja São Judas Tadeu, em Cuiabá, foi celebrada a memória dos �0 anos de martírio de Vicente Cañas.

No início da celebração, da qual partici-param vários amigos de Cañas e represen-tantes do Cimi, foi lembrado que Dom Pedro Casáldaliga, bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia, estava presente - não pessoal-mente, por causa de seu debilitado estado

Abril Indígena 2007

de saúde – mas através de sua mensagem, que foi lida: “Apesar da irresponsabilidade e do entreguismo dos poderes públicos, a serviço do capital neoliberal que engole as terras, as águas, a vida dos povos indígenas, nós celebramos a memória do irmão Vicente e de todos os mártires da causa e nos com-prometemos a prosseguir com radicalidade e com esperança a caminhada, sempre pascal, sempre testemunhante.“

A celebração foi muito singela, contando com elementos que lembraram o assassinato de Cañas, como a faca, as bordunas e os ócu-los, encontrados no chão, próximo ao barraco onde foi morto. “A memória do Vicente não é do passado, mas é do presente como o sacrifí-cio de Cristo. A memória também é futuro. A verdadeira memória não passa. Essa memória é mais presente hoje do que ontem”, disse, na homilia, o Pe. Bartomeu Meliá, que conviveu com Vicente entre os Enawene Nawe.

Após a missa, pessoas que conheceram Cañas ou seu testemunho partilharam

depoimentos. Éden Magalhães, secretário executivo do Cimi, falou que a entidade busca preservar a memória de Vicente, dando seu nome ao Centro de Formação do Cimi. Meliá também lembrou que existem diversos centros de formação dos Jesuítas no Continente com o nome de Vicente Cañas.

Memorial Vicente CañasUm monumento em homenagem ao

missionário deverá ser construído em frente à Igreja São Judas Tadeu. O artista, Jonas Correa, levou à celebração uma proposta para o memorial, que foi debatida entre os presentes.

É composto basicamente de um tron-co de árvore sendo cortado pelo poder destruidor. Na parte superior, há uma índia com uma criança e ao lado o Ir. Vicente empunhando uma flecha representando o embate, a luta em defesa da natureza e dos povos indígenas.

A obra fará o contraponto com o mo-numento aos Bandeirantes, que fica a 500 metros da Igreja.

Além desse monumento, há a idéia de se fazer um memorial, onde estariam vários elementos que lembrariam a vida e o sacrifício do Vicente. Uma das propostas é construí-lo no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (Goiás).

questão fundiária da faixa de fronteira. Ele foi questionado sobre a interpretação que busca restringir os direitos indígenas nesta área sob a alegação da defesa da soberania do país.

No debate, os participantes do encontro pontuaram que as terras indígenas na faixa de fronteira, ao contrário do que se busca afirmar, tornam aquela área mais segura, pois têm dupla defesa: são propriedade da União - e não de grupos estrangeiros – e protegidas pelos povos indígenas, que têm sido guardiões das fronteiras.

Curussé, alegria e compromisso

No segundo dia do encontro, uma al-vorada Chiquitana celebrou o amanhecer à beira do rio Jaunu, seguida de batucada ao ritmo de curussé, dança Chiquitana, pelas ruas de Porto Esperidião. Um momento de celebração e reflexão. Nada mais significati-

vICENTE CAñAs: vinte anos de martírio eCelebração em Cuiabá lembra assassinato do missionário e planeja monumento

C

Assembléia Chiquitana - Alegria contagia

vo do que estar à beira do rio, para abraçar a Amazônia maltratada pela ambição e destruição.

Renato Nambikwara fez um apelo em defesa da água, que é “vida para todos, gente e animais, por isso tem que ter muito cuidado”. Nas denúncias contra a destruição da Amazônia e Pantanal, lembrou-se que o governador do Mato Grosso “é um dos maiores assassinos da vida e natureza da região”.

Ao final da Assembléia, foram encami-nhados às autoridades pedidos de ações contra as violências sofridas pelos Chiquita-no e de rapidez na demarcação das terras. Os participantes se comprometeram a lutar para que os Chiquitano que ainda não assumiram sua identidade, ludibriados por fazendeiros e políticos, possam compreender a gran-deza desse gesto, enquanto Chiquitano e brasileiro.

Místicas evocaram o espírito

alegre Chiquitano

e a proteção da

Amazônia

U

Assembléia Chiquitana - Alegria contagiaEncontro no MT reforça luta pela terra e afirmação da identidade indígena.

1�Maio-�007

Foto

s: E

gon

Hec

k

Foto

s: E

gon

Hec

k

Page 13: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Priscila D. CarvalhoRepórter

busca de soluções para a situação de miséria e falta de terra em que vive grande parte dos Guarani motivou o Ministério Público Federal (MPF)

a realizar, entre os dias �8 e �0 de março, o seminário “Guarani: Direitos e Políticas Públi-cas”. O evento reuniu lideranças, indigenistas e representantes do poder público federal para tratar da “crise humanitária” no Mato Grosso do Sul (MS), dos problemas de terras no Centro Sul do país, e dos Guarani que vivem em regiões de fronteiras.

Em relação ao Mato Grosso do Sul, foi proposta a criação de uma força tarefa que acompanhe e garanta o andamento dos pro-cessos de regularização dos Tekohá (territórios tradicionais) – única solução a longo prazo para o problema de alimentação na região, onde grande parte da população depende, atualmente, de cestas básicas. “Quem com-bate a fome é terra”, sentenciou o Guarani Ambrósio Vilalba.

A indicação é que a força tarefa elabore uma listagem dos Tekohá reivindicados, trabalhe o território guarani de maneira integrada – e não apenas como pequenas terras isoladas –, e crie um cronograma para a identificação de terras. Também foi solicitada, ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana visita urgente para fazer vistoria da situação dos 1�� indígenas presos no MS, dos quais 48 estão na cidade de Amambaí. “Pela desproporção da população carcerária, pode haver intuito de perseguição”, afirmou o pro-curador da República, Eugênio Aragão.

O descumprimento dos prazos para demarcação de terras em Santa Catarina e a incompreen-são dos órgãos ambientais sobre a presença dos Guarani nos poucos espaços de Mata Atlântica que restam, também foram temas abordados.

Fronteiras“Na fronteira, quando pára índio, pergunta por documento. Isso não devia acontecer. Quando

nós passamos, para o Paraguai, Argentina, é porque tem parente lá. Não vai para a cidade de branco. Fica na aldeia. Leva apenas roupa, panela de comida, mas barram panela de comida. Para revisar mochila eles tiram tudo, coisa que não deve fazer. Às vezes, não deixam passar o radinho que a gente leva. Para mim, isso é crime”, questiona Santiago Franco, Guarani que vive no Rio Grande do Sul.

O trânsito entre as comunidades é uma forte característica Guarani, mas a manutenção deste contato se torna cada vez mais difícil, entre outros motivos, pela exigência de documentos que nem sempre os Guarani têm. Além da truculência com que por vezes é tratado, este povo reclama da falta de compreensão sobre seus costumes, que leva também a situações de preconceito – eles são constantemente criticados por serem “paraguaios”, por exemplo.

Para começar a solucionar este tipo de problema, o seminário sugeriu que se faça um diag-nóstico das políticas públicas direcionadas à população Guarani no Brasil, Argentina e Paraguai. Sugere também esforços, no âmbito do Mercosul, “no sentido da criação de um estatuto político para os Guarani transfronteiriços”.

Em Manaus e em Alagoas, debates envolvem índios nas cidades e universitários

os estados do Amazonas e de Alagoas, as mobilizações no Abril Indígena trataram da questão dos índios que vivem nas cidades e da relação dos indígenas com a universidade. Em Manaus (AM), onde vivem 7 mil indígenas, ocorreu, nos dias �

e 4 de abril a I Assembléia dos Povos Indígenas de Manaus, promovida pela União dos Povos Indígenas de Manaus, com apoio da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Manaus (Piama) e do Cimi. Mais de �00 indígenas de vários povos participaram do evento, no auditório da Universidade do Estado do Amazonas, que encerrou com um ato no centro de Manaus.

Para conhecer melhor a realidade dos indígenas que vivem em Manaus e, a partir de dados concretos, formular propostas de políticas públicas, as organizações indígenas da cidade de Manaus, a Piama e o Cimi estão buscando apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para mapear a situação da população indígena urbana.

Em Alagoas, no mês de abril, ocorreram debates e exposições em colégios e universidades com a participação de indígenas. Entre ou-tros, se discutiu o tema da Semana dos Povos Indígenas – Economias Indígenas.

Em Maceió, capital do estado, o Seminário Arquidiocesano de Maceió realizou palestra, dia 18, com Clóvis Antunes, autor do livro “Índios de Alagoas”, sobre a pesquisa antropológica desenvolvida na década de 1970. Na CESMAC, estudantes de Comunicação Social, realizaram uma semana de atividades sobre a a realidade dos Povos Indígenas de Alagoas.

Em Penedo, no dia 19 de abril, na Fundação Dr. Raimundo Marinho, houve uma palestra de jovens do povo Karapotó, de São Sebastião e a apresentação de um documentário sobre o ritual dos Praiás do povo Karuazu, de Pariconha.

Estas reflexões despertaram o interesse para pesquisas sobre a vida dos povos indígenas, suas lutas e defesa dos direitos.

Companheiros de Cañas se reuniram na celebração de seu martírio. Quase vinte anos depois do crime, em novembro de 2006, dois dos réus sobreviventes (dentre os seis acusados), foram a julgamento. Ambos foram absolvidos, pois o tempo e a premeditação do crime dificultaram a sustentação das provas

impunidade

1�1� Maio-�007

Guarani: respeito nas fronteiras e demarcação de terrasMPF realiza seminário em busca de soluções para pobreza e falta de terras para os Guarani

AforaPaís

A

Seminário propôs força tarefa para acompanhar processos de regularização de terras Guarani

N Foto

s: M

PF

Page 14: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Paulo SuessAssessor teológico do Cimi

pós tantos escândalos de cor-rupção, que desmistificaram as instâncias legislativas e judiciárias do Brasil, não é difícil explicar o

movimento quase messiânico e a leitura mitológica que a visita do Papa desencadeou. A mídia também estimulou essa simpatia, rentável por causa da audiência. Da louça da sobremesa até os aposentos, quase tudo vimos dos preparativos para receber o Papa.

A culpa não é de Bento XVI, muito avesso a essas encenações. A aparição de uma figura além do bem e do mal, em Aparecida, é criação da mídia e está sendo explorada por alguns segmentos sociais. O mito impede a análise histórica e encobre a razão da viagem do Papa, que é a abertura da V Conferência do Episcopado da América Latina e do Cari-be, no dia 1� de maio.

A Conferência visa fortalecer a identidade católica no mundo globalizado e incentivar o espírito missionário perante a perda de mui-tos fiéis nos últimos anos. Esta preocupação procede: “É fato que a maior parte dos bati-zados na Igreja católica não estão sendo por nós evangelizados devidamente”, declarou o então secretário-geral da CNBB, D. Odilo Scherer, em �006. O Cimi, incentivado por seu então presidente D. Franco Masserdotti, falecido em setembro de �006, procurou trabalhar os dois eixos da “identidade” e da “missão” em seu Plano Pastoral.

O dia da abertura da V Celam, 1� de maio, é muito simbólico. É a data da abo-lição oficial da escravidão no Brasil (1888), da aparição de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal (em 1917) e do atentado a João Paulo II, em Roma (1981). A devoção mariana de Aparecida, o alinhamento com o antecessor e a visita de Bento XVI a uma obra

apressado. A “imensa potencialidade mis-sionária e evangelizadora” dos jovens como “discípulos e missionários de Jesus Cristo” vai encontrar na pastoral do Cimi um vasto campo de atuação.

Nesse discurso, porém, Bento XVI constata uma “feliz fusão entre a antiga e rica sensibilidade dos povos indígenas com o cristianismo e com a cultura moderna”. Em conseqüência dessa “feliz fusão”, afirma que o encontro entre as culturas indígenas e a fé cristã “foi uma resposta interiormente esperada por tais culturas”. O encontro po-sitivo com o cristianismo “criou a verdadei-ra identidade dos povos da América Latina”. Como prova, o papa aponta o fato de que “a Igreja Católica é a instituição que goza do maior crédito por parte das populações latino-americanas (...) por causa do trabalho que realiza nos âmbitos da educação, da saúde e da solidariedade para com os mais necessitados. A assistência aos pobres e a luta contra a pobreza são e permanecem uma prioridade fundamental na vida das Igrejas na América Latina”.

V Celam

Aparecida no contexto da pastoral indígenaConferência, que será aberta pelo Papa Bento XVI, discutirá questões centrais para a pastoral indígena

A V Celam tocará em pontos centrais da pastoral indigenista. Não há provas documen-tais de que as culturas indígenas esperavam a Igreja Católica e, teologicamente, a afirmação é uma regressão aos tempos pré-conciliares. A cultura do conquistador, embutida de cris-tianismo, destruiu referenciais de identidade dos povos indígenas e não contribuiu para construir uma “verdadeira identidade” sobre uma suposta “falsa identidade” anterior. O crédito atual da Igreja Católica entre os pobres deve ser dado à pastoral libertadora pós-con-ciliar, que rompeu com a missão colonizadora de muitos séculos. Ao falar da “assistência aos pobres” e não da “opção pelos pobres”,

percebe-se o ensaio de uma mudança semân-tica mais profunda, porém não respaldada no episcopado latino-americano.

Aparecida precisa dar continuidade às de-cisões tomadas nas Conferências de Medellín (“opção pelos pobres”), Puebla (“comunhão e participação”) e Santo Domingo (“incultura-ção”). Entre as questões para a causa indíge-na, em Aparecida, se impõem a assunção da realidade como ponto de partida de qualquer reflexão teológica e ação pastoral, segundo o princípio do Santo Irineu: “Assumir para redimir” (cf. Puebla 400). Desta assunção, emerge a opção pelos pobres e pelos povos indígenas, incentivando seu protagonismo

na construção do Reino. Quem vive próximo aos povos indígenas constata a urgência de ampliar, descentralizar e reestruturar os ministérios para que possam responder à diversidade sociocultural, dispersão geográ-fica e necessidade espiritual dos povos. A assunção da realidade incidirá também sobre a formação dos agentes pastorais. Será uma formação para a luta e na luta pelas causas do Reino. Nessa formação inculturada, as “maté-rias” da teologia índia, do diálogo ecumênico e inter-religioso devem ter destaque.

Somos discípulos de Jesus numa Igreja missionária para testemunhar, no meio dos crucificados, um Deus crucificado e ressus-

citado, que fez o ser humano à sua imagem e semelhança, e que se deu “para nós” e “para todos”. Procuramos viver essa doação no reconhecimento do outro, na gratuidade da presença, no serviço eucarístico, na luta e na contemplação. Na mística da militância missionária, brecamos a lógica do sistema: contra a exclusão propomos a participação; contra a acumulação, a partilha, e contra a exploração, a gratuidade. Na gratuidade se concretiza nossa resistência contra a lógica do lucro. A Igreja missionária no meio dos povos indígenas é uma instituição vulnerável por ser uma instância de apelação, de contes-tação, de reconciliação e de graça.

social dedicada à superação da escravidão das drogas e ao cuidado de portadores de HIV assumem esse simbolismo.

O que não pode ser dito nas entrelinhas, o Papa dirá, em seu estilo afável, com pala-vras curtas e explícitas, como mostrou em seu discurso aos núncios (seus embaixado-res) latino-americanos em fevereiro de �007.

Muitas destas recomendações são relevantes para a causa indígena. A advertência contra o “proselitismo das seitas”, por exemplo, nos lembra que grupos fundamentalistas nunca favoreceram as culturas indígenas. O “testemunho de uma fé amadurecida” resiste contra todas as formas de paterna-lismo, assistencialismo e sacramentalismo

A“Na mística

da militância missionária

brecamos a lógica do

sistema: contra a

exclusão propomos a

participação; contra a

acumulação, a partilha; e contra a

exploração, a gratuidade”

Questões indigenistas na Celam

14Maio-�007

Foto

: Arq

uivo

Cim

i

Foto

: Pris

cila

Car

valh

o

Foto

: Equ

ipe

Itine

rant

e 3

Fron

teira

s

Page 15: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

Resenha

Indígenas, camponeses, sem-terra perdem o fotógrafo Flávio Cannalonga

fotógrafo e amigo Flávio Cannalonga faleceu no dia �6 de fevereiro, aos 5�

anos, lutando contra o câncer.Profissional experiente, traba-

lhou em vários veículos da grande imprensa. Sua paixão, no entanto, eram os povos indígenas, os sem-terra, os excluídos do campo e da cidade. Tinha um fascínio especial pelos Guarani-Kaiowá e desejava fazer com eles seu último traba-lho, já sabendo da doença que tomava seu corpo.

Cannalonga recusava o con-forto nas viagens pelas estradas e rios do Brasil, para se colocar no lugar de quem fotografava e, assim, revelar melhor expressões e sentimentos. Sabia olhar e registrar com incondicional respeito, trazendo íntegra a imagem do fotografado, em sua beleza e dignidade humanas.

As fotos de Cannalonga revelavam também um homem que disparava fotos, denunciando este mundo errado e anunciando um mundo digno de se viver.

Rosane LacerdaAdvogada indigenista e Mestre em

Direito, Estado e Constituição pela UnB

a noite de 18 de abril, o Acampamento Terra Livre foi homenageado com a presença dos professores José Geraldo

de Sousa Jr. e Cristiano Paixão, da Universidade de Brasília (UnB). Acom-panhados de alunos da Faculdade de Direito, lançaram a 1�.ª edição do Observatório da Constituição & da Democracia - C&D, publicação mensal do programa de Pós-graduação da Faculdade.

Esta edição destaca a questão indí-gena, com sete artigos e uma entrevista voltados ao tema. Em “Diferentes, não incapazes” Rosane Lacerda critica a concepção dos índios como civilmente incapazes,, ainda presente na literatura jurídica e na maioria das decisões do Judiciário. A necessidade de respeito aos modos indígenas de ocupação territorial é tratada no artigo “O direito dos índios às suas terras tradicionais”, no qual o professor José Carlos M. da Silva Filho, da Unisinos (RS), aborda o caso Kaingáng do Morro do Osso. Em “Por uma política indigenista integrada no Mercosul”, o Subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, do Ministério Público Federal e professor da UnB, analisa a questão do respeito aos povos indígenas cujos territórios extrapolam as fronteiras dos estados nacionais.

Em entrevista ao C&D, Edilene Pajeú (Pretinha Truká), da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco, analisa a atuação da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, criada

que marcou os dez anos da morte de Galdino, e no qual estudantes africanos residentes na UnB foram vítimas de atentado incendiário, o C&D traz o artigo “Atentado na UnB: por uma cul-tura da diversidade”, onde o professor Cristiano Paixão defende a importância do debate público para o respeito à diversidade. Crítica às empresas mono-cultoras de eucalipto para celulose, que fogem do debate jurídico e se apóiam nos econômicos é feita em “Desertos verdes: analisando o debate”, por João Paulo Santos, advogado e Mestrando em Direito. Em “Justiça e Políticas de Reconhecimento”, o Procurador da República em São Paulo, Sérgio Suiama, aborda o conceito de “reco-nhecimento” e enfoca a perspectiva do conceito ser aplicado na Justiça em favor de grupos vulneráveis. “Consulta pública – Cidadania e Participação”, da advogada Priscila Paz Godoy e “O trabalho: direito fundamental e fator de desenvolvimento e inclusão social” de Francisco das Chagas Lima Filho, completam a publicação.

O C&D tem apoio do Sindjus-DF, Sindicato dos Bancários de Brasília, Fenadados, SindPD-DF e ANPR. Pode ser pedido para [email protected] e custa R$�,00.

em �005 pelo Ministério da Educa-ção. No artigo “Mineração em Terras Indígenas”, o Procurador da República em Rondônia, Reginaldo da Trindade, critica a prática do Departamento Na-cional de Produção Mineral de receber os pedidos de prospecção e lavra de recursos minerais em terras indígenas, quando deveria rejeitá-los, devido a competência exclusiva do Congresso Nacional na matéria. Uma avaliação do Supremo Tribunal Federal em relação aos direitos territoriais indígenas é vista no artigo “O STF e as Terras Indí-genas”, do advogado e assessor jurídico do Cimi, Paulo Guimarães. As principais reivindicações e estratégias do movi-mento indígena são expostas em “Abril Indígena – Mobilização Acampamento Terra Livre”, de Edílson Baniwa, do Fó-rum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI). Em “Um acontecimento histó-rico para a organização indígena”, o professor Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, destaca a criação, em �006, da Coordenação Andina de Organizações Indígenas, que articula o movimento indígena das montanhas do Peru, Equador, Bolívia, Chile, Colômbia e Argentina.

Na edição também há cinco arti-gos relativos a outros temas. No mês

Caderno “Constituição & Democracia” da UnB é dedicado à questão indígenaUniversidade de Brasília lança publicação no Acampamento Terra Livre

N

Homenagem

o

P r e ç o s

Ass. anual: R$ 40,00 *Ass. de apoio: R$ 60,00 América Latina: US$ 25,00 outros países: US$ 40,00* Com a assinatura de apoio você contribui para o envio do jornal a diversas comunidades indígenas do País.

Envie cópia do depósito bancário para o fax (61) 2106-1651, especificando a finalidade do mesmo.

Para fazer a sua assinatura, envie vale postal ou cheque nominal em favor de Cimi/Porantim:(somente por meio de carta registrada)

Caixa Postal 03679 - CeP: 70.084-970 - Brasília-DFInclua seus dados: Nome, endereço completo, telefone, fax e e-mail.

Se preferir faça depósito bancário: Banco Real Ag: 0437 - C/C: 7011128-1 - Conselho Indigenista Missionário. Bradesco Ag: 606-8 - C/C: 144473-5 - Conselho Indigenista Missionário.

Assine o

Faça sua assinatura pela internet: [email protected] Maio-�007

Cannalonga fotografou o despejo dos Kaiowá Guarani de Nhanderu Marangatu, no Mato Grosso do Sul

Publicação da UnB traz artigos e entrevista sobre questão indígena

Foto

: Car

olin

a R

ibei

ro

Foto

: Arq

uivo

fam

ília

Can

nalo

nga

Page 16: ABRIL Terras: Ministério da Justiça publica INDÍGENA ... 295.pdf · ABRIL INDÍGENA Encontros, assembléias e atos mobilizam indígenas de todo o país na luta por seus direitos

trajetória da família de dona Maria Tataxi, líder religiosa Guarani Mbyá, faz lembrar a saga da família de Guyray-poty, relatada por Curt Nimuendaju, no início do século XX. As duas famílias deixam o Paraguai, tentando fugir do tekoaxy, esse mundo de sofrimento. Ambas foram para o Leste, em busca da Yvy marã ey, a Terra Sem Mal.

A família de Guyraypoty, segundo o relato de Nimuendaju, fugia do fim do mundo, pois a terra estava começando a desabar pelo Oeste. Só a dança ritual e a oração poderiam segurar a ira de Nhanderu.

A família de dona Maria também veio para o Leste, com os pais, o marido e a primeira filha. O mundo estava ruim e por isso deveriam iniciar uma longa caminhada – oguatá --, até chegar no fim da terra, o yvyapy.

Partindo do Paraguai, o yvybyté - centro da terra, o grupo foi para a Argentina, até as ruínas da Redução de Santa Maria, um lugar de referência guarani. Mas não foi ali que Nhanderu os queria. Seguiram para o Brasil, chegando em Porto Xavier, no litoral gaúcho. Ali dona Maria assumiu a liderança religiosa de seu grupo familiar.

Como relatou a filha mais velha, Aurora, “minha mãe rezava toda noite e toda manhã. Sempre minha mãe rezava para Nhanderu e sempre o espírito de Nhanderu falava para ela.”

De lá, partiram para uma longa peregrinação, chegando inicialmente nas aldeias guarani do litoral paulista. Nessa caminhada enfrentaram fome e provações. A primeira parada foi na aldeia do Rio Branco, já no estado de São Paulo. Essa comunidade vivia um momento difícil, desestruturada pela yy tatá, a água de fogo – cachaça. Não era um lugar bom para ficar.

Seguiram caminhando: Itariri, Rio Comprido, Rio Silveira e Ubatuba, onde fundaram a aldeia Boa Vista. Nhanderu se comunicava com Maria Tataxi, dizendo para não desanimar, pois “a terra não é a mesma e por isso está difícil encontrar no mato as coisas que a gente precisa para viver”.

Finalmente chegaram à aldeia de Parati Mirim, no Rio de Janeiro. Lá, ela recebeu a revelação que deveria ir até o fim da terra, mas que não iria mais se “encantar”, pois seus filhos não estavam seguindo sua orientação. Tinha que ser forte, para se preparar para a doença e para a morte, quando ela viesse.

A longa caminhada de

Foi assim que chegaram, em 197�, na cidade de Santa Cruz, no Espírito Santo. Buscavam nesse fim da terra, “um lugar com uma tava (casa de pedra)”, sinal dado por Nhanderu para montar uma aldeia. Ao ser avisado da presença de indígenas, numa época em que se dizia que não havia mais índios na região, o prefeito da cidade mandou recebê-los e ver o que precisavam. Ao saber da referência, os encaminhou para uma antiga igreja dos jesuítas, toda de pedra, em Caieiras Velha.

Mas foi um pouco mais à frente, em Aracruz, que Maria Tataxi mandou construir a aldeia Tekohá Porã (o lugar bonito onde se vive do jeito Guarani). Lá viveu por mais de �0 anos.

Em 1994, com quase 100 anos, Maria Tataxi deixou

esta terra. Não viu o mundo acabar, como

Guyraypoty, e nem passou em vida para a Terra sem Mal, mas deixou para os filhos e descendentes Gua-rani muitas lições

de vida.

A

Benedito Prezia

Maria Tataxi

16Maio-�007

APOIADORES

UNIÃO EUROPÉIA