abordagem da cefaléia no ps

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ABORDAGEM DA CEFALÉIA NO PRONTO-SOCORRO ( Anamnese, Exame Clínico, Sinais de Alarme e Exames ) *Daniel Valente Batista INTRODUÇÃO A dor de cabeça responde por uma parcela importante dos atendimentos realizados no ambiente de um Pronto-Socorro.Por ser uma entidade que, mesmo sem aparente risco de vida, pode ser responsável por grande perda de capacidade psiquica e física, seu correto diagnóstico e manejo em PS deve ser de conhecimento de todos os médicos. A maioria do atendimento relacionado a cefaléia irá corresponder a casos de cefaléias primárias que estão agudizadas. Estima-se que cerca de 80-90% estejam enquadradas nesse grupo. A minoria, portanto, irá ser representada pelos casos de Cefaléias Secundárias, onde, agora, existe uma causa subjacente e a Cefaléia perde o status de doença (no caso das primárias) e ganha o de Sintoma. Saber diferenciar o quadro crônico agudizado ou agudo de uma cefaléia primária das algias secundárias é o grande cerne do diagnóstico clínico emergencial e é onde um Emergencista treinado pode se mostra mais eficiente que médicos despreparados ABORDAGEM Inicie por uma história clínica focada em saber sobre a periodicidade em que se ocorre a queixa. Quanto mais crônico e arrastado for o quadro, mais provável de que o quadro atual seja apenas uma agudização de uma patologia crônica. Inquira a idade e o sexo do paciente. Pergunte, em se tendo uma longa história de cefaléia, se o padrão da dor é o mesmo ou dessa vez é diferente. Avalie a periodicidade das crises (semanais, diárias,..), bem como tratamentos em uso ou já feitos previamente, bem como seu grau de sucesso (O senhor(a) tem dor de cabeça há muito tempo? As crises são sempre assim? Com que frequência elas ocorrem? E o que o senhor(a) tem feito para lidar com isso? Alguma medicação? Tem tido algum efeito?). *Médico Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Oficial do Exército Brasileiro. Ex-integrante da Liga do Coração FaMed UFC

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Abordagem racional da cefaléia em PS. Simples e direto. Focado basicamente nos dados de anamnese e exame clínico que devem ser valorizados.

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Page 1: Abordagem da cefaléia no ps

ABORDAGEM DA CEFALÉIA NO PRONTO-SOCORRO

( Anamnese, Exame Clínico, Sinais de Alarme e Exames )

*Daniel Valente Batista

INTRODUÇÃO

A dor de cabeça responde por uma parcela importante dos

atendimentos realizados no ambiente de um Pronto-Socorro.Por ser uma

entidade que, mesmo sem aparente risco de vida, pode ser responsável por

grande perda de capacidade psiquica e física, seu correto diagnóstico e

manejo em PS deve ser de conhecimento de todos os médicos.

A maioria do atendimento relacionado a cefaléia irá corresponder a

casos de cefaléias primárias que estão agudizadas. Estima-se que cerca de

80-90% estejam enquadradas nesse grupo. A minoria, portanto, irá ser

representada pelos casos de Cefaléias Secundárias, onde, agora, existe uma

causa subjacente e a Cefaléia perde o status de doença (no caso das

primárias) e ganha o de Sintoma.

Saber diferenciar o quadro crônico agudizado ou agudo de uma

cefaléia primária das algias secundárias é o grande cerne do diagnóstico

clínico emergencial e é onde um Emergencista treinado pode se mostra

mais eficiente que médicos despreparados

ABORDAGEM

Inicie por uma história clínica focada em saber sobre a periodicidade

em que se ocorre a queixa. Quanto mais crônico e arrastado for o quadro,

mais provável de que o quadro atual seja apenas uma agudização de uma

patologia crônica. Inquira a idade e o sexo do paciente. Pergunte, em se

tendo uma longa história de cefaléia, se o padrão da dor é o mesmo ou

dessa vez é diferente. Avalie a periodicidade das crises (semanais,

diárias,..), bem como tratamentos em uso ou já feitos previamente, bem

como seu grau de sucesso (O senhor(a) tem dor de cabeça há muito tempo?

As crises são sempre assim? Com que frequência elas ocorrem? E o que o

senhor(a) tem feito para lidar com isso? Alguma medicação? Tem tido

algum efeito?).

*Médico Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do

Ceará. Oficial do Exército Brasileiro. Ex-integrante da Liga do Coração FaMed –UFC

Page 2: Abordagem da cefaléia no ps

Avalie sintomas associados, principalmente náuseas, vômitos,

tonturas, fotofobia, fonofobia, lacrimejamento. Avalie também o padrão

temporal e progressão. Uma dor de início súbito e que progride

rapidamente pode nos levantar a hipótese de uma evento isquêmico agudo

ou uma Hemorragia Subaracnóide (HSA), ao passo que a progressão lenta

nos faz pensar em causas primárias

EXAME FÍSICO

Este começa na entrada no paciente ao consultório, avaliando estado

geral e a marcha do mesmo. Avalie temperatura, Pressão Arterial,

Frequência Respiratória e Cardíaca. Estes 4 parâmetros, também ditos

sinais vitais, devem fazer parte de toda e qualquer avaliação médica

independente da queixa do doente. Além do que, como vamos ver ao longo

do texto, poderão nos dar grandes informações na diferenciação Primária x

Secundária.

Por exemplo, a existência de febre num quadro de cefaléia deverá

nos apontar para a co-existência de um quadro infeccioso associado e

Cefaléia num contexto de Hipertensão Arterial deverá nos fazer lembrar de

um Acidente Vascular Encefálico (AVE) ou Hemorragia Subaracnóide

(HSA)

Por estarmos num PS, devemos ter sempre prioridades a seguir e, em

se tratando de cefaléia, o exame neurológico é OBRIGATÓRIO.

Obviamente, não há necessidade de que ele seja minucioso, mas uma

avaliação precisa tem de ser feita.

Lembre-se: na Emergência a sua função é procurar por etiologias que

podem levar a morte e/ou grave sequela do paciente, como: Acidente

Vascular Cerebral, Hemorragia Subaracnóide, Meningite, Infecção de

Sistema Nervoso Central, etc.

Avalie o Glasgow e orientação temporo-espacial do paciente (isso já

foi facilmente feito durante a própria história clínica). O estado geral do

paciente, toxemiado ou não, também é importante.

Palpe a região temporal a procura de espessamento de artérias

temporais e hipersensibilidade na região (pensando em Arterite Temporal)

Page 3: Abordagem da cefaléia no ps

Avalie pares cranianos de maneira sucinta na seguinte sequência:

Cheque pupilas, simetria, fotoreatividade pupilar e consensual (desta

maneira testando-se o II e o III). Faça a fundoscopia ( e USE MÁSCARA.

A proteção é a primeira medida). Avalie a coloração do olho e questione do

dor ocular (pensando em glaucoma)

Faça um exame de mobilidade ocular extrínseca pedindo para o

paciente, apenas com o olhar, siga o dedo do examinador (avaliando-se o

III,IV e VI)

Peça para que o paciente sorria, feche os olhos com força e fransa o

nariz e busque por áreas de assimetria(avaliando o VII par)

Cheque força:

Faça a Manobra de Mingazzini em Membro Superior (mmss) e

Inferior (mmii) . Peça para que o paciente aperte 2 dedos de suas mãos

simultaneamente e avalie a força em cada membro e sua simetria.

Cheque Reflexos:

Teste reflexos profundos em mmss (bicciptal e triciptal) e mmii

(patelar e aquileu)

Avalie sinais meningeos e rigidez de nuca.

Peça para o paciente tentar encostar o queixo no tórax e, quando em

decúbito dorsal, faça os testes de kernig e lasegue.

Apesar das várias etapas do exame geral e do neurológico, quando

executados por médico bem treinados, todo o exame físico pode ser

realizado em torno de 5 minutos.

SINAIS DE ALARME

Cefaléia de início após os 50 anos

Mudança no padrão da cefaléia

Cefaléia que vem piorando progressivamente

‘Pior Cefaléia da vida’

Page 4: Abordagem da cefaléia no ps

Associada a sinais de irritação meníngea

Acompanhada de Febre

Associada a Déficits no Exame Neurológico

Cefaléia Pós-Orgásmica

Cefaléia Pós-TCE

Cefaléia em paciente com SIDA (pensar em toxoplasmose, abscesso,

neoplasias e meningites que são mais comuns nessa população) e

Neoplasias prévias ( lembrar de focos metastáticos)

Cefaleia com dificuldade para falar ou entender

Papiledema no Fundo de Olho

Associada a episódio convulsivo

Diminuição da acuidade visual e dor ocular (pensar em glaucoma)

Pacientes onde se encontrem sinais de alarme ou alterações focais no

exame físico devem ser investigados de acordo com a suspeita clínica. Com

a utilização de dois procedimentos poderemos diagnosticar as causas

graves de cefaléia: 1) Tomografia Computadorizada de Crânio sem

contraste, que servirá para diagnosticar o AVC hemorrágico, a Hemorragia

Subaracnóide (HSA) , a encefalite, lesões tumorais expansivas, dentre

outras, mas poderá ser normal no paciente com suspeita de AVC isquêmico

e a Punção Lombar (PL) , que servirá para avaliar o líquor e corroborar o

diagnóstico de meningite e de HSA. Obviamente, deve se lembrar das

contra-indicações da realização da PL: evidência de hipertensão intra-

craniana (edema de papila, diminuição da consciência, alterações focais em

paciente com suspeita de meningite) e infecção do local de punção.

Exames como hemograma, VHS, eletrólitos, sorologias específicas e

de bioquímica deverão ser solicitados baseados na história clínica.

Nos demais, a história clínica e exame físico são suficientes para

correto diagnóstico e conduta do caso. Além do que, ao mostrar ao paciente

que ele foi efetivamente avaliado e examinado, a própria consulta já é

terapêutica e servirá para tranquilizar a dupla médico-paciente.

Page 5: Abordagem da cefaléia no ps

Vale lembrar que pacientes com história crônica de enxaqueca que

comparecem a emergência por falha na sua terapêutica habitual e que

preencham os seguintes critérios (abaixo) são considerados de baixo risco e

sem necessidade de neuroimagem:

1) Sem mudança no seu padrão de crise habitual

2) Sem sinais focais ao exame

3)Sem convulsão, trauma ou febre

4) Sem co-morbidades de alto risco

ERROS COMUNS

A maioria dos erros nas avaliações da cefaléia na emergência são

devidos a desatenção do médico e, principalmente, a subestimação do

quadro clínico. Dentre os mais comuns citamos:

1) Cefaléia associada a pico pressórico onde uma HSA não é lembrada

2) Menosprezo da Cefaléia no indivíduoo alcoolizado, onde não se aventa a

possibilidade de hemorragia ou TCE importante.

3) Rigidez de nuca em indivíduo idoso erroneamente relaciona a artrose

cervical

4) Cefaléia na Gestante onde não se lembra do diagnóstico de Eclâmpsia ou

Pré-Eclâmpsia

5) Quadro de sinusite, em especial a esfenoidal, erroneamente

diagnosticado como enxaqueca ou cefaléia tensional.

6) Não encaminhar o paciente para investigação e manejo ambulatorial da

Cefaléia Primária o deixando, mais uma vez, sem tratamento e

contribuindo para que o mesmo retorne em breve para emergência com

mais uma crise aguda. Lembre-se: as cefaléias primárias tem tratamento e

devem ser acompanhados no sentido de diminuir ao máximo sua

recorrência. Apesar de não resultar em risco de vida, a qualidade de vida do

doente é extremamente afetada e há grande repercussão sócio econômica

Page 6: Abordagem da cefaléia no ps

devido aos dias não trabalhados por esses, transformando o problema de

saúde em econômico.

O tratamento das cefaléias primárias em PS será abordado em outro texto.

BIBLIOGRAFIA

1) Lima MA. Avaliação Inicial da Cefaléia na Emergência. Disponível em:

http://www.medcenter.com/medscape/Content.aspx?id=593 Março/2012

2) BIGAL ME; BORDINI CA & SPECIALI JG. Protocolos para

tratamento da cefaléia aguda, em unidade de emergência. Medicina,

Ribeirão Preto, 32: 486-491, out./dez. 1999.

3) Machado J, Barros J, Palmeira M. Enxaquexa: Fisiopatogenia, clínica e

tratamento. Rev Port Clin Geral 2006;22:461-470

4) Jasvinder Chawla e cols. Migraine Headche. Acessado em Março/2012

em: http://emedicine.medscape.com/article/1142556-overview

5)Cutrer e cols. Evaluation of the adult with headache in the emergency

department. Acessado em: uptodate.com/online em abril/2012