abdome agudo com imagens radiologicas

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51 Rev Imagem 2008;30(2):51–60 Abdome agudo obstrutivo: revisando pontos fundamentais Marina Celli Francisco 1 , Felipe Trentin Neves 2 , Thiago Giansante Abud 3 , Ramiro Colleone Neto 4 , Samuel Reibscheid 5 , Jacob Szejnfeld 6 , Henrique Manoel Lederman 7 Ensaio Iconográfico Recebido para publicação em 25/4/2007. Aceito, após revisão, em 18/12/2008. Trabalho realizado no Departamento de Diagnós- tico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP. 1 Médica Residente do Departamento de Diagnós- tico por Imagem da Unifesp/EPM. 2 Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ipiranga, São Paulo, SP. 3 Médico Pós-Graduando do Setor Corpo/Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. 4 Professor Afiliado da Disciplina de Gastroentero- logia Cirúrgica da Unifesp/EPM. 5 Professor Afiliado do Departamento de Diagnós- tico por Imagem da Unifesp/EPM. 6 Professor Livre-Docente, Chefe do Grupo de Ab- dome do Departamento de Diagnóstico por Ima- gem da Unifesp/EPM. 7 Professor Livre-Docente do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. Correspondência: Dra. Marina Celli Francisco. Rua Pedro de Toledo, 544, ap. 509, Vila Clementino. São Paulo, SP, 04039-001. E-mail: nana_celli@ hotmail.com Resumo O abdome agudo obstrutivo é uma doença comum, cujo manejo seguro e efetivo depende do diag- nóstico rápido e preciso. A radiografia simples permanece a primeira escolha dentre os exames de imagem, por possuir fácil acesso, baixo custo e poder ser realizada seriada conforme a evolução clínica do paciente. A ultra-sonografia não possui radiação ionizante, é um exame dinâmico e em tempo real. A tomografia computadorizada fornece informações adicionais não aparentes nas radio- grafias, como confirmação da obstrução, grau e local de uma oclusão, presença de isquemia e causas de obstrução. A ressonância magnética tem apresentado grandes avanços tecnológicos e, futura- mente, pode ser uma opção viável. O objetivo deste ensaio pictórico é revisar os diferentes méto- dos de imagem usados no diagnóstico de abdome agudo obstrutivo. Descritores: Dor abdominal; Abdome agudo; Radio- grafia convencional; Tomografia compu- tadorizada; Ressonância magnética. O abdome agudo obstrutivo representa uma síndrome de obstrução intestinal causada pela presença de um obstáculo mecânico ou alteração da motilidade intes- tinal que impede a progressão normal do bolo alimentício [1] . Aproximadamente 20% das internações hospitalares são decorrentes de obstru- ção intestinal, sendo que 80% delas ocorrem no intestino delgado e 20%, no intes- tino grosso [2] . Classicamente, a literatura oferece seis categorias que possibilitam a classifica- ção do abdome agudo obstrutivo [2] : • Quanto à altura: alta (obstáculo situado no delgado proximal) ou baixa (del- gado distal ou colo); • Em relação à luz intestinal: oclusão por fatores intraluminários ou extralumi- nários; • Quanto ao grau de oclusão: parcial ou completa; • Quanto ao tempo de instalação: aguda ou crônica; • Quanto à integridade do suprimento sanguíneo e vitalidade das alças intesti- nais: simples ou estrangulada; • Quanto à forma da obstrução: alça fechada ou aberta. Em alça fechada é quando existe obstáculo em dois níveis, impedindo tanto a progressão quanto o refluxo do conteúdo da alça; em alça aberta é quando a obstrução é apenas distal. O exame clínico continua sendo o primeiro passo a ser tomado na avaliação do abdome agudo. Atrasos no diagnóstico correto aumentam consideravelmente a morbi-mortalidade desses pacientes [3] . Com os recursos atuais de tratamento, a mortalidade dos doentes portadores de obstrução intestinal é menor do que 10% [2] . São causas de obstrução do intestino delgado: aderências (Fig. 1), hérnias in- guinais, íleo biliar (Fig. 2), bezoar (Fig. 3), infecções (bolo de áscaris (Fig. 4), estron- giloidíase (Fig. 5), tuberculose), massas abdominais tumorais (linfoma, adenocarci-

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Abdome agudo obstrutivo / Francisco MC et al.

Rev Imagem 2008;30(2):51–60 51Rev Imagem 2008;30(2):51–60

Abdome agudo obstrutivo: revisando pontos

fundamentais

Marina Celli Francisco1, Felipe Trentin Neves2, Thiago Giansante Abud3, Ramiro Colleone Neto4,

Samuel Reibscheid5, Jacob Szejnfeld6, Henrique Manoel Lederman7

Ensaio Iconográfico

Recebido para publicação em 25/4/2007. Aceito,

após revisão, em 18/12/2008.

Trabalho realizado no Departamento de Diagnós-

tico por Imagem da Universidade Federal de São

Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM),

São Paulo, SP.1 Médica Residente do Departamento de Diagnós-

tico por Imagem da Unifesp/EPM.2 Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital

Ipiranga, São Paulo, SP.3 Médico Pós-Graduando do Setor Corpo/Abdome

do Departamento de Diagnóstico por Imagem da

Unifesp/EPM.4 Professor Afiliado da Disciplina de Gastroentero-

logia Cirúrgica da Unifesp/EPM.5 Professor Afiliado do Departamento de Diagnós-

tico por Imagem da Unifesp/EPM.6 Professor Livre-Docente, Chefe do Grupo de Ab-

dome do Departamento de Diagnóstico por Ima-

gem da Unifesp/EPM.7 Professor Livre-Docente do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM.

Correspondência: Dra. Marina Celli Francisco. Rua

Pedro de Toledo, 544, ap. 509, Vila Clementino.

São Paulo, SP, 04039-001. E-mail: nana_celli@

hotmail.com

Resumo

O abdome agudo obstrutivo é uma doença comum, cujo manejo seguro e efetivo depende do diag-

nóstico rápido e preciso. A radiografia simples permanece a primeira escolha dentre os exames de

imagem, por possuir fácil acesso, baixo custo e poder ser realizada seriada conforme a evolução

clínica do paciente. A ultra-sonografia não possui radiação ionizante, é um exame dinâmico e em

tempo real. A tomografia computadorizada fornece informações adicionais não aparentes nas radio-

grafias, como confirmação da obstrução, grau e local de uma oclusão, presença de isquemia e causas

de obstrução. A ressonância magnética tem apresentado grandes avanços tecnológicos e, futura-

mente, pode ser uma opção viável. O objetivo deste ensaio pictórico é revisar os diferentes méto-

dos de imagem usados no diagnóstico de abdome agudo obstrutivo.

Descritores:Dor abdominal; Abdome agudo; Radio-

grafia convencional; Tomografia compu-

tadorizada; Ressonância magnética.

O abdome agudo obstrutivo representa uma síndrome de obstrução intestinalcausada pela presença de um obstáculo mecânico ou alteração da motilidade intes-tinal que impede a progressão normal do bolo alimentício[1].

Aproximadamente 20% das internações hospitalares são decorrentes de obstru-ção intestinal, sendo que 80% delas ocorrem no intestino delgado e 20%, no intes-tino grosso[2].

Classicamente, a literatura oferece seis categorias que possibilitam a classifica-ção do abdome agudo obstrutivo[2]:

• Quanto à altura: alta (obstáculo situado no delgado proximal) ou baixa (del-gado distal ou colo);

• Em relação à luz intestinal: oclusão por fatores intraluminários ou extralumi-nários;

• Quanto ao grau de oclusão: parcial ou completa;• Quanto ao tempo de instalação: aguda ou crônica;• Quanto à integridade do suprimento sanguíneo e vitalidade das alças intesti-

nais: simples ou estrangulada;• Quanto à forma da obstrução: alça fechada ou aberta. Em alça fechada é

quando existe obstáculo em dois níveis, impedindo tanto a progressão quanto orefluxo do conteúdo da alça; em alça aberta é quando a obstrução é apenas distal.

O exame clínico continua sendo o primeiro passo a ser tomado na avaliação doabdome agudo. Atrasos no diagnóstico correto aumentam consideravelmente amorbi-mortalidade desses pacientes[3]. Com os recursos atuais de tratamento, amortalidade dos doentes portadores de obstrução intestinal é menor do que 10%[2].

São causas de obstrução do intestino delgado: aderências (Fig. 1), hérnias in-guinais, íleo biliar (Fig. 2), bezoar (Fig. 3), infecções (bolo de áscaris (Fig. 4), estron-giloidíase (Fig. 5), tuberculose), massas abdominais tumorais (linfoma, adenocarci-

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Fig. 1 – Oclusão intestinal por bridas.(A) Radiografia em ântero-posterior,decúbito dorsal. Observam-se alças dedelgado muito distendidas, com asválvulas coniventes contrastadas pelogás intraluminar (setas). Há pequenaquantidade de ar no sigmóide (ca-beça de seta). (B) Radiografia em ân-tero-posterior, ortostática. Há níveisde líquido em alças distendidas dodelgado (setas brancas). O hemi-ab-dome inferior tem elevada densidaderadiológica devido ao conteúdo líqui-do dentro das alças ocluídas. Rotinei-ramente chamado de “abdome vazio”(seta preta tortuosa). O estômagocom nível de líquido é demonstrado(seta preta reta). Há gás no colo trans-verso. Radiologicamente, o quadro ésugestivo de uma semi-oclusão ouoclusão recente do intestino delgado.

A B

A B

Fig. 2 – Íleo biliar. Fístula colecisto-entérica. Oclusão intestinal do delgado. (A) Tomografia computadorizada com contraste intravenoso. A áreacirculada representa o duodeno e o estômago em íntimo contato. Há densificação da gordura adjacente e gás dentro da vesícula. Há alças dodelgado muito dilatadas, por vezes com válvulas coniventes individualizadas. (B) Tomografia computadorizada com contraste intravenoso. Nota-se, no íleo terminal, imagem arredondada com calcificação periférica representando cálculo biliar (cabeça de seta). As setas tortuosas demons-tram alças do delgado dilatadas, por vezes com níveis de líquido.

noma (Fig. 6), metástases peritoneais, tumores mesen-teriais) e massas abdominais não-tumorais (apendicite(Fig. 7), diverticulite, invaginação, doença de Crohn(Fig. 8), endometriose, pólipos (Fig. 9), hematomas in-tramurais)[4]. Compressões extrínsecas também podemlevar a obstruções, causadas por abscessos, pseudocis-tos, aneurismas e pseudo-aneurismas.

A principal causa de obstrução colônica são os ade-nocarcinomas primários do cólon, responsáveis por 55%dos casos, seguidos por torção ou volvo em 12% doscasos e diverticulite em cerca de 10%[2].

Quando longos segmentos intestinais estão acome-tidos, deve-se ter três causas em mente: carcinoma, di-verticulite e volvo (Fig. 10)[5].

A idade do paciente é um dado importante, pois cer-tas causas têm sua maior freqüência em determinadasfaixas etárias. No neonato devem ser lembrados volvo,íleo meconeal, má-rotação (Fig. 11), imperfuração anal(Fig. 12), atresia duodenal (Fig. 13) e doença de Hirsch-sprung. Nos lactentes devem ser consideradas invagina-ção intestinal (Fig. 14), hérnias complicadas e obstruçõespor divertículo de Meckel (Fig. 15)[6]. No adulto jovem e

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de meia-idade devem ser lembradas aderências, hérniasinternas e doença de Crohn. Quanto mais idoso o pa-ciente, maior a possibilidade de neoplasias, seguidas poraderências, hérnias, diverticulites e fecalomas[2].

As obstruções em alça fechada, embora infreqüen-tes, merecem destaque, visto seu alto risco de compres-são vascular e, com isso, caso o seu diagnóstico não sejarealizado precocemente, sua mortalidade aumenta ex-ponencialmente, chegando a 35% em 36 horas de de-mora diagnóstica[7].

DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

Os exames de imagem exercem importante papelcomo métodos de auxílio na elucidação diagnóstica.

Em pacientes com suspeita de abdome agudo obs-trutivo, quatro perguntas devem ser respondidas:

1. Existe obstrução?2. Qual o nível da obstrução?3. Qual a causa da obstrução?4. Existem sinais de estrangulamento ou isquemia?

Fig. 4 – Bolo de áscaris. Enterite.Semi-oclusão intestinal. (A) Radio-grafia em ântero-posterior, decú-bito dorsal. As setas curvas apon-tam o colo dilatado. As setas retasapontam grande numero de for-mações esféricas, com densidade delíquido, projetando-se em meio aoconteúdo gasoso do colo e do reto.(B) Radiografia em perfil do abdo-me. Observam-se formações alon-gadas, características da presençade grande quantidade de vermesem alça do intestino grosso disten-dida (seta).

A B

Fig. 3 – Oclusão intestinal por be-zoar causado por velas ingeridas.(A) Radiografia em ântero-poste-rior, ortostática. Observam-se alçasde delgado muito distendidas ocu-pando principalmente o hemi-ab-dome superior, com inúmeros ní-veis de líquido (setas retas). A cavi-dade pélvica (seta tortuosa) temelevada densidade radiológica pelogrande conteúdo líquido dentrodas alças (“alças vazias”). (B) Radio-grafia do estomago e duodenoapós ingestão de bário. Observam-se duas falhas lacunares de enchi-mento (cabeças de setas) de gran-des dimensões, móveis, localizadasno interior do estômago.

A B

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A B

Fig. 6 – Adenocarcinoma anular e este-nosante do colo sigmóide. Oclusão semi-total. (A) Radiografia em ântero-poste-rior, decúbito dorsal. O colo transver-so, com as haustrações e válvulas semi-lunares características (cabeça de seta),apresenta-se dilatado. Também o cecoe o ascendente mostram significativograu de dilatação. Existe gás no reto eno sigmóide, lembrando oclusão in-completa. (B) Enema baritado. Radio-grafia em ântero-posterior, decúbitodorsal. A seta aponta estenose tipomaçã mordida na porção distal do sig-móide. O sigmóide está dilatado naporção proximal a lesão. Observa-se oreto (R) sem alterações.

Fig. 5 – Estrongiloidíase maciça do intestino delgado. Hiper-infestação. (A)Radiografia do epigástrio em ântero-posterior, decúbito dorsal. Observa-se o estômago (Est) com discreto aumento das dimensões. Alças jejunais(J) e jejuno-ileais (J/I) são bem demonstradas, com aumento do calibre. Aseta aponta o bulbo duodenal. (B) Tomografia computadorizada com con-traste intravenoso e por via oral. Corte efetuado no nível do pâncreas.Demonstra-se a cabeça do pâncreas (seta), bem como o corpo e a cauda(cabeça de seta) com aspecto normal. (C) Tomografia computadorizada comcontraste intravenoso e por via oral. Corte realizado no pólo inferior dosrins. Espessamento regular, concêntrico e difuso de alças do delgado (ca-beças de setas). O colo tem aspecto normal (seta curva).

A B

C

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Há controvérsias sobre a melhor abordagem paraa avaliação das obstruções intestinais[8]. Recentemente,foram publicadas diretrizes sobre a conduta que os ci-rurgiões devem tomar na suspeita de abdome agudoobstrutivo, e a radiografia simples é apontada como oprimeiro exame de imagem a ser solicitado, visto que,ao ser comparada à tomografia computadorizada, apre-senta sensibilidade semelhante na diferenciação de qua-dro obstrutivo e não-obstrutivo. Caso a radiografia sejainconclusiva, sugere-se prosseguir a investigação diag-nóstica com tomografia computadorizada para elucida-

ção do grau e fator obstrutivo. Os autores referem quea ultra-sonografia e a ressonância magnética são opçõesdiagnósticas, com sensibilidade similar à tomografia, eacrescentam que, caso os sintomas persistam por temposuperior a 48 horas com tratamento conservador, radio-grafias contrastadas auxiliam no diagnóstico[9].

RADIOGRAFIA SIMPLES DO ABDOME

A radiografia simples do abdome continua sendo aprincipal ferramenta para o diagnóstico de abdome

Fig. 8 – Doença de Crohn. (A) Radiogra-fia em ântero-posterior, ortostática.Observam-se alças intestinais muitodistendidas, formando nível líquido (se-tas brancas). O hemiabdome inferiortem elevada densidade radiológica de-vido ao conteúdo líquido dentro dasalças distendidas. (B) Trânsito intestinal.Radiografia de 240 minutos. Obser-vam-se alças muito dilatadas e com as-pecto de continuidade (setas brancas),porém com esvaziamento semitotal. Hácontrastação do colo transverso do sig-móide e reto (setas pretas).

A B

BA

Fig. 7 – Apendicite aguda com quadro de oclusão intestinal. (A) Tomografia computadorizada sem contraste. Corte realizado na altura da pelve.Observa-se grande apendicólito (seta grossa) na fossa ilíaca direita com densidade cálcica. Alças do delgado ocluídas, com aumento do calibre,conteúdo líquido (seta fina). Há níveis de líquido (seta tortuosa). (B) Tomografia computadorizada sem contraste, corte realizado logo abaixoda figura anterior. O delgado (del) está dilatado, com nível de líquido (seta tortuosa). O apêndice cecal apresenta-se espessado, com borramentoda gordura vizinha (cabeças de setas).

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Fig. 9 – Síndrome de Peutz-Jegher. Invaginação intestinal do delgado. (A)Tomografia computadorizada com contraste. Alças de delgado dilatadas(setas grossas) com conteúdo líquido no seu interior. Evidenciam-se as val-vas coniventes (setas finas) atravessando as alças de parede a parede. Ocolo aparece em vários segmentos com aspecto colabado, caracterizandostatus pós-obstrutivo (cabeças de setas). (B) Tomografia computadorizadacom contraste. Corte realizado abaixo da figura anterior. Em meio às al-ças de delgado distendidas evidenciam-se duas imagens de pólipos pro-jetando-se para dentro da luz da alça (cabeças de setas). (C) Tomografiacomputadorizada com contraste. Corte realizado alguns centímetros abai-xo da figura anterior. Em meio à cavidade pélvica observa-se grupo dealças de delgado formando figura circular (seta) em torno de pedículovascular. Demonstram-se alças de intestino grosso com aspecto normal(cabeças de setas).

A B

C

Fig. 10 – Volvo de sigmóide. Doente com megacolo chagásico. (A) Radiografia em ântero-posterior, decúbito dorsal. Observa-se alça colônicadilatada apresentando clássico aspecto em “grão de café”. O íntimo contato das paredes da alça em volvo forma a imagem da prega medial(seta) e as pregas convergentes formam um “Y” (cabeças de setas). O colo proximal ao volvo tem discreta dilatação (seta tortuosa). (B) Enemabaritado. Radiografia em ântero-posterior, decúbito dorsal. Reto dilatado (R) em razão da pressão exercida para introduzir o contraste. O sig-móide está dilatado, apresentando a clássica imagem em “grão de café”. A prega medial (seta) e as convergentes (cabeças de setas) compõem o“Y”. Há pequena quantidade de contraste no interior das alças torcidas, pois o contraste ultrapassava o reto com dificuldade.

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agudo obstrutivo. Freqüentemente, é o primeiro, senãoo único método utilizado. Pode indicar o ponto da obs-trução em até 80% dos casos e, em exames seriados, aeficácia do método pode se tornar ainda maior[8,10]. Apresença de sonda nasogástrica diminui a sensibilidadedo exame, por esse motivo, a radiografia deve ser obtidaantes da sua introdução[2].

Dependendo da causa da obstrução, existem sinaisque podem sugerir sua etiologia[1,2,10]. A obstrução dointestino delgado pode apresentar distensão do delgadosuperior com calibre maior que 3 cm, colo colapsado,nível de líquido e espessamento de parede. O sinal doempilhamento de moedas também pode ser observadoe é causado por uma lentificação na reabsorção do arintraluminar, ficando acumulado entre as válvulas co-niventes. Sinais de estrangulamento incluem edema dasválvulas, pneumatose intestinal e gás na veia porta[2,10].

RADIOGRAFIA CONTRASTADA

O trânsito intestinal e o enema opaco são examesque podem ser utilizados na investigação diagnóstica doabdome agudo obstrutivo. A radiografia simples podesugerir o nível da obstrução e, com isso, iniciar-se comenema opaco, caso a obstrução seja baixa, ou trânsitointestinal, caso seja alta[2,4].

É possível a identificação de alças intestinais dilata-das, com diluição e lentificação da progressão do meiode contraste, mudança abrupta de calibre e espessamentodo relevo mucoso, além de definir, não só o nível daobstrução, mas também, em muitos casos, sua causa[2,4].

ULTRA-SONOGRAFIA

A ultra-sonografia pode ser utilizada com a finali-dade de distinguir íleo paralítico de um quadro obstru-tivo; mediante identificação das válvulas coniventes,pode-se diferenciar alças de delgado das alças de intes-

Fig. 11 – Má rotação intestinal. Radiografia do estômago e duodenocom meio de contraste. Evidenciam-se o estômago (Est) com volumeum pouco aumentado e o arco duodenal (D.II) dilatado até o localapontado pela seta. Após este ponto, o intestino situa-se do lado di-reito, de calibre normal. O ângulo duodenojejunal está deslocado paraa direita.

BA

Fig. 12 – Imperfuração anal. (A)Radiografia em ântero-posterior,decúbito dorsal, realizada 20 ho-ras após o nascimento da crian-ça. Observam-se alças intestinaismuito dilatadas. O hemicolo es-querdo (cabeças de setas) estádistendido, bem como alças lon-gas e contínuas do delgado (seta).(B) Radiografia em perfil doreto. O doente está em decúbitoventral, com as nádegas elevadas.Nesta posição o gás tende a seacumular na ampola retal. Aampola real está dilatada (setareta). A porção ocluída estáapontada pela seta tortuosa. Foicolocado reparo metálico na fos-seta anal (seta curva) e é possívelmedir a distância da fosseta até aporção distal do reto.

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Fig. 13 – Atresia duodenal. Radiografias em ântero-posterior, decúbitodorsal, ortostáticas, feitas poucas horas após o nascimento. Demons-tra-se o estômago (Est) distendido com nível de líquido (cabeça deseta). O duodeno encontra-se distendido (seta branca) até o joelho in-ferior, onde a coluna aérea interrompe-se bruscamente (seta preta).

Fig. 14 – Invaginação intestinalem criança. (A) Radiografia emântero-posterior, ortostática. Ob-servam-se alças do delgado (cabe-ças de setas) dilatadas com nívelde líquido. O colo transverso estáapontado pela seta. (B) Ultra-so-nografia. Corte sagital do lobohepático direito (F). Observa-secorte transversal do colo eviden-ciando imagem hiperecogênicacontornada por halo hipoecóico(cabeças de setas).

A B

tino grosso[2,11]. A combinação de peristalse, distensãocom conteúdo líquido e espessamento de parede sugereo diagnóstico de infarto de parede intestinal[10].

O exame apresenta grande valor em condições gi-necológicas e obstétricas, além de poder ser utilizadocom segurança em pacientes gestantes[11,12]. A ultra-so-nografia transvaginal oferece vantagens sobre a abdo-minal na visualização de doenças profundas na pelve,como divertículo localizado inferiormente, apendicite eabscesso no fundo de saco de Douglas[11].

Por ser um exame dinâmico, também pode eviden-ciar o fluxo sanguíneo e a pulsatilidade por meio de es-tudo Doppler colorido, manobra de Valsalva, efeito da

gravidade, compressão, mobilidade e flexibilidade, via-bilizando a realização no exame no leito, que são vanta-gens que devem ser somadas[10,11].

Sugere-se que, por ser um exame não-invasivo ecom boa sensibilidade, a ultra-sonografia seja realizada,em crianças, logo após a radiografia simples[6].

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA

A eficácia da tomografia no diagnóstico de abdomeagudo obstrutivo de grau variado oscila entre 75% e95%, altera a conduta que seria tomada sem a sua utili-zação em 50% dos casos, evita internações e cirurgiasdesnecessárias, além de reduzir a morbi-mortalidade[3,12].A tomografia é um método rápido e eficaz, todavia,apresenta queda de cerca de 30% na sua sensibilidadee 20% em sua especificidade nos casos de obstruçãobaixa ou intermitente[8,10].

O exame tomográfico sem contraste via oral podeser realizado em grande parte dos pacientes com obs-trução intestinal, nos quais há acúmulo de líquido in-traluminal. A presença desse líquido funciona como umcontraste natural e, assim, o exame pode ser realizadoimediatamente, evitando o atraso do preparo via oral[8].

Os principais sinais tomográficos de obstrução in-testinal são distensão de alças de delgado (acima de 2,5a 3 cm de diâmetro), presença de níveis líquidos e des-proporção do calibre da alça, identificando-se segmen-tos de fino calibre e, dessa forma, podendo-se estabele-cer o diagnóstico. A utilização desses sinais prescinde decontraste intravenoso e via oral[2,8,10].

Alguns sinais podem sugerir malignidade, comomassa, linfadenopatia ou transição abrupta associada a

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irregularidades na parede intestinal. Na ausência demassa ou outras anormalidades na área de obstrução,aderência constitui diagnóstico de exclusão na maioriados pacientes[5].

A sensibilidade da tomografia com contraste intra-venoso para isquemia intestinal chega a 90%. A litera-tura relata a seguinte ordem dos sinais sugestivos deestrangulação, em ordem decrescente: espessamento dealça, ascite, aspecto trilaminar na parede do intestino(contrastação da mucosa e muscular associada a edemada submucosa), contrastação da parede intestinal pobreou ausente, pneumatose intestinal e gás nas veias portae mesentéricas, torção nos vasos mesentéricos signifi-cando volvo, tortuosidade e ingurgitamento dos vasosmesentéricos, hemorragia mesentérica e, por fim, au-mento da atenuação da parede intestinal em examessem contraste[10].

Com a utilização da tomografia multidetectores épossível a realização de imagens multiplanares e refor-matações volumétricas, oferecendo vantagens quandocomparada à tomografia convencional no diagnósticode obstruções intestinais[5,8,13].

Autores afirmam que reformatações coronais, aoserem analisadas em conjunto com os cortes axiais, au-mentam a confiança do examinador, são preferidaspelos cirurgiões para planejamento cirúrgico, facilitamo seguimento de alças intestinais, sem alterar o tempode realização do exame ou mesmo de avaliação dasimagens. Todavia, alertam que as reformatações coro-nais não substituem a análise dos cortes axiais[14].

A tomografia multidetectores com imagens refor-matadas também se mostra mais clara na identificaçãode obstruções com alça fechada, podendo reconhecersinais característicos como o sinal do bico (transição emforma de bico de ave de alça dilatada através do pontoobstrutivo), arranjo radial de alças e vasos mesentéricose configuração anormal do intestino em U ou C[7].

Fig. 15 – Divertículo de Meckel. Sétimo dia de pós-operatório de laparotomia branca por sus-peita de apendicite aguda, evoluiu com oclusão intestinal, devido a inflamação de divertículode Meckel. (A) Radiografia em ântero-posterior. Há alça jejunal dilatada de situação transversano hemiabdome superior (seta reta). Abaixo desta alça, todo o abdome tem aspecto homogê-neo, “vazio”, característico de grande quantidade de líquido nas alças (setas tortuosas). (B) Ra-diografia em ântero-posterior. Observam-se alças do delgado muito dilatadas no hemiabdomesuperior (setas). Há níveis de líquido (cabeça de seta). O nível mais baixo demonstrado corres-ponde a alça do delgado muito longa. (C) Trânsito intestinal. Radiografia de 30 minutos. O con-traste percorre o jejuno proximal com o calibre normal, à direita da coluna, a seta aponta alçado delgado muito dilatada com sinais de diluição do contraste. Desde que a progressão do con-traste era muito lenta, o exame foi suspenso neste momento. (D) Detalhe do hemiabdome su-perior direito. Observa-se alça de aspecto e calibres normais (seta preta). A seta branca apontaalça muito distendida, com diluição do contraste, portanto, mais próxima do obstáculo.

A B C

D

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RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Algumas seqüências rápidas de ressonância magné-tica associadas aos múltiplos planos de imagem conse-guem avaliar o abdome agudo obstrutivo com alta acu-rácia e rapidez. Podem utilizar o ar intraluminal comocontraste natural e sem limitações ao estudo prévio combário ou contrastes específicos. Os sinais que represen-tam oclusão são similares aos encontrados na tomogra-fia, com dilatação das alças proximais à obstrução, umponto de transição e alças distais com calibre variandode normal a colapsado[10].

Em gestantes em que a ultra-sonografia não estabe-leceu o diagnóstico, a ressonância magnética é uma al-ternativa viável[9,15].

Embora ainda não seja um método acessível à tec-nologia da ressonância magnética, continua a se apri-morar e possui potencial para se tornar um excelentemétodo diagnóstico na avaliação do abdome agudoobstrutivo.

CONCLUSÃO

O abdome agudo obstrutivo é uma doença comum,cujo manejo seguro e efetivo depende do diagnósticorápido e efetivo. Os exames de imagem podem firmaro diagnóstico e auxiliar na escolha do manejo mais apro-priado.

A radiografia simples permanece a primeira esco-lha dentre os exames de imagem, por possuir fácil aces-so, baixo custo e poder ser feita seriada conforme a evo-lução clínica do paciente. A ultra-sonografia apresentaa vantagem de não possuir radiação ionizante e ser ummétodo dinâmico e de fácil mobilização. A tomografiacomputadorizada fornece informações adicionais comoconfirmação da obstrução, grau e local de uma oclusão,presença de isquemia e causas de obstrução. A ressonân-cia magnética tem apresentado grandes avanços tecno-lógicos e, futuramente, pode ser uma opção viável.

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Abstract. Obstructive acute abdomen: reviewing important points.

The obstructive acute abdomen is a common presentation, for

which safe and effective management depends on a fast and ac-

curate diagnosis. Conventional radiograph remains the first choice

among the imaging exams because of its availability, low cost and

the possibility to be done serially to follow the patient’s clinical

progression. The ultrasonography does not require ionizing radia-

tion. It is a dynamic and in realtime exam. Computed tomography

is used increasingly due to the provision of essential diagnostic

information not apparent from radiographs, such as the confirma-

tion of the obstruction, degree and place of the occlusion, pres-

ence of ischemia as well as the causes of the obstruction. Mag-

netic resonance imaging has presented great technological ad-

vances and it may play a role in the future of obstructive acute

abdomen diagnosis. The objective of this pictorial essay is to re-

view the different imaging techniques used on diagnosing obstruc-

tive acute abdomen.

Keywords: Abdominal pain; Acute abdomen; Conventional radiography;

Computed tomography; Magnetic resonance imaging.