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    Nstor Ramn Cordero Gurry

    A VOZ DE TENOR

    Bases histricas da pedagogia vocal a partir do Bel Canto

    at os conceitos metodolgicos da atualidade.

    Universidade Federal de Minas GeraisPrograma de Ps Graduao em Msica

    Belo Horizonte / MG2014

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    Nstor Ramn Cordero Gurry

    A VOZ DE TENOR

    Bases histricas da pedagogia vocal a partir do Bel Canto

    at os conceitos metodolgicos da atualidade.

    Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Msica daUniversidade Federal de Minas Gerais,como requisito parcial para obteno dottulo de Mestre em Msica.Orientador: Prof. Dr. Joo GabrielMarques Fonseca

    Belo Horizonte2014

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    G978v Gurry, Nstor Ramn Cordero

    A voz de tenor: bases histricas da pedagogia vocal a partirdo Bel Cantoat os conceitos metodolgicos da atualidade /Nstor Ramn Cordero Gurry. --2014.

    178 fls., enc.; il.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais,

    Escola de Msica.Orientador: Prof. Dr. Joo Gabriel Marques Fonseca

    1.Voz - Educao. 2. Tenores (Canto). I. Fonseca, Joo GabrielMarques. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola deMsica. III. Ttulo.

    CDD: 784.92

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    EPGRAFE

    O verdadeiro mtodo de canto aquele que est em harmonia com a

    natureza e com as leis da sadeG. B. Lamperti

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    AGRADECIMENTOS

    A Gabriela, Victor, e Bela, pelo amor constante, ainda quando no sobrasse

    muito tempo para serem retribudos como eu teria gostado.

    Aos meus pais, William e Vilma, cantores que me ensinaram o amor pela

    msica e a busca pela verdade sobre todas as coisas, mesmo quando no

    estiver vista.

    Ao meu orientador, Dr. Joo Gabriel Marques, pela confiana e as conversas

    sobre temas enriquecedores para a construo do conhecimento.

    A Ronise Lima, Terapeuta Ocupacional do ExerSer (Ncleo de Ateno Integral

    em Sade do Msico), pela ajuda em temas relacionados postura do cantor e

    metodologia da pesquisa.

    A todos os professores da EMUFMG que contriburam para o meu aprendizado

    durante esses rpidos anos de Mestrado.

    Aos professores de canto que compartilharam o seu conhecimento e a sua

    vivncia prtica ao se disponibilizarem para responder s minhas questes,

    etapa fundamental para a realizao deste trabalho.

    CAPES, pela aprovao e fornecimento da Bolsa de estudos.

    Aos meus amigos da Confraria pelas risadas e as cervejas, mesmo em

    etapas difceis.

    Aos meus amigos e colegas do i Molinari, pela experincia de fazermos

    msica acreditando que no h fronteiras entre estilos. Puccini, Verdi, Seal ou

    Villalobos podem estar juntos num concerto quando a Alquimia da emoo os

    une.

    A todos meus alunos de Canto e Tcnica vocal, que me ensinam e me inspiram

    a estudar mais.

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    LISTA DE FIGURAS

    PginaFIGURA 1 CONCERTO DOS TRS TENORES 15FIGURA 2 TEATRO ARGENTINA. LOUVRE 21

    FIGURA 3 CARICATURA DO CASTRATO SENESINO 25FIGURA 4 NICCOLA PORPORA E FARINELLI 26FIGURA 5 TEATRO DI SAN CARLO. NPOLES 27FIGURA 6 FRANCESCO LAMPERTI (1811 -1892) 31FIGURA 7 MARIA MALIBRAN. MEZZOSOPRANO 35FIGURA 8 MANUEL PATRICIO GARCIA (18111892) 37FIGURA 9 ESPELHOS DE GARCIA 37FIGURA 10 GILBERT - LOUIS DUPREZ (1806- 1896) 39FIGURA 11 TENOR ENRICO CARUSO (1873- 1921) 40FIGURA 12 SISTEMA RESPIRATRIO 43FIGURA 13 CAIXA TORXICA 45

    FIGURA 14 MSCULOS INTERCOSTAIS 46FIGURA 15 MOVIMENTOS DO DIAFRAGMA 50FIGURA 16 MSCULOS DO ABDOMEN 51FIGURA 17 O DIAFRAGMA 52FIGURA 18 A LARINGE 59FIGURA 19 A GLOTE, PREGAS VOCAIS E BANDAS

    VENTRICULARES60

    FIGURA 20 CARTILAGENS DA LARINGE. 62FIGURA 21 DISPOSIO DAS CARTILGENS NO PESCOO 63FIGURA 22 LOCALIZA O DA EPIGLOTE 64FIGURA 23 CARTILAGEM TIREIDEA 65FIGURA 24 CARTILAGEM CRICIDE 66FIGURA 25 CARTILAGEM ARITENIDE 67FIGURA 26 OSSO HIIDE 68FIGURA 27 MSCULOS INTRNSECOS DA LARINGE 69FIGURA 28 A GLOTE E MSCULOS INTRNSECOS DA

    LARINGE70

    FIGURA 29 MSCULOS INTRNSECOS DA LARINGE 71FIGURA 30 ESQUEMA DE CORTE DA PREGA VOCAL 72FIGURA 31 PREGAS VOCAIS 73FIGURA 32 RELAO ENTRE A LARINGE, A EPIGLOTE, A

    BASE DA LNGUA, E A PAREDE DA FARINGE

    75

    FIGURA 33 POSI O DA LARINGE NO PESCOO 78FIGURA 34 ELETROGLOTOGRAFIA DO TRATO VOCAL DE

    UM TENOR86

    FIGURA 35 CAVIDADES DE RESSONNCIA 89FIGURA 36 ENRICO CARUSO CANTANDO AS VOGAIS

    A,E,I,O,U. REGISTRO MDIO.93

    FIGURA 37 FORMATOS BSICOS DO TRATO VOCAL PARA OCANTO. A) MEGAFONE INVERTIDO B) FORMATODE MEGAFONE

    94

    FIGURA 38 EXTENSO DA VOZ DE TENOR 103

    FIGURA 39 ELETROGLOTOGRAFIA. TRATO VOCAL 103

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    RESUMO

    Objetivos: Este trabalho tem dois objetivos: (1)Descrever as bases histricasda pedagogia vocal aplicada voz de tenor a partir do Bel Canto. (2) Promoveruma reflexo sobre a situao atual da pedagogia vocal para cantores com voz

    de tenor, enfatizando os seus pilares e as bases anatomofisiolgicas dosistema respiratrio e da fonao. Metodologia: Trata-se de um estudoexploratrio, descritivo, baseado na anlise de contedos extrados daLiteratura especializada em dilogo com a contribuio metodolgica a partirdas respostas de questionrios semiestruturados aplicados a quatroprofessores universitrios de canto erudito de duas Universidades (UEMG eUFMG). Resultados: O principal resultado obtido na anlise dos dados foi aopinio consensual que a maior nfase no treinamento de cantores com voz detenor deve ser dada s tcnicas que permitem que os registros mais agudos davoz sejam atingidos de modo gradativo e paciente, evitando que haja esforoexcessivo na zona de transio da voz de peito para a voz de cabea.

    Concluso: Os pontos crticos no treinamento de um aluno com voz de tenorso a posio da laringe e a tcnica empregada na zona de passagem. Essesdois pontos precisam ser cuidadosamente estudados e trabalhados durante otreinamento de um aluno com voz de tenor.

    Palavras-chave: Pedagogia Vocal; Tenor; Projeo Vocal.

    ABSTRACT

    Objective:This study has two goals: (1) to analyze the collected informationfrom the Vocal Literature applied to the training of the tenor voice since the BelCanto period. (2) To promote and stimulate ways to think about the currentpedagogical tendencies to train the tenor voices during the first stages of theirpractice. Special attention is given to the anatomical and physiologicalfoundation of the respiratory and fonatory systems.Methodology:This studydeals with a qualifying method of investigation starting with digging in theLiterature of the Singing Voice as well as the contributions gathered by meansof observation and dialogical relationships with the voice professors from the

    Federal University of Minas Gerais and the State University of Minas Gerais.The application of a semi-structured interview was made on the content of thelisted interviews.Results: The high range of the tenor voice must beapproached in a soft and progressive manner. Never to rush or to force thechest voice into the head voice.Conclusion: There are two critical issues ontraining a tenor voice, the stable larynx position and the establishment ofstrategies to blend the chest register and the head register through thepassaggio zone. These technical aspects must be carefully studied andworked by the teacher with every tenor he/she might have as a student.

    Key Words: Vocal Pedagogy; Tenor Voice; Vocal Projection.

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    SUMRIO

    1. INTRODUO 92. METODOLOGIA 122.1. TIPOS DE ESTUDO E SUJEITOS DA PESQUISA 12

    2.2. DA CONSTRUO DO ROTEIRO DE ENTREVISTA 122.3. ANLISE DOS DADOS 133. BASES HISTRICAS DA PEDAGOGIA VOCAL A

    PARTIR DO BEL CANTO15

    3.1. A VOZ DE TENOR 153.1.1. INTRODUO HISTRICA SOBRE A PERA E A

    ESCOLA DE TCNICA VOCAL ITALIANA ENTREOS SCULOS XVII E XX

    18

    3.1.2. BEL CANTO 193.1.2.1. CONSIDERA ES PEDAGGICAS SOBRE O BEL

    CANTO22

    3.1.3. OS CASTRATI: PROTAGONISMO E DECADNCIA 233.1.4. A PEDAGOGIA VOCAL DO SCULO XIX: O

    IMPACTO DOS ENSINAMENTOS DE FRANCESCOLAMPERTI E DE MANUEL GARCA

    29

    3.1.4.1. ESCOLAS DE CANTO ITALIANO DO SCULO XIX 303.1.4.2. A ESCOLA DOS GARCA 333.1.4.3. A POSIO DA LARINGE DO TENOR A PARTIR

    DA TCNICA DE GILBERT DUPREZ E A SUARELAO COM A RESSONNCIA E A PROJEOVOCAL

    38

    3.1.5. A VOZ DE TENOR NO SCULO XX 393.1.5.1. VERISMO 404. BASES ANATOMOFISIOLGICAS DO SISTEMA

    RESPIRATRIO E DA FONAO42

    4.1. O SISTEMA RESPIRATRIO E A RESPIRAO NOCANTO

    42

    4.1.1. OS PULMES 424.1.2. TIPOS DE RESPIRAO 484.1.3. A MUSCULATURA ABDOMINAL, O DIAFRAGMA E

    O CONCEITO DEAPPOGGIO50

    4.2. A LARINGE E SUAS ESTRUTURAS 58

    4.2.1. CARTILAGEM DA LARINGE 614.2.2. A EPIGLOTE 634.2.3. CARTILAGEM TIRIDE 644.2.4. CARTILAGEM CRICIDE 654.2.5. CARTILAGEM ARITENIDE 664.2.6. OSSO HIIDE 674.2.7. MSCULOS DA LARINGE 684.2.8. PREGAS VOCAIS 714.2.9. PREGAS VENTRICULARES 745. CONCEITOS METODOL GICOS UTILIZADOS NA

    TCNICA VOCAL:CONSIDERAES SOBRE A

    POSIO DA LARINGE, REGISTROS VOCAIS,ZONA DE PASSAGEM, RESSONNCIA E

    77

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    CLASSIFICAO DA VOZ DE TENOR5.1. A POSI O DA LARINGE DO TENOR E A SUA

    RELAO COM A RESSONNCIA E A PROJEOVOCAL

    78

    5.2. REGISTROS VOCAIS 80

    5.3. ZONA DE PASSAGEM (PASSAGGIO) 825.4. RESSONNCIA E PROJEO 855.5. CLASSIFICAO DA VOZ DE TENOR 966. CONCEITOS TCNICO-VOCAIS NA

    METODOLOGIA DA FORMAO DE TENOR NAPERSPECTIVA DOS PROFESSORES DE CANTO EDA LITERATURA

    105

    6.1. O ENSINO DE UM TENOR A PARTIR DO MARCOZERO: ESTRATGIAS QUE OS PROFESSORESUTILIZAM NAS PRIMEIRAS AULAS COM UMALUNO TENOR

    105

    6.1.1. REGISTROS VOCAIS 1156.1.2. FALSETE E VOZ DE CABEA 1196.1.3. ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE AS

    ESTRATGIAS UTILIZADAS NAS PRIMEIRASAULAS COM UM TENOR

    124

    6.2. ASPECTOS DA TCNICA VOCAL: REGISTROAGUDO, PROJEO E RESSONNCIA

    126

    6.2.1. ALGUMAS CONSIDERA ES SOBRE OREGISTRO AGUDO, A PROJEO E ARESSONNCIA

    129

    6.3. ASPECTOS DA TCNICA VOCAL: A POSIO DALARINGE NO TREINO VOCAL DO TENOR

    137

    6.3.1. SOBRE A COBERTURA E A ZONA DE PASSAGEM 1406.3.2. O USO DA VOGAL E DA CONSOANTE 1406.3.3. AJUSTES NA POSIO DA LARINGE NO TREINO

    VOCAL DO TENOR141

    6.3.4. PASSAGGIOE COBERTURA 1476.3.5. VOGAL DE PREFERNCIA E OUTRAS

    SUGESTES150

    6.3.6. ALGUMAS CONSIDERA ES SOBRE A POSI ODA LARINGE NO TREINO VOCAL DO TENOR

    152

    6.4. METFORAS E IMAGENS COMO RECURSOMETODOLGICO 1546.4.1. ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O USO DE

    METFORAS E IMAGENS COMO RECURSOMETODOLGICO

    158

    7. CONSIDERAES FINAIS 159BIBLIOGRAFIA 163APNDICE1: ROTEIRO PARA ENTREVISTA 177APNDICE 2: TERMO DE CONSENTIMENTOLIVRE E ESCLARECIDO.

    178

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    1. INTRODUO

    A excelncia pedaggica no depende somente da experincia ou da erudio

    que o professor transmite aos seus alunos. necessrio um desejo constante

    de superao e curiosidade para pesquisar, descobrir e construir oconhecimento. Cantar um ato subjetivo que envolve mecanismos de

    coordenao fsica, sensaes pessoais, respostas psicolgicas, emocionais e

    cognitivas que se exprimem atravs do som vocal. Para o cantor, essas

    informaes no se manifestam separadamente durante a apresentao

    musical. Todas incidem de forma simultnea e o resultado determinado pela

    capacidade tcnica e profissional aliada ao domnio emocional que o cantor

    tenha conquistado durante o processo de formao artstica (BLADES-ZELLER, 2003).

    O canto lrico baseado nas conexes que se estabelecem entre o ser

    humano e a sua voz, entre o cantor e o seu pblico, o pblico e o cantor, o

    cantor e seus colegas musicistas e artistas, o mundo da voz cantada e o

    mundo da multidisciplinaridade e vice-versa. Ainda num sentido mais amplo, o

    canto tem a capacidade de unir grupos de pessoas na partilha da experincia

    musical e emocional (CHAPMAN, 2012).

    A pedagogia vocal ao mesmo tempo cientifica e esttica, embora continue a

    existir certa discrepncia entre pedagogos e cantores que abordam o canto de

    forma tcnica, objetiva e pragmtica, e aqueles que defendem os conceitos

    mais tradicionais, baseados na imaginao, na esttica do som e no instinto

    musical, sem incorporar elementos cientficos. Frequentemente, essas atitudes

    radicais interferem negativamente no processo de ensino-aprendizagem

    (APPELMAN, 1986).

    O ensino vocal no uma anlise dos fenmenos fsicos e anatmicos, mas

    uma anlise da complexidade psicofsica do ato de cantar (APPELMAN, 1986).

    Quando um cantor passa a ter a funo de ensinar outros cantores, precisa

    desenvolver mecanismos de linguagem objetiva, e uma capacidade de

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    comunicao capaz de facilitar a compreenso dos conceitos que pretende

    oferecer aos alunos. Na minha prtica como tenor e professor, devo dizer que

    constitui um grande desafio aplicar um mtodo pedaggico que contenha

    elementos da minha experincia artstica e, ao mesmo tempo, no interfira de

    forma padronizada na formao dos alunos, cujas caractersticas individuais

    devem ser consideradas e respeitadas. O professor de Tcnica Vocal necessita

    possuir uma flexibilidade de pensamento que lhe permita estudar e orientar

    cada voz, acatando a identidade do aluno. Quando trabalhamos com alunos

    com voz de tenor, parece existir uma dificuldade inerente a esses indivduos

    desde o ponto de vista da psicologia e da fisiologia vocal. Segundo Perna

    (2008), o tenor espanhol Jos Carreras afirma que a voz de tenor a mais

    difcil durante toda a sua extenso, pois o som dessa voz no um som

    natural.

    Ao se referir s caractersticas dos diferentes tipos de vozes, Miller (1993)

    sustenta que o tenor requer um alto nvel de preciso para executar as

    exigncias da literatura vocal e ainda afirma que professores experientes,

    independentemente da Escola de Canto que defendam, descrevem as

    dificuldades enfrentadas para orientar tecnicamente os tenores.

    Segundo Coffin (1989), o mestre de canto Giovanni Battista Lamperti (1839-

    1910) declarava que o treino da voz de tenor seria a tarefa mais trabalhosa

    para o professor de canto, devido principalmente dificuldade dos tenores em

    conectar os registros vocais; assunto que ser discutido em detalhes neste

    trabalho.

    Meu interesse em pesquisar a voz de tenor e a pedagogia vocal se prende

    minha histria pessoal. Como tenor e professor de canto durante quase vinte

    anos, venho analisando as dificuldades metodolgicas existentes para treinar

    esse tipo de voz. Fui aluno de professores de canto formados em pases como

    Itlia, Alemanha, Polnia e Cuba, e sempre tive a curiosidade de procurar

    solues s dificuldades tcnicas prprias do tenor. Aps treze anos

    ministrando aulas de tcnica vocal em Belo Horizonte, considero oportunoinvestigar os conceitos pedaggicos que os colegas de profisso aplicam ao

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    ensinarem alunos tenores, assim como os mtodos que facilitam a projeo

    vocal e relacion-los com os que a literatura apresenta. Desse modo, ser

    possvel uma reflexo que permita estabelecer cada vez mais recursos

    pedaggicos disponveis aos alunos e professores na busca pela eficincia

    acadmica e artstica.

    Para compreender melhor o tema objeto desta dissertao, vale destacar que o

    canto lrico abrange um repertrio vocal erudito que inclui canes de concerto,

    cantatas, oratrios, e a pera, dentre outros estilos que exigem um treinamento

    vocal com extremo rendimento fsico, musical e cnico.

    Segundo Snchez (2007, apud CASTAO, 2012), o treinamento do cantor

    lrico exige uma vocalidade ampla, com uma extenso e uma projeo vocal

    capaz de superar a sonoridade de uma orquestra sinfnica, e ainda conseguir

    transmitir as emoes e conflitos dos personagens que interpreta no palco sem

    usar nenhum equipamento de amplificao eletrnica.

    Este estudo teve como objetivo descrever as bases histricas da pedagogia

    vocal aplicada voz de tenor a partir do Bel Cantoe analisar a aplicao dos

    conceitos tcnico-vocais na prtica dos professores de canto. O objetivo

    especfico foi traar um contraponto entre as bases da pedagogia vocal e as

    bases anatomofisiolgicas do sitema respiratrio e da fonao.

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    12

    2. METODOLOGIA

    2.1. TIPOS DE ESTUDO E OS SUJEITOS DA PESQUISA

    Para descrever as bases histricas da pedagogia vocal aplicada voz de tenor

    a partir do Bel Canto,foi realizada uma extensa busca na Literatura e os seus

    resultados sero apresentados no item 3 desta dissertao.

    Alm dos princpios da pedagogia vocal, a literatura cientfica sobre as bases

    anatofisiolgicas do sistema respiratrio e da fonao auxiliou na compreenso

    dos conceitos metodolgicos utilizados na pedagogia vocal para a formao do

    tenor. O item 4 apresenta essas bases com detalhes.

    Um estudo exploratrio descritivo foi realizado para compreender como os

    professores de canto das Universidades de Belo Horizonte aplicam os

    conceitos tcnico-vocais na formaos de seus alunos tenores. Para Minayo

    (2010), o mtodo descritivo pode ser compreendido como um conjunto de

    tcnicas usadas para analisar a comunicao. Ele busca obter a construo de

    conhecimentos relativos s condies de produo e recepo das mensagens

    e das pessoas que as emitem, por intermdio de procedimentos especficos

    como a descrio do contedo dessas mensagens e de indicadores que podem

    ser quantitativos ou no.

    A coleta de dados parte de uma abordagem qualitativa, com aplicao de uma

    entrevista semiestruturada a professores de canto da Universidade Federal de

    Minas Gerais (UFMG) e da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

    2.2. DA CONSTRUO DO ROTEIRO DE ENTREVISTA

    Quando se realiza qualquer pesquisa, seja qualitativa, quantitativa, mista,

    sociolgica, etc., faz-se necessrio identificar claramente o que precisa ser

    perguntado. Confesso que preparar essas perguntas foi uma tarefa difcil e

    ousada. Decidi fazer uma entrevista semiestruturada (APNDICE 1) e deixarque os professores estivessem vontade quando respondessem. Para cumprir

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    13

    critrios ticos, todos os professores entrevistados assinaram um Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE 2), de acordo com a resoluo

    466/12.

    Para subsidiar a criao das questes, foi considerado o referencial terico

    deste projeto, bem como a minha experincia profissional. Conforme relatado

    no inicio deste trabalho, quando estudava canto em Cuba, tive muitas

    dificuldades em compreender e aplicar a tcnica vocal para meu tipo de voz.

    Devido aos diferentes professores que tive, no conseguia estabelecer um

    padro especfico perante os variados mtodos e aproximaes tericas e

    prticas que cada um daqueles profissionais considerava ser a melhor tcnica.

    Na minha atual funo de professor, analisei as respostas de cantores que so

    professores de canto lrico e verifiquei seus mtodos de abordar a tcnica vocal

    e o aproveitamento dos alunos tenores. Com certeza muitas das perguntas

    poderiam ser aplicadas com referncia a outros tipos de vozes, mas o escopo

    desta pesquisa se restringe ao tenor.

    2.3. ANLISE DOS DADOS

    Os dados das entrevistas foram transformados em contedos temticos,

    alocados em tabelas e seus resultados foram cruzados e analisados,

    considerando-se os objetivos deste estudo.

    Foi escolhida, portanto, a Anlise do Contedo, dividida em categorias

    temticas. Bardin (1979) apud Minayo (2010) considera que a anlise decontedo um conjunto de tcnicas de anlise da comunicao, realizada por

    intermdio de procedimentos objetivos e sistemticos de descrio do

    contedo das mensagens, bem como de indicadores que possibilitam a

    inferncia entre a produo e recepo dessas mensagens (BARDIN, 1979

    apud MINAYO, 2010).

    Essa anlise clssica pode ir do rigor quantitativo (matemtico) subjetividade.Quanto anlise quantitativa, considera-se a frequncia como critrio de

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    objetividade. Quanto anlise qualitativa, possvel realizar uma interpretao

    mais profunda por meio do contedo. Para isso, a anlise de contedo

    relaciona estruturas semnticas (significantes) a estruturas sociolgicas

    (significados) dos enunciados. Analisam-se, portanto, os fatos estudados por

    meio de suas diversas caractersticas, como: variveis psicossociais, contexto

    cultural, contexto e processo de produo da mensagem (MINAYO, 2010).

    Esses resultados sero apresentados no item 3 deste estudo.

    No Quadro1, so apresentadas as categorias e subcategorias utilizadas na

    anlise temtica.

    QUADRO 1 - CATEGORIAS UTILIZADAS NA ANLISE TEMTICA

    Fonte: Elaborado pelo autor, de acordo com modelo proposto por Bardin (1979)

    O tenor

    -Marco zero

    -O registro agudo

    -Outros aspectos

    Aspectos da

    tcnica vocal

    Utilizao de

    imagem/metforas

    -Postura

    -Apoio

    -Ressonncia e projeo

    -Unificao de registro

    -Tipo de imagem

    -Associao das imagens com

    a tcnica

    -A posio da laringe no treino

    vocal

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    15

    3. BASES HISTRICAS DA PEDAGOGIA VOCAL A PARTIR DO BEL

    CANTO

    Para embasar a parte terica desta pesquisa, foi realizada uma reviso

    bibliogrfica que inclui diversos autores especialistas na rea de voz cantada,

    como Anthony Frisell, Berton Coffin, David L. Jones, Elizabeth Blades-Zeller,

    Garyth Nair, Ingo Titze, Joe Estill, James Shigo, Johan Sundberg, James Stark,

    James C. Mackinney, Jack Livigni, Kurt-Alexander Zeller, Meribeth Bunch,

    Melissa Malde, Peter Harrison, Richard Miller, Ralph Appelman, William

    Vennard, bem como uma busca de artigos, dissertaes e teses em domnios

    web internacionais e nas principais bases de dados disponveis como Scielo,

    Pubmed, Lilacs e Portal Capes.

    3.1. A VOZ DE TENOR

    O concerto dos trs tenores realizado em Caracalla, Itlia, em 07 de julho de

    1990 , pode ser considerado um divisor de guas em relao percepo que

    o grande pblico teve sobre o canto lrico e especificamente sobre a voz de

    tenor. Jos Carreras, Plcido Domingo e Luciano Pavarotti juntaram suas

    vozes pela primeira vez, acompanhados por duas grandes orquestras italianas

    sob a batuta do maestro Zubin Metha, criando um fenmeno singular: o

    surgimento da pera de multides. Esse concerto marcou o que o crtico e

    jornalista espanhol Rubn Amn (1996) classificou como o maior

    acontecimento popular da msica clssica dos ltimos tempos.

    FIGURA 1: CONCERTO DOS TRS TENORES(ITLIA 1990)

    Fonte:http://www.allmusic.com/album/the-three-tenors-in-concert-mw00015404401

    1Disponvel em: (www.threetenors.com)

    http://www.allmusic.com/album/the-three-tenors-in-concert-mw0001540440http://www.allmusic.com/album/the-three-tenors-in-concert-mw0001540440http://www.threetenors.com/http://www.threetenors.com/http://www.allmusic.com/album/the-three-tenors-in-concert-mw0001540440
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    Muitos dos tenores da atualidade comearam a se interessar pelo canto lrico

    justamente a partir do contato que tiveram com o concerto de Caracalla durante

    o Mundial de futebol de 1990, celebrado na Itlia. Pela primeira vez, assistiram

    rias de pera cantadas por tenores famosos fora do hermetismo dos teatros.

    Segundo Amn (1996), oito mil pessoas assistiram ao concerto ao vivo, e mais

    de oitocentos milhes seguiram a retransmisso televisionada. A gravao do

    concerto gerou um disco que vendeu doze milhes de cpias ao redor do

    mundo, entrando no Guinnes Book of Records como o lbum de msica

    clssica mais vendido da histria (POTTER, 2009).

    Segundo Chumaceiro (2004), essa criativa idia de marketing providenciou

    uma exposio, no augurada, de um repertrio ecltico interpretado por

    grandes tenores da pera contempornea. A partir da surpreendente aceitao

    das massas, esse espetculo inicial gerou uma srie de concertos mundiais,

    como os celebrados em Monte Carlo e Los Angeles, CA. em 1994; Tquio,

    Londres, Viena, Nova York, Sucia, Alemanha e Canad,1996; Austrlia, Itlia

    e Espanha, 1997; Paris, 1998; frica do Sul e Estados Unidos, 1999; Brasil,

    2000; China e Coreia do Sul, 2001.

    Aps o impacto desse fenmeno cultural, surgem as perguntas: Qual o

    especial atrativo da voz de tenor? Quais so os precedentes histricos desse

    tipo de voz e quando e como surgiu? Como so treinados esses cantores? Que

    fatores determinam as possibilidades vocais dos tenores?

    Esse despertar de interesses mostra a importncia de se compreender o que

    os especialistas em pedagogia vocal discutem sobre as caractersticas da vozde tenor.

    Segundo Miller (1993), h menos tenores do que bartonos, embora a voz de

    baixo seja tambm pouco frequente. O bartono, definitivamente, a norma da

    voz masculina, e embora todo cantor que saiba usar seu instrumento vocal

    consiga resultados eficientes, no caso dos tenores necessrio maior

    coordenao e preciso das funes vocais. O autor destaca que

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    frequentemente os professores de canto, acostumados a trabalhar com vozes

    predominantemente de bartono, deixam de lado importantes conhecimentos e

    estratgias necessrias para se lidar com a voz aguda masculina, a saber, o

    tenor.

    Miller (1993) argumenta que o contratenor, embora seja uma voz masculina

    aguda, de forma geral um bartono que optou por desenvolver o registro de

    falsete (a modo de esclarecimento, a voz de falsete ser posteriormente

    explicada) como veculo principal para sua voz cantada. No escopo desta

    pesquisa, portanto, o termo voz aguda masculina deve ser considerado

    sinnimo de voz de tenor.

    O tenor tem um papel fundamental na maioria das peras. Geralmente esse

    tipo de voz associado ao heri, ao personagem protagonista de fatos

    importantes e amorosos (MILLER, 1993).A voz de tenor, termo originado do

    latim tenere, se referia msica vocal do sculo XI, voz que tinha ou

    mantinha a melodia e que era normalmente aguda, embora no como a

    conhecemos hoje (GILES, 1994).

    Essa voz tem sido tradicionalmente integrada virtude e ao ideal masculino na

    pera, talvez pela combinao entre as altas frequncias das notas agudas e a

    energia viril que, em geral, deve enfrentar no seu repertrio. possvel que a

    resposta vocal do tenor no canto artisticamente cultivado seja, dentre as outras

    vozes, a que mais se aproxime do ideal da Grcia Antiga unidade entre fora

    e beleza , que compe a esttica tradicional do mundo ocidental (MILLER,

    1993).

    Por isso, essencial conhecer acerca da histria da pera e da pedagogia

    vocal italiana durante os sculos XVIIXX para identificar mais claramente

    como aconteceu o protagonismo da voz de tenor.

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    3.1.1. INTRODUO HISTRICA PERA E ESCOLA DE TCNICA

    VOCAL ITALIANA ENTRE OS SCULOS XVII E XX.

    A pera comeou em pequenos teatros e locais que serviam de ponto de

    encontro para a alta sociedade italiana. O interesse em reformular os princpios

    de equilbrio, beleza e harmonia da Grcia Antiga tinha instigado vrios

    msicos, poetas e filsofos do sculo XVI a desenvolverem uma coeso entre

    as artes. Esses intelectuais buscavam se distanciar da hegemonia da polifonia

    vocal (vrias vozes sobrepostas cantando textos diferentes), que no permitiam

    mais a compreenso do texto e a expresso genuna dos sentimentos.

    Surge em Florena o Dramma per Musica, expresso italiana que significa

    Drama atravs da msicaou Drama em msica, envolvendo compositores

    importantes como Jacopo Peri e Giulio Caccini.

    Durante esse perodo foram estabelecidas as bases do que posteriormente

    ficaria conhecido como a Antiga Escola de Canto Italiana (STARK, 1999).

    Segundo Aguiar (2007), Dafne e Eurdice so os primeiros textos (libretos)

    escritos pelo poeta Ottavio Rinuccini (1562-1621) e musicados por Jacopo Peri

    (1561-1633) e Giulio Caccini (1545-1618) que tiveram como tema a Mitologia

    Greco-Romana.

    Claudio Monteverdi (1567-1643) sobressaiu-se como compositor nesse perodo

    e estabeleceu os fundamentos parao aperfeioamento da pera com o Drama

    em Msica Orfeo(AGUIAR, 2007).

    Na opinio de Castarede (1998 apud AGUIAR, 2007), os fundamentos

    estabelecidos por Monteverdi seriam o dilema entre a estrutura prpria dafala

    e da msica enquanto, no recitativo, a msica que se submete palavra.

    Nas rias (parte solo dos cantores protagonistas), o texto desdobra-se numa

    semntica que o ultrapassa.

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    Foi a partir de Monteverdi, que as bases da Escola Italiana de Canto foram

    estabelecidas no sculo XVII, conformando o que seria conhecido

    posteriormente como Bel Canto(MANN, 1974).

    A pera, aos poucos, se distanciou do Drama per Msica e foi ficando cada vez

    mais definida e elaborada, nascendo, assim, a pera buffae a pera sria.

    A pera buffa se representava entre os atos da pera sria, como forma de

    diverso e de representao burlesca da sociedade, inclusive usando dialetos

    prprios nos textos (AGUIAR, 2007).

    A pera sria mostrava temas mitolgicos e de antigos monarcas, onde a

    ornamentao exuberante das cenografias era uma caracterstica marcante de

    todos os teatros. Aqui se exibiam as qualidades nicas dos cantores, em rias

    extensas e plenas de acrobacias vocais, chamadas de coloratura. Para

    conseguir executar a dificuldade tcnica, os cantores eram extremamente bem

    treinados musical e vocalmente na tcnica do Bel Canto (VILELA e

    CARPINETTI, 2014).

    Para melhor compreender o significado do termo Bel Canto, segue uma

    explicao do contexto musical, religioso, poltico e social, em que teve incio a

    famosa Escola de Canto Italiana.

    3.1.2. BEL CANTO

    O termo Bel Canto aplicado em referncia ao estilo cantbile das peras

    Venezianas e Romanas, assim como s cantatas, entre os anos de 1630 -1640(HASS 1929; BUKOFZER 1947 apud STARK, 1999).

    O Dicionrio Harvard da Msica apresenta o Bel Cantocomo caracterstico da

    pera do sculo XVIII de forma geral e, particularmente, da pera de Mozart

    (APEL, 1969).

    Segundo Hoch (2014), o conceito de Bel Cantoprope um estilo de coloraturaflexvel, usado para descrever as peras de Handel (1685-1759), assim como

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    as rias, que demostravam o virtuosismo dos cantores. O mesmo autor

    menciona ainda que o termo tambm foi usado para caracterizar uma parte da

    pera italiana que emergiu no comeo do sculo XIX, na Itlia, apresentando

    um estilo de grande ornamentao (notas extras, como appogiaturas, escalas,

    trinados ou cadncias), que enriquece uma melodia toda vez que for repetida,

    assim como o uso de legatoconstante na linha meldica. Compositores como

    Rossini (1792-1868), Donizetti (1797-1848) e Bellini (1801- 1835) representam

    a apoteose do gnero.

    O Bel Cantoconquistou instrumentistas como Chopin, pois, segundo Mrio de

    Andrade, seriam os instrumentos que, grandemente influenciados pelo Bel

    Canto, cairiam no exaspero da virtuosidade, em referncia explcita ao violinista

    italiano Niccolo Paganini e ao compositor e pianista polons Franz Liszt

    (DOURADO 2004 apudGOMES, 2008).

    A particularidade do Bel Canto residia na sustentao e equalizao do som

    durante a transio de uma frase musical para a seguinte, sem qualquer

    interrupo perceptvel. Caracterizava-se por uma perfeita igualdade vocal, um

    legatocuidadoso com grande agilidade e flexibilidade, explorando a riqueza do

    timbre, sem perder a elegncia e a eloquncia da articulao do texto (GROUT

    e PALISCA 1994 apud SACRAMENTO, 2009).

    Nielsen (2005) afirma que compositores do Bel Canto, como Spontini, Scarlatti,

    Caccini, Mercadante eBononcini, dentre outros, focavam suas expresses em

    dois elementos: o sistema do treinamento do joven cantor e os ideais da

    qualidade do som vocal, o que seria o objetivo principal. Professores de canto,como Prpora, Tosi, Fedi, Pistocchi e Bernacchi afirmavam que a dedicao

    constante aos estudos musicais e vocais durante um longo perodo de tempo

    seria a base para o domnio tcnico do artista em potencial. Todos

    concordavam com a necessidade do conhecimento musical antes do incio dos

    estudos vocais. A instruo deveria comear cedo, enquanto o cantor fosse

    ainda muito jovem; este aprenderia os rudimentos da msica, solfejo e leitura

    primeira vista.

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    Nielsen (2005) afirma que, segundo Tosi (1723), os princpios da tcnica vocal

    seriam ministrados primeiramente pelo professor de solfejo, que estaria

    encarregado de desenvolver a afinao e o ritmo do aluno. Posteriormente,

    seria a vez dos vocalizes cantados, usando palavras e frases no lugar das

    notas solfejadas.

    De acordo com Shakespeare (1938 apud NIELSEN, 2005), o tempo de

    instruo demoraria no mnimo seis anos, para se conseguir uma tcnica

    aceitvel. Tosi e muitos dos professores da poca j atribuam o declnio da

    arte do canto naquele momento ao fato de que muitos cantores eram forados

    a cantar em pblico muito antes de concluir o tempo necessrio para a sua

    formao, pois muitos professores visavam o lucro das apresentaes e o

    dinheiro obtido pelos seus alunos.

    O Bel Canto considerava a beleza e a pureza da emisso vocal como o

    aspecto mais importante da interpretao. O estilo Belcantista est inserido

    dentro da msica do perodo Barroco, que assim como a arquitetura, era

    meticulosamente elaborada e emocional. Conforme a estrutura arquitetnica da

    poca, predominava a extravagncia ornamental, o luxo e os excessos. A

    pera refletia os mesmos ideais de magnificncia e beleza (BENNINGER &

    MURRAY, 2008)

    FIGURA 2: TEATRO ARGENTINA(PANNINI, 1747. MUSE DU LOUVRE)

    Fonte: Wikipedia2.

    2

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Friedrich_H%C3%A4ndel#mediaviewer/Ficheiro:Interior_de_uma opera_barroca.jpg

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    A Tradicional Escola Italiana tem, na sua origem, os princpios e bases

    pedaggicas de requinte e de reflexo, com o objetivo de buscar a perfeio

    vocal. Iniciou como um grupo de cinco escolas em diferentes cidades Italianas

    Npoles, Roma, Bolonha, Florena e Veneza (MILLER, 2000).

    3.1.2.1. CONSIDERAES PEDAGGICAS SOBRE O BEL CANTO

    Garcia (1984 apud NIELSEN, 2014) menciona que seria interessante poder

    estudar em detalhes a prtica pedaggica dos sculos XVII e XVIII, contando

    com os ensinamentos de Fedi, Pistocchi, Bernacchi, Porpora, mas que,

    infelizmente, essa poca passou deixando somente alguns escritos sobre as

    tradies da pedagogia utilizada. Os trabalhos de Tosi, Mancini, Herbst,

    Agricola, etc., oferecem uma ideia mnima e confusa dos seus mtodos.

    Brown (1931 apud NIELSEN, 2014) comenta que no existia nenhum mtodo

    escrito sobre os segredos da tcnica que era unicamente transmitida oralmente

    e por imitao a partir do mestre, e de aluno para aluno.

    A gloriosa tradio da Antiga Escola de Bel Cantofoi perdida e seus grandes

    mentores no puderam ou no quiseram registrar os detalhes da sua vasta

    experincia. Preferiram preservar seu mistrio e passar a sua obra de gerao

    a gerao, por meio dos grandes artistas. Herbert-Caesari (1936 apud

    NIELSEN, 2014).

    Do ponto de vista pedaggico, os mestres belcantistas priorizavam o

    aprendizado musical antes do vocal. Os alunos deveriam dominar o solfegioe

    a leitura primeira vista. O primeiro instrutor do jovem aluno era uminstrumentista, e s depois de ter domnio musical, o aluno comeava o

    treinamento vocal. O estudo de canto era feito usando vogais e no mais o

    nome das notas, que pertencia a um estgio precedente (NIELSEN, 2014).

    Apresentar uma anlise detalhada sobre a evoluo da pera escapa

    finalidade desta pesquisa; entretanto, interessante comentar alguns

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    elementos da estreita relao entre a pera, a pedagogia vocal, o Bel Canto e

    o surgimento dos castrati que, segundo Barbier (1993), foram os mais

    venerados cantores na Europa dos sculos XVII e XVIII.

    3.1.3. OS CASTRATI : PROTAGONISMO E DECADNCIA

    Castrati, plural da palavra italiana castrato, alude nica e exclusivamente a

    membros de uma coletividade masculina, que foram castrados com a finalidade

    da preservao da voz aguda infantil, visando uma carreira musical. Essa

    interveno cirrgica no menino, entre oito e doze anos de idade, tinha como

    objetivo inibir a produo do hormnio masculino, a testosterona, a fim de

    evitar a mudana de voz na fase da puberdade. Essa cirurgia preservava a voz

    infantil enquanto o cantor se desenvolvia fisicamente, adquirindo a potncia

    vocal, a tcnica e a maturidade musical de um adulto (AUGUSTIN, 2011).

    O livro Histoire des castrats de Patrick Barbier (1989), traduzido para o

    portugus por Raquel Ramalhete (1993), como Histria dos castrat i,mostra

    na orelha a seguinte descrio:

    Durante os sculos XVII e XVIII, num perodo de quase duzentosanos, as grandes estrelas do Bel Canto, que arrastavam multides,reis e plebeus para os teatros, no eram cantoras nem cantores, mascastrati, sopranos masculinos emasculados antes da adolescncia,conservando, graas a essa renncia virilidade, o registro alto(agudo) da sua voz. Unindo, num todo hbrido, as qualidadesespecficas das vozes da criana, do homem e da mulher, sem sernenhuma delas, o extraordinrio virtuosismo e poder emocional davoz dos castrados representou o apogeu insupervel da arte do cantopara a esttica do artifcio, caracterstica do perodo barroco.

    No contexto da histria vocal, Barbier (1993) menciona que durante o sculoXII, alguns eunucos foram introduzidos na Espanha pela cultura morabe (no

    mundo rabe conhecida a castrao por intermdio dos eunucos de harm),

    os quais teriam conquistado, aos poucos, um espao considervel na liturgia

    catlica, chegando a ter um grande protagonismo no sculo XVI.

    [...] os cantores castrados, que j tinham uma tradio na PennsulaIbrica desde a Idade Mdia nos crculos morabes de Toledo e

    outras partes de Castilla, alcanaram um posto de destaque nascapelas das igrejas espanholas. (TARAZONA 1998 p. 646, apudAUGUSTIN, 2011, p. x).

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    Segundo Barbier (1993), uma bula do papa Sisto V (1585-1590) dirigida ao

    nncio apostlico de Espanha prova que os castrados eram admitidos, j havia

    muito tempo, nas principais igrejas da pennsula Ibrica.

    Dentre os cantores espanhis que comearam a ocupar espaos dentro da

    Igreja Catlica, possvel que nem todos tenham sido castrados, pois, de

    acordo com Coffin (1989, p.1), falsetistas espanhis e castratitomaram o lugar

    das vozes femininas.

    Em 1586, o Papa Urbano teria declarado, com base na frase de So Paulo (I

    Cor. XIV 34) que, como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam

    caladas nas igrejas; pois no lhes permitido falar. (COFFIN, 1989, p.1).

    No incio do sculo XVIII, o papa Clemente XI proibiu completamente a

    presena de mulheres no palco, e ainda impediu que as mesmas aprendessem

    a cantar e a tocar algum instrumento musical. Toda representao teatral,

    incluindo os personagens femininos e os bals, era feita por castrati, e por

    homens vestidos de mulher (BARBIER, 1989).

    Segundo Barbier (1989), o fim do sculo XVI constitui o momento decisivo que

    marcou o incio da utilizao dos castratina msica romana, ela prpria, piv

    do mundo musical religioso da poca.

    Roselli (1988, p.146, apud AUGUSTIN, 2011, p. x) menciona:

    A prtica da castrao, com finalidade musical, foi confinada quaseque inteiramente na Itlia, embora possa ter se originado naEspanha, e foi ocasionalmente adotada nos estados do sul daAlemanha. Os primeiros castrati documentados surgiram em Ferrarae Roma, em torno de 1550-1560.

    A partir da, comea a era do soprano e do contralto masculinos, ou castrati,

    cuja presena se alastrou por quase toda Itlia e Europa, principalmente em

    Milo, Veneza, Bolonha, Florena, Lucca, Norcia, Roma, e Npoles. O centro

    de maior reputao era Bolonha, que tinha os melhores cirurgies (BARBIER,

    1993).

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    O mesmo autor comenta que, aos poucos, os castraticomearam a dominar os

    palcos das peras dentro e fora da Itlia. Esses cantores atraam a ateno do

    pblico, pois eram, alm de vocalistas virtuosos, figuras de grande estatura

    fsica, que ultrapassava os padres da poca.

    FIGURA 3: CARICATURA DO CASTRATOSENESINO

    Fonte: Wikipdia3

    Para serem admitidos, os meninos precisavam ter pelo menos sete anos e

    comprometer-se por um mnimo de seis meses a servir suas escolas. Deviam

    estar saudveis e serem batizados. Os meninos e jovens que possuam uma

    bela voz eram treinados para cantar nas peras e concertos, viajavam e faziam

    fortuna. Aqueles que no desenvolviam as vozes como esperado ficariam

    relegados aos corais paroquiais (COFFIN, 1989).

    Alm da transformao da voz, que era a finalidade da emasculao, certas

    mudanas morfolgicas e provavelmente psquicas tinham lugar ao longo dosanos, quando os meninos entravam na adolescncia. Do ponto de vista

    anatmico, os castratino desenvolviam a proeminncia larngica, conhecida

    como pomo de Ado, devido ausncia de testosterona. A laringe

    conservava as dimenses e a morfologia caracteristicas de uma criana,

    permitindo que as pregas vocais ficassem muito prximas das cavidades de

    ressonncia, favorecendo a projeo e a claridade da fonao. Essa voz era

    3Disponvel em http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/02013/castrato-illo_2013257a.jpg

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    diferente da voz masculina pela sua leveza, diferente da voz de mulher pelo

    brilho, e diferente da voz de criana pela potncia, tcnica e expressividade

    (BARBIER, 1993).

    Os melhores mestres de msica e canto estavam nas escolas mais famosas,

    dentre eles, Niccola Porpora, que fora professor de Carlo Broschi, conhecido

    como Farinelli (Figura 4), o mais famoso dos castratido sculo XVII.

    Figura 4: NICCOLA PORPORA E FARINELLI

    Fonte: Wikipdia4

    Barbier (1993, p.25) afirma: cada uma das cortes procurava jovens castratia

    fim de form-los e fazer deles os mais belos flores de sua cmara ou capela:

    Turim, Milo, Parma, Mdena e Mantua Florena rivalizavam pelo brilho no

    campo das artes.

    Em Veneza, no sculo XVII, criou-se um grande nmero de conservatrios,

    onde os meninos ficavam confinados para treinamento vocal. A demanda por

    castratiera tal, que esses centros recebiam meninos das classes mais pobrese populares. Ou seja, de acordo com essa viso, eram os pobres, e no os

    nobres, que seriam preparados para as grandes carreiras de castrati(COFFIN,

    1989).

    Os primeiros castratihaviam sido formados inicialmente para servir a Igreja e

    trabalhar como mestres de capella das catedrais. No entanto, muitos deles

    4Disponvel em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicola_Porporaehttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-

    (giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.html

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicola_Porporahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Nicola_Porporahttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-(giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.htmlhttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-(giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.htmlhttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-(giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.htmlhttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-(giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.htmlhttp://www.1st-art-gallery.com/Jacopo-(giacomo)-Amigoni/Portrait-Of-Carlo-Broschi,-Called-'il-Farinelli',-Italian-Castrato-Singer.htmlhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Nicola_Porpora
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    participavam da vida musical italiana, cantando em peras como Euridice, de

    Peri (1600) e Orfeo, de Monteverdi (1607). Aos poucos, os alunos de canto

    perceberam que a glria e a fortuna estariam mais perto dos teatros do que das

    igrejas (BARBIER, 1993).

    O mesmo autor afirma que a pera italiana era a referncia da msica lrica em

    toda a Europa. Muitos elementos culturais, polticos e sociais estavam ligados

    pera, como por exemplo, as primeiras apresentaes pblicas, as salas de

    espetculos e, principalmente, o protagonismo dos castrati nas cortes e na

    cena teatral europeia durante dois sculos.

    Conforme surgiam os primeiros teatros de pera, tambm houve um aumento

    progressivo do tamanho desses teatros, e precisava-se de vozes capazes de

    ocupar sonoramente aqueles espaos.

    O Teatro San Carlo permaneceu como referncia da pera Napolitana, embora

    os trabalhos de compositores, como Gluck e Mozart, tambm foram

    apresentados ali (BARBIER, 1993).

    O estilo Napolitano foi aperfeioado com a pera sria de Hndel (1685-1759)

    na Inglaterra, e com a pera buffa de Mozart at o fim do sculo XVIII. Durante

    o sculo XIX, o Teatro San Carlo foi uma das mais importantes casas de pera

    da Itlia e trouxe compositores, como Rossini e Donizetti (STRAND 1977

    apud PILOTTI, 2009).

    FIGURA 5: TEATRO DI SAN CARLO (NPOLES, ITLIA).

    Fonte: Wikipdia.

    5

    5Disponvel em: http://www.visitnaplesitaly.com/site/il-san-carlo-storia-di-un-teatro-regale/

    http://www.visitnaplesitaly.com/site/il-san-carlo-storia-di-un-teatro-regale/http://www.visitnaplesitaly.com/site/il-san-carlo-storia-di-un-teatro-regale/http://www.visitnaplesitaly.com/site/il-san-carlo-storia-di-un-teatro-regale/
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    Embora a maioria das peras srias tenha sido criada por compositores

    italianos, as mais lembradas hoje em dia so as escritas por compositores

    alemes com influncia italiana. peras de Handel com heris castratiincluem

    Giulio Cesare(1724), Tamerlano(1724) e Rodelinda(1725). Handel valorizavavozes de castrati mais graves e com registro de contralto, tais como as do

    contralto Siface (1653-1697) e particularmente a do famoso Senesino (Siena,

    1686-1758). Haendel ainda escreveu a famosa ria Ombra mai f da pera

    Xerxes, para o castratomezzo-soprano Gaetano Caffarelli (1710-1783). Outro

    famoso castrato (Guadagni) foi Orfeu na pera Orfeu e Eurdice, de Gluck

    (1762).

    Em 1781, perto do fim da popularidade da pera sria, Mozart utilizou a voz

    desses cantores para interpretar algumas de suas obras. Por exemplo, Osmin,

    em O Rapto do Serralho, teve o castrato soprano Vincenzo dal Prato, que

    tambm fez o papel de Idamante, na pera Idomeneo. Depois foi substitudo

    por um tenor na verso revisada de 1786 (BRAGA, 2009).

    No fim do sculo XVIII, a Igreja, acuada com escndalos sobre a questo moralda castrao, comeou a reagir: o Papa Clemente XIV (1769-1775) chegou

    mesmo a proibir qualquer preparao para o canto que tivesse o objetivo de

    dar uma voz artificial aos rapazes, mas nunca ousou exclu-los de sua capela

    (BARBIER, 1989, p.103-104).

    O mesmo Papa permitiu que as mulheres cantassem nas igrejas e fizessem as

    partes de soprano, assim como as autorizou novamente a subirem aos palcos

    de teatro dos seus Estados. (BARBIER ,1989, p.104).

    Aproximadamente em 1800, a pera sria comeou um declnio constante e o

    brilho de quase duzentos anos se foi perdendo devido a fatores polticos,

    musicais, religiosos e sociais. Escritores e filsofos do perodo Iluminista, como

    Voltaire e Rousseau, condenaram o protagonismo dos castrati e

    consequentemente a prtica da emasculao (BARBIER, 1989).

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    A influncia francesa e o imprio de Napoleo tiveram um papel fundamental

    nessa decadncia. Em 1798, o papa Pius VI eliminou o antigo decreto sobre o

    silncio das mulheres na igreja e nos palcos. Logo depois, durante a invaso

    Napolenica, Joseph, irmo do imperador, foi rei de Npoles e, alm de proibir

    a castrao, impediu que castrados tivessem acesso s escolas e

    conservatrios de msica. Tambm Francis I censurou a presena dos castrati

    nos palcos de pera (BARBIER, 1989).

    Atravs da opino de Fuchs (1963 apud LILJAS, 2007; PILOTTI, 2009),pode

    se observar a interrelao entre o Bel Cantoe os castrati:para ele, a essncia

    do Bel Canto desaparecera junto com os castrati e seria em vo qualquer

    tentativa de reproduzir aquele estilo extravagante e virtuoso de cantar,

    resultado de todo um contexto histricopoliticosocial j desaparecido para

    sempre.

    3.1.4. A PEDAGOGIA VOCAL DO SCULO XIX: O IMPACTO DOS

    ENSINAMENTOS DEFRANCESCO LAMPERTI E DE MANUEL GARCA

    O impacto da Escola Italiana de Canto determinante para a histria do canto

    lrico. Alm de ser a mais antiga, a Escola que conseguiu maior nvel tcnico

    e artstico, se projetando por vrios pases e dominando a cena lrica mundial.

    O primeiro tratado de pedagogia vocal, Opinione de' cantori antichi e moderni,

    o sieno osservazione sopra il canto figurato, foi escrito em 1723, graas ao

    soprano masculino Pier Francesco Tosi, que tinha recebido ensinamentosmusicais do seu pai, em Bologna, e cantado em teatros da Itlia, Inglaterra e

    Alemanha, alm de ser compositor na corte de Viena entre 1703 e 1712

    (COFFIN, 1989).

    Alm de Tosi, outro castratosoprano, Giambattista Mancini, tinha fundado uma

    Escola de Canto em Bologna. Mancini tambm escreveu um tratado de canto,

    intitulado: Pensieri e rifiessioni pratiche sopra il canto figurato, em 1774(COFFIN, 1989).

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    Mancini (1774 apud BUZZI, 2010) comentou que o canto uma das formas de

    arte que acontece mais pela transmisso de seus princpios, do que por

    exemplos ou ilustrao.Buzzi afirmou ainda que muitas mudanas nos ideais

    estticos da sonoridade vocal foram observadas ao comparar os tratados de

    Tosi, Mancini e Garca. Tosi dava mais importncia ao conhecimento musical,

    que permite ao cantor improvisar e embelezar as msicas, do que

    propriamente beleza da voz.

    Mancini acreditava que essas qualidades deviam ser equilibradas e ambos

    concordavam que a flexibilidade, a suavidade, a igualdade, a claridade vocal,

    assim como a entonao e ornamentao, seriam aspectos cruciais da arte do

    canto (BUZZI, 1919).

    3.1.4.1. ESCOLAS DE CANTO ITALIANO DO SCULO XIX

    Duas Escolas sobresaram durante o sculo XIX e geraram grandes artistas da

    arte vocal: A Escola dos Garcia e a Escola dos Lamperti. Manuel Garcia (1805-

    1906) e Francesco Lamperti (1811-1892) defendiam filosofias diferentes.

    Lamperti insistia em manter a tradio do Canto Italiano com uma viso

    intuitiva sobre os conceitos que ensinava, sem dar nfase a terminologias mais

    cientficas. Conforme descreve Cirillo (1882, p. 08):

    Na Itlia impossvel ensinar qualquer arte atravs de um mtodoescrito, porque a mente dos italianos no cientifica, mas artstica. Ositalianos podem perceber a beleza de forma intuitiva e no a partir da

    anlise lgica. Nesse sentido, os italianos diferem de outros povos,inclusive dos franceses e dos espanhis, que possuem o mesmosangue latino e pertencem mesma famlia. Mesmo que seus cantoresmais famosos tenham estudado na Itlia, e cantem peras italianas,nunca conseguiriam competir com os italianos, que sempre tm sido osmelhores cantores do mundo.

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    FIGURA 6: FRANCESCO LAMPERTI (1811-1892)

    Fonte: Blog Voice Talk. Net.6

    Lamperti escreveu vrios manuais sobre a voz, mas sempre deixou o ladofisiolgico para os cientistas. Seu filho, Giovanni Battista Lamperti, foi tambm

    professor de canto e ainda aprimorou a metodologia do pai. A escola dos

    Lamperti teve grande influncia em Milo, Paris, Dresden e Berlin. O

    conhecimento vocal era transmitido de mestre para pupilo, e mantinha a

    premissa de que no h um sistema especfico para ensinar o Bel Canto.

    Segundo Pilotti (2009) a antiga Tradio Italiana de ensinar a cantar era

    baseada nos conselhos que o mestre oferecia a partir da resposta vocal do

    aluno.

    Lamperti (1864, p. vi) menciona que o clebre cantor (castrato), Pancchiarotti,

    escrevera nas suas memrias: aquele que sabe bem respirar e pronunciar

    saber bem cantar.

    Essa frase, posteriormente atribuda ao prprio Lamperti, tem sido,

    historicamente, um dos pilares das diferentes tendncias pedaggicas nas

    Escolas de Canto. Lamperti elogiava a msica de Rossini e as ornamentaes

    vocais (fiorituras) que, segundo ele, exigiam do cantor uma poderosa tcnica

    de respirao. Tambm afirmava que o aluno, para estudar canto, deveria ter,

    naturalmente, uma voz flexvel, com certa facilidade para conseguir notas

    graves, mdias e agudas e, principalmente, possuir um bom ouvido musical

    para reproduzir as notas a serem cantadas (LAMPERTI, 1864).

    6Disponvel em:http://www.voice-talk.net/

    http://www.voice-talk.net/http://www.voice-talk.net/
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    Shigo (2014) expe que Lamperti usava muitas metforas e que inspirava seus

    alunos por preceitos e no por exemplos, buscando estimular a imaginao

    para conseguir determinados efeitos, mas no usava a sua voz para mostrar

    como deveria ser cantado o tom. Assim como a maioria dos grandes

    professores de canto, Lamperti no dava muita importncia ao aspecto

    anatmico em seu mtodo vocal, mas insistia em achar um som bem produzido

    pelo aluno e dedicar horas na repetio desse som ao invs de mostrar algum

    modelo de colocao a ser imitado (SHIGO, 2014).

    A filosofia de Lamperti era baseada no reconhecimento da beleza e da

    elegncia dos sons naturais e simples da voz. Estimulava a possibilidade de

    desenvolver esses sons, buscando a mxima perfeio musical e vocal.

    Tambm buscava um claro discernimento do que era ideal na arte e obrigava o

    aluno a ter intimidade com a literatura musical italiana, constante modelo de

    beleza e de reconhecimento (SHIGO, 2014).

    Segundo Stark (2003), provavelmente foi Lamperti quem inseriu o conceito de

    apoio (appoggio) na pedagogia vocal.

    Cantar appoggiato, significa que todas as notas, das mais graves atas mais agudas, sejam produzidas por uma coluna de ar, sobre aqual o cantor tem perfeito controle, ao reter o flego, sem permitir quemais ar, do que o absolutamente necessrio para a formao da nota,escape dos pulmes. (LAMPERTI, 1916, p. 22).

    Quando atacar o som (ao iniciar a frase), sustentar a respiraofazendo de conta que ainda est entrando ar (aps uma inspiraocompleta), assim a voz pode apoiar-se sobre a respirao, ou, paraexpress-lo mais claramente, ser sustentada pela coluna de ar.

    (LAMPERTI 1916 apud STARK, 2003, p. 101).

    Nesse caso, expirar fazendo de conta que se est ainda inspirandoe beber

    o somenquanto se canta seriam a mesma coisa, tendo como fim o controle da

    sada de ar e a permanncia da laringe numa posio baixa. Segundo Stark

    (2003), Lamperti acreditava que o apoio era o elemento mais importante para

    uma boa tcnica vocal.

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    cantando com a voz bem appoggiata que o aluno, sob umacuidadosa superviso, aprender qual o verdadeiro carter e acapacidade de sua voz; saber qual msica cantar, como interpretarseu canto elegantemente, e remediar problemas de entonao.(LAMPERTI 1916 apud STARK, 2003, p. 101).

    O conceito do appoggio del suono(apoio do som) est to intimamente ligado

    Tradicional Escola Italiana, que, em geral , os cantores e alguns setores da

    pedagogia vocal resumem todos os elementos presentes na boa tcnica, ao

    correto uso do apoio. A posio mais baixa da laringe, a relao do controle

    diafragmtico, a colocao da voz na mscara (regio anterior da face) e a

    facilidade de transitar pelos diferentes registros: tudo depende do apoio

    (LIVIGNI, 2011).

    3.1.4.2. A ESCOLA DOS GARCA

    Manuel Patrcio Rodrguez Garca (1805-1906), bartono, era filho do famoso

    compositor e tenor espanhol Manuel Del Popolo Vicente Garca (1775-1832), o

    tenor para quem Rossini escrevera o papel do Conde Almaviva, da pera O

    Barbeiro de Sevilha(MARROQUIN, 2007).

    Manuel Garca filho era bartono, e muito jovem comeou a cantar em

    companhia do seu pai. Porm, devido, talvez, a uma tcnica vocal insuficiente,

    decidiu abandonar a carreira de intrprete.

    Mackinlay (1976 apud NIELSEN, 2014) relata que Garca sentia tenses na

    garganta toda vez que precisava cantar. Ensaios constantes exigiam dele que

    cantasse no s as partes de bartono, mas, frequentemente, as de tenor. Oseu pai acreditava que um treino constante e rigoroso traria ao jovem Garca a

    resistncia e o domnio vocal requeridos para a carreira operstica.

    Infelizmente, o resultado foi que o bartono Manuel Garca, com menos de trinta

    anos, teve que abandonar os palcos. Foi assim que comeou a estudar

    medicina e assistir s aulas de canto que seu pai ministrava (NIELSEN, 2014).

    Garca trabalhou no Hospital Militar de Paris. Alcanou amplo conhecimento da

    anatomia do sistema fonador e dedicou-se completamente investigao

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    cientfica da voz e ao ensino do canto. Ficou famoso como mestre em toda

    Europa, substituindo o Garca, seu pai. O enfoque cientfico ao ensinar tcnica

    vocal permitiu que fosse indicado em 1835 para professor de canto no

    Conservatrio de Paris (FERNANDEZ, 2006).

    Em 1841, Garca apresenta Academia Francesa de Medicina seu compndio

    Mmoire sur la voix humaine e, em 1847, publica seu Tratado Completo da

    Arte do Canto, que constitui uma mudana repentina na docncia da voz

    cantada. Os princpios expostos por Garca continuam vigentes at hoje.

    (SHIGO, 2013).

    Segundo Fernndez (2006), se deve a Garca, a definio dos registros vocais,

    a classificao da qualidade do timbre relacionada ao registro em que se canta,

    assim como o conceito de Chiaroscuro na voz.

    Para Friedlander (2010), o termo italiano Chiaroscuro teve origem na pintura

    renascentista e baseado no uso de cores e contrastes entre luz e sombra. Na

    tcnica vocal foi introduzido por Garca, para desenvolver as qualidades

    tmbricas na voz. Essas possibilidades de cores vocais permitiriam um

    perfeito equilbrio entre frequncias agudas e graves, ou entre qualidades

    brilhantes e escuras da voz.

    A Escola de Canto de Manuel Garca foi a base tcnica de grandes artistas da

    histria do canto lrico mundial, como Jenny Lind, Mathilde Marchesi, Julius

    Stockhausen, Henriette Nissen-Saloman, Johanna Wagner, Catherine Hayes e

    Antoinette Sterling. E tambm, das irms de Garca, mezzo-sopranos, MariaMalibran e Pauline Viardot Garca.

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    FIGURA 7: MARIA MALIBRAN, MEZZO-SOPRANO(1808-1836)

    Fonte: Wikipedia. 7

    O reconhecimento do trabalho pioneiro de Garca est presente na seguinte

    frase: Se alguma vez houve algum que trabalhou a servio da arte vocal,

    enriquecendo-a com a descoberta do verdadeiro segredo do mecanismo queproduz a

    voz, foi ele,Garca, o Segundo. (MARCHESI, 1932, p.156).

    Garca aplicava suas descobertas cientficas no trabalho pedaggico com seus

    alunos. Segundo Mackinlay, Garca pedia um exame mdico e vocal a todosseus novos alunos e s depois de recebido o diagnstico seriam aceitos

    (MACKINLAY, 1976).

    A pedagogia vocal de Manuel Garca foi motivo de ateno e de preocupao

    para muitos professores de canto e tambm para vrios mdicos da poca.

    Seus trabalhos de vanguarda que criaram os fundamentos do laringoscpio

    abriram caminho para os laringologistas que, em certos casos, aproveitaram oinstrumento para promover suas prprias teorias sobre a voz cantada.

    Garca tambm foi pioneiro, junto a Hermann Helmholtz, nas pesquisas sobre

    os timbres vocais (1862), criando as bases para os estudos em acstica vocal

    (STARK, 2008).

    7

    Disponvel em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Malibran#mediaviewer/Ficheiro:La_Malibran_%28Maria%29_par_F._Bouchot.jpg

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    As observaes da sua prpria laringe, usando dois espelhos de dentista

    durante a fonao, no foi o nico elemento que distanciou Garca do mtodo

    tradicional aplicado pelo seu pai, Manuel Popolo, e do resto dos professores do

    Bel Canto da poca. Outro aspecto nico no mtodo de Garca foi a sua

    insistncia em que todo professor de canto e todo estudante de voz precisava

    conhecer e se aproximar das informaes cientficas sobre anatomia e

    fisiologia vocal (STARK, 2008).

    No prefcio da sexta edio do seu Tratado Completo da Arte do Canto, o

    autor expressa que considera seu dever o fato de comear sua metodologia

    com uma descrio dos rgos vocais (GARCA, 1884).

    Sobre a abertura da boca ao cantar, Garca descreve que, embora houvesse

    uma ideia de que, quanto mais o cantor abrisse a boca, maior seria a potncia

    da voz, na realidade, a separao exagerada das mandbulas provocaria uma

    diminuio da faringe pela contrao das suas paredes, eliminando a vibrao

    da voz. Menciona que os dentes das arcadas superior e inferior nunca

    deveriam fazer contato durante a emisso vocal, assim como no aconselhava

    a projeo exagerada dos lbios, nem o formato extremo oval (boca de peixe),

    pois no seria possvel uma dico clara e as vogais ficariam opacas e

    entubadas (NIELSEN, 2005).

    Garca recomenda, porm, que a abertura da boca seja natural, deixando a

    mandbula inferior descer relaxadamente, e, ao mesmo tempo, permitir que as

    comissuras dos lbios se expandam sutilmente como em um leve sorriso. Os

    msculos da garganta devero estar relaxados (GARCA, 1924).

    No mesmo Tratado, Garca diz que a expressividade a lei principal da Arte.

    No caso da voz cantada, afirma que todo o esforo do artista em emocionar

    uma plateia seria em vo se ele mesmo no fosse capaz de experimentar o

    poder das emoes e dos sentimentos que pretende transmitir. Conclui que a

    voz humana sem a expresso viria a ser o menos interessante dos

    instrumentos musicais (GARCA, 1924).

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    FIGURA 8: MANUEL PATRCIO GARCA (1805- 1906)

    FIGURA 9: ESPELHOS DE GARCA, CRIADOR DO LARINGOSCPIO

    .

    Fonte: Blog Voice Talk. Net 8

    Para concluir, a influncia de Garca na pedagogia vocal est vigente at os

    dias de hoje, e, segundo Radomski (2005), suas observaes com o

    laringoscpio comprovaram o que ele j havia previsto. Por exemplo, o controle

    do fechamento das pregas vocais o principio mais importante na produo da

    voz, mas a completa aproximao das pregas vocais comea antes do

    surgimento do som como tal. Isto , deve existir um impulso mental que

    provoca o movimento de aduo das pregas vocias, antes de cantar.

    8Disponvel em:http://www.voice-talk.net/

    http://www.voice-talk.net/http://www.voice-talk.net/
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    Garca chamou esse contato prvio das pregas vocais de coup de la glotte.

    De acordo com Jones (2001), esse conceito significa, no canto, fechamento

    gltico saudvel e chama a ateno para algumas interpretaes erradas sobre

    o que alguns tm traduzido como golpe de glote ou choque gltico.

    Lindquest (1949 apud JONES, 2001) explica que o fechamento delicado das

    pregas vocais acontece simplesmente ao aproximar as pregas vocais aps a

    inspirao, sem deixar escapar a presso do ar. Ser necessrio, no entanto,

    manter a sensao do apoio no abdomen. Seria quase um incio de tosse, sem

    que ela acontea realmente. Isso provoca um preparo eficiente para a

    formao do tom (JONES, 2001).

    Para compreender melhor as diferenas entre a voz de tenor e outras vozes,

    necessrio ter uma viso mais ampliada de como ela ocorre. Para comear

    essa explorao, torna-se importante conhecer como a anatomia funcional e

    estrutural da laringe e quais so suas implicaes na voz do tenor, bem como a

    fisiologia da respirao para, posteriormente, ser possvel compreender os

    princpios pedaggicos da tcnica vocal, assim como as estratgias para obter

    a ressonncia e a projeo vocal do tenor.

    3.1.4.3. A POSIO DA LARINGE DO TENOR A PARTIR DA TCNICA DE

    GILBERT DUPREZ E A SUA RELAO COM A RESSONNCIA E A

    PROJEO VOCAL

    Segundo Vest (2009), o debut do tenor Gilbert-Louis Duprez, na pera de Parisem abril de 1837, levou ao delrio uma audincia que pela primeira vez

    escutava uma forma desconhecida de cantar.

    Embora os tenores do sculo XIX j tivessem conquistado o pblico da pera

    de Paris com uma tcnica vocal ancorada na suavidade, a flexibilidade e a

    leveza, tpicas das composies de Gluck, Rossini e Bellini, Duprez cantara de

    forma enrgica e dramtica, talvez visceral, conseguindo atingir a nota agudaDo4,numa abordagem tcnica que marcou para sempre o termo ut de poitrine

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    (D de peito). Na atualidade, essa uma nota exigida dos tenores, mas, at

    aquele momento, s tinha sido cantada no registro de falsete.

    FIGURA 10: GILBERT-LOUIS DUPREZ (1806-1896). TENOR FRANCS.

    Fonte: Wikipdia 9

    Duprez interpretara o papel de Arnold da pera Guillaume Tellde Rossini. O

    fato em si marcou um ponto de mutao esttico, tcnico e musical, que levou

    os compositores a escreverem cada vez mais personagens dramticos, com

    papis protagnicos para o tenor. De acordo com o mesmo autor, dentre esses

    compositores estariam Verdi e Wagner.

    3.1.5. A VOZ DE TENOR NO SCULO XX

    Enrico Caruso (1873-1921) foi a voz que definiu o modelo de tenor na pera do

    incio do sculo XX, e foi ele quem levou ao extremo a tcnica de cantar

    usando la voix sombre, tcnica que usava a laringe abaixada, iniciada pelo

    9Disponvel em: https://www.flickr.com/photos/80564586@N07/8747660459/

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    tenorDuprezno sculo anterior.A enorme reputao de Caruso esteve ligada

    ao surgimento da gravao em disco (Edison, Gramophone Co. Milan, Itlia,

    1902), permitindo que as pessoas pudessem comprar e escutar a sua voz em

    casa alm dos teatros (MARAFIOTI, 2010).

    A sua fama transcendeu a Itlia e foi no Metropolitan de Nova York que Caruso

    desenvolveu uma carreira plena de xito e glria. Alm do seu carisma, era

    portador de uma voz descomunal e capaz de um domnio cnico como ator que

    cativava as plateias. Para Caruso, no havia diferena entre uma ria de

    Puccini e uma cano napolitana. Naquela poca, ambas as peas eram

    consideradas populares e faziam parte de um mesmo repertrio de concerto,

    devido ao conceito esttico vocal predominante e prpria interpretao do

    grande tenor (POTTER, 2012).

    3.1.5.1. VERISMO

    Resulta necessrio destacar que Caruso, alm de um tenor representativo de

    uma tcnica lrica diferente, tambm foi um dos precursores do Verismo, termo

    originado da palavra italiana, vero(verdade).O Verismo como estilo operstico

    representa uma continuao dentro da evoluo da pera, e no

    necessriamente uma ruptura com os estilos precedentes, como o Barroco e o

    Bel Canto(DRYDEN, 2000).

    FIGURA 11: ENRICO CARUSO (1873-1921)

    FONTE: Library of Congress

    10

    10

    Disponvel em:http://www.voice-talk.net/

    http://www.voice-talk.net/http://www.voice-talk.net/http://www.voice-talk.net/http://www.voice-talk.net/
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    Dryden (2000) afirma que o Verismo marcou uma era de mudanas dentro da

    pera, alterando elementos como cenografia, recitativos, orquestrao e

    tcnica vocal para um espectro mais amplo de possibilidades expressivas e de

    comunicao. Nesse estilo, as paixes ficam mais evidentes, e o impacto

    emocional se mostra verdadeiro por parte do intrprete, embora este aspecto

    seja muito subjetivo.

    O autor conclui, dizendo que o Verismo deve ser considerado como um

    elemento de revoluo musical e dramtica, que surgiu no final do sculo XIX e

    atingiu seu auge durante os primeiros anos do sculo XX.

    peras, como Cavalleria Rusticana(1890), de Mascagni, e I Pagliaci(1892), de

    L. Cavallo so referncia do estilo verista.Andrea Chenier(1896) de Giordano,

    assim como Tosca (1900), de Puccini, tambm representam uma forma de

    cantar e de atuar que determinam as caractersticas emocionais e dramticas

    do intrprete.

    As exigncias vocais marcaram, na mesma proporo, um destaque

    dramaticidade do texto. O vocalismo verista buscava impressionar, no s com

    a potncia da tcnica, mas com a inteno dramtica do texto, unida a uma

    expresso facial e corporal que inclua arrebatamentos, violncia e conflitos,

    que representavam a vida cotidiana.

    O tenor verista precisava de um treinamento vocal que, embora gerado nas

    bases do Bel Canto, no focava nas acrobacias vocais nem nos ornamentos

    tpicos do barroco, mas na dico, na vocalidade expressiva e na exploraodo drama interpretativo, sacrificando muitas vezes a linha de canto em legato,

    para priorizar a intensidade das emoes.

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    4. BASES ANATOMOFISIOLGICAS DO SISTEMA RESPIRATRIO E

    DA FONAO

    4.1. O SISTEMA RESPIRATRIO E A RESPIRAO NO CANTO

    Apesar da participao da coluna vertebral, do trax e da regio dos ombros no

    processo respiratrio, somente as partes que recebem diretamente o ar

    inspirado so consideradas rgos do sistema respiratrio: cavidade nasal,

    faringe, laringe, traqueia, brnquios e pulmes(SEIDNER e WENDLER, 1987,

    p. 45).

    A respirao pulmonar um processo natural que comea na hora do

    nascimento. A primeira funo da respirao oxigenar o sangue. Esse

    processo tem lugar nos pulmes, mas est diretamente relacionado com uma

    srie de msculos, entre os quais se destaca o diafragma.

    4.1.1 OS PULMES

    Os pulmes so dois rgos extremamente finos, cujas paredes permitem a

    passagem do oxignio para o sangue. A forma est determinada pelo

    esqueleto do tronco, das costelas e pelo diafragma. Como resultado da sua

    consistncia esponjosa, a presso do ar dentro deles contribui tambm para o

    seu formato. Eles so providos de uma grande capacidade elstica e esto

    suspensos dentro da caixa torxica (SUNDBERG 1987).

    O mesmo autor compara os pulmes a bales inflveis que, quando cheios dear, tendem a expir-lo com uma fora relativa quantidade presente dentro

    deles. O ar chega aos pulmes atravs da traqueia, que comea debaixo da

    laringe. A traqueia possui uma estrutura cartilaginosa em forma de tubo, com

    aproximadamente 5 polegadas de comprimento (DOSCHER, 1994).

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    FIGURA 12: SISTEMA RESPIRATRIO

    Fonte: TG Terra Gira11

    Entre 10 e 12 cm sob a laringe, a traqueia bifurca-se nos brnquios direito e

    esquerdo. As ramificaes que penetram os pulmes se chamam bronquolos.

    medida que perdem consistncia, essas ramificaes finas se transformam

    em alvolos pulmonares. Nesses alvolos acontece a troca do ar (SEIDLER eWENDLER, 1987).

    Os alvolos pulmonares possuem paredes microporosas que, segundo os

    especialistas, agrupam-se em minsculos sacos elsticos, que ultrapassam os

    600 milhes em nmero.

    11Disponvel em:http://terragiratg.blogspot.com.br/2009/05/sistema-respiratorio-humano.html

    http://terragiratg.blogspot.com.br/2009/05/sistema-respiratorio-humano.htmlhttp://terragiratg.blogspot.com.br/2009/05/sistema-respiratorio-humano.htmlhttp://terragiratg.blogspot.com.br/2009/05/sistema-respiratorio-humano.html
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    De acordo com Seidler e Wendler (1987), o nariz influi notavelmente no volume

    e qualidade da corrente inspiratria, ou seja, a mucosa interna do nariz possui

    grande umidade e coberta de clios que se dobram em direo faringe. O ar

    inspirado aquecido, umedecido e purificado pelas mucosas. Dessa forma o ar

    chega mais puro aos pulmes.

    Segundo Vennard (1967), no simplesmente a quantidade de ar nos pulmes

    que determina a urgncia de inspirar novamente. H um mecanismo

    automtico que analisa a proporo de oxignio e de dixido de carbono

    contida dentro deles.

    Afirma o mesmo autor que quando a oxigenao do sangue progride at certo

    nvel, o nervo frnico automaticamente produz uma contrao do diafragma.

    Assim sendo, se o ar segurado durante algum tempo, mesmo sem fonao,

    ser necessrio liberar o dixido de carbono e buscar mais oxignio atravs de

    uma nova inspirao. Esse processo tambm pode entrar em ao em

    situaes de perigo ou medo (VENNARD, 1967).

    Frases longas ficam muito difceis quando a pea a ser cantada no familiar

    ou durante uma apresentao pblica que provoque insegurana. Apesar de

    inspirar grande volume de ar, h uma sensao de respirao curta. Isso se

    deve ao dixido de carbono presente no ar inspirado (VENNARD, 1967).

    Segundo Doscher (1994), pesquisas realizadas em cantores de alto rendimento

    internacional demonstraram que o diafragma trabalha em sinergia com a

    musculatura intercostal externa durante a emisso vocal cantada.

    A autora acrescenta ainda que o objetivo dessa cooperao muscular ajudar

    a manter a caixa torxica em expanso durante o maior tempo possvel.

    Tambm permite uma maior velocidade e preciso para assimilar as mudanas

    de presso area.

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    FIGURA 13: CAIXA TORXICA

    Fonte: Wikipedia12

    Para o cantor, a respirao alcana um timo rendimento quando, em

    cooperao com as pregas vocais e as estruturas da ressonncia, consegue

    um funcionamento estvel e acorde com a frase musical cantada (DOSCHER,

    1994).

    Mckinney (2005) relatou que esse tipo de respirao automtico, sem

    necessidade de regncia consciente, e chamado de respirao natural ou

    reflexa.

    Segundo Campignion (1998), o modo respiratrio varia segundo as

    necessidades do organismo. O mesmo autor afirma que a respirao depende

    da esttica da coluna vertebral, podendo haver vrios modelos naturais de

    respirao.

    12Disponvel em: http://www.mhhe.com/biosci/esp/2001_saladin/folder_structure/su/m2/s10/index.htm

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    Mckinney (2005) declara que uma pessoa normal respira, em estado de

    repouso, aproximadamente entre 12 e 16 vezes por minuto, diminuindo essa

    frequncia durante o sono, ou aumentando-a se houver exerccio fsico.

    A respirao reflexa necessita de uma grande liberdade articular e, portanto,

    muscular, na caixa torxica e no corpo em geral (DENYS-STRUYF 1980 apud

    CAMPIGNION, 1998).

    FIGURA 14: MSCULOS INTERCOSTAIS

    Fonte: Wikipedia13

    Com frequncia, diversas opinies entre os professores de canto trazem ideias

    antagnicas acerca da respirao ideal. No obstante possvel afirmar que h

    trs etapas na respirao reflexa ou natural: inspirao ou entrada do ar;

    expirao ou liberao do ar, e pausa antes da seguinte inspirao.

    13Disponvel em:http://quizlet.com/29693831/the-thoracic-wall-and-pectoral-region-flash-cards/

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    A principal diferena entre a respirao reflexa e a respirao usada para a

    tcnica do canto est relacionada ao condicionamento consciente (PONTES,

    2006).

    Para cantar, necessrio estabelecer um controle da quantidade de ar que

    inspirada e, principalmente, do fluxo expiratrio, que onde se produz a

    fonao. Quando o cantor estabelece um domnio do tempo expiratrio, possui

    maior capacidade para cantar frases longas e com ritmos diferentes (MILLER,

    2000).

    O volume mximo de ar que pode ser inspirado e expirado durante um ciclo

    respiratrio normal chamado de capacidade vital. Todavia, no parece haver

    correlao entre a capacidade vital e a qualidade do tom vocal, seja na fala ou

    no canto. O domnio da coluna de ar um importante alicerce para uma boa

    tcnica de canto. O ar constitui a fonte de energia para a voz cantada

    (MILLER, 2000).

    Segundo Vennard (1987), o processo da tcnica respiratria para o cantor deve

    ser explicado no incio do aprendizado, propondo-se ao aluno um estudo

    sistemtico da respirao consciente.

    O autor aconselha praticar a respirao ligada a exerccios vocais e insiste em

    que alunos iniciantes estudem na presena do professor, pois provvel que

    se cante incorretamente sem sab-lo. Constitui um objetivo prioritrio criar as

    bases para uma emisso vocal firme (VENNARD, 1987).

    Uma sugesto produtiva a de gravar as aulas, por meio de algum dispositivo

    porttil, que permita uma posterior escuta da prpria voz. Essa ferramenta

    pedaggica muito proveitosa para o aluno e para o professor.

    Segundo Prez-Gonzlez (2001), quando o aluno grava a prpria voz,

    consegue uma boa referncia acerca dos progressos e dificuldades durante o

    tempo de estudo e isso ajuda a melhorar o resultado vocal e a auto-percepo.

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    Para o cantor, o tempo de respirao depender do texto e da msica. Isso

    significa que a quantidade de ar necessria para cada frase ser diferente.

    Segundo Pontes (2003), o tempo respiratrio para o canto composto de

    quatro etapas, sendo elas: inspirao ou entrada do ar; pausa; expirao ou

    liberao do ar e pausa preparatria.

    Para conseguir um bom desempenho da tcnica respiratria no canto, o aluno

    deve manter um equilbrio funcional entre a regulagem da coluna de ar e a

    resistncia que as pregas vocais oferecem a esse estmulo.

    Pontes (2003) declara ainda que importante estabelecer o desenvolvimento

    da dinmica em oposio esttica, ou seja, dominar o equilbrio do

    instrumento vocal. A essncia desse funcionamento a influncia da coluna de

    ar e a resposta muscular perante esse fluxo.

    4.1.2. TIPOS DE RESPIRAO

    Em geral, existem vrios padres respiratrios que so determinados pela

    parte da regio torxica ou abdominal que mais se movimenta durante a

    respirao silenciosa ou com fonao (SEIDLER e WENDLER, 1987).

    A respirao alta ou clavicular envolve a movimentao das clavculas e os

    ombros em um gesto de subida e descida do trax. Esse padro geralmente

    constitui um hbito comum entre alunos iniciantes, com destaque para a

    populao feminina.Essa forma de respirao dificulta a descida do diafragma, com uma

    consequente tenso dos msculos peitorais e da regio dos ombros. Essa

    tenso pode ser transmitida para o pescoo, e resulta ineficiente para o canto

    (MCKINNEY, 2005).

    A respirao alta ou clavicular parece ser o tipo de respirao que todos os

    professores de canto consideram improdutiva. Vocalmente, h um resultadopobre, tenso e altamente extenuante (DOSCHER, 1993).

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    Essa tenso muscular facilmente se propaga ao pescoo, laringe e

    mandbula, fazendo do canto uma tarefa difcil. Para evitar a respirao

    clavicular, o peito e o esterno devem estar moderadamente altos, de modo que

    os msculos do tronco possam se movimentar para fora. No necessrio

    expandir os peitorais com a inspirao, pois j estaro colocados relativamente

    altos (MILLER, 1986).

    Outro padro respiratrio a chamada respirao baixa ou abdominal. Esse

    modelo de respirar empurrando o abdomen para fora uns dos mais polmicos

    da pedagogia vocal (MILLER, 1993).

    fundamental esclarecer que, anatomicamente, no possvel separar

    completamente o trax da cavidade abdominal, pois o diafragma est

    integrado em volta da circunferncia da caixa torxica. Ou seja, adere-se s

    costelas, coluna espinhal e ao esterno(DOSCHER, 1993).

    Segundo as pesquisas de Miller (2004), o mtodo da respirao abdominal, ou

    respirao baixa, leva a um enchimento dessa cavidade em cada inspirao,

    empurrando as paredes abdominais para fora.

    No momento da expirao, a tendncia pressionar ainda mais, contraindo a

    regio do estmago. Muitos cantores que usam esse tipo de respirao

    apertam o abdmen para dentro, exercendo grande tenso nos msculos

    internos e externos, supostamente para controlar a sada do ar durante o canto

    (MILLER, 1993).

    No caso da respirao abdominal, o diafragma consegue descer, empurrando

    as vsceras e trazendo mais espao aos pulmes. Porm, esse padro de

    respirao dificulta a subida do diafragma durante a fonao. Ao mesmo

    tempo, a postura fica comprometida, mostrando um abdomen protuberante e

    uma regio peitoral retrada (DOSCHER, 1994).

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    Por outro lado, a regio aguda da voz afetada por uma insuficiente interao

    do apoio muscular, gerando, inclusive, problemas de afinao e vibrato

    descontrolado (JONES, 2001).

    FIGURA 15: MOVIMENTOS DO DIAFRAGMA

    A) Inspirao: diafragma desce B) Expirao: diafragma sobe

    FONTE: Photo Copyright 1997. Used with permission of Lee Stough, executrix of Stough Estate.14

    A respirao costo-abdominal-diafragmtica, ou respirao combinada,

    considerada funcionalmente apropriada para a voz cantada. Segundo Seidner

    e Wendler (1987), esse arqutipo consegue movimentar timos volumes

    respiratrios de forma econmica e eficiente, adequando o fluxo areo funo

    da laringe de forma diferenciada.

    4.1.3. A MUSCULATURA ABDOMINAL, O DIAFRAGMA E O CONCEITO DE

    APPOGGIO

    De acordo com Seidner e Wendler (1987), durante a respirao, a cavidade

    torxica aumenta de dimetro devido, principalmente, ao do diafragma.

    14Disponvel em:http://www.breathingcoordination.com/

    http://www.breathingcoordination.com/http://www.breathingcoordination.com/http://www.breathingcoordination.com/
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    Segundo Campignion (1998), o diafragma um msculo delgado e achatado,

    que possui a forma de uma cpula cncava na parte inferior, tendo como base

    o contorno das costelas.

    O autor destaca que esse msculo mais alto do lado direito e que, na fase da

    expirao, eleva-se at a altura da quinta costela, direita, e do sexto arco

    costal, esquerda (CAMPIGNION, 1998).

    Figura 16: MSCULOS DO ABDOMEN

    Fonte: Wikipedia

    15

    Miller (2000) relata ainda que essa elevao localiza-se aproximadamente na

    regio dos mamilos em ambos os sexos. O diafragma o msculo respiratrio

    mais importante e a sua funo est associada inspirao. Seguindo a

    direo das fibras musculares, possvel distinguir trs partes, a torxica,

    inserida na ponta do esterno; a parte costal, que se inicia na regio das

    15Disponivel em: http://formatotal.com.br/blog/exercicios-abdominais-queimam-gordura/

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    cartilagens costais e a lombar, que possui uma forma de braos, em cujos

    lados se destacam um elemento central e outro lateral.

    Figura 17: O DIAFRAGMA

    A) VISTA ANTERIOR B) Vista POSTERIOR

    Fonte: Wikipedia16

    O diafragma, como msculo, no possui conexes proprioceptivas, nem

    terminaes nervosas. Resulta evidente que no h possibilidade deexperimentar nenhum estmulo direto acerca da sua posio ou movimentos

    durante o canto, ou durante a fonao em geral (DOSCHER, 1994).

    A mesma autora afirma que no h bases fisiolgicas para ensinar ao aluno a

    cantar com o diafragma, j que se trata de um msculo involuntrio. A

    sugesto de controlar o diafragma somente pode se referir s sensaes

    prprias dos msculos adjacentes.

    Campignion (1996) citou que o diafragma constitudo por um conjunto de

    msculos digstricos, ou seja, cada msculo digstrico compreende duas

    pores musculares de cada lado e um tendo intermedirio no centro. Existe

    uma coordenao entre os msculos primrios do abdomen e os do trax. Isso

    significa que a ao do diafragma assistida pelos msculos intercostais

    (MILLER, 1993).

    16Disponivel em: http://thevoicenotes.com/wp-content/uploads/2013/05/Fig._5.12_A.j

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    O antagonismo flexvel entre a distenso das costelas e a descida do

    diafragma no tempo inspiratrio promove, junto com a musculatura abdominal,

    o controle do fluxo expiratrio. Miller (2000) afirma que esse msculo separa o

    sistema respiratrio do sistema digestivo, e a sua localizao no torso muito

    mais alta do que normalmente se pensa entre os cantores.O tendo central do

    diafragma est ligado ao pericrdio, onde fica o corao, e no pode ser fixado

    atravs de manobras como empurrar para fora ou apertar para dentro.

    APPOGGIO

    A escola Italiana indica o uso de uma tcnica respiratria, conhecida como lotta

    vocale ou appoggio, que significa dar suporte voz atravs dos msculos

    abdominais e lombares.

    Segundo Miller (1993), esse processo tcnico chama-se appoggio, e constitui

    uma habilidade adquirida especficamente para o domnio da respirao no

    canto. A tcnica do apoio deriva do termo italiano appoggiare, que significa

    sustentar, assentar, firmar ou apoiar (FONTES e MARTINS, 2004, p. 64).

    Para Dinville (1993 p. 68, apud VENEGAS, 2008, p. x), o apoio entendido de

    diferentes maneiras pelo cantor, as quais seriam uma, em relao respirao

    e outra, em relao aos ressonadores.

    Por exemplo, Costa (2001) salienta que o apoio deve ser analisado com

    cuidado, por ser um assunto ainda em discusso, e que determinante para ocontrole da emisso sonora. O autor considera que se trata de um problema

    complexo, pertinente capacidade da administrao da sada do ar do aluno, e

    relacionado ao uso dos ressonadores superiores.

    Mansion (1974) tambm concorda que existem diferentes opinies sobre o

    apoio, todavia, para a autora, deve se entender por apoio o ponto onde