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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB 36 JORNAL DO BRASIL Domingo, 18 de maio de 2008 Convênio firmado entre o Jornal do Brasil eo Instituto Ciência Hoje apresenta todo domingo textos baseados em artigos publicados na revista Leia mais na revista Ciência Hoje, edição de maio ECONOFÍSICA A união da física com a economia Processo abre novo campo científico e deve tornar previsões de economistas mais reais Daniel O. Cajueiro UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA decisão - o que é improvável - e que são igualmente inteligentes nas es- colhas das melhores ações. Esses modelos falham. Um exemplo criado pelo economista norte-irlandês Brian Arthur diz o seguinte: suponha que haja um es- petáculo musical nas sextas-feiras de uma pequena cidade. O local (um bar) tem 60 assentos, e o concerto só é agradável se menos de 60 pessoas comparecerem. Porém, há 100 pessoas na cidade que adoram aquele tipo de música. Cada uma tem duas possibilidades: ir ou não ir ao bar. As estratégias boas são: ficar em casa quando mais de 60 pessoas vão ao bar ou ir ao concerto quando menos de 60 pessoas o fazem. As ruins: ir ao bar quando mais de 60 pessoas decidem fazê-lo ou ficar em casa quando menos de 60 pessoas vão ao bar. Como as pessoas não se comunicam (todas) entre si, elas podem arriscar ou usar algum tipo de previsão, como tomar a média de pessoas no bar nas últimas semanas. Se todos usarem esse modelo (em que os agentes são considerados homogêneos), haverá dois cená- rios: i) todos aparecerão no bar; ii) todos ficarão em casa. A apresentação no bar pode pa- recer desconexa da economia, mas representa uma situação em que os agentes têm apenas duas opções (no caso, ir ou não ir). O equivalente no mercado financeiro seria comprar ou vender um ativo. Novas perspectivas Para tratar problemas como o do bar não se pode assumir homo- geneidade e raciocínio dedutivo. Assim, em geral, os agentes usam a racionalidade indutiva: fazem hi- póteses gerais sobre o ambiente (pois têm conhecimento parcial de- le) e armam estratégias baseadas nelas. Conforme interagem com o ambiente e recebem novas infor- mações, eles fortalecem ou enfra- quecem as hipóteses, substituindo as piores por outras novas. Mas tratar a heterogeneidade é tarefa árdua. A dificuldade não está no fato de o sistema (o mercado financeiro) ter muitos elementos (agentes), pois um gás, com bilhões de moléculas, pode ser descrito por equações simples. Acontece que um gás pode ser tratado como um sistema homogêneo, no qual a parte se comporta como o todo, e os mercados financeiros não. Como tratá-los então? Nessas situações, é comum, na econofísica, o uso de computadores que, uma vez alimentados com as equações, dão a resposta na forma de números ou gráficos. Por exem- plo, uma questão importante na vida real: os agentes irão competir ou colaborar? Para responder a essa pergunta, os econofísicos, em uma das abordagens computacionais, usam os chamados ’jogos da mi- noria’, que são extensões do pro- blema do bar. Nesses jogos, mos- tra-se que a quantidade de infor- mação usada pelos agentes é es- sencial no surgimento do com- portamento cooperativo: a coo- peração aparece quando a quan- tidade de informação usada na to- mada de decisões é intermediária. Usar muita informação torna o pro- cesso decisório aleatório, e ter pou- ca informação define o apareci- mento de um estado competitivo. A questão, porém, é que não há consenso sobre como modelar a racionalidade limitada, a indução e a subjetividade. A econofísica tem avançado nesse sentido, aproxi- mando modelos teóricos da rea- lidade econômica. Ver os proble- mas por outra perspectiva, assumir hipóteses diferentes, ter ousadia in- telectual. Conselhos que podem soar ’batidos’, mas difíceis de serem colocados em prática – desafio que a econofísica vem enfrentando. Críticas vindas tanto de físicos quanto de economistas têm co- laborado para as discussões e o apri- moramento das idéias e todo o processo leva a um resultado mais amplo: o desenvolvimento de me- lhores formas de representação do conhecimento humano. ONCOLOGIA É preciso prevenir para remediar Tratamento de mieloma é mais eficiente com diagnóstico precoce Divulgação CÉLULAS – crescimento caótico BAR – Decisão entre ir ou não a um show é usada para mostrar falhas em teorias econômicas Fred Furtado CIÊNCIA HOJE/RJ Diagnóstico precoce e mais in- formação são as principais armas na luta contra uma doença ainda pou- co conhecida no Brasil, o mieloma múltiplo, câncer causado pela pro- liferação das células produtoras de anticorpos. Apesar de ainda não haver cura, existem tratamentos que dão ao paciente uma vida pró- xima do normal. Mas a eficiência das intervenções é maior quanto mais cedo a doença é diagnosticada. O exame para diagnóstico, entre- tanto, ainda não faz parte da rotina médica no Brasil. Para combater a desinformação, a Fundação Internacional do Mie- loma (IMF, na sigla me inglês), fundada em 1988 nos Estados Uni- dos e atuando no Brasil desde 2004, realiza reuniões com pacientes e médicos, e investe em pesquisa. – O mieloma múltiplo responde por 10% dos cânceres hematoló- gicos (do sangue) e 1% do total de tumores. Não é uma doença rara, mas ainda assim não é muito co- nhecida do público e dos profis- sionais de saúde em geral –, diz Ângelo Maiolino, hematologista- membro da IMF e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A doença leva a uma série de problemas, como anemia, insufi- ciência renal e dores na coluna. No Brasil, devido ao desconhecimento sobre esse tipo de câncer e ao fato de os sintomas serem semelhantes aos de outras enfermidades, a maioria dos casos só é identificada quando a doença está avançada. O médico ressalta que o exame identifica a doença muito antes de os sintomas aparecerem e que, nos últimos 10 anos, a situação dos pacientes mudou bastante: se antes a sobrevida média era de três anos, hoje há pessoas que vivem há mais de 10 anos com a doença. A idéia da fundação é apro- fundar a divulgação dos dados sobre o mieloma múltiplo para mé- dicos e levar os seminários com pacientes para outras áreas da Brasil. A página da IMF na internet é http://www.myeloma.org.br. Ernesto P. Borges UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Sistemas físicos são formados por elementos que interagem entre si por meio de leis simples e co- nhecidas. Já os sistemas econômicos são formados por agentes cuja in- teração é complexa. O paralelo en- tre as duas situações parece extremo e inconcebível. Porém, nos últimos 10 anos, pesquisadores têm tentado aplicar métodos da física a sistemas econômicos. Essa aplicação, se em- preendida com sucesso, já é útil em diversas situações, como a previsão da instabilidade de mercados. No entanto, ainda existem muitos de- safios até que a física dê respostas mais precisas aos investidores. Mercados financeiros reúnem pessoas (os agentes) com diferentes modos pensar e tomar decisões. Surpreendentemente, no entanto, grande parte da pesquisa em eco- nomia hoje se baseia em modelos que não lidam com essa diversidade. Isso acontece porque, apesar de não corresponderem fielmente à rea- lidade, esses modelos são mais fáceis de serem tratados matematicamen- te, além de serem suficientes para explicar um grande número de si- tuações econômicas reais. Por exemplo, na teoria eco- nômica convencional costuma-se assumir que os agentes do mercado financeiro tomam decisões de ma- neira perfeitamente lógica e ba- seados em premissas bem estabe- lecidas. Esse processo decisório é chamado de racionalidade dedu- tiva. Modelos baseados na racio- nalidade dedutiva admitem que os agentes consideram todas as situa- ções possíveis antes de tomar uma

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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB 36

JORNAL DO BRASIL Domingo, 18 de maio de 2008

Convênio firmado entre oJornal do Brasil e o InstitutoCiência Hoje apresenta tododomingo textos baseados emartigos publicados na revista

Leia mais na revista Ciência Hoje,edição de maio

ECONOFÍSICA

A união da física com a economiaProcesso abre novo campo científico e deve tornar previsões de economistas mais reais

Daniel O. CajueiroUNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

decisão - o que é improvável - e quesão igualmente inteligentes nas es-colhas das melhores ações.

Esses modelos falham. Umexemplo criado pelo economistanorte-irlandês Brian Arthur diz oseguinte: suponha que haja um es-petáculo musical nas sextas-feiras deuma pequena cidade. O local (umbar) tem 60 assentos, e o concertosó é agradável se menos de 60pessoas comparecerem. Porém, há100 pessoas na cidade que adoramaquele tipo de música. Cada umatem duas possibilidades: ir ou não irao bar. As estratégias boas são: ficarem casa quando mais de 60 pessoasvão ao bar ou ir ao concerto quandomenos de 60 pessoas o fazem. Asruins: ir ao bar quando mais de 60pessoas decidem fazê-lo ou ficar emcasa quando menos de 60 pessoas

vão ao bar. Como as pessoas não secomunicam (todas) entre si, elaspodem arriscar ou usar algum tipode previsão, como tomar a média depessoas no bar nas últimas semanas.Se todos usarem esse modelo (emque os agentes são consideradoshomogêneos), haverá dois cená-rios: i) todos aparecerão no bar; ii)todos ficarão em casa.

A apresentação no bar pode pa-recer desconexa da economia, masrepresenta uma situação em que osagentes têm apenas duas opções (nocaso, ir ou não ir). O equivalente nomercado financeiro seria comprarou vender um ativo.

Novas perspectivasPara tratar problemas como o do

bar não se pode assumir homo-geneidade e raciocínio dedutivo.

Assim, em geral, os agentes usam aracionalidade indutiva: fazem hi-póteses gerais sobre o ambiente(pois têm conhecimento parcial de-le) e armam estratégias baseadasnelas. Conforme interagem com oambiente e recebem novas infor-mações, eles fortalecem ou enfra-quecem as hipóteses, substituindoas piores por outras novas.

Mas tratar a heterogeneidade étarefa árdua. A dificuldade não estáno fato de o sistema (o mercadofinanceiro) ter muitos elementos(agentes), pois um gás, com bilhõesde moléculas, pode ser descrito porequações simples. Acontece queum gás pode ser tratado como umsistema homogêneo, no qual a partese comporta como o todo, e osmercados financeiros não. Comotratá-los então?

Nessas situações, é comum, naeconofísica, o uso de computadoresque, uma vez alimentados com asequações, dão a resposta na formade números ou gráficos. Por exem-plo, uma questão importante navida real: os agentes irão competirou colaborar? Para responder a essapergunta, os econofísicos, em umadas abordagens computacionais,usam os chamados ’jogos da mi-noria’, que são extensões do pro-blema do bar. Nesses jogos, mos-tra-se que a quantidade de infor-mação usada pelos agentes é es-sencial no surgimento do com-portamento cooperativo: a coo-peração aparece quando a quan-tidade de informação usada na to-mada de decisões é intermediária.Usar muita informação torna o pro-cesso decisório aleatório, e ter pou-ca informação define o apareci-mento de um estado competitivo.

A questão, porém, é que não háconsenso sobre como modelar aracionalidade limitada, a indução ea subjetividade. A econofísica temavançado nesse sentido, aproxi-mando modelos teóricos da rea-lidade econômica. Ver os proble-mas por outra perspectiva, assumirhipóteses diferentes, ter ousadia in-telectual. Conselhos que podemsoar ’batidos’, mas difíceis de seremcolocados em prática – desafio quea econofísica vem enfrentando.Críticas vindas tanto de físicosquanto de economistas têm co-laborado para as discussões e o apri-moramento das idéias e todo oprocesso leva a um resultado maisamplo: o desenvolvimento de me-lhores formas de representação doconhecimento humano.

ONCOLOGIA

É preciso prevenir para remediarTratamento de mieloma é mais eficiente com diagnóstico precoce

Divulgação

CÉLULAS – crescimento caótico

BAR – Decisão entre ir ou não a um show é usada para mostrar falhas em teorias econômicas

Fred FurtadoCIÊNCIA HOJE/RJ

Diagnóstico precoce e mais in-formação são as principais armas naluta contra uma doença ainda pou-co conhecida no Brasil, o mielomamúltiplo, câncer causado pela pro-liferação das células produtoras deanticorpos. Apesar de ainda nãohaver cura, existem tratamentosque dão ao paciente uma vida pró-xima do normal. Mas a eficiênciadas intervenções é maior quantomais cedo a doença é diagnosticada.

O exame para diagnóstico, entre-tanto, ainda não faz parte da rotinamédica no Brasil.

Para combater a desinformação,a Fundação Internacional do Mie-loma (IMF, na sigla me inglês),fundada em 1988 nos Estados Uni-dos e atuando no Brasil desde 2004,realiza reuniões com pacientes emédicos, e investe em pesquisa.

– O mieloma múltiplo respondepor 10% dos cânceres hematoló-gicos (do sangue) e 1% do total detumores. Não é uma doença rara,mas ainda assim não é muito co-

nhecida do público e dos profis-sionais de saúde em geral –, dizÂngelo Maiolino, hematologista-membro da IMF e professor daUniversidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ).

A doença leva a uma série deproblemas, como anemia, insufi-ciência renal e dores na coluna. NoBrasil, devido ao desconhecimentosobre esse tipo de câncer e ao fato deos sintomas serem semelhantes aosde outras enfermidades, a maioriados casos só é identificada quando adoença está avançada.

O médico ressalta que o exameidentifica a doença muito antes deos sintomas aparecerem e que, nosúltimos 10 anos, a situação dospacientes mudou bastante: se antesa sobrevida média era de três anos,hoje há pessoas que vivem há maisde 10 anos com a doença.

A idéia da fundação é apro-fundar a divulgação dos dados sobreo mieloma múltiplo para mé-dicos e levar os seminários compacientes para outras áreas daBrasil. Apáginada IMFna interneté http://www.myeloma.org.br.

Ernesto P. BorgesUNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Sistemas físicos são formados porelementos que interagem entre sipor meio de leis simples e co-nhecidas. Já os sistemas econômicossão formados por agentes cuja in-teração é complexa. O paralelo en-tre as duas situações parece extremoe inconcebível. Porém, nos últimos10 anos, pesquisadores têm tentadoaplicar métodos da física a sistemaseconômicos. Essa aplicação, se em-preendida com sucesso, já é útil emdiversas situações, como a previsãoda instabilidade de mercados. Noentanto, ainda existem muitos de-safios até que a física dê respostasmais precisas aos investidores.

Mercados financeiros reúnempessoas (os agentes) com diferentesmodos pensar e tomar decisões.Surpreendentemente, no entanto,grande parte da pesquisa em eco-nomia hoje se baseia em modelosque não lidam com essa diversidade.Isso acontece porque, apesar de nãocorresponderem fielmente à rea-lidade, esses modelos são mais fáceisde serem tratados matematicamen-te, além de serem suficientes paraexplicar um grande número de si-tuações econômicas reais.

Por exemplo, na teoria eco-nômica convencional costuma-seassumir que os agentes do mercadofinanceiro tomam decisões de ma-neira perfeitamente lógica e ba-seados em premissas bem estabe-lecidas. Esse processo decisório échamado de racionalidade dedu-tiva. Modelos baseados na racio-nalidade dedutiva admitem que osagentes consideram todas as situa-ções possíveis antes de tomar uma