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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA A UNIÃO CONSENSUAL SOB A PERSPECTIVA DE CASAIS UNIDOS PELO CASAMENTO TRADICIONAL KARINA JULIANA ERDMANN Itajaí, (SC) 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

A UNIÃO CONSENSUAL SOB A PERSPECTIVA DE CASAIS UNIDOS

PELO CASAMENTO TRADICIONAL

KARINA JULIANA ERDMANN

Itajaí, (SC) 2008

2

KARINA JULIANA ERDMANN

A UNIÃO CONSENSUAL SOB A PERSPECTIVA DE CASAIS UNIDOS

PELO CASAMENTO TRADICIONAL

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientador: Márcia Aparecida Miranda de Oliveira

Itajaí SC, 2008

3

DEDICATÓRIA

Aos meus queridos pais, Jany e Ernani, pelo

esforço, dedicação e compreensão, em todos os

momentos desta e de outras caminhadas...

À minha irmã Carla, que sempre esteve disposta a

ajudar...

Aos meus amigos, que de certa forma também

vivenciaram as etapas de construção deste

trabalho.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele eu não estaria aqui desfrutando

de momentos tão importantes em minha formação acadêmica;

À professora Márcia Aparecida Miranda de Oliveira, pela convivência, pelo

exemplo de postura profissional, pelos momentos de aprendizagem constante, incentivo

e dedicação.

Aos casais que participaram da pesquisa e assim, dividiram conosco suas

experiências, nos ensinando muito.

5

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................09

2 EMBASAMENTO TEÓRICO ...............................................................12 2.1 O CASAMENTO E SUA DINÂMICA ATUAL .......................................................12

2.1.1 Casamento – Origem e Evolução ......................................................................12

2.1.2 As Escolhas Conjugais e as Questões de Gênero ..........................................15

2.1.3 União Consensual ..............................................................................................19

2.2 A DINÂMICA DAS RELAÇÕES ..........................................................................22

2.2.1 Constituição da família ......................................................................................22

2.2.2 Família de Origem e Repetição de Padrões Interacionais ............................25

2.2.3 Mitos e Rituais ....................................................................................................27

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS .................................................. .....31 3.1 Amostra/ Sujeitos/ Participantes da pesquisa ...................................................31

3.1 .1 Quadro de apresentação dos sujeitos da pesquisa .......................................33

3.2 Instrumento ..........................................................................................................34

3.3 Coleta dos Dados ................................................................................................34

3.4 Análise dos Dados ..............................................................................................35

4 ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ......................37

4.1 MOTIVOS PARA A MANUTENÇÃO DO CASAMENTO TRADICIONAL ..........39

4.1.1 Expectativas da sociedade ...............................................................................39

4.1.2 Constituição do conceito de casal e de família ..............................................42

4.1.3 Influência da família de origem ........................................................................45

6

4.1.4 Convicção religiosa ..........................................................................................48

4.2 RITUAIS E SUAS REPRESENTAÇÕES ...........................................................49

4.3 ASPECTOS POSITIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL ...........................53

4.3.1 Segurança e Estabilidade ................................................................................53

4.3.2 Reconhecimento da sociedade .......................................................................54

4.4 ASPECTOS NEGATIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL .........................56

4.4.1 Burocracia acima do amor ..............................................................................56

4.4.2 Questão financeira ...........................................................................................58

4.5 AVALIAÇÃO DA UNIÃO CONSENSUAL .........................................................59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................63 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................69 7 APÊNDICES ...................................................................................................73

7

A UNIÃO CONSENSUAL SOB A PERSPECTIVA DE CASAIS UNIDOS PELO CASAMENTO TRADICIONAL

Orientador: Márcia Aparecida Miranda de Oliveira Defesa: Junho de 2008

Resumo:

Encontramos atualmente profundas variações na definição da estrutura familiar e nos modos de

representação do casamento e da vida conjugal. No que se refere às alterações no sistema do

casamento, podemos destacar o aumento das uniões consensuais. De acordo com dados do IBGE

em 2000 verificou-se que na última década houve queda no total de casamentos oficiais e a

proporção de pessoas em união consensual cresceu significativamente. O objetivo desta pesquisa

foi investigar fatores que influenciam na percepção de casais unidos pelo tradicional laço do

matrimônio a respeito das uniões consensuais, observando o motivo da escolha pela sua opção,

em detrimento à união consensual, tanto do ponto de vista social quanto familiar; bem como

explorando como estas influências podem determinar, reforçar ou modificar comportamentos

quando refere-se a representações do casamento e da vida conjugal. A pesquisa foi baseada numa

perspectiva qualitativa, sendo entrevistados quatro casais unidos por meio de casamento civil e

religioso, casados entre o período de 11 a 34 anos e com idade entre 35 a 59 anos. Para a coleta

de dados contou-se com a utilização de uma entrevista semi-estruturada e os dados foram

analisados pelo método de análise de conteúdo conforme Bardin (1977) e discutidos a luz de

conceitos da Teoria Sistêmica. Os principais resultados obtidos nesta pesquisa referem-se a

grande influência que tanto a família de origem quanto a sociedade com seus costumes,

historicamente definidos, exercem sobre a tomada de decisões dos casais; percebeu-se desta

forma, maior aceitação nestes âmbitos em relação ao casamento tradicional, com significativa

diferenciação entre os tipos de união, no sentido de vantagens e desvantagens; com destaque para

a importância dos rituais e cerimônias de casamento demarcando a passagem de uma etapa para

outra do ciclo de vida familiar

8

Palavras-chave: Casamento; Família, União Consensual. Sub-Área de concentração (CNPq) 7.07.05.01-1 Relações Interpessoais. Membros da Banca Lísia Regina Ferreira Michels Professora convidada

Maria Celina Lenzi Professora convidada

Márcia Aparecida Miranda de Oliveira Professor Orientador

9

1 INTRODUÇÃO

Os diferentes modos de representação do casamento e da vida conjugal,

consequentemente da família, têm despertado interesse cada vez maior dos

pesquisadores, devido os complexos fenômenos que permeiam estas relações.

Carrasco (2003) ressalta que a história do casamento está intrinsecamente

relacionada à história da própria humanidade, e este sofreu e continua sofrendo muitas

modificações, na sociedade, na cultura e no psiquismo humano. Munhoz (2001) afirma

que as transformações vividas pela família em função da evolução histórico-social

deixam resquícios de valores, mitos, crenças e regras, influenciadores das concepções

e condutas na união conjugal.

Com o passar do tempo criou-se, principalmente nas sociedades ocidentais, um

“ideal de família” estruturado pelo laço do matrimônio, monogâmico e com filhos de

sangue.

Encontramos hoje, porém, profundas variações na definição da instituição

familiar que foram ocorrendo na sociedade pós-moderna; os membros da família

buscam a individualidade, e passam a ter na família ideais pautados em uma noção de

mutatividade e flexibilidade para o novo e diferente, constituindo-se em um espaço de

desenvolvimento interpessoal e de criatividade.

Adorno (1982) apud Silva (2002) embora concorde com a existência de

variações na estrutura das famílias, observa que a tendência é negar ou esquecer estas

diferenças, definindo certos modelos, apresentados como protótipos ideais.

10

Desta forma, as escolhas dos parceiros e a forma como estes se organizam

recebem influência direta do momento em que a sociedade se encontra e dos padrões

estabelecidos pelas famílias de origem, criando certos modelos que podem se

transformar em mitos favorecendo a repetição de padrões de interação.

Para cumprir esses legados sociais e familiares, as pessoas tendem a criar

rituais, que funcionam como poderosos organizadores da vida familiar, mantendo sua

estabilidade durante períodos de estresse e transição, como afirma Lopes, et al (2006).

Entre as alterações no sistema do casamento, Silva (2002) salienta o

significativo aumento das uniões consensuais1. Cada vez mais, famílias se formam sem

a legitimação civil ou religiosa da união. Frente a essa mudança nas relações, Carolina

Brandt Cruz, aluna da graduação do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, sob orientação da Professora Márcia Aparecida Miranda de Oliveira,

desenvolveu no ano de 2004, uma pesquisa intitulada “União Conjugal: análise dos

motivos do casamento e da união consensual”, e a partir desta, surgiram vários temas a

serem pesquisados, e dentre eles, surgiu o interesse pela temática aqui apresentada.

Serão utilizados conceitos e autores da Teoria Sistêmica para fundamentar

teoricamente a pesquisa.

Assim, buscar-se-á saber o que pensam os casais que optaram pelo tradicional

laço do matrimônio frente a demandas modernas, como a união consensual,

identificando os motivos pelos quais o casal optou pelo casamento tradicional,

observando a existência da influência da família de origem na escolha e as vantagens e

1 União consensual é a terminologia mais usada atualmente dentro dos estudos da psicologia para

designar a união de um casal que coabita na ausência da cerimônia de casamento (KALOUSTIAN, 1994).

11

desvantagens na união formal. Este estudo poderá contribuir para a ampliação dos

conhecimentos de alunos e professores que trabalham com famílias na Clínica-Escola

do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí, bem como demais

profissionais da área da saúde que igualmente trabalham com famílias.

Vivemos em um mundo de evidentes transformações na estrutura dos arranjos

familiares, portanto, torna-se de grande relevância o estudo destes novos fenômenos

interacionais e das alternativas de vida diferenciadas das tradicionais.

Concorda-se com a perspectiva de Munhoz (2001) que a partir dos conceitos

tradicionais de família pode-se construir novos conceitos, aprendendo também a

conviver com as diferenças.

12

2 EMBASAMENTO TEÓRICO

2.1 O CASAMENTO E SUA DINÂMICA ATUAL

2.1.1 Casamento - Origem e Evolução

O casamento se insere num amplo sistema social historicamente definido e cada

cultura prevalente num determinado momento evolutivo da humanidade ofereceu sua

concepção singular da constituição da esfera do casamento e da família.

Munhoz (2001) faz referência a citações da Bíblia Sagrada, afirmando que o

casamento tem suas raízes em ideais que se apoiavam nos princípios da moral judaico-

cristã. A autora afirma que o casamento era considerado pelos judeus como a união

legítima entre homem e mulher, em duradoura comunhão corporal e espiritual.

Respeitava-se o vínculo matrimonial por ser instituído por Deus e prescrito nos

mandamentos e na Lei, mas não era considerado um sacramento, já que não havia

menção de nenhuma cerimônia religiosa. Consistia tão somente de um contrato

apalavrado entre duas partes (Gen. 24, 63-67 apud Munhoz 2001).

A autora complementa que o cristianismo, em seus primeiros anos, não

priorizava o matrimônio nem a família, mas sim a virgindade e a continência com o

objetivo de ampliar o número de adeptos da castidade e incentivar a formação do clero.

Assim, os casamentos eram desaconselhados pelos padres em seus sermões, sendo a

vida conjugal hostilizada e descrita como fonte de angústia, turbulência e inquietação

13

em oposição à serenidade do corpo virgem. A gravidez era vista como sinônimo de

sofrimento e deformação; a procriação era desestimulada e não era considerada um

bem para a sociedade. Apesar das prescrições contrárias à lei, muitos nobres tomavam

várias mulheres como esposas e concubinas e então, nos séculos III e IV, recuperou-se

o matrimônio como meio de controle e repressão das práticas permissivas e libertinas

da antiguidade greco-romana. Contudo, a virgindade ainda era exaltada então aos

poucos, a ideologia estóica foi sendo introduzida, a qual defendia a procriação como

meio de propagação da espécie, comparada à virgindade, mas em nível hierárquico

inferior. Foi Agostinho no século V, quem reinterpretou a moral estóica em defesa de

um casamento estável, por meio da fidelidade conjugal e dependência mútua,

mantendo o prazer carnal subordinado a procriação.

Com a queda do império Romano no século V, ocorreram diversas

transformações nas sociedades ocidentais nas esferas econômica, política, social e

religiosa, e o casamento acompanhou essas mudanças. Tornou-se uma prática social,

com o compromisso de criação e educação da descendência, transmissão nos valores

de linhagem e formação de alianças políticas. A partir do Concílio de Trento no século

XIII, o casamento começa a sair do espaço privado em direção ao espaço público, e se

impõe como uma conjugalidade sacramentada, uma instituição (MUNHOZ, 2001).

Osório (2002) por sua vez, aponta que o casamento como instituição vinculou-se

através dos tempos aos ritos de iniciação que marcavam a passagem da infância para

a idade adulta. Desde o advento da noção de propriedade, a união entre homem e

mulher estava relacionada com uma idéia de “transação” e “troca”. Uma destas

representações se dá a partir do momento em que um homem que desejasse se casar

deveria oferecer sua irmã, sobrinha ou serva ao pai da futura noiva para recompensá-lo

14

pela perda da filha. Mais tarde, essa troca física foi substituída pelo equivalente em

bens ou dinheiro. O pagamento do “dote” era visto como uma maneira de ressarcir o

noivo ou sua família pelos custos posteriores com a manutenção da esposa.

Há controvérsias na literatura sobre o momento em que a liberdade de decisão

para o casamento passou a ser colocada nas mãos dos elementos do casal, quando os

jovens que estão se casando passam a dispor livremente de seus corpos e

sentimentos, a partir de um desejo próprio e baseado no amor, sem a determinação dos

pais.

Autoras como Aratangy (2006) e Krom (2000) afirmam que este ideal romântico

associado ao casamento como um vínculo amoroso duradouro que tem por objetivo

tornar os parceiros felizes, só entrou em cena no século XX, pois, Aratangy (2007)

complementa que na literatura do século XIX o amor surge apenas fora da relação

conjugal. Munhoz (2001) por sua vez, afirma que foi no final do século XV, com o

surgimento do capitalismo, visto as transformações nos costumes já consagrados em

mercadorias, pela compra, venda e pelo contrato livre, que o casamento tornou-se um

“contrato”, uma questão legal, e a burguesia ascendente passou a reconhecer a

liberdade de se contratar o casamento, proclamando o jogo amoroso como um direito

humano. Assim, o casamento passou a “se basear no ”amor”, tornando-se o que é hoje

o casamento romântico, caracterizado como um subproduto das sociedades

capitalistas, contratuais e individualistas” (p. 19). Essas controvérsias talvez possam ser

explicadas com a complementação de Munhoz (2001) que afirma que a base do

casamento romântico foi abafada durante muito tempo em grande parte dos países

europeus, como na França e em outros países de língua latina, devido ao

revigoramento do direito romano que prevaleceu canônico. Apenas na Inglaterra o

15

direito romano não prevaleceu e as moças inglesas casavam-se de acordo com seu

desejo, diferentemente das francesas, que se casaram, durante muito tempo, somente

com o consentimento dos pais devido a determinações legais.

Desta forma, Aratangy (2007) afirma que o casamento surgiu para consolidar

alianças e garantir o direito da herança, estabelecendo assim, normas para o

comportamento sexual, para organizar interesses econômicos e delimitar esferas de

poder. Osório (2002) salienta que à medida que o casamento subordinou-se a

interesses ligados a propriedade, ele foi saindo da esfera mítico-religiosa e passando

para a do direito civil. Durante muito tempo, a Igreja e o Estado travaram uma disputa

para determinar a quem caberia a função de estabelecer o contrato nupcial. Somente

na Era Contemporânea o estado e a igreja passaram a exercer sem maiores conflitos

suas respectivas esferas de influência nas questões relacionadas à instituição

matrimonial.

2.1.2 As Escolhas Conjugais e as Questões de Gênero

O casamento sofreu e continua sofrendo uma série de transformações durante o

tempo, atendendo a uma diversidade de interesses tanto sociais, econômicos,

familiares e também, individuais. Féres-Carneiro (1998) apud Wendling (2007) afirma

que no momento da escolha conjugal os homens tendem a valorizar mais os atributos

físicos e a atração sexual, e as mulheres por sua vez, consideram mais o sentimento

amoroso.

16

A busca de um companheiro é uma das tarefas mais importantes do ciclo vital

familiar e uma das necessidades básicas do ser humano. Para tanto, o indivíduo deve

ter bem definidas as características da sua personalidade, para que possa unir-se com

o outro sem fundir-se com o mesmo, possuindo condições de aceitar suas qualidades e

defeitos, a fim de construir uma relação que leve ao crescimento de ambos

(ERICKSON, 1998 apud WENDLING, 2007)

Historicamente, o homem dominava a relação e a mulher era subordinada a ele.

Nos povos primitivos, como já citado no item anterior, os casais não eram os

responsáveis pelas escolhas dos parceiros entre si, eram os pais dos noivos quem

determinavam as uniões, geralmente a fim de consolidar alianças políticas e garantir a

perpetuação da linhagem familiar. Carter; McGoldrick (1995) afirmam que as mulheres

tendiam a ser definidas no contexto dos relacionamentos humanos como guardiãs da

capacidade de cuidar, ocupando o lugar de “nutridoras” no ciclo de vida de um homem;

responsáveis pela educação dos filhos e pelo cuidado da casa. Ao homem, sempre

coube o lugar de provedor, responsável pelo sustento e pelo futuro da família. O

modelo de masculinidade, como propõe Giddens (1992) foi culturalmente idealizado,

cobrado pela sociedade como algo rígido, onde o homem tem que ser forte e não

demonstrar seus sentimentos. Estas diferenças entre os gêneros são culturalmente

construídas, portanto, estão constantemente sujeitas a alterações.

Os movimentos feministas, por volta dos anos 80, foram construções que se

definiram com os estudos sobre a mulher, ampliando o significado de diferenças

sexuais restritas a fatores biológicos, passando a considerar as posições sociais entre

os papéis masculinos e femininos. Estas transformações estabelecem a noção moderna

de igualdade entre homem e mulher, fortificando-se e eliminando a sistemática divisão

17

sexual das tarefas nas relações maritais, ou seja, faz-se a passagem de um ideal

hierárquico para um ideal igualitário entre as relações de gênero (MUNHOZ, 2001).

As mulheres passam a transferir o desenvolvimento de seus objetivos pessoais

para além do campo familiar, necessitando de uma identidade pessoal. Aratangy (2007)

aponta que a possibilidade de conquistar uma autonomia econômica, por meio do

trabalho, faz com que as mulheres se tornem menos submissas e passivas, sendo cada

vez menor o número de mulheres que se sentem obrigadas a manter um casamento

insatisfatório em troca do sustento e proteção do marido.

Isto pode refletir uma maior liberdade no âmbito das escolhas conjugais.

Segundo uma pesquisa realizada por Féres-Carneiro (1998) o casamento significa a

constituição de uma família pelos homens, e visto como uma relação de amor pelas

mulheres, logo, isto pode indicar alguns motivos que levam cada vez mais as mulheres

a tomarem a iniciativa pela separação matrimonial, visto que se não há mais amor, não

há mais motivos para manter a união, abrindo possibilidades para que se encontre

outra pessoa para amar e talvez casar-se novamente.

Segundo Féres-Carneiro (2001) apud Wendling (2007) as relações conjugais

contemporâneas são construídas em torno das identidades dos cônjuges. Estas

relações têm como prioridade sustentar o desenvolvimento pessoal e elas se mantêm

enquanto for prazeroso para cada um. Ressalta-se neste momento, a importância da

individualidade na vida a dois, bem como a valorização da importância de compartilhar

e dividir, ou seja, os casais fazem suas escolhas buscando uma união que possa

proporcionar crescimento e satisfação de suas necessidades e projetos pessoais

aliados à felicidade conjugal.

18

Nesta perspectiva, Wendling (2007) explica que quando se escolhe um parceiro,

essa união requer uma série de ajustes para que as duas partes dentro de suas

particularidades consigam elaborar um mundo comum, compartilhando idéias,

negociando tarefas, modificando papéis e assumindo novas funções. O que pode

acontecer, muitas vezes, é que os parceiros acabam perdendo sua individualidade e

acabam vivendo em função do outro, deixando de basear a relação na troca saudável e

passem a viver a fusão de um relacionamento. Os casais saudáveis conseguem

encontrar um equilíbrio entre a proximidade e o distanciamento, a fim de respeitar as

diferenças individuais, num estado de coesão com o parceiro ou parceira.

Assim, esse processo de escolha e convivência com os parceiros, implica em

redefinir continuamente a distribuição de papéis, regras, funções e poder, visto que

cada indivíduo carrega consigo seu sistema de crenças e expectativas em relação ao

casamento, baseado na experiência com a família de origem como veremos adiante, ou

outras experiências matrimoniais, de acordo com cada cultura e sociedade. Berger e

Kellner (1970) apud Féres-Carneiro (1998) descrevem o casamento como um ato

dramático, no qual dois estranhos, portadores de um passado individual diferente, se

encontram e se redefinem. Na troca de idéias e na conversação conjugal, a realidade

subjetiva do mundo é sustentada pelos parceiros, que confirmam e reafirmam a

realidade objetiva internalizada por eles. Assim, o casal constrói a realidade presente e

reconstrói a realidade passada, fabricando uma memória comum que integra dois

passados individuais.

Walsh (2002) propõe ainda que todos estes valores influenciam no modo de

conceber o casamento e condicionam o que se considera ser marido e mulher.

19

2.1.3 União Consensual

Diante das demandas modernas na definição das relações conjugais, a

importância dada às questões como a individualidade, as questões profissionais dos

cônjuges, a redefinição propriamente dita dos objetivos comuns da união entre as

pessoas, estão as novas formas de configuração do casamento. Ao comparar as regras

que atualmente regulam o vínculo com os objetivos e normas que deram origem ao

casamento, como propõe Aratangy (2007) mal se pode reconhecer que se trata da

mesma instituição. Estendendo o olhar para meados do século XX, as diferenças entre

o casamento “tradicional” e o casamento “moderno” já refletem inúmeras mudanças nos

mitos e expectativas na união conjugal. Em meio a esta complexidade, existem hoje

diferentes formas de casamento que coexistem tranqüilamente, fato que seria

impensável há 50 anos, por exemplo.

A dinâmica da vida a dois altera-se em função do momento do processo

civilizatório em que a consideremos. As transformações ocorridas nos relacionamentos

conjugais são, sem dúvida, reflexo dos avanços científicos e tecnológicos que mudaram

o perfil das necessidades, desejos e expectativas de vida das pessoas em geral

(OSÓRIO, 2002). O autor define como relação conjugal

“aquelas que mantêm homens e mulheres, com outro ou com o mesmo sexo, por terem estabelecido laços de natureza sexual e afetiva que os levam a desejar uma vida compartilhada, independentemente dos fins de procriação da espécie ou da institucionalização dessa união pelos ritos do casamento civil e religioso” (p. 47).

A união consensual é, portanto, uma das formas mais encontradas na sociedade

20

desses novos arranjos da estrutura das relações conjugais (CAMPOS, 2003; OSÓRIO,

2002).

Segundo Aratangy (2007) há algumas décadas, o casamento tradicional era

praticamente a única forma pela qual a moça poderia sair dignamente da casa dos pais.

Com as mudanças no papel da mulher na sociedade, muitas optam por morar sozinhas,

saindo da casa dos pais buscando independência. Hoje, é permitido aos casais fazerem

a experiência de viverem juntos sem que a coabitação seja obrigatoriamente precedida

pelo casamento formal.

A Constituição de 1988 foi um marco extremamente significativo para o Direito de

família. A partir desta, passaram a ser reconhecidas as múltiplas formas constitutivas de

família que sempre existiram, embora à margem dos ordenamentos jurídicos

(CAMPOS, 2003).

A autora afirma que atualmente, o novo Código Civil, em seus artigos 1723 a

1727, sintetizou os principais elementos das Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96:

O art. 1723 do novo diploma estabelece que "é reconhecida como entidade

familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,

contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Esse conceito não traz a exigência de prazo rígido para a caracterização da

união consensual como era exigido anteriormente. Há que se analisar, diante do caso

concreto, se presentes a estabilidade, convivência, ostensibilidade e afetividade da

relação. Estabelecer esse prazo rígido implicaria em possibilidade de negar a existência

de uma união estável que de fato estaria configurada ou de reconhecer como uniões

estáveis relações que, embora duradouras não têm como finalidade a constituição de

família (CAMPOS, 2003).

21

De acordo com o Censo Demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) em 2000, que considera o casamento a partir da faixa etária

acima de 10 anos, 49,4% vivem em união conjugal, incluindo os casamentos oficiais e

as uniões consensuais. Por meio do censo, pode-se observar que do ano de 1991 para

o ano de 2000, houve queda no total de casamentos oficiais, passando de 57,8% para

50,1%, enquanto que a proporção de pessoas em união consensual cresceu

significativamente de 18,3% para 28,8%.

Deste total de uniões conjugais no Brasil no ano de 2000 segundo o IBGE,

49,9% das pessoas são casadas no civil e religioso, 17,5% tem seu casamento

registrado no civil; 4,41% somente no religioso, e as uniões consensuais representam

26,6% dos casais.

O IBGE afirma que em 2005, foram realizados 835.846 casamentos no Brasil,

3,6% a mais que em 2004 (806.968). O aumento segue uma tendência observada

desde 2001 e resulta, em parte, da legalização de uniões consensuais.

Atualmente, portanto, tanto os casais unidos por meio do registro de casamento

civil e religioso, quanto os casais que mantém uniões consensuais têm direitos iguais

perante o estado e compreende-se assim, que a legalização destas uniões não oficiais

e a proteção do estado no caso da dissolução destas uniões, podem ser fatores que

facilitam a ocorrência cada vez maior desse tipo de união.

Além do fator positivo do reconhecimento do Estado, as mudanças nas

configurações das uniões conjugais que vêm sendo delineadas com o passar do tempo,

carregam consigo todos os aspectos já citados na motivação pela escolha do parceiro e

manutenção da união. O casamento tradicional deixou de ser a única modalidade aceita

de relacionamento.

22

Serpa (2003) aponta que a união livre entre homem e mulher, com aparência de

casamento, sofreu certa discriminação até alguns anos passados, em função da

influência da igreja católica com seus conceitos de moralidade. As uniões livres

ultrapassaram diversas barreiras e têm se sobressaído em quaisquer camadas sociais,

assim pode-se perceber que, nas últimas décadas, o processo acelerado de mudanças

e transformações no conceito de família gerou uma nova vertente de constituições

familiares. Nos dias atuais, define-se como família qualquer grupo de pessoas que

convivem sobre o mesmo teto com o objetivo de constituir uma família.

2.2 A DINÂMICA DAS RELAÇÕES FAMILIARES

2.2.1 Constituição da família

Sendo o casamento considerado o marco inicial para a formação de uma família

e este estando em contínuos processos de mudanças, compreende-se que a família,

vista pela óptica dos sistemas, também segue estes padrões de transformação.

A família caracteriza um complexo sistema de relações e interações entre seus

membros e o meio em que se encontra, sua dinâmica influencia cada indivíduo em seu

próprio desenvolvimento e reflete a situação e época social. É necessário conhecer e

compreender sua situação e dinâmica, de maneira contínua ao longo do tempo, pois só

assim se conseguirá uma visão ampla do seu conceito. Os retratos dos diferentes

momentos, porém, são importantes para a compreensão da evolução do seu

desenvolvimento (RIBEIRO, 1995).

23

As famílias sempre apresentaram, através dos tempos, diferentes modos de se

agrupar e estruturar. Osório (2002) afirma que nos povos primitivos, as famílias

originalmente se organizavam sob a forma “matriarcal”, ao que parece pelo

desconhecimento do papel do pai na reprodução, essa explicação, contudo não é

consensual entre os antropólogos. O matriarcado seria uma decorrência natural da vida

nômade dos povos primitivos, visto que os homens por não conhecer técnicas próprias

do cultivo da terra, saiam à procura de alimento e as mulheres ficavam nos

acampamentos com os filhos que cresciam sob a influência das mães, a quem cabia

fornecer um mínimo de estabilidade social nestes núcleos familiares.

O autor ainda salienta que com o desenvolvimento da agricultura, houve o

desenvolvimento de uma fase seguinte, o patriarcado, fundado sobre a autoridade

absoluta do patriarca ou “chefe da família”, que vivia geralmente num regime

poligâmico, com mulheres habitualmente confinadas, nos haréns, por exemplo. Essa

estrutura era complexa, visto que várias pessoas de diferentes origens coabitam sobre

o mesmo teto tendo diferentes relações com os membros da família.

Em seguida, a Revolução Industrial trouxe vários avanços econômicos, e esses

processos apontam para o desenvolvimento da família nuclear, formada pelo pai, a mãe

e os filhos do casal. A economia se torna mais autônoma e segregada e esse modelo

de família, segundo Bilton (1997) apud Silva (2002) adaptou-se mais às necessidades

da sociedade industrial comparada com a família extensa (grupo de pessoas unidas por

laços consangüíneos ou não, que vivem juntas ou próximas). Assim, o feudo se

esvazia, visto que a família nuclear apresentava-se como uma pequena unidade

geográfica economicamente móvel, tanto quanto uma economia industrial necessita.

24

Osório (2002) indica que esse modelo é considerado pelos estudiosos como um

modelo universal de família e é vigente até os dias atuais. Aliado a este conceito,

finalmente, encontra-se a família monogâmica, pragmática das civilizações ocidentais,

que tem a fidelidade conjugal como pressuposto inicial, o reconhecimento de filhos

legítimos e a transmissão hereditária da propriedade.

Krom (2000) afirma que a família, por sua vez, deve permitir que os seus

membros se diferenciem como indivíduos; pois apesar do aspecto de pertencimento a

um grupo, as pessoas devem ganhar um espaço dentro da família suficiente para que

se desenvolvam de forma independente; se descubram como seres criativos e

potenciais capazes de escolher, traçar seu próprio caminho, contando com o apoio e o

refúgio da família. Neste sentido, surge a descrição da família moderna, não pautada na

autoridade, mas sim nos interesses individuais de cada um de seus membros (SERPA,

2003).

Krom (2000) aponta ainda, que a maneira como a família se organiza está

diretamente relacionada ao sentido que ela atribui à própria vida. Portanto, torna-se

evidente que esse sentido é transmitido através das gerações e permeia todas as

estruturas relacionais da família. Assim, vai dando origem aos significados atribuídos às

experiências e se determinam as hierarquias de valores influenciando a maneira como

a família vê o mundo e o sentido que as pessoas atribuem às suas vidas.

Dentro deste modo como as famílias se organizam, cabe salientar aspectos que

dizem respeito ao momento do ciclo vital em que as pessoas se encontram quando

decidem constituir uma família. Carter; McGoldrick (1995) afirmam que as mulheres,

assim como os homens, estão namorando vários parceiros, tendo relações sexuais

mais cedo e casando mais tarde. Muitos casais optam por viver juntos antes do

25

casamento, a fase de adultez jovem é prolongada e as pessoas decidem ter filhos mais

tarde.

Também podem ser citadas as diferentes formas de estrutura familiar que

encontramos atualmente. No Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2000,

constatou-se que ainda há a predominância de famílias do tipo nuclear, formada pelo

casal e seus filhos (55,4%), porém é significativa a proporção de casais sem filhos

(15,6%), famílias monoparentais, principalmente femininas, representando 12,6%,

seguidas por pessoas desquitadas ou separadas e divorciadas (7,8%) e viúvas (4,1%).

O censo realizado em 2006, revela também um grande crescimento da proporção de

mulheres como chefes da família, aumentando em dez anos, 79%, passando de 10,3

milhões em 1996, para 18,5 milhões em 2006.

Partindo do pressuposto inicial da constituição da família através do casamento,

conclui-se que cada indivíduo ao unir-se com seu parceiro carrega consigo um sistema

de crenças e expectativas em relação ao casamento, que podem ser influenciadas por

diversos fatores, e entre eles, de forma muito significativa pela família de origem, como

será apresentado a seguir.

2.2.2 Família de Origem e Repetição de Padrões Interacionais

Sabe-se que as contínuas transformações no desenvolvimento sócio-cultural, as

mudanças significativas na família e nos padrões de comunicação permitem que as

gerações subseqüentes disponham de vários recursos que possibilitam lidar com as

situações de maneira diferente como lidaram seus antepassados (CERVENY, 1994).

26

Porém, a maneira como as pessoas vão lidar com esses recursos vai depender muito

de quanto e como essas pessoas conseguiram se diferenciar de suas famílias de

origem para formar seu próprio núcleo familiar.

Segundo Colombo (2006) o comportamento de uma pessoa, no que se refere a

relacionamentos íntimos, é diretamente influenciado pelo que lhe programa sua família

de origem. Num duo mãe e filho, há fortes registros que não se apagam, mas se

ampliarão à medida que a família se amplia. São registros presentes, quando da

aproximação entre as pessoas.

Osório (2002) salienta que quando ocorre um casamento, cada um dos cônjuges

traz consigo modelos interacionais aprendidos e expectativas baseadas no que pôde

ser observado na relação de casal de seus pais, desta forma, podem esperar

relacionamentos similares a partir do momento em que aprovarem o que viram ou muito

diferentes quando desaprovarem.

Neste sentido, Cerveny (1994) afirma que quando uma mulher e um homem se

unem, um dos componentes motivacionais para o novo compromisso é o ideário de

criar uma unidade familiar melhor do que a família de origem.

Assim, a Teoria Sistêmica evidencia a importância de questões relacionais no

ciclo vital familiar, como a transmissão de padrões transgeracionais, que acabam

influenciando a escolha conjugal, independentemente da forma de união do casal. A

importância das experiências com as famílias de origem de cada cônjuge e a

intersecção entre estes dois enredos são fundamentais para que se possa

compreender como acontecerá a formação do casal (CARRASCO, 2003).

A autora aponta que é na adolescência que a pessoa inicia seu processo de

separação da família de origem em busca de sua individualização, num processo para

27

toda a vida. Numa tentativa de alcançar sua autonomia, o adolescente deve ser cada

vez mais responsável por suas ações, respaldada pela segurança da orientação de

seus pais.

Portanto, segundo Wagner (2002) como parte do ciclo evolutivo vital, observa-se

que após as etapas de desenvolvimento da infância e adolescência, o ser humano em

um movimento natural de separação de sua família de origem, volta-se para a eleição e

a conquista de um parceiro, na busca de um relacionamento amoroso estável. Nessas

escolhas, muitas vezes fica claro a repetição de padrões repetitivos na escolha pelo tipo

de um determinado parceiro, que revelam a existência de uma relação significativa

entre a percepção dos sujeitos de como seus pais interagiam com eles e o seu

ajustamento conjugal. Dessa forma, é importante que ambos os cônjuges tenham tido

relacionamentos satisfatórios com seus pais e tenham conseguido uma boa separação

de suas famílias de origem.

Assim, segundo a autora, além da bagagem genética, uma geração transmite a

outra, bagagens afetivas e culturais, que na sua maioria são inconscientes. O que uma

geração constrói, fica disponível para as gerações seguintes, que por sua vez podem

funcionar como modelos ou padrões de modo repetitivo, e a esta transmissão dá-se o

nome de transgeracionalidade, de acordo com a Teoria Sistêmica.

Entre estes padrões que se repetem, definindo as relações do novo núcleo

conjugal está a formação dos mitos e rituais, descritos a seguir.

2.2.3 Mitos e Rituais

28

Os mitos, de acordo com Prado (1996) são construções que vão se

estabelecendo como verdades ao longo do tempo, preenchendo as necessidades da

família, com um enorme poder de influência sobre seus membros. Segundo Munhoz

(2001) é um veículo de transmissão de valores e crenças expressos nas comunicações

e nos comportamentos familiares por meio das gerações, por conter o sistema de

valores das famílias em seus aspectos transgeracionais.

Segundo Krom (2000) a função dos mitos é revelar os modelos exemplares de

todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas, como alimentação, o

trabalho, a educação, a arte e o casamento; ingredientes vitais da civilização humana.

Os mitos também podem ter uma função defensiva, verificando-os na homeostase e na

estabilidade das relações. Segundo este conceito, tais crenças não são contestadas por

nenhuma das pessoas interessadas, apesar de muitas vezes incluir distorções

evidentes da realidade.

Quando se trata de relações familiares, muitos mitos são atribuídos à sensação

de coesão na família. Observa-se a presença do Mito da União, o qual busca garantir a

perpetuação da família, através da proximidade e afetividade; o Mito da Prosperidade,

que perpassa gerações, assegurando a manutenção dos bens e a estabilidade familiar,

como pode ser representado por meio da própria função da família antiga, quando se

acertavam os casamentos para preservar o patrimônio; o Mito da Religião, norteado por

práticas de determinadas religiões onde todos participam, ou até mesmo pelos nomes

dados aos filhos; o Mito da Conquista e do Sucesso, o primeiro determinando maneiras

de conseguir bens, as quais outros familiares cultuam e seguem os passos, e o

segundo, referindo-se a formas de sobressair-se, ser imitado e admirado; o Mito da

Autoridade, que diz respeito a hierarquia, onde se acatam opiniões e decisões de pais e

29

parentes e o Mito do Poder, encontrado nas famílias onde ocorre o abuso de

autoridade, geralmente com história de patriarcado e autoritarismo (KROM, 2000).

Em relação ao casamento, Aratangy (2007) ressalta que por trás das normas que

definem os relacionamentos, alguns mitos lhes dão sustentação. A autora fala sobre a

existência de mitos tradicionais e mitos modernos.

Nos casamentos tradicionais, aponta que os principais são: O Mito do Amor

Único, segundo ele, só se ama de fato uma vez. A relação só poderia fracassar por

fatalidades como a morte ou um inevitável distanciamento, pois os amantes estão

protegidos pelo Mito do Amor Eterno. Neste caso, o verdadeiro amor é imortal, capaz

de ultrapassar todas as provações, caso sucumba aos desafios da realidade, fica

provado que se tratava apenas de uma ilusão amorosa. E por fim, o Mito da

Completude, que a autora observa que permanece forte até os dias de hoje, visto que

as pessoas continuam a acreditar que existe outro que as completa, um parceiro como

um encaixe perfeito que completa e equilibra o conjunto, que lhe dá forma.

No âmbito dos casamentos modernos, Aratangy (2007) observa a presença de

outros mitos, que segundo ela, sejam talvez mais exigentes que os antigos e que

partem da pretensiosa premissa de que a vontade poderia legislar sobre os

sentimentos. Destaca-se então, entre os principais: o Mito da Transparência, que

substitui o voto de fidelidade, num compromisso mútuo de comunicar ao parceiro seus

sentimentos, desejos e compartilhar confidências de eventuais envolvimentos paralelos;

o Mito da Liberdade, onde os casais fazem um pacto de respeito “integral” às liberdades

individuais, onde cada um dos cônjuges pode recusar-se a “prestar contas” de seus

atos e o Mito do Anel de Vidro, onde a relação amorosa seria como uma peça de cristal:

não pode ter trincas.

30

A maneira como o casal vai construir seus relacionamentos pode ocorrer dentro

e de acordo com estas mitologias.

Alguns aspectos específicos das relações entre as pessoas que servem para a

manutenção do mito são compartilhados por todos os membros de uma família,

promovem rituais, e áreas específicas de acordo automático (KROM, 2000).

A autora também descreve os rituais como uma série de atos e comportamentos

estritamente codificados na família, e no momento em que se executam estes rituais, a

memória familiar é resgatada, se contam histórias e valida-se a experiência de estarem

juntos.

As famílias variam em seus padrões de celebração e no grau de ritualização de

suas atividades, estes reforçam sua herança e seus valores comuns, bem como seu

senso de identidade (CARTER; McGOLDRICK, 1995).

Sabe-se que a realização de rituais para fatos significativos como o casamento,

ocorre desde os primórdios da civilização humana, e são organizados por todas as

religiões e culturas de maneiras diferentes. Contudo, Prado (1996), afirma ainda que

“independentemente dos contratos legais e religiosos, o casal pode criar um ritual para

sua união, demarcando um novo espaço na relação de vida a dois e na interação com

as famílias de cada um” (p. 79).

Desta forma, os casais desenvolvem uma construção de realidade

compartilhada. Os valores, crenças, mitos, idéias e expectativas para o futuro podem

ser modelados reciprocamente, reforçados ou modificados ao longo do tempo

(WENDLING, 2007).

31

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 Participantes da pesquisa

A presente pesquisa contou com a participação de quatro casais, com idade

entre 35 e 59 anos, unidos através do casamento civil e religioso, estando unidos

dentro do período mínimo de 11 anos e no máximo de 34 anos. Os casais residem,

respectivamente, nos municípios de Blumenau (SC), Piçarras (SC) e Balneário

Camboriú (SC).

Desde a Constituição Federal de 1988, a qual garantiu a legitimação das uniões

livres, os casais podem optar por formas alternativas de união sendo amparados pela

lei. Assim sendo, optou-se pelo tempo mínimo de 10 anos de casamento para os

entrevistados.

A faixa etária foi escolhida devido aos dados obtidos através do Censo

Demográfico de 2000 realizado pelo IBGE, o qual indica que é significativa a proporção

de homens e mulheres na faixa etária superior a 35 anos que são casados por meio do

casamento tradicional. Cabe ressaltar que os sujeitos entrevistados são casais unidos

através de casamento civil e religioso.

Considerou-se suficiente o número de sujeitos para a pesquisa visto que se trata

de uma pesquisa qualitativa, a qual visa a qualidade dos fenômenos coletados,

priorizando o sujeito e não a quantidade de dados.

As entrevistas da pesquisa foram realizadas com cada elemento do casal

separadamente para que não houvesse influência nas respostas; em suas respectivas

32

residências, de modo particular, contando com a presença apenas do pesquisador e do

entrevistado, respeitando suas particularidades e seguindo as normas éticas

necessárias.

A seguir será feita a apresentação dos sujeitos da pesquisa:

33

3.1.1 Quadro de apresentação dos sujeitos da pesquisa

Legenda: F: sexo feminino M: sexo masculino

Obs.: Os pais de todos os entrevistados são casados no civil e religioso.

Identificação

do casal:

CASAL 1 Casamento

civil e religioso

CASAL 2 Casamento

civil e religioso

CASAL 3 Casamento

civil e religioso

CASAL 4 Casamento

civil e religioso

Dados

pessoais

do casal:

1 F :

Idade: 37

1 M :

Idade: 38

2 F :

Idade: 58

2 M :

Idade: 56

3 F :

Idade: 36

3 M :

Idade: 35

4 F :

Idade: 59

4 M :

Idade: 59

Tempo de

Casamento:

11 anos

29 anos

12 anos

34 anos

Profissão:

1 F :

Arquiteta

1 M :

Empresário

2 F :

Dona de casa

2 M :

Bancário

3 F :

Bancária

3 M :

Analista de

Sistemas

3 F :

Comerciante

3 M :

Comerciante

Filhos:

2

2

2

3

Estado civil

atual dos

pais:

1 F :

Casados

1 M :

Casados

2 F :

Mãe viúva

2 M :

Falecidos

3 F :

Casados

3 M :

Casados

4 F :

Falecidos

4 M :

Pai viúvo

34

3.2 Instrumento

A fim de coletar os dados pessoais dos entrevistados, foi utilizada uma ficha de

identificação (Apêndice A), e para a realização das entrevistas foi utilizado um

questionário semi-estruturado (Apêndice B) como uma técnica onde o entrevistador

organiza um conjunto de questões, apoiada em teorias e hipóteses sobre o tema

estudado; as quais foram gravadas e posteriormente transcritas. Tal técnica oferece

liberdade e espontaneidade necessárias para o entrevistado falar livremente sobre

assuntos que vão surgindo, enriquecendo a investigação. Assim, o entrevistado segue

espontaneamente sua linha de pensamento e experiências a partir do foco principal

colocado pelo entrevistador e participa da elaboração do conteúdo da pesquisa

(MAZZOTTI, 1998; PÁDIA, 2000; TURATO, 2003; TRIVINOS, 1987).

3.3 Coleta dos Dados

A escolha dos sujeitos da pesquisa foi feita através de indicações de pessoas

conhecidas, de forma que os casais não tivessem nenhum contato ou envolvimento

com a pesquisadora, ou seja, pessoas que possuíam contato com a mesma indicaram

casais conhecidos que possuíssem os critérios necessários para a realização da

pesquisa.

A pesquisadora fez o contato inicial com os participantes por telefone para

explicar os objetivos da pesquisa e combinar o dia, hora, local e duração da entrevista

(aproximadamente 1 hora e 30 minutos). No encontro agendado, foi apresentado o

35

termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C) para que os participantes

assinassem autorizando a participação.

A coleta de dados contou com a utilização de um gravador, a fim de que

houvesse mais fidedignidade na obtenção e transcrição dos dados.

3.4 Análise dos Dados

Os dados obtidos na presente pesquisa foram analisados pelo método de análise

de conteúdo proposto por Bardin (1977) e discutidos à luz de alguns pressupostos da

Teoria Sistêmica.

A análise de conteúdo é uma metodologia usada para descrever e interpretar

conteúdos de documentos e textos. Tal análise permite uma interpretação e

compreensão das questões em um nível que supera a leitura comum (MORAES, 1999).

Na análise de conteúdo são apresentados as seguintes operações, como

propõem Franco (1986); Rodrigues; Leopardi (1999):

- Codificação: processo no qual os dados são transformados em categorias,

possibilitando uma descrição das características gerais do material.

Pode ser realizada a partir de recorte referente à escolha das unidades,

enumeração de acordo às regras de contagem, classificação e agregação em relação à

escolha das categorias.

- Unidade de Registro: seleciona-se o elemento correspondente ao segmento de

conteúdo a ser considerado como unidade de base. Pode ser um tema, uma palavra ou

uma frase desde que exprima pensamento completo.

36

- Categorização: refere-se à classificação, agrupamento de dados por

semelhança ou analogia previamente estabelecidos ou definidos. Compreende o

inventário, que consiste em isolar os elementos e a classificação que é a divisão dos

elementos.

37

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Considerando os objetivos da pesquisa, pretende-se analisar e discutir a

percepção de casais unidos através do casamento civil e religioso a respeito da união

consensual, verificando os motivos pelos quais os entrevistados optaram pelo

casamento convencional, bem como as expectativas e influência da família de origem

sobre a decisão dos casais e os pontos positivos e negativos da forma de união

escolhida, em detrimento à união consensual.

Os relatos obtidos foram analisados conforme critérios propostos por Bardin

(1977), resultando ao final em cinco (5) categorias descritas abaixo, estas estão

divididas em (8) subcategorias, visando um maior entendimento do leitor. Com a

realização das entrevistas e a análise dos dados, portanto, pode-se destacar as

seguintes categorias e subcategorias:

4.1 MOTIVOS PARA A MANUTENÇÃO DO CASAMENTO TRADICIONAL

4.1.1 Expectativas da sociedade

4.1.2 Constituição do conceito de casal e de família

4.1.3 Influência da família de origem

4.1.4 Convicção religiosa

4.2 RITUAIS E SUAS REPRESENTAÇÕES

4.3 ASPECTOS POSITIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL

4.3.1 Segurança e Estabilidade

38

4.3.2 Reconhecimento da sociedade

4.4 ASPECTOS NEGATIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL

4.4.1 Burocracia acima do amor

4.4.2 Questão financeira

4.5 AVALIAÇÃO DA UNIÃO CONSENSUAL

Desta forma, através da análise dos dados obtidos, foi possível identificar a

primeira categoria com suas respectivas subcategorias, que reflete os motivos pelos

quais os entrevistados optaram pelo casamento civil e religioso, em detrimento à união

consensual, de forma que cabe salientar, que a opinião destes sobre esta nova

modalidade de casamento fica muitas vezes implícita nos relatos, pois sendo estes

fatores importantes para os casais, compreende-se que no caso da união consensual,

estes aspectos poderiam deixar a desejar.

4.1 MOTIVOS PARA A MANUTENÇÃO DO CASAMENTO TRADICIONAL

Mesmo antes do nascimento, as pessoas recebem a projeção de muitas

expectativas tanto da sociedade como particularmente, em relação à vida familiar.

Assim, pode-se dizer que esses conteúdos influenciam de maneira poderosa toda a

vida do sujeito; conseqüentemente, as escolhas conjugais. Dentre os motivos para que

haja a manutenção do casamento civil e religioso estão as expectativas da sociedade, o

conceito de casal e de família, a influência da família de origem e as convicções

religiosas como se descreve a seguir.

39

4.1.1 Expectativas da sociedade

As solicitações sociais influenciam diretamente na família e em seus momentos

históricos. Em seus estudos, Carter; McGoldrick (1995) indicam que os grupos, ou seja,

sociedades específicas geram mitologias próprias de temas que podem ser universais,

como as fases de transição no ciclo de vida. Assim, existem mitos que falam do

nascimento, adolescência, morte e também do casamento.

Osório (2002) aponta que a instituição matrimonial nasceu vinculada aos ritos de

iniciação que marcavam a passagem da infância para a idade adulta. Nos povos

primitivos, tais ritos geralmente culminavam com a cerimônia do casamento.

Essas expectativas se perpetuam através das gerações e permeiam nossa visão de

mundo, através de determinados rituais, como podemos observar através dos relatos

dos seguintes sujeitos, quando questionados sobre o motivo pelo qual optaram pelo

casamento tradicional:

4F- “Quando eu casei era o único modelo que tinha pra falar a verdade. Chegava uma

certa idade já tinha que casar”; “Ah! É importante né, a cerimônia, para a família, as

outras pessoas saberem que você está casando”.

2F- “Por causa do sistema”.

1F- “Por que? Eu acho que é mais pelo desejo de ter regularizado a união perante a

sociedade, acho que também, a princípio o maior desejo é esse, não é isso que vai dar

estabilidade na relação, mas é para estar mais socialmente dentro das normas”.

Os sujeitos 1M e 1F ainda, fazem referência aos documentos provenientes do

casamento civil - a certidão de casamento, salientando que em determinados

40

momentos e situações, estes documentos são necessários e garantem vantagens para

o casal:

1F- “Eu, por exemplo, não preciso de um papel, mas pela minha educação, de estar

dentro das normas, além de dizer, o estado atesta isso.(...),(...) pra muitas coisas que

vão fazer as pessoas pedem a certidão de casamento. É marido pra mim e em qualquer

lugar”

1M- “(...)para mim, modelo de casamento é o casamento matrimonial. Quer ver como

não é casamento? (referindo-se a união consensual) Se perguntam: Casado ou

solteiro? Casado. Cadê a certidão? Não tem!”.

Em relação às expectativas da sociedade, todos os sujeitos em algum momento

deixaram explícito ou implícito em suas falas a importância dada aos aspectos sociais,

sendo o ritual do casamento civil e religioso uma forma de confirmação diante da

sociedade do seu desejo de unir-se ao parceiro.

Dentro desta perspectiva de costumes e rituais que marcam a sociedade e a família

e acontecem há muito tempo, também pode-se citar o ritual do noivado, como sendo

uma etapa pela qual os casais devem passar para então, prosseguirem com os passos

seguintes a ele, até a chegada do casamento. Isso fica evidenciado na seguinte fala:

4F- “e as famílias né, era certo casar assim, como ia fazer, assim, a gente ficou noivos,

teve o noivado, daí depois o casamento”.

Já os respectivos maridos do casal 2 e 3 justificaram os motivos da escolha pelo

casamento tradicional fazendo uma comparação com a união consensual e deixando

claro que a opinião da sociedade influenciou na sua opção:

41

3M- “E esse modelo né, é o que na minha opinião, eu sei que muitas pessoas moram

juntos e tal, sem casar e são felizes também, mas esse modelo é o ideal eu acho, que

cumpre as regras”.

2M- “Acho que é ruim. A sociedade não aprova tão bem quanto os casamentos, como

se diz... mais tradicionais né. É ruim, eu acho melhor casar.”

A literatura demonstra que muitas são as transformações sociais na estrutura

das organizações familiares, principalmente quando analisa-se as mudanças na

concepção do casamento. Assim, o casamento pode ser visto sob pontos de vista

diversos e multifacetados, a partir da perspectiva de que atualmente muitos casais

buscam relacionamentos conjugais com características diferentes das tradicionais,

tendo em vista que o início do século XX pode ser citado como uma época de grandes

transformações nos costumes ligados às uniões conjugais (SILVA, 2002; PRADO,

1996).

Baseando-se na literatura que faz referência às uniões modernas (CAMPOS,

2003; SERPA, 2003), sabe-se que as uniões consensuais são formações cada vez

mais freqüentes na sociedade, e o casamento, como sugere Prado (1996), pode ser

visto como a determinação de dois indivíduos de conviverem numa relação estável e

que implica assumirem compromissos mútuos, oferecendo suporte para as

necessidades afetivas, sociais e sexuais. Em contrapartida, pode-se observar o

depoimento dos sujeitos, quando se reafirma a importância dos rituais e a presença dos

mitos nas expectativas sociais, visto que a sociedade é formada por indivíduos que

continuam unindo-se na tentativa de cumprir legados já determinados por gerações

passadas, repletos de regras secretas que se reproduzem por meio das repetições. A

42

influência dos rituais, das representações e do simbolismo da celebração do casamento

poderá ser observada mais detalhadamente adiante, no decorrer da análise.

Dentro do sistema social, Anton (2000) aponta que a libertação das novas

gerações aparece como uma construção, um caminho a ser aberto por alguém que

ouse introduzir novos questionamentos e mudanças.

4.1.2 Constituição do conceito de casal e de família

Os relatos dos sujeitos 2M, 2F e 4M sugerem que estes consideram que o

casamento tradicional carrega o emblema do “ideal de família” trazido pela sociedade e

pelas gerações que se seguem, representado pela família nuclear e monogâmica, que

segundo Osório (2002 p. 28) “tem a fidelidade conjugal como condição para o

reconhecimento de filhos legítimos e a transmissão hereditária da propriedade”, como

se observa nas falas de 2M- “(...) de forma que o matrimônio é o momento onde se

inicia a família, que é a base de tudo, o casal deve ser fiel, um ajudar o outro, a gente

foi orientado a respeitar a esposa, a cuidar, ter os filhos né...” ; 4M- “(...) e o casamento

para nós sempre foi assim né, começou o planejamento, eu comprei a casa, daí

casamos da maneira certa. Não podia só morar juntos” e 2F- “(...) não dava pra morar

junto só não!”

Os casais parecem considerar que só são “merecedores” do papel conjugal de

marido e esposa a partir do momento em que assinarem concretamente o contrato

matrimonial como fica evidenciado na fala de 4M- “(...) da maneira certa (...)”. A partir

daí virão os filhos e será formada a “família ideal”. Lopes, et al (2006) salientam que

Bradt (1995) estudioso da abordagem sistêmica, afirmou que existe uma relação entre

43

a existência do ritual do casamento e o planejamento da gravidez. O autor entende que

no momento em que a transição para o casamento é assumida socialmente e

demarcada por um ritual social de mudança de status, a emergência do planejamento

do filho torna-se esperada, uma vez que é a etapa seguinte do ciclo de vida da família.

Diante destas afirmativas, cabe citar Castro (2002) em contrapartida - referindo-

se a união consensual - onde destaca que outras estruturas sociais organizadas

recebem o nome de família, ainda que o início do agrupamento não se tenha dado pelo

vínculo matrimonial.

Cerveny (1997) por sua vez, afirma que casais jovens, para a constituição de

sua própria família, terão que se preocupar basicamente com a aquisição de bens

materiais, com a construção de suas carreiras profissionais, com a aquisição da

independência em relação as suas famílias de origem e com a construção de uma

relação dual na qual sejam definidos papéis e funções de cada um dos cônjuges e um

espaço inter-relacional que satisfaça a ambos.

Dentro da perspectiva da constituição da família e do casal, considera-se que o

amor é um pré-requisito essencial do casamento. Como propõe Munhoz (2001) o

principal motivo da aproximação entre homem e mulher é iniciar e manter um

relacionamento amoroso. Os ideais do amor romântico se fazem presentes nas falas

dos seguintes sujeitos:

1F- (...) querer viver com ele o resto da vida, poder dividir alegrias, tristezas, as

conquistas né... muita gente só casa por segurança, porque acha que tá na hora de

casar. Eu acreditava e tenho certeza que tá certo, que minha vida ia melhorar com ele,

que eu sabia que podia contar e confiar”.

44

1M- “(...) porque eu acredito que ela é a mulher com quem eu quero passar o resto da

minha vida”.

4M- “a gente se amava e queria ficar juntos, e para isso tinha que casar “.

2M- “ (...) as pessoas devem ficar juntas, ver se gostam das mesmas coisas, depois

podem pensar em casar”.

Constituir o conceito de casal também nos remete à constituição do conceito dos

papéis conjugais. Sabe-se que na família contemporânea, tenha o casal ou não filhos,

cada vez mais confundem-se os papéis do homem e da mulher na vida conjugal. Osório

(2002) em seus estudos, pontua que homem e mulher ritualizam a vida em comum

através de contratos cíveis, religiosos ou de um acordo entre as partes, em torno de

prazeres e obrigações compartidas, direitos, deveres, desejos e necessidades; porém

estas não se vinculam à identidade sexual e sim à condição humana e suas

circunstâncias.

Observa-se, porém, através dos relatos dos entrevistados 2M e 4F, que ainda é

muito freqüente a identidade da mulher ser determinada por suas funções familiares

como mãe e esposa, revelando uma certa posição de submissão na interação conjugal,

como apontam as seguintes falas: 4F- “A gente já cresce, se casa e é a educação dada

que tem que ser boa esposa, boa mãe” e 2M- “antes de casar tinha que conhecer a

família da futura esposa, ver se é uma pessoa boa, batalhadora, caprichosa, que fosse

uma boa mãe também” .

Carter; McGoldrick (1995) ressaltam que embora as fases de ciclo de vida das

mulheres já estiveram ligadas quase que exclusivamente aos estágios de criação dos

filhos, este protótipo não se ajusta mais, visto que elas passam a precisar de uma

identidade pessoal e transferir os objetivos pessoais para além do campo familiar.

45

As autoras propõem que este antigo ideal é considerado em partes, mitológico,

relacionando-se em partes com padrões existentes e, em parte, com padrões ideais do

passado, com as quais a maioria das famílias se compara.

Cerveny (1997) em seus estudos, também aponta que em relação aos aspectos

estruturais que refletem mudanças, destacam-se dados referentes ao alto nível de

escolarização da mulher e a sua participação no mercado de trabalho; o fato da mulher

estar complementando o orçamento familiar e as mudanças adaptativas masculinas

acompanhando as transformações da mulher.

Salienta-se neste momento, que a repetição de valores familiares pode então, ter

influenciado a concepção dos casais, refletindo muitas vezes a necessidade de

perpetuar a identidade familiar, visto que os casais citados fazem referência ao modo

como foram orientados pelos pais em relação ao casamento. Questões sobre a

influência da família original na manutenção da opção pelo casamento tradicional

poderão ser observadas mais detalhadamente a seguir, conforme indica a próxima

subcategoria.

4.1.3 Influência da família de origem

Segundo Carter; McGoldrick (1995) os ritos de passagem são normalmente

associados a momentos emocionalmente críticos da vida, mas a maioria dos estudos

sobre essas cerimônias tendia a ignorar o papel crucial da família em tais eventos. O

foco primário era colocado na cultura que proporciona os ritos, ou nos indivíduos que

estão sendo passados para um novo estágio em seu ciclo de vida. O papel da família

em tais ocasiões tendia a ser visto como secundário, ocupando uma posição

46

intermediária entre os membros individuais a serem passados e a sociedade. Nessa

perspectiva, a família participa nos costumes proporcionados por uma cultura como

uma maneira de ajudar seus membros a assumirem sua posição cultural.

Através dos relatos dos sujeitos 3F, 1F e 1M, foi possível perceber a família não

aparecendo como intermediária, mas sim como uma força primária operando nesses

momentos, sendo as famílias, acima da cultura que determinaram os ritos a serem

cumpridos. Considera-se neste momento, de acordo com Carter e McGoldrick (1995)

que as famílias são seletivas, de acordo com suas próprias características, em relação

ao repertório cerimonial de sua cultura. Sendo assim, isto pode ser evidenciado através

das seguintes falas dos sujeitos:

3F- “(...)meus pais, ah, acham o casamento super importante, formar uma família né...

tanto que eles sempre falavam pra mim e pro 3M., tipo, quando vocês vão casar? Não

como uma pressão, assim, mas parece que ficavam esperando a gente dizer que ia

casar de verdade. Minha mãe parece que se incomodava um pouco de a gente já estar

namorando há um tempão e não ter casado ainda”

1M- “Minha família é de bastante irmãos e lá todo mundo acha que casamento é o

matrimonial. Meus pais pensam que tem que casar. Tem que legalizar a relação. Pode

até morar junto se não tem condição, mais é importante que seja legalizada. Meus

primeiros irmãos casaram, minha irmã foi morar junto mais minha mãe não ficou tão

feliz. Não infeliz, mas como se faltasse alguma coisa”.

1F- “Meus pais sempre acharam interessante namorar bastante tempo, pode até morar

junto se quiser, mas o casamento é pra ser pensado”. Neste relato, foi possível

observar a presença da única fala em que se percebe que os pais poderiam concordar

com a convivência da filha em união consensual, porém quando refere-se a “pensar

47

sobre o casamento”, sugere que a compreensão de viver junto não significa, para eles,

estar casado.

No relato de 3F, também pode-se notar a importância do consentimento entre as

famílias originais e cônjuge, sugerindo que toda a família de alguma maneira deve

aceitar o novo membro da família, como observa-se através do relato:

3F- “(...) daí a gente conversou com as famílias, a dele e a minha, eles também

apoiavam e tal, daí a gente casou”. Neste sentido, Gomes; Paiva (2003) salientam que

a união também envolverá a renegociação dos relacionamentos com os parentes,

amigos e colegas nesta etapa de transição. E ainda, a família de ambos os parceiros

deverá estar aberta para aceitar uma nova pessoa em sua convivência.

Os sujeitos 3M, 4F e 2F ressaltam a influência da família na decisão pelo

casamento associada aos costumes e exigências da sociedade; um padrão que foi

repassado através das gerações, como pode-se verificar a seguir:

3M- “Meus pais assim, acho que também na geração deles não tinha opção, já criam os

filhos pra casar, esperando os netos, então ficaram felizes quando eu casei, já estavam

esperando e tal, quando a F. começou a freqüentar minha casa, gostaram dela e tudo...

O casamento é sem dúvida importante pra eles, e nesse modelo assim né, certinho”.

4F- “(...)também pensam, (os pais) eu acho que, desejam que o casamento dure para

sempre, na época deles não tinha isso de separação”.

2F- “Eu acho que vai da cabeça de cada um, mas a família também influencia, a

criação. Pra mim hoje em dia não faz diferença, mas na época que eu casei era

diferente, tinha que casar”.

Nos relatos dos sujeitos 2M- “Porque já vem assim de geração em geração, já foi

assim com os nossos pais, avós (...)” e 4F- “(...) mas assim, eu espero que meus filhos

48

casem na igreja como eu e o 4M.”, pode-se observar claramente a presença do

conceito sistêmico da transgeracionalidade, que foi definido por Boszormenyi-Nagy &

Spark (1973) apud Munhoz (2001) como comportamentos em respostas às expectativas

dos pais, que refletem as dívidas contraídas com as gerações passadas, as “lealdades

invisíveis”, que são verdadeiros mandatos mobilizadores de crenças, valores e

condutas dos filhos.

4.1.4 Convicção Religiosa

Atualmente, são muitas as questões e críticas referentes aos princípios religiosos

relacionados à instituição casamento, com o surgimento de novas configurações de

união e relacionamentos, como é o caso da união consensual.

Percebe-se que as crenças religiosas dos casais 4 e 2, e das famílias dos

respectivos sujeitos, influenciaram na escolha pelo tipo da união, o casamento religioso

é um marco que simboliza a aprovação de Deus diante da união. Sendo assim, sugere-

se que estes casais consideram que viver em união consensual é viver sem as bênçãos

de Deus, representado pelas falas a seguir:

4F- “(...) e também para casar perante Deus né. Também se exige isso e eu também

acho que assim é correto”; ”(...) e também você recebe a benção de Deus”.

2F- “(...) é também preciso receber a benção de Deus, a família é bem religiosa, sabe

como é...“, “É o ideal, o marido, também é bom que seja da mesma religião, porque a

família é religiosa né”.

49

4M- “(...) a religião da gente, sou católico, a 4F também, as bênçãos do casal (...)”

“Acho que agora não tem muita diferença, pra quem não é religioso também, quando se

gosta vai e moram juntos”.

O cristianismo ressaltou o papel do casamento religioso na formação da família,

“(...) homem e mulher selam a sua união sob a benção dos céus transformando-se em

uma só entidade física e espiritual de maneira indissolúvel” (CASTRO, 2002, p. 90).

4.2 RITUAIS E SUAS REPRESENTAÇÕES

Alguns aspectos específicos das relações entre as pessoas promovem rituais, e

podem se apresentar como uma série de atos e comportamentos estritamente

codificados na família, que se repetem ao longo do tempo e dos quais participam todos

ou uma parte de seus membros. A família tem, sobretudo, a tarefa de transmitir a cada

participante valores, atitudes e modalidades de comportamentos relativos a situações

específicas ou vivências emocionais a eles ligados (KROM, 2000). Estes rituais,

também podem ser codificados dentro do contexto social.

Em nosso estudo, nota-se a presença de falas repetitivas sobre a importância do

ritual da cerimônia do casamento religioso e do ato da assinatura dos papéis, sendo

que os sujeitos expressam que a cerimônia lhes dá a sensação de consolidação da

união, representando segurança e legitimidade, como pode-se observar através das

falas:

3M- “O ritual dá a sensação de que ta acontecendo de verdade, que é pra valer. Acho

que torna mais forte que, como posso dizer... confirma né?”

2F- “Os rituais dão mais segurança”

50

1F- “O papel parece que dá essa sensação de legítimo, de estável (...)” ; “(...) é um

sentimento interessante, é um reconhecimento da união. É o sentimento de ter a união

reconhecida pelo estado. Ter a certidão de casamento, se precisar dos papéis, eles

existem. Acho que isso une a família. Os filhos vêm de uma família, que os pais são

casados, dá um sentimento de coesão”.

4F- “(...) o ritual né. Depois que assina, ta assinado e é oficial”.

1M- “É... deixa eu ver, porque é bonito! É uma formalidade que dá uma sensação de

que ta tudo dentro da lei. Não é a festa que vai trazer isso, é... são os rituais né!

Cumprir todos os ritos, como se não devesse nada (...)”. No discurso do sujeito 1M,

nota-se ainda que o casamento religioso está mais ligado ao seu desejo de ter a sua

nova condição de marido reconhecida pela sociedade do que às suas convicções

religiosas: 1M- (...) e além de ter o reconhecimento social... O religioso não é nem uma

questão de ter as bênçãos, o religioso não é pedir uma permissão, é mais um

reconhecimento da sociedade”.

Nos relatos do casal 3, pode-se observar um discurso mais romantizado,

representando a realização de sonhos, tendo no casamento na igreja um ritual de

beleza e festividade, além de cumprir o protocolo social. Destaca-se:

3F- “(...)Ah, o religioso eu sempre sonhei né, é muito lindo, é aquele dia especial que a

gente não esquece sabe? A gente planejou tudo, foi tão bom, desde a decoração da

igreja, os preparativos... Eu recomendo! (...)” “(...)eu já cresci, tipo, sempre tive o sonho

de casar na igreja. Hoje já tá até meio fora né... mas o casamento da minha irmã mais

velha já foi lindo, e depois então, aumentou mais minha vontade ainda”.

Dentro desta perspectiva, o sujeito 3M refere-se a tradições, como casar na

igreja, festa, vestido de noiva e outras coisas que estão incluídas na cultura:

51

3M- “Acho que essa coisa de família mesmo, tudo nos “conformes”, casa, filhos, a gente

só imagina depois do casamento com festa, a noiva de branco, essas coisas!”

Ainda no que se refere aos rituais e as suas representações, de acordo com a

maioria dos relatos pode-se verificar, portanto, que os casais consideram que estes

ritos representam a transição de uma etapa da vida para outra. Assim,

O ritual de casamento claramente demarca o início de um novo núcleo familiar, a passagem para a adultez e a potencial transição para a parentalidade, ou seja, de modo geral, em nossa sociedade, a passagem da primeira etapa (jovens solteiros) para a segunda (o novo casal) tende a ser demarcada por um ritual de casamento, comumente um casamento civil e/ou religioso (LOPES, et al 2006)

Sendo assim, na união consensual acreditam que esta passagem não se

consolida; como complementam as falas a seguir:

3M- “Acho que pra casar na igreja e no civil tem que ter mais preparação, é uma coisa

mais planejada. A união consensual as vezes parece que nem tanto, não assina nada,

sei lá, parece que fica “meio no ar” .

4F- “Ah, eu acho que esse ritual representa muita coisa na vida do casal, então fica

faltando isso”.

1F- “É engraçado como você vê que o papel faz diferença. Quando não tem esse

contrato dá margem para o outro pensar que é mais no boca-a-boca, fica fácil de pegar

as coisas e ir embora. Numa briga, o contrato parece que faz lembrar que não é bem

assim, que você assumiu um compromisso”. “(...) Acho também que uma coisa que faz

diferença, eu conheço algumas pessoas que são casadas na união consensual, a

pessoa não sabe o que responder, eu acho que óbvio que é marido, mas não sabe se é

namorado, marido”. Neste relato, fica clara a presença da necessidade do ritual do

52

casamento convencional, funcionando como um rito de passagem do ciclo familiar, para

delimitar os papéis familiares na nova família que se constrói.

Percebe-se que os sujeitos de uma forma geral tendem a ver a cerimônia como o

rito de passagem propriamente dito. Lopes, et al (2006) ainda fazem referência a

estudos que investigam a cerimônia de casamento como um rito de passagem, e as

mudanças percebidas pelos indivíduos depois da mesma. Pode-se avaliar que uma das

funções do ritual de casamento seria ajudar o indivíduo a se ajustar a nova vida de

casado, sendo que os comportamentos esperados de uma pessoa casada, em nossa

sociedade, são muito diferentes dos de uma pessoa solteira.

Carter; McGoldrick (1995) em seus estudos sobre o ciclo de vida familiar,

afirmam que as cerimônias celebram. Porém, de um ponto de vista de sistemas

emocionais, elas não são eficazes em si mesmas; pelo contrário, seu efeito é

determinado por aquilo que já vinha se desenvolvendo dentro do sistema emocional da

família. Entretanto, as cerimônias realmente focam os eventos, (o simbolismo), no

sentido de que põem os membros da família num contato consciente uns com os

outros, levando os processos a um ponto culminante. Estes momentos facilitam o

envolvimento significativo das pessoas e refletem o fato de que os processos na família

têm sofrido mudança e estão num estado de fluxo. São, portanto, períodos oportunos

para induzir a mudança no sistema familiar.

As uniões consensuais não priorizam o evento da celebração da união em si,

como um ritual, então, isto fica muito demarcado nas falas dos sujeitos, como um

motivo para que se opte pelo casamento tradicional, em detrimento a união consensual.

Prado (1996), porém afirma que independentemente dos contratos legais e religiosos, o

53

casal pode criar rituais próprios para sua união, encontrando um novo espaço na

relação de vida a dois e na interação com as respectivas famílias de origem.

4.3 ASPECTOS POSITIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL

Todos os casais entrevistados acreditam que se casar da maneira tradicional traz

vantagens para o casal. A seguir, serão relacionados os aspectos considerados

benéficos pelos casais, em relação a este tipo de união.

4.3.1 Segurança e Estabilidade

Como já apresentado anteriormente, observa-se que os sujeitos consideram que

o ritual do casamento civil e religioso traz consigo diversas representações, entre elas

está a sensação de maior segurança e estabilidade na relação, avaliado positivamente,

como pode ser observado pelos seguintes depoimentos:

2F- “A vantagem é a da segurança né?”

3F- “Ah! Acho que sim, acho que dá segurança né? Estabilidade. O casal, um se sente

mais responsável pelo outro”. Aqui observa-se a questão do comprometimento do

casal, as funções maritais, que pode estar relacionado ao desenvolvimento de um apoio

mútuo, “(...) visando a satisfação, produtividade e a procura de um significado para suas

vidas (...)” (WENDLING, 2007, p. 92). Ainda:

3M- “A 3F sempre quis casar né... Daí nós estávamos namorando, queria, chega uma

hora que quer ficar juntos, ter casa, filhos, ganhar estabilidade, sossegar mesmo”.

54

Neste relato aparece a questão da estabilidade para então ocorrer o crescimento

da família. A existência de um ritual simbolizando a escolha do companheiro pode

fortalecer os laços emocionais do casal, e esse fortalecimento facilita a construção de

planos comuns, incluindo a formação de uma nova família (LOPES, et al 2006).

Segundo os estudos de Cerveny (1997) o conceito de ciclo vital traz em si a idéia

de dinamicidade, onde o conhecimento, o desenvolvimento e as mudanças estão

presentes. Nas diversas etapas do ciclo vital, as pessoas envolvidas devem ter

equilíbrio entre a flexibilidade e a estabilidade, para lidar com essas mudanças. A

autora aponta ainda, que tanto do ponto de vista individual quanto familiar, é exigida

das pessoas envolvidas uma acomodação de forma que consigam manter-se

equilibradas e alcancem o desenvolvimento e crescimento.

Em relação a este aspecto, Carter; McGoldrick (1995) trazem ainda, que a

cerimônia do casamento, é vista como a solução de problemas como a solidão ou

dificuldades com a família ampliada. O evento é visto, desta forma, como o

encerramento de um processo e as famílias muitas vezes dizem “finalmente se

acomodaram”; porém pelo contrário, o casamento ocorre em meio a um complexo

processo de mudança no status familiar.

4.3.2 Reconhecimento da sociedade

Novamente, considera-se necessário traçar um paralelo entre as questões

sociais e as escolhas conjugais. Os entrevistados apontam como positivo estar dentro

dos padrões convencionais diante da sociedade, como indicam as falas:

55

2M- “Tem vantagens. Aos olhos da sociedade fica tudo certinho, no modelo”.

1F- “Tem uma vantagem que eu acho que é das normas sociais, de você se sentir

dentro, se sentir adequado a um padrão... vocês são casados? Sim! Somos casados!”.

1M- “com certeza! Uma que você tá casado, realmente ta casado, tem as questões

burocráticas, não é assim amanha não quero mais morar junto e pronto, eu to

apresentando minha esposa, não sou só eu que to dizendo isso, tem alguém que

confirma, que reconhece isso”. Neste relato, o sujeito parece fazer uma comparação

com a união consensual quando se refere a “morar junto”, aparecendo novamente a

questão da estabilidade, como se para ele, a união consensual não garantisse este

aspecto.

Nemi (2007) afirma que o contexto cultural atual, em que a liberdade para

separar está cada vez mais presente pode atemorizar a família, apesar de igualmente

servir para deixá-la alerta.

O casal 4 também destaca como vantagem a realização do casamento na igreja.

4M- “Vantagem de ser oficializada na sociedade, de seguir a tradição na família né, os

pais aprovam, diante de Deus também (...)

4F- “Acho que o ritual né. Depois que assina, ta assinado e é oficial. E também você

recebe a benção de Deus”.

Neste sentido, de acordo com Lopes, et al (2006) o ritual de casamento religioso

também inclui a participação e a assinatura de testemunhas que vinculam o casal e

tornam-se co-responsáveis pelo cumprimento das finalidades do casamento

consideradas em cada religião.

56

4.4 ASPECTOS NEGATIVOS DO CASAMENTO TRADICIONAL

4.4.1 Burocracia acima do amor

Castro (2002) afirma que o casamento oficial deve ser processado frente à

autoridade (juiz de paz ou ministro do culto religioso), o que envolve vários

procedimentos burocráticos. A união consensual por sua vez, requer um

reconhecimento pelos demais membros da sociedade ou vir a ser demonstrado por

instrumento escrito.

Segundo demonstram as entrevistas, todos os casais em algum momento

percebem vantagens em se casar oficialmente, porém apontaram que este tipo de

união também pode ter aspectos negativos, como é o caso das questões burocráticas.

Ao mesmo tempo em que os casais de uma maneira geral apontam que o contrato

matrimonial traz vantagens para a relação e que sentem a necessidade de passar por

este ritual, também parecem refletir sobre a possível existência de um lado negativo

neste processo; estando a burocracia do casamento civil, no caso de existir o desejo

por uma separação, acima do amor do casal, sentimento sobre o qual deveria estar

pautada a relação. Os casais parecem acreditar que o contrato pode manter o casal

unido mesmo sem amor ou também, visto que os casais acreditam que o contrato traz

estabilidade, ser um motivo para se sentir seguro e não cuidar da relação. Isto fica

evidente principalmente através dos seguintes relatos:

1M- “A desvantagem é esquecer os reais propósitos do casamento. Como se fosse só

um contrato e esquecer do amor do casal. Muitas vezes as pessoas pautadas nessa

57

suposta segurança acabam não cuidando da relação. Não é o papel que mantêm o

casamento. Também tem os guardiões do contrato de casamento, dos mandamentos

do casamento. A relação não pode perder o real sentido de ser. Ás vezes as pessoas

podem, dá medo, de cair na armadilha de que já que tu já mostrou publicamente e não

precisa cuidar, porque já provou, foi lá casou, entrou na igreja e não pode. O marido

tem que agradar, tem que cultivar, o casal né. Isso para mim tem funcionado!”

2M- “A desvantagem é que as pessoas podem se sentir amarradas e não fiquem juntas

só porque se gostam, fiquem pela burocracia de separar”.

1F- “Acho que uma desvantagem pode ser essa, que as vezes o casal pode achar que

se tem um contrato com a sociedade, as pessoas podem perder a essência do que é o

casamento, que a pessoa tá presa, esquecerem porque casaram (...)”

2F- “A desvantagem é que assim, se não dá certo, não vai e separa, rapidinho”.

4M- “Num processo de separação é mais complicado, eu acho assim”.

3F- “(...) só pra quem quer separar, que depois que casa é maior a burocracia pra

“descasar”, separar né. Mas se for pensar assim também né? Tem que gostar bastante

pra casar, pra vida toda”.

Tendo em vista a opinião dos entrevistados, Cerveny (1997) afirma que os

casamentos que simbolicamente acontecem nos ritos cerimoniais, em sua essência só

vão ocorrer no decorrer do processo no qual cada cônjuge possa verdadeiramente se

vincular ao outro.

Os participantes da pesquisa falam sobre o fato de não perder a essência do

casamento; sobre cultivar a relação e diante destes aspectos apresentados pode-se

refletir sobre o entendimento de Calligaris (2001) apud Gomes; Paiva (2003) que afirma

que a chave da felicidade pode estar no esforço dos parceiros para reinventar o

58

casamento a cada dia, e que a maturidade do casal parece ser a condição essencial

para que este possa promover desenvolvimento e crescimento para os envolvidos.

Além do fator da burocracia, os casais também assinalam como negativo os

gastos que implica um casamento civil e religioso, como será demonstrado pela

próxima subcategoria.

4.4.2 Questão financeira

Os relatos dos entrevistados citados a seguir, apontam que os gastos

provenientes da cerimônia do casamento do casal pode ser um aspecto negativo neste

tipo de união, sendo que a união consensual aparece como financeiramente mais viável

para o casal:

3M- “Desvantagem... é o que gasta na festa né?(...)” “(...) mas eu acho que cada vez

mais as pessoas vão entrar em união consensual e não casar mais legalmente, assim,

no civil e religioso, por causa justamente das facilidades que a união consensual dá a

impressão de ter né”.

4F- “(...) Mas apesar de que se não tem condições de fazer o casamento e o casal se

ama daí sim né...”.

Analisando-se as falas anteriores dos sujeitos de uma forma geral, pode ser

possível perceber que estes aspectos apesar de citados, não representam de forma

significativa, um conjunto de aspectos que levariam os casais a optar por outro tipo de

união, senão a tradicional. Isto também pode ser evidenciado na avaliação que os

casais fazem da união consensual, conforme indica a próxima categoria.

59

5 AVALIAÇÃO DA UNIÃO CONSENSUAL

Na literatura apresentada por Castro (2002) nos estudos jurídicos, afirma-se que

o conceito de família se ampliou, remetendo a um conceito mais real impulsionado pela

própria realidade, que não está pautada apenas em uniões oficiais e com durabilidade

eterna, mas sim em famílias casadas, não casadas e recasadas.

Nas entrevistas com casais unidos pelo matrimônio tradicional, notou-se que esta

realidade caminha rumo à aceitação, mas ainda a tradição tem um peso muito forte. De

uma forma geral, os casais quando questionados de maneira direta sobre o que

pensam a respeito dos diferentes modelos de união, avaliam a união consensual como

uma forma “interessante” de viver a conjugalidade, porém de forma implícita ou explícita

em algum momento acabam encontrando desvantagens e de certa forma parecem ver

a união como “uma coisa que pode ser boa para os outros, mas não para eles”,

amparando seus discursos novamente nas expectativas da sociedade, da família de

origem, na sensação de segurança, etc. apontando diferenças entre os tipos de união,

como pode ser observado a seguir:

1M- “Eu? Eu acho que quem acha interessante morar junto só, a pessoa tem o direito,

mas não é o tipo de coisa que eu quero para mim. É uma forma de viver mas a pessoa

tem que arcar com as conseqüências das desvantagens”.

1F- “Ah! Eu acho que a união consensual é vantajosa no aspecto que, sinceramente, eu

acho que o casal pode viver a vida toda assim, se eles não tem essa motivação de

querer a relação legalmente reconhecida pela sociedade”

60

No casal 2, pode-se notar tanto uma maior desaprovação pela união consensual,

como uma opinião influenciada pelas expectativas da época em que a sociedade e a

família se encontram:

2M- “Acho que é ruim. A sociedade não aprova tão bem quanto os casamentos, como

se diz... mais tradicionais né. É ruim, eu acho melhor casar”.

2F- “Eu acho que vai da cabeça de cada um, mas a família também influencia, a

criação. Pra mim hoje em dia, não faz diferença mas na época que eu casei era

diferente, tinha que casar”

O casal 3, avalia de forma mais positiva, ressaltando a importância de se ater

aos sentimentos do casal e as demandas da sociedade atual, porém citando

novamente a questão da estabilidade:

3F- “Bem, eu, não que eu ache errado, eu acho super normal, o que importa é o amor,

o que sente pelo outro, no casal né, mas como eu sempre quis casar, sei lá, eu não me

imagino só tendo ido morar com o 3M., sem o casamento. Sei lá se é assim, mas dá a

impressão de que ainda ta namorando!”

3M- “Se o casal se ama né, tanto faz! Acho tranqüilo, e ta na moda né? (risos)... os

mais jovens que gostam não é, morar com a namorada e tal”.

O relato do casal 4 remete às questões financeiras e burocráticas, o sujeito 4M

parece demonstrar mais neutralidade em sua resposta e 4F apesar de encontrar ver

aspectos positivos, evidencia sua preferência por manter a tradição e não haver uniões

consensuais na família:

4M- “Penso que hoje em dia a sociedade aprova esse tipo de união, então muita gente

prefere assim porque é o mais simples né, só ir morar junto com o companheiro”.

61

4F- “(...) se não tem condições de fazer o casamento e o casal se ama daí sim né...

Mas assim, eu espero que meus filhos casem na igreja como eu e o 4M”.

Salienta-se que apesar de os participantes terem sido entrevistados

separadamente, foi possível notar que as respostas dentro dos casais foram parecidas

e puderam ser agrupadas, demonstrando o entrosamento em cada casal.

O novo Código Civil (2003) apresenta leis mais flexíveis quando o assunto é

família. Quanto a união estável podem ser destacados os seguintes artigos do novo

diploma:

Art. 1723 – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e

mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o

objetivo de constituição de família.

Art. 1724 – As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos

deveres da lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e educação dos

filhos.

Art. 1725 – Na união estável, salvo contrato escrito entre companheiros, aplica-

se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Com base nestes três artigos do Código Civil, pode-se perceber a semelhança

entre a união consensual, ou estável e a união matrimonial.

Em muitos momentos, há a impressão de que os sujeitos preferem “não

recriminar” a opção pela união consensual, porém como já mencionado, parece haver

maior desaprovação e a idéia de que os sujeitos não acreditam na legalidade

semelhante entre as diferentes formas de união, como fica evidente nas modificações

realizadas na atualização do Código Civil (2003); e uma hipótese a respeito deste

menor consentimento seria a grande influência de normas socialmente construídas.

62

Wagner (2002) afirma que a família existe e perdura através de transformações

profundas, e não podem ser encontrados sinais que indiquem sua extinção num futuro

próximo. Homens e mulheres unem-se em casamento, que fundamenta a família, e

desta relação pessoal nascem os filhos. Assim, até hoje, a família apresenta grande

capacidade de adaptação, podendo subsistir sob múltiplas formas.

63

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada família, cada grupo social, se organiza ao redor de valores específicos, que

formarão, por sua vez, um conjunto de sentimentos que nortearão suas atitudes e

expectativas diante das experiências no decorrer do seu processo evolutivo. Sabe-se

que desde os primórdios da civilização, os pares se unem em casamento, com o

objetivo principal de formar uma família. O que se pode vislumbrar atualmente, são as

constantes e complexas mudanças na estrutura e organização desta instituição.

Com a realização desta pesquisa, foi encontrada uma diversidade de dados,

visto que a percepção dos casais sobre a união consensual foi construída a partir dos

relatos sobre os motivos da opção pelo casamento tradicional, podendo ser observada

toda a expectativa que os casais têm frente ao casamento e as suas escolhas

conjugais.

A partir dos relatos dos casais, pode-se observar que estes percebem muitas

diferenças entre o casamento tradicional e a união consensual, demonstrando uma

clara preferência pelo modelo convencional de união, apoiados em alguns fatores que

norteiam essa construção do pensamento. Quando um casal se une, as duas pessoas

envolvidas carregam consigo bagagens individuais, tanto da sociedade como da sua

família de origem, que serão organizadores do novo núcleo familiar. Isto ficou claro na

avaliação sobre as vantagens e desvantagens que os casais percebem em relação ao

casamento tradicional. Não foram observadas significativas diferenças no que se refere

às questões de gênero.

64

É notável a forte presença das influências sociais nos relatos dos casais. Através

das contribuições teóricas, é possível salientar que a instituição matrimonial passa

atualmente por diversas transformações, e a partir da Constituição de 1988, os casais

que mantém união consensual passaram a ter os mesmos direitos legais que os casais

unidos através do casamento civil, desde que seja configurada a convivência pública da

relação. Porém, fica nítido que apesar do discurso social cada vez mais moderno

quando o assunto é família, e que por mais mudanças que hajam nos casamentos

atuais e nas formas de convivência, os discursos de todos os casais entrevistados

estão baseados em concepções culturalmente já construídas pela sociedade e por

outras gerações; e que a forma tradicional de casamento ainda é a mais aceita como

pré-requisito para a formação de uma nova família. Fica explícito, quando se referem ao

casamento civil e religioso utilizando expressões como se “casar de verdade”, como se

a união consensual não fosse um casamento real. Isto aponta para a importância dos

rituais, pois esta não carrega consigo o simbolismo culturalmente apreendido,

representado por se casar na igreja, apresentar-se diante da sociedade e cumprir as

exigências civis. Estas cerimônias parecem envolver a realização dos sonhos, com a

festa, a noiva vestida de branco, a recepção; relacionados com a sensação de

estabilidade e segurança.

Isto também pode ser observado quando os casais afirmam que na ausência da

cerimônia de casamento, não saberiam que papéis assumir dentro da família. Alguns

entrevistados afirmam que não se sentiriam “tão casados”, ou iriam se considerar

sempre namorados, havendo uma confusão nos conceitos dos papéis conjugais, nos

remetendo a concluir que o momento da assinatura dos papéis e a celebração religiosa

confirmam e dão a sensação de legitimidade da união, fazendo-os passar da condição

65

de namorados para a condição de marido e esposa. A união consensual é

caracterizada pela convivência mútua e, portanto, os casais parecem acreditar que

somente esta condição não é suficiente para que se faça a passagem transicional para

uma outra etapa do ciclo vital.

No decorrer da análise da pesquisa, pode-se perceber que atualmente, o

casamento ainda carrega influências da época do seu surgimento, visto que nasceu

vinculado aos princípios morais delimitados pela Igreja, e isto se reflete no discurso de

alguns sujeitos que consideram o casamento religioso de fundamental importância

quando se faz a opção pelo tipo de união. Viver em união consensual também

representa viver sem as bênçãos de Deus, como se o casal “vivesse em pecado”. Isto

também se relaciona com um dos fatores mais notáveis na influência por estas

escolhas, que merece atenção especial: a participação da família original.

Outro aspecto importante é a influência exercida pela família de origem, pois

foram apontados pelos sujeitos vários depoimentos em torno da satisfação dos pais

com o casamento tradicional e a possível insatisfação destes, caso se optasse por

eliminar os rituais. Os próprios casais verbalizam situações que confirmam costumes

aprendidos em suas famílias de origem, que representam tradições a serem

perpetuadas e que obedecem a um padrão de interação e repetição. Assim, fica claro

que o novo casal e a família de origem entram em acordo acerca de seu modelo de

relacionamento. Na literatura apresentada por Wagner (2002) foram encontrados

aspectos interessantes de como esse acordo pode se dar, muitas vezes, de forma

inconsciente; e estas influências são tão poderosas, que podem influenciar não apenas

o modelo de casamento escolhido, mas as próprias escolhas dos parceiros, por meio de

uma atração seletiva, ou ainda os padrões de comportamentos que contribuirão para o

66

sucesso ou fracasso da relação. Estas dimensões, porém, não foram adentradas, visto

que não faziam parte dos objetivos propostos a serem cumpridos por esta pesquisa,

mas que sem dúvida podem ser exploradas em uma pesquisa posterior, ressaltando a

influência da família de origem no momento da escolha do parceiro.

Esta participação da família original na preferência pelo modelo tradicional de

casamento pode ser observada no relato de todos os participantes, e um dado

relevante se refere à repetição, como citado anteriormente, visto que através da ficha

de identificação pode-se perceber que todos os entrevistados vêm de famílias onde os

pais atualmente ainda são casados, ou há a presença do falecimento de um dos

cônjuges (pai de 2F, pai e mãe de 2M, mãe de 4M e pai e mãe de 4F), e o outro,

respectivamente, não se casou novamente. Isto nos faz recordar do mito do amor único

e da frase proclamada nos rituais religiosos “Até que a morte os separe”.

Os dados de identificação também revelam alguns aspectos que devem ser

levados em consideração quando se fala sobre o casamento e as demandas modernas.

Dos quatro casais entrevistados, dois têm em média 30 anos de casamento, e outros

dois são casados há pouco mais de 10 anos. Isto reflete a mudança de uma geração

para outra; e enquanto os casais casados há mais tempo em alguns momentos

salientaram que o casamento civil e religioso era o único modelo aceito pela sociedade

e pela família, os casais mais jovens, apesar de saberem que as mudanças já estavam

se cristalizando na sociedade, reafirmam que o modo convencional também é para eles

“a forma certa” de se casar. Isto parece demonstrar mais uma vez que as pessoas que

nasceram e viveram em períodos diferentes podem ter sido afetadas por várias

mudanças e inovações, porém os modelos de casamento resistem e são aplicados até

hoje.

67

Considerando este aspecto e baseando-se na literatura pesquisada, muitas

vezes durante a realização da pesquisa, se observou a “preocupação” dos estudiosos

em investigar se a família ou diretamente o casamento, são instituições “falidas” diante

do moderno discurso da individualidade permeando as relações, onde marido e mulher

estão cada vez mais preocupados com suas satisfações e projetos pessoais. Esta

pesquisa parece revelar que os indivíduos sempre serão formados pelos conteúdos

aprendidos em suas famílias de origem e na sociedade em que se vive, porém o que

difere e parece induzir a mudança é o modo como as pessoas estão se colocando e as

oportunidades atuais de se definir enquanto sujeitos, sendo que a convivência entre as

pessoas conduz à descoberta e cada vez mais ao desenvolvimento da individualidade.

A abordagem sistêmica favorece o estudo destas questões, pois ela visualiza as

inter-relações, o que acontece entre pessoas vinculadas, no momento em que

assumem papéis e funções que irão influenciar diretamente suas escolhas.

A presente pesquisa teve como referência principal uma monografia realizada

anteriormente, intitulada “União Conjugal: análise dos motivos do casamento e da união

consensual”, realizada por Carolina Brandt Cruz, onde foram analisadas as opiniões,

expectativas e objetivos de casais unidos através da união consensual sobre as

relações conjugais, e os seus resultados apresentaram muitas similaridades com este

estudo, pois foi possível perceber que apesar das mudanças nas formas de união o

desejo de todos os casais está concentrado no fato de formar uma família e ter filhos.

Uma das dificuldades encontradas para a realização desta pesquisa se refere à

escassez da literatura científica quando se fala de união consensual, visto que grande

parte do que foi trabalhado diz respeito às famílias em seu sentido ampliado.

68

Desta forma, conclui-se que foram alcançados os objetivos propostos pela

pesquisa, a partir do momento que identificou-se a forte influência da família de origem

na escolha pelo modelo de casamento dos casais, aliada aos demais motivos que

levaram estes a optar pela manutenção da tradição do casamento civil e religioso, e a

presença de uma percepção cristalizada sobre as vantagens do casamento tradicional

em detrimento a união consensual.

69

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73

7 APÊNDICES

Apêndice A

Ficha de Identificação

Nome (iniciais):

Sexo:

Idade:

Tempo de casamento:

Número de filhos:

Atuação profissional:

Formação profissional:

Estado civil atual dos seus pais:

74

Apêndice B

Entrevista para o casal:

1. Por que vocês optaram por esse modelo de casamento?

2. Como foi orientado(a) por seus pais em relação ao casamento? O que os seus

pais pensam a respeito do casamento?

3. Pra você, qual é a importância do ritual do casamento civil e religioso?

4. O que você pensa a respeito das união consensual?

5. Você acredita que existe alguma vantagem na união através do matrimônio

comparada com a união consensual?

6. Você acredita que existe alguma desvantagem na união através do matrimônio

comparada com a união consensual?

75

Apêndice C

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Apresentação:

Gostaria de convidá-los a participar de uma pesquisa cujo objetivo é conhecer a

percepção de casais unidos pelo casamento civil e religioso a respeito da união

consensual.

Sua tarefa consistirá na participação de uma entrevista semi-estruturada que

conta com 06 perguntas e os relatos verbais serão gravados. A entrevista será

realizada com cada participante separadamente.

Quanto os aspectos éticos, gostaria de informar que:

a) Seus dados pessoais serão mantidos em sigilo, sendo garantido o seu

anonimato;

b) Os resultados desta pesquisa serão utilizados somente com finalidade

acadêmica podendo vir a ser publicado em revistas especializadas, porém,

como explicitado no item (A) serão mantidos em anonimato;

c) Não há respostas erradas ou certas, o que importa é a sua opinião;

d) A aceitação não implica que você estará obrigado a participar, podendo

interromper sua participação a qualquer momento, mesmo que já tenha

iniciado, bastanto, para tanto, comunicar aos pesquisadores;

e) Sua participação é voluntária, portanto você não terá direito a remuneração;

f) Esta pesquisa é de cunho acadêmico e não visa uma intervenção imediata;

76

g) Durante a participação, se houver alguma reclamação do ponto de vista ético,

você poderá contatar com a professora Márcia Aparecida Miranda de Oliveira,

responsável pela mesma, através da coordenação do curso de psicologia pelo

telefone: (047) 33417542. Caso aceite participar, por favor, preencha os dados

a seguir.

h) Será disponibilizado o relatório desta pesquisa a todos que participarem da

mesma.

i) Esta pesquisa mostra-se relevante pois visa contribuir para o crescimento do

saber científico de profissionais que trabalham com famílias.

IDENTIFICAÇÃO E CONSENTIMENTO

Eu,

______________________________________________________________________

___________________________________________________________ declaro estar

ciente dos propósitos da pesquisa, da maneira como será realizada e no que consiste

minha participação. Diante dessas informações aceito participar da pesquisa.

Data de nascimento: ____________________________________________________

Assinatura: ____________________________________________________________

Orientadora da pesquisa: Márcia Aparecida Miranda de Oliveira

E-mail para contato: [email protected]

Acadêmica: Karina Juliana Erdmann

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Telefone para contato: (047)99410105

E-mail: [email protected]