a trilha do paêbirú

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KUBITSCHEK PINHEIRO famoso bolachão Paê- birú - Caminho da Montanha do Sol, ál- bum duplo (lançado em 1975) de Zé Ramalho e Lula Côrtes (falecido sábado, em Ja- boatão dos Guararapes) virou filme com o título Nas Paredes da Pedra Encantada, dos cineas- tas Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos. A música, claro, é toda do Paêbirú. Os caras tentaram valorizar ao máximo o disco. “Al- gumas canções tocam inteiras”, avisa Leonardo Bomfim. O road movie viaja pelas lendas do mí- tico LP, só encontrado nos sites de raridades da internet o preço bem elevado, e será lançado no dia 30 de abril, no Festival In- Edit, em São Paulo. O filme foi rodado em tempo recorde: 20 dias. “Documentário, para a gente, é isso. Ficar muito tempo em cima de alguém aca- ba deixando a obra fria, a gente queria registrar o nosso contato com aquele mundo durante um mês. E pronto, não filmamos mais nada. O filme é o que a gente conseguiu olhar naqueles vinte dias”, diz o Leonardo Bon- fim. A história começa como uma aventura: os diretores Cris- tiano Bastos e Leonardo Bomfim arrumaram uma Kombi e leva- ram Lula Côrtes de volta a Ingá, recanto do agreste paraibano envolto no misticismo de uma pedra talhada com signos pré- milenares. Entre as lembranças de Lula e as histórias de figuras diversas da cena udigrudi nordestina, como Lailson, Alceu Valença e CORREIO DA PARAÍBA CORREIO DA PARAÍBA C CADERNO ADERNO 2 2 Paraíba Paraíba Quinta-feira, 31 de março de 2011 Quinta-feira, 31 de março de 2011 C1 C1 A trilha do A trilha do Paêbirú Paêbirú Como anda o filme sobre o disco mítico feito nos anos Como anda o filme sobre o disco mítico feito nos anos 1970 por Zé Ramalho e Lula Côrtes, que morreu sábado 1970 por Zé Ramalho e Lula Côrtes, que morreu sábado FOTOS: FLORA PIMENTEL As fimagens em Ingá: 16 minutos sem cortes das lembranças de Côrtes Kátia Mezel, o filme investiga, não só a riqueza musical de Paê- birú, mas também, o imaginário particular do interior da Paraí- ba e o momento psicodélico dos anos 1970 na ponte entre Recife e João Pessoa. Bomfim conta que a ideia de fazer o filme surgiu do par- ceiro Cristiano Bastos, que esta- va preparando uma reportagem sobre o Paêbirú para a revista Rolling Stone e viu que o tema rendia mais do que uma sim- ples reportagem. “Aí, me ligou e fomos filmar. Sem projeto, sem estar ancorado em leis de incen- tivo à cultura, nada. Tivemos a idéia e fizemos o filme. Tudo num espaço de três meses. Isso contribuiu muito para a vivaci- dade da obra”, argumenta. “No fim dá um orgulho de ter produ- zido algo assim, a gente vê que dá pra fazer cinema bem feito no Brasil com muito menos di- nheiro do que se gasta por aí. E é muito importante ressaltar o apoio que tivemos da produtora Paraiwa, aí de João Pessoa. Eles nos ajudaram muito nas cenas que filmamos na cidade e em Ingá”. O documentário está sendo finalizado. Depois de ser visto pelo público do Festival In-Edit, os diretores pretendem circu- lar com o filme pelas capitais, cineclubes, festivais de cinema, de música, etc. Há cenas em Re- cife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, João Pessoa, Ingá dos Bacamartes e muita coisa na estrada. Os caras estão sempre se deslocando. Um detalhe curioso é que Zé Ramalho não aparece no fil- me. Segundo Leonardo Bomfim, ele não quis participar. “O disco foi feito com muito carinho nos anos 1970 e não teve o lança- mento esperado, por causa da enchente em Recife que levou praticamente todos os LPs. Tan- to o Zé quanto o Lula, se sentem frustrados por causa disso. O disco não ‘aconteceu’ na época e eles esperavam muito. Lula tam- bém não gostava de falar do dis- co, assim como o Zé. Ambos têm uma trajetória longa depois e os dois preferiam falar do presen- te. A gente entendeu bem isso”, avisa. De acordo com o cineasta, Zé Ramalho é citado o tempo todo no filme. Da Paraíba, Hugo Leão que era integrante das pri- meiras bandas de Zé Ramalho, incluindo a The Gentlemans, que fez muito sucesso em bailes e festas dos anos 1970, foi um dos entrevistados. “É ótimo por- que ele conta como o rock en- trou na vida do Zé, fala de toda essa formação musical e poética dele. Também filmamos a cidade de Ingá, que é uma das protago- nistas decisivas do filme”, avisa. Aliás, como o filme é qua- se todo centrado em Lula Côr- tes, com sua morte, esta é uma homenagem que começou em vida. “Ele é o motor da obra, ele que segue viagem com a gente até Ingá. O Zé é muito conhe- cido e o Lula, a nível nacional, por opções artísticas dele mes- mo, acabou não tendo o mesmo reconhecimento. O filme é uma forma de olhar com carinho para essa figura sensacional, um dos grandes criadores da arte bra- sileira. Infelizmente ele morreu antes de ver o filme pronto, mas tenho certeza que ele vai gostar. A obra está totalmente dentro do espírito dele: anárquica, cria- tiva, explosiva, poética”, pontua Bomfim. Há várias histórias bem curiosas em Nas Paredes da Pedra Encantada. A mais in- crível é o encontro de Lula Côrtes e a então mulher dele Kátia Mesel, com o pintor sur- realista Salvador Dalí na Espa- nha. “Eles entraram na casa dele, bateram um papo. Isso tudo está no filme, até porque está dentro do imaginário do Paêbirú e da cena de rock que surgiu no Nordeste nos anos 1970”, diz Bomfim Durante toda a viagem, lembra Bomfim, Lula Côrtes conta muitas histórias, sem- pre bem humorado. “Foi ma- ravilhoso chegar até a pedra de Ingá, porque Lula contou tudo, falou do lugar que eles acampavam, das cobras de que eles fugiam, dos regatos, de como eles viam as inscri- ções da pedra. Essa é uma das cenas mais importantes do filme, tem 16 minutos, sem cortes. Ele vai falando tudo ali em cima da Pedra. É incrível, é fundamental”. O nome do filme vem de uma das canções mais interes- santes do Paêbirú, com uma mistura forte de rock e ritmos nordestinos. E tem tudo a ver com a sacada dos cineastas que vão até a pedra... e jogam em suas paredes. E soa bem, não? Esse é o primeiro longa- metragem dos cineastas. An- tes Bomfim tinha feito apenas um videoclipe. Já Cristiano Bastos tinha feito um curta- metragem na época da facul- dade. Um encontro com Salvador Dali O O Lula Côrtes, que morreu sábado, havia voltado a Ingá para lembrar como foi feito o disco que virou uma lenda

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Correio da Paraíba

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Page 1: A Trilha do Paêbirú

KUBITSCHEK PINHEIRO

famoso bolachão Paê-birú - Caminho da Montanha do Sol, ál-bum duplo (lançado

em 1975) de Zé Ramalho e Lula Côrtes (falecido sábado, em Ja-boatão dos Guararapes) virou filme com o título Nas Paredes da Pedra Encantada, dos cineas-tas Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos. A música, claro, é toda do Paêbirú. Os caras tentaram valorizar ao máximo o disco. “Al-gumas canções tocam inteiras”, avisa Leonardo Bomfim. O road movie viaja pelas lendas do mí-tico LP, só encontrado nos sites de raridades da internet o preço bem elevado, e será lançado no dia 30 de abril, no Festival In-Edit, em São Paulo.

O filme foi rodado em tempo recorde: 20 dias. “Documentário, para a gente, é isso. Ficar muito tempo em cima de alguém aca-ba deixando a obra fria, a gente queria registrar o nosso contato com aquele mundo durante um mês. E pronto, não filmamos mais nada. O filme é o que a gente conseguiu olhar naqueles vinte dias”, diz o Leonardo Bon-fim.

A história começa como uma aventura: os diretores Cris-tiano Bastos e Leonardo Bomfim arrumaram uma Kombi e leva-ram Lula Côrtes de volta a Ingá, recanto do agreste paraibano envolto no misticismo de uma pedra talhada com signos pré-milenares.

Entre as lembranças de Lula e as histórias de figuras diversas da cena udigrudi nordestina, como Lailson, Alceu Valença e

CORREIO DA PARAÍBACORREIO DA PARAÍBA

CCADERNO ADERNO 22Paraíba Paraíba Quinta-feira, 31 de março de 2011 Quinta-feira, 31 de março de 2011 C1C1

A trilha doA trilha do

PaêbirúPaêbirúComo anda o filme sobre o disco mítico feito nos anos Como anda o filme sobre o disco mítico feito nos anos

1970 por Zé Ramalho e Lula Côrtes, que morreu sábado1970 por Zé Ramalho e Lula Côrtes, que morreu sábado

FOTOS: FLORA PIMENTEL

As fimagens em Ingá: 16 minutos sem cortes das lembranças de Côrtes

Kátia Mezel, o filme investiga, não só a riqueza musical de Paê-birú, mas também, o imaginário particular do interior da Paraí-ba e o momento psicodélico dos anos 1970 na ponte entre Recife e João Pessoa.

Bomfim conta que a ideia de fazer o filme surgiu do par-ceiro Cristiano Bastos, que esta-va preparando uma reportagem sobre o Paêbirú para a revista Rolling Stone e viu que o tema rendia mais do que uma sim-ples reportagem. “Aí, me ligou e fomos filmar. Sem projeto, sem estar ancorado em leis de incen-tivo à cultura, nada. Tivemos a idéia e fizemos o filme. Tudo num espaço de três meses. Isso contribuiu muito para a vivaci-dade da obra”, argumenta. “No fim dá um orgulho de ter produ-zido algo assim, a gente vê que dá pra fazer cinema bem feito no Brasil com muito menos di-

nheiro do que se gasta por aí. E é muito importante ressaltar o apoio que tivemos da produtora Paraiwa, aí de João Pessoa. Eles nos ajudaram muito nas cenas que filmamos na cidade e em Ingá”.

O documentário está sendo finalizado. Depois de ser visto pelo público do Festival In-Edit, os diretores pretendem circu-lar com o filme pelas capitais, cineclubes, festivais de cinema, de música, etc. Há cenas em Re-cife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, João Pessoa, Ingá dos Bacamartes e muita coisa na estrada. Os caras estão sempre se deslocando.

Um detalhe curioso é que Zé Ramalho não aparece no fil-me. Segundo Leonardo Bomfim, ele não quis participar. “O disco foi feito com muito carinho nos anos 1970 e não teve o lança-mento esperado, por causa da

enchente em Recife que levou praticamente todos os LPs. Tan-to o Zé quanto o Lula, se sentem frustrados por causa disso. O disco não ‘aconteceu’ na época e eles esperavam muito. Lula tam-bém não gostava de falar do dis-co, assim como o Zé. Ambos têm uma trajetória longa depois e os dois preferiam falar do presen-te. A gente entendeu bem isso”, avisa.

De acordo com o cineasta, Zé Ramalho é citado o tempo todo no filme. Da Paraíba, Hugo Leão que era integrante das pri-meiras bandas de Zé Ramalho, incluindo a The Gentlemans, que fez muito sucesso em bailes e festas dos anos 1970, foi um dos entrevistados. “É ótimo por-que ele conta como o rock en-trou na vida do Zé, fala de toda essa formação musical e poética dele. Também filmamos a cidade de Ingá, que é uma das protago-nistas decisivas do filme”, avisa.

Aliás, como o filme é qua-se todo centrado em Lula Côr-tes, com sua morte, esta é uma homenagem que começou em vida. “Ele é o motor da obra, ele que segue viagem com a gente até Ingá. O Zé é muito conhe-cido e o Lula, a nível nacional, por opções artísticas dele mes-mo, acabou não tendo o mesmo reconhecimento. O filme é uma forma de olhar com carinho para essa figura sensacional, um dos grandes criadores da arte bra-sileira. Infelizmente ele morreu antes de ver o filme pronto, mas tenho certeza que ele vai gostar. A obra está totalmente dentro do espírito dele: anárquica, cria-tiva, explosiva, poética”, pontua Bomfim.

Há várias histórias bem curiosas em Nas Paredes da Pedra Encantada. A mais in-crível é o encontro de Lula Côrtes e a então mulher dele Kátia Mesel, com o pintor sur-realista Salvador Dalí na Espa-nha. “Eles entraram na casa dele, bateram um papo. Isso tudo está no filme, até porque está dentro do imaginário do Paêbirú e da cena de rock que surgiu no Nordeste nos anos 1970”, diz Bomfim

Durante toda a viagem, lembra Bomfim, Lula Côrtes conta muitas histórias, sem-pre bem humorado. “Foi ma-ravilhoso chegar até a pedra de Ingá, porque Lula contou tudo, falou do lugar que eles acampavam, das cobras de que eles fugiam, dos regatos, de como eles viam as inscri-ções da pedra. Essa é uma das cenas mais importantes do filme, tem 16 minutos, sem cortes. Ele vai falando tudo ali em cima da Pedra. É incrível, é fundamental”.

O nome do filme vem de uma das canções mais interes-santes do Paêbirú, com uma mistura forte de rock e ritmos nordestinos. E tem tudo a ver com a sacada dos cineastas que vão até a pedra... e jogam em suas paredes. E soa bem, não?

Esse é o primeiro longa-metragem dos cineastas. An-tes Bomfim tinha feito apenas um videoclipe. Já Cristiano Bastos tinha feito um curta-metragem na época da facul-dade.

Um encontro com Salvador DaliOO

Lula Côrtes, que morreu sábado,

havia voltado a Ingá para lembrar

como foi feito o disco que virou

uma lenda