a teoria da imprevisão e sua aplicação como atenuante do...

4
O pacta sunt servanda é a base do princípio da obrigatorie- dade dos contratos firmados entre duas ou mais partes. Dentro dos limites da lei, as contratantes possuem liberdade para contratar, segundo a autonomia da vontade. Uma vez celebrado, não pode haver modificações, a não ser por mútuo acordo entre as partes, sendo que o não cumprimento de cláusulas con- tidas implicaria na quebra do que foi pactuado ou indenização por perdas e danos. Literalmente, trata-se de uma ex- pressão em latim cujo significado em português é "pactos devem ser respeitados" ou "acordos devem ser mantidos". A questão, porém, não se faz abso- luta no ordenamento jurídico, sen- do analisada pelo direito brasileiro de formas diferentes nos últimos anos. O Código de Defesa do Consu- midor, por exemplo, veda cláusulas que onerem o consumidor ou se de- monstrem desproporcionais. "A conhecida premissa de que 'o contrato faz lei entre as partes', re- flete uma visão individualista do contrato, típica dos códigos do sé- culo XIX, nos quais a propriedade e a autonomia privada eram máximas quase absolutas. Com o passar dos anos e, no caso do Brasil, sobretu- do a partir da Constituição Federal de 1988, houve um crescente movi- mento de transformação dessa vi- são, que passa a ser permeada por outros interesses, para além das partes contratantes", afirma a juíza titular da 25ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo, Renata Mota Maciel Madeira Dezem. A magistrada também destaca, nes- se contexto, que o Código Civil de 2002 (Lei 10.406) apresenta regras expressas, reconhecendo a função social, a eticidade e a boa-fé objetiva na parte geral dos contratos. No caso de contratos entre empre- sários, Madeira Dezem explica que a revisão deve observar vetores es- pecíficos, que levam em conta as características das partes contratan- tes. Entretanto, ela alerta que regras constantes da parte geral dos con- tratos no Código Civil também se aplicam às relações entre empresá- rios, aí incluída a chamada teoria da imprevisão. Baseada nos princípios da boa-fé e da equidade, a teoria da imprevi- são atenua o pacta sunt servanda ao compreender que, nos contratos de execução futura e incerta, o direi- to deve proteger uma das partes se a mesma estiver sujeita à situações imprevisíveis que agravem sua con- dição. "A teoria da imprevisão está positi- vada no artigo 317 do Código Civil, ao dispor que quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier despro- porção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz cor- rigi-lo a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Os desdo- bramentos desta teoria também são reconhecidos a partir dos ar- tigos 478 ao 480 do Código Civil", explica a juíza. Ela afirma que é comum reconhe- cer a possível aplicação da teoria da imprevisão em hipóteses que envol- vam contratos de longa duração, e nos quais uma das partes, ou ambas, realizam grandes investimentos em determinado negócio. "A questão é compreender se os motivos são im- previsíveis e se sobreveio despro- porção manifesta", explica Madeira Dezem. Dessa maneira, é possível a uma empresa em recuperação judicial propor a revisão do plano aprova- do pelos credores utilizando a teo- ria da imprevisão. "É relativamente comum a devedora em recuperação judicial, depois do plano aprovado e homologado pelo juízo concursal, não conseguir arcar com as condi- ções inicialmente contratadas. Nes- sa hipótese, formula-se o requeri- mento para apresentar alteração ao plano aprovado, que será submetido à assembleia de credores nos mes- mos moldes do plano inicialmente apresentado. Essa possibilidade é aceita pelos tribunais, embora não conste expressamente da Lei", com- pleta a magistrada. pág. 1 Nº 07 MAR/ABR/MAI de 2018 A teoria da imprevisão e sua aplicação como atenuante do pacta sunt servanda Juíza titular da 25ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo afirma que, embora não conste expressamente da Lei, a utilização é aceita pelos tribunais O advogado Flavio Galdino acre- dita que a Lei Modelo da UNCI- TRAL poderia conferir maior se- gurança jurídica aos processos de insolvência transacionais Pg. 3 Dra. Renata Mota Maciel Madeira Dezem, juíza titular da 25ª Vara Cível da Comarca de São Paulo “É relativamente comum a devedora em recuperação judicial, depois do plano aprovado e homologado pelo juízo concursal, não conseguir arcar com as condições inicialmente contratadas” É com grande satisfação que chegamos à edição de RE-AÇÃO e celebramos seu primeiro ano de atividade. No início de 2017, a EXM Partners de- cidiu lançar uma newsletter com foco no setor de insolvência como parte de seu plano de comunicação, que tem como missão contribuir para a disseminação do conhecimento em reestruturação e recuperação de em- presas. Batizamos a publicação de RE-AÇÃO, um trocadilho que divide a palavra “reação” em duas partes: a primeira fazendo referência ao prefixo “re”, tão utilizado neste universo que trata de temas como “reorganização”, “rede- finição”, “reestruturação", “reconci- liação”, “recuperação” e, por que não, “reação”, apenas citando alguns; e a segunda, o substantivo “ação”, que re- mete à necessidade eminente de ati- tude, pois crise alguma perdoa passi- vidade, indiferença e inércia. Ainda que fosse um projeto despre- tencioso, reuníamos importantes in- gredientes para a produção de um material diferenciado: mais de 10 anos de experiência atuando como re- estruturadores e, mais recentemente, administradores judiciais; uma ampla rede de relacionamentos com diver- sos atores do processo de insolvência; a paixão pelo que fazemos e pelos te- mas que permeiam a matéria. A 1ª edição foi lançada no dia 13 de março de 2017, durante o Seminário O Direito nos Negócios, em Salvador- -BA, para um público de mais de 400 pessoas, que compareceram ao Fiesta Bahia Convention Center para as pa- lestras e o debate capitaneados pela ex-ministra do STJ Eliana Calmon e pelos juízes de vanguarda Daniel Car- nio Costa e Marlos Melek. Na ocasião, os elogios não se limitaram aos ilus- tres palestrantes, mas se estenderam à nossa modesta newsletter que, devido ao formato e robustez, alguns chama- ram de jornal, outros de revista. Nós preferimos chamar de publicação ou periódico bimestral, News RE-AÇÃO ou simplesmente RE-AÇÃO – Turna- round, Reestruturação e Insolvência. Desde então, foram 6 edições distri- buídas nas versões impressa e digital, somando 34 matérias, nas quais parti- ciparam 5 magistrados especializados em direito falimentar e empresarial, 16 advogados, 12 reestruturadores, 4 administradores judiciais, 1 leilo- eiro, 1 financiador. A versão impres- sa, atualmente com tiragem de 300 exemplares, é regularmente distribu- ída às 32 varas especializadas do país (empresariais e de falências), e aos escritórios atuantes no setor. A ver- são digital é compartilhada através do nosso mailing, redes sociais e no site da EXM Partners, ultrapassando 3 mil visualizações por publicação, número expressivo para um segmento tão es- pecífico. Nesta edição de aniversário, queremos agradecer a receptividade e aprovação dos nossos leitores e participantes. O retorno positivo que obtivemos com- prova a carência do mercado por uma publicação de conteúdo voltada para o setor de insolvência. Também faze- mos questão de deixar o nosso muito obrigado pelas críticas e sugestões, pois são elas que nos fazem melhorar continuamente e evidenciam a expec- tativa do público pela chegada da pró- xima edição. Para os que têm interesse em contri- buir com RE-AÇÃO, seja participando das matérias, ou se inscrevendo para recebê-la bimestralmente, pedimos que façam contato conosco através do e-mail: [email protected] Boa leitura! André Rocha Sócio da EXM Partners

Upload: buinhu

Post on 11-Feb-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

O pacta sunt servanda é a base do princípio da obrigatorie-dade dos contratos firmados

entre duas ou mais partes. Dentro dos limites da lei, as contratantes possuem liberdade para contratar, segundo a autonomia da vontade. Uma vez celebrado, não pode haver modificações, a não ser por mútuo acordo entre as partes, sendo que o não cumprimento de cláusulas con-tidas implicaria na quebra do que foi pactuado ou indenização por perdas e danos.Literalmente, trata-se de uma ex-

pressão em latim cujo significado em português é "pactos devem ser respeitados" ou "acordos devem ser mantidos".A questão, porém, não se faz abso-luta no ordenamento jurídico, sen-do analisada pelo direito brasileiro de formas diferentes nos últimos anos. O Código de Defesa do Consu-midor, por exemplo, veda cláusulas que onerem o consumidor ou se de-monstrem desproporcionais."A conhecida premissa de que 'o contrato faz lei entre as partes', re-flete uma visão individualista do contrato, típica dos códigos do sé-culo XIX, nos quais a propriedade e a autonomia privada eram máximas quase absolutas. Com o passar dos anos e, no caso do Brasil, sobretu-do a partir da Constituição Federal de 1988, houve um crescente movi-mento de transformação dessa vi-são, que passa a ser permeada por outros interesses, para além das partes contratantes", afirma a juíza titular da 25ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo, Renata Mota Maciel Madeira Dezem.A magistrada também destaca, nes-se contexto, que o Código Civil de 2002 (Lei 10.406) apresenta regras expressas, reconhecendo a função social, a eticidade e a boa-fé objetiva na parte geral dos contratos. No caso de contratos entre empre-sários, Madeira Dezem explica que a revisão deve observar vetores es-pecíficos, que levam em conta as

características das partes contratan-tes. Entretanto, ela alerta que regras constantes da parte geral dos con-tratos no Código Civil também se aplicam às relações entre empresá-rios, aí incluída a chamada teoria da

imprevisão.Baseada nos princípios da boa-fé e da equidade, a teoria da imprevi-são atenua o pacta sunt servanda ao compreender que, nos contratos de execução futura e incerta, o direi-to deve proteger uma das partes se a mesma estiver sujeita à situações imprevisíveis que agravem sua con-dição. "A teoria da imprevisão está positi-vada no artigo 317 do Código Civil, ao dispor que quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier despro-porção manifesta entre o valor da

prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz cor-rigi-lo a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Os desdo-bramentos desta teoria também são reconhecidos a partir dos ar-tigos 478 ao 480 do Código Civil", explica a juíza.Ela afirma que é comum reconhe-cer a possível aplicação da teoria da imprevisão em hipóteses que envol-vam contratos de longa duração, e nos quais uma das partes, ou ambas, realizam grandes investimentos em determinado negócio. "A questão é compreender se os motivos são im-previsíveis e se sobreveio despro-porção manifesta", explica Madeira Dezem. Dessa maneira, é possível a uma empresa em recuperação judicial propor a revisão do plano aprova-do pelos credores utilizando a teo-ria da imprevisão. "É relativamente comum a devedora em recuperação judicial, depois do plano aprovado e homologado pelo juízo concursal, não conseguir arcar com as condi-ções inicialmente contratadas. Nes-sa hipótese, formula-se o requeri-mento para apresentar alteração ao plano aprovado, que será submetido à assembleia de credores nos mes-mos moldes do plano inicialmente apresentado. Essa possibilidade é aceita pelos tribunais, embora não conste expressamente da Lei", com-pleta a magistrada.

pág. 1

Nº 07 MAR/ABR/MAI de 2018

A teoria da imprevisão e sua aplicação como atenuante do pacta sunt servandaJuíza titular da 25ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo afirma que, embora não conste expressamente da Lei, a utilização é aceita pelos tribunais

O advogado Flavio Galdino acre-dita que a Lei Modelo da UNCI-TRAL poderia conferir maior se-gurança jurídica aos processos de insolvência transacionais Pg. 3

Dra. Renata Mota Maciel Madeira Dezem, juíza titular da 25ª Vara Cível da Comarca de São Paulo

“É relativamente comum a devedora

em recuperação judicial, depois do plano aprovado e homologado pelo juízo concursal,

não conseguir arcar com as condições

inicialmente contratadas”

É com grande satisfação que chegamos à 7ª edição de RE-AÇÃO e celebramos

seu primeiro ano de atividade. No início de 2017, a EXM Partners de-cidiu lançar uma newsletter com foco no setor de insolvência como parte de seu plano de comunicação, que tem como missão contribuir para a disseminação do conhecimento em reestruturação e recuperação de em-presas.Batizamos a publicação de RE-AÇÃO, um trocadilho que divide a palavra “reação” em duas partes: a primeira fazendo referência ao prefixo “re”, tão utilizado neste universo que trata de temas como “reorganização”, “rede-finição”, “reestruturação", “reconci-liação”, “recuperação” e, por que não, “reação”, apenas citando alguns; e a segunda, o substantivo “ação”, que re-

mete à necessidade eminente de ati-tude, pois crise alguma perdoa passi-vidade, indiferença e inércia.Ainda que fosse um projeto despre-tencioso, reuníamos importantes in-gredientes para a produção de um material diferenciado: mais de 10 anos de experiência atuando como re-estruturadores e, mais recentemente, administradores judiciais; uma ampla rede de relacionamentos com diver-sos atores do processo de insolvência; a paixão pelo que fazemos e pelos te-mas que permeiam a matéria.A 1ª edição foi lançada no dia 13 de março de 2017, durante o Seminário O Direito nos Negócios, em Salvador--BA, para um público de mais de 400 pessoas, que compareceram ao Fiesta Bahia Convention Center para as pa-lestras e o debate capitaneados pela ex-ministra do STJ Eliana Calmon e pelos juízes de vanguarda Daniel Car-nio Costa e Marlos Melek. Na ocasião, os elogios não se limitaram aos ilus-tres palestrantes, mas se estenderam à nossa modesta newsletter que, devido ao formato e robustez, alguns chama-ram de jornal, outros de revista. Nós preferimos chamar de publicação ou periódico bimestral, News RE-AÇÃO ou simplesmente RE-AÇÃO – Turna-round, Reestruturação e Insolvência.

Desde então, foram 6 edições distri-buídas nas versões impressa e digital, somando 34 matérias, nas quais parti-ciparam 5 magistrados especializados em direito falimentar e empresarial, 16 advogados, 12 reestruturadores, 4 administradores judiciais, 1 leilo-eiro, 1 financiador. A versão impres-sa, atualmente com tiragem de 300 exemplares, é regularmente distribu-ída às 32 varas especializadas do país (empresariais e de falências), e aos escritórios atuantes no setor. A ver-são digital é compartilhada através do nosso mailing, redes sociais e no site da EXM Partners, ultrapassando 3 mil visualizações por publicação, número expressivo para um segmento tão es-pecífico. Nesta edição de aniversário, queremos agradecer a receptividade e aprovação dos nossos leitores e participantes. O retorno positivo que obtivemos com-prova a carência do mercado por uma publicação de conteúdo voltada para o setor de insolvência. Também faze-mos questão de deixar o nosso muito obrigado pelas críticas e sugestões, pois são elas que nos fazem melhorar continuamente e evidenciam a expec-tativa do público pela chegada da pró-xima edição.Para os que têm interesse em contri-

buir com RE-AÇÃO, seja participando das matérias, ou se inscrevendo para recebê-la bimestralmente, pedimos que façam contato conosco através do e-mail: [email protected]

Boa leitura!

André RochaSócio da EXM Partners

pág. 2

Perseverança e resiliência: características que definem bem o povo brasileiro, que não se acomoda e busca superação ante as adver-

sidades, porém, enquanto empreendedor, ainda precisa se desprender de velhos hábitos.Hoje, assim como noutros momentos da história da economia brasileira, o dinamismo do merca-do clama pela determinação de uma nova cultu-ra comportamental, não apenas nas empresas do setor industrial e do comércio, mas também no agronegócio. Ele exige mais do que o modelo mo-nárquico de governança encontrado, sobretudo, no setor rural, pode proporcionar.Profissionalizar e acompanhar as tendências mer-cadológicas envolve adotar novos comportamen-tos e, não somente perante a sociedade, é preciso alterações internas para que a empresa cumpra com a sua função social, prevista na constituição, tanto em face da coletividade, quanto diante do próprio produtor rural. Identificar perfis, necessidades e estabelecer uma organização societária e patrimonial, isto é, desen-volver um planejamento estratégico, independente-mente do tamanho da produção, promove uma es-truturação consciente, o gerenciamento de riscos e, consequentemente, um retorno econômico-finan-ceiro maior, sobretudo neste momento de evidência do agronegócio na economia brasileira como o úni-co setor com índice de crescimento positivo. Aponta-se que em 2017, após um período de reces-são, o Brasil registrou um PIB total R$ 6,5 trilhões, crescimento de 1% em relação ao ano anterior, sen-do que a participação do agronegócio nesse total corresponde a 21,59% (dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA).A propósito, o agronegócio – para os clássicos agribu-siness – é uma expressão cunhada há mais de 60 anos, surgida por direta influência de países estrangeiros e tecnicamente definido como a soma de todas as ope-rações que envolvem a produção, o abastecimento, o processamento e a distribuição de suprimentos e de produtos agrícolas e dos itens produzidos a partir de-les antes ou depois da porteira. Isto é, abrange todos os momentos de uma cadeia produtiva – ofertantes de insumos, agropecuária, agroindústria e distribui-ção – de forma que se caracteriza indispensável para a sobrevivência da sociedade.Percebe-se, portanto, a complexidade e a relevân-cia mundial do setor que coloca os produtores ru-

rais e as empresas do ramo em contraciclo com a crise, perpassando a realidade de outros setores como o comércio, por exemplo, com 41 falências decretadas e 69 pedidos de recuperação judicial deferidos durante o último março, conforme da-dos do Serasa Experian.Em direta proporção à positiva repercussão do se-tor, faz-se necessário o envolvimento de profissio-nais capacitados e especializados no planejamen-to, na organização, na análise de contratos e nas negociações durante todo o desenvolvimento das atividades, a fim de que seja propiciada a otimi-zação da produção, modernização no controle de custos, gerenciamento de riscos e, possivelmente, o aumento da rentabilidade dos negócios face à concorrência, para além de tornar mais assertivas as decisões por financiamentos e aquisições de agrotechs e equipamentos.Nesse sentido, para além da importância da elabo-ração do planejamento de lavoura, concomitante-mente, é preciso que haja o planejamento jurídico do desempenho da atividade exercida. Isso porque o planejamento estratégico patrimonial, societário e tributário, a partir da identificação das necessidades específicas daquele produtor, da sua realidade fática e considerando as possibilidades lícitas, podem indicar medidas seguras que bene-ficiem e potencializem os resultados, já que o pro-dutor rural contemporâneo também está sujeito às adversidades de uma ordem econômica competiti-va e precisa se destacar, por meio da adoção de uma nova cultura comportamental, entre os demais. Com efeito, o exercício de qualquer atividade está submetido à administração de riscos, sendo que quanto maior o risco admitido, maior será o ganho ou a perda. Essa é a razão pela qual a tendência fala em educação corporativa, que engloba a estrutu-ração de uma governança corporativa e gerencia-mento de riscos (Grcorp), cuja adequação para o setor rural a partir das necessidades específicas de cada produtor é plenamente possível.Devido às influências não só do Grcorp, mas tam-bém da implementação de programas de com-pliance (que implica em condições sine qua non para o relacionamento de empresas maiores e até estrangeiras), vislumbra-se possível que produtores rurais que estejam dentro de certo padrão organi-zacional sejam considerados para parcerias além da obtenção facilitada de créditos uma vez comprova-

da a segurança na continuidade das atividades. Importante ressaltar a necessidade de definir as figuras do proprietário e a do responsável pela ges-tão da empresa a partir da identificação de com-petências. Não se questiona a possibilidade de confusão em uma mesma pessoa de tais circuns-tâncias, entretanto, devem prevalecer as necessi-dades da atividade, mormente porque o objetivo é sempre o mesmo: perpetuar a história e o trabalho daquela família, desvinculando-se da governança monárquica para aquela que se denomina socie-dade empresarial.Com o planejamento, propõe-se verificar as me-lhores opções para o exercício profissional de determinada atividade, como por exemplo, iden-tificar a menor carga tributária incidente para o produtor rural por meio de um planejamento tributário adequado, com a comparação entre a tributação da pessoa física e da pessoa jurídica, constatando os impactos tributários e operacio-nais na conversão ao aplicar os regimes tributários possíveis, como IRPF (pessoa física) ou IRPJ (pes-soa jurídica) Lucro Real, Lucro Presumido, Lucro Arbitrado ou Simples Nacional.Ou ainda, facilitar a disposições de cotas sociais, considerando a retirada, a morte ou a entrada de novos sócios, o aumento de capital e a tomada de decisões a partir da constituição do Conselho de Administração, que torna cada pessoa responsável por suas atitudes.Com efeito, insta respeitar duas premissas básicas: a) não existe fórmula exata para fazer o planeja-mento, ele deve ser realizado a partir do entendi-mento do sistema para então encontrar a melhor forma de posicionar os contribuintes, levando em consideração suas atividades e a predominância no mercado; b) o que se busca a partir do plane-jamento é otimizar os resultados com monito-ramento de riscos e a diminuição de impactos financeiros permitidos pela lei e não se furtar a cumpri-la. Dito isso, o produtor rural vem se atentando em optar pelo melhor enquadramento de sua ativida-de, possibilitando a elisão fiscal, oferecendo maior organização, segurança e redução nos encargos tributários. Além, uma vez que a existência de empresas familiares na atividade rural é natural, vem buscando alternativas que resolva problemas sucessórios futuros, a fim de afastar os riscos que

acarretam muitas vezes na sua dissolução.Não sem motivo, muitos também passaram a constituir “holdings patrimoniais rurais”, solu-ção utilizada para auxiliar na proteção e na pre-servação do patrimônio da família, pois prevê a constituição de uma empresa controladora para a continuidade da administração dos negócios, mantendo-se a característica familiar e de explo-ração rural, possibilitando a redução da carga tri-butária bem como sendo um facilitador em um futuro processo de inventário.O planejamento sucessório com a constituição de holding traz proteção pela simplificação da legisla-ção empresarial e reduz a carga tributária para as empresas e propriedades rurais, representando um eficiente mecanismo em longo prazo, sobretudo na diminuição de conflitos familiares e societários.“Longo prazo”, pois trata de um processo que exige o levantamento de todo o patrimônio e sua regula-ridade, a identificação dos objetivos e dos players que comporão o quadro societário, a constituição efetiva da holding, que pode ser operacional ou patrimonial, a transferência dos bens para o capi-tal social, a criação de Conselho de Administração, Conselho de Família, elaboração dos Códigos de Conduta e Ética, Protocolo Familiar, capacitação e treinamento, bem como definição de regras de participação na gestão. Assim, recomenda-se que, para todo e qualquer projeto que vise à reorganização e à proteção pa-trimonial, devam prevalecer as manutenções da eficiência tributária e da segurança jurídica conse-quentes de sua implementação.Conclui-se, portanto, que além do mérito em construir um patrimônio, mais importante é sa-ber preservá-lo durante as gerações sucessoras. O planejamento é a principal ferramenta para que grandes fortunas adquiridas durante toda vida não sejam dilapidadas com o falecimento do patriarca. Abandonar hábitos advindos da antiga sucessão hierárquica para a nova cultura comportamental do planejamento é mandatório para os que alme-jam a longevidade dos negócios.

Amanda Fumes Duda é advogada sócia fundado-ra do escritório Amanda Fumes Advocacia e Con-sultoria Jurídica.

Gabriela Benine Salício é advogada associada ao escritório Oliveira Castro Advogados.

Os benefícios do planejamento e a constituição de holdings no setor ruralA nova cultura comportamental na profissionalização das atividades

A Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005) modernizou a le-gislação ao conceder autonomia

de decisão aos credores. Por força dela, a partir do momento em que o Plano de Recuperação Judicial (PRJ) é aprova-do pela Assembleia Geral de Credores (AGC), cabe ao juízo a homologação do plano. No entanto, mesmo após mais de uma década de vigor da Lei, a questão da intervenção do poder judiciário ain-da é bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência."Há quem entenda, com fundamento no artigo 58 da Lei de Recuperação Ju-dicial (LRE), que a atuação do juízo se limita à concessão da recuperação judi-cial quando cumpridas as exigências le-gais. Esse posicionamento é defendido por aqueles que entendem que o papel do juiz na recuperação judicial é mera-mente homologatório, ou seja, se res-tringe a homologar, obrigatoriamente, o quanto deliberado e aprovado pelos credores em assembleia", analisa Fer-nando Henrique Machado Mazzo, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.Em contraponto, Mazzo explica que há também aqueles que defendam a inter-venção do juízo quanto à análise e fis-calização do PRJ. "Os defensores dessa corrente entendem que o juiz não pode ser um mero expectador, devendo, bem por isso, analisar o mérito do Plano de Recuperação Judicial". Mazzo defende, porém, uma corrente intermediária, segundo a qual o magis-

trado deve exercer apenas o controle da legalidade do Plano de Recuperação no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito, sob pena de esvazia-mento da lógica da solução negociada prevista pelo legislador para a recupe-ração judicial. Neste sentido, ele expõe trecho do voto do relator ministro Luís Felipe Salomão, em Recurso Especial nº 1359311/2012 - SP, jul-

gado em 09/09/2014: "Cumpridas as exi-gências legais, o juiz deve conceder a re-cuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei n. 11.101/2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apre-ciação assemblear. (...) O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica".Para Mazzo, em caráter excepcional o

juiz pode intervir quando verificar al-guma nulidade, ilegalidade ou abuso de direito por parte dos credores. Ele cita como exemplos: abuso de voto e con-flito de interesse, como tal se caracteri-zando os casos em que o interesse in-dividual de determinado credor poderá ser substancialmente conflitante com da coletividade; fraude e simulação de crédito; cláusula que viole alguma nor-ma de ordem pública existente no orde-namento jurídico; verificação de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, simulação ou fraude contra credores; entre outros.Na hipótese, entretanto, de uma cláu-sula do Plano de Recuperação Judicial afrontar a lei, cabe ao Poder Judiciário o controle da legalidade, declarando--a nula antes mesmo da realização da AGC. "A vontade dos credores, embora soberana quanto ao mérito do plano, não pode se sobrepor à lei de ordem pú-blica", ressalta o advogado.Entre as atribuições soberanas da As-sembleia Geral de Credores está a de decidir sobre o percentual de deságio proposto pelo devedor ou sobre o par-celamento do pagamento da dívida, as-pectos aos quais não cabem interferên-cia do juízo. Mazzo ressalta que, no caso de delibe-rações da AGC maculadas por vícios, fraudes, simulações, manipulações, inverdades ou violações aos princípios morais, éticos, constitucionais ou às re-gras legais, as cláusulas, aprovações e até mesmo o PRJ devem ser nulificados

de ofício pelo Poder Judiciário, de acor-do com o que se chama de "controle de legalidade". Na opinião do advogado, o texto da Lei 11.101/2005 deveria ser mais específico sobre a questão da intervenção do juízo nos PRJs. "Embora pacífico o entendi-mento de que o juiz pode fazer o con-trole de legalidade do Plano de Recupe-ração Judicial, na prática a identificação dos limites entre legalidade e mérito se apresentam com frequência. Daí a ne-cessidade de adequar a legislação para estabelecer limites claros entre mérito e aspectos legais das decisões dos credo-res, completa Mazzo.

O poder judiciário nos planos de recuperação judicialAtuação do juízo ainda é bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência

Dr. Fernando Mazzo, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia

“O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano

de recuperação, mas não o controle de sua viabilidade

econômica”

Os conflitos entre ordenamentos jurídicos de diferentes Estados resultam significativa dificulda-

de nos casos de insolvências transna-cionais. Nesta entrevista concedida à RE-AÇÃO, o advogado Flavio Galdino, sócio do escritório Galdino Coelho Ad-vogados, analisa o tema e alternativas como a Lei Modelo da UNCITRAL (Co-missão das Nações Unidas para o Direi-to Comercial Internacional)

RE-AÇÃO: Quais as principais dificul-dades para a criação de normas que permitam a harmonização de legisla-ções de insolvência entre diferentes países?FG: Diferentes Estados têm tradições jurídicas substancialmente distintas. Por conta disso, uma primeira dificul-dade é criar uma legislação que harmo-nize esses ordenamentos jurídicos mui-tas vezes conflitantes. Especificamente no contexto de insolvência, também cada ordenamento tende a apresentar diretrizes distintas, em conformida-de com a política legislativa local (por exemplo, alguns mais favoráveis a cre-dores, outros mais favoráveis a devedo-res), o que dificulta essa harmonização. Por efeito, qualquer tentativa de criar regras transnacionais de insolvência impõe que se dê uma atenção especial aos ordenamentos locais, corrigindo suas vicissitudes e respeitando suas ca-racterísticas próprias.

RE-AÇÃO: Numa economia globaliza-da em que é comum casos de empresas

insolventes estarem presentes em mais de um Estado soberano, como é aplica-do o princípio da territorialidade?FG: A lógica do princípio da territoriali-dade é a de que o Estado no qual estão os bens do devedor detém jurisdição exclusiva para tratar de sua insolvência. No contexto de globalização econômi-ca, isso significa que a insolvência de sociedades com operação transnacio-nal gera a proliferação de processos falimentares – um em cada Estado em que a sociedade empresária atue. Essa multiplicidade de processos e centros de decisão judicial resulta inevitavel-mente em dificuldades de coordenação entre os diferentes órgãos e Estados, em prejuízo de um procedimento fali-mentar eficiente. Assim, por exemplo, o juízo brasileiro pode entender que determinada empresa não é mais eco-nomicamente viável, determinando sua liquidação; enquanto um juízo estran-geiro pode chegar a conclusão oposta – impondo a reestruturação da sociedade que, eventualmente, pode ser impossi-bilitada por conta da decisão proferida no Brasil. RE-AÇÃO: O princípio da territoriali-dade é a melhor solução para dirimir questões de insolvência transnacio-nal? Ele admite exceções?FG: A solução proposta pelo princípio da territorialidade traz vantagens evi-dentes quando se pensa que o juízo que decidirá sobre os bens da sociedade está efetivamente próximo da realidade da atividade empresária e dos próprios bens. Isso facilita a fiscalização do juí-zo, seja no cenário de recuperação, seja no cenário falimentar, o que potenciali-za os resultados úteis do procedimento de insolvência. No entanto, ao adotar o princípio da territorialidade, gera-se problemas de coordenação entre dife-rentes jurisdições.Uma insolvência transnacional efetiva vai, por vezes, depender de juízes de di-ferentes jurisdições reconhecerem que não são os mais capazes para tomar uma decisão global e satisfazer credo-res e interesses sociais que gravitam em torno da sociedade insolvente. Por conta disso, apesar das vantagens do princípio da territorialidade, a adoção de outro parâmetro (como o univer-salismo), ou ao menos a mitigação do princípio, podem tornar mais eficaz e eficiente o resultado de reestruturações ou mesmo de falências.

O que se percebe mais recentemente nos processos de recuperação judicial envolvendo interesses transnacionais é que os órgãos judiciais, ao menos no Brasil, têm buscado o maior diálo-go e cooperação com as demais juris-dições envolvidas de acordo com cada dificuldade prática que surgir no curso destes processos – uma atuação, vale dizer, que acontece à revelia da Lei 11.101/2005, que não trata do tema.

RE-AÇÃO: O que é a Lei Modelo da UN-CITRAL sobre insolvência? Quais países a adotaram e quais os resultados?FG: A Lei Modelo da Comissão das Na-ções Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) de 1997 foi fruto da cooperação entre a UNCITRAL e a Insol International, com consultoria do Comitê de Insolvência da Seção de Direito Empresarial da International Bar Association. Trata-se de um conjunto de regras que podem ser adotadas pelos Es-tados para tratar de questões envolvendo insolvência transnacional, com o objeti-vo de uniformizar a regulamentação do tema no plano internacional. Nesta li-nha, a Lei Modelo adota o universalismo como diretriz básica, buscando com isso adequar os regimes de insolvência ao contexto de globalização em que grandes grupos econômicos têm suas atividades dispersas entre diversos Estados.Até o momento, a Lei Modelo foi adotada por um total de 43 Estados. Um exemplo de sucesso de sua adoção é o Capítulo 15 da Lei de Falências dos Estados Uni-dos, vigente desde 17 de outubro de 2005 como parte do Ato de Prevenção ao Uso Abusivo da Falência e de Proteção do Consumidor (BAPCPA - Bankruptcy Abu-se Prevention and Consumer Protection Act). Aplicando os parâmetros fixados pela Lei Modelo e pelo Capitúlo 15, vale mencionar um caso recente em que o juiz da Bankruptcy Court do Southern Dis-trict of New York (Tribunal de Falências

do Distrito Sul de Nova York) afirmou a competência da jurisdição brasileira para julgar o processo principal de insolvência do grupo Oi, em detrimento da jurisdição holandesa (que se reconhecera compe-tente para decretar a falência da Oi Brasil Holdings Coöperatief U.A., uma das sub-sidiárias da Oi sediada na Holanda). RE-AÇÃO: A legislação modelo da UN-CITRAL poderia ser aplicada com su-cesso no Brasil?FG: Em princípio, não há incompatibi-lidades substanciais entre a tradição ju-rídica brasileira em termos de direito de insolvência e o modelo da UNCINTRAL. Sem dúvida, os modelos são distintos, mas uma aproximação entre a legislação atual e a Lei Modelo seria possível. Isso implicaria, por exemplo, afastar-se do princípio da territorialidade (que se tem extraído do art. 3º da Lei de Falências brasileira) em favor de uma visão global pautada pelo universalismo. Sobre este aspecto, aliás, vale mencionar que já de longa data juristas brasileiros vêm par-tindo do texto atual da Lei 11.101/2005 para trabalhar o conceito de “principal estabelecimento do devedor” à luz da-quele adotado pela Lei Modelo, em seu artigo 16, ao falar do “centre of main in-terests (COMI)”.Além disso, a tradição processual brasi-leira tem recebido positivamente, des-de o Código de Processo Civil anterior – agora reforçada no Diploma de 2015 – a adoção de modelos de cooperação internacional mais eficientes na pres-tação jurisdicional voltada para litígios transfronteiriços. Aplicar estas premis-sas, portanto, aos processos de insolvên-cia não implicaria ruptura ou mudança brusca em nosso ordenamento.Por fim, eventual adoção da Lei Modelo poderia conferir maior se-gurança jurídica aos grupos econô-micos transnacionais que se veem diante de processos de recuperação ou falência no Brasil – sendo certo, é claro, que isto não elidiria a pos-sibilidade (como é de praxe) de que controvérsias interpretativas se ins-taurassem com relação ao eventual novo modelo.Assim, incorporar a Lei Modelo ao re-gime brasileiro de insolvência empre-sarial não acarretaria dificuldades em termos de princípio – apesar de certa-mente exigir a atualização e atenção por parte de advogados, juízes e das pró-prias sociedades empresárias em crise.

As dificuldades para uma legislação internacional de insolvênciaLegitimada por mais de 40 países, Lei Modelo da UNCITRAL adota universalismo como diretriz básica para uniformizar regulamentação

Dr. Flavio Galdino, sócio do Galdino Coelho Advogados

pág. 3

STJ entende que acionistas não podem impedir recuperação de devedora

Acionistas, sejam minoritários ou majoritários, não podem impedir a concessão de recuperação ju-dicial em plano aprovado por as-sembleia geral de credores. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justi-ça (STJ), que rejeitou recurso de credores do Grupo Daslu, este que objetivava barrar a recupe-ração concedida à empresa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo alegando falta de interesse e legi-timidade recursal, já que uma das integrantes do grupo era também

acionista minoritária da Daslu.

STJ nega adesão de empresa em recuperação judicial ao Refis

O STJ negou à empresa D'King Comércio de Alimentos o parce-lamento de suas dívidas fiscais em prazo maior do que o estabe-lecido pela Lei 13.043/2014, que foi editada especificamente para empresas em crise e prevê paga-mento em até 84 meses, além da desistência de todas as discussões administrativas e judiciais. Pela ação, ingressada em 2012 (quan-do o prazo de inscrição ao pla-no já havia se encerrado), a em-presa pedia adesão ao chamado Refis da Crise (Lei 11.941/2009), que oferece até 180 meses para o pagamento das dívidas, além de redução de multas e juros, ar-gumentando ter direito a trata-mento diferenciado por estar em processo de recuperação judicial, com base no artigo 155 do Código Tributário Nacional. Esse disposi-

tivo estabelecia a edição de uma lei específicas às empresa nessa situação e, até então, tal progra-ma de refinanciamento fiscal ain-da não existia.

Senado aprova projeto sobre re-cuperação judicial de pequenas e micro empresas. Matéria seguiu, em março, para a Câmara dos De-putados

O Senado aprovou, em 28 de fe-vereiro deste ano, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 285/2011 (Com-plementar), que dispensa as mi-croempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs) de apresen-tar certidões negativas de débitos tributários para obtenção de van-tagens previstas na Lei de Recupe-ração Judicial, facilitando assim a utilização do instrumento por es-sas empresas. A matéria seguiu no início de março para a Câmara dos Deputados, onde ainda não tem data para ser votada.O projeto, de autoria do senador

Ciro Nogueira (PP-PI), altera o ar-tigo 191 da Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), e os artigos 57, 70 e 71 da Lei 11.101/2005.A legislação atual prevê a apre-sentação das certidões de regula-ridade fiscal para o deferimento do processamento da recuperação judicial. Pelo projeto aprovado, independentemente do pagamen-to imediato de dívidas com a Fa-zenda Pública ou de obtenção de suspensão de exigibilidade de cré-ditos, as MEs e EPPs poderão se valer da recuperação judicial para se reerguerem economicamente, de modo a manterem suas ativi-dades produtivas e os benefícios socioeconômicos que decorrem delas.Essa dispensa, entretanto, não sig-nifica o perdão das dívidas fiscais. "A empresa devedora continuará obrigada a arcar com débitos de ti-tularidade do Estado, mas poderá obter a recuperação judicial ainda que existam dívidas dessa nature-za", explicou o autor do projeto.

"Incorporar a Lei Modelo ao re- gime brasileiro de

insolvência empre- sarial não acarretaria

dificuldades em termos de princípio"

pág. 4

No ano passado, o mercado de rece-bíveis nos Fundos de Investimen-tos em Direitos Creditórios (FIDCs)

movimentou cerca de R$ 130 bilhões, com uma elevação de 15% em relação a 2016. Para este ano, segundo projeção divulgada recentemente pela ANFIDC (Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Multicedentes e Multissacados), a estima-tiva é que a retomada econômica estimu-lará um crescimento na geração de recebí-veis de até 20%.OS FIDCs, por não necessitarem de pro-visionamento, têm papel relevante para empresas em recuperação judicial ou situ-ação de distress, normalmente com mais dificuldade de concessão de crédito junto aos bancos.Em entrevista exclusiva à RE-AÇÃO, Paulo Eugênio Schonenberg, que se di-vide entre a presidência da ANFIDC e o Grupo Sifra, onde é sócio e completa 25 anos de atuação em 2018, fala sobre o mercado, suas modalidades e a atuação da empresa.

RE-AÇÃO: Qual o papel dos Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios para as empresas em recuperação judi-cial (RJ) e situação de distress?PES: Os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios, os FIDCs, têm pa-pel relevante na concessão de crédito para empresas em recuperação judicial e situação de distress.Diferentemente dos bancos, os fundos não precisam provisionar capital quan-do o rating do cliente é ruim, conforme estabelece o Banco Central, o que enca-rece a linha de crédito pois compromete o capital do banco e isso tem um custo adicional. Como os fundos estão sob a fiscalização da Comissão de Valores Mo-biliários (CVM), essa regra não é apli-cável, proporcionando aos FIDCs uma vantagem competitiva.Outro ponto a salientar é que os FIDCs foram, nos últimos anos, buscando aper-feiçoar seu conhecimento do processo de recuperação judicial, instrumentali-zando com formas de ativação específi-cas e que proporcionaram resultados sa-tisfatórios nas carteiras administradas, com baixos indicadores de perda.A ANFIDC também conseguiu para os seus associados, há dois anos, que o co-legiado da CVM permitisse que os FIDCs convencionais possam operar com em-presas em RJ. Anteriormente somente os FIDCs não padronizados (NP) podiam operar. É sabido que os FIDCs padroni-zados conseguem captar recursos a ta-xas menores, o que acaba sendo repas-sado aos tomadores.Os fundos também atuam mais próxi-mos de consultorias e advogados es-pecializados em RJ do que os bancos comerciais, o que também facilitou ao empresário o acesso e entendimento desta linha de crédito.

RE-AÇÃO: Qual é tamanho desse mer-cado de crédito?PES: Se considerarmos os créditos par-cialmente provisionados e os totalmen-te provisionados, aproximadamente R$ 150 bilhões.

RE-AÇÃO: Quais critérios são usados para avaliar uma empresa antes que seja liberado crédito ou realizada operação de antecipação de títulos?PES: É pesquisado se a empresa possui alguma restrição junto aos órgãos de proteção ao crédito e considerado o seu tempo de vida no mercado. Estudamos o volume de recebíveis, os contratos per-

formados pela empresa e também o nível de faturamento nos últimos 36 meses. Essa análise é feita mês a mês para identi-ficar se há sazonalidade no faturamento.Outras avaliações que realizamos são em relação ao nível de endividamento e alavancagem financeira de curto pra-zo, para verificar se estão adequadas ao ramo de atividade da empresa, da mes-ma forma como os meios circulantes como estoque, contas a pagar, contas a receber e endividamento até 180 dias. Com isso temos a visão da saúde finan-ceira da empresa no curto prazo.Quando a empresa está em recuperação judicial, por exemplo, toda a dívida con-cursal, a que faz parte do plano que foi, ou irá, para a assembleia de credores, passa a figurar no longo prazo e não in-terfere na análise que fazemos para con-cessão de crédito, pois nosso horizonte fica no limite de até 180 dias.

RE-AÇÃO: Qual atuação do Grupo Sifra nesse mercado?PES: Somos provedores de crédito para a indústria, comércio e serviços. Atua-mos de forma direta e personalizada, facilitando a obtenção de capital de giro para os nossos clientes. Atendemos todo o Brasil por meio de nossas unidades em Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Goiânia, Guarulhos, Porto Alegre, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro, além da nossa sede localizada no bairro do Itaim, em São Paulo.Trabalhamos com Fundos de Direitos Creditórios Multicedentes e Multisaca-dos, abertos e fechados, padronizados e não padronizados. Isso significa que po-

demos atender as mais variadas neces-sidades, sejam de nossos clientes ou de nossos investidores. Além do foco no tradicional mercado de recebíveis performados e a performar, utilizamos uma plataforma de convê-nios que atende à cadeia de fornecedo-res de médias e grandes corporações. Atuamos com crédito ágil e gestão de risco constante, ativos pulverizados e re-gionalizados. Trabalhamos com uma po-lítica de crédito diferenciada e sistemas próprios de rating para o cedente e para a operação. Possuímos um parque tecnológico de última geração e desenvolvemos nosso próprio sistema de tecnologia de infor-mação. Nos orgulhamos da nossa equi-pe, formada por excelentes profissionais vindos de renomadas instituições do mercado financeiro. RE-AÇÃO: O Sifra realiza operações de fomento para empresas em recuperação judicial? Cite alguns exemplos. PES: Atualmente realizamos muitas operações de fomento para empresas em recuperação judicial. Alguns de nos-

sos clientes nessa área são Frigorífico Xinguara, United Mills, Alpex, Pomi Fru-tas, Godiva Alimentos, entre outros.

RE-AÇÃO: Como o Grupo enxerga o DIP financing no Brasil?PES: Não há dúvidas que o advento da Lei 11.101/2005 trouxe uma grande evo-lução para o ambiente de reestruturação de empresas no Brasil. E talvez um dos maiores benefícios seja a previsão legal de realização de um processo organizado de negociação para a reestruturação da companhia devedora e recuperação dos créditos por parte dos credores. Do ponto de vista específico do finan-ciamento de empresas em recuperação judicial, a Lei pode evoluir no sentido de ser mais clara e específica ao definir direitos prioritários de um credor dis-posto a realizar um financiamento DIP, que justifiquem sua tomada de risco neste tipo de operação. Mas qualquer tipo de melhoria e adaptação na Lei já era previsto desde a sua constituição e faz parte de um processo natural já en-frentado por vários outros países. Cabe aos agentes interessados, principal-mente companhias, advogados e prove-dores de capital como bancos e fundos de investimento, seguirem trabalhando no sentido de dar publicidade às suas sugestões de melhoria. Entretanto, não é apenas a Lei 11.101/2005 que influencia o desenvol-vimento do mercado de financiamen-to DIP no Brasil. Algumas restrições às quais as instituições financeiras brasi-leiras estão sujeitas, principalmente li-gadas às regras de provisionamento, ini-bem o seu apetite pelo risco deste tipo de operação.

RE-AÇÃO: Quais as perspectivas para esse mercado de crédito, começando com 2018?PES: A economia em profunda reces-são é ruim também para os investido-res do mercado de crédito distressed. Não adianta investir se no final o em-presário não vai se esforçar em salvar a empresa. O cenário ideal é esse que estamos vivenciando agora: fim de recessão, começo de retomada, boas perspectivas, e o empresário com es-perança para querer investir e salvar o seu negócio.

Paulo Eugênio Schonenberg, presidente da ANFIDC e sócio do Grupo Sifra

Amerra compra participação total da Usinavi - A gestora de fundos americana Amerra Capital Management passou a ser a única acionista da Usinavi, localizada em Naviraí no Mato Grosso do Sul, ao adquirir uma parcela de 50% da participação que a CarVal Investors, divisão de investimentos independente da Cargill, possuía na sucroalcooleira. O acordo foi fechado em dezembro de 2017.Desde 2016, a usina já vinha sendo administrada em conjunto pelas duas empresas, a compradora e a vendedora, e ambas eram credoras da Infinity Bio-Energy, antiga controladora da usina e cujo plano de recuperação judicial foi realizado pela EXM Partners. O valor da usina em 2016, segundo cálculos da consultoria, era de R$ 521 milhões.

Decretada falência da Base Engenharia, antiga Schahin - O juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, decretou no último 2 de março, a falência da Base Engenharia (denominada Schain Engenharia S.A. até junho do ano passado). A empresa havia sido intimada pela Justiça a comprovar o pagamento das dívidas trabalhistas, mas não apresentou o cumprimento das obrigações dentro do prazo determinado. Apesar da ampla história e tradição no mercado, a Base Engenharia acumulava dívidas estimadas em R$ 6,5 bilhões. Outras empresas do grupo também foram afetadas pela falência: Schahin Holding, Schahin Empreendimentos Imobiliários, Schahin Securitizadora de Créditos Financeiros, Schahin Desenvolvimento Imobiliário, Companhia Schahin de Ativos, HHS Participações, S.M. Participações, Satasch Participações, CasaBlanca International Holdings, Deep Black Drilling, Riskle Holding e MTS Participações.

Eternit ajuíza recuperação judicial - O pedido foi feito nesse março, na Comarca de São Paulo, pela fabricante de materiais de construção, que justificou a ação alegando persistente deterioração da economia, discussões legais sobre o uso do amianto (matéria prima de seus produtos), e queda na demanda e preços do material.

Aprovado pedido de recuperação judicial da Urbplan - Aprovado pedido de recuperação judicial da Urbplan - O juiz Daniel Carnio Costa, da 1ª Vara de Falências de São Paulo, aprovou no final de abril o pedido de recuperação judicial apresentado pela Urbplan, loteadora que apresenta dívidas de cerca de R$ 495 milhões e elevado número de ações judiciais movidas por consumidores e credores de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Um dos maiores credores é a securitizadora Gaia, que emitia CRIs por meio dos recebíveis adquiridos da Urbplan e já havia pedido a falência da loteadora.

Jaraguá reformula plano de recuperação - A Jaraguá Equipamentos, empresa que atua na construção de fábricas e sistemas industriais e foi uma das primeiras atingidas pela Lava-Jato, organiza um novo plano para evitar a falência após não cumprir os pagamentos de R$ 700 milhões em dívidas. O mal sucedido pedido de recuperação judicial inicial foi homologado em outubro de 2015. A elaboração de um novo plano foi aprovada por mais de 80% dos credores esse deve ser votado neste agosto. A maior parte da dívida da empresa é com bancos, sendo o Bradesco o maior credor, com R$ 198 milhões.

“Diferentemente dos bancos, os

fundos não precisam provisionar capital quan do o rating do cliente é ruim (...)

proporcionando aos FIDCs uma vantagem

competitiva em relação aos banco”

Re-Ação é uma publicação bimestral da EXM Partners, consultoria especializada em administração judicial, reestruturação e recuperação de empresas. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização. Projeto Design - Aligare Comunicação e Marketing | Conteúdo Editorial - Toque de Letra Comunicação CorporativaSão Paulo - SP - (11) 3805.3321 | Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1545 - 7° Andar | Vila Nova Conceição | CEP 04543-011Ribeirão Preto - SP - (16) 3514.5300 | Salvador - BA - (71) 3901.0730 | Curitiba - PR - (41) 3093.5300www.exmpartners.com.br

Excepcionalmente, a 7ª edição de RE-AÇÃO abrange o período de março a maio/18. Voltaremos à veiculação bimestral a partir da próxima edição. Agradecemos a compreensão.

A relevância dos FIDCs para empresas em recuperação judicialMercado girou R$ 130 bilhões no ano passado e estima crescer até20% em 2018