a televisÃo e sua influÊncia no imaginÁrio infantil1re.granbery.edu.br/artigos/mji4.pdf ·...
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A TELEVISÃO E SUA INFLUÊNCIA NO IMAGINÁRIO INFANTIL1 TEIXEIRA, Ana Paula Baratta2
RESUMO O objetivo deste artigo é trazer os resultados de um estudo exploratório que visa investigar a influência da televisão no imaginário infantil. Nesse sentido, pesquisamos um grupo de 24 crianças que através de produções textuais e desenhos manifestaram suas inquietações, preferências e relações estabelecidas com esse veículo que faz parte do nosso dia-a-dia – a TV. A análise do material coletado baseou-se no referencial teórico: Silva (2003), Pacheco (2004) e clássicos da área como Mcluhan (1979) e Sodré (1981). Palavras-chave: Televisão. Educação. Imaginário Infantil. Ídolos. Abstract The purpose of this article is to bring results of na explanatory study which investigates the television’s influence on children’s imagination. In this way, we researched a group of 24 children that, through producted texts and cartoons, expressed their wishes, preferences and interaction with this means that is part of their everyday life – the television. The analysis of these collected contents are based on Silva (2003), Pacheco (2004) and classics in this area like Mcluhan (1979) and Sodré (1981). Key Words: Television. Education. Children’s imagination. Idols. INTRODUÇÃO
Trabalho em uma instituição de ensino há quase vinte anos e conheço os
seus mais diversos espaços educacionais. Atuei desde a educação infantil até alguns
setores administrativos, e posso dizer com segurança que me sinto preparada para
atuar em sala de aula no ensino fundamental.
A nova proposta educacional é fascinante. Tenho me apaixonado ainda mais
pela educação e tenho o sonho de ser uma professora fascinante, apesar de saber de
todas as dificuldades que enfrentarei. Ser uma professora fascinante é abrir os olhos
dos alunos para o mundo, através do amor e da emoção. A afetividade é o primeiro
passo para se construir uma humanidade mais justa e sensata. Então, em minha
1 Artigo apresentado como trabalho de conclusão do curso Normal Superior da Faculdade Metodista Granbery.
Orientado pela professora Rosilãna Aparecida Dias. 2 Graduada no curso Normal Superior e discente do curso de Pós-graduação em Gestão Educacional da Faculdade
Metodista Granbery.
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carreira docente, quero ser alguém especial, que vai marcar para sempre,
positivamente, a vida dos meus alunos. Que Deus me ajude!
Às vezes paro e me pego pensando em como foi minha relação com a
televisão desde a mais tenra idade. A televisão sempre foi um objeto que muito me
fascinou. Lembro-me de minha infância e de toda a família reunida diante dela para
assistirmos juntos novelas, filmes, copas do mundo e programas diversos. É
interessante ver como as crianças dão significados para os recortes da vida que lá são
apresentados. Lembro-me de uma vez em que eu, com meus 8 anos, estava sentada
no sofá, segurando uma bolsa e assistindo a uma cena da novela Pecado Capital (1ª
fase) em que a personagem Salviano, vivido pelo ator Lima Duarte, jogava longe uma
revista que estava lendo: eu, imediatamente o imitei, arremessando longe a bolsa.
Desde então, meu pai não mais deixou que eu assistisse a novela, pois acreditava que
eu estava me apossando dos comportamentos e valores que a TV mostrava.
A TV tornou-se o instrumento cultural de maior importância nas últimas
décadas. Milhares de pessoas – crianças, jovens, adultos e 3ª idade – postam-se
diariamente, várias horas por dia diante dela (REZENDE, 2004).
Portanto, acreditamos ser de fundamental importância pesquisar a relação
criança/TV. Nesse sentido, o objetivo deste estudo é investigar a influência da televisão
no imaginário infantil.
Este objetivo foi desdobrado nas seguintes questões de estudo:
- Quais são os ídolos televisivos que fazem parte do imaginário das crianças de 9 a 10
anos?
- Como é o imaginário das crianças de 9 a 10 anos em relação à televisão?
- Como os ídolos televisivos forjam as identidades (subjetividades) das crianças de 9 a
10 anos?
- Como os ídolos televisivos se manifestam nas brincadeiras das crianças de 9 a 10
anos?
Neste trabalho adotamos como referencial teórico alguns autores que
discutem a relação TV e suas influências nas pessoas, como Silva (2003) que
apresenta as tecnologias do imaginário, Pacheco (2004) que aborda sobre a relação
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televisão, criança, imaginário e educação e também os clássicos sobre o assunto,
Mcluhan (1979) e Sodré (1981).
Assim, este artigo está estruturado da seguinte maneira: inicialmente
abordamos a questão da televisão e do imaginário infantil, fazendo uma revisão
bibliográfica dos autores citados anteriormente. Em seguida abordamos o tema
televisão e violência e levantamos a questão da influência dos ídolos no imaginário
infantil. Finalmente, passamos então a descrever o contexto da investigação
empreendida através de um estudo exploratório e a análise e interpretação dos dados,
à luz do referencial teórico estudado.
A TELEVISÃO E O IMAGINÁRIO INFANTIL
A televisão no Brasil surgiu na década de 1950, trazida por Assis
Chateaubriand que fundou o primeiro canal de televisão no país, a TV Tupi. Desde
então a televisão cresceu no país e hoje representa um foco importante na cultura
popular moderna da sociedade brasileira (SODRÉ, 1981).
É claro e notório que a televisão é um veículo de massificação popular. Em
outros tempos, a escola era o veículo utilizado para “formar” pessoas de acordo com os
interesses da classe dominante. Hoje a educação é mais libertadora no sentido de a
escola reconhecer que cada ser é único com suas limitações e potencialidades,
deixando assim de tentar “formatar” as pessoas de acordo com um modelo padrão da
sociedade, porém ainda está longe do ideal. Há muito que se caminhar, mas é inegável
que alguma coisa já mudou. E nós, educadores, temos à frente um grande desafio que
é transformar a TV em nossa aliada.
A escola não pode negar ou ignorar a grande influência que este veículo de
comunicação exerce sobre toda a população. Segundo Mcluhan (apud LITWIN,1997,
p.58):
Hoje, em nossas cidades, a maior parte do ensino acontece fora da escola. A quantidade de informação comunicada pela imprensa, revistas, filmes, televisão e rádio excede em grande medida à
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quantidade de informação comunicada pela instrução e textos na escola. Este desafio destruiu o monopólio do livro como ajuda ao ensino e derrubou os próprios muros da escola de modo tão repentino que estamos confusos, desconcertados.
A TV exerce um fascínio que seduz aos adultos, que dirá às crianças que
estão em fase de construção de conceitos e idéias e passam cerca de 4 horas por dia
diante dela exercendo também grande influência na construção de seu imaginário a
partir das imagens geradas.
Em artigo sobre o tema, Bucci (2001, p. 50) afirma que “as crianças estão
mais expostas à associação entre imagens e significados preconceituosos”. Esse autor
narra uma experiência vivenciada por ele, quando ao ver a imagem de uma mulher
taliban, com o corpo e o rosto cobertos na televisão, lançou sobre ela um olhar
preconceituoso, acreditando ser a cultura daquele povo uma violência à liberdade
feminina. Entretanto, quando se pôs a refletir fez um paralelo sobre a nossa cultura e a
dos talibans, ponderando que:
A nudez é o uniforme feminino, segundo a TV. É a indumentária totalitária do espetáculo, que nos sufoca neste nosso Ocidente autocentrado. As mulheres, aqui, não estão condenadas a cobrir-se. Sua condenação é inversa. São obrigadas a despir-se.
São essas reflexões que precisamos levar aos nossos alunos. É importante
que tenhamos um olhar crítico sobre tudo o que nos é mostrado pelas diversas mídias.
Não podemos negar que a influência da TV é muitas vezes maior do que a
influência da escola ou dos professores sobre seus alunos. Mesmo aqueles mais
criativos muitas vezes não conseguem competir com ela. Para Távola (2004, p.48):
As crianças usam a TV como uma das fontes de onde extraem material para organizar e interpretar suas experiências vividas, só que essa fonte tem uma energia tremenda. É aí que devemos entrar como professores e pais responsáveis: já que fornecemos critérios para roupa, comida, caráter, então por que não para o uso dos meios de comunicação?
E qual seria o papel da escola, então? Combater com unhas e dentes?
Conscientizar os pais de que seus filhos não devem ficar muito tempo diante da TV?
Indicar os programas mais adequados para cada faixa etária? Acredito que estas não
sejam soluções definitivas.
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O avanço tecnológico trouxe muitas inovações para o mundo moderno, muita
coisa se modificou, dentre elas a constituição da família que hoje é diferenciada. Hoje
existe um número grande de pais que se separam e constituem novas famílias. Sendo
assim, nosso aluno pode pertencer a mais de um núcleo familiar ao mesmo tempo,
tendo irmãos por parte de pai ou de mãe. Entretanto, com tantos avanços ainda vemos
uma escola com moldes de uma sociedade que não temos mais. Segundo Bordoni
(2005, p. 41):
Em pleno século 21, a escola ainda mantém práticas que não condizem com os novos tempos, distanciando-se do cotidiano. Uma escola rígida para um mundo rígido. Um mundo que não existe mais!
A escola, então, deve se posicionar não contra, mas colocando a TV como
uma possível aliada. Deve proporcionar aos alunos condições deles mesmos se
posicionarem contra ou a favor de determinado programa, levando seus alunos a
refletirem constantemente sobre o que vêem na televisão. Nesse sentido, afirma
Bordoni (2005, p.41):
Neste novo mundo, a informação circula de maneira rápida, sem fronteiras e sem filtros de qualquer espécie. O excesso de dados causa ansiedade. Não adianta sobrepor mais e mais informes às velhas formas de processá-los, nem ter domínio sobre o instrumento processador. É preciso saber transformar a informação em conhecimento aplicável e direcionado, de forma consciente3.
Então é aí que entramos, como mediadores e facilitadores da construção de
conceitos e valores sociais.
Nossos alunos já estão impregnados de todo o tipo de informação veiculada
pelas mais diversas mídias, mas muitas vezes não sabem o que fazer com tanta
informação. Não dá mais para termos uma educação que transmite apenas conteúdos
pedagógicos. Nossos jovens estão crescendo e perdendo cada vez mais o estímulo
pela escola.
Percebemos que o grande desafio da escola seria desenvolver valores
perdidos e entre eles o de trazer discussões acerca do que é visto na televisão e
3 Grifo meu.
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proporcionar momentos de reflexão das idéias apresentadas. Sobre este aspecto
Mansur (2003, p.6) afirma:
Faz-se necessária uma aprendizagem crítica a respeito do que escolher, do que olhar, de como olhar a televisão e fazer a criança refletir sobre o que vê. É importante que os adultos se informem melhor, atualizem-se, reflitam constantemente sobre as ações de educação informal e seus efeitos sobre a infância.
O professor então deve levar para a sala de aula discussões acerca das
novelas, programas, desenhos, filmes, seriados, jornalismos e propagandas. Seria
interessante, também, que a escola produzisse com seus alunos projetos de como se
faz a televisão. Isso poderia render uma grande lição, pois quem faz pode muito bem
manipular as informações em favor de interesses próprios.
Acredito que um dos papéis da escola seja o de ajudar a formar
telespectadores críticos e conscientes de que a televisão é um pequeno recorte do
cotidiano e não um retrato da vida real como muita gente acredita. Com relação ao
exposto, Napolitano (2003, p. 12) afirma:
A midiabilidade é um dos principais problemas a serem pensados pela escola, ao objetivar a incorporação do material veiculado pela TV como fonte de aprendizagem. Não se trata de tentar dissipar a influência da mídia na vida das pessoas, mas de explicitar este fenômeno e fornecer alguns pressupostos críticos, valorizando elementos culturais que muitas vezes o aluno já possui.
A criança é um ser social que recebe influências do meio onde vive, da
escola, dos meios de comunicação, especialmente a televisão. De acordo com essa
afirmação Mansur (2003, p.6) nos diz o seguinte:
Entre a criança e o mundo há uma interação que permite seu desenvolvimento como ser humano enquanto participa da construção do mundo. Nesse processo, sofre influência de agentes externos como a televisão. Necessário se faz refletir sobre os seus efeitos na infância, promovendo uma verdadeira educação para a mídia.
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A família é o agente social que mais exerce influência sobre a vida e o
comportamento da criança. São os pais os primeiros educadores e aqueles que a
criança vai querer imitar com o passar do tempo. Para Bordoni (2005, p.40):
É preciso lembrar que nada é mais forte no aprendizado de uma pessoa do que o exemplo. Discursos e teorias, por mais brilhantes que sejam, perduram menos em nossas mentes que as ações marcantes presenciadas.
Piaget (1978) já defendia que o aprendizado é construído na experiência.
Isso fica claro quando se estuda a questão da formação moral da criança4.
Sendo assim, é preciso perceber que a criança nasce em um mundo com
culturas e valores específicos e que ela vai se apoderar deles no decorrer de sua vida.
Vários são os fatores que exercem influência no desenvolvimento de conceitos e
valores das crianças. O meio onde está inserida, a família, a escola, a igreja, os
vizinhos, a televisão, entre outros. E sendo assim, não é possível afirmar que apenas
um desses fenômenos pode ser o responsável por atitudes que porventura não sejam
aceitas pela nossa sociedade como, por exemplo, a violência. Muitas vezes a TV é
apontada como o principal veículo de disseminação da violência, porém esta afirmativa
carece de uma reflexão bem mais aprofundada.
TELEVISÃO E VIOLÊNCIA
Muitos pesquisadores se dedicaram a estudar o fenômeno da banalização da
violência pela televisão e suas causas na formação do ser humano. Entretanto, é
preciso ressaltar que a violência é algo muito mais abrangente do que aquela veiculada
pela mídia. Sobre este aspecto Itani (1998) destaca o seguinte:
A noção de violência é comumente relacionada à sua faceta mais visível, a das cenas dos crimes urbanos e assaltos, amplamente exploradas e difundidas pela imprensa. Porém, várias são as formas pelas quais ela se realiza. Dentre estas, as mais nocivas abrigam-se na legalizada e institucionalizada, quase invisíveis aos olhos do cidadão,
4 Sobre esse assunto consulte: CARNEIRO, Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque. O desenvolvimento da
moralidade infantil e a postura do professor na formação da autonomia. Juiz de Fora / MG: M. C. Cavalcanti de
Albuquerque, 2002.
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que não sabe se defender contra elas. [...] Mas é preciso distinguir duas ações: a que violenta os cidadãos pela reprodução da desigualdade, e a que socializa e impõe regras coletivas. A ausência da ação socializadora pode desdobrar-se em uma violência maior, pela falta de uma ética da vida.
Quando afirmamos que a maneira como a TV apresenta as cenas de
violência a banaliza e pode transformar o telespectador em um ser violento e sem
controle de seus instintos, estamos sendo precipitados. As crianças que são obrigadas
a trabalhar desde muito cedo para ajudar no sustento da família, deixando de lado sua
infância, a falta de saneamento em diversos bairros dentro de cidades ditas
urbanizadas, a carência do Sistema Único de Saúde, a falta de comida na mesa de
muitos, a falta de ética na política, a repressão silenciosa que algumas instituições
educacionais ainda teimam em praticar contra seus educandos, tudo isso não se
constitui então em uma violência contra o ser humano? Uma violência velada que
destrói a auto-estima deve nos levar a refletir.
Acreditamos que quando há um mediador para fazer conexões entre o real e
o imaginário, a influência das imagens apresentadas pode causar menos danos à
formação do cidadão. Se não fosse assim, a influência de alguns ídolos, por exemplo,
poderia ser desastrosa.
O IMAGINÁRIO INFANTIL E OS ÍDOLOS
Os ídolos aparecem de tempos em tempos, numa velocidade espantosa e
tomam conta do imaginário de crianças, adolescentes e mesmo dos adultos, que se
entregam à idolatria destes seres antes desconhecidos. E fazem deles um sucesso
especialmente de vendas de uma diversidade de produtos. Foi assim com os Beatles5
na década de 1960 e com os Menudos6 na década de 1980, por exemplo. Agora é a
5 The Beatles foi uma banda de rock formada em Liverpool, Inglaterra, no final da década de 1950. Formada por
John Lennon (guitarra e vocal), Paul McCartney (baixo e vocal), George Harrison (guitarra e vocal) e Ringo Starr
(bateria e vocal), obtiveram notoriedade até hoje inédita para uma banda musical. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Beatles) 6 Menudo - Grupo musical portoriquenho criado nos anos 80 composto por cinco adolescentes que cantavam e
dançavam coreografias ensaiadas.
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vez do RBD, um grupo musical formado a partir da novela mexicana Rebelde exibida
diariamente pelo SBT. Segundo Guarnieri (1997, p.112):
O herói é um dos símbolos mais conhecidos em todo o mundo e tem um apelo muito grande, não só para as crianças, mas também para os adultos. A figura do herói está presente em toda a mitologia, nos sonhos, em filmes e histórias de vida, reais e não reais, que nos envolvem e emocionam tanto. É por essa particularidade que observamos quão importante e profundo é seu aspecto psicológico.
O imaginário infantil tem sido alvo de muitos estudos. Esse imaginário nos
revela o modo de pensar e de vivenciar o mundo a partir de experiências individuais ou
coletivas. Segundo Silva (2003, p.11-12):
[...] o imaginário é um reservatório/motor que agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado, leituras de vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar no mundo. [...] A construção do imaginário individual se dá, essencialmente por identificação (reconhecimento de si no outro), apropriação (desejo de ter o outro em si) e distorção (reelaboração do outro para si). O imaginário social estrutura-se principalmente por contágio: aceitação do modelo do outro (lógica tribal), disseminação (igualdade na diferença) e imitação (distinção do todo por difusão de uma parte).
Quando vemos então, nossos alunos e filhos tão empolgados e “fissurados”
por seus ídolos, imitando e tentando ser iguais, querendo consumir desmedidamente
todos os produtos que são oferecidos pelo mercado, devemos entrar como mediadores,
mostrando a diferença entre consumo e consumismo, mostrando o quanto pode se
tornar negativo o ato de consumir exageradamente produtos que ficarão esquecidos em
um breve período de tempo, pois a fama é passageira e todo esse sucesso tem um
prazo de duração. Com a mesma velocidade que surgem eles desaparecem, deixando
o lugar para uma próxima produção. Com relação a este aspecto afirma Rocco (apud
NAPOLITANO, 2003, p.43): “Esse tipo de modismo exerce uma influência rápida e
pontual. O que realmente faz a diferença no caráter da criança ou do adolescente é a
educação recebida nos grupos sociais aos quais ela pertence”.
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Minami (2006, p.42) dá algumas dicas de como usar os modismos em favor
da Educação:
- Busque compreender o que está fazendo a cabeça dos estudantes e, com base nisso, levante tópicos de discussão em classe. Vale mostrar trechos do programa para estimular a reflexão sobre os modismos. - Não rotule os programas. Reflita sobre a questão e vá na contramão do senso comum. Em vez de dizer que a novela é sem sentido, procure identificar os aspectos que atraem a atenção da garotada. - Faça concessões, mas estabeleça limites. Se os alunos querem levar CDs e figurinhas de seus ídolos para a escola, não há problema. É só definir local e horários adequados para utilizá-los - Ajude os alunos a distinguir a realidade da fantasia. No caso de Rebelde, isso é essencial porque um elemento importante da trama – a banda RBD – transita entre a ficção e a vida real. - Explique a diferença entre consumo e consumismo. Construa os conceitos e mostre que um é positivo e o outro negativo.
A seguir descreveremos o contexto da investigação do estudo exploratório
bem como a análise e interpretação dos dados coletados.
CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO
Neste estudo foi feita uma pesquisa de abordagem qualitativa, de cunho
exploratório através de um estudo de caso. Para a coleta dos dados utilizamos a
técnica da observação e solicitamos, também, uma produção de texto e ilustração do
mesmo a partir da provocação: “O que eu penso da TV?”. A produção de texto ilustrada
foi realizada no dia 24 de agosto de 2006, na própria sala de aula da escola. As
observações foram realizadas durante os intervalos (20 minutos) durante os seis
primeiros meses do ano letivo de 2006. Anteriormente à aplicação dessas “atividades”
foi solicitado aos pais dos alunos e à Coordenação desse segmento permissão para
poder aplicá-las.
Os sujeitos da pesquisa são 24 crianças entre 9 e 10 anos, de uma turma de
4ª série do Ensino Fundamental em uma escola da rede particular de ensino da cidade
de Juiz de Fora, MG. Essa escola atende cerca de 1500 alunos, a maioria com boas
condições econômicas. Escolhemos essa escola pela facilidade de acesso que tenho
em visitá-la. A seguir, buscamos responder as questões elaboradas neste estudo.
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ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Buscando investigar a influência da televisão no imaginário infantil,
procuramos, a partir do material coletado, tecer algumas reflexões à luz do referencial
teórico adotado neste trabalho.
Com relação às observações feitas em momentos de lazer e descontração,
percebemos que o imaginário se reflete nas brincadeiras infantis. No horário de
recreação livre, observamos algumas crianças brincando de novela “Rebelde”, um
menino imitava um personagem alcoolizado e uma das meninas dizia para ele: “Está
bêbado de novo Diego?”. Esta brincadeira refere-se a um dos integrantes do grupo que
na novela está sempre às voltas com problemas relacionados à bebida. Esta
brincadeira remete-nos às afirmações de Silva (2003) que nos diz que o imaginário
social estrutura-se principalmente por contágio através da lógica tribal e da imitação.
Mcluhan (1979, p. 346) ao discorrer sobre os efeitos da TV sobre a criança
faz a seguinte afirmação:
Talvez o efeito mais comovente e familiar da TV seja o comportamento das crianças que cursam o primário. Desde o aparecimento da TV, as crianças costumam ler com os olhos a apenas 15 centímetros, em média, da página – independentemente das condições de suas vistas. [...] Com uma perfeita habilidade psicomimética, executam as ordens da imagem televisionada. Prestam atenção, investigam, aquietam-se e envolvem-se em profundidade.
A questão da imitação como integrante do imaginário fica visível também
neste relato: as crianças cantaram e dançaram algumas músicas, imitando os
componentes do grupo RBD. Com relação ao exposto, Sarmento (2006, p.12) faz
referência “à dimensão da fantasia presente no jogo simbólico. É um “mundo de faz de
conta” em que o que é verdadeiro e o que é imaginário se confundem estrategicamente
para que a brincadeira valha a pena”.
Os protagonistas da novela “Rebelde” são os integrantes da banda RBD, que
chegaram ao estrelato por meio de supostas atitudes de rebeldia, como enfrentar os
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obstáculos que os pais e a direção da escola tentam impor. Eles se dividem entre a
fama e o cotidiano no Colégio Elite Way, no México, onde passam pelos conflitos típicos
da adolescência, relacionados a sexo, drogas, relação com os pais e incertezas quanto
ao futuro. A fórmula é bem conhecida, com ênfase na aparência dos personagens. As
meninas, vestidas com gravatas desalinhadas e bota de cano alto, têm um toque
acentuado de sensualidade. Como o próprio nome da escola indica, os protagonistas
são de classe média alta e vivem às voltas com laptops, celulares de última geração e
viagens para o exterior. Um núcleo de bolsistas de origem pobre responde por parte
dos conflitos da trama (MINAMI, 2006).
As produções de texto mostraram o quanto as crianças, nesta idade, já
possuem opiniões formadas sobre a televisão – seja por influência da família ou até
mesmo de professores e colegas. O trecho e a ilustração seguintes, retirados das
produções dos alunos, confirmam isso.
Eu gosto de ver TV só quando eu não tenho nada para fazer. Mas eu adoro ver os desenhos do SBT [...] A televisão também vicia muita criança e adulto, tem vários tipos de programas que quando as pessoas vêem não dá vontade de parar (Aluna M7.).
Outro dado importante que observamos através dos desenhos é o fato de a
maioria das crianças assistirem TV no próprio quarto, o que sugere que elas geralmente
ficam sozinhas neste momento. Nas cenas compostas nos desenhos, as crianças estão
sentadas no sofá ou no próprio quarto, mas sempre sós. As imagens seguintes ilustram
7 Os nomes dos alunos foram abreviados para preservar suas identidades.
Desenho da aluna M.
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essa afirmação. Na primeira imagem a criança L. encontra-se só no sofá e na TV está
tocando alguma música. O desenho da criança M.J. mostra uma criança no próprio
quarto, também sozinha. Será que essas imagens materializam o que elas vivenciam?
Algumas crianças criaram uma história a partir do tema. Foi interessante
perceber que elas contaram a própria história e demonstraram, ali, os valores que a
família transmite sobre a televisão. A produção abaixo ilustra esse fato.
Numa cidade chamada TV, morava 3 crianças que só gostavam de assistir a televisão. Num belo dia essas crianças ficaram com os olhos super ardendo e com muita dor de cabeça. Foram na farmácia: — Senhor José o senhor tem algum remédio para a dor de cabeça? Ele disse: — Tenho sim, não ver televisão muito tempo no máximo 2 horas. E assim as meninas fizeram. Moral: A televisão ela é maravilhosa mas ao mesmo tempo ela é horrível. Isso serve de lição para as pessoas que vêem televisão exageradamente. Podem ver mas quando for importante, ou alguma coisa que interesse, porque tem outras coisas para fazer, mais importantes. (Aluna V.)
O aluno A. criou uma história e se colocou como personagem principal:
relatou que o menino A. adorava ver TV, mas sua mãe só deixava quando ele tirava
boas notas na escola. Termina assim sua produção: “Como A. é inteligente ele sempre
vê TV. E assim até quando cresceu é inteligente, obediente e ama “ve” TV.”
Os alunos demonstraram possuir uma consciência crítica a respeito do que
se passa na televisão, entretanto, todos se mostraram fascinados por ela. Em todas as
produções apareceram críticas e elogios à TV.
Para mim a TV muitas vezes nos atrapalha nos estudos, porque ficamos com vontade de ver. Mas apesar de tudo adoro TV! (aluna J.) Eu gosto da TV, mas quem vê demais pode ficar viciado. É legal mas tem que usar com moderação.” (aluno B.)
Desenho da aluna L. Desenho da aluna M.J.
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Com relação a este aspecto – um discurso sobre a TV e uma prática
contrária - Napolitano (2003, p.12) nos diz:
É muito comum que alunos e professores critiquem a TV na sala de aula, mas ao chegar em seus lares se entreguem acriticamente, fascinados aos suspiros das novelas e às falácias dos telejornais.
Com relação aos programas preferidos percebemos que os desenhos
animados apareceram em todas as produções de texto. Futebol apareceu em primeiro
lugar na preferência dos meninos. Como unanimidade, as crianças elegeram os jornais
e propagandas políticas como os programas mais desagradáveis. A novela mexicana
“Rebelde” foi a que mais apareceu na preferência das meninas. Os desenhos a seguir
mostram essas preferências. A aluna R. desenhou a novela Rebelde e o aluno R. um
jogo de futebol.
O fato dos meninos preferirem futebol e as meninas a novela “Rebelde” não
é de todo surpreendente, pois, como nos diz Sodré (1981, p.77):
[...] o discurso da tevê simula analogicamente o real, suas características informativas são dedutíveis da relação que mantém com o já existente na vida social, o real já dado.
Sobre a preferência pelo que está sendo veiculado na mídia, produzindo a
indústria do consumo que se atrela à indústria cultural, Sarmento (s/d, p. 6) nos afirma:
[...] os produtos da indústria cultural para as crianças devem a sua eficácia à empatia que conseguem estabelecer com os seus
Desenho da aluna R.
Desenho do aluno R.
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“consumidores”8 [...] verifica-se o estabelecimento de uma conformidade com o imaginário infantil que explica a universalização desses produtos. Eles tornam-se referências no mercado infantil pelo valor simbólico que lhes está associado e que, em larga medida, se sobrepõe ao seu potencial lúdico [...].
Portanto, para a criança, viver esse imaginário em sua plenitude é tentar
compreender o significado real de sua existência e sua participação no mundo. Sem
danos é melhor!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo exploratório, pela complexidade que o tema envolve – influência
da televisão no imaginário infantil -, não nos permite tirar conclusões propriamente
ditas. Portanto, sem o intuito de sermos conclusivas, fazemos algumas colocações.
Às vezes parece cômodo colocarmos a culpa na TV pela desmoralização da
sociedade e pela deseducação dos nossos filhos, mas precisamos nos lembrar que o
primeiro grupo social da vida de um cidadão é a família. Ela é responsável por transmitir
valores sociais e culturais e, no entanto, quando algo sai do controle, é preciso buscar
um motivo fora do seio da família para se justificar os fatos.
Percebemos que a televisão pode ser nociva quando o aluno passa horas
diante dela, recebendo tudo o que é veiculado sem um mediador para auxiliar no
processo de assimilação. É aí que entra a família e a escola, que precisam sim, discutir
os valores transmitidos pela telinha.
Não cabe então à escola simplesmente rejeitar o fenômeno e fingir que ele
não existe, se as crianças estão cada vez mais afetadas por ele. Neste sentido, cabe
aos pais e professores conhecerem e se informarem sempre sobre o que é veiculado
pela mídia para poder entender o que se passa com as crianças e ajudá-las a formar
conceitos e valores sobre sua própria vida. Enquanto a escola fechar os olhos para este
tema mais ela se distanciará do cotidiano de seus alunos encontrando dificuldades em
estabelecer um diálogo franco e verdadeiro que possa levar a criança a se tornar um
cidadão verdadeiramente crítico e reflexivo.
8 Destaque do próprio autor.
21
Deixamos agora algumas sugestões para se trabalhar este tema em sala de
aula. O autor Marcos Napolitano publicou o livro “Como usar a televisão em sala de
aula”, onde aponta dicas e sugestões de como trabalhar a relação da criança com a
televisão na escola. Existe ainda um livro do autor Max Lucado intitulado “Se ao menos
eu tivesse um nariz verde” em que o autor aborda a questão do modismo e da
influência externa sobre as nossas escolhas.
Acreditamos ser necessário trabalhar no sentido da educação para a mídia,
em que todos – família, escola e sociedade – assumam sua parcela de
responsabilidade.
BIBLIOGRAFIA
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