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Copyright 2007 pelo Instituto Metodista de Ensino Superior CGC 44.351.146/0001-57 Mudanças – Psicologia da Saúde, 15 (1), Jan-Jun 2007, 1-12p A técnica de debriefing psicológico em acidentes e desastres Liliana Andolpho Magalhães Guimarães* Patrícia Magalhães Guimarães** Sérgio Nolasco Hora das Neves*** João Marcos Del Cistia**** Resumo Este estudo faz uma revisão crítica não sistemática, acerca da literatura sobre ações em Saúde Mental junto a acidentes e desastres. Descreve e compara os principais modelos teóricos da técnica denominada Debriefing Psicológico, a mais utilizada mundialmente frente a Incidentes Críticos. Discute e sugere uma possível complementaridade do Debriefing com outra técnica psicológica, o Defusing. Fornece também subsídios para um correto diagnóstico psicológico- psiquiátrico das síndromes pós-traumáticas agudas e crônicas, apresentando critérios comparativos entre a impressão clínica, a CID-10 e o DSM-IV, propiciando a implementação de uma correta estratégia terapêutica. Conclui pela adequação do uso do Debriefing Psicológico, como parte de um programa maior de atenção em Saúde Mental que inclua também administração de crise e cuidados pós-traumáticos. Descritores: Acidentes e desastres no Trabalho; Debriefing Psicológico; Defusing; Saúde Mental. The psychological debriefing technique in accidents and disasters Abstract This study aims at summarizing the literature on Mental Health actions and interventions to be taken in the course of accidents and disasters. Presents and compares the main theoretical models of technique called Psychological Debriefing, the most used front of Critical Incidents, discussing the possible complementarily of this with another technique well discussed, the Defusing. Also examines and compares the Clinical impression, the ICD-10 and DSM-IV about Post- traumatic Syndrome (chronicle or not) establishing the basis to a correct psychological-psychiatric diagnosis. Ends up proposing that the use of Psychological Debriefing is adequate how part of a highest programme in Mental Health that does include Crisis Administration and Post-traumatic care. Index-terms: Accidents and disasters; Psychological Debriefing; Defusing; Mental Health. La technique debriefing psychologique dans des accidents et des désastres Résumé Cette étude fait une révision critique non systématique concernant la littérature sur des actions dans Santé Mentale au sujet d’accidents et de désastres. Il décrit et compare les principaux modèles théoriques de la technique nommée Debriefing Psychologique, la plus utilisée mondialement dans les Incidents Critiques. Il discute et suggère une possible * Psicóloga; Mestre em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo; Doutora em Saúde Mental pela Unicamp; Professora do Curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB-MS; Professora Doutora Colaboradora do DPMP-FCM-Unicamp; Diretora dos Laboratórios de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp e da UCDB. End. para correspondência: [email protected] ** Psiquiatra; Mestre em Saúde da Infância e da Adolescência CIPED-FCM-Unicamp. Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM- Unicamp. *** Psicólogo, Mestrando em Ciências Médicas-DPMP-FCM-Unicamp. Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp **** Psicólogo, Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp. Mudanças – Psicologia da Saúde, 15 (1) 1-12, Jan-Jun, 2007

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Copyright 2007 pelo Instituto Metodista deEnsino Superior CGC 44.351.146/0001-57

Mudanças – Psicologia da Saúde,15 (1), Jan-Jun 2007, 1-12p

A técnica de debriefing psicológico em acidentes e desastres

Liliana Andolpho Magalhães Guimarães*Patrícia Magalhães Guimarães**

Sérgio Nolasco Hora das Neves***João Marcos Del Cistia****

ResumoEste estudo faz uma revisão crítica não sistemática, acerca da literatura sobre ações em Saúde Mental junto a acidentese desastres. Descreve e compara os principais modelos teóricos da técnica denominada Debriefing Psicológico, a maisutilizada mundialmente frente a Incidentes Críticos. Discute e sugere uma possível complementaridade do Debriefingcom outra técnica psicológica, o Defusing. Fornece também subsídios para um correto diagnóstico psicológico-psiquiátrico das síndromes pós-traumáticas agudas e crônicas, apresentando critérios comparativos entre a impressãoclínica, a CID-10 e o DSM-IV, propiciando a implementação de uma correta estratégia terapêutica. Conclui pelaadequação do uso do Debriefing Psicológico, como parte de um programa maior de atenção em Saúde Mental queinclua também administração de crise e cuidados pós-traumáticos.Descritores: Acidentes e desastres no Trabalho; Debriefing Psicológico; Defusing; Saúde Mental.

The psychological debriefing technique in accidents and disasters

AbstractThis study aims at summarizing the literature on Mental Health actions and interventions to be taken in the course ofaccidents and disasters. Presents and compares the main theoretical models of technique called Psychological Debriefing,the most used front of Critical Incidents, discussing the possible complementarily of this with another technique welldiscussed, the Defusing. Also examines and compares the Clinical impression, the ICD-10 and DSM-IV about Post-traumatic Syndrome (chronicle or not) establishing the basis to a correct psychological-psychiatric diagnosis. Ends upproposing that the use of Psychological Debriefing is adequate how part of a highest programme in Mental Health thatdoes include Crisis Administration and Post-traumatic care.Index-terms: Accidents and disasters; Psychological Debriefing; Defusing; Mental Health.

La technique debriefing psychologique dans des accidents et des désastres

RésuméCette étude fait une révision critique non systématique concernant la littérature sur des actions dans Santé Mentale ausujet d’accidents et de désastres. Il décrit et compare les principaux modèles théoriques de la technique nomméeDebriefing Psychologique, la plus utilisée mondialement dans les Incidents Critiques. Il discute et suggère une possible

* Psicóloga; Mestre em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo; Doutora em Saúde Mental pela Unicamp; Professora do Curso de Mestrado emPsicologia da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB-MS; Professora Doutora Colaboradora do DPMP-FCM-Unicamp; Diretora dos Laboratórios de SaúdeMental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp e da UCDB. End. para correspondência: [email protected]

** Psiquiatra; Mestre em Saúde da Infância e da Adolescência CIPED-FCM-Unicamp. Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp.

*** Psicólogo, Mestrando em Ciências Médicas-DPMP-FCM-Unicamp. Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp**** Psicólogo, Membro do Laboratório de Saúde Mental e Trabalho- DPMP-FCM-Unicamp.

Mudanças – Psicologia da Saúde, 15 (1) 1-12, Jan-Jun, 2007

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complémentarité du Debriefing avec autre technique psychologique, le Defusing. Il fournit aussi des aides à undiagnostic correct psychologique- psychiatrique des syndromes post-traumatiques aigus et chroniques, en présentantdes critères comparatifs entre l’impression clinique, à la CID-10 et la DSM-IV, en rendant propice la mise en oeuvred’une stratégie thérapeutique correcte. Il conclut par l’adéquation de l’utilisation du Debriefing Psychologique, commeune partie d’un programme plus grand d’attention en Santé Mentale qui inclut aussi l’administration de crise et soinspost-traumatiques.Mots-clés : Accidents et désastres dans le Travail ; Debriefing Psychologique ; Defusing ; Santé Mentale.

La técnica de debriefing psicologico en accidentes y desastres

ResumenEste estudio presenta una revisión crítica no sistemática, acerca de la literatura sobre acciones en Salud Mentalrelacionadas con los accidentes y desastres. Describe y compara los principales modelos teóricos de la técnicadenominada Debriefing Psicológico, considerada como la más utilizada mundialmente frente a Incidentes Críticos.Discute y sugiere una posible complementaridad del “Debriefing” con otra técnica psicológica, el “Defusing”. Ofrecetambién una contribución para un correcto diagnóstico psicológico-psiquiátrico de los síndromes post-traumáticosagudos y crónicos, presentando criterios comparativos entre la impresión clínica, el CID-10 y el DSM-IV, propiciandola implementación de una correcta estrategia terapéutica. Concluye, enfatizando la adecuación del uso del DebriefingPsicológico, como parte de un programa especializado en la atención en Salud Mental que incluya tambiénadministración de crisis y cuidados post-traumáticos.Descriptores: Accidentes y desastres en el Trabajo; Debriefing Psicológico; Defusing; Salud Mental.

Introdução

Breve Histórico das Intervenções Psicológicasem Incidentes Críticos (ICs)1

Nos últimos anos as intervenções psicológicas juntoa acidentes e desastres experimentaram um notávelavanço. A tradição desta área específica da Saúde Mentalremonta ao princípio do século XX, durante a PrimeiraGuerra Mundial, onde se têm dados de intervenções insitu com combatentes, objetivando tratar transtornos porestresse agudo.

Posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial,foram realizadas as primeiras intervenções psicológicas,realizadas por meio de sessões catárticas de “desabafo”,nos campos de batalha (Bisson, Mcfarlane & Rose, 2000).

Na década de 70 começa a ser delinear a necessidadedo desenvolvimento de técnicas mais complexas e pro-gramas multicomponentes com a finalidade de tratarsistematicamente as pessoas expostas a experiênciastraumáticas (Paton; Violanti & Dunning, 2000; Sthulmiller& Dunning, 2000).

Dentre todas as técnicas desenvolvidas para talfinalidade há uma que alcançou uma grande difusão e,1 Incidentes Críticos: são quaisquer situações enfrentadas pelas pessoas que as

faz experimentar fortes reações emocionais e com potencial para interferirextraordinariamente em seu funcionamento, no momento ou a posteriori”.

desde sua criação no início da década de 1980 até hoje,foi alçada á condição de ferramenta mais utilizada nestetipo de intervenção.

Esta técnica, conhecida como CISD (Critical IncidentStress Debriefing), foi idealizada por Jeffrey Mitchell em1983, como parte de sua teoria geral sobre intervenção emcrise e desastres naturais, no principio instituída como umprograma destinado a reduzir o estresse de trabalhadoresdos serviços de emergência. (Mitchell & Everly, 1995). Paradesenvolvê-la, seus autores se basearam no modelo deintervenção da Psiquiatria Militar, que utilizava um métodosimilar para a reabilitação psicológica dos soldados no front,desde a Segunda Guerra Mundial.

Resumidamente, a técnica CISD consiste em facilitara expressão dos sentimentos e emoções em grupo, rela-cionadas à experiência traumática vivida, com o propósitode reordená-la cognitivamente, de forma mais adaptativa.Em sua forma original consta de sete fases: 1) introdução,2) fatos, 3) pensamentos, 4) reações emocionais, 5)sintomas, 6) informação e 7) re-entrada (Everly &Mitchell, 2000). Estas fases podem ser organizadas emquatro grandes componentes (Hodgkinson & Stewart,1991): 1) fase de introdução, onde o profissional seapresenta e na qual são explicados: os objetivos, metas ebenefícios da intervenção, 2) fase de narração na qual osparticipantes relatam os fatos vivenciados e descrevem

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seus pensamentos e idéias acerca do mesmo, 3) fase dereação, na qual se promove a liberação de emoçõesassociadas à experiência vivida e 4) fase pedagógica emque se informam os sintomas comuns do TEPT2, norma-lizam-se as reações, entrega-se material informativográfico acerca de estratégias de enfrentamento (coping)3,listam-se sintomas etc.

Tal qual é entendida por seu criador, a técnica CISDdeve ser necessariamente aplicada por Profissionais daárea da Saúde Mental, especificamente treinados, a gruposde pessoas que tenham vivenciado um evento traumático,nas primeiras 24 a 72 horas (na maioria dos casos seintervém no local dos fatos), em uma sessão de aproxi-madamente 2 horas de duração.

DebriefingPode-se afirmar que existem, cinco (5) modelos estru-

turados de Debriefing, especificados no Quadro 1, a seguir:

comunidades, estendendo-se inclusive a empregados debancos, trabalhadores de indústria, e sobreviventes dedesastres (Canterbury & Yule, 1999). Ao contrário domodelo de Mitchell que se focaliza na emergência doevento traumático, este modelo considera as experiênciastidas pelos participantes, imediatamente anteriores aoevento. Tenta-se reduzir a probabilidade de ocorrência desentimentos de culpa, e informações são coletadas sobreo que o participante viu, ouviu, tocou, cheirou, e provou(Rose & Tehrani, 2002).

Já a proposta de Raphael para Debriefing é menosdiretiva que os modelos de Mitchell e de Dyregrov etambém encoraja aos participantes a explorarem osacontecimentos que levaram até a ocorrência do eventotraumático (Rose & Tehrani, 2002). Além disso, estemodelo dá maior ênfase ao nível de preparação ou trei-namento recebido pelos participantes antes do evento,fazendo uso de perguntas diretas, tais como: “Sua vida foiameaçada?”, ou “Você sentiu-se bem ou mal acerca dequalquer ato que realizou?”. A proposta encoraja osparticipantes a levarem em consideração os sentimentosdos outros participantes. (Rose & Tehrani, 2002).

O terceiro modelo é o Debriefing sobre EstressoresMúltiplos (MSD) criado a partir de investigações feitascom trabalhadores de emergência no terremoto de Cali-fórnia, Estados Unidos (EUA), em 1989. Foi projetadopara ser empreendido a longo prazo, ao invés de lidarcom eventos traumáticos a curto prazo, trabalhando-secom temas estressantes, relacionados a operações rea-lizadas por trabalhadores, relativas a desastres.(Canterbury & Yule, 1999).

O MSD pode ser útil frente a situações de acidentesou desastres que impliquem em múltiplos contatosrealizados pelas equipes de trabalho, por muitas horas eem condições inseguras, com os mesmos longe de casapor um longo período de tempo e com convivênciadiuturna com as pessoas traumatizadas, acometidas.(Canterbury & Yule, 1999). Cabe ressaltar que estemodelo de Debriefing está sendo atualmente usado pelaCruz Vermelha Americana junto a seus trabalhadores,após participação em operações relativas a desastres.

O MSD é semelhante ao modelo de Mitchell, quepor sua vez, também é influenciado pelo modelo deRaphael, e envolve quatro fases:

1. Revelação de eventos,2. Sentimentos e reações,3. Estratégias de enfrentamento (coping)4. Finalização (Canterbury & Yule, 1999).

2 TEPT – Transtorno por Estresse Pós-Traumático.3 Estratégias de enfrentamento (coping)- Conjunto de esforços cognitivos e de

comportamento mutáveis desenvolvidos para fazer frente às demandasespecíficas externas ou internas avaliadas como ultrapassando seus própriosrecursos. Se estes esforços são efetivos na resolução do problema, propor-cionarão alívio, recompensa, tranqüilidade, equilíbrio, diminuindo o estresse.

Quadro 1 – Modelos de Debriefing (GUIMARÃES et al, 2006)

1. National Organisation of Victim Assistance Debriefing (NationalOrganisation of Victim Assistance (Nova, 1987)

2. Didactic Debriefing (Dunning, 1988)3. Critical Incident Stress Debriefing (Mitchell, 1983)4. Psychological Debriefing (Raphael, 1986)5. Crisis Intervention (Cohen & Ahearn, 1980)

No entanto, a Sociedade Britânica de Psicologia(2002) e também Canterbury e Yule (1999) consideramtrês (3) os modelos de Debriefing psicológico mais uti-lizados na atualidade, além do tradicional modelo CISDde Mitchell, exposto acima: 1) o de Dyregrov; 2) o deRaphael e 3) o Debriefing de Múltiplos Estressores (MSD).

Estes modelos são baseados, em parte, no modeloCISD de Mitchell, na medida que também utilizam umformato estruturado passo a passo e são realizadosatravés de reuniões formais de grupo, logo após a ocor-rência do evento traumático (Rose & Tehrani, 2002).

O modelo de Debriefing de Dyregrov foi adaptado domodelo de Mitchell para uso em uma ampla variedade degrupos expostos a eventos traumáticos além de seconstituir em resposta emergencial a algumas

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Um das principais diferenças entre o modelo deMitchell e o MSD é que este último não considera apossibilidade de que os participantes do grupo possamnão resolver ao término das intervenções de grupo, oprocesso relativo à experiência estressante (Armstrong,Lund, Mcwright & Tichenor, 1995).

Segundo Blythe e Slawinski (2004), a técnica deDebriefing de grupo mais recente a ganhar aceitação é adenominada Modelo TM de Briefing de Resiliência4 emGrupo adotado pela “Administração Internacional deCrises”, uma corporação estabelecida em Atlanta, EUA.O processo empreendido tenta evitar a “revivência”potencialmente dolorosa dos detalhes do incidente enfa-tizando o uso de sistemas de apoios sociais individuaispreexistentes (familiares, amigos, colegas de trabalho einstituições religiosas, entre outros).

Defusing e DebriefingDefusing e Debriefing são métodos de intervenção

psicológico-psiquiátrica que podem ser acionados imedia-tamente após a ocorrência de um evento traumático.Têmcomo objetivos proteger, apoiar e minimizar o desenvol-vimento de síndromes anormais de resposta ao estresse quepossam causar perda de tempo, efetividade ao trabalho eproblemas familiares, mobiliando os recursos individuais ecoletivos disponíveis e não suprimindo reações emocionais.

O termo Debriefing é originário das Forças Armadas,mais especificamente da Força Aérea. Antes de cadamissão, um esquadrão é reunido para “um resumo” quedescreve a missão, seu objetivo e avalia as característicasda intervenção. Após a missão, o esquadrão se reúne

novamente, analisa a intervenção, avalia seu impacto,registra as dificuldades encontradas e suas particula-ridades: isto é uma sessão de Debriefing. Esta prática nãosó se estendeu à aviação civil, mas também a outrosprofissionais em situações de emergência.

No final dos 70, esta prática, assume uma novaconfiguração, na qual Debriefings técnicos passam então aincluir Debriefings psicológicos.

Para a compreensão adequada do fenômeno, osProfissionais de Saúde Mental (PSM) devem estar atentos aofato de que as práticas estão inseridas em um ambiente ecultura particulares, projetadas diariamente de forma virtual,para o funcionamento de equipes em situações críticas.

É estruturado em fases específicas, provavelmenteporque os “procedimentos” ou os protocolos contem-plam a forma como as tarefas são realizadas naquelacultura e em situações semelhantes (respostas automáticaspara permanecer funcionando em situações onde pensarprovavelmente seria prejudicial) e também os com-ponentes cognitivo-comportamentais envolvidos.

A seguir serão consideradas as possíveis diferençase complementaridades entre Defusing e Debriefing, resu-midas também no Quadro 2:

1) Defusing – A sessão inicial de desativação (des-compressão) é feita até 24 horas após a ocorrência doincidente crítico, através de uma entrevista breve onde nãosão abordados aspectos emocionais profundos. Estatécnica é utilizada para “desativar” (relaxar) uma situaçãopotencialmente explosiva. Contempla “desativar alvos” oua descompressão emocional, para conter um possível

4 Resiliência: é a capacidade geral da pessoa para manter um funcionamentoefetivo frente às adversidades do meio ou para recuperar-se.

Fonte: Berclaz (2003)

Quadro 2 – Diferenças entre Defusing e Debriefing

DEFUSING

A sessão inicial de desativação é uma intervenção relativamentebreve após um incidente crítico.

A desativação é desencadeada para “desativar” (relaxar) umasituação potencialmente explosiva

A sessão inicial de desativação é realizada até 24 horas depoisde um desastre.

De forma simples: a desativação objetiva o enfrentamento dereações a curto prazo- um estado de choque- e o retorno a casa

DEBRIEFING

A sessão de Debriefing psicológico é uma entrevista emprofundidade realizada após um incidente crítico.

Debriefing objetiva desencadear o processo de integração dasvivências traumáticas relativas ao evento.

Sessões de Debriefing são realizadas nos dias subseqüentes aoevento crítico

Geralmente seguindo uma abordagem mais estruturada, lidacom reações ao evento, em médio e longo prazo.

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estado de choque a curto prazo e permitir o retorno paracasa. É importante estabelecer uma atmosfera de apoiomútuo. O Escritório Federal Suíço de Defesa Civil (1998)descreve Defusing como “teoricamente, uma versão abre-viada do Debriefing”. Possibilita às pessoas que vivenciaramum evento traumático, uma oportunidade para se expressarbrevemente, até que tenham possibilidade de analisar maisprofundamente sua experiência. Tem como objetivodiminuir a intensidade de reações, colocá-las em pers-pectiva, informar sobre o evento, montar uma rede socialpara evitar que as pessoas envolvidas fiquem isoladas eavaliar a necessidade para prosseguirem um tratamento.Esta sessão inicial de Defusing deverá ser seguida da apli-cação do Debriefing, descrito a seguir:

2) Debriefing – (sessão de relato psicológico). Sãoentrevistas individuais e ou grupais, detalhadas e emprofundidade (de 5 a 7 sessões) realizadas depois de umevento traumático para ativar o processo de integração dasocorrências. Seguindo uma abordagem estruturada, asreações emocionais à ocorrência do evento são tratadas amédio e a longo prazo. Os participantes podem verbalizarou ouvir outras pessoas sobre a sucessão de eventos e

relatos, que podem se tornar parte de sua própria história devida. Quando as sessões de Debriefing são bem administradas,sentimentos e emoções podem ser expressos. É essencialque não se produza um novo trauma. A evitação ou negaçãode emoções difíceis de controlar é um mecanismo de defesaútil, provavelmente uma necessidade de sobrevivênciapsíquica, que não deve ser desativada. As pessoastraumatizadas são estimuladas a retomar suas atividades ou,se necessário, designadas a desempenhar outras funções.

Segundo McNally (2003) e McNally et al. (2003),como o Debriefing freqüentemente ocorre (pelo tempo decontato) sem o necessário desenvolvimento de umaaliança terapêutica entre os PSM e o grupo atendido, osmesmos devem apoiar e valorizar as necessidades daspessoas atendidas, mas nunca lhes forçar a falar ouexpressar seus sentimentos e emoções sobre o evento.Lavie (2001) refere ainda que pessoas que sofrem umforte trauma psicológico não se recuperam mais rapi-damente ao serem forçadas a relembrar fatos ourecordações sobre o acontecimento traumático.

Abaixo, no Quadro 3 podem ser visualizadas asprincipais diferenças entre o modelos teóricos , segundoos estágios de Debriefing:

Quadro 3 – Comparação de estágios em quatro modelos de Debriefing

Mitchell(CISD)

Introdução/regras

Fatos

Pensamentos

Reações

Sintomas

Ensino

Re-entrada

Dyregrov

Introdução/regras

Expectativas e fatos

Pensamentos e decisões

Impressões sensoriais

Reações emocionais

Normalização

Planejamento eenfrentamento futuro

Desligamento

Raphael

Introdução/regras

Iniciação em desastre

Experiência de desastre

Aspectos e sentimentosnegativos/positivos

Relacionamento com osoutros

Sentimentos das vítimas

Desligamento

Revisão e Encerramento

Armstrong et al.(MSD)

Introdução/regras

Identificação dos eventosmais problemáticos

Sentimentos e reaçõesaos eventos difíceis

Estratégias de copingpresentes e passadas

Término: focar na saídado local onde ocorreu odesastre e o retornopara casa

Fonte: Berclaz, (2003)

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No Quadro 4 são comparadas as fases de Debriefing dos modelos CISD e MSD:

Quadro 4. Comparação técnica das fases dos dois métodos mais utilizados de Debriefing: CISD Formal e MSD

CISD - (MITCHELL et al., 1999)

Fase introdutória: o papel do grupo de Debriefing éexposto. Esclarece-se que o processo não tem o objetivo decriticar a performance das pessoas, mas, sobretudo, servir deapoio para que os participantes podem expressar seussentimentos e ouvir aos demais.

Fase do fato: na qual os participantes descrevem o queviram, ouviram, cheiraram, tocaram e fizeram durante oprocessamento de sua experiência.

Fase do pensamento: os participantes são levados aexpressar seus primeiros pensamentos em reação aoselementos mais estressantes da situação.

Fase do sentimento: o grupo discute as reações emocionaissobre o incidente. Questões sobre sensações individuais na horada ocorrência e no aqui-agora são tratadas. Experiências préviassão discutidas. Todos são levados a se expressarem. Nestemomento, pergunta-se aos participantes se os mesmosapresentam sintomas físicos ou psicológicos desde a ocorrênciada situação traumática.

Fase da Informação: O grupo é informado sobre a síndromede resposta ao estresse e é explicado que isso é típico enormal reagir quando exposto a um evento traumático.

Fase final: reentrada: Questões soltas ou pendentes sãointegradas. São esclarecidas dúvidas e questões importantesrespondidas. Informações sobre encaminhamentos sãotambém fornecidas aos membros que sentem que poderiamse beneficiar de um aconselhamento posterior, adicional.

MODELO MSD - (ARMSTRONG et al., 1995)

Descrição dos eventos: discutir como o grave incidente críticoos afetou. Este processo objetiva a coesão grupal, através dadiversidade e número de experiências individuais;

Sentimentos e Reações: Sentimentos sobre os incidentespodem ser expressos. Um quadro-negro pode ser utilizado paraescrever os diferentes sentimentos dos participantes do gruposobre o evento traumático. Enfatiza-se a “normalidade” devárias reações e o efeito benéfico de falar sobre a experiência.Os autores da técnica referem que quanto mais os acometidosexpressam sua insatisfação relativa a busca de esforços paraseu alívio, mais esta circunstância pode ser estressora eangustiantes par aos trabalhadores.

Estratégias de enfrentamento: Respostas ao estresse normais epatológicas são discutidas. A discussão desenvolve-se sobre comose proteger enquanto ainda estiver no ambiente estressante ecomo lidar com o retorno para casa. Um certo número deestratégias de coping são recomendadas, tais como: prática deexercícios físicos, boa nutrição, pausas no trabalho para arealização de atividades de relaxamento, compartilhamento desentimentos com colegas de trabalho, participação de encontroscom a equipe de trabalho, manter contato com a família e amigos,usando métodos que ajudam a lidar com principal eventoestressante. Falar sobre a ocorrência com membros do grupo equestão, auxilia a identificar melhores maneiras para o grupo delidar com o evento traumático.

Término: O término das relações estabelecidas no grupo detrabalho é inevitável. Nesta fase, é colocada a importância dediscutir os aspectos positivos da atuação de cada um junto a eventoestressante, bem como cada um dos participantes se despedirem. Atransição para o retorno a casa é tratada novamente nestemomento, informando-se que algumas reações ao estresse poderãoocorrer posteriormente dado que haverá contato da pessoa comoutros estressores profissionais e familiares, relativos ao evento. Anecessidade de continuar a falar sobre a experiência após o retornoa casa deve ser enfatizada. Acompanhamento individual ouaconselhamento familiar pode ser sugerido para aqueles quecontinuem a apresentar fortes reações emocionais.

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Abaixo, encontra-se descrito o modelo gráfico do Modelo de Debriefing Múltiplo Estressor (MSD - MultipleStressor Debriefing Model) (Figura 1).

Figura 1 - Modelo multi-estressor de debriefing (Armstrong, O’callahan & Marmar, 1999)

Fonte: Berclaz (2003)

Cabe acrescentar que, outras formas de intervençãopodem ser fomentadas através de diferentes programas quetenham flexibilidade e que levem em consideração a imensavariedade de reações que a mesma situação traumática podedesencadear em diferentes pessoas expostas.

É importante lembrar que o que é traumático parauma pessoa, não é para outra, que as emoções provo-cadas pelo mesmo evento não são iguais para todas aspessoas e que inclusive aquelas situações mais objeti-vamente estressantes e críticas podem ser experimentadasde formas completamente diferentes com base nas inter-pretações e significados que cada pessoa e cada culturalhe atribuam. (Stulmiller; Dunning, 2000).

Abaixo, apresenta-se o esquema gráfico do modeloteórico-conceitual de Intervenção em Crise Psicológica(OMS, 2003) que poderá ser útil no entendimento dasituação traumática, seus antecedentes e conseqüentes(Figura 2).

São apresentados abaixo alguns princípios básicosnorteadores ao PSM para Intervenção Psicológica emmomentos de crise:

Proximidade – providenciar cuidados no local deocorrência do acidente, tentando evitar a patologizaçãodas reações emocionais;

Rapidez – intervir o mais cedo possível para buscaro alívio do problema e prevenir sua cronificação;

Simplicidade – utilizar métodos simples de aco-lhimento e apoio psicológicos, sem aplicação de nenhumapsicoterapia especializada, propriamente dita;

Expectativas - transmitir informações positivas aosacometidos sobre sua capacidade de enfrentamento dasituação, contribuindo para o uso de seus mecanismos deenfrentamentos, enfatizando que o mesmo está tendoreações normais frente a uma situação anormal (acon-tecimento traumático);

Unidade – Os acometidos têm sentimentos, per-cepções e idéias caóticos e desestruturados com relação àsua experiência frente ao IC. Normalmente, focalizam-seem um determinado aspecto da situação traumática,ignorando aos demais. Deve-se procurar ajudar a orga-nizar estas experiências, incluindo-se também aspectosnão contemplados, para facilitar que o acometido

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Legenda:• Fatores ambientais: (intensidade do IC, existência de vítimas, duração da ocorrência, etc...), Normalmente a morte de vítimas provoca mais impacto que

se somente existem vítimas leves;• Fatores individuais: (antecedentes psicopatológicos prévios, estratégias de enfrentamento (coping) do indivíduo);• Fatores sociais: (apoio social, aprendizagem preventiva de normas de autoproteção, etc...) a existência de apoio social (familiares, amigos, etc...) ajuda a

enfrentar melhor a situação.

Figura 2 – Modelo de Crise Psicológica (Fonte: Organización Mundial de la Salud. La salud mental en las emergencias.Aspectos mentales y sociales de la salud de las poblaciones expuestas a factores estresantes extremos (http://www.who.int/disasters)

construa um relato racional do acontecimento, buscando-se o controle cognitivo da situação.

As fases de reação mais comuns após a ocorrênciados ICs, encontram-se descritas a seguir:

1) FASE DE CHOQUE (momento imediatamenteposterior ao IC) caracteriza-se por:

a) Reações emocionais: tristeza, raiva, ódio, culpa erespostas de negação, mecanismo que tem o objetivo deafastar aspectos dolorosos da realidade externa. Às vezes senega o ocorrido porque a própria aceitação do traumarequer tempo. Pode ocorrer um alto nível de ansiedadecaracterizado por reações fisiológicas, tais como: aumentodo ritmo cardíaco (taquicardia), do ritmo respiratório(podendo chegar a tonturas), dilatação das pupilas, doscapilares das mãos e pernas, sudorese nas mãos, inibiçãosalivar, micção freqüente, opressão torácica, tremores, etc...;

b) Reações cognitivas: pode haver uma limitaçãoda capacidade de pensamento e ação, com prejuízo nacapacidade de atenção, concentração e memória,afetando as tomada de decisões e a realização dedeterminadas tarefas;

c) Reações motoras extremas de hiper ou hipoa-tividade: a hipoatividade se produz quando as pessoasreagem ficando imóveis, estáticas, como petrificadas e ahiperatividade se caracteriza por movimentação con-tínua, deslocamento de um local para outro, não pararde falar, etc...

2. FASE DE REAÇÃO: (seu período de duraçãopode oscilar desde alguns dias até várias semanas)

2.1. Fortes reações emocionais (ódio, culpa, raiva,etc...) que podem aparecer nos primeiros momentos nafase de choque ou mais tarde:

2.1.1 Culpa e auto-reprovação são experiências comunsentre os sobreviventes: culpa por algo que correu, oualgo de que se descuidou próximo do momento daocorrência do IC. Na maioria das vezes a culpa é ir-racional e se dissipa com a confrontação da realidade.São tentativas (não adaptativas) de compreender si-tuações inexplicáveis de forma racional, com dadosjustificáveis. Podem também aparecer sentimentos devergonha, através de indagações, e.g., “Porque sobrevivie o(s) outro(s), não?”.

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2.1.2. Sensação de desesperança: tristeza, saudade enostalgia pelos que morreram.

2.1.3. Raiva e ódio: derivadas da sensação de frus-tração e impotência, frente ao fato de não haver nadaque se pudesse fazer para evitar a ocorrência do IC. Àsvezes ocorre um mecanismo de deslocamento, dirigidoà outra pessoa ou coisa culpabilizando-a pelo IC (mé-dico, equipe de resgate, outro membro da família, colegade trabalho, situação, etc...).

2.2. Reações de evitação: começa-se a evitar aspectosrelacionados ao IC, porque geram ansiedade e o seu nãoenfrentamento, alivia (parcialmente) o indivíduo. Estareação é negativa porque pode limitar a vida do indivíduo,dificultando a elaboração da situação. É positivo que seenfrente o quanto antes os lugares e situações relacio-nados ao IC, ainda que haja mal estar.

2.2.1 Reações fisiológicas: aparecem como resultado deuma ansiedade mantida ao longo do tempo. Aparecem alémdos sintomas de ansiedade da fase de choque, dorespsicossomáticas, transtornos do sono (insônia, hipersonia,pesadelos) e da alimentação (vômitos, diarréias, perda ouaumento do apetite, etc...) tensão muscular, cansaço, dor decabeça ou das costas, transtornos menstruais, alterações deinteresse sexual etc... A manutenção da ansiedade podeaparecer através do aumento da ativação, hiper-vigilância ousensação de estar hiper-alerta (e.g., irritabilidade, respostas desobressalto exageradas, inquietude motora, etc...).

2.3. Reações cognitivas: recordações e reminiscênciasrelacionadas com o IC, sensação de estar revivendo parte

das experiências (flash backs, imagens, pensamentos,sonhos, odores etc...). Às vezes estas experiências (idéiasintrusivas, invasivas) aparecem e se impõe, ainda que, oindivíduo se esforce para evitá-las.

A vivência de IC pode afetar também o sistema decrenças e valores da pessoa, produzindo uma visão negativado mundo, de si mesmo e dos outros. Quanto ao mundo,a crença de que os fatos são ordenados, previsíveis econtroláveis. Quanto a si mesmo, perda de confiança em si,baixa auto-estima e baixa percepção de auto-eficácia. Apessoa pode passar a pensar que os fatos ocorrem por azar(acaso) e não por influência das suas atuações. Quanto aosoutros, a idéia de que as pessoas não sejam de confiança eque não vale a pena relacionar-se com as mesmas.

Cabe ressaltar que, na maioria dos casos, estassituações se resolvem com o tempo, dando lugar aoequilíbrio (homeostase). O individuo vai superando oimpacto emocional causado pelo evento traumático e,além disso, pode adquirir novas estratégias de enfren-tamento e fortalecer as que já possuía. Em uma porcen-tagem menor de indivíduos, estas reações persistem e seagudizam, interferindo no funcionamento de sua vidapessoal, social, profissional ou familiar, gerando oufacilitando o aparecimento de determinados transtornospsicopatológicos (Transtorno por Estresse Pós-Trau-mático, TEPT, Transtorno de estresse agudo, Depressãoetc...) passíveis de intervenção psicológico e oupsiquiátrica (Quadro 5):

Quadro 5 - Síndromes pós-traumáticas agudas e crônicas

Modificado de: Croq, L. Les traumatismes psychiques de guerre. Ed. Odile Jacob, Paris, 1999.Louis Crocq, com relação ao tempo utilizou os termos patologias imediatas e pós-imediatas que neste quadro foram mudados para reações imediatas e pós-imediatas. Estas modificações objetivam o estresse, dado que estas reações durante ou imediatamente após não podem ser consideradas como patológicas.

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Uma intervenção em Saúde Mental (Psicologia ePsiquiatria, Enfermagem, Serviço Social, Terapia Ocu-pacional e outras profissões relacionadas) destinada abeneficiar pessoas expostas e fragilizadas por eventostraumáticos no trabalho, deve permitir às mesmas amobilização de seus próprios recursos, individuais ecoletivos, os quais poderão ser obtidos através de suahistória de vida pessoal e funcional, de seus recursosindividuais internos e externos, da observação de simesmos e da observação dos outros sobre a pessoa.

Os PSM devem intervir a tempo, atentos à con-cepção que a pessoa traumatizada tem sobre os acon-tecimentos e suas conseqüências, propondo estratégias deintervenção e de acompanhamento. Devem apoiar econsiderar os recursos individuais e coletivos das pessoasacometidas, validando-os e apoiando-os, de forma queestes se tornem a força motriz que vá possibilitar areelaboração das vivências e experiências traumáticas etambém de sua solidariedade em situações de crise. Emtodas as suas ações devem lembrar que estão em inte-

ração temporária com os acometidos e o contexto.Assim sendo, o desenvolvimento de projetos e o

apoio em Saúde Mental oferecido, imediato ou a posteriori,individual ou coletivo, deve estar orientado para oscuidados, a busca dos recursos alternativos existentes,contemplando o entendimento e o atendimento da(s)vítima(s) do evento traumático em seu respectivo con-texto e história. Os projetos terapêuticos não devem serimpostos, mas disponibilizados, e em abrangência, consi-derando e incorporando a cada tempo, o avanço doconhecimento das teorias e práticas deste campo deestudos. O apoio psicológico a ser oferecido tambémdeve contemplar a preocupação com a ética de relações.

Portanto, os PSM deverão estar atentos nãosomente para a intervenção (técnica, função e duração),mas também para as repercussões de sua própriainteração com as pessoas acometidas.

O Quadro 6, elenca situações e sugestões especificasnas quais podem se pautar os princípios de atuação dosPSM:

Quadro 6 – Instruções quanto ao comportamento de profissionais de SM no contato comIndivíduos apresentando estresse psicológico agudo

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Considerações finais e conclusõesO acompanhamento de pessoas em crise após a

ocorrência de acidentes ou desastres com repercussõestraumáticas requer o provimento de algum tipo precocede intervenção e apoio.

Os componentes essenciais de intervenções bemsucedidas incluem planejamento, informação, treinamentoe apoio aos acometidos. As intervenções devem maximizara probabilidade de um resultado de Saúde Mental positivono qual a própria pessoa utilize seus mecanismos deenfrentamento, adaptação e estruturas de apoio.

São vários e diferentes os modelos e abordagensutilizados. Defusing e Debriefing psicológico são algumas devárias intervenções precoces disponíveis para apoiar aspessoas que experimentaram um evento que causoumedo, desamparo ou horror. O processo de a pessoacontar sua vivência do evento estressante como umaforma de enfrentamento de situações de acidentes edesastres é um processo utilizado desde eras remotas dacivilização. Portanto, não surpreende o fato que, paramuitos, esta intervenção é bem aceita e tida como opor-tunidade de falar sobre suas experiências traumáticas.

No passado este recontar a história era empreendidodentro da comunidade ou da família. Atualmente, em umcenário diferente, são destacados PSM, para exercer opapel da família, amigos e até da comunidade. A profis-sionalização destes papéis resultou em um processoformalizado e sistematizado de intervenções.

Quando são oferecidos serviços de intervençõesprecoces a pessoas traumatizadas é importante assegurarque esses sejam capazes de envolver de forma compe-tente uma ampla gama de técnicas. Deve haver um enten-dimento comum que é necessário haver treinamento,supervisão e apoio para as pessoas que oferecem inter-venções que incluem Defusing e Debriefing psicológico.

Debriefing Psicológico é uma intervenção breveutilizada após o Defusing. O objetivo do Debriefing é duplo:1) promover a recuperação normal do indivíduo, suaresiliência e crescimento pessoal; 2 ) prover os meios paraaumentar a coesão social e a compreensão de grupodentro da organização ou comunidade.

Alguns investigadores afirmam que estas inter-venções poderiam prevenir a instalação do TEPT, caben-do ressaltar que este entendimento não é consensual. Defato, um alto nível de consenso existe no que diz respeitoao fato de que o Debriefing só será efetivo como parte deum programa maior de administração de crise e cuidadospós-traumáticos.

É necessário se avaliar os efeitos das intervençõesprecoces que incluam o Debriefing psicológico. Porém, asabordagens experimentais mais tradicionais de pesquisa sãodifíceis de se viabilizarem do ponto de vista ético frente aosacontecimentos reais em situação de acidentes e desastres.

Uma mescla de procedimentos experimentais quali-tativos e quantitativos pode fornecer uma oportunidadepara estabelecer protocolos e abordagens, incapazes,entretanto, de atingir o “padrão de ouro” conseguidosnos laboratórios, que possibilitem julgamentos a seremfeitos sobre a eficácia das intervenções.

Ainda há muito que se investigar antes de comprovarse o Defusing e o Debriefing psicológico são efetivos comointervenções precoces seguidas a uma exposição traumática.

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Recebido e aprovado pela Comissão Editorial em 3/5/2006 e aprovado parapublicação em 23/10/2006.