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A TAREFA DE MANIPULAÇÃO NA AVALIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA SINTÁCTICA EM CRIANÇAS DO 1.º CICLO DE ESCOLARIDADE 1 ___________________________________________________ Rita Alexandre 1. Introdução A consciência sintáctica tem sido definida como a capacidade de o sujeito raciocinar conscientemente sobre os aspectos sintácticos da lin- guagem e controlar, de forma deliberada, o uso das regras da gramática (Gombert, 1990, citado por Silva, 2003). Sim-Sim (1998) acrescenta que esta competência se traduz na capacidade de efectuar juízos sobre a gra- maticalidade de um enunciado e de proceder à sua correcção. A consciência sintáctica é importante para a aprendizagem da leitura e da escrita (Duarte, 2008), porque permite ao leitor processar palavras desconhecidas em função do contexto sintáctico. Além de contribuir para o reconhecimento de palavras, a reflexão sobre as propriedades sintácti- cas é essencial para a extracção do significado do texto, uma vez que tal significado depende não só da soma dos significados dos elementos lexi- cais individuais, mas também da forma como tais elementos se articulam, o que é evidenciado por pistas gramaticais como a ordem dos elementos na frase, a presença de palavras funcionais (preposições, artigos), a pre- sença de morfemas gramaticais e, no caso da leitura, a pontuação (Capo- villa, Capovilla & Soares, 2004; Duarte, 2008). A este propósito, Silva (2003) mostra que as crianças chegam à escola com diferentes níveis de consciência sintáctica o que interfere na forma como elas, durante a 1 Este trabalho constitui uma versão sintetizada e revista da dissertação de Mestrado intitulada A consciência sintáctica em crianças do 1.º ciclo de escolaridade: cons- trução e aplicação de uma tarefa de manipulação, defendida em 2010. Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do Português, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 147-169.

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A TAREFA DE MANIPULAÇÃO NA AVALIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA SINTÁCTICA EM CRIANÇAS

DO 1.º CICLO DE ESCOLARIDADE1 ___________________________________________________

Rita Alexandre

1. Introdução

A consciência sintáctica tem sido definida como a capacidade de o sujeito raciocinar conscientemente sobre os aspectos sintácticos da lin-guagem e controlar, de forma deliberada, o uso das regras da gramática (Gombert, 1990, citado por Silva, 2003). Sim-Sim (1998) acrescenta que esta competência se traduz na capacidade de efectuar juízos sobre a gra-maticalidade de um enunciado e de proceder à sua correcção.

A consciência sintáctica é importante para a aprendizagem da leitura e da escrita (Duarte, 2008), porque permite ao leitor processar palavras desconhecidas em função do contexto sintáctico. Além de contribuir para o reconhecimento de palavras, a reflexão sobre as propriedades sintácti-cas é essencial para a extracção do significado do texto, uma vez que tal significado depende não só da soma dos significados dos elementos lexi-cais individuais, mas também da forma como tais elementos se articulam, o que é evidenciado por pistas gramaticais como a ordem dos elementos na frase, a presença de palavras funcionais (preposições, artigos), a pre-sença de morfemas gramaticais e, no caso da leitura, a pontuação (Capo-villa, Capovilla & Soares, 2004; Duarte, 2008). A este propósito, Silva (2003) mostra que as crianças chegam à escola com diferentes níveis de consciência sintáctica o que interfere na forma como elas, durante a

1 Este trabalho constitui uma versão sintetizada e revista da dissertação de Mestrado

intitulada A consciência sintáctica em crianças do 1.º ciclo de escolaridade: cons-trução e aplicação de uma tarefa de manipulação, defendida em 2010.

Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do Português, Lisboa, Edições Colibri, 2010, pp. 147-169.

148 Avaliação da Consciência Linguística

aprendizagem da leitura, usam o contexto linguístico na análise de pala-vras e integram as informações extraídas do texto que estão a ler.

Tunmer (1989, citado por Silva, 2003: 73) explicita a função desem-penhada pela consciência sintáctica na aquisição da leitura ao defender que “(…) este tipo de competências seria essencial para ajudar o reconhe-cimento de palavras nas fases iniciais de aprendizagem, na medida em que ajuda as crianças a ultrapassarem erros de descodificação quando lêem palavras desconhecidas. Por outro lado, o conhecimento sintáctico facilitam os processos de compreensão, nomeadamente no que concerne à integração das informações lidas num texto.”

Contudo, apesar da investigação sobre a relação entre consciência sintáctica e as capacidades de leitura e escrita, Cain (2007) considera que não é possível ainda conhecer com clareza essa relação. Com efeito, alguns estudos referem uma relação específica entre consciência sintácti-ca e capacidade de leitura de palavras ou compreensão da leitura e outros estudos sugerem que essa relação é mediada por capacidades de lingua-gem, não especificando quais. Desta forma, enquanto não houver um acordo quanto ao papel da consciência sintáctica na aprendizagem da lei-tura e da escrita, permanece a necessidade de novos estudos para investi-gar de que forma a capacidade das crianças para identificar, julgar e manipular estruturas frásicas pode influenciar o processo de aprendiza-gem da leitura e da escrita (Guimarães, 2003).

Tendo em conta as investigações mencionadas, o estudo da cons-ciência sintáctica parece ser relevante, não só por esta ser uma capacidade que permite compreender melhor as habilidades metalinguísticas das crianças, mas também pela importância que parece ter na aprendizagem da leitura e da escrita. Trata-se de um tema de investigação recente, sendo escassos os estudos em Portugal, o que é visível na inexistência de provas formais validadas para o Português Europeu (PE).

Têm sido utilizadas várias tarefas orais para avaliação da consciência sintáctica como (i) julgar frases; (ii) corrigir frases; (iii) completar frases; (iv) replicar erros; (v) categorizar unidades sintácticas; (vi) compreender estruturas complexas; (vii) manipular constituintes envolvendo alarga-mento, substituições, reduções, segmentação e deslocação. Neste trabalho em concreto, construiu-se uma tarefa de manipulação de categorias sin-tácticas, mais especificamente de substituição, que possa contribuir para a construção de uma prova de avaliação da consciência sintáctica em PE. A ideia subjacente à tarefa de manipulação construída é a de que a distribui-ção de uma palavra, ou seja, a soma dos contextos sintácticos em que essa palavra pode ocorrer, define a sua categoria sintáctica. Assim, se duas ou mais palavras forem distribucionalmente equivalentes, pertencem à mes-

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 149

ma categoria sintáctica, pelo que podem substituir-se umas às outras no mesmo ponto da cadeia sintagmática (Duarte, 2008).

Os objectivos específicos do presente trabalho são os seguintes: (i) saber se a categoria sintáctica da palavra-alvo condiciona o sucesso na tarefa de manipulação; (ii) verificar se a posição (inicial ou final) em que a palavra-alvo ocorre na frase condiciona o sucesso na referida tarefa; (iii) identificar diferenças de desempenho entre as crianças do 1.º e do 4.º ano de escolaridade; (iv) verificar se a variável género tem implicações no desempenho na tarefa.

Tendo em conta estes objectivos específicos e a literatura sobre o assunto, colocaram-se quatro hipóteses de investigação. Assim, sabendo que as palavras de uma língua se podem distinguir pela sua distribuição, i.e., pela posição que ocupam na cadeia sintagmática, e que a distribuição das palavras permite identificar a sua categoria sintáctica, colocaram-se as seguintes hipóteses:

Hipótese 1: A categoria sintáctica da palavra determina o grau de sucesso no desempenho na tarefa de manipulação.

Hipótese 2: A posição em que a palavra-alvo ocorre na frase condiciona o grau de sucesso no desempenho da tarefa de manipulação.

Por outro lado, estudos sobre consciência linguística em geral mos-

traram que existem diferenças no desempenho em tarefas que recrutem este tipo de consciência em função do ano de escolaridade2. Assim, colo-cou-se a seguinte hipótese:

Hipótese 3: A tarefa de manipulação permite identificar diferenças no desempenho entre o 1.º e o 4.º anos de escolaridade.

Finalmente, foi considerado o papel da variável género, que não tem

sido consensual nos diferentes estudos sobre avaliação da linguagem. Assim, segundo Sim-Sim (1998), não se registam diferenças estatistica-mente significativas entre género, em provas de avaliação da linguagem oral. Também António (1998) não encontrou diferenças significativas entre rapazes e raparigas, na realização dos diversos itens do Bankson Language Screening Test (1997). Contrastivamente, Mendes, Afonso, Lousada e Andrade (2009), responsáveis pelo teste Fonético-Fonológico ALPE, mostraram que as crianças do género feminino apresentaram valo-res médios superiores às do género masculino. Tendo em conta que a

2 Veja-se Silva (2003), Afonso (2008) e Vicente (2009), entre outros, para tarefas de

consciência fonológica, e Sim-Sim (1998), Bowey (1986) Siegel & Ryan (1989) (citados por Cain, 2007), para tarefas de consciência sintáctica.

150 Avaliação da Consciência Linguística

maioria dos estudos consultados não identificou diferenças entre géneros, estabeleceu-se a última hipótese:

Hipótese 4: A variável género não tem implicações no desempenho na tarefa de manipulação.

2. Metodologia

2.1. Amostra

Os dados analisados neste trabalho foram produzidos por crianças que frequentavam o 1.º ou o 4.º ano de escolaridade do Ensino Básico à data da recolha, sendo provenientes de escolas do concelho de Lisboa. Assim, a amostra utilizada é constituída por 84 crianças com idades entre os 6;04 e os 10;05. Destas crianças, 40 frequentavam o 1.º ano e 44, o 4.º ano do Ensino Básico. Relativamente ao género, a amostra é composta por 43 crianças de género masculino e 41 crianças de género feminino.

Foram excluídas todas as crianças que não verificassem os seguintes critérios de inclusão: (i) ter como língua materna o PE e ser monolingue; (ii) frequentar o 1.º ou o 4.º ano de escolaridade do Ensino Básico pela primeira vez; (iii) ser filho de pais falantes do PE como língua materna; (iv) não ter perturbações mentais ou sensoriais que pudessem interferir no normal desenvolvimento da linguagem e da fala nem dificuldades na aqui-sição da leitura e escrita detectadas pelos professores e/ou outros técnicos.

2.2. Material e Procedimentos

A tarefa de manipulação de categorias sintácticas em causa neste trabalho integra-se numa prova de avaliação de consciência sintáctica que contém, ainda, uma tarefa de reconstituição3, uma tarefa de supressão4 e uma tarefa de identificação5. Na aplicação destas tarefas, estiveram envolvidas quatro investigadoras.

No caso particular da tarefa de manipulação de categorias sintácti-cas, é pedido à criança que substitua por outra palavra uma palavra de uma frase dita pela investigadora, sem proceder a outras alterações. Assim, a tarefa de manipulação implica, por parte da criança, a identifi-

3 Ver Costa (2010). 4 Os resultados relativos à tarefa de supressão não foram analisados. 5 Ver Castanheira (2010).

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 151

cação da categoria a que a palavra a substituir pertence e a escolha de uma palavra adequada à sua substituição.

Para a construção dos estímulos das quatro tarefas, estabeleceu-se o seguinte conjunto de critérios, a fim de uniformizar as mesmas:

(i) controlo da extensão média dos enunciados, evitando-se estruturas sintácticas demasiado extensas, para não complexificar a tarefa no que diz respeito ao recurso à memória de curto prazo;

(ii) controlo do conteúdo semântico dos itens lexicais, seleccionando-se itens lexicais cujo significado fosse acessível à idade e à experiência das crianças de ambos os anos de escolaridade;

(iii) utilização exclusiva de nomes, verbos e adjectivos como categorias a manipular;

(iv) utilização de nomes e de adjectivos em diferentes posições da frase; (v) manipulação de verbos de diferentes subclasses; (vi) controlo do formato fonológico dos itens, evitando-se complexidade

fonológica, tendo sido seleccionados itens lexicais: a. com o padrão acentual paroxítono (o mais comum no Português

Europeu (Mateus et al., 2003)); b. com estruturas silábicas o mais próximas possível da estrutura

CV, a mais frequente no PE (Andrade & Viana, 1993); c. com extensão média da palavra equivalente a dissílabo ou a trissí-

labo, por serem estas extensões de palavras as mais frequentes no léxico infantil (Vigário, Freitas e Frota, 2006);

d. preferencialmente, sem a ocorrência de fenómenos de sândi no contacto entre palavras, para não perturbar a segmentação da cadeia sonora e a identificação dos vários itens lexicais.

No caso específico da tarefa de manipulação, foram consideradas as

seguintes categorias sintácticas:

(i) Nomes – em duas posições, integrando o primeiro (cf. (1a)) ou o último constituinte da frase (cf. (1b));

(ii) Verbos intransitivos (cf. (1c)) ou transitivos directos (cf. (1d)); (iii) Adjectivos integrados em Sintagmas Adjectivais (SA) com função

predicativa (cf. (1e)) ou com função atributiva (cf. (1f)). (1) a. Aquela boneca da Maria é cor-de-rosa.

b. Eu vi um grande livro. c. As crianças dormem à noite. d. A Mariana lê o livro. e. Os cães são muito espertos. f. Eu tenho um gato peludo.

152 Avaliação da Consciência Linguística

Para testar cada categoria sintáctica, foram construídos seis itens, pelo que a tarefa apresenta um total de 18 frases, como se pode verificar no Anexo que se encontra no final deste trabalho.

A ordem de execução da tarefa era simples, pedindo-se à criança para dizer uma frase igual à que lhe tinha sido dita excepto na palavra a testar, que deveria trocar por outra. Foi dito explicitamente à criança que se pretendia a alteração apenas dessa palavra. Segue-se a transcrição do enunciado que consta do protocolo de aplicação da tarefa:

Eu vou dizer-te umas frases e quero que digas outra frase igual em tudo menos na palavra que eu disser. Por exemplo “Esta saia da Ana é verde”. Diz outra frase igual em tudo menos na palavra saia. Só podes mudar mesmo esta palavra. Em vez de “Esta saia da Ana é verde”, poderíamos dizer “Esta pasta da Ana é verde”. Vou dar-te mais alguns exemplos.

De seguida, foram fornecidos à criança vários exemplos de itens que testam cada uma das categorias sintácticas manipuladas na tarefa, para que ela seja levada a compreender a totalidade da tarefa. Cada uma das quatro investigadoras envolvidas no projecto aplicou a totalidade das tarefas construídas, registando as respostas em suporte áudio e por escri-to, numa folha de registo, respeitando a mesma ordem de aplicação: a) tarefa de reconstituição; b) tarefa de supressão; c) tarefa de identifica-ção; d) tarefa de manipulação. Para a aplicação das quatro tarefas cons-truídas, adoptou-se um conjunto de normas, seguidas por todas as inves-tigadoras. Assim, cada criança seleccionada foi retirada da sala de aula e conduzida a uma sala isolada, onde a investigadora lhe explicou o que se iria fazer. Explicou-se que o gravador servia para gravar a conversa e, seguidamente, iniciou-se a aplicação das tarefas. As frases apresentadas foram produzidas com entoação declarativa e sem marcação prosódica de qualquer constituinte da frase. A avaliação de cada criança demorou 15 a 30 minutos.

2.3. Tratamento de Dados

Após a recolha dos dados, foi efectuada a cotação das respostas de todas as crianças. As respostas consideradas erradas foram cotadas com o valor zero (0) e as respostas consideradas correctas foram cotadas com o valor um (1), pelo que o valor total da cotação para a tarefa é de 18. Con-sideraram-se respostas correctas todas as substituições adequadas dentro da mesma categoria sintáctica e sem alteração do número de palavras na frase fornecida. Apesar da instrução dada no início da aplicação da tarefa,

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 153

algumas crianças responderam com apenas uma palavra (menina) ou par-te da frase (Esta menina), e não a frase inteira. Nestes casos, foram con-sideradas correctas as respostas em que a substituição da palavra-alvo permitia a reconstituição gramatical da frase apresentada. Apresenta-se de seguida a tipologia das respostas consideradas incorrectas.

Quadro 1 – Tipologia das respostas cotadas como incorrectas

Tipo de Erro Descrição Item Inicial Exemplos Incorrectos

Substituição de mais do que uma palavra no sintagma

Este menino jogou à bola no recreio

Esta menina jogou à bola no recreio

Manipulação do sintagma em vez do núcleo

Substituição usando mais do que uma palavra

Eu tenho um gato peludo

Eu tenho um gato com pouco pêlo

Omissão de uma expressão dentro do sintagma

Os cães são muito espertos

Os cães são burros

Alteração de propriedades sintácticas originando agra-maticalidade

O meu pai dança O meu pai dança A Mariana lê o livro

O meu pai senta O meu pai limpa A Mariana põe o livro

Transformação de frase afirmativa em negativa

Os cães são muito espertos

Os cães não são muito espertos

Nome Aquela linda casa é grande

Aquela linda manhã

Verbo O bebé chora quando acorda

O bebé dorme quando acorda

Inadequação semântica

Adjectivo O Noddy tem um barrete engraçado

O Noddy tem um barrete tonto

Alteração de Género e/ou Número

O Pedro tem um carro Este menino jogou à bola no recreio

O Pedro tem uma banana Estas crianças jogaram à bola no recreio

Tempo verbal O meu pai dança O meu pai dançou Conjugação As crianças dormem à

noite As crianças acordem à noite

Alteração morfológica com preservação da base

Diminutivos Aquela linda casa é grande

Aquela linda casinha é grande

Identificação incorrecta da palavra a substituir

Eu vi um grande livro Eu vi um pequeno livro

Construção de uma frase nova

Aquela boneca da Maria é cor-de-rosa

Aquela árvore é da Maria

Uso de palavras não existentes no PE

Eu tenho um gato peludo

Eu tenho um gato fafarrudo

Ausência de resposta _______ _______

154 Avaliação da Consciência Linguística

Para a análise e o tratamento dos dados, construiu-se uma base de dados no programa informático Statistic Package for the Social Sciences (SPSS) 17.0, onde se inseriram os dados obtidos no processo de recolha e as variáveis a ter em consideração (número do sujeito; idade; género; ano de escolaridade; meio socioprofissional; frases da tarefa identifica-das por categoria e por posição, subclasse e função). O tratamento esta-tístico envolveu análise descritiva dos dados e estatística inferencial, através da utilização de estatística não paramétrica, mais especificamente do teste Mann-Whitney, para averiguar a existência das diferenças entre género e entre subgrupo dentro de cada categoria e para análise da pon-tuação total, e do teste Kruskall Wallis, também para a análise da pontua-ção total. O nível de significância usado foi p <0.05.

3. Resultados

3.1. Nomes

A categoria nome foi testada em seis itens, em duas posições: inte-grando o primeiro e o último constituinte da frase. Os exemplos em (2) ilustram os itens de teste

(2) a. [Este menino] jogou à bola no recreio. (frase 1)

b. [Aquela boneca da Maria] é cor-de-rosa. (frase 5) c. [Aquela linda casa] é grande. (frase 8) d. O Pedro tem [um carro]. (frase 11) e. Eu vi [um grande livro]. (frase13) f. O João vai à loja [com a tia]. (frase 16)

Estas duas posições, assinaladas com parênteses rectos em (2), são

manipuladas com o objectivo de verificar se um maior grau de encaixe do SN de que o nome a testar é núcleo condiciona, de alguma forma, o sucesso na tarefa.

No Quadro 2, apresentam-se os resultados relativos à pontuação glo-bal dos itens que testam a categoria em causa nesta secção, bem como à comparação entre géneros, para os dois anos de escolaridade.

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 155

Quadro 2 – Frequências e percentagens de respostas correctas e incorrectas para a categoria nome, nos dois anos de escolaridade

Global Total Masculino Total Feminino Total Respostas

Correctas Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

124 116 240 64 68 132 60 48 108 1.º ano 51,67% 48,33% 100% 48,48% 51,51% 100% 55,56% 44,44% 100%

205 59 264 94 32 126 111 27 138 4.º ano 77,65% 22,35% 100% 74,60% 25,40% 100% 80,43% 19,57% 100%

Através da análise do Quadro 2, observa-se que, no 1.º ano de esco-

laridade e em termos globais, as respostas se dividem equitativamente, visto existirem aproximadamente 50% de respostas correctas e 50% de respostas incorrectas. É, igualmente, possível observar que os sujeitos do género masculino apresentam uma percentagem de respostas correctas próxima da percentagem de respostas incorrectas, sendo a frequência des-tas últimas ligeiramente superior à frequência das primeiras. No género feminino, a diferença entre respostas correctas e incorrectas é maior e, ao contrário dos rapazes, as raparigas apresentam uma maior frequência de respostas correctas. Os resultados do teste estatístico Mann-Whitney (U= 119,00, p= 0,031) permitem concluir que, no 1.º ano, existem diferenças estatisticamente significativas entre géneros.

No 4.º ano de escolaridade, observa-se que a percentagem global de respostas correctas é bastante superior à percentagem de respostas incor-rectas. Em relação ao género, é possível observar que a percentagem de respostas correctas dos sujeitos do género masculino é muito próxima de 100%. Apesar de esta percentagem ser inferior no género feminino, é, neste género, igualmente superior à percentagem de respostas incorrectas. Através do teste estatístico Mann-Whitney (U= 227,00, p= 0,730), verifi-ca-se que as diferenças existentes entre género não são estatisticamente significativas, no 4.º ano.

Considerem-se, de seguida, os resultados obtidos em função da posi-ção que o nome ocupa na frase, apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 – Frequências e percentagens para a categoria nome, em função da posição do mesmo na frase, nos dois anos de escolaridade

Nomes – Posição Inicial Total Nomes – Posição Final Total Respostas

Correctas Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

51 69 120 73 47 120 1.º ano 42,50% 57,50% 100% 60,83% 39,17% 100%

103 29 132 102 30 132 4.º ano 78,03% 21,97% 100% 77,27% 22,73% 100%

156 Avaliação da Consciência Linguística

Quando o nome está inserido no primeiro constituinte da frase, as crianças do 1.º ano de escolaridade obtiveram uma maior percentagem de respostas incorrectas. Por sua vez, quando a palavra-alvo se encontra no último constituinte da frase, a diferença entre respostas correctas e incor-rectas é maior, existindo, no entanto, uma maior percentagem de respostas correctas. Assim, se compararmos os valores relativos às duas posições, concluímos que as crianças de 1.º ano de escolaridade têm mais facilidade em substituir nomes quando estes aparecem no último constituinte da frase. Através do teste estatístico Mann-Whitney, verificou-se que não existem diferenças significativas entre os géneros no que diz respeito à posição ocupada pelo nome a testar (U= 196,50, p= 0,966; U= 146,50, p= 0,144).

Relativamente ao 4.º ano de escolaridade, existem grandes diferenças entre as respostas correctas e incorrectas quer quando o nome integra o constituinte inicial, quer quando ocorre no constituinte final, sendo a per-centagem de respostas correctas mais elevada do que a de respostas incor-rectas. Assim, não existem diferenças visíveis entre a posição inicial e final, visto que os valores percentuais são idênticos, o que significa que a posição do nome na frase não condicionou o desempenho das crianças do 4.º ano de escolaridade. Como aconteceu com as crianças do 1.º ano, a aplicação do teste Mann-Whitney revelou que não existem diferenças sig-nificativas entre os géneros no que diz respeito à posição do nome na frase (U= 237,50, p= 0,917; U= 186,00, p= 0,151), no 4.º ano de escolaridade.

Nos dois anos de escolaridade, os tipos de respostas incorrectas mais frequentes foram (i) a alteração de género e/ou do número (cf. 3) e (ii) a substituição de mais do que uma palavra no sintagma (cf. 4).

(3) a. Esta menina jogou à bola no recreio. (para Este menino jogou

à bola no recreio) – 1.º ano b. Estas crianças jogaram à bola no recreio. (para Este menino

jogou à bola no recreio) – 4.º Ano (4) a. A menina jogou à bola no recreio. (para Este menino jogou à

bola no recreio) – 1.º Ano b. O Manuel jogou à bola no recreio (para Este menino jogou à

bola no recreio) – 4.º Ano.

3.2. Verbos

Como já foi referido, foram utilizados, nesta tarefa, verbos intransi-tivos e transitivos directos, que levaram à construção de seis itens, três para cada uma das subclasses (cf. (5), para os verbos intransitivos, e (6), para os verbos transitivos directos):

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 157

(5) a. O bebé chora quando acorda. (frase 2) b. As crianças dormem à noite. (frase 4) c. O meu pai dança. (frase 7) (6) a. O João comprou um boneco. (frase 9) b. A Mariana lê o livro. (frase 15) c. A Sara pintou um desenho. (frase 17) No Quadro 4, apresentam-se os resultados relativos à pontuação total

desta categoria, bem como à comparação entre géneros, para os dois anos de escolaridade.

Quadro 4 – Frequências e percentagens de respostas correctas e incorrectas para a categoria verbo, nos dois anos de escolaridade

Global Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

Total MasculinoRespostas Correctas

Respostas Incorrectas

Total Feminino Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

Total

152 88 240 74 58 132 79 29 108 1.º ano 63,75% 36,25% 100% 56,06% 43,94% 100% 73,15% 26,85% 100%

229 35 126 112 14 126 117 21 138 4.º ano 86,74% 13,26% 100% 91,06% 11,11% 100% 84,78% 15,22% 100%

Observando os dados do 1.º ano, verifica-se que a percentagem de

respostas correctas é superior à percentagem de respostas incorrectas, na totalidade dos itens que testam os verbos, independentemente da subclas-se a que estes pertencem. Verifica-se, ainda, que, em ambos os géneros, a percentagem de respostas correctas é superior à de respostas incorrectas, sendo, contudo, mais elevada nas raparigas do que nos rapazes. Os resul-tados do teste Mann-Whitney (U= 121,50, p= 0,034) revelam que, neste caso, existem diferenças significativas entre género.

Tendo em conta os resultados das crianças do 4.º ano, observa-se que a percentagem de respostas correctas é bastante superior à de respos-tas incorrectas em ambos os géneros, sendo a percentagem de respostas correctas dos sujeitos do género masculino muito próxima de 100%. O teste de Mann-Whitney revela que as diferenças existentes entre os dois géneros não são, contudo, estatisticamente significativas (U= 211,50, p= 0,447).

De seguida, apresentam-se os resultados de acordo com a subclasse do verbo a ser substituído, distinção empiricamente motivada pela dife-rente distribuição dos verbos que constituem as diferentes subclasses. Como já foi mencionado, existem seis itens que testam os verbos, três para cada subclasse.

158 Avaliação da Consciência Linguística

Quadro 5 – Frequências e percentagens para a categoria verbo, consoante a subclas-se do mesmo, nos dois anos de escolaridade

Verbos Intransitivos Total Verbos Transitivos Directos Total Respostas

Correctas Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

66 45 120 87 33 120 1.º ano 55% 45% 100% 72,5% 27,5% 100%

115 17 120 114 18 120 4.º ano 87,12% 12,88% 100% 86,36% 13,64% 100%

No que diz respeito à classe dos verbos intransitivos, as crianças do

1.º ano de escolaridade apresentam uma maior percentagem de respostas correctas do que de respostas incorrectas, ainda que os valores sejam pró-ximos. Já no que diz respeito aos verbos transitivos directos, a diferença entre respostas correctas e incorrectas é, neste ano, superior, embora exis-ta, igualmente, uma maior percentagem de respostas correctas. Ao com-parar os valores relativos às respostas correctas para cada subclasse de verbos, verifica-se que as crianças do 1.º ano de escolaridade têm mais facilidade em substituir verbos transitivos directos do que verbos intransi-tivos. O teste estatístico Mann-Whitney revelou que, no 1.º ano de escola-ridade, não existem diferenças significativas entre os géneros na manipu-lação de verbos intransitivos (U= 163,50, p= 0,331). Contudo, relativa-mente aos verbos transitivos directos, existem diferenças significativas entre géneros (U= 108,50, p= 0,008).

Relativamente às crianças do 4.º ano de escolaridade existe, para as duas subclasses de verbos, uma grande diferença entre os valores de res-postas correctas e de respostas incorrectas, sendo estas últimas muito menos frequentes. Comparando os valores percentuais relativos às duas subclasses, verifica-se que não existem diferenças entre a manipulação de verbos intransitivos e a de verbos transitivos directos. Através da aplica-ção do teste Mann-Whitney conclui-se que, no 4.º ano de escolaridade, não existem diferenças significativas entre os géneros em relação às sub-classe de verbos testadas (Verbos Intransitivos U= 204,00 p= 0,281; Ver-bos Transitivos U= 228,50, p= 0,717).

Nas respostas das crianças de ambos anos de escolaridade, os tipos de respostas incorrectas mais frequentes foram (i) a substituição usando mais do que uma palavra (cf. (7)) e (ii) a omissão de uma expressão den-tro do sintagma (cf. (8)).

(7) a. O bebé fica contente quando acorda. (para O bebé chora

quando acorda) – 1.º ano b. O bebé bebe leite quando acorda. (para O bebé chora quando

acorda) – 4.º ano

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 159

(8) a. O bebé fica feliz. (para O bebé chora quando acorda) – 1.º ano b. O bebé sorri. (para O bebé chora quando acorda) – 4.º ano

3.3. Adjectivos

Para testar a classe sintáctica dos adjectivos, utilizaram-se itens desta categoria em Sintagmas Adjectivais simples, ou seja, constituídos apenas pelo núcleo, com função predicativa (cf. (9)) e com função atributiva (cf. (10)). Em ambos os casos, o adjectivo ocupa a posição final da frase.

(9) a. O menino está zangado. (frase 3) b. Os cães são muito espertos. (frase 6) c. Aquela ponte é muito perigosa. (frase 10) (10) a. O Noddy tem um barrete engraçado. (frase 12) b. Eu tenho um gato peludo. (frase 14) c. A mãe comprou uma saia rasgada. (frase 18) No Quadro 6, são apresentados os resultados relativos à pontuação

total desta categoria, bem como à comparação entre géneros, para os dois anos de escolaridade.

Quadro 6 – Frequências e percentagens de respostas correctas e incorrectas para a categoria adjectivo, nos dois anos de escolaridade

Global Total Masculino Total Feminino Total Respostas

Correctas Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

173 67 240 88 44 132 85 23 108 1.º ano 72,08% 27,92% 100% 66,67% 33,33% 100% 78,70% 21,30% 100%

240 24 126 114 12 126 126 12 138 4.º ano 90,01% 9,09% 100% 90,48% 9,52% 100% 91,30% 8,70% 100%

No 1.º ano de escolaridade, existe, globalmente, uma maior percen-

tagem de repostas correctas do que de respostas incorrectas, independen-temente do género, ainda que a percentagem de respostas correctas seja ligeiramente superior no género feminino. A aplicação do teste estatístico Mann-Whitney revela que não existem diferenças significativas entre géneros (U= 139,00, p= 0,095) no 1.º ano de escolaridade. Tendo em consideração os dados do 4.º ano, observa-se que a percen-tagem de respostas correctas está muito próxima dos 100%, registando-se apenas 24 respostas incorrectas (9,09%) aos itens que envolvem a substi-tuição de adjectivos. Os resultados da aplicação do teste estatístico Mann-

160 Avaliação da Consciência Linguística

-Whitney revelam que não existem diferenças significativas entre géneros (U= 231,50, p= 0,784), como, aliás, é visível no Quadro 6.

Seguidamente, apresentam-se os resultados relativos à comparação entre as respostas correctas e incorrectas dadas pelos sujeitos aos itens que testam a categoria adjectivo, consoante a função do SA. Recorde-se que existem seis itens que testam esta categoria sintáctica, sendo que o SA de que o adjectivo faz parte tem uma função predicativa em três itens e uma função atributiva noutros três.

Quadro 7 – Frequências e percentagens para a categoria adjectivo, consoante a fun-ção do SA, nos dois anos de escolaridade

Adjectivos em SAs com função predicativa

Total Adjectivos em SAs com função atributiva

Total

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

Respostas Correctas

Respostas Incorrectas

94 26 120 79 41 120 1.º ano 78,33% 21,67% 100% 65,83% 34,17% 100%

124 8 132 116 16 132 4.º ano 93,94% 6,06% 100% 87,88% 12,12% 100%

Observando os dados relativos ao 1.º ano, verifica-se que, em cada

conjunto de itens, existe uma maior percentagem de respostas correctas. Ainda que não exista uma diferença acentuada no desempenho dos alunos do 1.º ano, é possível verificar que o mesmo melhora quando são manipu-lados adjectivos que são núcleos de SAs com função predicativa. O teste estatístico Mann-Whitney revelou que, no 1.º ano, não existem diferenças significativas entre os géneros em relação à função do SA (função predi-cativa U= 137,00, p= 0,067; função atributiva U= 165,50, p= 0,353).

No 4.º ano de escolaridade, existe uma grande diferença entre as fre-quências de respostas correctas e incorrectas nos dois grupos de itens, sendo a percentagem de respostas correctas bastante elevada. O desem-penho das crianças deste ano melhora ligeiramente quando os adjectivos ocorrem em SAs com função predicativa. Os valores do teste estatístico Mann-Whitney demonstram que, no 4.º ano, não existem diferenças sig-nificativas entre os géneros em relação à função do adjectivo (função predicativa U= 236,00, p= 0,839; função atributiva U= 234,50, p= 0,840).

Nas respostas das crianças de ambos anos de escolaridade, o tipo de respostas incorrectas mais frequente foi a substituição usando mais do que uma palavra (cf. (11)).

(11) a. O Noddy tem um barrete com um sino. (para O Noddy tem

um barrete engraçado) – 1.º ano

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 161

b. Eu tenho um gato com pêlo curto. (para Eu tenho um gato peludo) – 4.º ano

O segundo tipo de erro mais frequente é diferente nos dois anos de

escolaridade: as crianças do 1.º ano efectuaram mais erros do tipo omis-são de uma expressão dentro do sintagma (cf. (12)) e as crianças de 4.º ano apresentam como segundo tipo de erro mais frequente a inadequação semântica (cf. (13)).

(12) O cão é burro. (para Os cães são muito espertos) (13) Aquela ponte é muito vaidosa. (para Aquela ponte é muito

perigosa)

3.4. Comparação entre Resultados Globais

Para se averiguar a influência da categoria sintáctica da palavra-alvo no sucesso da manipulação, utilizou-se o teste estatístico não paramétrico Anova de Friedman. No Quadro 8, apresentam-se os resultados obtidos por aplicação do referido teste.

Quadro 8 – Pontuação das categorias sintácticas nome, verbo e adjectivo

Grupo M ± DP Mínimo Máximo Média de Rank

Anova de Friedman

Pontuação Nomes 3,33±1,50 ,00 6,00 1,44 18

PontuaçãoVerbos 4,39±1,69 ,00 6,00 2,19 p= 0,007

1.º ano género feminino n = 18

Pontuação Adjectivos 4,72±1,23 2,00 6,00 2,36

Pontuação Nomes 2,91±1,66 ,00 6,00 1,68 22

PontuaçãoVerbos 3,36±1,56 1,00 6,00 1,93 p= 0,029

1.º ano género masculino n= 22

Pontuação Adjectivos 4,00±1,38 1,00 6,00 2,39

Pontuação Nomes 4,83±1,30 2,00 6,00 1,85 23

PontuaçãoVerbos 5,01±,95 3,00 6,00 1,43 p= 0,244

4.º ano género feminino n = 23

Pontuação Adjectivos 5,48±,85 3,00 6,00 2,22

Pontuação Nomes 4,48±1,54 1,00 6,00 1,57 21

PontuaçãoVerbos 5,33±,73 4,00 6,00 2,21 p= 0,024

4.º ano género masculino n = 21

Pontuação Adjectivos 5,43±,81 4,00 6,00 2,21

162 Avaliação da Consciência Linguística

Como se pode observar no Quadro 8, no 1.º ano de escolaridade existem diferenças significativas entre a pontuação das três categorias sintácticas, quer para o género feminino quer para o género masculino. Assim, tanto as raparigas como os rapazes substituíram mais facilmente os adjectivos, a que se seguem os verbos, e finalmente, os nomes. Este facto é comprovado através das médias de Rank dos dois anos de escola-ridade, como se pode observar no quadro.

Em relação ao 4.º ano de escolaridade, não se verificam diferenças significativas na pontuação total das três categorias sintácticas no género feminino, o que não acontece no género masculino. Como se pode obser-var no Quadro 8, os rapazes deste ano de escolaridade tiveram maior faci-lidade na substituição de adjectivos e verbos do que de nomes.

3.5. Comparação das Variáveis Ano de Escolaridade e Género

Nesta secção, apresentam-se os dados referentes à pontuação total da tarefa, tendo em conta o ano de escolaridade e o género. Para a análise destas variáveis efectuou-se o teste não paramétrico Kruskal-Wallis (ver Quadro 9).

Quadro 9. Pontuação total da tarefa nos quatro grupos

Grupo N M ± DP Mínimo Máximo Média de Rank

Kruskal--Wallis

1.º ano género feminino 18 12,44±3,50 5,00 17,00 35,31 1.º ano género masculino 22 10,27±3,78 4,00 18,00 22 H= 29,078 4.º ano género feminino 23 15,39±2,19 11,00 18,00 56,11 p= 0,000 4.º ano género masculino 21 15,24±2,05 11,00 18,00 54,71 Total 84

Como se pode observar no Quadro 9, existem diferenças entre os

diferentes grupos. Com efeito, é possível observar, através da média de Rank, que o género feminino apresenta, nos dois anos de escolaridade, um maior número de respostas correctas do que o género masculino, no mesmo ano de escolaridade.

No entanto, se, no 1.º ano, existem diferenças estatisticamente signi-ficativas em função do género (U= 119,00, p= 0,031), o mesmo não acon-tece no 4.º ano (U= 227,00, p= 0,730).

Para complementar esta análise, realizou-se a comparação entre anos de escolaridade em cada género. O Quadro 10 apresenta os resultados obtidos pelos sujeitos do género feminino.

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 163

Quadro 10 – Comparação entre anos de escolaridade no género feminino

Grupo N M ± DP Mínimo Máximo Média de Rank

Mann--Whitney

1.º ano género feminino 18 12,44±3,50 5,00 17,00 14,97 U= 98,50 4.º ano género feminino 23 15,39±2,19 11,00 18,00 25,72 p = 0,004 Total 41

Tendo em conta os valores do Quadro 10, existem diferenças signifi-

cativas entre os dois anos de escolaridade, já que, em média, as raparigas do 4.º ano respondem correctamente a mais três perguntas aumentando, também, o valor mínimo de respostas correctas.

Em relação ao género masculino é possível observar a existência de diferenças muito significativas (Quadro 11). A média de respostas correc-tas aumenta de 10 para 15 com o ano de escolaridade, e o valor mínimo sofre, igualmente, uma grande alteração sendo que as crianças do sexo masculino com maior grau de escolaridade respondem, no mínimo, a 11 respostas correctamente.

Quadro 11 – Comparação entre anos de escolaridade no género masculino

Grupo N M ± DP Mínimo Máximo Média de Rank

Mann--Whitney

1.º ano género masculino 22 10,27±3,78 4,00 18,00 14,23 U= 60,00 4.º ano género masculino 21 15,24±2,05 11,00 18,00 30,14 p = 0,000 Total 43

4. Comentário dos Resultados

Os resultados obtidos no presente estudo confirmam parcialmente a Hipótese 1, de acordo com a qual a categoria sintáctica da palavra-alvo determina o grau de sucesso no desempenho da tarefa de manipulação.

Com efeito, embora todas as crianças do 1.º ano e os rapazes do 4.º ano tenham tido melhores desempenhos na substituição de adjectivos, depois de verbos e, por último, de nomes, as raparigas do 4.º ano não apresentaram diferenças significativas na manipulação das três categorias sintácticas. Os resultados das crianças do 1.º ano e dos rapazes do 4.º ano podem decorrer da estrutura interna dos constituintes em que se encontra inserida a palavra-alvo. Assim, enquanto os SAs integravam apenas o adjectivo, que era a palavra a testar, os SNs integravam não só a palavra--alvo (nome), mas também o determinante. Ao procederem à substituição

164 Avaliação da Consciência Linguística

do nome, os sujeitos deveriam ter também em consideração as marcas de género e de número do determinante, o que tornou a tarefa mais comple-xa. Note-se que, em muitos casos, o determinante foi também alterado, a fim de respeitar a concordância com o nome, o que permite concluir que as crianças manipulam o constituinte de natureza sintagmática e não ape-nas o núcleo, que era alvo da manipulação. Este facto indicia que as crianças da amostra revelam também consciência da noção de constituin-te (cf. (14) para respostas dadas por crianças do 1.º ano e (15) para res-postas dadas por crianças do 4.º ano).

(14) a. Esta menina jogou à bola no recreio. (para Este menino jogou

à bola no recreio) b. O Noddy tem um barrete com um sino. (para O Noddy tem

um barrete engraçado) (15) a. Aquele boneco do Mário é cor-de-rosa. (para Aquela boneca

da Maria é cor-de-rosa) b. Eu tenho um gato com pêlo curto. (para Eu tenho um gato

peludo) O diferente desempenho nos itens que envolvem adjectivos e verbos

também encontra explicação na estrutura interna dos constituintes de natureza sintagmática de que os últimos eram núcleo. Com efeito, tam-bém neste caso muitos sujeitos manipularam todo o constituinte SV, utili-zando verbos de outras subclasses e introduzindo mesmo verbos auxiliares:

(16) a. A criança vai vestir à noite. (para As crianças dormem à noite) b. O meu pai fica a ver. (para O meu pai dança) (17) A Mariana põe o livro. (para A Mariana lê o livro) É importante referir que o grande número de respostas incorrectas

encontrado na categoria dos nomes pode estar relacionado com o facto de ter sido realizada uma dupla classificação do erro para esta categoria sin-táctica. Por exemplo, uma resposta na qual a criança tenha alterado o género da palavra-alvo e o determinante que a precedia foi contabilizada em dois tipos de erro: substituição de mais do que uma palavra no sin-tagma e alteração de Género e/ou Número. Em trabalho futuro, será importante controlar a estrutura interna do constituinte sintagmático, a fim de verificar se o desempenho dos sujeitos é por ela condicionado.

Quanto à Hipótese 2, segundo a qual a posição da palavra-alvo na frase condiciona o sucesso no desempenho da tarefa de manipulação, só parcialmente é confirmada pelos dados, uma vez que se verificam dife-

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 165

renças de desempenho em função do ano de escolaridade. Assim, a hipó-tese em causa confirma-se para o 1.º mas não para o 4.º ano de escolari-dade. Quanto aos sujeitos do 1.º ano, revelaram melhores desempenhos na manipulação de nomes e adjectivos no último constituinte da frase. Esta situação revela que o facto de as palavras a testar se encontrarem na última posição pode promover o sucesso na tarefa, já que os sujeitos podem mais facilmente recorrer à memória de curto prazo. Adicional-mente, o facto de os SAs terem uma função predicativa é também predi-tor de maior sucesso já que, sendo obrigatórios, a criança não os omite, ao contrário do que acontece quando o SA é um modificador, ocorrendo em posição atributiva.

Pelo contrário, as crianças do 4.º ano não revelam diferenças de desempenho na manipulação de nomes em diferentes posições nem de verbos de diferentes subclasses. Relativamente aos adjectivos, essas crianças têm um desempenho ligeiramente superior quando os mesmos se encontram em SAs com função predicativa pela razão enunciada no pará-grafo anterior.

Os dados apresentados mostram, ainda, que a tarefa de manipulação permite identificar diferenças de desempenho entre o 1.º e o 4.º anos de escolaridade, confirmando a Hipótese 3. Com efeito, as crianças do 4.º ano de escolaridade tiveram um melhor desempenho em todas as catego-rias sintácticas do que as crianças do 1.º ano de escolaridade. Estes resul-tados vão ao encontro dos resultados obtidos por Sim-Sim (1998), que refere que a idade aparece claramente associada à melhoria do desempe-nho nos subtestes da prova aplicada pela autora, por Mendes et al. (2009), por Silva (2003) e por Afonso (2008). A escola pode ter, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento da consciência sintáctica.

Finalmente, a Hipótese 4, de acordo com a qual a variável género não tem implicações no desempenho na tarefa de manipulação, foi apenas parcialmente confirmada, visto que não existem diferenças entre género, nem na globalidade nem no 4.º ano, em função da categoria sintáctica da palavra-alvo e da sua posição, embora existam diferenças entre género na pontuação total da tarefa no 1.º ano de escolaridade. Contudo, tal como no estudo de Mendes et al. (2009), o género feminino apresenta um desempenho apenas ligeiramente superior ao do género masculino, não sendo estatisticamente significativo.

Relativamente à omissão de constituintes, é de assinalar que, na glo-balidade, tal omissão não resultou em sequências agramaticais, visto que o material omitido corresponde a modificadores quer de expressões ver-bais quer de expressões nominais. Veja-se em particular, o caso dos adjectivos: várias crianças omitiram o adjectivo quando o SA que o inte-gra tem uma função atributiva, encontrando-se encaixado num SN, mas

166 Avaliação da Consciência Linguística

não o fizeram quando o SA tem uma função predicativa. Este comporta-mento dos sujeitos é revelador da consciência das relações gramaticais que se estabelecem entre as palavras de uma frase.

Os resultados obtidos mostram, ainda, que a manipulação de catego-rias sintácticas é, muitas vezes, orientada pelas relações semânticas entre os itens lexicais. Neste sentido, os sujeitos efectuaram substituições por sinónimos e por antónimos, o que mostra que o conhecimento lexical é também recrutado quando as crianças são sujeitas à tarefa de substituição. Note-se que o papel crucial do conhecimento lexical é também visível na maior diversidade de itens lexicais usados nas substituições efectuadas pelas crianças do 4.º ano.

Finalmente, é interessante notar que, embora raramente, na tarefa de manipulação de adjectivos algumas crianças efectuaram a substituição criando palavras inexistentes na língua. São exemplos limpada, fafarrudo, depelada e desrasgada. Veja-se, no entanto, que essas palavras apresentam propriedades distribucionais idênticas às da palavra-alvo, o que confirma a ideia de que os falantes têm intuições sobre as categorias sintácticas.

5. Conclusões

Com o presente estudo, procurou-se avaliar a consciência sintáctica de crianças do 1.º e do 4.º ano de escolaridade através de uma tarefa de consciência sintáctica, mais especificamente uma tarefa de manipulação de categorias sintácticas, através da qual as crianças deviam proceder à substituição de itens lexicais das categorias nome, verbo e adjectivo.

Tal como esperado, as crianças do 4.º ano de escolaridade apresen-tam melhores resultados globais na tarefa de manipulação do que as crianças do 1.º ano de escolaridade, pelo que se pode afirmar que esta tarefa é eficaz na identificação de diferentes níveis de consciência sintác-tica, associados aos anos lectivos estudados.

Trata-se de um estudo relevante para a área da Terapia da Fala, no sentido em que pode contribuir para a construção de uma prova de ava-liação sintáctica e para a reflexão sobre as variáveis linguísticas e extra-linguísticas a controlar em instrumentos desta natureza. Como referido anteriormente, não existem instrumentos que permitam avaliar exausti-vamente os níveis de consciência sintáctica nas crianças portuguesas, sendo crucial a criação de instrumentos fiáveis e linguisticamente contro-lados para a realização de uma avaliação adequada desta competência e para a posterior planificação de uma intervenção eficaz.

Apesar de considerarmos positivos os resultados obtidos com a apli-cação da tarefa de manipulação, são de referir duas limitações principais.

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 167

Por um lado, consideramos que as instruções, os itens de treino e os de teste deveriam ter sido previamente gravados, garantindo-se, assim, que todos os sujeitos estariam expostos às mesmas condições de teste; por outro lado, no caso de algumas crianças, a aplicação das tarefas não foi registada em áudio, devido a falhas no sistema de gravação utilizado.

Referências Bibliográficas

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Dissertação de Mestrado em Linguística. Lisboa: Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras.

168 Avaliação da Consciência Linguística

ANEXO

TAREFA DE MANIPULAÇÃO

Instrução: Eu vou dizer-te umas frases e quero que digas outra frase igual em tudo menos na palavra que eu disser. Por exemplo: Esta saia (pasta, boneca) da Ana é verde. Diz outra frase igual em tudo menos na palavra X. Só podes mudar mesmo esta palavra. Assim, poderíamos dizer Esta pasta da Ana é verde. Vou dar-te mais alguns exemplos:

Itens de treino (o terapeuta diz a frase, dá a instrução e volta a repetir a frase, dando a hipótese de substituição):

a) Aquele carro (gelado, caderno) é meu. b) Esse menino tem um jogo (lápis, computador) c) O João espirrou (cantou, saltou). d) A menina fez (bebeu, entornou) um sumo. e) O sapato está roto (velho, estragado). f) O Miguel tem uma bola furada (redonda, pequena).

Itens de treino pela negativa (itens representativos daquilo que a criança não deve fazer):

a) Aquele carro é meu – Aquele jogo é do João. b) A menina fez um sumo – A menina comprou um bolo. c) O sapato está roto – O casaco está roto.

A Tarefa de Manipulação na Avaliação da Consciência Sintáctica 169

Itens de teste (Novamente o terapeuta diz a frase, dá a instrução e volta a repetir a frase registando a resposta da criança):

Frase Substituição 1 – Este menino jogou à bola no recreio. 2 – O bebé chora quando acorda. 3 – O menino está zangado. 4 – As crianças dormem à noite. 5 – Aquela boneca da Maria é cor-de-rosa. 6 – Os cães são muito espertos. 7 – O meu pai dança. 8 – Aquela linda casa é grande. 9 – O João comprou um boneco. 10 – Aquela ponte é muito perigosa. 11 – O Pedro tem um carro. 12 – O Noddy tem um barrete engraçado. 13 – Eu vi um grande livro. 14 – Eu tenho um gato peludo. 15 – A Mariana lê o livro. 16 – O João vai à loja com a tia. 17 – A Sara pintou um desenho. 18 – A mãe comprou uma saia rasgada.