a subjetividade da marca e suas interações sociais no ambiente digital

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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) A Subjetividade da Marca e suas Interações Sociais no Ambiente Digital: Subsídios Conceituais para a Análise da Publicidade Contemporânea 1 Fernanda Ariane Silva Carrera 2 Universidade Federal Fluminense (UFF) Resumo Entende-se que a lógica interacional, potencializada e exposta por meio dos ditos normativos da cibercultura, atingiu os pressupostos das práticas publicitárias contemporâneas. Nesse sentido, as marcas tendem a assimilar a atmosfera discursiva que constitui os laços relacionais dos indivíduos, construindo uma corporalidade enquanto “ser do mundo”. Este artigo propõe, portanto, um estudo destas estratégias comunicacionais da contemporaneidade sob o viés das relações sociais, entendendo o produto/marca como um ator social com o qual se interage. Para isso, propõe como subsídio conceitual os preceitos da Dramaturgia Social de Erving Goffman e da Análise do Discurso, ponto em evidência os conceitos de sujeito de enunciação e self; ethos discursivo e gerenciamento de impressões; bem como da noção de contexto na AD e dos quadros da experiência social de Goffman. Palavras-chave: marca; publicidade; sites de redes sociais; interação social 1. O self da marca. Uma construção interacional e discursiva. Tendo como pressuposto o dialogismo constituinte do discurso (Bakhtin, 1986), pode-se dizer que desde a sua concepção a publicidade propôs, de certa forma, uma “interação interlocutiva” (BRANDÃO, 1998, p. 24). No entanto, identificada pelos estudos como um discurso de sedução (PINTO, 1997), suas configurações de sujeito ancoravam-se na ideia da estereotipia e da identificação (LYSARDO-DIAS, 2007). Ou seja, parte das estratégias engendradas pelo anúncio publicitário consistia 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 6 - Comunicação, Consumo e Subjetividade, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected].

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  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    A Subjetividade da Marca e suas Interaes Sociais no Ambiente Digital:

    Subsdios Conceituais para a Anlise da Publicidade Contempornea1

    Fernanda Ariane Silva Carrera2

    Universidade Federal Fluminense (UFF)

    Resumo

    Entende-se que a lgica interacional, potencializada e exposta por meio dos ditos

    normativos da cibercultura, atingiu os pressupostos das prticas publicitrias

    contemporneas. Nesse sentido, as marcas tendem a assimilar a atmosfera discursiva

    que constitui os laos relacionais dos indivduos, construindo uma corporalidade

    enquanto ser do mundo. Este artigo prope, portanto, um estudo destas estratgias

    comunicacionais da contemporaneidade sob o vis das relaes sociais, entendendo o

    produto/marca como um ator social com o qual se interage. Para isso, prope como

    subsdio conceitual os preceitos da Dramaturgia Social de Erving Goffman e da

    Anlise do Discurso, ponto em evidncia os conceitos de sujeito de enunciao e self;

    ethos discursivo e gerenciamento de impresses; bem como da noo de contexto na

    AD e dos quadros da experincia social de Goffman.

    Palavras-chave: marca; publicidade; sites de redes sociais; interao social

    1. O self da marca. Uma construo interacional e discursiva.

    Tendo como pressuposto o dialogismo constituinte do discurso (Bakhtin,

    1986), pode-se dizer que desde a sua concepo a publicidade props, de certa forma,

    uma interao interlocutiva (BRANDO, 1998, p. 24). No entanto, identificada

    pelos estudos como um discurso de seduo (PINTO, 1997), suas configuraes de

    sujeito ancoravam-se na ideia da estereotipia e da identificao (LYSARDO-DIAS,

    2007). Ou seja, parte das estratgias engendradas pelo anncio publicitrio consistia

    1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 6 - Comunicao, Consumo e Subjetividade, do 4

    Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Doutoranda pelo Programa de Ps-graduao em Comunicao da Universidade Federal Fluminense.

    Mestre em Comunicao e Cultura Contemporneas pela Universidade Federal da Bahia. E-mail:

    [email protected].

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    na percepo da identidade do interlocutor o consumidor participava da produo

    discursiva a partir da sua concepo pelo enunciador -, para que, assim, o discurso

    construdo refletisse suas aspiraes, suas peculiaridades e interesses. Nesse sentido,

    havia a concepo da existncia de uma troca de identidade enquanto ser do mundo

    e a identidade projectada de um destinatrio, ser do discurso (...). O anncio diz-nos

    quem somos e como somos, ou seja, fixa os contornos da nossa prpria identidade

    (PINTO, 1997, p. 31-32).

    marca, portanto, aquela desprovida dos poderes da linguagem, restava

    existir no discurso enquanto enunciador carente de locutores legitimados para conferir

    credibilidade ao seu enunciado. Seja por meio da corporificao em um personagem

    que representasse a imagem pretendida (extrada da imagem dos seus

    coenunciadores/consumidores), seja por meio de porta-vozes enunciativos que

    atestavam o seu valor, ela no cabia uma personalizao independente, nica,

    original. Nessa nova perspectiva comunicacional da marca, regida pelas prescries

    de sociabilidade, surge uma certa autonomia identitria que oferece mesma a

    capacidade de personalizar-se com o objetivo de se tornar interessante socializao.

    Isto , no mais adentra o espelho refletindo o seu consumidor, mas insere-se no

    mundo como um corpo que pode espelhar-se junto a ele (ver figura 1).

    Figura 1. Interao da cerveja Devassa com seu pblico no Facebook. Enunciao que prope uma corporalidade

    ao produto, com caractersticas de gnero e humor peculiares ao seu posicionamento enquanto ser no mundo.

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    O ingresso, portanto, nos estudos sobre as estratgias discursivas da marca

    nesse novo contexto, deve consider-la atravs destas peculiaridades, entendendo as

    transformaes ocorridas no interior da sua enunciao. Pode-se dizer que, enquanto

    inseridas no invlucro da publicidade, as enunciaes propostas pela marca sofrem

    modificaes estruturais importantes principalmente porque constroem outra

    formao discursiva a partir de novos caracteres em sua dixis. Alm de inserido em

    outro tempo e espao, o discurso da marca estabelece outros sentidos para o que

    prope como Eu e Tu nos seus enunciados em meio digital.

    Os rastros diticos encontrados no discurso contemporneo da marca,

    portanto, so fundamentalmente diferenciados daqueles identificados nos estudos

    sobre publicidade tradicional. Ancorando-se anteriormente na fuso entre o Tu

    (consumidor) e o Eu do produto, acreditava-se na afirmao de que quanto mais

    completa for a identificao da imagem construda do Tu com a imagem tambm

    construda do produto, mais eficaz o discurso ser (PINTO, 1997, p. 162). Na

    perspectiva aqui proposta, entende-se que esta fuso no se faz mais necessria.

    Tendo como alicerce os desgnios interacionais, constri-se a eficcia discursiva pela

    relevncia da relao social que se estabelece, mesmo que fundamentada pelas

    diferenas. Do ponto de vista do co-enunciador, h um deslocamento entre o quero

    ser como para o quero interagir com. Nesse sentido, o Tu essencial na sua

    alteridade, posto como indispensvel construo daquele que seria o self da marca:

    aquele que emerge a partir da sua experincia social.

    Nesse sentido, pode-se afirmar que atravs do discurso interacional que a

    marca constri as nuances identitrias necessrias produo dos seus laos sociais.

    Partindo da perspectiva de que a construo do self dos indivduos s acontece no

    mbito das suas interaes com os outros (MEAD, 1969), tambm por meio do eu

    dos seus discursos que a marca molda a silhueta do seu eu do mundo. Este eu,

    portanto, seria um produto da cena de interao, influenciando e sendo influenciado

    pelas circunstncias que surgem do contato com outros atores. Ou seja, um

    personagem representado, um efeito dramtico, que surge difusamente de uma cena

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    apresentada, e a questo caracterstica, o interesse primordial, est em saber se ser

    acreditado ou desacreditado (GOFFMAN, 1985, p. 231).

    O Tu, assim, instaurado na enunciao contempornea da marca, configura-se

    (sob a perspectiva interacional e, especificamente pelas noes da teoria dramatrgica

    de Goffman) como plateia de uma representao; aquele que projetar a confiana

    naquela imagem em construo. Em outras palavras, ele o lugar de legitimao do

    sujeito, uma vez que considera-se a existncia um processo essencialmente

    colaborativo. Sem a cumplicidade do interlocutor, portanto, a identidade e os papeis

    representados no adquirem a validade necessria interao. Ao analisar o eu,

    ento, somos arrastados para longe de seu possuidor, da pessoa que lucrar ou perder

    mais em t-lo, pois ele e seu corpo simplesmente fornecem o cabide no qual algo de

    uma construo colaborativa ser pendurado por algum tempo (GOFFMAN, 1985, p.

    231).

    Em outras palavras, acredita-se que as estratgias publicitrias, a partir dos

    sites de redes sociais, inauguram uma outra proposta discursiva: a da interao social

    propriamente dita com os seus supostos consumidores. Sendo assim, o produto/marca

    transcende a sua caracterstica anterior de subsdio para a construo das relaes

    sociais sobre o qual so projetados valores simblicos e culturais - para ser, na

    contemporaneidade, o prprio ator com o qual se interage.

    A partir dessa perspectiva, entende-se, portanto, que a mesma lgica de

    construo do EU do indivduo, com vistas e ancorado nos ditames das relaes

    sociais, se estende para a construo deste suposto EU da marca. Apoiando-se nos

    regimentos que direcionam as interaes e laos sociais sob mediao tecnolgica, a

    marca, assim como os indivduos envoltos nestes trmites de sociabilidade, faz uso

    das mesmas prticas interacionais e discursivas comuns vida social das pessoas. Isto

    , enquanto ttica comercial, transcende a mera personificao do produto, uma vez

    que permite a construo de laos sociais relativamente duradouros; enquanto espelho

    da realidade de consumo contempornea, insere o consumidor em outro patamar

    enunciativo.

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    Vive-se, portanto, em um estado dual no mbito publicitrio. No h extino

    total da publicidade sob os moldes tradicionais, aquela envolta em um contexto

    sociocultural que reflete um modus operandi da sociabilidade sob as vias do ato de

    consumir, isto , quando parece que estamos imersos estticosemioticamente em um

    clima publicitrio (...). O sentido da vida seria ento o consumo (ATEM, 2009, p.

    2). Vive-se, na verdade, uma sobreposio de prticas, na qual percebe-se uma

    tendncia pela tomada da vez da publicidade no jogo dos preceitos do consumo: a

    publicidade imersa em um clima social, onde o sentido do consumo agora a vida.

    Sendo assim, busca-se neste trabalho entender estes usos e apropriaes a

    partir dos modelos analticos propostos pela Dramaturgia Social de Erving Goffman e

    pela Anlise do Discurso, na tentativa de apresentar um possvel suporte conceitual

    que considere as peculiaridades do ambiente, das intenes comunicativas e das

    complexidades envolvidas em uma interao marca-indivduo (so analisadas aqui as

    interaes das marcas Devassa e Ponto Frio no Twitter e Facebook). Com este

    objetivo, este artigo em especfico visa discutir a aplicao dos conceitos de sujeitos

    da enunciao e as categorias de pessoa do discurso aliados ideia de construo do

    self na Dramaturgia Social de Erving Goffman; a noo de Ethos discursivo e as

    aproximaes relacionadas ao gerenciamento de impresses; bem como compreender

    o contexto sob o vis da AD e do ponto de vista dos quadros da experincia social

    proposto por Goffman.

    2. Ethos e gerenciamento de impresses

    Em busca do entendimento acerca das imagens construdas nas enunciaes

    publicitrias, muitos estudos recorreram noo de ethos discursivo, de Dominique

    Maingueneau (2008). Conceito oriundo da retrica antiga, o ethos consiste na imagem

    de si que o indivduo constri em seu discurso, independente das caractersticas

    empricas do enunciador. Sob o vis da Anlise do Discurso de Maingueneau, o ethos

    adquire aplicabilidade tambm no texto escrito, no qual as noes de tom e cenografia

    ajudam a dispor o ambiente enunciativo adequado representao do ator social. A

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    imagem discursiva de si , assim, ancorada em esteretipos, um arsenal de

    representaes coletivas que determinam, parcialmente, a apresentao de si e sua

    eficcia em uma determinada cultura (CHARAUDEAU E MAINGUENEAU, 2004,

    p. 221).

    A ideia, portanto, do esteretipo como matria-prima do discurso publicitrio

    reina nos trabalhos que visam sua compreenso. Com o objetivo persuasivo de

    adquirir a identificao do co-enunciador/consumidor, a publicidade geralmente

    centralizava as suas estratgias na produo de uma corporalidade semelhante quela

    que imaginava ter o seu leitor-modelo. De acordo com Atem (2009), os possveis

    consumidores devem sentir certa afinidade com a produo enunciativa do

    anunciante, reconhecendo, na comunicao, os caracteres que os definem: Para que

    essa comunho seja eficientemente persuasiva, o enunciador deve mostrar um ethos

    coerente com o perfil de seu enunciatrio (ATEM, 2009, p. 9).

    A despeito de este tipo de estratgia persuasiva ainda estar presente na gama

    de possibilidades enunciativas da publicidade, v-se que o estabelecimento da

    corporalidade do produto, a partir dos novos dispositivos comunicacionais, no

    encerra na assimilao das caractersticas dos co-enunciadores os seus principais

    artifcios de enunciao. Ademais, mesmo admitindo a inteno de a publicidade

    tradicional encarnar o que prescreve (MAINGUENEAU, 2008, p. 19), essa

    materializao se fazia em uma exterioridade marca/produto. H, agora, uma

    simulao de renncia da publicidade enquanto mediao; aquilo que coloca o

    consumidor em contato com o produto. o produto em si que se corporifica, se

    inscreve no mundo. Essa inscrio est condicionada aos dados situacionais e s

    trocas sociais, e no necessariamente reproduo das peculiaridades dos indivduos

    consumidores.

    Pode-se dizer, portanto, que a noo de ethos discursivo j acolhe uma certa

    perspectiva interacional, na medida em que assume a interao entre os participantes

    na construo da imagem engendrada na enunciao. No momento em que se

    considera o outro para a produo do enunciado, h traos deste em todo o processo

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    de construo de sentido do discurso. Nesse contexto, a fora do ethos reside na sua

    existncia implcita, uma vez que se revela na enunciao mas no deve ser dito no

    enunciado. Ele permanece, por sua natureza, no segundo plano da enunciao, ele

    deve ser percebido, mas no deve ser o objeto do discurso (MAINGUENEAU, 2008,

    p. 13-14). nesse sentido que a competncia gerencial do enunciador representa um

    papel fundamental, na medida em que baliza as suas intenes, as percepes do

    outro, e os possveis efeitos de sentido.

    Essa competncia, portanto, pode ser compreendida a partir das contribuies

    tericas de Erving Goffman, sobretudo no que tange suposta teatralidade da vida

    social, que resume a sua proposta no A Representao do Eu na Vida Cotidiana

    (1985). Segundo o autor, vive-se em um imenso palco de representaes, no qual

    necessrio gerenciar elementos que formam as cenas sociais s quais todos os

    indivduos esto sujeitos em sua vida. Nesse modelo, deve-se levar em conta trs

    fatores essenciais representao: o prprio ator social; o cenrio; e a plateia. Esses

    elementos comunicacionais fazem emergir expresses de um self que se apresenta

    perante o outro, construindo e se constituindo como um meio atravs do qual

    informaes sobre o ator so transmitidas ao pblico (SMITH, 2006).

    Sendo assim, essa dinmica interacional obedece a uma ordem cultural que

    delimita os sentidos das aes sociais e norteia os comportamentos dos indivduos,

    instituindo ao outro o seu lugar fundamental na qualificao e significao da

    enunciao representada; isto , (...) existe uma relao entre as pessoas e os papis

    que assumem na interao, mas essa relao responde ao sistema interativo ou

    quadro em que o papel desempenhado (NUNES, 1993, p. 41). Entre expectativas,

    representaes, escolhas e delimitaes situacionais, os interagentes constroem as

    suas relaes visando adequao comportamental aos limites impostos pela

    interao, isto , a maneira com a qual o indivduo se apresenta ao outro j estabelece

    os limites dos seus direitos e deveres dentro da proposta comunicativa: Direitos e

    deveres fazem parte da forma como nos apresentamos aos outros e ao seu tratamento

    em relao a ns" (SMITH, 2006, p. 100).

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    A ideia de gerenciamento de impresses, portanto, consiste em preservar esta

    fachada social, a imagem de si que o ator prope como representao naquele marco

    temporal. Nesse sentido, cabe ao enunciador construir o seu locutor (personagem

    representada), dotado de um ethos legtimo e legitimado: como origem da

    enunciao que ele se v investido de certos caracteres que, em contrapartida, tornam

    essa enunciao aceitvel ou recusvel (AMOSSY, 2005, p. 16).

    3. O contexto discursivo e os quadros da vida social da marca

    A noo de contexto cara aos estudos do discurso. Considera-se que

    enunciador e co-enunciador participam da produo discursiva influenciados por

    coeres externas - histricas, sociais, culturais e ideolgicas - que ajudam a construir

    os efeitos de sentido. Em outras palavras, preocupa-se com o embricamento entre um

    modo de enunciao e o lugar histrico social de onde emerge essa enunciao. Ou

    seja, o contato entre o lingstico (sistema de regras, de categorias) e o no-lingustico

    (lugar de investimentos sociais, histricos, psquicos...) (BRANDO, 1998, p.24). A

    AD, ento, entende a linguagem a partir de uma mediao o discurso entre o

    homem e a sua realidade histrica, social, natural. por meio do discurso que o

    indivduo define a sua participao no ambiente em que vive, seja como agente de

    transformao, seja como algum que se adapta s circunstncias que aparecem,

    construindo as imagens de si e dos outros em ambientes de interao.

    Alm de considerar o contexto, em sua exterioridade, para a construo de

    sentido dos discursos, faz-se necessrio tambm compreender os ditames dos

    dispositivos tcnicos nos quais estes textos esto inseridos. Entende-se que o entorno

    miditico impe suas peculiaridades interao social que nele se instaura,

    constituindo-se como uma entidade tcnica que no se basta na sua tecnicidade, mas

    constri sentido junto ao discurso. Ou seja, no possvel separar texto de suporte

    sem que haja perda, alterao do sentido, uma vez que mais do que uma separao

    material, este recorte questiona os limites simblicos dos dois componentes no

    processo de representao.

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    Pensar na questo dos dispositivos tcnicos para o objeto de estudo aqui

    analisado afirmar que os limites simblicos e culturais do ambiente online foram e

    so fundamentais para a construo do self da marca em suas interaes sociais. Isso

    porque o dispositivo, alm de influenciar nos sentidos e constru-los junto ao

    contedo, define tambm a expectativa da plateia, uma vez que esta se prepara, ativa a

    sua cognio para receber daquele elemento significaes que j so peculiares a ele.

    Ou seja, o dispositivo no comanda apenas a ordem dos enunciados, mas a postura

    do leitor (MOUILLAUD, 2002, p. 32), o seu entendimento do gnero.

    Assim, a peculiaridade permitida pela comunicao mediada pelo computador

    - na qual h uma ampliao de possibilidades exploratrias -, mostra que a percepo

    de relaes espao-temporais, os limites da corporalidade e as referncias contextuais

    se constituem a partir de caractersticas prprias especficas. Estas especificidades

    compem tambm os sistemas representacionais e o estar junto, e apresentam-se de

    forma diferenciada daquelas que constituem a interao face a face (RIBEIRO, 2003,

    p. 295).

    So essas peculiaridades que, em conjunto, constituem as macro-estruturas

    sociais que determinam as simbologias da vida cotidiana. atravs do discurso que

    pode-se perceber os rastros destas determinaes, bem como por meio dele que se

    pode transform-las (RODRIGUES JNIOR, 2005). Dentro dessa perspectiva, estas

    macro-estruturas se fixam em situaes sociais (GOFFMAN, 1964) especficas que

    podem corroborar os seus sentidos, mas, sobretudo, transform-los atravs da

    regulao dos chamados enquadramentos sociais. O reconhecimento de uma situao

    social, portanto, envolve esquemas de interpretao designados primrios que

    preparam para o sentido do acontecimento e delimitam, de certa forma, a resposta aos

    estmulos propostos. Alguns so claramente apresentveis como um sistema de

    entidades, postulados e regras; outros - na verdade, a maioria - parecem no possuir

    nenhuma forma articulada aparente, fornecendo-nos apenas uma tradio de

    compreenso, uma abordagem, uma perspectiva (GOFFMAN, 2012, p. 45).

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    Entendendo, dessa forma, que todo significado situado e contextual,

    Goffman tambm admite o contexto como uma interpretao colaborativa dos

    interagentes, podendo a todo o momento ser modulado, deslocado e reinterpretado a

    depender da inteno enunciativa dos atores sociais. Em uma anlise minuciosa das

    situaes sociais cotidianas, o autor prope mapear as interaes, percebendo o

    funcionamento das delimitaes de sentido, das trocas, das ironias, dos mal-

    entendidos etc., e de que forma estas enunciaes obedecem a certas regras de

    enquadramento que delimitam as possibilidades de modulao.

    Sendo assim, o reconhecimento de uma situao passa pelo uso de esquemas

    de interpretao (GOFFMAN, 2012) que delimitam os padres de comportamento e

    as atitudes adequadas manuteno da representao proposta. Os esquemas

    primrios, aqueles que so o ponto de partida para qualquer modulao, constituem o

    elemento central da cultura, e a sua compreenso fundamental para as

    transformaes de quadro que dinamizam a vida social. O mal-entendido, portanto,

    uma clara distoro de enquadramento, trazendo ambiguidades que revelam um

    desequilbrio interpretativo dos interagentes. Neste caso, o enunciador pode propor

    uma tonalizao a determinado quadro, isto quando um conjunto de convenes

    pelas quais uma dada atividade, j significativa em termos de algum esquema

    primrio, transformada em algo pautado sobre esta atividade, mas visto pelos

    participantes como algo muito diferente (GOFFMAN, 2012, p. 71), mas o seu

    interlocutor pode interagir ainda sob os moldes do enquadramento primrio,

    instaurando uma falta de sintonia na situao social.

    Fica evidente, portanto, que a noo de contexto do ponto de vista discursivo,

    para a anlise da publicidade tradicional, envolvia-se em um estudo da mesma

    enquanto diagnstico psicossocial de uma poca (PINTO, 1997, p. 35), uma vez

    que por meio das suas estratgias era possvel entender o contexto sociocultural

    vigente, bem como as expectativas que envolviam os desejos de consumo dos

    indivduos que formavam o seu pblico-alvo. Nesse sentido, pode-se dizer que as

    estratgias publicitrias continuam refletindo a conjuntura na qual se inserem, j que

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    a partir dela que so escolhidas as melhores prticas persuasivas a serem adotadas. No

    entanto, para alm do contexto scio-discursivo ao qual a publicidade est submetida,

    ela parece, na contemporaneidade, estar adequada aos contextos interacionais que

    definem o comportamento humano em suas relaes em comunidade. Assim, as

    expectativas que regiam o contato anunciante-pblico so deslocadas para a lgica

    das expectativas que regem o contato indivduo-indivduo, e isto transforma tanto o

    mago da proposta discursiva publicitria quanto os alicerces do que se entendia

    como relao social.

    Para os interesses aqui visados, pode-se afirmar que o conceito de

    enquadramento, dentro da perspectiva interacional, pode ser essencial na busca pela

    compreenso deste novo fazer publicitrio, que envolve mais do que um jogo

    persuasivo propriamente dito, mas um malabarismo de contextos e intenes que

    revelam a inexistncia de um significado per se das aes sociais. Por meio da anlise

    de cada situao encenada, possvel entender o dinamismo constitutivo dos

    enquadres, que sinalizam as intenes comunicativas dos interlocutores e se

    transformam em conformidade com os objetivos da interao em curso

    (RODRIGUES JNIOR, 2005, p. 130).

    4. Consideraes finais

    As prticas estratgicas em publicidade esto inseridas em uma gama de

    outros elementos da cultura contempornea que foram explicitamente afetados pelos

    novos engajamentos sociais que emergiram dos recentes dispositivos tecnolgicos. A

    despeito de parecer determinista, negligenciar a influncia dos sites de redes sociais

    para a configurao dos discursos publicitrios atuais negar a reformulao dos

    desgnios socioculturais que se materializam em novas formas de existir e de se fazer

    visto na sociedade. Assumindo o estatuto de espelho da realidade que a rodeia, a

    publicidade buscou e busca apresentar como artifcio discursivo envolto em

    criatividade algo que pincelou das mais superficiais manifestaes da vida social

    vigente. Sendo assim, propor interaes com seu pblico sob os moldes da interao

  • PPGCOM ESPM // SO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

    social nada mais que perceber as expectativas daqueles que sempre foram o lugar de

    extrao das suas maiores matrias-primas: os indivduos.

    Ao considerar as novas formas de socializao, embasadas pelos apelos da

    cibercultura, pode-se compreender o consumo tambm a partir deste

    compartilhamento do fazer, no qual participa-se da produo e do consumo quase que

    simultaneamente. Entende-se que no h mais espao para o discurso em linearidade,

    com polos de emisso e recepo bem definidos, isto , admite-se que da cultura de

    massa centralizadora, massiva e fechada estamos caminhando para uma cultura

    copyleft, personalizada, colaborativa e aberta (LEMOS, 2004, p.15). Sendo assim, o

    consumo virou participao antes de compra, assim como a comunicao com o

    consumidor virou mais do que considerar a sua existncia, mas inserir o sujeito que

    possivelmente compra no mbito da produo do objeto de consumo, tanto pela

    adoo de suas ideias quanto pela adoo de si mesmo para o crescimento da sua

    rede.

    Consumir, portanto, interagir; relacionar-se; envolver-se em conversao. A

    marca se desloca da excluso do seu ambiente mercadolgico para participar das

    dinmicas de sociabilidade que ecoam nestes dispositivos tecnolgicos atuais. Com o

    objetivo de serem aceitas pelo grupo social que ali se forma, precisam estar atentas s

    suas normas de comportamento e conduta, tornando-se sujeitos ideais criao de

    verdadeiros laos de afetividade. De um lado, fazer parte do crculo social dos

    indivduos, adentrando a sua rede, revela que a marca empreendeu uma construo da

    imagem de si favorvel socializao: relevante, interessante, agradvel. Do outro

    lado, ter uma relao com a marca uma maneira de o indivduo exibir o bem

    simblico, ajudando a construir a sua referncia identitria naquele ambiente. Apesar

    de no necessariamente ostentar o objeto no corpo emprico, ostenta-se a marca

    naquela corporalidade que se faz existir no espao digital.

    nesse sentido que a aproximao da lgica de construo do Eu da marca

    com a construo do self dos indivduos se faz pertinente. Faz parte da construo dos

    grupos sociais a identificao de atores que se mostram interessantes, legitimados

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    aceitao. Mais do que isso, constri-se os referenciais identitrios a partir da vida

    social, realizando contrapontos e semelhanas com aqueles que constituem o Outro.

    a partir do outro que os indivduos reconhecem a si mesmos e a sua insero no

    mundo; s por meio do reconhecimento do outro que entende-se a necessidade da

    criao de uma imagem de si (ethos); por fim, tanto o Eu quanto o Outro esto

    submetidos aos enquadres estabelecidos pela tradio cultural. Dessa forma, entender

    a marca como participante dessa conjuntura social , sobretudo, inseri-la neste seio de

    construes enunciativas, analisando as suas estratgias comunicativas como parte de

    uma produo contnua de um ator social que se insere no mundo e submetido por

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