a sentença da comedia_versão final

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1 A SENTENÇA DA COMÉDIA Dramaturgia de Cecilia Bilanski Peça escrita a partir de um processo colaborativo de construção dramatúrgica com os alunos do 12 A do Colegio Waldorf Micael de São Paulo Baseado na obra O Capitão Fracassode Théophile Gautier São Paulo, Abril de 2015

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Page 1: A Sentença Da Comedia_versão Final

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A SENTENÇA DA COMÉDIA

Dramaturgia de Cecilia Bilanski

Peça escrita a partir de um processo colaborativo de construção dramatúrgica com os alunos do 12 A do Colegio Waldorf Micael de São Paulo

Baseado na obra “O Capitão Fracasso” de Théophile Gautier

São Paulo, Abril de 2015

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CENA 1 - A TRUPE DOS COMEDIANTES

A trupe canta:

Venham ver a nossa peça antes que você adormeça, Você vai se animar então não tente adiar. Entre damas e cavalheiros você verá aventureiros, Todos vão te conquistar logo é bom cedo chegar. Matamorros, Celine, Leandre, Marcelline, Bons atores vão surgir Matamouros, Celine, Leandre, Marcelline, Para a trupe podem vir! Por muitos e muitos países Formamos varias raízes, Com alegria e diversão E sem um tostão na mão Mas por causa da doença da peste Iremos rumo ao leste E logo devemos partir pra fazer mais gente sorrir.

NARRADOR - Num lugar ermo perto de Sigognac, na França, uma trupe de

comediantes se prepara para passar a noite.

A trupe está ao redor da carroça, menos Tirano e Jasmine. Já é tarde e todos estão

ocupados com seus próprios afazeres. Matamorros e Blazius tocam a música de viagem

da trupe (versão instrumental). Scarpin e Pucinella fazem piruetas e riem juntos. Zerbine

e lsabelle lavam o cabelo e acompanham a música, bem baixinho. Leandre apara seu

cabelo na frente do espelho. Marcelline conserta um tambor enquanto Celine costura

um figurino.

MARCELINE (desabafando) - Olha o que a Jasmine fez!? Ela não sabe tocar o tambor e

eu que tenho que arrumar! Ai Celine, não sei o que o Tirano viu nela!

CELINE - Eu sei exatamente o que ele viu. (rindo)

MARCELLINE - Aliás, você viu o Tirano?

CELINE - Nossa, Marcelline, você não para, né?

Mas olha, olha esse figurino! Todo rasgado. Eu já disse que não vou fazer mais, maldito

Scapin.

MARCELLINE - Ele deve estar com a Jasmine...

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Entra Jasmine toda sorridente, dá um olhar provocativo para Marcelline e entra na

carroça. Logo atrás aparece Tirano, um pouco despenteado.

TIRANO - O que é isso? Maldita companhia eu fui juntar! Um grupo de preguiçosos!

Scarpin, começe!

Scapin se aproxima do público, faz uma grande pirueta.

SCAPIN (para o público) - Senhoras e senhores! Eu vou lhes contar uma história que se

passa há muito e muito e muito tempo atrás, onde o arco-íris ainda era preto e branco.

É a história

TIRANO (dando um grito) - Chega! O que você está fazendo? Vamos, a música, quero

todos tocando e dançando!

MARCELLINE (se aproximando sedutora de Tirano) - Onde você estava, meu amor?

(Ela acaricia o rosto dele).

TIRANO (faz de conta que não ouve e limpa o rosto.) - Cadê o povo?! Vamos!!!

CELINE - Mas o céu está nublado, parece que vai chover...

TIRANO (empolgado) - Celine, você que é minha sobrinha deveria dar o exemplo.

Nossa trupe ensaia de dia e de noite faça sol ou faça chuva!

É isso que faz de nós a melhor trupe de comediantes de toda Europa!

LEANDRE (sem deixar de se pentear e olhar no espelho) - Vai chover, Sr. Tirano e até

agora só nos apresentamos na Itália e na França e mal conseguimos uns trocados para

sobreviver.

As pessoas estão morrendo de peste por todo lado. Ninguém se importa com nossa

arte. Parece que a Europa toda está de luto.

SCARPIN (ironizando) - Ai que horror.

ZERBINE - É verdade, olha minhas roupas, todas desgastadas, como poderei

interpretar uma grande dama com meu vestido rasgado? Eu tenho tanto medo, medo de

morrer, medo da fome... Oh! (pausa dramática e exageradamente teatral)... medo de me

sentir sozinha em meio a tanta escuridão...

PUCINELLA - Já está interpretando de novo, essa moça não se contém.

BLAZIUS - Para falar sério até o vinho está em falta ...

TIRANO- O que que é isso? Um motim?

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Isabelle começa a cantar (música da trupe), Zerbine duvida um pouco, mas logo a

acompanha e dança sedutora.

Matamorros toca com mais afinco, Leandre e Blazius o acompanham. As mulheres

dançam animadas.

SCAPIN- Senhoras e senhores, com vocês um grande homem, o Tirano.

TIRANO canta sua música.

SCARPIN - Capitão Matamorros, chegou sua vez.

MATAMORROS canta sua música.

LEANDRE (interrompendo a pose) – Senti uma gota.

SCARPIN - Tá preocupado com o cabelo, quando molha fica (ele faz um gesto de todo

desarrumado)

JASMINE - Eu também senti uma gota, Tirano.

TIRANO - Tudo bem, tudo bem, parece que vai chover, recolham tudo e vamos para a

carroça.

MARCELLINE (para Celine chorosa) - Viu, foi só ela falar que...

CELINE - Vamos, vamos, a chuva tá ficando mais grossa!

Eles se apressam e sobem para a carroça.

FERNANDO - Então, o vento se tornou mais veemente e a noite mais escura, a chuva

batia despiedada enquanto a pobre carroça se abria caminho entre as batidas da

tormenta, mas quando o destino parece mais escuro e sem saída, uma luz amarelada...

MATAMORROS- Um castelo!

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CENA 2 – NO CASTELO DA MORTE

MUSICA DA MORTE (INSTRUMENTAL)

MORTE - Eu sou a morte, simbolizo a mudança profunda.

Faço da vida o meu submundo.

Sou filha da escuridão e deusa da glória.

Habitam dentro de mim dois seres que juntos formam um arpejo.

Bonito choro no espelho, que por trás carrega o receio.

Entrelaço cada destino conforme aquilo que aprecio.

Sou associada à terra, pois a morte não pode ser um fim em si, senão a transformação,

a revelação do desconhecido. Como em um novo ciclo de regeneração, é preciso ir

ainda mais adiante, pois sou eu a própria condição para o progresso da vida.

O passado é a semente e o futuro aquilo que colhemos.

Mas não esqueças que sou eu quem decidirá quando tu partirás.

SOM DE BATIDAS

ZERBINE - Este lugar dá medo.

ISABELLE - É melhor ficarmos aqui que morrer de frio na carroça.

LEANDRE - Não deve ter ninguém nesse velho castelo, foi uma perda de tempo vir

até...

TIRANO - Psiu!

JASMINE - O que foi?

CELINE - Eu acho tudo meio esquisito...

TIRANO - Psiu!

CELINE- Mas o que que...

TIRANO - Cala essa boca menina, me deixa ouvir!

NARRADOR - Tirano continua a bater. Enquanto isso, Scarpin e Puccinela se afastam

do grupo levados pela curiosidade e certa falta de sentido comum.

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Os dois perambulam em volta do castelo até acharem uma entrada. Scarpin um pouco

mais corajoso empurra a porta sem fazer barulho, e Puccinela amedrontado o segue.

PUCCINELA (com medo) - A gente deveria voltar com os outros.

SCARPIN - Psiuu, não faça barulho...

NARRADOR - Aos poucos uma sombra se configura... (A morte passa dançando

assustadora, Scarpin a vê e se assusta) quando Scarpin sempre atrapalhado dá um

passo em falso e chuta uma velha armadura.

GRANDE BARULHO METÁLICO

TIRANO – Ouviram agora?

CELINE – Mas o que que...

TIRANO – Psiu! Me deixa ouvir.

NARRADOR – Então uma figura se ergue...

SIGOGNAC - Quem ousa entrar no meu castelo sem ser convidado! (Ele está em pé

com a sua espada na mão, em posição de ataque. Veste roupas velhas, quase

farrapos.)

SCARPIN (ainda na penumbra sem enxergar com quem fala e tentando arrumar a

armadura) - Desculpe interromper, meu caro senhor, foi inconveniente da minha parte

entrar assim, mas nós somos de uma trupe de comediantes.

SIGOGNAC – Mas você não vê que estamos de luto.

PUCCINELA – Desculpe, mas não dá pra ver nada, mesmo.

SCARPIN – Meus companheiros e eu procuramos abrigo...

SIGOGNAC – Aqui só tem morte, vão embora!

TIRANO – Ouviram, é o Scarpin e o outro, sei lá... ele disse morte! Isso dá uma bela

peça, tem suspense, ação...

MARCELLINE – Eu gosto mais de historias de amor.

JASMINE – O que eu gosto é de vingança.

LEANDRE – Não vamos ficar a noite toda aqui?

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TIRANO – Vamos procurar o Scarpin.

BLAZIUS – E o Puccinela. Mas as damas fiquem aqui.

ZERBINE – De jeito nenhum, eu vou.

CELINE – Também não quero ficar.

TIRANO – Leandre, fica com elas.

Jasmine, Marcellina e Celine riem juntas.

LEANDRE – O que que foi?

I

SABELLE – Podem ir, juntas estaremos seguras.

MATAMORROS (se aproximando) EU ficarei cuidando das damas, os cavalos estão

bem amarrados.

Tirano sai em busca de Puccinela e Scapin em companhia de Blazius.

SCARPIN (ajoelhado e chorando) Não, não, não!

TIRANO (correndo) O que aconteceu?

SCARPIN - é o Pierre, o Pierre...

TIRANO Que Pierre?

SCARPIN – Como que Pierre, o servo do Sigognac.

TIRANO- Que Sigognac?

SCARPIN – O dono do castelo, é uma história tão tão tristeeeeeeeee.

TIRANO – Você viu o dono do castelo?

Scarpin assente com a cabeça e aponta para Sigognac. Ele está sentado numa venha

poltrona.Tirano e Blazius olham espantados, mas disfarçam e fazem uma reverencia.

SIGOGNAC – Deixemos as formalidades, nada tenho, nem posso oferecer.

Meu último servo Pierre, morreu de peste negra agora pouco, e eu espero acompanha-

lo em breve.

Peço que se retirem se não quiserem ter o mesmo destino.

BLAZIUS – Vamos Tirano.(Tirano faz um sinal para esperar com as mãos)

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TIRANO – Mas você não está doente.

S – Eu não vou morrer de peste, senão de fome.

T – Permita-me oferecer-lhe uma ajuda em troca de nos deixar passar a noite.

S – Não sei incomode, só alonga meu tormento.

T – Mas o senhor é nobre, como pode ser tão pobre?

S – Meus pais fizeram sumir nossa fortuna. Só tenho isto (mostra espada) Com ela

poderia recuperar minha honra frente ao Rei e tudo que perdi. Meu pai serviu a ele na

guerra contra os galegos, mas já é tarde demais.

T – E por que não vai? Por que não visita o Rei?

S – Olhe para mim, eu não posso sair deste castelo.

T – Nós estamos a caminho de Paris se o senhor quiser...

S – Podem passar a noite, mas meu destino já está marcado.

T – Puccinela, Scarpin, abram a porta! Que entrem todos!

As damas entram e fazem belas reverencias para Sigognac, que fica encantado por

Isabelle.

BLAZIUS – É hora do vinho!

TIRANO – Já ouviram!

Matamorros toca as meninas dançam enquanto preparam a mesa. O castelo fica cheio

de vida.

TODOS CANTAM- Musica Sigognac

NARRADOR – O dia nasce e a trupe parte, a viagem continua sempre adiante, mas

agora um visitante os acompanha.

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CENA 3 - A VIDENTE REVELA UM PERIGO

NARRADOR - A trupe chega à cidade de Potiers, curiosos passeiam por uma grande

praça cheia de barracas e lojinhas.

As garotas da trupe param e fascinam-se com a incrível barraquinha de bijuterias, todas

animadas.

ISABELLA - Olha só que linda essa pulseira, imagine só eu usando ela no palco!

ZERBINE- (rindo) Não melhor do que eu usando estes brincos maravilhosos.

Madame Janulsem aborda Marcelline no meio da praça.

MADAME J - Olá minha querida, não gostarias de dar uma espiadela em teu futuro,

talvez desvendar teu passado, ou alinhar o presente?

Marcelline um pouco apreensiva da uma boa olhada na mulher e atrás dela avista uma

tenda mística.

MADAME JANULSEN - (Puxando Marcelline para o interior de sua tenda) Eu sou

Madame Janulsen, a vidente e cartomante mais famosa de toda a Europa! Vem, vem, já

sinto na tua áurea conflitos que devem ser desvendados!

NARRADOR - A tenda está escura, iluminada apenas por velas. Marcelline observa

diversos apetrechos esquisitos- bolas de cristal, potes com rãs vivas, chifres e pó.

Madame Janulsen senta Marcelline num banquinho de madeira situado na lateral de

uma mesa e ela senta do lado oposto.

MARCELLINE - Quanto isso vai me custar?

MADAME J - Nada , nada menina. É por conta da casa. Agora fecha os olhos e respira

e inspira profunda e lentamente, para que possa me conectar com teu espírito.

Marcelline segue as ordens de Madame Janulsem, quando de repente esta quebra o

transe de Marcelline e joga um punhado de pó branco em seu rosto

MARCELLINE - (Tossindo) Mas o que...!

MADAME J - Silêncio! Os espíritos do além vagam agora entre nós! Rápido mostra-me

a palma de tua mão!

Marcelline mostra as duas palmas. Madame Janulsen dá um tapa forte na esquerda.,

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MADAME J - Tens passado por grande turbulência na infância, Ariana... e agora…

procuras pela mulher por uma mulher que nunca conheceste... Tens sido castigada pelo

teu pai…mmm… tão parecida com ela. Ele foi abandonado por ela...

MARCELLINE - Como você sabe disso?

MADAME J - Marcelline, Marcelline a foragida, tens tomado o mesmo rumo e o mesmo

destino da mulher que procuras. Agora carregas seu nome, carregas seu nome!!

MARCELLINE - Sim, sim, fale mais dela, minha mãe...(Esperançosa) Eu vou encontrá-

la?

MADAME J - Minha mente se torna escura, está ficando nebulosa, embaçada... Preciso

de claridade, coisa que só o brilho do metal mudará!

Marcelline ansiosa e apressada então retira duas moedas de seu pequeno saquinho de

dinheiro e entrega a cartomante. Janulsen analisa com uma espiadela a moeda e então

retorna ao estado anterior como se nada tivesse acontecido.

MADAME J - Muito difuso! (Gritando) Teu destino ainda não foi decidido pelo ser do

além, não é meu querido? Mas algo é certo, algo sabe o além!

MARCELLINE - E o que é??!

Janulsen esfrega os dedos insinuando que deveria ser paga com mais moedas.

Marcelline irritada retira mais uma da bolsinha.

MADAME J - Ah sim! Sim!! Clarividência! O final da história é incerto ainda.

MARCELLINE - Voce já havia me dito isto antes, vá ande logo conte- me mais! (Ela

percebe que deve entregar mais moedas para Madame Janulsen e as entrega

impaciente.)

MADAME J - Agora vejo uma menina, é bonita, se é! Está apaixonada! O seu amor é

um membro de um grupo.. Um grupo de teatro!

MARCELLINE - Sou eu e o Tirano (Animada) Nós vamos acabar juntos? Ele vai casar

comigo?

MADAME J - Está ficando escuro....

Marcelline entrega mais três moedas com raiva.

MADAME J - Não é a ti que eu vejo menina tola. É uma outra moça, outro homem. Os

dois correm grande perigo, algo terrível os aguarda!

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MARCELLINE - Mas que tolice, a senhora só me diz abobrinhas enquanto toma meu

dinheiro! Perigo de que? O que os aguarda? É a peste?

MADAME J - Abobrinhas? Diz-me então se não tenho falado só verdade?

MARCELLINE - Não sei como fez isto, mas se afirma que o que diz é verdade responda

logo minha pergunta, o que é este perigo?

MADAME J - Nada vejo agora, só o metal dourado...

MARCELLINE - Já não tenho mais quase dinheiro algum! Olhe só, quase esvaziei

minha bolsinha inteira, não vê? Por que simplesmente não responde a pergunta?

MADAME J - Sem metal, sem futuro.

MARCELLINE - Oras, vá pro inferno!

Marcelline abandonando a tenda e voltando irritada pra a praça onde encontra a trupe.

TIRANO - (Empolgado) Marcelline por onde andava? Olhe só estas coisinhas que

encontramos, Pucinella até comprou uma nova sela para o cavalo, uma pechincha!

MARCELLINE - Não precisamos de selas nem de nenhuma destas bugigangas. Alguém

de nós corre perigo. (Tirano olha para ela incrédulo)

É sério, foi uma vidente, que me disse!

Madame Janulsen, disse que corríamos perigo!

Todos riem

TIRANO - Quanta ingenuidade o que poderia acontecer de mal com uma pobre trupe de

teatro? Não podemos passar mais fome do que já passamos! Quanto pagou a esta

charlatona?

MARCELLINE - (Envergonhada) Sete moedas, mas… Ela é a vidente mais famosa de

toda Europa!!!

TIRANO - Sete o que?

MARCELLINE - Eu só...

JASMINE - Cale esta boca Marcelline, não precisa justificar suas idiotices para nós.

MARCELLINE - Ora sua... (As duas tentam partir pra cima uma da outra então

Sigognac impede a briga).

SIGOGNAC - Chega! Nada de mal acontecerá a nenhum de nós.

TIRANO - Vamos! Temos que voltar para a carroça

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CENA 4 - A POUSADA DO CHIRRIGUIRRI

NARRADOR - A trupe faz uma entrada bastante teatral e barulhenta no salão da

pousada. O dono, Chirriguirri se apressa animado para atendê-los, enganado pelas

roupas vistosas dos figurinos.

Enquanto Chirriguirri encaminha a trupe para uma mesa, ele percebe que são apenas

atores famintos. Ao fundo do salão dorme uma menina.

CHIRRIGUIRRI - Bem-vindos honoráveis damas e cavaleiros, eu sou Chirriguirri, o dono

da melhor pousada de Potiers!

TIRANO – Temos viajado há vários dias e estamos famintos.

BLAZIUS – Eu quero vinho! E comida em abundancia!

CHIRRIGUIRRI (olhando para Scarpin da cabeça aos pés) - Meu estabelecimento tem

tudo que possa agradar a pessoas de qualidade!

PULCINELLA – Eu não sei se tenho qualidade, mas fome com certeza.

CHIRRIGUIRRI- Servi minutos atrás para um convidado de honra um assado de javali

com molho de abacaxi!

ZERBINE- Que delicia!

MARCELLINE – Maravilhoso, estou morrendo de fome.

CELINE –Podemos comer logo?

CHIRRIGUIRRI – Então, vocês são atores?

MATAMORROS – A melhor companhia de toda Europa.

TIRANO – Isso mesmo!

CHIRRIGUIRRI - Entendo, mas que pena, o javali estava tão delicioso que não sobrou

um único pedaço!

TRUPE- Aaaaaaaah!

CHIRRIGUIRRI - Mas agora pouco fizemos um delicioso patê preparado com fartura por

nossa cozinheira...

SCARPIN – Que belezura!

PUCCINELA – Manda ver.

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CHIRRIGUIRRI – Mas, lamentavelmente foi devorado num piscar de olhos por alguns

senhores de passagem. Também temos um pato levemente adocicado à laranja...

CELINE – Eu quero isso.

CHIRRIGUIRRI – Mas não restou nem um pedacinho.

SCARPIN – Ai, não, meu Deus, eu não aguento mais.

CHIRRIGUIRRI – Mas porque vocês não experimentaram a especialidade da casa...

que é o...?

PUCCINELA – O frango?

CHIRRIGUIRRI – Não.

SCARPIN – O peixe?

CHIRRIGUIRRI – Não

TIRANO – Já chega! Eu sei que não temos quase dinheiro algum, mas pelo amor de

deus Senhor Chirriguirri, estamos morrendo de fome, nos dê algo para comer!

CHIRRIGUIRRI - Fome, certo? Então mandarei trazer o melhor pão que vocês já

experimentaram. (Chirriguirri faz um sinal e dois empregados entram com bandejas

cheias de pão para a trupe e a depositam na mesa) E para acompanhar a cristalina

água de Potiers!

SCARPIN E PUCCINELA (revoltados e quase pulando sobre a mesa) - Pão e

água???!!!

ISABELLE – Fiquem calmos, é o melhor que podemos conseguir com o dinheiro que

temos.

Scarpin e Puccinela voltam a sentar desapontados.

NARRADOR – De repente, abrem-se as portas intempestivamente, e entra no salão um

nobre de verdade!

SOM DE PORTAS SE BATENDO

CRIADO 1 e 2 – O Marquês de Bruyeres.

Todos ficam imóveis enquanto o Marquês sem preâmbulos se aproxima à mesa dos

artistas.

CHIRRIGUIRRI – Senhor Marquês, é uma honra recebe-lo no meu humilde

estabelecimento.

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MARQUÊS – O que você está esperando? Vinho para todos os presentes.

CHIRRIGUIRRI (batendo palmas de novo) – Claro, claro, vinho para todos.

O Marquês olha interessado para a mesa do atores e senta-se bem ao lado de Zerbine.

MARQUÊS – É verdade, então que vocês são a melhor trupe de Europa?

TIRANO – Não tenha duvidas, senhor Marquês.

MARQUÊS (olhando para Zerbine descaradamente) Eu não tenho duvidas, só queria

confirmar com meus próprios olhos (Tomando a mão de Zerbine e beijando-a) E qual é

o nome desse anjo?

ZERBINE – Zerbine.

MARQUÊS – Então, senhor...

TIRANO – Tirano.

MARQUÊS – Senhor Tirano, sua companhia tem alguma peça em que a Zerbine

interprete um papel inesquecível?

TIRANO – Claro, no Capitão Matamorros, a Zerbine é resgatada das garras de um

homem ciumento e possesivo.

MARQUÊS – Eu só quero ver brilhar a Zerbine no palco, o resto vocês decidem. Meus

servos indicarão o caminho até meu castelo. Espero que saibam divertir meus

convidados

TIRANO – Pode ficar tranquilo, o senhor Marquês não irá se arrepender.

O Marquês se levanta, mas não sem antes se despedir de Zerbine.

MARQUÊS – Espero vê-la em breve, bela Zerbine.

Zerbine faz uma reverencia e o Marquês vai embora do mesmo jeito que entrou.

ZERBINE – Não estou acreditando! Como ele é elegante e corajoso.

PUCCINELA (para o público) – Para as mulheres quanto mais rico mais belo fica, por

isso sempre serei feio.

CELINE – É tão romântico...

SCARPIN – Eu não sei se ele é romântico, mas é rico e muito.

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SIGOGNAC – Eu conheço ele, é um homem honrado, meu pai e ele foram bons

amigos.

ISABELLE – Mas ele não o reconheceu!

SIGOGNAC – Como poderia.

ISABELLE – Vamos resolver isso logo! Eu posso ajudar.

TIRANO (Levantando sua taça de vinho) – Calem a boca, esta era a oportunidade que

esperávamos!

Matamorros também levanta sua taça o resto da trupe também faz o mesmo

MATAMORROS – O Capitão Matamorros nunca falha, temos o sucesso garantido.

TRUPE – Sucesso!

De repente, Chiquita aparece em silêncio entre os artistas. Vestida com roupas velhas,

fixa seu olhar nas joias e roupas das atrizes com cobiça, não consegue dominar a

curiosidade e vai em direção a Isabelle, que se vira rapidamente para trás e encontra o

olhar da menina fascinada pelo seu colar.

CHIQUITA (Acariciando o colar delicadamente) - Que colar bonito!

ISABELLE (Sorrindo para Chiquita) - Obrigada!

Chiquita sai correndo.

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CENA 5 – COLAR DE PÉROLA

MÚSICA DE TENSÃO

Agostín se encontra sentado em uma pedra na floresta tocando violão quando escuta

Chiquita se aproximando, ele reage imediatamente e se esconde para surpreender

Chiquita com uma faca contra o pescoço.

CHIQUITA (sem medo) - Agostín!!!

AGOSTIN (tirando a faca) Chiquita!! Quase não percebi sua chegada está cada vez

melhor, logo será tão ágil e silenciosa que ninguém perceberá sua presença.

CHIQUITA - Mas você me pegou de novo. (Ela senta do lado dele) Tenho uma noticia

incrível!!

AGOSTIN (animado) - Diga logo!

CHIQUITA – Hoje enquanto estava na Pousada do Chirrigurri, vi um grupo de pessoas

muito bem vestidas, pareciam nobres e as mulheres usavam joias lindaaas! (suspiro).

AGOSTIN - Ah, não se engane minha pequena. Muitos por ai usam joias falsas...

CHIQUITA - Mas eles traziam baús pesados, seriam necessários três homens para

carregar, e aquelas joias... Tinha uma moça com um colar de bolinhas brancas

brilhantes, pareciam feitos de lua!

AGOSTIN - Pérolas!!

CHIQUITA - Se você cortar o pescoço dela, você me da o colar?

AGOSTIN – Claro, minha pequena!! Vamos, temos muito a fazer...( ele sai explicando o

plano para Chiquita)

MÚSICA DA TRUPE

Aparece a carroça.

NARRADOR - A carroça dos comediantes avança no meio da floresta, uma

apresentação de verdade os aguarda...

A carroça é assaltada por Chiquita e Agostín.

AGOSTIN - Parados!!! Qualquer forma de resistência será inútil, estão cercados por 25

homens armados e prontos para atirar.

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MARCELINE (de dentro da carroça) – Ai meu Deus, a Madame Janulsem estava certa!

Alguém vai morrer!

JASMINE – Espero que seja você, Marcelline.

TIRANO – Calem a boca!

NARRADOR - As atrizes da trupe ficam dentro da carroça, apavoradas

Tirano, Blazius, Leandre e Matamorros pulam da carroça, com a intenção de defendê-

las, mas são amarrados pela ladra Chiquita e caem no chão imobilizados e a mercê dos

atacantes.

Porém Sigognac reage e com um golpe certeiro liberta seus colegas de viagem.

Agostín tenta continuar o ataque quando Sigognac o desarma em poucos movimentos...

ISABELLE - Parem !!! (para Chiquita) - Machucou?

CHIQUITA – Chiquita, nunca se machuca.

Chiquita e Agostín ficam rodeados pela trupe.

ISABELLE – Que bonito seu nome, eu sou Isabelle.

TIRANO – Vamos parar com as apresentações (para Agustín e Chiquita)

O que vocês estavam pensando quando vieram nos atacar?

Scarpin e Puccinela saem de seu esconderijo.

SCARPIN – Isso, vocês piraram?

PUCCINELA – Sem noção!

CELINE – Finalmente apareceram vocês dois.

Eles a olham um pouco envergonhados e ficam calados.

AGOSTIN – Estamos com fome, não temos nada para comer.

LEANDRE – Escolheram a trupe errada, nos somos ainda mais pobres que vocês.

CHIQUITA – Mas as roupas, as joias...

ISABELLE – Nós somos comediantes, estes são nossos figurinos.

BLAZIUS – O que vamos fazer com eles, Tirano?

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JASMINE – Eles devem ser punidos.

ISABELLE – Mas eles não têm nada. Olha, ela é apenas uma menina.

MATAMORROS – Isabelle tem razão.

TIRANO – Então, já ouviram. Eles estão com fome e eu também, vamos logo preparar

alguma coisa!

AGUSTIN – Obrigado senhor Tirano, nunca mais roubaremos vocês.

TIRANO – Conto com isso.

A trupe prepara um lanche improvisado. Chiquita se aproxima de Isabelle.

CHIQUITA – Eu gosto muito de seu colar.

ISABELLE – (tirando) Toma, agora é seu.

CHIQUITA (colocando o colar) Eu nunca cortarei seu pescoço.

Chiquita sai para mostrar para Agostín. Isabelle fica do lado de Sigognac.

ISABELLE - Obrigada por nos defender. Não sei o que teria sido de nós sem você.

SIGOGNAC (envergonhado) – Não foi nada.

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CENA 6 – O CASTELO DE BRUYERES

NARRADOR – Espelhos, luzes, cores alegres estampadas nas roupas das atrizes, elas

se arrumam para brilhar no castelo de Bruyeres.

No camarim, muito glamour e animação. Marcelline está muito animada e eufórica, pois

se prepara para a primeira peça na qual tem um papel principal. Celine a ajuda a se

maquiar.

MARCELLINE – Condessa acredita Celine? É tudo que eu sempre sonhei e ainda

melhor!

CELINE – É mesmo um sonho... Vai representar uma mulher entre o amor e a traição!

(Ela suspira)

MARCELLINE – O melhor é que uns dos papeis principais. Finalmente vou alcançar

tudo aquilo que sempre desejei... Quem sabe, talvez ela me encontre? É capaz de me

ver no palco e reconhecer a filha perdida... Eu queria tanto encontrar minha mãe... Além

disso, eu vou conquistar o coração do Tirano, que vai estar na primeira fileira, e eu

finalmente mostrarei pra ele do que sou capaz...

CELINE – Sim, sim! Mas acho que...

M – (continua seu raciocínio ignorando Celine) ... E ele me verá lá no palco, iluminada

pelas luzes rosadas e saberá que sempre foi apaixonado por mim.

C – Ora essa, nem ouve o que eu digo

Marceline vira se para Celina com um ar apaixonado como se fosse continuar com suas

declarações melosas quando Tirano entra no camarim e encaminha-se até elas.

Marcelline empolga-se sutilmente enquanto o vê se aproximar, enquanto Celina faz uma

expressão de como se estivesse de saco cheio de toda aquela lenga lenga.

TIRANO – Marcelline eu estava querendo te dizer que...

MARCELLINE – Tirano obrigada, obrigada por me conceder este papel incrível pelo

qual eu sempre sonhei!

TIRANO – Marcelline...

MARCELLINE - ... tenho treinado há dias e tenho certeza que sairá tudo mais do que

perfeito!

TIRANO – Marcelline (diz impaciente tentando interrompe-la novamente)

Page 20: A Sentença Da Comedia_versão Final

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MARCELLINE – Além do mais eu...

TIRANO – (gritando) O papel não é mais seu!

Marcelline entra em choque por um segundo

MARCELLINE – Mas... não pode ser... por que, Tirano?

TIRANO– Matamorros está doente e temos que trocar de peça.

M - É por causa dela não é? É pra ela que você dará o papel? (Tirano a olha sem

entender). Você só faz isto para ter ela na tua cama!

TIRANO – Não fale assim comigo, eu não devo explicações a você!

Tirano sai, Marcelline chora, Jasmine chega debochando.

JASMINE - Não vê Marcellasco? (apelido maldoso usado por Jasmine) Eu sempre

ganho, Tirano nunca ia deixar que nossa reputação ficasse na suas mãos!!!

MARCELLINE – Só podia ser você, é sempre você, não percebe que ele só se interessa

por você porque é uma bela de uma sirigaita? Logo logo ele vai cansar.

JASMINE – É o que veremos...

Jasmine e Marcelline partem pra briga, Celina tenta separa-las, mas não consegue.

Marcelline rasga o vestido de Jasmine. Tirano aparece de volta

TIRANO– Já basta! Não aguento mais te ver arrumando confusão... Quer saber? Tire

este vestido já! Hoje você não sobe no palco! Vá logo Celina tire o vestido dela.

Celine com tristeza, pois sabe que significa muito para sua amiga, tira o vestido de

Marcelline, que agora em trapos (os que usa por baixo) não aguenta tal humilhação na

frente de todos e ao olhar-se no espelho e ver-se no estado em que está, e foge

correndo.

CELINE – Não deveria pegar tão pesado com ela tio, ela se esforça tanto para agrada-

lo.

TIRANO – (respira fundo) Sei lá, parece que ela já não tem mais jeito... Me ajude,

Celine, precisamos procurar um médico para Matamorros!

Tirano sai com Celine.

Page 21: A Sentença Da Comedia_versão Final

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Jasmine agora sozinha perde seu ar de triunfo do rosto e se volta para o espelho e

canta:

Depois de ser abandonada, a trupe eu encontrei

E apesar da fome e sede, felicidade eu achei

E apesar da fome e sede lá/aqui eu me instalei.

Mas sempre sorrindo,

Marceline aparece...

Mas não vou me subestimar, a bela aqui sou eu.

Menina, caia fora, esse lugar não é seu.

Menina, caia fora, pois esse lugar é meu.

De repente entra Zerbine apressada.

ZERBINE – O que você está fazendo?

JASMINE – Eu? Nada.

ZERBINE – Então me ajuda, o Marquês quer me ver agora e ainda não terminei de me

maquiar.

Page 22: A Sentença Da Comedia_versão Final

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CENA 7 – E SURGE CAPITÃO FRACASSO...

LEANDRE - E agora, Tirano, o que faremos? Como apresentaremos o “Capitão

Matamorros” sem Matamorros?

TIRANO (desanimado) - Não será possível, teremos que apresentar outra peça... é uma

pena, é a melhor que temos, nosso sucesso rumo a Paris estava garantido...

SCAPIN - Eu posso fazer o papel no lugar dele.

PUCCINELLA – Não, eu, Tirano!

TIRANO – Calem a boca vocês dois, preciso pensar.

BLAZIUS (com determinação) - Eu posso fazer, Tirano.

TIRANO - Mas ninguém me ouve?! Preciso de alguém que saiba usar a espada com

elegância e agilidade...

ISABELLE – O Barão pode tentar, ele nós defendeu dos bandidos...

SIGOGNAC (olhando para Isabelle envergonhado) Eu gostaria de ajuda-los, mas me

temo que não levo jeito para o palco.

ISABELLE– Mas você é o único que pode nós ajudar agora, acredite, não há tanta

diferença entre o palco e a vida real.

A vida é um eterno fingimento, acreditamos na nossa história e atuamos segundo o

papel que nos toca.

Pelo menos no palco a gente sabe que mente e tem a oportunidade de sonhar

acordados.

No palco tudo é possível.

SCARPIN– Ouça ela, você já é um Barão, só precisa levantar sua espada e defender a

Isabelle.

Page 23: A Sentença Da Comedia_versão Final

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SIGOGNAC – Mas eu...

LEANDRE (se exibindo) – Deixem ele, ser ator não é para qualquer um.

ISABELLE – Mas, Barão não acredito que está com medo de um pobre comediante?

SIGOGNAC – Na verdade... eu acho que... eu posso...

ISABELLE (pulando de alegria) – Eu sabia! Obrigada!

Isabelle dá um beijo na bochecha e Sigognac fica vermelho de vergonha.

TIRANO – Mas ele precisa de uma boa máscara... não queremos que o Barão seja

reconhecido, ele precisa guardar sua identidade até chegarmos a Paris.

PUCCINELLA (para o público) – Ele tá caidinho por ela!!!

TIRANO- Bom, então deixaremos vocês ensaiarem. Todos para fora!

SCAPIN- Esse é o meu chefinho!!

Tirano, Scarpin, Blazius e Puccinela saem.

MÚSICA ALEGRE.

Ficam Isabelle, Sigognac e Leandro marcando as posições e ensaiando.

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CENA 8 – A PESTE NEGRA

Matamorros está deitado, ao lado Celine, tenta com um pano úmido refrescar a frente

do Matamorros, mas ele delira de febre.

Blazius abre a porta e deixa entrar o Médico.

CELINE – Ai que bom que você chegou, ele está muito mal.

O medico antes de se aproximar ao doente, coloca um pano sobre a boca e um par de

luvas de tecido, depois pega uma lupa. Ele abre os olhos de Matamorros e o inspeciona

com a lupa. Toca a frente, examina a barriga e se afasta.

CELINE – O que ele tem?

MEDICO – A peste negra, sem sombra de dúvida uma doença mortal.

CELINE – Ele vai morrer?

MEDICO – Eu disse, sem dúvidas.

CELINE (agoniada) – Como assim??!!! Não há nada a fazer?

MEDICO – Sem dúvidas, sempre há algo a fazer. (Ele abre sua mala e tira um frasco de

vidro e entrega para Celine) 30 gotas em um copo de agua, cada duas horas.

CELINE – Em quanto tempo isso irá a curá-lo?

MEDICO – Como eu posso saber isso?(Ele tira as luvas, tira o pano do rosto e fecha

sua mala).

CELINE – Já está indo?

MÉDICO – Sem dúvidas.

O Médico assente com a cabeça e sai. Celine o acompanha.

A Morte está no quarto, sentada ao seu lado, olhando para ele. Matamorros abre os

olhos e pede um copo de agua, a Morte o ajuda a sentar-se e molha seus lábios

atenciosamente.

MORTE – Finalmente chegou sua hora, Matamorros, as trevas o chamam e este é o

meu oficio. Não posso adiar minha natureza. Temos que ir Matamorros, me acompanhe,

seu sofrimento chegou ao fim.

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MATAMORROS (abrindo os olhos) – Quem fala sobre meu destino? Tem alguém ai?

MORTE – Sou eu Matamorros, a Morte. Viajo com você há alguns dias.

MATAMORROS – Engraçado, eu lutei tantas vezes no palco contra a morte, mas eu

nunca imaginei que ela poderia ser tão doce como esta nobre senhora que agora me

espera.

A morte lhe dá sua mão, e ele levanta. Matamorros faz uma reverência.

MORTE – Agradeço o reconhecimento, mas não posso esperá-lo por muito mais.

Outros me aguardam e precisam de mim. (A morte estende seus braços e eles se unem

em uma dança) Venha, meus braços são fortes e me beijo será sincero, você não

sofrerá.

MATAMORROS – Eu irei de bom grado e darei meu último beijo à senhora, mas

gostaria de fazer um último pedido, imagino que uma dama com sua compaixão não se

negaria a ouvir o último desejo de um moribundo.

MORTE – Em vistas, de suas aptidões e sua dedicação, ouço seu pedido.

MATAMORROS – Eu gostaria de me apresentar mais uma vez para a senhora. Sou

capaz de interpretar o homem mais severo e também o mais doce e engraçado.

Gostaria de deleitar a senhora com o aquilo que nasci para fazer. Se tivermos tempo,

claro, pois eu estou à mercê de sua vontade.

MORTE – Talvez não seja uma ideia tão absurda. No meu oficio são raras as

oportunidades de entretenimento.

MATAMORROS – Então, acho que eu sei exatamente o que será de seu agrado.

Eles se separam, Matamorros arruma uma cadeira para ela. A morte senta para

contemplá-lo. Matamorros muda de estado e começa andar pelo quarto.

Page 26: A Sentença Da Comedia_versão Final

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ENTRA MÚSICA PARA DAR O CLIMA DE DESESPERO.

ÉDIPO - (Caminhando cego sem rumo certo.)

Pobre de mim! Para onde irei?

Ó meu destino, quando acabarás de uma vez?!...

Tenha pena deste mísero cego...

Ninguém mais me arrancou os olhos; fui eu mesmo!

Para que ver, se já não poderia ver mais nada que fosse agradável a meus olhos?

Que mais posso eu contemplar, ou amar na vida?

Que palavra poderei ouvir com prazer?

Eu sou um réprobo, um maldito, a criatura mais odiada pelos deuses, entre os

mortais!

Ah! Se não tivessem me salvado.

Ah! Se eu tivesse perecido quando deveria, não seria hoje uma causa de aflição e

horror para mim, e para todos!

Eu não teria sido o matador de meu pai, nem o esposo daquela que me deu a vida!

Fui um filho maldito, e fecundei no seio que me concebeu! Se há um mal pior que

a desgraça, coube esse mal ao infeliz Édipo!

A morte aplaude com lágrimas nos olhos.

Pega Matamorros pelas mãos e o deita novamente sobre sua cama e fecha seus olhos.

MORTE – Se alguém merece viver, é você MATAMORROS!!!!

A morte dá um beijo em seus dedos e os posa sobre os lábios dele, hesita e, logo vai

embora.

A MÚSICA DA APRESENTAÇÃO TOMA CONTA DA CENA

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CENA 9 – O ESPECTÁCULO

Os nobres são apresentados e sentam-se na plateia.

A plateia sentada, assiste a apresentação. No palco, Zerbine, Isabelle e Jasmine.

ISABELLE (insegura) - Vocês tem certeza? Não é uma boa ideia... não sou muito boa

para dançar. (Jasmine r)i.

ZERBINE - Ah, tenho certeza que você conseguirá se soltar. Pense bem, foram ordens

de nosso pai, temos que conseguir.

ISABELLE - Tá bom... e o que vamos fazer?

JASMINE - Vamos dançar!

ZERBINE - Isso! Dançar!

As moças dançam e vários atores, que representam as pessoas da aldeia passam e

olham embelezados para elas. Elas fazem reverências e sorriem, logo passam o

chapéu e ganham alguns trocados. De repente, dois ladrões surgem, e elas são

rendidas e roubadas do pouco que tem. Sigognac aparece para lutar e defendê-las, os

ladrões fogem e as moças em agradecimento dançam em volta dele. Ele, galante se

ajoelha, quando Isabelle se aproxima dele.

ISABELLE – Não tenho palavras para agradecer o que fez por mim e minhas irmãs.

SIGOGNAC – Eu estou as suas ordens, sou o Capitão Fracasso. (Ele se ajoelha e beija

a mão de Isabelle).

Isabelle e Sigognac ficam estáticos no centro do palco. O Narrador percorre a cena

enquanto fala.

NARRADOR – É tão belo assistir ao começo de uma paixão! Mas aquilo que parecia

destinado ao sucesso pode sempre acabar em fracasso.

Leandre aparece e faz seu monólogo frente a uma janela vazia.

LEANDRE – Por que não, por que não? Ela não me quer... Eu, que sou tão elegante e

forte... e que com a força de minha espada sou capaz de tudo por ela... Eu vou matar

Page 28: A Sentença Da Comedia_versão Final

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esse maldito Capitão Fracasso!!!

Leandre agora empunha sua espada. Voltam os movimentos de Isabelle e Sigognac.

LEANDRE – Como ousa me desafiar! Eu sou o Duque de Carcassone e ninguém toca

nada do que me pertence. Agora me poupe do trabalho de enfrenta-lo e vá embora.

SIGOGNAC – Nunca!!!! Eu sou Capitão Fracasso.

LEANDRE- Pouco importa quem você seja, Isabelle será minha!

SIGOGNAC- Não é você que ela ama, é a mim. Por isso eu devo ficar com ela!

LEANDRE- Isso é o que veremos.

Os dois duelam, e após algum tempo de luta, Isabelle aparece para interromper a luta.

ISABELLE- Parem, por favor, não quero ser o motivo de qualquer morte.

Leandre e Sigognac não ouvem e continuam a lutar. Isabelle se interpõe no meio da

luta.

ISABELLE (para o Duque) – Eu serei sua!

SIGOGNAC – Mas... Você não me ama?

ISABELLE – Eu prefiro ser de outro antes de saber que você não existe mais neste

mundo.

Cai o telão. A plateia aplaude.

Os atores voltam para cumprimentar.

A Marquesa de Bruyeres faz uma reverência para Leandre enquanto o Marquês joga

flores para o palco. Zerbine lança olhares sedutores para o Marquês.

O Duque de Vallambrouse aplaude de pé.

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CENA 10 – A PAIXÃO DE VALLAMBROUSE POR ISABELLE

Vidalic e Vallambrouse acabaram de assistir a peça da trupe e estão de pé ainda

aplaudindo.

VALLAMBROUSE – Bravo, bravo. Incrível aquilo foi uma obra de arte !!!

VIDALIC [desanimado ] - Se você diz.

VALLAMBROUSE – Oh, meu caro amigo, você sabe que não é do meu feitio chorar,

mas eu senti esta noite tanta emoção que chegaram a correr em minhas faces, algumas

lágrimas (pausa ) Aaaahhh Vidalic , estou apaixonado !!!

VIDALIC - Como assim, meu senhor? Apaixonado?

VALLAMBROUSE - Sim, apaixonado. Nunca havia sentido isso, quem diria?

VIDALIC – Mas como? Não vai dizer que foi por uma das dançarinas?

VALLAMBROUSE – Era a mais bonita de todas, uma deusa.

VIDALIC – Ah, meu senhor, para mim eram todas iguais.

VALLAMBROUSE – Como assim iguais?

Entram as garotas da trupe e começam a dançar atrás deles, como se fosse a

imaginação do Duque.

VIDALIC – Era a que dançava no meio (as garotas mudam de lugar, deixando Isabelle

no meio) Ela me conquistou quando pegou o seu cabelo bagunçado e o jogou para

frente enquanto descia com suas mãos pelo seu corpo até chegar à cintura (as meninas

copiam passo a passo).

VIDALIC – Não foi aquela que tropeçou e caiu?

VALLAMBROUSE – Não, não, essa foi a da ponta (Jasmim se levanta envergonhada e

sai chorando).

VIDALIC – Mas o que tem de diferente dela e de todas as outras mulheres?

Fica dançando apenas a Isabelle, as outras saem.

VALLAMBROUSE – A diferença Vidalic, é que ela não me quer enquanto as outras

atrizes ficaram se exibindo interessadas no meu dinheiro, ela nem me notou.

Quando a peça acabou, eu já estava completamente apaixonado.

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VIDALIC – Aposto que não passa de mais um dos seus amores de verão, uma garota

da plebe? Só me faltava essa. Vamos, temos que nos arrumar, o baile já vai começar!!!

CENA 11 - O SEGREDO DE VIDALIC

No quarto,Vidalic se olha no espelho.

VIDALIC - Eu achava que meu plano de conquista ia bem, mas parece que não.

(Olha para o público enquanto se prepara para cantar e vai tirando suas roupas).

Tudo começou muito tempo atrás, quando me apaixonei pelo neto do príncipe. O duque

de Vallambrouse.

Vidalic canta sua música.

Um cavaleiro tão honrado

nem posso imaginar,

essa mentira tornou-se verdade e eu vou me lascar,

Isabelle saia dessa historia

se não vou te matar,

a espada irei crava-la,

não adianta nem tentar...

agora preciso me aprontar

O Duque ira chegar,

cadê minha capa e a espada, preciso afiar

meu nome é Vidalik, e eu vou aprontar.

Vidalic pede silencio para Jeane que estava escutando tudo e sai.

MUDANÇA DE CENA

No seu quarto, Vallambrouse toma banho e se prepara para a festa, Jeane o ajuda.

Vallambrouse canta sua música.

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CENA 12 – BAILE DE MÁSCARAS

JEANE - O baile vai começar!!

Todos entram e formam um bloco no centro, com suas máscaras, iniciam a valsa

cantada, enquanto entra a carrinho trazendo o Marques e a Marquesa. O bloco se abre

e entram os Marqueses, eles cumprimentam o publico e param de frente um para o

outro, o Bloco se fecha. Cantam dois compassos e abrem novamente.

LEANDRE E MARQUESA AO CENTRO

LEANDRE – Marquesa, me permite?

MARQUESA – Você possui uma qualidade singular no palco, seu olhar parece iluminar

tudo que vê.

BLOCO SE FECHA, ISABELLE E SIGOGNAC NAS LATERAIS DO PALCO

ISABELLE – Você se saiu muito bem hoje, Matamorros vai ficar orgulhoso.

SIGOGNAC – Foi sorte de principiante, mas fico feliz de ter algum mérito frente ao

grande Matamorros. Espero que ele esteja se recuperando.

BLOCO ABRE MARQUESA E LEANDRE AO CENTRO

LEANDRE – Fico lisonjeado, marquesa, uma dama de sua posição ter olhos para um

ator. Mas é a Marquesa quem não precisa do meu olhar para brilhar.

MARQUESA – Ai, como eu gostaria de acreditar nas suas palavras, mas já me esqueci

do tempo em que era desejada pelos homens.

LEANDRE – Basta pedir, eu posso fazê-la lembrar em um instante.

BLOCO FECHA – ISABELLE E SIGOGNAC NAS LATERAIS

ISABELLE – Com certeza ele vencerá a doença e estará de novo no palco deleitando a

todos nós, mas você agora que compartilhou nossa paixão pelo teatro, duvido que não

queira continuar.

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SIGOGNAC – Eu guardarei esta paixão no fundo do meu coração.

BLOCO ABRE – MARQUES E SERBINE AO CENTRO

MARQUÊS – Minha bela donzela você foi magnifica em sua apresentação.

ZERBINE – Eu e você sabemos que a última coisa que eu sou é uma donzela. Não vejo

nenhuma graça nisso. (Eles riem e continuam dançando.)

BLOCO FECHA – ISABELLE E SIGOGNAC NAS LATERAIS

ISABELLE (provocadora, se fazendo de ingênua) – Estamos falando de sua paixão pelo

teatro, verdade?

SIGOGNAC (mentindo) – Claro, qual outra poderia ser? (Eles se olham cúmplices e

continuam dançando).

BLOCO ABRE – MARQUESA E LEANDRE AO CENTRO

LEANDRE- Mas e o Marquês? Ele não...

MARQUESA (cortando) – Ele só tem olhos para as outras. (Ela olha para Zerbine e o

Marquês)

LEANDRE – Então, devo agradecê-lo pela a oportunidade de estar com a mulher mais

bela da festa. (A Marquesa sorri e eles continuam dançando).

BLOCO FECHA – MARQUES E ZERBINE NAS LATERAIS

ZERBINE – Oh meu querido, eu estou exausta, não se importa se eu vou descansar?

MARQUÊS – Seu quarto está preparado, espero que seja de seu agrado.

ZERBINE – Ele estará perfeito com sua companhia.

MARQUÊS – Fique a vontade, pode ter certeza que não a farei esperar.

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ZERBINE – Obrigada, Marquês. (Ela faz uma reverência, o Marquês beija sua mão, ela

sai).

BLOCO ABRE – ISABELLE E VALLAMBROUSE AO CENTRO

VALLAMBROUSE - Onde uma atriz aprendeu a valsar tão perfeitamente?

ISABELLE - Sendo obrigada a dançar. Tirano não tem seu apelido à toa. (Ela sorri e

olha para Sigognac que ficou em um canto observando).

BLOCO FECHA – MARQUESA E LEANDRE NUMA LATERAL E JEANE EM OUTRA

MARQUESA – Shiiiiii... (Colocando, os dedos em seus lábios) Não quero falar deles,

mas sim de nós... (Marquesa e Leandre quase se beijando quando Jeane os

interrompe.)

JEANE – Marquesa, os convidados estão chamando pela senhora.

MARQUESA – Me desculpe Leandre, o dever me chama.

Leandre faz uma reverência para a Marquesa.

LEANDRE – Espero revê-la em breve. A Marquesa me deve ainda uma dança.

MARQUESA – Será um prazer.

BLOCO ABRE – VALLAMBROUSE E ISABELLE AO CENTRO

VALLAMBROUSE - Sortudos são os poetas que oferecem os seus versos a tão belos

lábios. Por que não me beija logo, quero conhecer o sabor da sua boca. (Ele tenta beijá-

la a força)

ISABELLE (afastando o rosto) – Agradeço seus elogios, mas nossa dança acabou. (Ela

tenta ir embora, mas não consegue, Sigognac fica alerta e se aproxima devagar no

meio dos dançarinos).

VALLAMBROUSE – Acho que você não tem muito poder de escolha, quanto custam

todas suas danças?

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ISABELLE – Na verdade são de graça e não tem nenhuma para o senhor. Se me

permite? (Ela tenta se desvencilhar o Duque a impede).

SIGONHAC – A dama pediu para o senhor a deixar tranquila.

SOM DE TENSÃO

VALLAMBROUSE - E quem é você para acreditar que tem o direito de falar para

alguém da minha estirpe?

SIGONHAC – Eu sou ninguém, mas como amigo da dama, peço educadamente que a

deixe livre, senão teremos que resolver isto de outra forma.

ISABELLE – Chega de confusões, se me dão licença. Vamos Capitão Fracasso. (O

Duque a solta e ela se afasta e sai com Sigognac).

VALLAMBROUSE – Parece que o comediante esqueceu que já desceu do palco,

Capitão Fracasso (ri com ironia) vai, eu não luto com a plebe (ainda rindo). Mas eu não

esqueço as ofensas... Se cuide eu sempre venço.

VALLAMBROUSE SAI – BLOCO FECHA DE COSTAS PARA O PUBLICO. JEANE E

LEANDRE NAS LATERAIS. TERMINA A VALSA. INICIO DA MUSICA DA MARQUESA

JEANE – Nossa, não sabia que atuar dava tantos músculos.

LEANDRE – Ahh, é que eu treino muito, faço esgrima com Matamorros. Aliás, você tem

notícias dele?

JEANE – O médico disse que não há muito a fazer, mas nossa, como você é alto, eu

gosto muito de homens altos...

LEANDRE – Me desculpe, querida, mas hoje eu só gosto de mulheres nobres. Sabe

onde eu posso encontrar a marquesa?

BLOCO ABRE – MARQUESA ESTA EM SUA CAMA.

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CENA 13 – A MARQUESA SE APAIXONA

Marquesa, em seus trajes da noite. Escreve uma carta para Leandre.

A Marquesa canta-

Por seus lindos cabelos loiros eu me apaixonei

e agora seu branco sorriso me guia ao luar

a noite vai nos acolher e vamos nos amar

Oh lindo Leandre

quanta esperança você me trouxe

então vamos nos encontrar amor

Te aguardo no jardim

a noite vai nos acolher

te encontro no jardim.

Após a musica acabar chama Jeane.

MARQUESA – Jeane, venha aqui.

JEANE – Sim, minha senhora.

MARQUESA – Mande está carta para Leandre.

O carrinho da Marquesa sai e Jeane também

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CENA 14 – O MARQUÊS SE DECLARA

No quarto da Zerbine, Marquês e Zerbine.

MARQUÊS – Quando te vi em cena, eu pensei num poema.

ZERBINE – Me conte.

MARQUÊS - É difícil dormir, as vozes na minha cabeça não se calam, não me deixam

em paz. Ficam sussurrando fantasias em meus ouvidos e eu por elas devaneio.

ZERBINE – Muito bom, mas para quantas moças você recitou.

MARQUÊS – Um cavalheiro nunca conta seus segredos...

Jeane os interrompe. Batendo na porta.

MARQUÊS – Entre.

JEANE (entra confiante, enquanto ela fala, o Marquês fica acariciando Zerbine sem

prestar muita atenção) – Marquês, a Marquesa me pediu para que eu entregasse esta

carta para um dos comediantes.

MARQUÊS (que até agora não ouvia quase nada se espanta) – O quê?! Me dá essa

carta! (Ele lê e fica furioso) Não estou acreditando nisso. Quanto atrevimento!

ZERBINE – Mas o que aconteceu que te deixou tão nervoso, meu querido?

MARQUÊS – A Marquesa pretende se encontrar com um dos teus colegas.

ZERBINE – E por que isso seria um problema?

MARQUÊS – É uma ofensa contra meu nome, uma falta de respeito absoluta.

ZERBINE – Mas você está fazendo o mesmo comigo, meu caro Marquês. Por que uma

bela dama como a Marquesa não merece se divertir um pouco?

MARQUÊS- Por quê? Porque eu não sei, mas não pode! O que eu vou fazer?

ZERBINE – Esquece isso, voltemos onde estávamos.

JEANE – Desculpe me intrometer, mas eu tenho uma ideia.

MARQUÊS – Vamos diga, não se acanhe agora.

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JEANE – Bom, você poderia deixar a carta chegar ao comediante...

MARQUÊS – Como assim, Jeane? Você sabe que eu deixaria isso acontecer.

JEANE – Não, não, Marquês, me deixe terminar. Depois quando ele for para o encontro,

você deixa alguns homens de tocai e quando ele passar. Bum.

MARQUÊS - Bum o que, Jeane?

JEANE – Eles o espancam.

MARQUÊS - Excelente!!!! Sim sim, faça isso Jeane. Diga a eles que eu mandei.

(Ele olha para Zerbine de novo) É melhor terminar nossos assuntos, minha Zerbine.

(Eles se beijam, a Jeane está quase saindo) Jeane, traga mais champanhe para mim.

JEANE – Será um prazer, senhor Marquês.

ARTHUR – Aquela foi uma noite e tanto para a trupe dos comediantes, sorte que a

Zerbine conseguiu avisar o Leandre a tempo, antes dele receber uma bela surra.

A viagem continua, pois Paris os aguarda e agora pelo menos eles têm um pouco de

dinheiro nos bolsos para gastar na cidade grande.

Porém, no caminho algumas coisas mudam. Zerbine decide abandonar a estrada para

se juntar ao Marquês.

(Zerbine se despede dos seus colegas de trupe enquanto dois servos do Marquês

carregam seus pertences para dirigir-se ao castelo em que morará com ele).

ZERBINE – Adeus, meus queridos, aceitem isso como um presente de sua fiel amiga.

(Ela entrega uma sacola com moedas de ouro).

ARTHUR (Enquanto empurra o carrinho da carroça)– Mas tem mais alguém que não

descansa e que pretende mudar o rumo do seu destino.

Entra o carrinho de Vallambrouse. Ele está sentado e escreve uma carta.

VALLAMBROUSE – Eu conheci felicidade, eu não sei seu nome. É tão bom desejar o

impossível. Hoje eu parto rumo a Paris, atrás de sua estela, eu vou fazê-la minha

esposa. Custe o que custar.

(Ele toca uma campainha e um servo aparece)

Mande esta carta para Merindol e mande selar os cavalos, eu estou de saída.

(O servo assente e sai)

Só de pensar em revê-la meu coração acelera.

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CENA 15 – PARIS, A CIDADE LUZ

No Rabanete Coroado, uma grande festa acontece. Um grupo de homens toca

enquanto algumas mulheres dançam.

Merindol e Lawrence cantam:

Formamos uma dupla muito muito infernal Melhor passar o seu dinheiro não temos o dia inteiro Se for ficar no meu caminho farei-te em pedacinhos Com todo este ouro vamos para a taverna Beber, roubar, jogar é o melhor caminho Para isso eu preciso do seu nobre dinheirinho Então trate de cooperar meu caro amiguinho Oh! Coitadinho! Mas quem liga? Somos maus!

Entra Fúria da noite trazendo notícias.

FURIA DA NOITE - (falando baixo e apreensivamente) Rapazes!

LADRÕES - Shiiii

FURIA DA NOITE - Mas rapazes!

LADRÕES - Shiiiiii

FURIA DA NOITE- Mas rapazes eu trago notícias.

LADRÕES - Shiiii

FURIA DA NOITE - Mas são notícias do Duque de Vallambrouse, o filho do Príncipe!

Ladrões param o jogo e fitam Fúria da noite,

TODOS (juntos) - O Duque?!

Fúria da noite que agora conseguiu a atenção de todos joga um pouco com a situação.

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FURIA DA NOITE - Sim senhores, o próprio ! Mas antes, eu quero um copo! (Apontando

para o jogo) escolhe um copo já combinado com Lampourde, que está comandando o

jogo. Abre o copo e acerta e comemora com Lampourde. Eles brindam batendo as

canecas com vinho.

FURIA DA NOITE- Eu trago uma carta para Merindol, diretamente do Duque. Aliás,

cadê ele?

LAMPOURDE – Está ali, mesmo, comemorando seu casamento!

FURIA DA NOITE – Não sabia que o Merindol era um cara comprometido. Mas deixa

pra lá, ouvi dizer que o próprio Duque está vindo!

MALARTIC - Interessante! E ele vem sozinho?

FURIA DA NOITE- Não! Ele vem com uma comitiva inteira! (Todos comemoram) outro

dia tentei roubar um cara na rua, mas quando ele me entregou o que tinha, eu me senti

roubado, tanta dedicação e habilidade para uns trocados que não pagam nem uma

garrafa de vinho. Eu acabei insultando ele e fui embora.

Desde que o Rei partiu esta cidade já não é a mesma. Mas agora parece que

finalmente teremos um pouco de diversão!

AGOSTIN- E dinheiro fácil!

Eles comemoram e bebem mais ainda.

Fúria da Noite entrega a carta de Vallambrouse para Merindol.

Merindol lê e sorri malicioso e aproxima de Lampourde.

MERINDOL – Eu tenho um trabalho para você. Será muito bem recompensado. Olhe!!!

(Ele entrega a carta para Lampourde).

LAMPOURDE (gritando) – Mas bebida para todos, vamos comemorar pela morte do

Capitão Fracasso!!!!!!

TODOS – Pela morte do Capitão Fracasso!!!!

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CENA 16 – APRESENTAÇÃO DA TRUPE EM PARIS

Lampourde interpreta a música “Tão solitário” e logo depois se dirige para o teatro onde

a trupe se apresenta, mas antes de entrar, ele coloca uma máscara preta.

NARRADOR – Paris recebe os comediantes de braços abertos. (A trupe faz reverencias

e recebe os aplausos do público logo vão saindo de cena e indo para os camarinos).

Porém, a cidade luz ainda guarda muitas supressas para a vida deles.

Um mensageiro chega ao camarim e entrega uma carta para Leandre.

OUVE-SE A VOZ DA MARQUESA LENDO A CARTA: "Leandre, Suas apresentações

são sempre belas e me tiram o folego. Tem uma carroça a seu dispor, em frente ao

teatro, que te trará até mim... Assinado Sua Marquesa”.

LEANDRE – Eu sabia que ela não ia me esquecer, preciso ir. (Ele se ajeita para sair,

Matamorros percebe).

MATAMORROS – Me espera também estou de saída, eu também preciso um pouco de

diversão esta noite.

BLAZIUS, SCARPIN E PUCCINELLA – Se o assunto é diversão, nós também vamos!

Todos saem do teatro e caminham um pouco pela rua vazia e escura. De repente surge

Lampourde com a espada na mão.

LAMPOURDE – Parados! Qual de vocês é o Capitão Fracasso? Vamos, lute como

homem!

MATAMORROS (sacando também sua espada) - E posso saber o nome de quem o

procura?

LAMPOURDE - Vamos logo, não tenho a noite inteira, Capitão Fracassado.

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Então os dois começam a lutar. Atrás deles Blazius, Puccinela, Leandre e Scarpin

tentam reagir, mas ficaram surpresos demais com a aparição. A luta está de igual para

igual. Até que a espada de Matamorros cai no chão, nesta hora, Scarpin e Puccinela

sacam suas espadas para ajudar Matamorros. O resto da trupe que também estava

saindo, vendo que poderia ajudar avança em Lampourde, que consegue se esquivar de

todos. Matamorros, vendo sua chance, recupera sua espada e dá um golpe em

Lampourde. Ferido, o ladrão cai no chão.

MATAMORROS - Ah! Parece que não é páreo para minhas habilidades! Isto é melhor

que o palco!

LAMPOURDE – Isso é impossível, eu nunca perdi uma luta antes!

MATAMORROS - Agora vá embora antes que eu o mate!

LAMPOURDE - Teve muita sorte. Espero que não nos encontremos de novo! (Ele pega

sua espada, e sai correndo).

Chega o resto da trupe, aos poucos todos começam a se acalmar.

MARCELINE – Ai, meu deus é a previsão de Madame Janulsem...

TIRANO – Cale a boca, garota, vamos pensar com calma.

JASMINE – Mas por que ele veio atacar você, Matamorros?

MATAMORROS – Ele estava procurando o Capitão Fracasso, acho que atacou o

Capitão errado.

SCARPIN – É verdade!

ISABELLE – Matamorros você foi muito corajoso ao enfrentar esse homem.

PUCCINELLA (para o público) – Eu sempre prefiro a cobardia numa hora dessas.

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SIGOGNAC – Por que ele queria...

ISABELLE – Espera, eu acho que sei quem poderia ter algo contra você.

SIGOGNAC – Quem?

ISABELE – Lembra do nobre no baile de máscaras? Vocês quase brigaram...

SIGOGNAC – É, ele prometeu se vingar.

Eles ficam conversando e deliberando sobre os próximos passos.

NARRADOR – Mas fiquemos atentos, não queremos esquecer do espadachim

Lampourde, que machucado, volta para a taverna e é acudido por seus amigos.

Quando chega à taberna, todos os ladrões o ajudam e intrigados começam a perguntar.

MALARTIC - Lampourde, amigo, o que aconteceu?

FÚRIA DA NOITE - Está tudo bem? O que houve? Diga!

LAMPOURDE - Nossa, vocês não fazem ideia.. Quando ia matar o Capitão Fracasso,

fui surpreendido pela trupe. Que começou a me espancar!

MALARTIC - Todos os atores?

LAMPOURDE - Sim, todos... Ou quase todos... Minha espada estava mais ágil que

nunca... Mas meu adversário era bom e...

FÚRIA DA NOITE - Mas você lutou com ele e a trupe inteira?

LAMPOURDE - Sim, foi um pesadelo! Então, quando eu estava quase vencendo...

LAWRENCE - De todos?

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LAMPOURDE - Sim, de todos. Eu não sei o que aconteceu. Aquele Capitão foi

possuído por uma força descomunal...

FÚRIA DA NOITE - Descomu o que?

LAMPOURDE - Descomunal!! Então eu caí no chão...

LAWRENCE - No chão?

LAMPOURDE - Sim!!! No chão!! Meu Deus, saiam daqui!

MERINDOL - Mas então, conseguiu ou não matar o Capitão Fracasso?

LAMPOURDE- Não, quando cai no chão, o homem foi leal, e me deixou ir embora...

LAWRENCE - Não acredito que você perdeu!

MALARTIC - Nem eu...

MERINDOL (ameaçando Malartic) - Tenho que avisar ao Duque e pensar um jeito de

resolver o problema. Não é nada bom desapontá-lo. (Todos os ladrões ficam meio

tristes. Até que Malartic fala.)

MALARTIC- Ei amigos! Mas ainda temos o dinheiro do Duque!!

LAMPOURDE – Na verdade, não, eu já gastei quase tudo.

Todos se olham confusos.

MERINDOL (muito bravo) - Mas o que está acontecendo aqui? Vocês me dão vergonha,

nem parecem ladrões perigosos

LAMPOURDE – Aos melhores ladrões de Paris.

FÚRIA DA NOITE- Saúde! ( Então, todos os ladrões recomeçam a farra).

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CENA 17 – VALLAMBROUSE É REJEITADO PELA ISABELLE

É noite, Isabelle na janela entram árvores e velas. Musica piano.

ISABELLE– Acordo de noite subitamente

E meu relógio ocupa a noite toda

Não sinto a natureza lá fora

Lá fora há um sossego como se nada existisse

Só o relógio prossegue seu ruído

Porque a única coisa que meu relógio simboliza ou significa

Enchendo com a sua pequenez a noite enorme

É a curiosa sensação de encher a noite enorme com a sua pequenez “

Surge Vallambrouse em seu cavalo, apenas com um lampião em sua mão.

VALLAMBROUSE– É ela Vidalic, sabia que a encontraria.

VIDALIC – Cuidado meu senhor, você sabe que o ladrão que você contratou não

conseguiu nem se quer cansar esse tal de Capitão Fracasso.

VALLAMBROUSE – Era para ele estar mooorto !!! Mas isso não importa agora. Ela está

tão linda, sentada na beirada da janela, é possível confundi-la com um anjo.

VIDALIC– (olhando para plateia e dizendo ironicamente) Anjo?

Vallambrouse se arruma, joga o cabelo para o lado e se aproxima da janela/ piano e

dirige a sua fala a Isabelle.

VALLAMBROUSE– Isabelle, de tão bela, você ofusca o solene brilho das estrelas. Me

perdoe não queria que o baile tivesse acabado daquele jeito. Se com minha ... (Isabelle

fecha a janela).

OUVE-SE O SOM DE UMA JANELA FECHANDO

VIDALIC– Deixe ela, é apenas uma atriz.

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VALLAMBROUSE (olhando para a janela e gritando para que ela ouça) - Isabelle !!! Eu

sei que você ainda vai me amar.

VIDALIC – Não fique triste se ela não te quer

VALLAMBROUSE – E quem disse que eu estou triste?

VIDALIC – Ela não te merece, todas as mulheres do mundo dariam tudo por você.

Esquece ela, é apenas uma sirigaita que veio para estragar a sua vida.

VALLAMBROUSE – [Com raiva] Nunca mais falei assim da minha noiva.

VIDALIC – Noiva? Ela nem se quer te olha, ouça o seu único amigo e desista de uma

vez por todas, o coração dela não pertence a você.

VALLAMBROUSE – Eu sei que um dia ela vai me amar, o meu sonho agora é me

casar, nem que ela precise ser amarrada para isso .

VIDALIC– Mas...

Vallambrouse sai e o deixa falando sozinho.

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CENA 18 – SIGOGNAC DECLARA SEU AMOR PARA ISABELLE

Sigognac caminham pensativo pelas ruelas de Paris, aparece Isabelle atrás dele.

ISABELLE – Espera, preciso saber uma coisa.

SIGOGNAC – O que você quiser.

ISABELLE – Me diga, por que você se colocou em perigo por minha causa?

Sigognac fica pensativo e se afasta um pouco dela.

SIGOGNAC – Como, você não sabe?

ISABELLE – Você deveria ir embora,

SIGOGNAC – Você quer que eu vá embora?

ISABELLE – Não é isso, precisa se cuidar.

SIGOGNAC - Do que? Do amor?

Antes de conhecer você eu já estava morto.

I - Mas não tem medo?

S - Meu único medo agora é que você não sinta o mesmo do que eu.

I - Eu gosto de você, mas amor, eu só sei amar de uma forma.

S - Como?

I - Você me conhece o suficiente, deveria saber.

S – Eu não sei, me diga. Por favor...

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I - Eu sou uma atriz, compreende?

Sigognac nega com a cabeça, ela ri.

I – Seu tolo eu só sei amar interpretando. É através do teatro que eu me apaixono, não

sei viver de outra forma.

S – Então, talvez um dia você possa amar o Capitão Fracasso? Afinal ele é um

personagem de teatro.

I - Talvez, se ele souber roubar meu coração.

S - Me diga como, pode ser que ele precise da minha ajuda.

I - Ah isso não, ele vai ter que descobrir sozinho.

MENRINDOL – Peguem ela....

Ladroes correm raptar Isabelle.

NARRADOR – Do nada aparece o grupo dos ladrões comandados por Merindol, e

pegam Isabelle... Sigognac tenta lutar e salvá-la, mas eles são muitos.

Um dos ladrões lhe da uma pancada na cabeça e Sigognac cai desacordado.

Os ladrões levam Isabelle e a deixam no Castelo. Ao mesmo tempo ainda em cena,

Sigognac acorda do desmaio, vê que perdeu Isabelle e sai desesperado a procura da

trupe.

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CENA 19 - SIGOGNAC PEDE A AJUDA DOS AMIGOS

Após o rapto de Isabelle, o grupo se reúne.

SIGOGNAC – Tirano, precisamos encontrar Isabelle!

TIRANO - Calma meu jovem, nós iremos com você.

SCARPIN (se fazendo de valentão) - Hahahaha, mexeram com o Arlequim errado.

MATAMORROS – Não podemos perder mais tempo, Isabelle pode estar correndo

perigo.

PUCCINELLA (para o público) – Ele também gosta dela, mas não fala. Ô! Povo

esquisito!

MARCELLINE (suspirando) – Isso é tão romântico.

JASMINE – Parece que você quer ser raptada, sua burra.

MARCELLINE – Se Tirano fosse me resgatar, eu iria de bom grado.

TIRANO – Vocês podem parar, parece que não cansam.

SIGONAC (com pressa) - Então vamos?

PUCCINELLA – Olha só, quanta valentia, nem parece aquele rapaz desajeitado que

era.

SIGOGNAC - É verdade, não sou mais aquele Barão de Sigognac que aguardava a

morte na pobreza de seu castelo. Vocês me mudaram.

Agora eu sou Capitão Fracasso!, Capaz de enfrentar qualquer desafio pelos meus

amigos.

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JASMINE - Mas Isabelle não é apenas sua amiga, não é Capitão? – pergunta com um

sorriso malicioso. Sigognac irritado não responde.

MATAMORROS – Isso não importa agora.

NARRADOR - E a trupe sai à procura de alguma pista de Isabelle.

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CENA 20 – RÁPTO DE ISABELLE

Isabelle esta encapuzada, amarrada a uma cadeira, Vidalic solta às amarrações, segura

em seu rosto com ódio e a deixa sozinha.

Isabelle começa a chorar e se debater, quando ela ouve batidas na porta e se acalma,

amarra o cabelo com uma fita, puxa de sua bota uma adaga e a esconde ela atrás do

seu leque, senta na cadeira de frente ao publico, Vallambrouse entra na sala, Isabelle

esta na ponta do palco.

VALLAMBROUSE – Isabelle, nunca em toda a minha vida estive tão feliz, ter você em

meu castelo é mais do que uma honra...

O duque se aproxima dela enquanto fala, até colocar seu rosto do seu lado.

VALLAMBROUSE – Nosso amor é o mais perfeito, posso sentir seu ódio, mas sei que

esse ódio é apenas a força para o nosso amor. Não tem nada nesse mundo que eu

mais goste do que a sua raiva

Isabelle levanta seduzindo o Duque, com a adaga em suas costas

ISABELLE – É verdade, eu te odeio, eu te de-tes-to [ corta o braço do duque ] Morraaa!

Ela acaba ferindo o braço do Duque, mas logo é desarmada por ele.

VALLAMBROUSE – (apertando o seu machucado e rindo muito) Uma adaga? Uma

adaga Isabelle? Você acha que isso pode me machucar? Não, não pode, nada pode

ferir o nosso amor (Pega em seu rosto) Eu te amo Isabelle (se ajoelha e tira uma aliança

do bolso) Quer se casar comigo ?

ISABELLE – Nuncaaa [ começa tentar bater nele ] O Capitão Fracasso virá me resgatar!

VALLAMBROUSE – O seu amorzinho Isabelle, está morto, eu o matei.

ISABELLE – [ se joga no chão aos prantos ] É mentira, é mentira.

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CENA 21 - CHIQUITA APARECE NOS APOSENTOS DE VALLAMBREUSE

CHIQUITA/NARRADOR - Isabelle está desolada nos aposentos do castelo do Duque de

Vallambrouse. Chiquita aparece pulando a janela.

CHIQUITA - Por que chora moça bonita?

ISABELLE - Chiquita!? Como chegou aqui? É perigoso!

CHIQUITA - Fique calma, Chiquita conhece a arte de não ser percebida! Mas por que

está assim? Não fique triste.

ISABELLE - Ah, como não ficar triste? Eu nunca disse para ele que eu o amava, eu

fiquei brincando como uma atriz tola e agora ele está morto.

CHIQUITA - Não chore mais, moça bonita, Chiquita vai ajudar você, eu sei o que é o

amor.

CHIQUITA/NARRADOR - Chiquita sai de novo pela janela e Isabelle fica esperando no

quarto, retomando sua tristeza, mas agora, esperançosa.

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CENA 22 - A EXECUÇÃO DE AGUSTÍN

SCARPIN (para Tirano) – Olha, é o Agustín, o ladrão que nos assaltou.

MATAMORROS – Vão executá-lo, coitado.

SACERDOTE - Esse homem é um pecador, ele matou e roubou, e por isso, ele é um

inimigo do povo e de Deus. É um servo do diabo [Olhando para o céu e gritando muito

alto] Ele deve morrer.

Mas antes do carrasco matar Agustín, Chiquita, corre até Agostín.

CHIQUITA – Eu te amo Agostín. (Ela o beija enquanto enfia uma adaga no meio do

peito de Agustín).

Ela corre no meio da multidão e encontra a trupe.

CHIQUITA– Eu sei onde Isabelle está.

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CENA 23 – ATAQUE AO CASTELO

Isabelle está deitada em sua cama, penteando o seu cabelo melancolicamente.

SOM DE ESTRONDO

VOZES AO FUNDO - Invasão, invasão!!!! O castelo está sendo atacado!!

Isabelle levanta assustada, mas dá um grande sorriso, sai correndo e abre a janela!

ISABELLE – Estou aqui! Me ajudem! (O Duque chega ao quarto e abafa sua boca com

a mão dele)

VALLAMBROUSE - Fique quieta minha amada, não sinta esperança de fugir de nosso

casamento (Levanta a cabeça, obrigando ela olhar para o céu) Você não vê? Está

escrito, passaremos todas as nossas vidas juntos!

Isabelle tenta soca-lo, mas é dominada pelo duque que segura a sua mão com força

VALLAMBROUSE - Não adianta você me bater.

ISABELLE (com medo e raiva) – Você não sabe o que diz! Você é um miserável, um

medíocre, um covarde, eu sinto nojo de você. (Vallambrouse a aperta com mais força)

ISABELLE – Para, me solta, tá me machucando.

VALLAMBROUSE - Está doendo é? Isso é para você sentir o que eu sofro com as suas

ofensas (segura o seu rosto, e tenta beija lá, mas ela não deixa, até que Merindol entra

e os interrompe).

MERINDOL – Senhor Duque, me desculpe, mas eles nos encurralaram tivemos que

bater retirada, agora eles já estão entrando no castelo. O que a gente faz?

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VALLAMBROUSE - (muito bravo) Seussss incompetentes, vocês nem se quer

conseguem derrotar alguns comediantes. Resolva isto imediatamente, não vê que estou

ocupado.

SIGOGNAC (segurando Merindol por detrás) – Solte imediatamente Isabelle, ou eu

cortarei seu pescoço.

VALLAMBROUSE – Pode matar a vontade, ele não serve mesmo.

SIGOGNAC (olhando para Merindol) – Viu seu canalha, ele não se importa com você.

Agora vai embora que isto é um assunto de cavaleiros.

Merindol se manda sem titubear. Sigognac tranca aporta.

SIGOGNAC – Agora somos nós dois.

VALLAMBROUSE – Você continua querendo lutar comigo, seu fracassado. Não vê que

eu não posso lutar com (apontando para Sigognac) isso!

SIGOGNAC – Está enganado Duque de Vallambrouse, eu sou o Barão de Sigognac, as

suas ordens, se prepare para lutar.

VALLAMBROUSE – Engraçado, parece que arrumou uma espada de verdade?

Eles começam a lutar.

SIGOGNAC – Venha, se aproxime e sentirá como o filo da minha espada é verdadeiro.

ISABELLE – A gente tem que sair. Vamos, não vale a pena lutar.

SIGOGNAC – Eu te amo Isabelle e minha vida sem você não vale nada.

ISABELLE – Eu também amo, mas não precisa arriscar sua vida, por favor, vamos

embora.

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VALLAMBROUSE – Que bonitinhos os pombinhos, fiquei até emocionado com vocês.

Uma pena que seu amado vai ser comida para os abutres.

Sigognac avança e está prestes a ganhar do Duque, mas ele ao ver-se encurralado,

pega Isabelle e a ameaça.

SIGOGNAC – Solte ela, não seja canalha. Isto é entre nós dois.

VALLAMBROUSE – No amor e na guerra vale tudo.

Sigognac salva Isabelle da espada do Duque e é atingido no seu lugar. Sigognac cai no

chão. Vallambrouse bate em Isabelle e ela desmaia.. Sigognac fica deitado no chão

agonizante.

Vidalic entra e encontra Sigognac morto e Vallambrouse ao lado de Isabelle caída.

VALLAMBROISE - Vidalic, Vidalic , Vidalic , preciso de sua ajuda !!!

Vidalic não reage.

VALLAMBROUSE – Vidalic, Vidalic, por favor, meu caro amigo você é o único que me

sobrou, me ajude a proteger Isabelle, preciso chegar a Paris, antes que eles me matem.

Vidalic fica na mesma posição.

VALLAMBROUSE – Desculpe se eu te ofendi, nós podemos esquecer tudo isso.

Podemos iniciar uma nova vida, deixar tudo para trás, agora seremos só nós três, eu,

Isabelle e você, Vidalic, meu fiel amigo!

VIDALIC – Como ousa? Como ousa me chamar de amigo. Como você pode fazer isso

comigo, como depois de tudo que passamos juntos? Como você pode me pedir que me

junte a vocês? (solta seu cabelo) Eu sou quem você deveria amar. Como você nunca

percebeu? Eu já não aguento ser quem sou, eu fiz de minha vida uma farsa para ficar

com você, mas você nunca me viu, nunca se importou com nada além de você mesmo.

(rindo) E eu, que achava que tudo era uma questão de tempo, que você logo perceberia

e me amaria...

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VALLAMBROUSE – Mas você Vidalic, é uma mulher?

VIDALIC – Meu nome é Vicky e eu já não posso deixar que você machuque nenhuma

mulher, nunca mais. (Ela pega sua espada e enfia no peito do Vallambrouse e sai)

O duque se ajoelha segurando sua ferida, tentando se recuperar.

VALLAMBROUSE – Não, Isabelle, nada vai nos separar. Não será a morte quem

destruirá nosso destino. (Vallombrouse pega a sua espada e a coloca na garganta de

Isabelle, que nada sente, pois continua desmaiada).

É uma pena não poder disfrutar de tua companhia em vida, tão bela, mas pelo menos

estaremos juntos toda a eternidade. (Ele está prestes a matá-la, mas...)

Mas eu não posso. (Ele se afasta e vai se sentar na cadeira.)

Eu te amo, Isabelle. (Ele morre).

Isabelle acorda assustada, vê Vallambrouse morto, sai e encontra a trupe reunida frente

ao corpo de Sigognac agonizante.

Scarpin se ajoelha sem conter as lágrimas.

TIRANO – Saiam, não veem que ele não pode respirar. (Marcelina tira o lenço do seu

pescoço e o dá para Tirano que o coloca na ferida, Jasmine a abraça, as duas ficam em

pé com um olhar muito triste).

LEANDRE – Chegamos tarde demais.

SIGOGNAC – Por favor, salvem Isabelle!

ISABELLE – Eu estou aqui, meu amor. Fique calmo.

SIGOGNAC – Isabelle. (Ele sorri) Matamorros, por favor, eu preciso de um favor.

MATAMORROS – Fique tranquilo, não se canse, o medico está a caminho.

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SIGOGNAC – Não, já é tarde para mim. Por favor, quero que fique com minha espada

(ele toca a espada que está do seu lado, Matamorros a pega)

TIRANO – Guarde seu folego, meu amigo...

SIGOGNAC – Matamorros, preciso que você recupere a honra da minha família...

ISABELLE – Não, não você vai poder fazer isso.

SIGOGNAC – É meu último desejo (A morte se aproxima de Sigognac, ela cumprimenta

Matamorros que a vê), por favor... não pode recusar.

Quero que peguem o dinheiro para viajar pela Europa...

PUCCINELLA – Sua historia nunca será esquecida

SCARPIN – Nós contaremos A magnifica história do Capitão Fracasso!

MATAMORROS (pegando a espada de Sigognac) – Pode contar com a minha palavra.

SIGOGNAC – Obrigado.

ISABELLE – Não, por favor, não desista.

Sigognac morre

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CENA 24 – O LUTO

A trupe e o resto dos atores carregam o corpo de Sigognac.

Scarpin observa a imagem do luto e fala para o público.

SCARPIN – E foi assim que a historia deste triste nobre termina. Matamorros cumpriu

sua palavra e restaurou a honra do Barão de Sigognac. A trupe seguiu viajando e sua

fama foi crescendo cada vez mais graças à história do Capitão Fracasso, e ao trabalho

magistral de Matamorros, que encarnava o papel com tanta emoção e verdade que

alguns acreditavam ser ele o próprio Barão de Sigognac.

MATAMORROS (interpretando o Capitão Fracasso recita, aos poucos, todos da trupe o

acompanham.) - O que o medo me causa

O que a raiva me causa

Eu aprendi a superar com amor.

As dúvidas e os receios que essa vida de artista me traz

Eu encaro, levando alegria e vida a quem me assiste brilhar.

Apesar da fome e do frio

Meus companheiros e eu nos apoiamos mutuamente com afeição.

E desbravando esse mundo louco

Vou seguindo,

Com a certeza de que tenho mais que companheiros de trupe,

Tenho grandes amigos e faço parte de uma família.

Giramos, dançamos, rimos e choramos.

No palco e na vida.

Vamos amigos, o público nos espera.

A MÚSICA DA TRUPE RECOMEÇA.

FIM