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Luiz Miranda 1 1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Supe- rintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/ SEAGRI, Salvador – BA; e-mail: [email protected] M ais uma vez a Bahia en- frenta uma seca. Compre- ender o fenômeno das secas é necessário para o uso sus- tentável dos limitados recursos hídricos da região semiárida do Estado. Nesse contexto, estu- dos para a melhoria da previsão de secas, com base nos dados meteorológicos disponíveis e, em tempo hábil, de forma que medidas possam ser tomadas, no sentido de minorar seus efei- tos, torna-se crucial. Na Região Nordeste do Brasil, o fenômeno das secas nem sem- pre foi abordado sob viés técnico. Em alguns casos, são estudados os aspectos relativos aos seus impactos econômicos e sociais. Neste estudo, contudo, analisa- mos do ponto de vista conceitu- al, bem como sua variabilidade espacial e temporal. Além desses aspectos, buscamos descobrir, com os erros e acertos do pas- sado, um caminho seguro para nortear as ações que permitam produzir com segurança no Semi- árido nordestino. Grande parte de nosso planeta pertence à denominada área de SOCIOECONOMIA A seca na Bahia Foto: Acervo SEAGRI

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Luiz Miranda1

1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Supe-rintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/ SEAGRI, Salvador – BA;e-mail: [email protected]

Mais uma vez a Bahia en-frenta uma seca. Compre-

ender o fenômeno das secas é necessário para o uso sus-tentável dos limitados recursos hídricos da região semiárida do Estado. Nesse contexto, estu-dos para a melhoria da previsão de secas, com base nos dados meteorológicos disponíveis e, em tempo hábil, de forma que medidas possam ser tomadas, no sentido de minorar seus efei-tos, torna-se crucial.

Na Região Nordeste do Brasil, o fenômeno das secas nem sem-

pre foi abordado sob viés técnico. Em alguns casos, são estudados os aspectos relativos aos seus impactos econômicos e sociais. Neste estudo, contudo, analisa-mos do ponto de vista conceitu-al, bem como sua variabilidade espacial e temporal. Além desses aspectos, buscamos descobrir, com os erros e acertos do pas-sado, um caminho seguro para nortear as ações que permitam produzir com segurança no Semi-árido nordestino.

Grande parte de nosso planeta pertence à denominada área de

SOCIOECONOMIA

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risco à seca. São regiões onde a precipitação aproxima-se do limite permitido à prática agríco-la. Exemplos são o Sahel na Áfri-ca, o Nordeste do Brasil, grande área da China, o platô Dekkan, na Índia, e parte da África do Sul. Tratam-se, portanto, de áreas de enorme vulnerabilidade para a agricultura (BARROSO, 2012). Consideráveis áreas das Améri-cas do Norte e do Sul, Austrália, Europa e Ásia foram atingidas por secas severas, acarretando prejuízos econômicos, sociais e ecológicos. A gravidade das se-cas está ligada com a duração, que pode atingir um ou até cinco anos consecutivos.

CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO NORDESTE

Além dos estados que compõem a Região Nordeste, essa região ainda é subdividida em quatro sub-regiões de acordo com ca-racterísticas climáticas e de urba-nização (IBGE, 2012):

Zona da Mata

É a sub-região mais populosa e urbanizada. Compreende a faixa litorânea (aproximadamente 200 km de largura) que vai do Estado do Rio Grande do Norte à Bahia (litoral leste da região Nordeste) e é caracterizada pelo clima tropical úmido, presença de mata atlânti-ca, pluviosidade bastante regular, principalmente na região sul da Bahia, e solo bastante fértil.

Agreste

É a sub-região de transição entre a Zona da Mata, bastante úmida, e o Semiárido, região bastante seca, acompanhando a faixa da Zona da Mata do Rio Grande do Norte ao sul da Bahia. No Agres-te, predominam os minifúndios dedicados à produção de subsis-tência e a pecuária leiteira, sendo o excedente comercializado na região da Zona da Mata.

Sertão

Sub-região de clima semiárido que compreende o centro da região Nordeste, em uma extensão que

vai desde o litoral do Ceará e Rio Grande do Norte (neste último, até próximo a cidade de Natal), até a região sudoeste da Bahia. As chu-vas são escassas e, por isso, a pecuária e agricultura são ativida-des bastante difíceis na região. O único rio perene do sertão é o São Francisco do qual é desviada água para irrigação em alguns locais e que também é fonte de energia através de hidrelétricas como a de Sobradinho (BA). A vegetação típi-ca dessa sub-região é a caatinga.

Meio-Norte

Esta sub-região já apresenta uma pluviosidade maior conforme se

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afasta para oeste, em direção aos Estados do Norte e compreende o Estado do Maranhão e grande parte do Piauí. Nesta região é co-mum a presença das “matas de cocais”. As principais atividades praticadas são a criação de gado, o cultivo de algodão e arroz.

Em 10 de março de 2005, o Mi-nistério da Integração Nacional publicou Portaria que instituiu a nova delimitação do Semiárido brasileiro, resultante do traba-lho que atualizou os critérios de seleção e os municípios que passam a fazer parte dessa região. A nova delimitação to-mou por base três critérios técnicos, a saber: 1) precipita-

ção pluviométrica média anu-al inferior a 800 milímetros; 2) índice de aridez de até 0,5, calcu-lado pelo balanço hídrico que rela-ciona as precipitações e a evapo-ração potencial entre 1961 e 1990; 3) risco de seca maior que 60%, tomando por base o período entre 1970 e 1990. Baseado nes-ses novos critérios, a área classi-ficada como Semiárido brasileiro aumentou de 892.309,4 km2 para 969.589,4 km2 (BRASIL, 2005).

Esta área integra parte de oito es-tados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e parte do norte de Minas Gerais (Mapa 1).

Todos esses Estados compreen-dem uma área de 1.108.434,82 km², o que equivale a 10,5% do território nacional e 53,9% do território nordestino englobando 1.348 municípios, distribuídos pe-los Estados do Piauí (214), Ceará (180), Rio Grande do Norte (161), Paraíba (223), Pernambuco (145), Alagoas (51), Sergipe (32), Bahia (256) e Minas Gerais (86), cujas populações totalizam 20.858.264 pessoas, sendo 40% residindo na área rural. A Insolação média é de 2.800 h/ano, com evaporação média de 2.000 mm/ano e umida-de relativa do ar média em torno de 50% (BRASIL, 2005).

O FENÔMENO DA SECA

O conceito de seca varia segun-do o ponto de vista. Para um Hi-drogeólogo pode ser entendida como a insuficiência de recur-sos hídricos. Esta seca pode ser causada por uma sequência de anos e tem como consequên-cia o colapso nos sistemas de abastecimento de água. Para o Engenheiro Agrônomo assim como para o agricultor e o pecu-arista, a seca altera a produção agrícola de sequeiro e a pecuária provocando grandes transtornos sociais a exemplo da fome, mi-gração e desagregação familiar. Para o Meteorologista é enxergar o futuro para subsidiar tomadas de decisões fundamentais para todas as áreas que dependem das chuvas, até mesmo o turis-mo. Finalmente, para o nordestino

Mapa 1

Fonte: Ministério da Integração

NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Nova delimitaçãodo Semiárido

Minas Gerais

Estados daRegião Nordeste

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significa risco de vida (WILHITE; GLANTZ, 1987 apud VALADÃO et al., 2010).

CLASSIFICAÇÃO DAS SECAS

As secas podemser classificadasem (BRASIL, 2005a):

Hidrológicas – Caraterizam-se por uma pequena, mas bem dis-tribuída, precipitação. As chuvas são suficientes apenas para dar suporte à agricultura de subsis-tência e às pastagens;

Agrícolas – Também conheci-da como seca verde, acontecem quando há chuvas abundantes, contudo mal distribuídas em ter-mos de tempo e espaço;

Efetivas – Ocorrem quando há baixa precipitação e má dis-tribuição de chuvas, tornan-do difícil a alimentação das populações e dos rebanhos e impossibilitando a manutenção dos reservatórios de água para consumo humano e animal.

CAUSAS DA SECA

O fenômeno das secas do Nor-deste tem origem em lugares tão distantes quanto o Sudeste asiático e o círculo polar ártico. É provocado por dois mecanis-mos de circulação de ventos no planeta. São fenômenos que

se estabeleceram provavelmen-te há 20.000 anos, no fim da última grande era glacial. O pri-meiro e mais importante é com-posto pelas áreas de baixa e alta pressão atmosférica no Pacífico equatorial (MARENGO, 2006).

Na década de 1920, o inglês Gil-bert Walker descobriu que o pa-drão meteorológico do Oceano Pacífico equatorial contém uma área de baixa pressão atmosféri-ca sobre a Indonésia e o norte da Austrália e uma área de alta pres-são no oceano, próximo à costa da América do Sul, resultado da lei física de que o ar quente tende a subir e o ar frio tende a descer (MARENGO, 2006).

De maio a setembro, as águas quentes do Oceano Índico e do

Mar da China provocam a ascen-são de um vento quente e úmido, criando o que os meteorologistas chamam de área de baixa pres-são. A ascensão desse vento úmido, também chamada de convecção, leva à formação de nuvens e chuvas, no fenômeno conhecido no Sudeste asiático como monções. Livre da água, o vento viaja sobre o Pacífico a uma altura de 15 quilômetros em direção ao leste. Nesse trajeto, o vento se resfria e tende a descer sobre o oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando uma área de alta pressão atmos-férica (MARENGO, 2006).

Em ciclos de três e sete anos, nos meses de setembro, outubro e no-vembro, por motivos que ainda não se consegue determinar com cer-

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teza, uma grande massa de água quente vinda da Austrália avança pelo Pacífico equatorial em direção ao leste além da Ilha de Taiti, no fe-nômeno conhecido como El Niño. A água quente cria nova zona de con-vecção, deslocando as chuvas do meio do Oceano Pacífico para a cos-ta oeste da América do Sul, na altura do Peru, e levando a corrente de ar vinda do Sudeste asiático a cair dire-tamente sobre o Nordeste brasileiro, impedindo a formação de nuvens de chuva (MARENGO, 2006).

Ainda assim, as chuvas da terceira semana de março, no Nordeste, de-pendem muito mais de fatores físi-cos, que da esperança em São José, cuja data comemorada pelos devo-tos é dia 19 de março. Elas são con-sequência de outro fenômeno mete-orológico conhecido desde o século XVIII e chamado pelos climatologis-tas de Zona de Convergência Inter-tropical (ZCIT), um anel de ar úmido

que envolve a Terra próximo à linha do Equador. A ZCIT oscila entre as latitudes de 10° ao Norte e 5° ao Sul, a região onde os ventos alísios dos hemisférios norte e sul se en-contram. Esse fenômeno também é chamado de “célula de Hadley”, devido ao meteorologista inglês George Hadley (1685-1768) que, em 1735, descreveu seu funciona-mento. Dependendo da localiza-ção, a zona de convergência inter-tropical pode amenizar ou agravar as secas provocadas pelo El Niño (MARENGO, 2006).

As nuvens de chuva da zona de convergência intertropical são alimentadas, em boa parte, pelo sistema de baixa pressão atmos-férica da região da Terra Nova, no Canadá, próximo ao círculo polar ártico. Quando a baixa pressão é mais forte na Terra Nova, o ar úmido engrossa a ZCIT que se desloca em direção às águas

mais quentes próximas ao Equa-dor, acompanhando com um pequeno atraso o movimento do Sol. Assim, quando o Sol atraves-sa a linha do Equador no equinó-cio de outono do hemisfério sul, entre os dias 20 e 21 de março, a zona de convergência intertro-pical atinge sua posição mais ao sul, provocando as chuvas do dia de São José (MARENGO, 2006).

Às vezes, a chuva não chega. O movimento da zona de conver-gência intertropical depende da temperatura das águas no ocea-no, que na região equatorial va-ria entre 26° e 29°. E uma varia-ção de um a meio grau entre as águas do Atlântico Norte e do Sul é a diferença entre um “inverno” chuvoso ou seco. Com as águas do Atlântico Norte mais frias, a ZCIT desloca-se para o sul, tra-zendo suas nuvens carregadas. Se as águas do Atlântico estive-rem mais frias no sul, entretan-to, as chuvas serão despejadas na Amazônia. Para o nordestino será a seca (MARENGO, 2006). O Mapa 2 representa o regime de chuvas na Bahia.

A HISTÓRIA DAS SECAS

A história das secas no Nordes-te relata a saga de um povo em busca de sobreviver no mais inóspito dos climas deste país. A ausência de regularidade de chuvas e de políticas públicas voltadas para resolver a situação agrava um quadro assustador:

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fome, sede, migração desenfrea-da, epidemias e miséria (MEDEI-ROS FILHO; SOUZA, 1988).

O registro da primeira seca é an-terior à colonização portuguesa, e é relatada por Fernão Cardin: “houve uma grande seca e esteri-lidade na província (Pernambuco) e desceram do sertão, ocorrendo--se aos brancos cerca de quatro ou cinco mil índios” (MEDEIROS FILHO; SOUZA, 1988).

A SECA DE 1700

Até a primeira metade do sécu-lo XVII as áreas secas do interior do Nordeste de Pernambuco ao

Ceará eram ocupadas exclusiva-mente pelos índios. A seca foi o motivo pela ocupação tardia do interior do Nordeste. A coloniza-ção do interior foi intensificada após uma Carta Régia que proi-bia a criação de gado em uma faixa de dez léguas desde o li-toral em direção ao interior. Esta ação provocou a ocupação do que hoje é Bahia, Alagoas, Ce-ará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e também Norte de Minas Gerais. Esta medida acelerou o cresci-mento dos rebanhos e, conse-quentemente, o populacional. Assim, sem uma seca mais se-vera, a população e os rebanhos cresceram rapidamente (CAM-POS; STUDART, 1997).

Apesar desse crescimento, não houve investimento em infraestru-turas de água, meios de transpor-tes e sanidade. Por trás de todo o crescimento estava o esquecimen-to dos efeitos da seca. As fazen-das não tinham infraestrutura para a quantidade de escravos. Há quem diga que ocorreu a morte de aproximadamente oito mil escra-vos (CAMPOS; STUDART, 1997).

A seca mais severa desse sé-culo atingiu em cheio o frágil modelo de exploração e a socie-dade despreparada. Foi a seca de 1777-1779. Há quem estime que “morreram mais de 500.000 pessoas no Ceará e cercanias”. Mesmo considerando o exagero da estimativa, esse foi realmen-te um grande desastre. Talvez o maior desastre que já atingiu uma região brasileira. Há quem garanta que o Ceará perdeu 80% do rebanho (CAMPOS; STUDART, 1997).

A GRANDE SECA

A “Grande Seca”, como ficou conhecida, teve início em 1877 e durou pouco mais de dois anos. Os efeitos foram catas-tróficos. Há quem estime que doenças, fome e sede dizima-ram, somente, no Ceará, mais de 500 mil habitantes. Antônio Conselheiro percorreu as re-giões afetadas pela seca para socorrer os flagelados. Passou a ser considerado um santo, aumentando o número de pes--soas que o acompanhavam.

Mapa 2

Fonte: SOMAR Meteorologia

REGIME DE CHUVAS DA BAHIA

ITCZ

Frentes frias+umidade da Amazônia (nov/dez/jan/fev)Zona de convergência intertropical (dez/jan/fev/mar)Frentes frias Alta Subtropical do Atlântico (abr/mai/jun/jul)

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A PRIMEIRA PROVIDÊNCIA

Após a catástrofe de 1877, pela primeira vez, as autoridades do Império começaram a ter uma maior preocupação com o as-sunto. O imperador D. Pedro II cunhou a célebre frase: “Não restará uma única jóia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Criou-se então a co-missão imperial para desenvolver medidas que pudessem atenuar futuras secas. Da adaptação de

camelos, construção de ferrovias e açudes e a abertura de um ca-nal para levar água do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, no Ceará. Contudo muito pouco foi feito (SECA..., 2012).

A SECA DE 1888

Uma década depois, outra se-vera e duradoura seca atingiu o Nordeste brasileiro. Foi a seca de 1888, conhecida como a seca dos três oitos. A partir de então,

surgiram os estudos para encon-trar uma solução para o proble-ma. Surgiram basicamente três linhas: armazenamento de água e irrigação, transposição do rio São Francisco e irrigação e mudanças no perfil econômico da Região.

A SECA DE 1897

Neste ano, os habitantes do Ar-raial de Canudos foram massa-crados. Crianças, mulheres e ido-sos foram mortos sem piedade. Antônio Conselheiro foi assassi-nado em 22 de setembro de 1897. Há quem atribua a seca deste ano ao castigo dos céus pela morte do beato (SECA..., 2012).

A SECA DE 1915

Esta seca foi marcada pelo movi-mento de fuga para as regiões li-torâneas, em especial as cidades, – o início do êxodo. Este período foi imortalizado por Rachel de Queiroz, em seu livro “O quinze” escrito durante a seca de 1932, quando a escritora tinha apenas 20 anos (SECA..., 2012).

A seca de 1915 provocou fortes rotas migratórias. Os retirantes in-vadiam as cidades, provocando bolsões de miséria. O governo do Ceará criou uma espécie de campo de concentração, nas margens das grandes cidades para impedir a en-trada dos retirantes. A fome, aliada a total ausência de esgotamento sa-nitário provocou um quadro trágico de doença e morte (SECA..., 2012).

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“Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber comida e assistên-cia médica. Não podiam sair sem autorização dos inspetores do campo. Ali ficavam retidos milha-res de retirantes a morrer de fome e doenças”, relata a professora Kênia Rios, doutora em História pela Pontifícia Universidade (PUC) de São Paulo (BARRETO, 2007).

A SECA DE 1931–1932

A seca de 31 trouxe o maior pre-juízo para a Bahia. Foi nessa época que se tornou conhecida a expressão “indústria da seca”.Os poderes econômicos e políti-cos da região usavam recursos do governo em benefício próprio, com o pretexto de combater as mazelas, transformando o fenô-meno climático em fenômeno político (BARRETO, 2007).

A agropecuária crescia e a Bahia se estabelecia como maior polo do Nordeste. A dicotomia entre a agricultura e a pecuária pro-movia a sustentação do binô-mio. Assim, a cultura do cacau garantia o sucesso da pecuária do Sul da Bahia. O café e o algo-dão eram a mola propulsora do Sudoeste. A cana e a mandioca no Recôncavo e esse clima de crescimento esbarrou em mais uma seca. A ausência de estra-das e sobretudo meios de trans-portes impediam as rotas migra-tórias e a morte do rebanho foi significativa (BARRETO, 2007).

SECA DE 1951–1953

A expressão “pau-de-arara” surgiu nessa época motivada pelo trans-porte de nordestinos sertanejos no desconfortável caminhão, quando milhares de flagelados do Nordes-te foram transportados de forma desumana para outras regiões do país, especialmente São Paulo e estados circunvizinhos. Ainda em 1951, Luiz Gonzaga e Zé Dantas eternizaram a seca em Vozes da Seca: “Mas doutô uma esmola a um homem qui é são. Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

A SECA DE 1992–1995

A seca de 1992 a 1995 trouxe o maior prejuízo para a pecuária do

Estado da Bahia, para o reba-nho bovino houve a redução do efetivo de 14 para 8 milhões de cabeças (IBGE, 2012). A falta de água no Nordeste coincidiu com a crise de ener-gia elétrica que colocou em risco todo o País. A estiagem tornou-se ainda mais preocu-pante, pois Estados vizinhos também estavam assolados pela seca.

As obras de combate às secas, iniciadas e abandonadas pelo governo federal antes da con-clusão, já haviam provocado, entre 1978/1993, prejuízos de CR$ 6,7 trilhões. O escândalo das obras inacabadas deu ori-gem até mesmo a uma Comis-são Parlamentar de Inquérito – CPI, no Congresso Nacional, para apurar responsabilidades (SECA..., 2012).

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A SECA DE 2012

É considerada a seca mais seve-ra dos últimos 50 anos. Segun-do dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil, 1.171 municípios estão em situação de emergência por conta da prolongada estia-gem na Região Nordeste.

Muitos municípios nordestinos estão enfrentando colapso no abastecimento de água, e cres-ce o número de comunidades nas zonas rurais que recebem carros-pipa. Por conta da falta de alimentos e água, muitos animais estão morrendo nos pastos, assim como produções inteiras foram perdidas nos úl-timos meses. Segundo a Fede-ração da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (FAEB), a queda da produção chega a 100% em algumas lavouras e a 60% nos rebanhos.

ESTRATÉGIAS HISTÓRICAS DE COMBATE ÀS SECAS

SOLUÇÕES NÃO CONVENCIONAIS:

A solução proposta foi trazer camelos do deserto e adaptá-los ao Nordeste Semiárido. A idéia foi proposta pelo Governo Federal em 1859, para ser testado no Estado do Ceará e teria como finalidade suprir a necessidade de um meio de trans-porte, para enviar alimentos e água, além de transportar as pessoas do interior para as cidades do litoral, para atendimento médico;

Promover fratura de rochas no cristalino, através de explosão, para armazenamento de águas subterrâneas;

Queima de petróleo no oceano atlântico para aumentar o índice pluviométrico;

Construção de açudes nas nas-centes das bacias hidrográficas.

SOLUÇÕES CONVENCIONAIS:

Construção de açudes e adutoras; Transposição de bacias; Construção de poços tubulares.

AÇUDAGEM:

A implantação de açudes teve iní-cio no período do Império no ano de 1877, ano em que a região foi assolada por uma grande seca. Daquela data até a metade do atu-al século, a política de combate às secas contemplava, principalmen-te, a formação de uma infraestru-tura hidráulica e a implantação de postos agrícolas como indutores da irrigação na Região. O período em que predominou essa política foi posteriormente denominado de período da solução hidráulica (SECA..., 2012).

Na segunda metade de século teve início a política do aprovei-tamento intensivo do potencial hidráulico por meio dos grandes projetos de irrigação. Tratava-se de uma Política delineada pela Superintendência do Desenvol-vimento do Nordeste – SUDENE (SECA..., 2012).

O regime de construção de açu-des em cooperação, desativado em 1967, pretendia melhor distri-buir, sob o ponto de vista espa-

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cial, a oferta d’água e subsidiava a construção de açudes particula-res de capacidade máxima de três milhões de metros cúbicos. Não havia desapropriação de terras. O projeto e o orçamento eram for-necidos gratuitamente pela Inspe-toria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS)/Departamento Na-cional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e um prêmio, equivalente à metade do orçamento, era con-cedido no fim da construção ou, a título de adiantamento, quando metade da obra estivesse pronta. Os proprietários, em contrapartida, comprometiam-se a fornecer água para as necessidades domésticas das populações circunvizinhas. Nem sempre a construção atendia a interesse da população.

O século XX foi o século da açu-dagem no Semiárido, por todo um período de 100 anos. Quando da “grande seca” de 1877/79, o Se-miárido não possuía mais que seis açudes. O Governo Imperial auto-rizou o início do grande açude do Cedro, em Quixadá, Ceará, que só foi concluído no ano de 1906, já no Governo Republicano. Cem anos de construído, este açude, armaze-nando 126 milhões de m³, continua prestando seus serviços a milhares de nordestinos (SECA..., 2012).

Foi o início do programa de cons-trução da grande rede de açudes espalhados pelo Semiárido. Che-gando ao final do século XX com a construção, de cerca, de 70.000 açudes, públicos e particulares. Mais de 10% são açudes cons-truídos para suportar os grandes períodos de estiagem, projeta-

dos, alguns, com capacidade para geração de energia hidrelé-trica e muitos outros com proje-tos de irrigação. São açudes que não secam, apesar da fortíssima e drástica evaporação promovida pela radiação solar nesta região. Reduzem em até 60% do seu vo-lume, mas renovam, quase sem-pre nos anos subsequentes.

No Vale do Jaguaribe, Ceará, o açude Orós, construído, em 1960, acumula 2,5 bilhões de m³ de água. O Açude Armando Ri-beiro Gonçalves, construído no Rio Grande do Norte, em 1983, com um volume de 2,4 bilhões de m³ de água. O Banabuíu e o Araras, ambos no Ceará, que juntos somam 2,7 bilhões. O Castanhão, no Vale do Jaguaribe CE, concluído no ano de 2003, é o maior do mundo, construído pelo homem. Com capacidade de 6,7 bilhões de m³.

Os pequenos e médios açudes, com volumes compreendidos entre 10.000 e 200.000 m³, representam 80% das coleções de água nos Es-tados do Nordeste e são objetos de preocupação. Esses açudes, por apresentarem formas geométri-cas variadas devido à falta de pla-nejamento inicial no momento da sua construção, em que o principal fator levado em consideração sem-pre foi a vontade de se fechar uma pequena bacia, trazem inevitáveis problemas de dimensionamento, não sendo raro açudes que nunca vieram a sangrar. Esse aspecto, ao contrário do que muitos imaginam, traz problemas muito sérios de sa-linização, pois as águas ficam su-

jeitas à concentração salina devido ao fenômeno da evaporação inten-sa. Com esse fenômeno, a água se evapora, mas o sal permanece no açude e a sua concentração é pro-gressiva. Assim o fato de não san-grar constitui-se em um grande mal para os açudes (GASPAR, 2012).

INDÚSTRIA DA SECA

A região Nordeste sofre com dois fenômenos: um político chamado “indústria da seca” e outro natural chamado “seca” propriamente dita. A tragédia que atinge grande parte da região Nordeste brasileira e par-te da região norte de Minas Gerais costuma ser utilizada (e superva-lorizada) para justificar a fome e o subdesenvolvimento econômico e social da região em nome de erros cometidos no passado e que faz fracassar qualquer tentativa de re-verter este quadro (GASPAR, 2012).

Em 1909, foi criado o primeiro órgão de combate à seca, com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS). Em 1919 passou a ser Inspetoria Fe-deral de Obras Contra as Secas (IFCOS). Em 1945, Departamento Nacional de Obras Contra as Se-cas (DNOCS) (GASPAR, 2012).

A ideia central era definir metas e solucionar o problema com obras para armazenar e transportar a água para a população e assim atender a agricultura, a pecuária e a utiliza-ção humana. Pode se notar, pelo aumento da área atingida pela seca,

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que as ações foram insuficientes. A seca do Nordeste está ligada à falta de políticas que realmen-te funcionem em benefício da população.

Durante as longas estiagens, o governo federal socorre os Esta-dos atingidos, com ações emer-genciais, como: envio de recursos para ser aplicado nessas áreas; cestas básicas para a população; perdão total ou parcial das dívi-das de empréstimos tomados por agropecuaristas.

A “indústria da seca” se utiliza da si-tuação de emergência para conse-guir mais verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e perdão de dívidas valendo-se da fome e da mi-séria pela qual passa o nordestino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seca de 2012, um drama que atin-ge milhões de baianos e produz efeitos devastadores na economia da atividade de maior geração de emprego no país: a agropecuária. O Nordeste brasileiro vive mais uma daquelas secas históricas e a Bahia é um dos Estados mais

atingidos. Mais da metade dos municípios decretou situação de emergência. O regime pluviomé-trico do inverno (junho e julho) de 2011 abaixo do normal provocou uma diminuição das reservas hídri-cas na Bahia. Os reservatórios es-tavam secos, as pastagens abaixo de suas reservas e o produtor des-capitalizado. A esperança eram as trovoadas (chuvas de novembro de 2011 a março 2012). Com a ausência de chuva a natureza en-tra em colapso, é a seca de 2012. Essa é tida por muitos como a pior seca dos últimos anos.

Podemos medir os efeitos da es-tiagem prolongada através de ín-dices pluviométricos, da mortali-dade do rebanho, do êxodo rural e da mortalidade do homem, entre outros. Neste ano, enfrentamos ín-dices de 50 mm, onde o normal é de 500 mm e 100 mm em regiões que chovem 1.000 mm.

Com a evolução das práticas agronômicas de irrigação, produ-ção de feno, silo, os recursos de meios de transporte e pelas medi-das empreendidas pelo governo do Estado para amenizar os efei-tos da seca, a mortalidade animal não causou o mesmo prejuízo que em secas anteriores.

“Quando a seca chega no sertão” o pecuarista procura, no municí-pio as propriedades que ainda dispõem de forragem para alugar pasto. Quando esta alternativa não dá mais certo, a saída é “re-cursar” o gado para municípios vizinhos. A terceira opção é mu-dar de bioma, a quarta é mudar de Estado, a quinta é vender. As-sim surgem as rotas migratórias. Contudo, “a esperança é a última que morre”. Os melhores animais e as vacas produtoras de leite são mantidos na propriedade a fim de promover o sustento da família. Surge a inexorável “Lei de mercado” muita oferta e os preços despencam, O preço da arroba despencou de R$ 100,00 para R$ 70,00. Em alguns lugares os animais eram comercializados como peça. Uma peça variava de R$ 350,00 a R$ 500,00.

Essa agonia dura de dois a três anos, a expectativa da chuva que não vem gera um clima de sofri-mento e dor. Os poucos recursos são investidos até o fim. É neces-sário desfazer de animais para ali-mentar os que ficam.

Diante deste quadro o baiano enfrenta outras dificuldades. O preço do milho e da soja dupli-cou por conta da seca nos Esta-dos Unidos. O produtor do Sul prefere exportar a vender para o Nordeste.

A Barragem do Sobradinho rece-be hoje 800 m³ por segundo e li-bera 1.200 m³ por segundo, com esse déficit o nível chegou a 25% de sua capacidade.

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Afirma-se, com frequência, que o problema do Semiárido não é a falta de água durante as secas, mas a falta de gerenciamento das águas, o que dá a falsa im-pressão de que a seca é uma simples questão de gestão das águas (CAMPOS, 1999). Gerir num contexto de incerteza ele-vada é proporcionar esperança sem base sólida, especialmen-te porque a gestão implica em guardar água para o futuro, com alta probabilidade de perdê-la. Não se trata apenas de armaze-nar água em reservatórios, é ne-cessário distribuir essa água. O Semiárido exige um conjunto de mecanismos para melhor apro-veitar as oportunidades hídricas. Inclui desde construção de açu-des, integração de bacias, cons-trução de poços e cisternas.

Observa-se que cerca de 60% das águas públicas armazenadas

em reservatórios construídos pelo DNOCS, no Nordeste, estão loca-lizadas no Ceará.

Tem se cobrado dos especialis-tas um modelo semelhante ao do Ceará, que em 1925 tinha a mes-ma quantidade de água armazena-da que a Bahia tem em 2012. Pelo estudo das secas é nítida a confir-mação que o Estado do Nordeste que mais foi assolado pela seca foi o Ceará. Pelo número de mortos da população, pelas incontáveis per-das agrícolas e pela própria produ-ção pecuária do Estado, podemos entender o porquê dessas ações.

Ora, a Bahia vive uma realidade edafoclimática significativamente diferente do Ceará. A Bahia tem 6% do seu território com 143 mu-nicípios inseridos no bioma Mata Atlântica; 27,3% com 17 municí-pios no Cerrado e 68,7%, sendo 257 municípios na Caatinga. A

Bahia tem 13 Bacias Hidrográfi-cas, sendo a maior delas a Bacia do Rio São Francisco, com uma área de 304.421,4 km². Nessa bacia, encontram-se usinas de grande importância como as de Sobradinho, Paulo Afonso e Itapa-rica. As bacias dos rios Itapicuru, Contas e Paraguaçu destacam-se por serem exclusivamente baia-nas. Na última, localiza-se a Bar-ragem de Pedra do Cavalo, res-ponsável pelo abastecimento de água de 60% da população de Salvador e Região Metropolitana, além de Feira de Santana e outras cidades próximas à barragem.

Mesmo com essa situação privi-legiada, este ano, na Bahia, a es-tiagem secou barragens, açudes e rios, devastou pastos e lavouras e provocou escassez de alimento para os rebanhos, que morrem de inanição e sede. O clima na Bahia é de apreensão.

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