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A Sabedoria da Cabala – Parte 2 Em que Sentido a Cabalá é Conhecimento? – Parte Final Pecado e morte. A história da Árvore é a história do Homem, de sua queda e regeneração; é a história de Israel, de sua Galut e de sua Gueulá, seu Exílio e sua Redenção. O pecado de Adão, aliado ao modo como desconsiderou a natureza da "árvore do conhecimento do bem e do mal", provocou sua expulsão do "jardim do Éden". Tendo transgredido o mandamento de não comer do fruto da árvore que continha o ‘sam mavet’, o "veneno da morte", "a mistura do bem e do mal", Adão foi condenado ao exílio. De forma semelhante, o pecado aliado à desconsideração da natureza da árvore da Torá, a "árvore da vida", levou à expulsão de Israel do "jardim do Éden", da Terra de Israel. Tendo transgredido os mandamentos da Torá, daquela árvore que contém o ‘sam chaim’, o "elixir da vida", Israel foi condenado ao exílio. Esses exílios, porém, não são eternos, pois "Eis que estão chegando os dias" em que o homem será capaz de "distinguir" o bem do mal "intelectualmente", de "clarificar" a mistura, de separar um do outro "na prática", como foi afirmado anteriormente. O homem conseguirá transformar o mal em bem (as trevas em luz, a noite em dia), e irá coroar este trabalho de transfiguração com a Conversão da "árvore do conhecimento do bem e do mal", a "árvore da morte", em "árvore da vida" (Gênesis 2:9), de cujo fruto ele comerá, conforme ensinou Rabi Moisés Cordovero (século XVI). No futuro, no "jardim do Éden", estas duas árvores se tornarão "uma árvore", ‘etz echad’ (uma imagem que pode ser encontrada na visão de Ezequiel, cap. 37), e esta será a "árvore da vida", a "árvore da Torá". O mundo, que consiste numa mistura de bem e mal, sofrerá uma metamorfose e se tornará Torá. A matéria será espiritualizada; será clara e simples. Ela se tornará viva. A vitória do homem sobre o pecado será uma vitória sobre a morte (pois "sem pecado não há morte"). D'us "destruirá a morte para sempre", e "o Senhor D'us enxugará as lágrimas de todas as faces", como predisse o profeta Isaías (25:8). O homem reaparecerá em toda a sua beleza, em toda a sua dignidade. O horror da morte será abolido; a revolta que a morte causava no homem acabará; "e o insulto de Seu povo" — causado pela morte — "Ele tirará de cima de toda a terra, pois o Senhor assim falou" (ibid.). Aquela árvore que estava presente na queda do homem, na queda de Israel, estará presente no momento da regeneração do homem, de Israel. Os profetas de Israel dão testemunho disto, e a Cabalá desempenha um grande papel neste testemunho. "Eis que estão chegando os dias, diz o Senhor, em que [...] Eu farei voltar do cativeiro o Meu povo de Israel [...] E os replantarei na sua terra, e eles não mais serão arrancados da sua terra que Eu lhes dei" (Amós 9:13-15). "E tu, filho do homem — ben Adam —toma um (graveto de) árvore e

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Page 1: A Sabedoria da Cabala Parte 2 Em que Sentido a Cabalá é ... · Pecado e morte. A história da Árvore é a história do Homem, de sua queda e regeneração; é a história de Israel,

A Sabedoria da Cabala – Parte 2

Em que Sentido a Cabalá é Conhecimento? – Parte Final

Pecado e morte.

A história da Árvore é a história do Homem, de sua queda e regeneração; é a história de Israel, de sua Galut e de sua Gueulá, seu Exílio e sua

Redenção. O pecado de Adão, aliado ao modo como desconsiderou a natureza da "árvore do conhecimento do bem e do mal", provocou sua expulsão do

"jardim do Éden". Tendo transgredido o mandamento de não comer do fruto da árvore que

continha o ‘sam mavet’, o "veneno da morte", "a mistura do bem e do mal", Adão foi condenado ao exílio. De forma semelhante, o pecado aliado à desconsideração da natureza da

árvore da Torá, a "árvore da vida", levou à expulsão de Israel do "jardim do Éden", da Terra de Israel.

Tendo transgredido os mandamentos da Torá, daquela árvore que contém o ‘sam chaim’, o "elixir da vida", Israel foi condenado ao exílio.

Esses exílios, porém, não são eternos, pois "Eis que estão chegando os dias" em que o homem será capaz de "distinguir" o bem do mal "intelectualmente", de "clarificar" a mistura, de separar um do outro "na

prática", como foi afirmado anteriormente. O homem conseguirá transformar o mal em bem (as trevas em luz, a noite

em dia), e irá coroar este trabalho de transfiguração com a Conversão da "árvore do conhecimento do bem e do mal", a "árvore da morte", em "árvore da vida" (Gênesis 2:9), de cujo fruto ele comerá, conforme ensinou

Rabi Moisés Cordovero (século XVI). No futuro, no "jardim do Éden", estas duas árvores se tornarão "uma

árvore", ‘etz echad’ (uma imagem que pode ser encontrada na visão de Ezequiel, cap. 37), e esta será a "árvore da vida", a "árvore da Torá". O mundo, que consiste numa mistura de bem e mal, sofrerá uma

metamorfose e se tornará Torá. A matéria será espiritualizada; será clara e simples.

Ela se tornará viva. A vitória do homem sobre o pecado será uma vitória sobre a morte (pois "sem pecado não há morte").

D'us "destruirá a morte para sempre", e "o Senhor D'us enxugará as lágrimas de todas as faces", como predisse o profeta Isaías (25:8).

O homem reaparecerá em toda a sua beleza, em toda a sua dignidade. O horror da morte será abolido; a revolta que a morte causava no homem acabará; "e o insulto de Seu povo" — causado pela morte — "Ele tirará de

cima de toda a terra, pois o Senhor assim falou" (ibid.). Aquela árvore que estava presente na queda do homem, na queda de

Israel, estará presente no momento da regeneração do homem, de Israel. Os profetas de Israel dão testemunho disto, e a Cabalá desempenha um grande papel neste testemunho.

"Eis que estão chegando os dias, diz o Senhor, em que [...] Eu farei voltar do cativeiro o Meu povo de Israel [...] E os replantarei na sua terra, e eles

não mais serão arrancados da sua terra que Eu lhes dei" (Amós 9:13-15). "E tu, filho do homem — ben Adam —toma um (graveto de) árvore e

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escreve nele [...] Isto diz o Senhor D'us: Eis que vou tirar os filhos de Israel

do meio das nações, para onde foram, e os juntarei de todas as partes, e os trarei de volta à sua própria terra [...] E eles observarão [...] Meus

preceitos, e os praticarão [...] E o Meu servo David será para sempre o seu príncipe" (Ezequiel 37:16-26). E David é o Messias!

Os dias do Messias.

Os dias nos quais a "árvore" será "replantada" prenunciam os dias do Messias; precedem-nos, preparam o caminho e tornam as condições

propícias para eles. Os Sábios nos lembram disto quando escrevem: "Se estiveres plantando

uma árvore e alguém vier dizer-te: 'O Messias está aqui', não pare. Irás saudá-lo quando tiveres terminado de plantar a tua árvore". Na verdade, a árvore plantada é a personificação do Messias, de quem

Isaías disse: "E sairá um rebento do tronco de Jessé, e um ramo brotará das suas raízes" (11:1).

O Messias é esse rebento... A árvore da qual este rebento emerge será tratada com carinho, não tanto

por sua "beleza" externa, mas pelo "alimento" que irá proporcionar aos homens (ver Gênesis 3:6), pelos "frutos" que lhes fornecerá. Pois os "frutos do Tzadik, o homem 'justo', são suas boas ações".

A Luz do Messias.

A Revelação do "Poder" de D'us. A Revelação da "Palavra" de D'us.

Os dias do Messias serão acompanhados pela luz do Messias. Esta se materializará a partir do lugar em que D'us a "escondeu" no

primeiro dia da Criação "por causa daqueles que dedicam suas energias à Torá" (estudando-a em profundidade e observando suas Mitzvot, com temor e amor a D'us, que as ordenou), por causa dos Tzadikim, os "justos".

A luz do Primeiro Dia estava destinada a unir-se com a luz Daquele Dia, do Fim dos Dias.

É esta luz do primeiro dia da criação, a "luz da Torá", que revela a "intenção" do Criador ao criar o mundo, e o objetivo para o qual Ele está direcionando Sua criação.

Ele assim expressou esta intenção, este objetivo: "Eu criei (todos) para Minha glória — li-kvodi!" (Isaías 43:7).

O propósito supremo da criação é a revelação da "glória" de D'us. Agora, a Cabalá nos ensina que o Kavod, a "glória" de D'us, expressa a Malchut, a "realeza" de D'us.

Sua "glória" será por fim estabelecida, Sua "realeza" será instituída para sempre, quando a "luz da Torá" (da Torá unificada: celestial e terrena), a

luz que foi "escondida", tiver atingido sua culminância e se tornado plenamente visível e acessível. A Torá, o Plano da criação do mundo, presidirá à fundação do Reino de D'us

em todo o mundo com a união do mundo de baixo e do mundo das alturas. A primeira revelação de D'us por meio da luz do "Primeiro Dia" foi também

a revelação de Seu "Poder": ele foi expresso no Nome Divino análogo: Elo-him.

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Ora, neste mundo, o porta-voz de D'us é o homem; é a ele que D'us fala,

para que o homem, por sua vez, faça conhecer o que lhe foi revelado. Mas o homem ainda não estava presente a esta primeira revelação; por

conseguinte, quando D'us fez o mundo e disse: "Haja luz", nessa luz Ele destacou Abraão, o "grande homem", que O tornaria conhecido ao mundo. Assim a revelação de D'us veio a ser a "Palavra", revelando ao homem, por

meio do Nome Elo-him e do Shem HaVaIaH, o Nome do Tetragrama, que Ele criou e está criando todas as coisas e, por meio do Nome Ado-nai, que

Ele é o seu "Senhor". Com o nome Ado-nai, observa Rabi Eliahu, o Gaon de Vilna (século XVIII), D'us faz conhecer ao homem o "objetivo" da revelação, a saber, que o

homem aceite Sua Soberania, que com a ajuda do homem o Seu Reino seja estabelecido.

Pois, para reinar, o Rei necessita de um povo; "não há Rei sem povo". Para exercer Sua Soberania, D'us escolhe Israel e faz dele um povo; proclama-o o povo de D'us aos pés do Monte Sinai.

Lá Ele Se revela a eles por intermédio de Sua Palavra. Esta Palavra é a Lei moral que Ele inscreve no coração de Seu povo, assim

completando e dando sentido à Lei que Ele inscreveu na Natureza. A revelação da Palavra divina confirma e justifica a revelação do Poder

divino. A revelação da Palavra é dirigida ao homem. É ele que deve vivê-la.

É Israel, o Homem, que a recebe; é ele que é chamado a revelar a revelação de D'us ao mundo.

A Cabalá de fato denomina o homem o "fundamento da revelação dentro do universo". Contudo, desfrutando do grau de liberdade que o Criador lhe proporcionou,

o homem não cumpre fielmente sua vocação de divulgar a revelação divina da Palavra.

Por outro lado, o mundo natural é de fato um testemunho fiel e infalível da revelação divina de Poder. A glória e o reino de D'us estão apenas "esperando" para ser "realizados",

mas esta "espera" deve ser ativada por preparativos diligentes para a chegada dos dias do Messias, quando a glória de D'us se tornará manifesta

e o Seu reino será estabelecido. Neste mundo, denominado o "mundo da ação", é o homem, Israel, que age, cooperando com D'us, no sentido de apressar a chegada dos dias do

Messias. Sua chegada assinalará o advento dos Últimos Dias, que serão os Primeiros

Dias de uma nova era, a da glória de D'us e do reino de D'us.

O Messias personifica o

"mistério do conhecimento". Vendo e ouvindo.

Esses serão os dias do Messias, do Homem, em quem a raça humana terá alcançado a maturidade ao prestar uma reverência sincera às revelações do

Poder e da Palavra de D'us. A prova desta maturidade será a capacidade de ver a glória de D'us e de

viver sob Seu poder régio. Esses serão os dias do Messias.

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Ora, na doutrina cabalista, o Messias personifica o ‘sod ha-daat’, o "mistério

do conhecimento". E é justamente por intermédio da daat, do "conhecimento", que o Messias

realizará o guilui, a "revelação" deste mistério. Na revelação do Monte Sinai, foi Moisés que recebeu o ‘Matan Torá’, o "presente da Torá".

Ele, o precursor do Messias, era um ‘ish ha-daat’, um "homem de conhecimento". Esta revelação prefigura o "tempo do Messias".

E o que caracterizou a revelação do Sinai foi a síntese da visão e do som. Durante este evento, diz a Torá, "todo o povo viu os sons"; em conseqüência disso, os mestres da Cabalá afirmaram que "o guilui ha-daat,

a 'revelação do conhecimento', permitiu ao povo ver o que ouvia". O guilui sod ha-daat, a "revelação do mistério do conhecimento" feita pelo

Messias, anuncia o Guilui Shechiná, a "revelação da Presença de D'us". Então o "Mistério dos Mistérios", o Próprio D'us, será visto e ouvido por intermédio de Sua Torá, com a qual Ele é Um.

"Nesse Dia", assim como no dia em que Ele Se revelou por meio da Torá no Sinai, "eles verão o que ouvem"; a faculdade visual — do corpo e dos

sentidos — e a faculdade auricular — do espírito e do intelecto — serão uma só.

Veremos então as "Palavras" de D'us iluminadas em todas as suas profundezas; entenderemos então Seus "mandamentos" com tudo que eles contêm, em toda a sua clareza.

Não só os ouviremos, não só os escutaremos à medida que vêm a nós de fora, como também os confirmaremos por meio de nossa daat, nosso

"conhecimento". Experimentaremos este conhecimento tanto em nossa mente quanto em nosso coração, pois ele impregnará as partes mais íntimas de todo o nosso

ser. Além disto, daat revelará aos nossos olhos espirituais as razões de todos os

atos de D'us em relação a nós; daqueles que aceitamos, considerando-os bons, e daqueles aos quais nos submetemos, julgando-os maus. Agradeceremos a D'us, que "é Bom e faz o Bem", todos os Seus atos em

relação a nós. De fato, quando se está em posição de "olhar" as diferentes partes de um

todo, descobrindo-as e "conhecendo" tanto elas próprias quanto sua estrutura interna, este todo nos parece bom. O homem, "vivendo com D'us", pode então entender o sentido das palavras

que coroam o relato bíblico da Criação: "E D'us viu tudo o que tinha feito, e era muito bom" (Gênesis 1:31).

D'us nos deu a entender que o todo é bom, mais ainda, "é muito bom...". Assim como Adão antes da Queda, nos dias do Messias o homem também será capaz de "ver o mundo de um extremo a outro", de abarcar o tempo

com um único olhar, unificando em seu espírito as diferentes partes de que se compõe.

Pois a visão de um homem que "vive com D'us", o Onipotente, é clara e "iluminada pela Sua luz" (conforme Salmos 36:10). Esta luz torna o todo unificado visível, de modo que aparentes antinomias

são eliminadas e a unidade se manifesta em toda a sua simplicidade. Esta luz suprema está acima da luz que é o oposto da sombra, acima da luz

vista em relação à escuridão; ela aparece aqui em sua pureza prístina, sem nenhuma referência a nada, só a si mesma.

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Pois "aqui toda luz é uma", "aqui (Nele, na Fonte da Divindade) tudo está

unido. Não se vê nem misericórdia nem severidade (as Manifestações da Divindade); não se vê a luz como se ela estivesse emergindo das trevas,

pois aqui não há escuridão, não há severidade". Assim o Taná Rabi Shimeon bar lochai (século II) nos descreve aquele estado supremo e derradeiro onde reina a luz pura.

"No futuro...", nos dias do Messias, quando a revelação da Palavra de D'us será plenamente realizada, esta luz será a quintessência da Luz, a radiância

do Próprio D'us. Ela irá superar a luz que D'us criou no Primeiro Dia, a luz "com a qual Ele se envolveu" e da qual Ele se retirou quando Seu poder se tornou manifesto.

De fato, a luz da "Obra da Criação" substituíra as trevas, o vazio, conforme está escrito no começo do Livro do Gênesis (1:2-3): " [...] e as trevas

cobriam a face do abismo [...] E D'us disse: 'Haja luz', e houve luz". Poucas pessoas alcançam este exaltado nível de percepção da super luz. O grande místico Rabi Shimeon bar lochai foi um desses poucos, e ele

próprio declarou: "Eu vi alguns Homens Grandiosos (homens capazes de se elevar espiritualmente a grandes alturas), mas eles (aqueles que são dignos

de acolher a face da Shechiná) são muito poucos". No entanto, na época messiânica, quando, de acordo com o profeta de

Israel, "todo o Teu povo será justo", pois "a glória do Senhor será revelada, e toda carne a verá ao mesmo tempo, porque a boca do Senhor assim falou" (Isaías 60:21; 40:5); quando, de acordo com a visão de Rabi Moisés

Chaim Luzato (século XVIII), "o poder intensificado da alma terá enfraquecido as forças obscuras da matéria e o corpo humano se terá

tornado transparente" — então "o homem, com um brilho radiante, será capaz de elevar-se até esta luz quintessencial". Ele irá retornar ao jardim do Éden, do qual foi expulso, a si mesmo, às suas

raízes, das quais se desligara, a D'us, de quem se afastara depois do seu pecado — seu repúdio da Palavra de D'us — e "irá colher da árvore da vida"

(Provérbios 3:18), da Torá. Então ele começará a viver a sua verdadeira vida, pois daí em diante viverá "com a fonte da vida"; "na Tua luz veremos luz" (Salmos 36:10).

Este homem experimentará o "conhecimento de D'us", que é a "Vida da Vida".

Na verdade, "conhecimento é vida", ‘ha-daat hi ha-chaim’, conforme ensinam os mestres da Cabalá. Ele é a Chaiut, a "vitalidade", a própria essência da vida, afirma o Gaon de

Vilna. E a vida é a unidade que resulta da harmonização das forças diferentes e

opostas que a animam. Como observa o Maharal, a palavra hebraica chaim, "vida", está no plural, significando uma vida em sua unidade.

O princípio da contradição e

o ideal da unidade. O homem alcança esta harmonização das forças que animam sua vida ao

aplicar os preceitos da Torá. A Torá é uma "Torá de Vida".

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Seus preceitos trazem àqueles que os observam a serenidade celebrada

pelo Rei David: "Os estatutos do Senhor são justos, alegram o coração: o mandamento do Senhor é puro, ilumina os olhos" (Salmos 19:9).

Com a observância das Mitzvot da Torá, o judeu consegue conter as forças materialistas antagônicas, reduzindo-as, simplificando-as até por fim eliminá-las.

Quando não refreadas, essas forças tornam-se malignas; elas precisam ser controladas e dominadas pelo homem.

Assim, o princípio da contradição, que o Criador inscreveu nos seres humanos a fim de fazer com que "escolhessem" exercer seu livre-arbítrio — esse princípio, quando corretamente entendido pelo homem, contribui para

seu desenvolvimento. A era messiânica, para a qual o homem se terá preparado mediante o

estudo da Torá e a observância das Mitzvot, será a era da unidade perfeita, porém dinâmica, no homem; essa unidade é animada pelas forças benéficas que fluem pela pessoa observante da Torá.

Tendo vencido dentro de si, e portanto à sua volta, essas forças malignas antagônicas que trazem consigo a morte, o homem será restabelecido no

jardim do Éden, onde a "árvore do conhecimento do bem e do mal" une-se à "árvore da vida", como afirma Rabi Nachman de Bratslav (séculos XVIII e

XIX). Pois o mal é uma contradição do bem; a morte é a contradição da vida. Tanto o mal como a morte, acrescenta Rabi Nachman, são uma

"contradição" da vontade do homem, da sua vontade de ficar no estado puro e unificado inscrito pelo Criador na própria raiz das forças opostas que

deveriam testá-lo. É essa vontade que o homem é exortado a exercer e enfatizar livremente. O Livro do Deuteronômio (30:15,19) afirma claramente que o mal é a

contradição do bem e a morte a contradição da vida: "Considera que Eu pus diante de ti a vida e o bem, e a morte e o mal [...] escolhe, pois, a vida,

para que possas viver". Cabe portanto ao homem superar esta contradição, que o Criador inscreveu no coração da condição humana; todavia, ele não será capaz de fazê-lo sem

a ajuda de D'us. Quando a contradição tiver então sido superada, D'us suprimirá o "mal", a

violência; "Ele engolirá a morte para sempre, e o Senhor D'us enxugará as lágrimas de todas as faces" (Isaías 25:8). O sal destas lágrimas, acrescenta Rabi Nachman, será transformado na

"água doce do conhecimento de D'us"; "a terra estará repleta do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar" (Isaías 11:9).

O mal terá redescoberto o Bem, sua raiz; a morte terá redescoberto a sua própria raiz, que é a vida. Tudo isto acontecerá graças ao "conhecimento de D'us", que é Um, o

Perfeito, em quem não existe contradição, afirma Rabi Nachman, acrescentando que todo o mal que há no homem resulta de sua separação

do Um. Ele recorda em seguida as palavras dos nossos Sábios, de abençoada memória: "'Nesse dia o Senhor será um e Seu Nome (será) Um' (Zacarias

14:9), o que equivale a dizer que Ele nos aparecerá como Ele é, 'inteiramente bom, Aquele que faz o bem', pois no Um não existe mal. Por

esse motivo, 'no futuro iminente' o mal será destruído, a contradição suprimida, e aquilo que está escrito irá se cumprir: 'A verdade se manterá

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firme para sempre, mas mentiras vivem só por um instante' (Provérbios

12:19); porque a verdade é uma, ela é para sempre, mas uma mentira é heterogênea e se vai num piscar de olhos".

Deterioração e restauração da

criação de D'us pelo homem.

Na maravilhosa descrição "desse Dia", que nos legou o brilhante mestre do

Chassidismo, Rabi Nachman de Bratslav, é surpreendente que nos dias do Messias, graças ao "conhecimento de D'us", todas as coisas nos aparecerão boas na sua essência, enquanto o mal, que naturalmente se supõe que seja

o oposto do bem, deixará de existir. Cada coisa em sua manifestação nos parecerá pura, enquanto a impureza, o

contrário natural da pureza, não permanecerá. Tudo nos aparecerá de forma transparente e clara. A criação unificada será conduzida de volta à sua Fonte original, onde ela

existia antes de se tornar "separada", "liberada", "distanciada" de seu Criador, antes de "explodir" na "divisão", "cisão", "ruptura"; antes de ser

"dividida" pela "fenda" ontológica do cosmo ocasionada pela "quebra dos recipientes", e pela "ruptura" moral provocada no homem por seu "pecado".

Então, somente o bem existirá nos mundos que foram pacificados: tanto no mundo externo fora do homem como no mundo interior do homem. Só o espírito da verdade permanecerá, aquela verdade que está na raiz de

todo fenômeno, visível e invisível. A "deterioração", a "derrocada" da Criação, foi causada pelo homem, mas

sua "restauração" e "retificação" são conduzidas pelo trabalho do Homem, Israel. Pois o processo de "restauração" e "retificação" do mundo, de acordo com a

Cabalá, é um processo de berur, "clarificação", a ser executado pelo homem.

Depois que esta "clarificação" tiver sido realizada, "a glória do Senhor será revelada", e "Seu reinado começará". Uma unidade perfeita se tornará manifesta: entre alma e corpo; entre as

‘orot’, as "luzes", e os kelim, os "recipientes"; entre o "fechado" e o "aberto"; entre o "interno" e o "externo", o ilusório e o racional, o poético e

o científico, o imaginário e o real. (Na verdade, o homem só pode imaginar o que é possível, o que é potencialmente real, observou Maimônides, o racionalista (século XII), e

Rav Kuk, o místico (séculos XIX e XX)). O homem, que D'us "fez para ser franco", não mais "buscará ardis

infindáveis", uma atitude condenada pelo Rei Salomão (conforme Eclesiastes 7:29). Para o homem justo, tudo é justo.

O judeu que está estudando a Escritura e sondando suas profundezas bíblicas para alcançar o sod, seu sentido "secreto", entenderá a advertência

do Gaon de Vilna: não lhe será possível penetrar as Escrituras, nem mesmo arranhar a superfície no nível de peshat, o sentido "simples", a menos que tenha procurado e encontrado a concordância intrínseca do sod e do peshat,

pois cada um deles completa e limita o outro. Do mesmo modo, o cientista que está investigando a natureza no nível da

superfície numa tentativa de compreender seus segredos, o cientista que está explorando a realidade imediata, tentando descobrir nela as

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propriedades e as leis dadas pelo Criador e entender suas inter-relações —

o cientista do nosso tempo — estaria disposto a adotar (o que seus predecessores de menos de um século atrás não teriam ousado fazer) a

seguinte afirmação feita pelo Gaon de Vilna (que sobressaiu tanto no domínio da Cabalá quanto no das ciências puras e naturais): "Aquele que não acredita nas coisas que são 'ocultas' não acredita no que é 'revelado' ".

Pois o "oculto" e o "revelado" estão ligados entre si; eles constituem uma unidade.

Na verdade, todas as coisas estão juntas formando uma unidade. A Torá, que foi feita para o mundo, constitui uma unidade em si mesma; o mundo, regido pela Torá, constitui uma unidade em si mesmo; a Torá e o

mundo compõem juntos uma unidade na qual cada um sustenta o outro. Eles são unidos pelo Homem, Israel, que constitui uma unidade e que foi

criado para viver simultaneamente dentro da união da Torá e do mundo. Portanto, a unidade de todas as coisas, de toda a existência, deriva da Unidade do D'us único, e deseja retornar ao D'us único e encontrar-se de

novo em Sua Unidade.

O encontro da Cabalá com a ciência.

Em sua doutrina de unidade, a Cabalá introduziu seu ensinamento relativo à unidade da Cabalá e da ciência. Na verdade, esta ocupa posição central na doutrina, pois a Cabalá pretende

descobrir os ‘razei Torá’, os "mistérios da Torá", na Torá, que ela está examinando minuciosamente, e, escondidos nas profundezas da Torá, os

‘razei olam’, os "mistérios do mundo". Pois entre a Torá e o mundo existe uma relação íntima, um vínculo interno. A Torá foi o Plano para a criação do mundo, e enquanto existir o mundo a

Torá deverá ser — para todos os seus habitantes e, em particular, para Israel, seu espírito protetor — a Lei básica que orienta o comportamento de

todos. A Cabalá, sendo a expressão suprema da Torá, investiga a "natureza interior", a essência da Realidade; penetra seu "núcleo" invisível.

A ciência estuda a "evidência externa" do mundo real, examina seu "revestimento" visível.

Todavia, o "interno" e o "externo", o núcleo e o revestimento de tudo o que existe, formam uma unidade. A complementaridade da Cabalá e da ciência fica particularmente evidente

quando a Torá, o objeto da pesquisa cabalística, revela seus segredos interiores, enquanto a ciência, penetrando a superfície do mundo material,

o objeto imediato de seu estudo, tenta entender a realidade invisível, imaterial. Hoje, a Cabalá e a ciência se encontram e se fundem, exibindo sua

harmonia para aqueles que são dignos e têm conhecimento dela; elas confirmam assim sua unidade, pois ambas fazem parte da mesma realidade

que o Criador oferece à inteligência e intuição do homem como um objeto para estudo. Este encontro tem sua origem na aceitação da Cabalá pela ciência, a qual

admite que em princípio ela não é oposta à Cabalá. Muito pelo contrário, quando a ciência progredir em sua pesquisa sobre os

fundamentos da realidade, reconhecerá que ela e a Cabalá bebem ambas da mesma Fonte divina e estão caminhando rumo ao mesmo objetivo ético

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estabelecido pelo Criador, apesar de seguirem rotas paralelas de pesquisa e

usarem métodos paralelos de investigação. Tais encontros entre a Cabalá e a ciência ocorreram durante toda a a longa

história de ambas. Mas nunca houve uma convergência efetiva de idéias, pois a visão de mundo sustentada pela Cabalá e aquela mantida pela ciência eram

fundamentalmente diferentes. De acordo com a Cabalá, o Criador estabeleceu no mundo que Ele criou

voluntariamente um sistema determinista que, por meio das leis que Ele decretou, assegura que o mundo seguirá num curso "regular", "normal", "natural".

Mas dentro deste sistema determinista, o Criador colocou uma "força psíquica" que dá certa autodeterminação especial a tudo o que existe, de

um grão de areia a um planeta distante, do menor inseto ao homem. Esta liberdade é evidente em todos os níveis de existência, desde a matéria inerte até os seres humanos.

De acordo com a ciência física, natural, desde as suas origens gregas até o começo deste século, um determinismo absoluto, todo-poderoso, sem

começo nem fim, governa o mundo inteiro. Este último governa a si mesmo de acordo com um sistema de leis

imutáveis que ele deu a si mesmo e que regulam rigorosamente tudo o que existe. O homem não está isento dessas leis, pois ele não passa de um "fato

físico"; sua "liberdade" é apenas um elo na corrente do determinismo geral. Assim, o homem é somente uma partícula insignificante de matéria (ou

ainda, uma parte anônima da máquina social). Foi só nos tempos modernos que houve o começo de uma concordância entre a Cabalá e a ciência, sobretudo a física.

Tal concordância poderia levar a um acordo harmonioso quanto à essência do pensamento científico.

A Cabalá ensina que existem momentos "escolhidos" pela Providência Divina para a revelação de certas verdades contidas em sua doutrina. Tais "momentos" refletem um exame mais profundo dos "mistérios da

Torá", uma maior penetração na "sabedoria interior" da Torá por aqueles que se dedicam a isto vivendo com santidade: os ‘anavim’, os "humildes",

os ‘aniim’, os "pobres" (essas duas palavras hebraicas refletem duas virtudes que são combinadas nos ‘tzenuim’, os "puros", que assim "respondem" ao chamado de D'us).

Por meio do estudo assíduo da Torá e da escrupulosa observância das Mitzvot, esses tzenuim, esses homens "puros", conseguem penetrar os

"mistérios da Torá". Quando estes segredos sobem à superfície, ainda que sem serem "revelados aos outros", eles despertam nos "outros", nos não iniciados, um

interesse crescente pelos valores da Cabalá, tanto entre judeus quanto entre não judeus.

Isto poderia resultar numa harmonia entre a concepção científica da Cabalá e a da ciência, principalmente no domínio da cosmologia, a partir da qual — uma vez que a idéia da criação do mundo tenha sido aceita (uma criação

livre, ex nihilo) — poderia desenvolver-se uma filosofia da ciência e uma ética que reuniriam as duas concepções.

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"Momentos excepcionais"

da história da Cabalá. Seu significado escatológico.

Alguns desses "momentos excepcionais" da história da Cabalá foram assinalados pelos próprios cabalistas e eles nos convidam a deduzir as

lições que contêm. O primeiro grande momento foi o da "revelação", o aparecimento do Sefer

ha-Zohar, o "Livro do Esplendor", coroado com o halo de Rabi Shimon bar lochai, o Taná, o grande Sábio e líder que viveu na Galiléia no século II. A "revelação", isto é, a disseminação deste livro básico da Cabalá, ocorreu

na Espanha no século XIII. O segundo grande momento foi o da "revelação", o surgimento de Rabi

Isaac Luria, o Ari ha-Kadosh, o "Leão Sagrado", o pai do misticismo judaico, na Galiléia no século XVI. O terceiro grande momento foi o da "revelação", o aparecimento de Rabi

Israel Baal Shem Tov, o "Mestre do Bom Nome", o pai do Chassidismo, na Ucrânia no século XVIII.

O Zohar em si é uma evidência da importância do primeiro grande momento e do seu significado escatológico.

Ele afirma que "no futuro", "no tempo do Rei Messias", Israel provará da árvore da vida, que é o Zohar, no interior do qual o Santo, abençoado seja Ele, ocultou os mistérios profundos da Torá.

Estes serão descobertos por Israel, que, acompanhado pela graça divina, por fim sairá de sua Galut, "exílio".

De fato, "é o estudo minucioso do Zohar que possibilitará a redenção final". Rabi Chaim Vital, discípulo do Ari ha-Kadosh, é testemunha da relevância messiânica do segundo grande momento.

Ele declara que graças aos comentários de Rabi Isaac Luria sobre o Zohar, este livro sagrado tornou-se acessível àqueles que são dignos dele devido

ao seu modo de vida santo — ou seja, àqueles que trabalham para a glória de D'us e a redenção de Israel e do mundo. A relevância messiânica do terceiro grande momento é evidenciada por Rabi

Moisés Chaim Efraim de Sudilkov, neto de Rabi Israel Baal Shem Tov e comentador de seus ensinamentos.

Ele escreve em seu Deguel Machané Efraim que a era messiânica começará quando as "fontes" dos ensinamentos do Baal Shem Tov "se difundirem para fora", para o mundo.

(O Chassidismo do Baal Shem Tov enfatiza e populariza o aspecto ético e prático da doutrina abstrata de Rabi Isaac Luria.)

Esses três grandes momentos foram acompanhados por um exame mais profundo e uma "descoberta" dos mistérios da Torá; assim eles contribuíram para a propagação da daat ha-Shem, o "conhecimento de

D'us". Eles abriram caminho para a chegada dos tempos messiânicos, antecipando

o momento da redenção. Alguns mestres famosos do pensamento cabalístico, em particular Rabi Isaías Horowitz, o Shelá ha-Kadosh (séculos XVI-XVII), e Rabi Shneur

Zalman de Liadi (séculos XVIII-XIX), deleitam-se discorrendo sobre a importância histórica desses grandes momentos.

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Os "Mistérios da Torá" e

os "Mistérios do Mundo".

Daat ha-Shem, o conhecimento de D'us como o Criador do mundo e o Outorgante da Torá, é a expressão última de todo conhecimento. Para obtê-la, é necessário adquirir daat, "conhecimento" da Torá divina,

esclarecendo o conhecimento científico da Criação divina do mundo. Na Bíblia, D'us é chamado de ‘E-l Deot ha-Shem’, "o Senhor é um D'us de

conhecimentos" (I Samuel 2:3). E os Sábios acrescentam: "A ciência é ótima quando é colocada entre os dois Nomes de D'us:E-l...ha-Shem" (mostrando assim, diz o Zohar, que "os

dois Nomes formam uma Unidade: não há separação entre eles"). De Daniel a Maimônides, de Maimônides a Rav Kuk, incluindo todos os

místicos e racionalistas judeus, o "aumento" da daat, do "conhecimento" — sobretudo do conhecimento científico — ocorre sob a égide das ‘chochmot’, as "sabedorias" da Torá, que a Cabalá estudou minuciosamente.

Essas chochmot refletem a Torá Ilaó, a "Torá superior", a "Torá de cima", e a Torá zeirá, a Torá tataá, a "Torá inferior", a "Torá aqui embaixo".

A Torá Ilaá contém os razei Torá, os "mistérios da Torá"; a Torá zeirá contém os razei olam, os "mistérios do mundo".

A primeira inclui a última, a qual por sua vez está ligada à ciência. A totalidade destes mistérios encontra seu lugar nos ideais éticos e práticos proclamados pela Torá.

No plano abstrato, das Sefirot, daat une chochmá e biná; a primeira pode ser comparada ao raciocínio indutivo, um processo de síntese mental; a

segunda ao raciocínio dedutivo, um processo mental analítico; daat une esses dois processos, revela-os e também representa o objetivo ao qual almejam.

Este deve ser um objetivo religioso e moral, que significa daat conforme é entendida pelos profetas de Israel, em particular Isaías e Jeremias: uma

daat que conduz a daat ha-Shem, como é elucidado pelo Zohar e por Maimônides. Esta daat ha-Shem por fim levará Israel (e toda a humanidade com ele) à

libertação final da Galut, de um exílio tanto material quanto espiritual, assim como nos tempos passados ela levou Israel à sua primeira libertação

da escravidão no Egito. Um versículo do livro do Êxodo (6:7) é evidência disto, afirma Rabi Nachman de Bratslav.

Ele diz: "[...] e vos tomarei para ser o meu povo e serei o vosso D'us, e sabereis que Eu sou o Senhor vosso D'us, que vos tira de sob o jugo dos

egípcios [...]".

A "realidade física" interliga-se

com a realidade metafísica.

A harmonização entre a Cabalá e a ciência está acontecendo no "momento dado" em que a última — a ciência da vida, a ciência física, a ciência experimental — está convergindo em suas concepções básicas com as

concepções científicas da Cabalá; em que a ciência até parece estar disposta a assimilar tais concepções à sua visão própria do mundo criado,

ao seu modo específico de apreensão da realidade.

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O cientista atual fica encantado quando se vê diante do sod ha-Chaim, o

"mistério da vida", seu começo e seu fim, e particularmente quando se defronta com o ‘sod ha-machashavá’, o "mistério do pensamento" ou, em

outras palavras, com o "mistério do homem". De acordo com os mestres da Cabalá, a essência do homem é iediá, "conhecimento"; mas isto não é conhecível — o homem não pode entender

isto, assim como ele "não pode entender a essência de sua própria alma". O cientista moderno reconhece que tudo o que se conhece é infinitamente

pequeno perto da imensidão do desconhecido. Ele admite que aquilo que se conhece, visível, tangível, abrange áreas incomensuráveis que são invisíveis e inacessíveis à nossa percepção.

Ele conjectura e até supõe que, além da realidade fenomênica, ocultem-se realidades invisíveis.

Sua investigação leva-o a adotar um ponto de vista que é básico na Cabalá e que estabelece distinções entre vários níveis de realidade, a saber, que a "realidade física" no sentido clássico do termo estende-se até a realidade

metafísica. Hoje, os cientistas já reconhecem plenamente que o mundo físico e material

não seria o que é sem a força imaterial de energia que o permeia. Assim, não estão longe de ser capaz de adotar a tese básica da Cabalá,

segundo a qual "em cada coisa existe um ponto interior, uma 'centelha', que a anima e representa a força vital com a qual o Criador a dotou", e que Ele mantém e "vitaliza".

Esta "centelha" personifica o poder de D'us atuando no interior daquilo que sofre a Sua ação.

Estas ‘orot’, "luzes interiores", estão escondidas atrás das ‘orot’, as "cascas exteriores". (A palavra hebraica ‘orot’, que significa "luzes", começa com a letra Alef,

que representa ‘Alufó shel olam’, o "Senhor do mundo"; e a palavra hebraica ‘orot’, que significa "cascas exteriores", começa com a letra Ain,

que representa ‘olam’, o "mundo"!) De acordo com os mestres da Cabalá, a "natureza" não existe de fato; o

que existe de fato é a Chaiut, a "força vital" que anima a natureza a partir de seu interior; sem essa Chaiut, o que nós vemos de fora não existiria.

Na verdade, a Chaiut reflete, por assim dizer, a Vida Daquele que é Chaiei ha-Chaim, a "Vida da Vida"; ela reside, oculta, no interior daquilo que existe, esperando que o homem, em particular o judeu, a descubra

mediante o cumprimento das Mitzvot. O D'us vivo e pessoal é portanto revelado como Vida Oculta, que nutre a

vida de tudo o que existe. Em cada coisa há uma espécie de alma, uma Chaiut espiritual; cada coisa incorpora uma característica específica que apresenta, em ordem crescente

de intensidade, algum grau de liberdade. A Chaiut, diz o Baal Shem Tov, lembra as "letras" da Palavra de D'us, pois o

mundo "foi feito pela palavra de D'us" (Salmos 33:6) e continua evoluindo graças à Palavra de D'us. A Chaiut realiza os "Dez Enunciados pelos quais o mundo foi feito", por

meio dos quais vive tudo o que existe, tudo o que vemos, seja animado ou inanimado.

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Transcendente, invisível, incorpóreo, "abarcador do mundo", D'us Se

manifesta desta forma por intermédio de Seu reflexo vivificante e imanente no "mundo que Ele preenche", dotando-o de sentido e vida.

Sobretudo por meio da Cabalá, o judaísmo aspira a descobrir a pnimiut, a "natureza interior" das coisas e seu significado essencial. O helenismo, cujo espírito moldou os homens de ciência no decorrer dos

séculos, limitava-se a mostrar coisas visíveis, classificando-as em ordem de "beleza".

Mas atualmente os cientistas já não têm uma visão helênica e mecanicista do mundo, de um mundo antes visto como imóvel e estático. Seguindo os mestres da Cabalá, o cientista de hoje reconhece o caráter

dinâmico e evolutivo do mundo. A Teoria da Relatividade, de Einstein, e o Princípio da Indeterminação, de

Heisenberg, colocaram o cientista contemporâneo numa "realidade indeterminada". Ele está consciente, por conseguinte, de que seus processos mentais, e as

ações que deles resultam, ocorrem numa "realidade indeterminada". A "certeza" que, durante séculos, os cientistas orgulhosamente alardeavam

quando estavam examinando o mundo com a ajuda de sua razão agora está dando lugar a uma modesta estimativa de "probabilidade".

Este é o único julgamento que eles apresentam, tendo examinado o mundo e sondado o que chamam de "realidade". Na verdade, a realidade não pode mais ser circunscrita de modo tão preciso

quanto o foi anteriormente. O mundo real está transcendendo o mundo "irreal", que os cientistas não

são capazes de descrever. O homem só pode analisar aquilo que é capaz de descobrir com a sua razão.

Ele não consegue definir o que não pode ser compreendido. A razão, portanto, não é o único caminho que leva ao conhecimento da

realidade.

Na ciência contemporânea,

o determinismo absoluto está sendo questionado. Agora a nova física está alcançando a Cabalá.

Por se encontrar numa "realidade indeterminada", descrita apenas por "probabilidades", hoje o cientista já não ousa exibir o mesmo orgulho de

seus predecessores, nem afirmar com arrogância que no mundo natural, no qual ele vive e que pode facilmente investigar, tudo é previsível e portanto

conhecível. De fato, seus antecessores viam na origem de tudo uma causa fixa e imutável governando inflexivelmente a evolução de todas as coisas.

Atualmente, a causalidade absoluta e o determinismo absoluto estão sendo seriamente questionados.

Na física moderna, o indeterminismo prevalece sobre o determinismo, mas sem romper com ele; por conseguinte, ela está se aproximando grosso modo da Cabalá, que não reconhece nenhuma causalidade impessoal —

seja fixa, compulsória ou perpétua — governando impassivelmente o mundo.

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Quanto à Cabalá, ela realça a Criação — a criação do mundo que Ele, o

Criador, empreendeu de maneira espontânea e voluntária, à qual Ele deu um "começo" e colocou dentro do "Tempo".

O Criador, a "Causa das Causas", a "Raiz das Raízes", é o Ser que está acima de todos os seres, que está Ele Mesmo cuidando de Sua "Obra Primordial", cujo princípio, oculto dos homens, não pode ser compreendido;

no entanto, em Sua bondade, Ele renova o mundo todos os dias, para que com o passar do tempo o homem possa vir a visualizá-lo e entendê-lo.

A Cabalá não deixa de levar em conta as leis precisas do determinismo, que o próprio Criador estabeleceu e continua a manter no mundo visível. Contudo, neste mesmo mundo visível, e, sobretudo, no mundo invisível, Ele

deixa bastante espaço para o indeterminismo. A Cabalá também reconhece uma "evolução" no mundo, mas não aquela

evolução apresentada pela imagem científica clássica, unidirecional e que leva automaticamente de "causa" a "efeito". A evolução reconhecida pela Cabalá é uma ‘hishtalshelut’, uma "série",

como uma "descida" voluntária seguida de uma "ascensão" voluntária, um "afastamento" da "Raiz" e um "retorno", uma teshuvá, uma volta à "Raiz".

As Sefirot, representando o Homem, são uma evidência desta evolução. Este duplo "movimento" de Sua criação, de Suas criaturas, desejado pelo

Criador, foi descoberto pelo homem graças a sua aprendizagem e determinação, pois este movimento deverá levá-lo ao seu destino final.

A ciência, sendo infinita, é inatingível na infinitude.

Atualmente, devido à sua crescente humildade, os cientistas estão se aproximando dos mestres da Cabalá, os quais, quando seu espírito alcança

um alto grau de clareza, exclamam: "Mas onde será encontrada a sabedoria?", "Ve ha-chochmá me-ain timatzê?" (Jó 28:12).

Pensadores cabalísticos tiram este versículo de seu contexto estrito e literal e lhe dão uma interpretação muito mais ampla, tendo encontrado nele um significado de grande importância filosófica.

Eles o interpretaram da seguinte maneira: a sabedoria — ciência — que vem do Ain, "Nada" (o equivalente do Ein-Sof, "Infinito"), deveria ser

saudada com grande humildade tanto pelos Sábios como pelos cientistas. A sabedoria — ciência — pode ser "encontrada" onde quer que o pesquisador reconheça que ela está submersa no "nada".

Assim, também ele deve se considerar um ain, um "coisa nenhuma", e ver a sua sabedoria como um "nada" em relação à Sabedoria total que a tudo

abrange. Porque D'us e a Sabedoria são Um, enquanto a sabedoria humana não pode se fundir ao seu objeto, por mais grandioso que seja seu possuidor.

D'us, que é Conhecimento, conhece a Si mesmo e conhece tudo que existe, porque tudo o que existe "existe devido a Ele", diz Maimônides, "e Nele",

acrescentam os cabalistas. Ele, o Ein-Sof, o "Infinito", está acima de todos os Nomes divinos por meio dos quais Ele Se comunica com os homens.

Ele não tem Nome, escreveu Iossef Gikatilla (séculos XIII-XIV). A ciência, que vem do Infinito e se estende à infinitude, também não terá

nome, diz o Gaon de Vilna, pois quanto mais elevada é uma coisa, menos ela pode receber um nome.

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Hoje os cientistas reconhecem que a ciência, sendo infinita, é inatingível

mesmo na infinitude. Penetrando em regiões cada vez mais inacessíveis à percepção humana, a

ciência escapa ao homem. Hoje ele reconhece que não tem nenhuma maneira inteligível de captar o infinito, nenhum recurso semântico adequado, nem mesmo uma linguagem

matemática para expressar a ciência do infinito; assim, não pode lhe atribuir nenhum nome.

Ele atesta este fato até mesmo quando está a caminho de alcançar ápices de conhecimento e avanço técnico com os quais seus predecessores jamais sonharam.

"A própria razão nos permite

perceber os seus limites." Como afirmamos, os cientistas mais eminentes da atualidade admitem que

são incapazes de satisfazer as exigências da verdadeira ciência, isto é, de tocar a essência da realidade, de compreendê-la em sua totalidade, de

expressá-la numa linguagem adequada e portanto de formular com exatidão sua unidade, sendo esta evidentemente a meta suprema da

ciência. Em todas as épocas, a razão foi considerada no mundo científico como a única via para a consecução desta meta, que os pesquisadores julgavam

estar ao seu alcance. Em conseqüência, eles costumavam celebrar a onipotência intelectual,

absoluta e exclusiva, da razão. Proclamavam sua objetividade pura e "imparcial", livre de qualquer influência pessoal ou de contexto.

Já há algum tempo, contudo, a objetividade "impessoal" da razão tem sido questionada; o caráter do homem, suas inclinações e seus preconceitos não

permitem o exercício completamente livre da razão. Admite-se que certa subjetividade intervém no exercício da razão, em sua abordagem da realidade, em sua apreensão dos seres vivos; certa cisão

separa o sujeito do objeto: o objeto é o que o sujeito gostaria que ele fosse...

O homem entende que a razão não o ajudará a satisfazer seu desejo justificável de obter uma visão clara e global da realidade. Na crítica de sistemas que pretendem explicar a realidade, o valor da razão

já não parece incontestável, coercitivo ou primordial; a razão não goza mais da infalibilidade que lhe era atribuída no passado; no futuro, sua

universalidade será contestada. Para os cientistas até o século passado, assim como para os gregos muito tempo atrás, não havia nenhum critério de verdade sem demonstração

racional e prova experimental, mas hoje há um questionamento incessante e multifacetado das idéias de razão e verdade, de experimento e prova.

Não existem respostas definitivas para os problemas filosófico-científicos que os pesquisadores enfrentam. Eles são forçados a duvidar do valor tradicionalmente atribuído à razão, à

qual seus antecessores imputavam o poder de explicar tudo, de sustentar grandes avanços materiais e técnicos, e de levar à verdade.

A razão já não pode guiar os pesquisadores para a meta de sua investigação.

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Alguns eminentes filósofos da ciência, questionando a eficácia da razão e a

validade de seus resultados, falam até mesmo de uma "crise da racionalidade"; outros não hesitam em falar da sua "falência".

Um renomado pensador e cientista contenta-se em apenas propor uma "revisão da racionalidade" ao recomendar uma nova abordagem. Com isso, os homens de ciência estão descobrindo o sentido de mistério!

Quanto à Cabalá, ela não subestima nem o valor nem a função da razão. Ela reconhece que a razão tem um papel importante, tanto na investigação

científica intelectual quanto na conduta religiosa e moral do homem. Porém, a Cabalá nunca lhe deu primazia no domínio da ciência como fizeram os gregos.

A Cabalá aprecia a razão como uma "dádiva de D'us para o homem" para ajudá-lo a entender Sua criação e cuidar de Seu universo, no meio do qual

D'us o colocou e lhe atribuiu responsabilidades. O cabalista não esquece que a razão esclarece o serviço do homem tanto a D'us como a seu semelhante.

Quando o homem despreza a razão, fica mais exposto ao "pecado" e, na verdade, ele "não peca" contra D'us nem comete qualquer falta contra seus

semelhantes, "exceto quando um sopro de tolice entra nele". Por outro lado, o homem não deveria confiar apenas na razão, seja em suas

investigações científicas intelectuais seja em sua conduta religiosa e moral; pois a razão sozinha poderia induzi-lo ao erro. Um século antes de a crítica à razão começar a ser ouvida nos círculos

filosóficos e científicos, um dos mestres do Chassidismo, Rabi Zevi Elimelech de Dynow (século XIX) afirmou que "a própria razão nos mostra

seus limites"; ela nos indica o caminho que pode nos levar além dela, que pode nos elevar "acima da razão", mas também nos diz que esta "supra razão" complementa a razão, em vez de contradizê-la.

Tanto no plano intelectual e científico quanto no religioso e moral, a missão do ‘sechel’, "razão", é conduzir-nos à daat, ao conhecimento ético-

intelectual. Por sua vez, a missão deste conhecimento é levar-nos à daat ha-Shem, o "conhecimento de D'us", a fonte da "ciência do cérebro e do coração".

Os cientistas contemporâneos estão descobrindo o sentido de mistério. Mas ainda não podem nos mostrar aonde o mistério nos deve levar.

Rav Kuk, que viveu no começo da "revolução científica" de nossa época e viu suas conseqüências materiais, morais e sociais, definiu o significado deste mistério.

Ele escreve: "À medida que a ciência avança e se torna mais forte em sua evolução, o homem também se aproxima da luz divina".

O vínculo que une ciência e ética.

O cientista de hoje, portanto, tornou-se receptivo ao transcendente. Mas o transcendente é inseparável da ética.

A Cabalá pede que o homem considere as "coisas ocultas" de um ponto de vista religioso e ético, pois as "coisas ocultas" estão ligadas com "aquelas coisas que foram reveladas".

As últimas devem ser vistas pelo homem na perspectiva da Torá e seus mandamentos.

A Cabalá baseia esta doutrina no versículo do Livro do Deuteronômio (29:28) que diz: "As coisas secretas —ha-nistarot — pertencem ao Senhor

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nosso D'us, mas aquelas coisas que são reveladas — ha-niglot — pertencem

a nós e aos nossos filhos para sempre, a fim de que possamos fazer— la-assot — todas as palavras desta Lei".

Existe então um vínculo entre as "coisas ocultas", ha-nistarot, e as "coisas que são reveladas", ha-niglot. O homem é chamado a demonstrar a existência deste vínculo para o mundo

mediante uma ação, la-assot, religiosa e ética. Por meio deste la-assot, um judeu mostra ao mundo que as "coisas ocultas"

e as "coisas que são reveladas" não pertencem a duas ordens diferentes, a dois mundos separados, mas a um único mundo, que está esperando que sua unidade seja revelada. Tanto cada judeu individualmente, pelo estudo

da Torá e pela observância das Mitzvot, quanto o povo judeu, devem trabalhar para elucidar o Ichud, a "unificação" deste mundo aparentemente

dividido. Quando a Torá recomenda ao judeu que "faça", que "aja", la-assot, de acordo com as Mitzvot, ela o consola de sua "ignorância", de sua

incapacidade de penetrar os mistérios das nistarot; encoraja-o em seu "saber", em sua habilidade para ampliar o conhecimento das niglot.

Na verdade, o olam ha-machashavá, o "mundo do pensamento", da espiritualidade pura, está lá, completamente impenetrável, mas o homem

recebe "centelhas da Torá" que o ajudam a implementar o olam ha-assiá, o "mundo da ação" — ação que é refletida e sustentada — que é o seu mundo, reservado inteiramente para ele.

Quanto mais o homem age no olam ha-assiá em conformidade com as Mitzvot da Torá, mais ele desenvolve sua espiritualidade.

A purificação do corpo e o refinamento da mente aumentam sua perspicácia intelectual, fortalecem seu poder cognitivo e permitem-lhe "olhar" aquelas coisas que normalmente "o olho não pode ver".

Quando D'us deu a Torá ao Seu povo no Sinai, Israel proclamou: "Tudo o que o Senhor disse naassê (faremos) ve-nishmá (e ouviremos e

obedeceremos)". Os Sábios comentam este versículo do Êxodo (24:7) dizendo: "Na hora em que Israel pôs o naassê antes do nishmá [quando eles disseram primeiro

naassê, 'faremos', e depois nishmá, 'ouviremos e obedeceremos' foi ouvido um eco divino que perguntava: 'Mas quem revelou aos Meus filhos este

‘raz’, este 'mistério', que é compartilhado pelos anjos, conforme está escrito (Salmos 103:20): ‘Bendizei o Senhor, vós, os Seus anjos, vós poderosos, ‘ossei’ (que fazem) as Suas ordens, ‘li-shmoa’ (para ouvir) a voz da Sua

palavra'?". Primeiro ossei (aqueles que "fazem"), depois li-shmoa ("ouvir").

Primeiro "fazer", depois "entender". Com que resultado, com que recompensa? Quando a assiá, o "fazer", a ação, precede a shmiá, o "ouvir", a

compreensão, somente então, de acordo com o Zohar, pode o homem exercer sua faculdade intuitiva que lhe permite penetrar o mundo da

espiritualidade pura e "angelical", para lá descobrir os "mistérios". Entre os cabalistas, aqueles que alcançaram a condição da "verdadeira humildade" tiveram algumas vezes esta experiência à qual o Zohar se

refere. Os atuais homens de ciência não podem mais deixar de reconhecer a

influência do transcendente sobre eles e sobre sua consciência, sobretudo no que diz respeito à imensa responsabilidade que têm em um mundo onde

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a ciência e a tecnologia oferecem à humanidade tantas promessas de

desenvolvimento frutífero e tantas ameaças de extermínio. Não faz tanto tempo que os cientistas se recusavam a admitir qualquer

conexão, qualquer vínculo entre a ciência e a ética. Eles acreditavam que o que chamavam de ciência pura não podia ser associado à ética sem que a primeira perdesse a sua soberania.

Segundo eles, a ciência pura, sendo autossuficiente, não só era capaz, como também tinha o direito, de responder às exigências morais

resultantes da sua objetividade. Mas sendo a ciência exata e autônoma, ela não pode de forma alguma gerar por si mesma valores morais.

A prova disto é o estado do mundo contemporâneo, onde a ciência é preeminente e onde o progresso científico prodigioso não só não traz

consigo nenhum progresso espiritual e moral, como, pelo contrário, está associado a uma terrível regressão no plano espiritual e moral, com conseqüências desastrosas.

Hoje, quando a objetividade científica está sendo questionada e a subjetividade do cientista já não é negada, parece que, pouco a pouco, se

está admitindo que existe um vínculo intrínseco unindo a ciência e a ética (um vínculo interno, e não disciplinar, entre as assim chamadas ciências

exatas e as ciências humanas). Ambas fazem parte do mistério do infinito. Ao contrário do cientista contemporâneo, que vai se tornando cada vez mais

receptivo ao mistério do infinito, de forma geral o homem leigo ainda parece ser indiferente, se não hostil, ao mundo do mistério.

No entanto, há indícios de que, desiludido com o racionalismo materialista e com uma tecnologia sufocante, ele está tentando se livrar dessas restrições. Principalmente entre os jovens, uma busca conseqüente de espiritualidade

está começando a tomar forma. Sendo esta busca ainda pouco clara, infelizmente alguns jovens estão

mergulhando num obscurantismo mórbido, mas outros estão descobrindo os jardins da verdadeira espiritualidade e sentindo o seu perfume. O cientista que está pronto para viver no mundo unificado da ciência e da

ética poderia ajudar esses jovens (muitos dos quais têm sede tanto de ciência quanto de fé) a libertar-se de sua confusão; ele seria capaz de

"iluminá-los", isto é, de despertar neles o que a Cabalá chama de ‘berur’, "clarificação". Além disto, esta clarificação é necessária e até benéfica para a superação

da "separação" entre o homem e D'us, entre o homem e ele mesmo, e entre o homem e seu semelhante e, portanto, para a descoberta das

"raízes" da verdadeira vida.

A reconciliação das duas concepções científicas:

a da Cabalá e a da ciência contemporânea. A "modernidade" da Cabalá.

O mundo científico contemporâneo e, em conseqüência, o mundo inteiro, encontram-se num ponto de mutação crucial: seu conceito de ciência está

se aproximando daquele da Cabalá. Ora, o conceito de ciência da Cabalá é inseparável, no plano da religião e da

filosofia, do seu conceito de ética; eles se interpenetram, formando um único conceito.

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Atualmente, no fim do século XX, as concepções científicas da nossa época

estão convergindo com as da Cabalá de todas as épocas, agora que a afinidade profunda entre os seus aspectos fundamentais está sendo

revelada. Será este um acontecimento fortuito? Decididamente não.

Por que deveria este encontro estar ocorrendo justamente no momento em que a ciência, tendo acelerado seu progresso mais do que nunca no

passado, está alcançando alturas impressionantes a uma velocidade espantosa? Num período de tempo muito curto relativamente à sua longa história, ela

se desenvolveu de maneira assombrosa, quase que a um só passo, em idéias, invenções, descobertas e avanços técnicos.

Por que esta fertilidade de imaginação, esta explosão de idéias, esta revolução nas técnicas ocorreu somente agora? Do ponto de vista da Cabalá, esta concordância entre a sua própria

concepção científica e aquela sempre mutante dos pesquisadores contemporâneos não parece ser fortuita — muito pelo contrário.

Ela exige a nossa consideração e requer uma explicação. De novo, do ponto de vista da Cabalá, este encontro entre o estudo mais

minucioso e a disseminação de seus ensinamentos e daqueles do iluminismo científico — ambos únicos em seu gênero — é a Vontade da Hashgachá, "Providência".

Ele fornece a justificação daquilo que pode ser denominado a "modernidade" da Cabalá.

No passado este termo não poderia ter sido aplicado, seja do ponto de vista científico ou filosófico, a nenhuma "contemporaneidade" entre a concepção de ciência da Cabalá e a dos cientistas.

A concordância entre esses dois conceitos ocorre num momento em que, conforme diz o Zohar, produziria uma consciência mais profunda, um

"desvendar" dos razei Torá, os "mistérios da Torá", por intermédio de "humildes" cabalistas, e um interesse crescente pela Cabalá, sobretudo pelo Zohar, em muitos círculos intelectuais.

Esse "momento" de encontro, que, de acordo com o Zohar, está carregado de significado escatológico, ocorrerá, diz ele, no fim do sexto milênio (da

criação do mundo), que corresponde à época atual pelo calendário judaico! Então, continua o Zohar, "serão abertos os portões de Chochmá (Sabedoria) nas alturas e as fontes de chochmá aqui embaixo [este termo

sugere a idéia de um raciocínio investigativo que leva a valores religiosos e morais]. É assim que o mundo se preparará para entrar no sétimo milênio

[sabático e messiânico]." Porém, "é a Vontade do Santo, abençoado seja Ele, não revelar aos filhos de Adão [aos homens] [o momento] do advento do Messias".

"Mas quando os dias do Messias estiverem próximos, até mesmo as crianças serão capazes de calcular o fim."

Não desejamos transgredir a interdição, expressa muitas vezes por nossos Sábios, que nos proíbe de "calcular o fim" ou de afirmar que somos capazes de encontrar os números e as combinações numéricas nos textos sagrados

que nos permitiriam "calcular o fim", ou seja, o momento em que terá início a era messiânica.

Longe de nós tal presunção!

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Aqueles que acreditavam serem capazes de "calcular" e ter sucesso numa

computação aritmética tão delicada "incorreram em erro". (Embora seja verdade que os "cataclismos" dos dias atuais poderiam ser

comparados aos "cataclismos" pré-messiânicos previstos pelos nossos Sábios!) Como dissemos, resta o fato de este ponto de mutação que estamos

vivendo na história da ciência corresponder a uma inegável reconciliação de duas correntes científicas de pensamento, a da Cabalá e a da ciência

contemporânea. Essa reconciliação está ocorrendo tanto no plano da teoria e do pensamento científicos quanto no plano dos corolários éticos, históricos e religiosos que

necessariamente deles resultam, como as pessoas estão começando a reconhecer.

De fato, a ciência hoje tem o poder de ser um ‘sam chaim’, um "elixir da vida", ou um ‘sam mavet’, um "elixir da morte", para o homem como indivíduo, para a humanidade como um todo, e para a vida ecológica e

física do mundo. A Cabalá enfatiza repetidamente este corolário; ela mostra a conexão entre

a saída de Israel da Galut, "exílio", e a vitória (messiânica, escatológica) do conhecimento, de daat (uma palavra que compreende as noções de ciência

e de ética). Agora, a Galut de Israel, do Homem, simboliza tanto a Galut interior de cada homem como o exílio espiritual de toda a humanidade.

"O mundo todo está no exílio", proclama Rabi Moisés Cordovero, e junto com ele tantos outros mestres da Cabalá até os nossos tempos.

A libertação de Israel da Galut assinalará a libertação da humanidade de sua Galut e o começo da era messiânica. O "messianismo", escreve Rav Kuk, "é, em essência, um valor que se

origina em Israel [um valor que foi revelado ao povo de Israel e que ele apresentou ao mundo]. Para este povo, de fato, o reino celestial e o reino

terrestre são um todo". Em conseqüência, o povo de Israel, guardião da Torá, possui uma grande, na verdade uma extraordinária responsabilidade no mundo, porque o Tikun,

a "restauração" moral e religiosa do mundo, depende da "restauração" moral e religiosa do povo de Israel, declara Rav Ashlag (século XX),

seguindo os ensinamentos de Rabi Chaim ben Atar (século XVIII). Israel estará qualificado para conseguir essa "restauração" quando tiver alcançado o grau mais alto de daat," conhecimento"; e daat é perfeita

quando, além de sua obtenção no nível humano, ela se estende até daat ha-Shem, o "conhecimento de D'us".

A daat ha-Shem é definida por Maimônides como ‘chochmá amitit’, "sabedoria verdadeira". (Nisto o famoso filósofo e racionalista está de acordo com os grandes

pensadores da Cabalá). Do ponto de vista religioso, esta sabedoria suprema tem claramente uma

dimensão ética e humana. Maimônides confirma isto referindo-se às palavras do profeta Jeremias (9:22-23): "Assim fala o Senhor: Não se glorie o sábio de sua sabedoria...

porém aquele que se gloria glorie-se disto — que, agindo sabiamente, ele Me conhece, sabe que Eu sou o Senhor que exerço a bondade, a eqüidade e

a justiça sobre a terra: pois com estas coisas Eu me deleito, diz o Senhor".

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Como pode alguém se gloriar da sabedoria, da chochmat ha-emet, da

"sabedoria da verdade", perguntam os mestres da Cabalá. Sabemos que as verdades que afirmamos estão longe da Verdade, e que

nossas "verdades científicas" são muitas vezes contraditórias entre si. A história da ciência está repleta de exemplos de teorias apresentadas como sendo a verdade, a única verdade, seguidas de outras verdades, totalmente

diferentes, que substituem e cancelam as primeiras. Todavia, a ambição dos respectivos ramos da ciência, desde os gregos até

os nossos tempos, é reconhecer a verdade, a única verdade, pois só pode haver uma Verdade. Este objetivo último da ciência jamais estará ao alcance do homem; está

sempre "escondido" dele. Porém, o homem deve buscá-lo constantemente; esta é a sua missão.

Por tudo isso, a Cabalá conclui que a Verdade é incognoscível, inatingível. Ainda assim, o homem deve estar sempre procurando-a, esforçando-se por alcançá-la, apesar de saber que a essência dela permanecerá inacessível

para ele. Então onde está a Verdade?

Está Nele e apenas Nele. Como proclamou o profeta Jeremias (10:10): "O Senhor D'us é Emet

(Verdade)". Estas palavras do profeta de Israel são repetidas com humildade e convicção pelos mestres da Cabalá e por todos os verdadeiros crentes.

Para eles, Emet e Emuná, "Verdade" e "Fé" (que têm a mesma raiz) juntas conduzem o homem à daat ha-Shem, o "conhecimento de D'us".

No entanto, o Rei Salomão, o Sábio, lembra-nos que "a glória de D'us é esconder as coisas..." (Provérbios 25:2). O Zohar nos ordena que terminemos este capítulo com as mesmas palavras

com as quais nos permitiu começar: "Ha-Sod hu ha-iessod", "O mistério é o fundamento".

Ele é o fundamento de todas as coisas e tudo é um mistério. continua