a roma antiga e seu poder militar - parte iii

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A Roma antiga e seu Poder Militar IV-1 1 PARTE III A N E X O S

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Parte III do estudo sobre o Poder Militar da Roma Antiga

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PARTE IIIA N E X O S

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ANEXOS

Anexo A - As Guerras Púnicas 05

Anexo B - As legiões romanas 47

Anexo C - As guerras da Gália 125

Anexo D - As Guerras Civis 179

Anexo E - O Império romano e seus exércitos 207

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ANEXO AAS GUERRAS PÚNICAS

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As Guerras Púnicas

As “Guerras Púnicas” opuseram Roma a Cartago (cidade do Norte de África fundada por fenícios, a quem os romanos chamavam “Poeni”) e configuraram uma disputa cerrada pelo domínio do Mediterrâ-neo. Geralmente, divide-se este confronto – um dos mais prolongados do mundo antigo – em três etapas: a Primeira Guerra Púnica sucedeu entre 264 e 241 ACe centrou-se sobretudo na Sicília; a Segunda Guerra Púnica – a mais espetacular de todas, associada à figura do lendário general cartaginês Aníbal Barca – decorreu entre 218 e 201 AC e a Itália foi o seu palco principal; por fim, a Terceira Guerra Púnica circuns-creveu-se a uma pequena região do Norte de África, tendo demorado apenas três anos – de 149 a 146 AC.

As Guerras Púnicas constituem um marco importantíssimo na história de Roma. Em 264 AC, no início do conflito, Roma era uma potência exclusivamente itálica, mas 118 anos mais tarde tinha-se guinda-do a uma posição de domínio de toda a bacia do Mediterrâneo e avançava a passos largos para a criação de um império. Se Cartago tivesse triunfado, a história de Roma teria sido completamente diferente, e, muito provavelmente, a Europa em que hoje vivemos seria – ao nível da sua cultura, da sua língua, da sua tradição jurídica ou mesmo da sua religião – bem distinta.

Quinquerreme, o carro-chefe de Cartago para a obenção do domíno do mar Mediterrâneo.Ao despertar nos romanos a consciência do seu imenso potencial, as Guerras Púnicas incitaram-

-nos também a escrever a sua própria história; por isso, este é um dos conflitos mais bem documentados do mundo antigo. Todavia, os relatos que subsistiram até aos nossos dias são exclusivamente gregos ou romanos, não havendo nenhuma narrativa que nos forneça o ponto de vista cartaginês dos acontecimen-tos.

A fonte mais importante é a “História” de Políbio (c. 203 - 120 AC.), um grego que combateu contra Roma durante a Terceira Guerra Macedônica; tendo sido feito prisioneiro, Políbio foi um dos reféns en-viados para Roma, em 167 AC.; aqui, tornou-se íntimo de Cipião Emiliano, que acompanhou nas campanhas

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de África, da Hispânia e do Mediterrâneo Ocidental. A “História” de Políbio, de que sobreviveu apenas uma parte (até à batalha de Canas, em 216 a. C., com alguns fragmentos posteriores) visa explicar ao público de língua grega como é que Roma tinha conseguido dominar o Mediterrâneo; para escrever esta obra, bastante sóbria e analítica, o autor, que nutria grande admiração pelo povo romano, serviu-se de documentação variada, para além de ter podido falar com muitos participantes diretos na guerra contra Aníbal Barca.

Já Tito Lívio (59 AC - 17 DC.) escreveu a sua “História de Roma” muito mais tarde, com intenso sentido patriótico; a sua obra, de cunho mais dramático e sem a mesma exigência com as fontes, nem a mesma qualidade de informação técnica (Lívio não possuía a experiência militar de Políbio), também não nos chegou completa; porém, tem a vantagem de nos oferecer o relato mais longo da guerra contra Aníbal, até porque Tito Lívio teve acesso à obra completa de Políbio.

Para a Terceira Guerra Púnica, que não está coberta pelos relatos disponíveis de Políbio ou de Lívio, a fonte principal é Apiano (c. 95-c. 170 DC), um autor de origem grega, que escreveu em Roma na época do imperador Antonino Pio; a sua “História Romana”, organizada em 24 livros, parece ter-se base-ado na narrativa perdida de Políbio.

Outras fontes, menos relevantes para o nosso propósito, são Díon Cássio (163-235 DC., um sena-dor romano da região oriental da Grécia, que escreveu uma “História de Roma”, parcialmente perdida, que se prolonga até à época em que viveu), Plutarco (46-120 DC, escritor grego e autor das célebres “Vidas Paralelas”) e Cornélio Nepos (um autor de finais do Séc. I AC, que escreveu umas breves biografias de Amílcar Barca e do seu filho Aníbal).

Tanto quanto se sabe, foram alguns fenícios oriundos da cidade de Tiro (no atual Líbano) que, nos finais do Séc. VIII AC, fundaram a urbe de Cartago. Graças ao seu talento comercial, nos séculos seguintes a comunidade cartaginesa prosperou, em ambiente de concorrência com as colônias gregas, que iam surgindo um pouco por toda a parte (na Sicília, no sul de Itália, nas costas da Hispânia ou no sul da Gália). Na Sicília, cartagineses e gregos conheceram sucessos alternados, que ajudam a explicar a repartição de áreas de influência na ilha e a afirmação de capitães mercenários, ou de “tiranos” tais como Dionísio ou Agátocles.

A partir do séc. V AC, o poderio dos Púnicos aumentou também na África, graças ao fato de Car-tago ter deixado de pagar subsídios aos governantes líbios, ao controle das urbes fenícias da área (como Útica ou Adrumeto), à realização de viagens de exploração ao longo da costa norte africana, à travessia do estreito de Gibraltar e à implantação de novas feitorias. Com estes feitos, e ainda com o desenvolvimento de 2 colonatos no sul da Hispânia, a cidade de Cartago conquistou posições costeiras cruciais, assegurou o domínio de bons portos e construiu uma armada poderosa, por meio da qual começou a controlar as principais rotas comerciais de acesso ao Mediterrâneo ocidental.

A riqueza de Cartago não assentava, porém, apenas no comércio: tinha uma forte base agríco-la, resultado da exploração dos férteis terrenos norte-africanos, que ajudavam à prosperidade de uma aristocracia fundiária, enriquecida com o cultivo de muitos cereais, de uvas, de figos, de azeitonas, de amêndoas e de romãs, em quantidades que permitiam a obtenção de excedentes destinados à exportação.

Por volta do ano 300 AC, estima-se que Cartago controlasse já metade do atual território da

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Tunísia, ou seja, aproximadamente a mesma superfície territorial que Roma e os seus aliados dominavam (embora as terras sob o domínio púnico possuíssem um índice de produtividade mais elevado). Ao contrá-rio dos romanos, os cartagineses não tinham por hábito estender a cidadania e os direitos políticos aos povos das áreas que ficavam sob o seu controle; por isso, em Cartago, a guerra era, sobretudo, praticada por mercenários contratados pelo Estado, e não pelos seus abastados cidadãos.

Pensa-se que, inicialmente, Cartago teria sido uma monarquia de pendor religioso, mas sabemos que, no Séc. III AC, já tinha lugar a eleição anual de dois “sufetas”, que eram os principais funcionários executivos do Estado e que possuíam o poder civil e religioso, embora não detivessem o comando militar. Um Conselho de 30 anciãos (ou “Gerúsia”), com funções de assessoria e talvez extraído do “Conselho dos 104”, que o supervisionava, assim como uma Assembleia do Povo (dominada por um número restrito de famílias nobres) completavam o sistema político cartaginês, a quem os historiadores reconhecem hoje um equilíbrio interessante entre “monarquia” (sufetas), “aristocracia” (Conselho dos 104) e “democracia” (Assembleia do Povo). Certo é que, na década de 280 AC, Cartago se impunha como uma cidade riquíssima, controlando o comércio no Mediterrâneo ocidental e dominando as costas de África e da Hispânia, assim como as ilhas da Sicília, da Sardenha e da Córsega, entre outras.

Quanto a Roma, debelara na segunda metade do Séc. IV AC a última grande rebelião das outras urbes latinas, pusera fim à Liga Latina e estendera amplamente a cidadania romana – gerando cidades aliadas, que perdiam independência política, mas que obtinham grandes benefícios e que continuavam a poder gerir os seus assuntos internos. Até inícios do Séc. III AC., a expansão romana conheceu um ímpeto assinalável, devido também à submissão das 3 colônias gregas da Itália peninsular. Os recursos humanos da República e a capacidade integradora de Roma potencializavam um crescimento assinalável da escala da guerra e pareciam anunciar que, em breve, a cidade deixaria de ser uma potência meramente peninsu-lar. O conflito com Cartago tornava-se iminente, e nada mais lógico do que ser a ilha da Sicília – situada entre as duas potências rivais e um território estratégico para o controlo do comércio mediterrânico – a constituir o palco dos primeiros confrontos.

Em 289 AC, a morte de Agátocles, o tirano grego de Siracusa (a principal cidade do sudeste da Sicília), abriu uma crise política na ilha. Agátocles conquistara Siracusa entre 315 e 312 AC e, para afirmar o seu poder, para conseguir enfrentar os Cartagineses – que dominavam as partes sul e ocidental da Si-cília – e para alargar o domínio da sua cidade, apoiara-se em forças mercenárias. Entre estas, contava-se um bando de soldados da Campânia, descendentes das tribos montanhesas que, nos finais do Séc. V AC, tinham se estabelecido nas planícies desta fértil região do sul da Itália.

Com a morte de Agátocles, os mercenários da Campânia, desmobilizados, deslocaram-se para Messina, a principal urbe do nordeste da Sicília, que os acolheu, mas eles começaram a provocar danos, massacrando cidadãos, raptando mulheres, roubando diversos bens e utilizando a cidade como base para incursões contra alguns territórios vizinhos, aos quais iam impondo tributos e outros encargos. Por esta altura, os mercenários da Campânia tinham começado a designar-se a si próprios por “mamertinos” (mamertini), ou seja, “filhos de Marte”, o deus romano da guerra.

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A Primeira Guerra Púnica (264-241 a. C.)

Pouco tempo depois (em 280 AC), Roma iniciava a sua guerra contra Pirro, o rei grego do Epiro (atual Albânia), que tinha sido contratado por uma cidade grega da Calábria, Tarento, para combater os Romanos e as suas intenções de domínio do sul da Itália. A guerra contra Pirro, que se prolongou até 275 AC (data da vitória final dos Romanos, arrancada a ferros na batalha de Malvento), obrigou Roma a acautelar a proteção de algumas cidades suas aliadas. Uma dessas cidades foi Régio, localizada no lado oriental do estreito de Messina, onde os Romanos instalaram uma guarnição de 4.000 homens, chefiada por um oficial chamado Décio. Esta força era composta sobretudo por soldados da Campânia, fato que contribuiu para a sua revolta, em jeito de imitação dos seus parentes e vizinhos de Messina… Os homens de Décio logo começaram a maltratar os cidadãos de Régio, e Roma, absorvida pelo esforço da guerra contra Pirro e a cidade de Tarento, não teve condições para responder de pronto a este ato de traição.

Em 276 AC, Pirro, animado pelos seus sucessos iniciais na guerra contra os romanos (vitórias na batalha do rio Síris, em 280, e na batalha de Ásculo, em 279), tentou a sua sorte na Sicília, correspon-dendo a um apelo de Siracusa para que defendesse as cidades gregas da ilha. Apesar de espetacular, a investida do rei epirota acabou em fiasco, com uma derrota naval frente à poderosa frota de Cartago. No ano seguinte, Roma derrotou Pirro em Malvento e, três anos mais tarde (em 272 AC), Tarento caiu tam-bém nas suas mãos, confirmando o domínio romano sobre o sul de Itália. Assim, em 271 AC., os Romanos puderam, finalmente, ocupar-se de Régio, cidade que conquistaram depois de um longo cerco; a vingança foi cruel e os 300 soldados campanos capturados com vida foram executados no Forum de Roma.

Enquanto isso, na Sicília – território ainda estranho aos Romanos –, a situação dos mamertinos

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ia-se tornando cada vez mais difícil. Tanto mais que, em Siracusa, havia agora um novo líder, eleito pelo exército: Hierão, um soldado grego, experiente nas guerras contra as incursões italianas e um bom políti-co, que casara com a filha de um dos notáveis da cidade. À frente do exército de Siracusa, Hierão venceu os mamertinos em duas batalhas travadas em data incerta, entre 271 e 265 AC, primeiro junto ao rio Ciamosoro e, depois, de forma mais categórica, perto do rio Longano.

Neste contexto, em 265 AC, os mercenários da Campânia em Messina pediram ajuda a Cartago e a Roma. Bem implantada no sul e na parte ocidental da Sicília, Cartago acorreu rapidamente, através de um oficial chamado Aníbal, que comandava a esquadra púnica ao largo das ilhas Líparis (a nordeste da Sicília). Aparentemente, os Cartagineses teriam tentado ganhar algum tempo na sua posição perante Hierão, ao mesmo tempo em que tentavam uma aliança com os mamertinos, o que lhes permitiu ocupar uma parte da cidade de Messina; perante isto, Hierão, indisponível para fazer a guerra contra Cartago, retirou-se para Siracusa. Quanto aos romanos, parece que o Senado hesitou na posição a tomar: recusar a aliança com os mamertinos, apoiadores recentes do traidor Décio e dos rebeldes de Régio? Ou avançar para essa estranha aliança, tendo em conta o interesse em defender a supremacia de Roma no sul de Itália, tanto mais que se tratava de uma região de conquista recente e precária, devido às ligações entre as cidades helenísticas da Calábria e as comunidades gregas do sul da Sicília?...

Perante a hesitação do Senado, foram os cônsules eleitos em 264 (Ápio Cláudio Cáudice e Marco Fúlvio Flaco) que persuadiram o povo, nos Comitia Centuriata, a pronunciar-se a favor de uma expedição siciliana; a perspectiva de bons despojos deve ter atraído os cidadãos mais ricos, o que decidiu a votação. Deste modo, Ápio Cláudio tornou-se o primeiro líder romano a atravessar o mar com um exército (o outro cônsul ficou na Etrúria, vigiando os Volsínios). Provavelmente, os Romanos esperariam um confronto relativamente fácil com Hierão de Siracusa, e não propriamente uma guerra contra Cartago, assunto que a assembleia não deve sequer ter votado. No fundo, como lembra Políbio, tratava-se de aproveitar uma boa oportunidade, juntando uma campanha lucrativa e prestigiosa ao interesse subliminar (realçado por Díon Cássio) de travar Cartago, que após a queda de Tarento estava praticamente face a face com Roma.

Em 264 (ou 263) AC, os mamertinos expulsaram a pequena guarnição cartaginesa de Messina, e o tribuno Gaio Cláudio atravessou o estreito por duas vezes, durante a noite, para entabular negociações. Concretizada a aliança entre os Romanos e os mercenários, o cônsul Ápio Cláudio avançaria mais tarde, também de noite, para iludir a vigilância marítima da frota cartaginesa. Ao mesmo tempo, Roma enviou embaixadores a Siracusa e a Cartago, justificando a sua decisão de apoiar os mamertinos (em 279-278 AC, Roma e Cartago haviam assinado um tratado de apoio mútuo contra o rei Pirro, onde se regulavam as esferas de influência das duas potências e se prometia o desenvolvimento de relações amistosas entre ambas…).

Em resposta, Cartago e Hierão uniram-se para conquistar Messina e deter os romanos. O líder de Siracusa cercou a cidade, mas o assédio fracassou, graças a um ataque bem-sucedido de Cláudio ao acampamento grego e a uma vitória romana numa escaramuça contra os Púnicos; com isto, a aliança contra Roma desfez-se. Pouco depois, Cláudio devastou os arredores de Siracusa, regressando depois à Roma.

Os cônsules eleitos para 263 (Marco Valério Máximo e Mânio Otacílio Crasso) avançaram então

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para a Sicília, cada qual à frente de duas legiões e de duas “alas” de tropas auxiliares (ao todo, seriam cerca de 40.000 soldados). Os sucessos romanos não se fizeram esperar, e Valério Máximo acabou por vencer Hierão, que se rendeu e se tornou aliado de Roma. Este fato seria decisivo para a vitória romana, devido às dificuldades de abastecimento de que o exército já sofria, em resultado do bloqueio do estreito de Messina pelos Cartagineses. Hierão continuou à frente da cidade de Siracusa e, até ao final dos seus dias, permaneceria leal a Roma. Segundo Diodoro Sículo, na sequência dos acontecimentos de 263 AC, 67 cidades sicilianas passaram para o lado dos romanos. Roma entrara com o pé direito na guerra e, em perto de dois anos, conseguira garantir uma posição fortíssima na ilha até então dominada por gregos e púnicos!

Do outro lado, Cartago, cuja presença na Sicília já era secular e que de há muito se esforçava por dominar toda a ilha, via-se agora confrontada com um novo desafio. Porém, confiantes na sua experiência e no seu poderio naval, os púnicos contavam vencer Roma nesta primeira disputa direta entre as duas potências e não teriam sequer sonhado com uma guerra tão arrastada e tão renhida quanto aquela que veio a acontecer.

O primeiro episódio militar relevante da Primeira Guerra Púnica, após a aliança entre Roma e Hierão de Siracusa, foi a disputa pela cidade de Agrigento, situada a meio da costa sul da Sicília (isto é, bem frente a África) e que Cartago queria utilizar como sua base principal. No verão de 262, os Romanos (através dos cônsules Lúcio Postúmio Megelo e Quinto Manúlio Vítulo) cercaram Agrigento, defendida pelo general cartaginês Gisgão, à frente de uma pequena guarnição armada e de uma massa de habitantes e refugiados, que atingiria cerca de 50.000 almas. O bloqueio romano, facilitado pelo fato de que Agrigento não possuia um porto (ficava situada a alguns quilômetros da costa, num planalto), implicou a instalação de dois acampamentos fortificados, a construção de fossos e de fortins e o levantamento de uma linha de circunvalação e de outra de contravalação, para impedir o acesso à cidade. Os Cartagineses resis-tiram como puderam, através de sortidas e beneficiando-se de um socorro que lhes chegou através de Hanão, graças ao qual conseguiram atacar o abastecimento romano e cortar as linhas de comunicação adversárias. Durante algum tempo, Romanos e Cartagineses mantiveram-se acampados a cerca de 2 km de distância, com os púnicos a resistirem à idéia de travar uma batalha decisiva. No entanto, a situação dentro da cidade tornou-se de tal forma desesperada, que Hanão foi forçado a combater: a vitória sorriu aos romanos e, assim, sete meses depois do início do cerco, ou seja, já em 261 AC, Agrigento capitulou.

Esta importante vitória romana (que não teria sido possível sem o bom aprovisionamento garan-tido pela aliança com Hierão de Siracusa) animou o Senado a avançar para a tentativa de expulsão dos Cartagineses da Sicília. A guerra ganhava, pois, uma nova dimensão! Ciente de que não poderia alcançar o seu objetivo sem conquistar vantagem nos mares, o Senado romano tomou então uma decisão relevante: decidiu construir uma esquadra de guerra, que seria composta por cem embarcações “quinquerremes” (isto é, próprias para grupos-base de cinco remadores) e vinte “trirremes” (pensadas para grupos-base de três remadores). Os antecedentes romanos na guerra naval eram pouco expressivos, pelo que se optou por copiar um modelo de quinquerreme cartaginesa capturada perto de Régio. Em cerca de dois meses, a esquadra romana ficou pronta, tendo-se recrutado e treinado perto de 30.000 remadores.1

1 As quinquerremes levavam 300 homens, dos quais 20 marinheiros, e as trirremes levavam 200 homens, entre eles 30 marinheiros, oficiais e soldados) do seio dos cidadãos pobres, dos aliados navais e de outros

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Assim, enquanto o cônsul Gaio Duílio ficava ao comando das forças terrestres na Sicília, o outro magistrado eleito em 260, Gneu Cornélio Cipião, zarpou para a ilha à frente dos primeiros 17 navios. Che-gado a Messina, preparou a logística para a restante da armada, mas não evitou cair numa cilada naval em Lipara (ilhas Líparis), o que lhe valeu um dissabor e a alcunha de Cipião “Asina” (“burro”). Com o colega aprisionado, Duílio assumiu, em Messina, o comando da jovem armada. Teria sido por esta altura que os romanos introduziram nas suas embarcações uma importante inovação, o chamado “corvo”, que lhes seria muito útil nos primeiros combates navais: tratava-se de uma ponte para abordagem com cerca de onze metros de comprimento e um pouco mais de um metro de largura, munida de parapeitos laterais, a qual encaixava num mastro de cerca de sete metros instalado no convés; a ponte era içada ou rebaixada através de um sistema de roldanas, e o nome “corvo” advém do fato de a extremidade posterior do pon-tão estar equipada, na parte de baixo, com um poderoso espigão em forma de bico; o engenhoso sistema permitia girar a ponte de acordo com a direção do ataque do inimigo e possibilitava ao “corvo” ferrar o convés da embarcação adversária; depois, bastava aos soldados romanos atravessarem a ponte e invadirem a embarcação adversária, tirando partido da sua maior capacidade no combate corpo a corpo.

Graças a este dispositivo, Duílio tornou-se o primeiro general romano a vencer os Cartagineses no mar: foi na batalha naval travada em 260 a. C., ao largo de Milas, junto às ilhas Líparis, na costa nordeste da Sicília. Os Púnicos, liderados por Aníbal, tentaram evitar os “corvos”, flanqueando a linha romana e atacando pela popa, mas a esquadra latina manobrou a contento e conseguiu vencer; os Cartagineses perderam 40 a 50 navios, e Duílio pôde comemorar o primeiro triunfo naval romano.

Seguiram-se combates na Córsega, na Sardenha e na Sicília, durante o consulado de Lúcio Cor-nélio Cipião e de Gaio Aquínio Floro, em 259 AC. Neste ano, Lúcio Cipião ocupou a Córsega, dando início a um domínio romano, que se prolongaria por vários séculos. No ano seguinte, os romanos venceram um combate naval perto de Sulci, mas mais relevante e renhida foi a batalha naval travada ao largo de Tíndaris (perto de Milas), em 257 AC. Neste confronto, ocorreu algo fortuito, quando o cônsul Gaio Atílio Régulo venceu com dificuldade, tendo em vista os nove dos seus navios abalroados e afundados, contra dez navios púnicos capturados e oito afundados.

Em 256 AC, Roma decidiu mudar de estratégia e invadir a África cartaginesa. Os dois cônsules desse ano, Mânlio Vulsão Longo e Marco Atílio Régulo, partiram do cabo Paquino (no extremo sudeste da Sicília) com uma imensa esquadra de 330 navios e 140.000 homens, a que Cartago se opôs com uma frota de guerra composta por 350 navios e equipada com 150;000 homens (os números de Políbio estarão algo inflacionados, mas dão uma idéia da magnitude das forças em presença). Os Romanos desejavam desem-barcar na África (levavam 500 cavalos a bordo e muitos navios de transporte, rebocados por navios de guerra), mas os púnicos tentaram abortar este plano, forçando os adversários a travar um combate ao largo da Sicília.

Tal foi o cenário para a grande batalha naval de Écnomo (perto de Agrigento), provavelmente um dos maiores combates navais da história do Ocidente. Os Romanos se dispuseram em três linhas, formando um triângulo com uma fila de reserva posicionada mais atrás; Régulo comandava a ala direita e

povos itálicos. Quando se iniciou o ano de 260 AC., Roma estava apta a manobrar nos mares que envolvem a Sicília, com os navios equipados com robustos esporões para perfurar os cascos dos barcos adversários e as tripulações habilitadas a executar as manobras de abalroamento e de abordagem então praticadas.

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Vulsão a ala esquerda. Quanto aos Cartagineses, com Amílcar liderando ao centro, organizaram uma linha perpendicular à costa e um flanco esquerdo disposto em diagonal com terra; na direita, Hanão chefiava os navios mais rápidos, tratando de ultrapassar o flanco esquerdo romano para facilitar o envolvimento. O plano púnico consistia em fragmentar a compacta formação romana, para que as alas pudessem de-pois abater-se sobre a retaguarda e os flancos adversários; através de muitos pequenos reencontros, tentar-se-ia evitar os ataques frontais dos Romanos, por causa do “corvo”, ao mesmo tempo em que se privilegiaria a superioridade púnica nas manobras de abalroamento. O plano era bom, mas a vitória sorriu à Roma: depois de derrotarem Amílcar, ao centro, os cônsules conseguiram reunir navios suficientes e conduziram-nos em socorro do resto da armada; os cartagineses não encontraram antídoto para os “corvos” e, apesar de terem logrado dividir a frota adversária, não foram felizes na hora de abordar e capturar os navios romanos, talvez por levarem menos soldados a bordo.

Depois desta grande vitória, a frota romana regressou à Sicília, para reparar os navios e recu-perar as embarcações capturadas. Feito isso, Vulsão e Régulo zarparam para a África tendo, desta feita, conseguido alcançar sem dificuldade o cabo Bom (ao norte de Cartago) e desembarcado nas proximida-des da cidade de Áspis (a que os Romanos chamariam Clúpea), que ficava a leste da capital púnica. Áspis foi cercada e tomada pelos Romanos, seguindo-se alguns saques e outras conquistas menores na região (como Kerkouane, ligeiramente a norte), posto o que Vulsão regressou a Itália com o grosso da frota, enquanto Régulo permanecia em África com o exército terrestre (com 15.000 infantes e 500 cavaleiros),

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apoiado por 40 navios. Ameaçada de perto, Cartago organizou a sua própria defesa, sob o comando de Asdrúbal (filho de Hanão), de Bostar e de Amílcar (o comandante supremo da Sicília, que veio também apoiar). Desconhecemos os efetivos às ordens deste comando púnico tripartido, mas sabemos que dispu-nham de uma cavalaria numerosa e de muitos elefantes.

Confiante, Régulo avançou e, em finais de 256 AC, cercou Adis (ao sul de Cartago). Os púnicos re-agiram e empreenderam a construção de um acampamento fortificado numa colina sobranceira à cidade, num terreno acidentado (pouco conveniente para a cavalaria e para os elefantes). Perante a relutância dos comandantes cartagineses para arriscar uma batalha, Régulo optou por forçar o combate, organizan-do um ataque de surpresa ao acampamento inimigo, de madrugada. A ousadia foi recompensada, e a vitó-ria coube aos romanos, que avançaram logo para a captura de Tunes, que, por estar situada ligeiramente a sudoeste de Cartago, se tornou uma bela base de operações. Cartago estava agora à beira do colapso, tanto mais que travava simultaneamente uma luta renhida contra os reinos númidas!

Em finais de 256 e inícios de 255 AC, Régulo tentou negociar a paz, de modo a sair em ombros ainda antes do termo do seu mandato consular (as eleições realizavam-se em março). Contudo, as condi-ções que exigiu aos seus adversários foram tão leoninas, que Cartago as rejeitou e optou por reconstruir o seu exército durante o resto do inverno. Foi nessa altura que chegaram à capital africana 50 a 100 mercenários gregos, entre os quais Xantipo, um chefe treinado em Esparta, muito experiente na arte da guerra, que tratou de renovar o exército púnico e conduziu depois as suas forças (12.000 infantes, 4.000 cavaleiros e 100 elefantes) em busca de Régulo.

Foi assim que se deu a batalha de Tunes, em 255 AC, que veio a constituir a única vitória carta-ginesa em terra durante a Primeira Guerra Púnica. Os púnicos acamparam a apenas 2 km distantes dos romanos, e, crendo-os debilitados, Régulo optou por atacá-los sem cuidar de proteger a sua cavalaria (posicionada nos flancos e muito menos numerosa do que a adversária). Este erro, assim como o bom emprego dos elefantes alinhados ao centro, explicam a estrondosa derrota romana: só 2.000 soldados conseguiram escapar e o próprio Régulo foi aprisionado e torturado.

A vitória cartaginesa em Tunes operou uma reviravolta na guerra, que se estendeu à Sicília e à Numídia, onde Cartago reforçou as suas posições. A partir daqui, e até ao fim da Primeira Guerra Púnica, Roma não mais tentaria desembarcar um exército na África, limitando-se à realização de algumas in-cursões costeiras. Para agravar a situação, ainda em 255 AC, depois de uma bem-sucedida operação de resgate dos sobreviventes romanos de Tunes (com uma vitória naval no cabo Hermeu, a norte de Áspis), a esquadra romana sofreu um desastre no seu regresso à Sicília: desejando atemorizar as cidades da costa sudoeste da ilha, favoráveis a Cartago, como forma de induzir a defecção de algumas, a esquadra foi apanhada por uma tempestade nas proximidades de Camarina (no sul da Sicília); de entre 364 navios, só se salvaram 80!

Roma reagiu e, em apenas três meses de 254 AC, reconstruiu a sua frota. Assim, 220 navios (provavelmente já não equipados com o “corvo”, que, devido ao peso excessivo que causava na proa, pode ter contribuído para o desastre de Camarina) partiram da Itália para Messina, onde se juntaram aos 80 barcos sobreviventes; depois, atacaram e conquistaram Palermo – antiga Panormus, a cidade mais importante do noroeste da Sicília. Nesse ano, eram cônsules Cipião “Asina” e Aulo Atílio Caiatino, e a bem-

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-sucedida operação panormitana (as defesas foram penetradas no ponto mais próximo do mar e a cidade foi tomada de assalto) animou os Romanos. No ano seguinte (253 AC), organizou-se uma incursão à costa da África, que terminou em desastre, devido à ocorrência de uma nova tempestade, que apanhou a esqua-dra no seu regresso à Sicília (perto do cabo Palinuro, em Itália), o que levou à destruição de 150 navios…

Para compensar este novo dissabor, em 252 AC, os romanos conseguiram conquistar Lipara, ne-gando assim aos Cartagineses o controlo das importantes ilhas Líparis; no mesmo ano, Roma apoderou-se também de Termas (a sudeste de Palermo). Em 251 AC., os cartagineses reforçaram o seu exército na Sicília e, em finais de 250, Asdrúbal decidiu avançar sobre Palermo, contra Lúcio Cecílio Metelo, o coman-dante romano da praça. Metelo, que fora cônsul no ano anterior, organizou bem a defesa e, simulando relutância em combater, atraiu os Cartagineses para junto da muralha; a manobra causaria o desastre das tropas de Asdrúbal, com os elefantes massacrados por tiros disparados a partir das muralhas, com a realização de sortidas letais e com o destacamento de velites (infantaria ligeira) no exterior dos muros, fustigando os soldados púnicos. Foi o último grande combate terrestre desta guerra, e o seu resultado encorajou os Romanos que, ainda em 250 AC, decidiram cercar Lilibeu, uma importante praça na zona ocidental da Sicília, perto das ilhas Égates.

Este assédio foi aparatoso, tendo envolvido dois exércitos consulares e uma esquadra de 200 navios. Os cônsules desse ano eram Gaio Atílio Régulo e Lúcio Mânsio Vulsão Longo, dois repetentes. A operação envolveu diversas obras de cerco e a construção de aríetes, com especialistas fornecidos à Roma por Hierão de Siracusa. Os Cartagineses defenderam-se bem, sob a liderança de Himilcão, fazendo sortidas bastante eficazes contra o acampamento e as máquinas de guerra romanas; nestas circunstân-cias, o cerco arrastou-se. A marinha romana conseguiu bloquear o porto, mas Aníbal ludibriou o bloqueio e abasteceu Lilibeu com mantimentos e com 10.000 mercenários. Um outro Aníbal, conhecido por “o Ródio”, também enganou diversas vezes a marinha inimiga e garantiu contactos com Cartago e algum aprovisionamento. Por fim, o exército romano conseguiu bloquear Lilibeu com rochas e entulho e impediu uma passagem que conduzia ao porto; nesta altura, uma veloz quadrirreme púnica que ali se encontrava encalhada foi apreendida e passou a servir de navio patrulha, tendo acabado por aprisionar o próprio “Ródio”. O cerco prosseguia, mas a vantagem romana era evidente, apesar das baixas; para consolidar posições, o Senado enviou mais 10.000 remadores para a Sicília.

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Como forma de pressionar a resistência cartaginesa em Lilibeu, no ano seguinte (249 AC.) o cônsul Públio Cláudio Pulcro decidiu atacar a base púnica de Drépane (a norte de Lilibeu), o que resultou em uma nova batalha naval que terminou com a vitória cartaginesa. Aderbal, o almirante de Cartago, aper-cebendo-se da aproximação dos romanos, acelerou e fez-se ao mar, para não ser encurralado no porto; conseguiu o seu objetivo por um triz, circulando a remos, com os barcos em fila indiana, enquanto os adversários entravam no porto pelo lado sul… A manobra, de todo inesperada, lançou a confusão no seio da esquadra romana, que reagiu e acabou por conseguir formar uma linha de batalha, com os esporões apontados ao mar alto; contudo, Aderbal flanqueou a posição romana e obrigou os inimigos a combater de costas para terra.

Esta foi a única derrota significativa da marinha romana em toda a guerra; ao todo, devem ter estado envolvidos no combate de Drépane de 100 a 130 navios, de cada lado. A derrota romana deve ter se devido ao fato de os barcos terem sido forçados a combater numa posição muito ingrata, com as popas perto da costa, sem poderem evitar o combate e ganhar velocidade; além disso, os navios romanos já não deviam dispor do “corvo”, um grande inimidor dos ataques frontais. Assim, pela primeira vez, Cartago pôde pôr em campo a sua perícia no abalroamento, com os barcos atingindo os adversários e, depois, recuando sem risco de serem enganchados. Os navios romanos não tiveram espaço para manobrar e para evitar os esporões inimigos, ou para se auxiliarem mutuamente: muitas embarcações foram ao fun-do, encalharam ou foram simplesmente abandonadas, e só trinta conseguiram escapar, incluindo o navio almirante de Cláudio Pulcro (que seria mais tarde julgado em Roma, por alta traição).

Ainda em 249 AC, registrou-se um outro desastre romano no mar: o parceiro consular de Pulcro, Lúcio Júnio Pulo, comandava um comboio de 800 cargueiros escoltados por 120 navios de guerra, que transportava cereais para o cerco de Lilibeu; a caminho da Sicília, este comboio desorganizou-se, tendo uma parte dele sido atacada pelos cartagineses (comandados por Cartalão) enquanto a outra, com o côn-sul Pulo, foi apanhada por uma tempestade surgida depois do cabo Paquino, tendo-se despedaçado contra a costa. Depois destes acontecimentos infelizes, o Senado suspendeu durante algum tempo a opção pela guerra naval e nomeou Aulo Atílio Caiatino como ditador, tendo este antigo cônsul assumido pessoalmente o comando do exército da Sicília.

O ano de 248 AC conheceu a continuação dos assédios romanos a Lilibeu e a Drépane. Em 247, entrou em cena Amílcar Barca, na opinião de Políbio, o comandante mais talentoso de toda a Primeira Guerra Púnica. Amílcar instalou-se perto de Palermo, na colina de Hercte, uma base bastante segura e que dominava um bom ancoradouro. Durante três anos (até 244 AC.), combateu rijamente os romanos na Sicília, tendo obtido uma série de vitórias, mas de pequena escala e sem influência decisiva. No ano de 244 AC, Amílcar Barca tomou a cidade de Érix (na zona ocidental da Sicília, muito perto de Drépane), graças a um ataque de surpresa. Até ao termo da guerra, ele manteria esta posição, com pequenos sucessos obtidos em incursões pontuais: o fato de Cartago estar também em guerra com as tribos indígenas do Norte de África deve ter privado Amílcar dos efetivos necessários à manobras mais ambiciosas.

Aos poucos, as operações terrestres na Sicília tornaram-se quase irrelevantes e, perante o arras-tar do onflito, em finais de 243 ou já em 242 AC, Roma decidiu reconstruir a sua frota. Foram fabricados 200 quinquerremes copiadas (com adaptações) do navio de Aníbal “o Ródio” capturado em Lilibeu. Isto

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permitiu a um dos cônsules de 242, Gaio Lutácio Catulo, acompanhado pelo pretor Quinto Valério Faltão, atuar com sucesso na Sicília: apoderaram-se do porto de Drépane e isolaram a vizinha Lilibeu por mar, impedindo também que Amílcar Barca continuasse a ser abastecido por via marítima. Ao mesmo tempo, investiram no treino da esquadra, numa fase em que Cartago tinha a sua marinha meio adormecida e parece ter levado demasiado tempo a reunir equipagens para 250 navios, que foram finalmente enviados para a Sicília a fim de abastecer as guarnições púnicas e de, sob o comando de Hanão, enfrentar o inimigo.

No primeiro trimestre de 241 AC, as duas frotas rivais estavam posicionadas ao largo das ilhas Égates, na região mais ocidental da Sicília. Os Cartagineses, agrupados na ilha mais a poente (a “Sagra-da”), aguardavam vento favorável para poderem rumar a Érix sem serem notados, mas Catulo, avisado, deslocou-se para outra das ilhas. A 10 de março, Hanão foi favorecido pelo vento ocidental que tanto desejava e decidiu avançar. Coube então a Catulo tomar uma decisão difícil: interceptar a esquadra púnica (navegando contra a ondulação e expondo-se a mais um desastre natural) ou protelar o ataque e permitir, com isso, que Hanão e Amílcar Barca reunissem as suas forças? Catulo decidiu arriscar, e daí resultou a famosa batalha naval das ilhas Égates, que terminaria com a vitória da esquadra romana, composta por embarcações mais rápidas e mais facilmente manobráveis, logo mais bem preparadas para o abalroa-mento. Tanto quanto se sabe, os romanos afundaram 50 navios púnicos (20 dos quais com a tripulação toda a bordo) e capturaram outros 70; do lado romano, registraram-se 30 embarcações afundadas e ou-tras 50 danificadas. Especialmente impressionantes foram os números dos prisioneiros púnicos: Políbio calcula-os em 10.000, enquanto outras fontes os situam entre os 4.000 e os 6.000; ao que parece, não foram mais porque, a meio da batalha, o vento virou para leste e permitiu que muitos navios cartagineses escapassem.

Obtida esta vitória, Catulo insistiu no cerco a Lilibeu. Nesse momento, porém, desprovida de navios de guerra e sem recursos humanos para prosseguir a luta, Cartago pediu a paz, que seria negociada entre o cônsul romano e um oficial de Amílcar Barca, de nome Gisgão. Estava-se ainda em 241 AC. e Catulo queria concluir a guerra o mais depressa possível, antes de o seu mandato acabar, motivo que teria facilitado a conciliação das partes, que depressa acordaram em quatro cláusulas principais: abandono da Sicília pelos cartagineses; compromisso entre os dois opositores de não fazerem a guerra aos aliados do outro; liber-tação gratuita dos prisioneiros romanos e resgate dos detidos cartagineses; e pagamento, por Cartago, de uma indenização de 2.200 talentos. Todavia, em Roma, os Comitia Centuriata acharam as cláusulas brandas e agravaram a indenização para 3.200 talentos (dos quais 1.000 pagos de imediato), além de obrigarem Cartago a evacuar todas as pequenas ilhas existentes entre a Sicília e África…

Roma não só vencera a guerra como alcançara o seu objetivo mais ambicioso: expulsar os cartagi-neses da Sicília! Cartago deixava de poder dominar o Mediterrâneo ocidental, embora se mantivesse forte ma África, na Hispânia e na Sardenha. Roma não tentou integrar Cartago na sua rede de “aliados”, mas cerca de 227 AC seria nomeado um governador para a Sicília, que assim se tornou a primeira “província” romana.

Com o termo da Primeira Guerra Púnica, a situação política em Cartago deteriorou-se, e em 240 eclodiu a “Guerra Mercenária”, que se prolongaria por três anos. Os veteranos sicilianos de Amílcar Barca sentiram-se traídos por Cartago (que tentou reduzir o soldo inicialmente acordado) e revoltaram-se.

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Eram cerca de 20.000 mercenários liderados por um líbio, por um escravo fugido da Campânia e por um gaulês, e conseguiram recolher fortes apoios no seio do campesinato líbio (farto de impostos e do recrutamento militar cartaginês) e entre os príncipes da Numídia. A revolta se alastrou e levou mesmo ao bloqueio de Cartago: a cidade viu-se desejosa em deter a insurreição, e valeu-se da força e do talento de Amílcar Barca para sanar o conflito. Finalmente, em 237 AC, a rebelião foi esmagada com inusitada crueldade.

Durante esta crise, Roma começou por não se aproveitar da situação e até ajudou Cartago, proi-bindo os mercadores romanos na África de abastecer os mercenários e autorizando a devolução gratuita dos prisioneiros púnicos ainda retidos. Porém, em 240-239 AC os mercenários púnicos da Sardenha também se revoltaram, acabando por ser expulsos da ilha em 238 ou em 237; fugiram para Itália e abor-daram o Senado, solicitando o seu auxílio. Então, Roma não resistiu e enviou uma expedição militar para ocupar a Sardenha. Perante os protestos de Cartago, os Romanos ameaçaram com uma nova guerra, que os púnicos, obviamente, não estavam em condições de travar…

Deste modo, poucos anos depois da paz de 241 AC, Cartago foi obrigada a capitular uma segunda vez: aceitou a conquista romana da Sardenha e da Córsega e comprometeu-se ao pagamento de uma in-denização adicional de 1.200 talentos. Como seria de esperar, este oportunismo romano gerou um intenso rancor em Cartago. Enquanto isso, Roma entregou-se, na década de 230, à conquista da Sardenha, que se revelaria bastante árdua, devido à forte resistência sarda.

Com a Sicília, a Sardenha e a Córsega perdidas, Cartago virou-se então para a Hispânia. Amílcar Barca foi enviado para administrar esta província púnica – no início, uma pequena província, que cobria apenas uma pequena área no sul, com o seu coração em Gades, na foz do rio Bétis. Até 229 AC, Amílcar – que partira, talvez saturado da incompetência da velha aristocracia púnica e desejoso de exercer um comando militar ilimitado – promoveria uma expansão assinalável da presença cartaginesa na Hispânia. Mas, em 229 AC, ele foi morto numa emboscada perpetrada pela tribo celtibérica dos Oretanos, e a lide-rança cartaginesa passou para as mãos do seu cunhado e vice-comandante, Asdrúbal. Este prosseguiu o programa expansionista (embora com mais diplomacia: chegando, mesmo, a casar-se com uma princesa hispânica), mas acabou por ser assassinado, em 221 AC. Neste contexto, o exército cartaginês da Hispânia entregou o comando ao filho mais velho de Amílcar: Aníbal Barca, que contava, então, com 26 anos de idade. Em Cartago, a Assembleia do Povo ratificou esta eleição, que mudaria por completo o curso do conflito entre romanos e cartagineses.

Os Barcas construíram na Hispânia uma espécie de principado semi-independente, assentado num exército bem preparado e leal à sua família, que governava em proveito próprio mas sem nunca perder de vista a idéia de uma desforra sobre os romanos. Nesta Hispânia distante, onde os celtiberos se haviam instalado a norte, os iberos ao centro e ao sul, e os lusitanos a oeste, os Barcas fundaram cidades impor-tantes, entre as quais Nova Cartago (a atual Cartagena), na costa sudeste da península.

Roma observava com apreensão o expansionismo púnico na Hispânia e procurava impor-lhe limi-tes. Em 226 AC, o Senado, talvez preocupado com a sua velha aliada Massília (Marselha), impôs a Asdrúbal a promessa de não se expandir para além do rio Ebro, que passa em Saragoça e desagua ao sul de Barcelona. Ao mesmo tempo, Roma, enquanto procurava expandir-se para fora da península itálica (cf. as

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guerras de 228 e 219 AC, na Ilíria, a pretexto da pirataria), assumia como principal preocupação o controle do Norte da Itália, onde as tribos gaulesas viviam em tensão permanente com as colônias latinas aí ins-taladas à força, em especial depois da lei agrária do tribuno da plebe Gaio Flamínio, aprovada em 232 AC.

Em 225 AC, uma grande revolta tribal encabeçada pelos boios e pelos ínsubres conduziu à invasão da Etrúria por 70 000 guerreiros, obrigando Roma a um esforço suplementar, que seria recompensado pela vitória obtida na batalha de Télamon pelos cônsules Lúcio Emílio Papo e Gaio Atílio Régulo. Nos anos seguintes, deram-se mais vitórias consulares no Norte de Itália, e o próprio Flamínio venceu os ínsubres e os cenomanos, em 223 AC. Um ano depois, o Senado rejeitou a paz com os gauleses e Marco Cláudio Marcelo forçou o levantamento do cerco de Clastídio e matou em combate singular o rei gaulês Britoma-ro, enquanto, pelo seu lado, Gneu Cornélio Cipião tomava de assalto Milão – a capital dos ínsubres. Estes sucessos levaram a uma rendição tribal generalizada e à instalação de novas colônias romanas no Norte de Itália: Cremona e Placência, nas margens do rio Pó, ambas pensadas para 6.000 colonos. O que o êxito militar romano não aplacou foi o ressentimento profundo dos gauleses, obrigados a ceder à Roma terras de primeira qualidade. Talvez isto nos ajude a compreender melhor os episódios da primeira fase da Segunda Guerra Púnica e o lendário sucesso da campanha itálica de Aníbal Barca…

A Segunda Guerra Púnica (218-201 a. C.)

Aníbal Barca entregou-se por completo à ideia de construir na Hispânia um exército capaz de cumprir o sonho mais ambicioso do seu pai: fazer de novo a guerra contra os Romanos. Na Hispânia, os Cartagineses acederam a metal precioso em quantidade suficiente para financiar este plano e para recrutar um elevado número de bons guerreiros tribais.

Por isso, em 220 AC, quando eclodiu um conflito entre a cidade de Sagunto (perto de Valência), que seis anos antes se tinha tornado aliada de Roma, e uma tribo vizinha que era amiga de Cartago, Aníbal sentiu-se em condições de forçar o confronto: apesar dos protestos de Roma, cercou Sagunto, que aca-bou por capitular em finais de 219 ou já nos inícios de 218 AC, ao fim de oito meses de assédio. A população foi reduzida à escravatura e o Senado, furioso, exigiu que Cartago castigasse a ousadia do jovem Barca. Nos inícios de 218 AC, os dois cônsules em final de mandato (Lúcio Emílio Paulo e Marco Lívio Salinator) integraram uma embaixada ao Norte de África, chefiada pelo prestigiado senador Quinto Fábio Máximo. As fontes contam que Fábio levava nas dobras da sua toga a paz e a guerra, e que deixaria cair aquela que os Cartagineses escolhessem; o sufeta púnico, em ambiente de grande exaltação, exortou Fábio a que fosse ele a decidir, e o líder da delegação romana optou pela declaração de guerra, que os Púnicos aceitaram, acalentando a esperança de uma desforra exemplar.

Neste contexto, Aníbal começou a preparar a grande expedição. A ideia consistia em invadir a Itália por terra, a partir da Hispânia, atravessando o rio Ebro (o limite expansionista que havia sido imposto a Asdrúbal), entrando na Gália, cruzando os Alpes e atingindo, por fim, o Norte de Itália. O projeto era teme-rário, mas não deixava de ser compreensível, tendo em conta que o destroço naval sofrido por Cartago, assim como a perda das ilhas mediterrânicas mais importantes e a ausência de boas bases marítimas tornariam difícil conduzir uma nova guerra por mar. Além disso, Aníbal contaria com o apoio de muitas

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tribos gaulesas do Norte de Itália, ressentidas com Roma.No final da primavera de 218 AC, tendo deixado o seu irmão Asdrúbal à frente da província cartagi-

nesa da Hispânia, Aníbal Barca partiu de Nova Cartago com um exército de mais de 100 000 homens (c. 90 000 peões e 12 000 cavaleiros) e 37 elefantes. A maior parte destes homens, de diversas nacionalidades, provinha da península hispânica, incluindo muitos iberos, lusitanos e celtiberos. Tratava-se da maior hoste jamais reunida por Cartago, e o seu deslocamento implicava em um esforço logístico gigantesco e uma preparação minuciosa, que deve ter demorado perto de dois anos.

Não conhecemos o itinerário exato da hoste cartaginesa, que teria percorrido um pouco mais de 500 km até alcançar o rio Ebro, marchando em três colunas, para não congestionar as rotas e para faci-litar o abastecimento. A partir daqui, e até aos Pireneus, que cruzaria sagazmente no tempo das colheitas e já sem a sua bagagem mais pesada, Aníbal teve de enfrentar numerosos perigos e múltiplos ataques de tribos variadas. A determinada altura, o general optou por reduzir a sua hoste, mandando perto de 10 000 soldados hispânicos regressarem para casa, o que, somado às baixas e às deserções, fez com que entrasse na Gália com ‘apenas’ 50 000 peões e perto de 9.000 cavaleiros.

A travessia do rio Ródano, que deságua em Marselha, não foi fácil, devido à largura deste curso de água e à oposição de algumas tribos gaulesas que teve que ludibriar para concretizar a passagem (dos homens e dos elefantes!). Superado este obstáculo, Aníbal entrou em negociações com representantes das tribos gaulesas transalpinas, cuja colaboração seria essencial para a invasão do Norte da Itália.

Provavelmente, foi nesta altura que Aníbal teve notícia das movimentações militares dos Romanos. Esperando uma sequência de ataques na região mediterrânea, o Senado distribuíra os dois cônsules elei-tos em 218 AC de uma forma lógica: Tito Sempronio Longo que fora enviado para a Sicília, com o objetivo de invadir o Norte da África e pressionar a capital púnica; e Públio Cipião que fora mandado avançar para a Hispânia, de forma a atacar diretamente Aníbal, em resposta ao cerco e a tomada de Sagunto. Cipião viajou por mar de Pisa até Marselha, onde intencionava embarcar o seu exército para a península ibérica; porém, quando ali chegou, recebeu a informação de que os Cartagineses já haviam cruzado os Pireneus e atravessado o rio Ródano, a caminho dos Alpes! A notícia apanhou de surpresa os Romanos, habituados a uma postura bélica mais defensiva dos Púnicos, mas Cipião reagiu depressa e alterou os seus planos, tentando ir de imediato em busca do adversário. Tarde demais: prevenido da chegada da esquadra romana a Marselha, Aníbal acelerou a marcha e escapou por três dias... Com a bagagem principal já a bordo dos navios e com escasso aprovisionamento, os Romanos nada mais conseguiram do que travar pequenas escaramuças com alguns destacamentos de batedores ao serviço de Aníbal Barca.

Perante esta situação, Cipião, depois de contactado o Senado, entregou o comando da maioria das suas tropas ao irmão Gneu (que as conduziria depois, por via marítima, de Marselha até à Hispânia), re-gressando ele próprio a Itália, para assumir o comando das tropas do vale do Pó, em luta contra os Gaule-ses. Ao mesmo tempo, o Senado contatou o cônsul Sempronio Longo, dando-lhe ordens para abandonar a Sicília e para se vir juntar às forças de Públio Cipião, de modo que Aníbal tivesse uma recepção adequada…

Os Cartagineses, porém, foram mais rápidos do que os Romanos previam: no início de novembro de 218 AC, eles já iniciavam a travessia dos Alpes, beneficiado por um forte apoio logístico (cereais, armamento, botas e roupas quentes) proporcionado pelo líder de uma tribo gaulesa, Braneu, que Aníbal

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ajudara a firmar no trono. Na subida dos Alpes, o general foi obrigado a enfrentar a ameaça dos Alóbro-ges (repelindo ataques perigosíssimos em zonas de desfiladeiro e outras investidas, com os elefantes a desempenharem um papel de relevo) e a suportar a neve e o frio; as tropas estiveram à beira do colapso, e Aníbal viu-se desejoso de manter os níveis anímicos; a descida dos Alpes, já com a Lombardia à vista, foi ainda mais difícil, sobretudo para os animais, devido ao risco das avalanches. Finalmente, duas a três semanas após o início da travessia, isto é, em meados ou finais de novembro de 218 AC, o exército cartagi-nês alcançou as planícies ao sul das montanhas e entrou no Norte de Itália, pela região da atual cidade de Turim. Nessa altura, já seriam apenas 20.000 peões e 6.000 cavaleiros, ou seja, uma quarta parte daquilo que havia partido de Nova Cartago, cinco meses antes. O destroço fora grande, mas pode bem dizer-se que Aníbal conseguira a sua primeira vitória, logo tratando de engrossar a sua hoste (repleta de soldados experientes e leais aos Barca) com um grande número de guerreiros gauleses já em luta contra Roma.

Como os cônsules tinham demorado um tempo demasiado para concretizar as manobras ordena-das pelo Senado, Aníbal pôde enfrentar as forças de Públio Cipião ainda antes destas serem reforçadas pelas de Semprónio Longo. Foi junto ao rio Ticino, em novembro de 218 AC, que se deu o primeiro combate, travado sobretudo por forças de cavalaria. Os Cartagineses venceram de forma categórica e Cipião só escapou de ser morto graças ao socorro que lhe foi prestado, em desespero de causa, pelo seu filho Públio Cornélio, a quem a Fortuna reservaria um futuro grandioso.

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Os sobreviventes romanos fugiram para Placência, onde as tropas do cônsul Longo se lhes jun-taram poucas semanas depois. Foi perto desta cidade, junto ao rio Trébia, que, a 22 de dezembro, se deu uma nova batalha, opondo as forças de Aníbal (que já aumentara os seus efetivos para 28 000 peões e 10 000 cavaleiros) ao exército conjunto dos dois cônsules romanos, estimado em 36.000 a 38.000 infantes e 4.000 cavaleiros. Neste segundo combate, Aníbal pôde ocupar previamente o terreno e conseguiu es-conder cerca de 2.000 homens numa vala de drenagem, sob o comando do seu irmão Magão Barca; nas alas, o general cartaginês colocou a sua melhor cavalaria, enquanto 32 elefantes foram dispostos como reforço lateral da infantaria púnica. Quando a batalha começou, a infantaria legionária romana, posicio-nada ao centro, conseguiu alguma vantagem sobre a sua oposição direta; porém, nas alas, o combate foi desequilibrado, com os Cartagineses (em superioridade numérica) a ganharem vantagem desde muito cedo; liberta dos seus adversários, a cavalaria de Aníbal pôde depois envolver o exército inimigo pelos flancos, enquanto Magão saía da sua emboscada e se lançava sobre a retaguarda romana, assegurando a segunda vitória cartaginesa na Itália.

níbal manteve seu avanço e o Senado romano tremia perante a humilhação da sua arrancada para sul, devastando o país e atraindo cada vez mais gauleses, que reforçavam a hoste púnica com efetivos e com provisões. Chegou o inverno de 218-217 AC e a guerra acalmou um pouco. Mas, logo a seguir, Aníbal preparou-se para atravessar os Apeninos, o que levou o Senado a enviar os novos cônsules para con-trolar os dois possíveis itinerários cartagineses: Gneu Servílio Gemino foi estacionado em Arímino (atual Rimini), enquanto Gaio Flamínio se posicinou mais ao poente, na

Etrúria, junto às montanhas de Arécio. Todavia, Aníbal (que parece ter perdido um olho nesta

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operação) ludibriou uma vez mais os planos romanos: acelerou a sua marcha, seguiu por uma estrada imprevista (através dos terrenos pantanosos da Toscana, em torno do rio Arno) e, quando os cônsules deram por isso, ele já havia passado e se encontrava bem mais ao sul do que o esperado… Em resposta, Flamínio ensaiou uma perseguição da hoste inimiga, numa manobra que lhe seria fatal: informado pelos seus batedores, Aníbal, ao alcançar as margens do lago Trasimeno e já com os Romanos à vista, aprovei-tou a noite e o nevoeiro para voltar um pouco para trás e emboscar Flamínio junto à estrada principal. O ataque deu-se a 21 de junho de 217 AC, e dele resultou a chacina do exército de Gaio Flamínio (entre 25.000 e 30.000 homens) e a morte do próprio cônsul! A cavalaria do outro magistrado, Gemino, apareceu pouco depois, mas nada pôde fazer e ainda foi, ela própria, massacrada. É certo que os Cartagineses também sofreram baixas relevantes (1.500 a 2.000 homens), mas o saldo foi extremamente positivo e a operação revelou o gênio militar de Aníbal, que colocou o Senado à beira de um ataque de nervos…

Foi então que Roma decidiu nomear um ditador por seis meses. O escolhido foi Quinto Fábio Má-ximo, que já fora cônsul por duas vezes e que, do alto dos seus quase 60 anos, tinha grande experiência política e militar. Para auxiliar Fábio Máximo, como “mestre de cavalaria”, o Senado escolheu outro antigo cônsul: Minúcio Rufo. Os dois recrutaram e organizaram rapidamente um novo exército romano, aprovei-tando o que restara das legiões de Gemino e acrescentando novas unidades. Assim, Fábio e Rufo passaram a dispor de quatro legiões (um pouco menos de 20.000 homens, dos quais cerca de 7% a cavalo) e de quatro “alas” de tropas auxiliares (em número aproximadamente igual de soldados). Embora numeroso, tratava-se de um exército pouco experiente e frágil em cavalaria, devido também ao desastre sofrido no lago Trasimeno; por isso, Fábio Máximo optou por uma estratégia prudente, que lhe valeu a alcunha de Cunctator (“hesitante” ou “protelador”): ele acompanhou os movimentos de Aníbal no centro e ao sul da

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Itália, pressionou-o, acossou-o, fustigou a coluna cartaginesa com ataques cirúrgicos (notadamente os batedores e os destacamentos de aquisição de forragens e alimentos), mas evitou sempre travar uma batalha campal.

A certa altura, no final do verão de 217 AC, na região do Ager Falernus, na planície da Campânia, Fábio, um general arguto, vislumbrou uma boa oportunidade para emboscar Aníbal, quando este se prepa-rava para atravessar uma passagem estreita. Porém, o general cartaginês teve um improviso brilhante: durante a noite, enviou 2.000 bois transportando umas tochas atadas aos cornos para o desfiladeiro, simulando tratar-se da principal coluna cartaginesa, e iludiu os Romanos, que precipitaram um ataque pela encosta abaixo; na confusão que se gerou, produto também do pânico das cabeças de gado, a pas-sagem ficou temporariamente desimpedida e o grosso do exército cartaginês, devidamente formado em coluna de marcha e atento à oportunidade, atravessou incólume a garganta estreita… Quando, no fim do outono de 217 AC, chegou ao fim o mandato de Fábio Máximo, já o exército de Aníbal estava estacionado em Geronio, na Apúlia (no sudeste de Itália), onde organizou os seus aquartelamentos de inverno. O exército romano foi então confiado, de novo, ao cônsul Servílio Gemino e a Marco Atílio Régulo, que substituíra o cônsul Flamínio, morto no lago Trasimeno.

Como seria de esperar, o Senado passou grande parte do inverno de 217-216 AC a preparar uma grande campanha militar, capaz de acabar de vez com a ousadia da invasão púnica. Decidiu-se que os no-vos cônsules (Lúcio Emílio Paulo e Gaio Terêncio Varrão) deveriam avançar juntos desde o início, coman-dando alternadamente um imenso exército. Ambos os magistrados tinham experiência militar e política (Paulo já fora cônsul e fizera a guerra na Ilíria, e Varrão fora questor, edil e pretor) e pareciam capazes de desempenhar bem o seu papel. Ao seu dispor, teriam o maior exército jamais reunido por Roma: oito legiões ligeiramente aumentadas (cerca de 5.000 infantes por cada legião, em vez dos habituais 4.200, mais os 300 costumeiros cavaleiros) e oito “alas” de tropas auxiliares (com as mesmas forças de infan-taria, mas um pouco mais de cavalaria: cerca de 450 homens montados em cada “ala”); ao todo, perto de 80.000 peões e 6.000 cavaleiros! Uma parte desses homens provinha das forças reunidas e treinadas por Fábio e por Rufo, mas pelo menos quatro das legiões teriam sido recrutadas apenas em finais de 217 ou em inícios de 216 AC, pelo que teriam escassa experiência. Este enorme exército recebeu ordens expressas do Senado para enfrentar Aníbal e derrotá-lo em batalha campal; por isso, seguiu diretamente para a Apúlia, em busca do inimigo, que entretanto, se deslocara pela costa do Adriático e alcançara a povoação de Canas, onde se apropriara de um imenso depósito de provisões.

A 28 de julho, já depois da junção das forças militares dos novos cônsules às de Gemino (que permaneceu integrado no exército, como procônsul) e de Régulo (que pediu para regressar a Roma), Emílio Paulo e Varrão alcançaram as imediações de Canas. Tratava-se de um lugar protegido a sul por uma linha montanhosa, mas bastante aberta e plana ao norte, com muita área cultivada e sem árvores; foi aí que os dois magistrados traçaram o seu plano. Segundo explica Políbio, Paulo teria preferido combater numa região mais montanhosa, para contrariar a superioridade da cavalaria púnica, mas Varrão, atento ao problema do abastecimento e do deslocamento de uma hoste tão numerosa, optou por uma batalha quase imediata. Assim, a 29 de julho, dia em que era ele que comandava, Varrão avançou na direção do acampamento púnico, provocando alguma confusão e originando as primeiras escaramuças. No dia

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seguinte, Paulo mandou o exército romano aproximar-se um pouco mais e, a 30 de julho, Varrão ordenou a instalação de dois acampamentos: o maior na margem norte do rio Ofanto, o outro na margem sul, distante cerca de 1,5 km de distância.

Aníbal observou atentamente as movimentações romanas e respondeu transferindo o acampa-mento púnico para junto do principal arraial dos Romanos. A mensagem era clara: também o general cartaginês queria travar batalha! A 1º de agosto, Aníbal chegou mesmo a dispor o seu exército em linha de combate, mas Paulo declinou do convite; os Cartagineses, então, retiraram-se, não sem antes a cavalaria númida fazer uma incursão relâmpago contra o pequeno acampamento romano instalado do outro lado do rio, lançando o pânico e desmoralizando as tropas aí acantonadas.

Finalmente, chegou o dia do combate de Canas (2 de agosto), uma das maiores batalhas do mundo antigo e a maior derrota da história de Roma. Com Varrão no comando, o exército romano formou as suas linhas para lutar; cerca de 10.000 homens (talvez uma legião e uma “ala”) ficaram na guarda do acam-pamento principal, enquanto outros 3.000 (porventura não combatentes, semi-armados) guardavam o pequeno acampamento da margem sul do Ofanto. O resto das tropas foi disposto entre o curso de água (que protegia o flanco direito romano) e o sopé da montanha de Canas (que defendia o flanco esquerdo). O espaço era acanhado (a frente romana, virada para oeste teria só de 2 a 3 km), mas a solução encontrada por Varrão tinha a vantagem de dificultar o envolvimento pelos flancos. A distribuição das tropas obede-ceu ao esquema tradicional: infantaria pesada ao centro (sete legiões e sete alas, com 70.000 homens, sob o comando de Gemino); a cavalaria romana à direita (2.400 homens, liderados por Paulo) e a cavalaria aliada à esquerda (3.600 homens, chefiados por Varrão).

O plano de batalha romano consistia em apostar tudo no centro e atribuir às alas um papel de resistência: ou seja, a infantaria legionária decidiria o combate na zona nuclear do campo de batalha, enquanto as alas poderiam soçobrar, sim, mas o mais tarde possível, para fixar a poderosa cavalaria inimiga e proibi-la de atuar noutras zonas do terreno até a infantaria legionária completar o seu trabalho. O ponto mais fraco do dispositivo tinha que ver com a profundidade anormal das linhas romanas (entre

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140 e 160 metros), em resultado da estreiteza do campo de batalha, que obrigava o encurtamento dos intervalos entre as manípulas (os corpos de 120 homens em que se decompunha cada uma das três linhas de uma legião: os Hastati, Principes e Triarii); esta disposição facilitaria o amalgamamento das tropas durante o combate, dificultaria o comando das unidades e roubaria a flexibilidade tática. Porém, essa mesma profundidade trazia vantagens: estando, na sua maioria, distantes da linha da frente, os homens sentir-se-iam mais seguros, e também avançariam de forma mais organizada, sem se deixarem afetar pelas irregularidades do terreno.

A esta tática respondeu Aníbal com um dispositivo genial, que ainda hoje é estudado nas acade-mias militares. Na ala esquerda, colocou a sua cavalaria pesada, hispânica e gaulesa, sob o comando de Asdrúbal: 6.000 homens, a quem caberia enfrentar, em condições de grande superioridade, os 2.400 cavaleiros de Paulo; na ala direita, chefiada por Maárbal (ou por Hanão), posicionou a cavalaria ligeira: 3 a 4 mil Númidas, que se oporiam, de forma equilibrada, aos 3.600 cavaleiros itálicos ao serviço de Varrão; ao meio, Aníbal dispôs 32.000 peões: 24.000 hispânicos e gauleses ficaram sob o seu comando direto e o de Magão, e dispuseram-se no veio central do terreno, em forma de meia-lua, com o centro avançado e formando uma cunha na direção da infantaria legionária romana, como que convidando-a a atacar; os restantes 8.000 peões (a forte infantaria líbia) foram dispostos de forma sublime, em dois corpos de 4.000 homens colocados nas zonas laterais do centro, mas em posição recuada e, provavelmente, sem possibilidades de serem avistados pelos Romanos na fase inicial do combate!

Quando a batalha começou, depois das habituais escaramuças entre os corpos de infantaria li-geira (velites romanos contra dardeiros líbios, escudeiros hispânicos e fundibulários das ilhas Baleares ao serviço de Aníbal), Asdrúbal, no flanco esquerdo, atacou de imediato a cavalaria romana de Paulo e depressa a varreu do campo de batalha; esta manobra fez ruir, logo no início, uma parte do plano de ba-talha romano e obrigou Paulo, ele próprio ferido, a escapar com os homens que pôde para a zona central do terreno, onde se juntaram às forças de Gemino. Liberta de oposição direta, a cavalaria de Asdrúbal foi juntar-se ao corpo chefiado por Maárbal, que já travava, no outro flanco, uma luta renhida com os cava-leiros aliados de Roma, comandados por Varrão. A chegada deste reforço desequilibrou a contenda nessa ala e forçou o cônsul romano a fugir. Nesse momento, Asdrúbal ordenou aos númidas – cavaleiros muito ágeis e velozes – que perseguissem os adversários e os impedissem de se reagrupar e de regressar ao campo de batalha; enquanto isso, continuou a sua manobra e foi atacar pela retaguarda o corpo central do dispositivo romano!

Entretanto, ao centro, os legionários de Gemino, atraídos pela cunha adversária e confiantes na sua superioridade no combate corpo a corpo, atiraram-se contra a infantaria de Aníbal e de Magão; ganharam vantagem e obrigaram-na a recuar. Com esta movimentação, a cunha avançada inverteu-se e ganhou, aos poucos, a forma de um U, resultado da pressão dos poderosos legionários romanos e, quiçá, de uma manobra intencional dos Púnicos, visando aplicar o famoso golpe de “tenaz”. Quando a infantaria pesada romana parecia já cantar a vitória, abateu-se sobre ela um verdadeiro pesadelo: os dois corpos de infantaria líbia, escondidos nas zonas laterais do centro, atacaram os Romanos, um de cada lado, ao mesmo tempo em que Asdrúbal surgia na retaguarda e fechava o cerco! Envolvidos por todos os lados, sem espaço para manobrar, comas manípulas já misturados umas com as outras e o famoso vento vultur-

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no soprando fortes rajadas de sudeste, que parece terem levantado muita poeira e incomodado bastante os soldados romanos, os legionários lutaram o melhor que puderam, venderam cara a derrota, mas não escaparam à chacina: neste campo de batalha, onde naquela tarde de calor intenso se defrontaram perto de 130.000 homens e cavalos, em menos de sete ou oito quilômetros quadrados (!), pereceram 50.000 soldados romanos (mais de metade do maior exército jamais reunido por Roma), incluindo o cônsul Lúcio Emílio Paulo, o procônsul Servílio Gémino, o antigo mestre das milícias de Fábio Máximo, Minúcio Rufo, dois questores dos cônsules, 29 dos 48 tribunos militares e ainda 80 personalidades de alto gabarito (entre as quais numerosos senadores). Do lado cartaginês, Políbio refere-se a 5.700 mortos (cerca de 11,5 % dos efetivos), enquanto Lívio fala em 8000 baixas (16 %). Dos que sobreviveram, muitos escaparam para Canosa, localidade onde, por iniciativa de Varrão e de quatro tribunos (entre os quais o jovem Públio Cor-nélio Cipião e o filho de Fábio Máximo), se concentrou o reagrupamento romano. Ao fim de alguns dias foi, por isso, possível formar duas novas legiões, cada qual com 5.000 homens, o que evitou males maiores.

Claro que a notícia do desastre de Canas caiu, tal qual uma bomba, em Roma. Ao sentimento de humilhação e ao luto público pelos falecidos (algo que o Senado depressa limitou a 30 dias), somava-se a angústia sobre o que Aníbal iria fazer a seguir: pretenderia ele atacar Roma? E, se o fizesse, estaria a capital em condições de lhe resistir?

Mas Aníbal, apesar de pressionado por alguns dos seus oficiais, optou por se manter no sul da Itália. Roma ficava distante mais de 400 km, os homens estavam exaustos, não dispunha de máquinas de cerco, e a sua intenção não era conquistar a capital: Aníbal pretendia ‘apenas’ alargar o seu número de aliados na Itália, de modo a isolar Roma e a obrigá-la a assinar um tratado claramente favorável a Cartago, apagando a nódoa do acordo de 241 AC. Portanto, depois de enterrar os seus mortos e de cuidar dos seus feridos, Aníbal mandou uma embaixada a Roma, com 10 dos 8.000 cidadãos romanos capturados, para negociar os resgates e, se possível, a paz. Mas enganou-se: Roma, tendo consultado o oráculo de Apolo em Delfos, castigado duas virgens vestais e feito alguns (raros) sacrifícios humanos, recusou rece-ber o emissário cartaginês e tão-pouco se interessou pelo resgate dos prisioneiros… A decisão desapon-tou Aníbal, que no entanto beneficiou-se da submissão de uma boa parte do sul de Itália em finais de 216 AC, fato que lhe permitiu começar a praticar um outro tipo de guerra, com diversas bases operacionais, embora também com mais aliados para proteger.

Entretanto, em Roma, multiplicavam-se as medidas de reação à crise. Varrão foi mandado regres-sar e Marco Júnior Pera foi nomeado ditador, cabendo-lhe (e a Tibério Semprónio Graco, seu “mestre de cavalaria”) iniciar o processo de reconstrução do exército. Confirmando os enormes recursos humanos da República, rapidamente foram recrutadas duas novas legiões, incorporando jovens de 17 anos e escra-vos libertados e recorrendo a armamento invulgar, como troféus da guerra contra os Gauleses ou peças retiradas dos templos. No entanto, de imediato, não foi possível mobilizar mais de 1.000 cavaleiros, dada a sangria sofrida pela Ordem Equestre em Canas.

Nas eleições consulares de 215 AC, o voto recaiu em Lúcio Postúmio Albino e em Tibério Graco. Todavia, o primeiro, rapidamente, se deixou apanhar numa emboscada na Gália Cisalpina e acabou morto, juntamente com uma parte importante do seu exército. Por isso, foi substituído por Marco Cláudio Mar-celo, o experiente pretor que já havia sido cônsul e que tinha combatido na Sicília e na Gália Cisalpina. Em

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214 AC, Fábio Máximo e Marcelo foram eleitos novamente cônsules e, nos anos seguintes (em que foram sendo, intermitentemente, reeleitos), geriram o melhor possível, com êxitos e com derrotas secundárias, a guerra contra Aníbal, centrada na Apúlia e na Sicília.

Aníbal permaneceu na Itália até 203 AC, tendo obtido sucessos importantes e alguns reveses amargos. Por um lado, conseguiu que uma cidade como Cápua passasse para o seu partido (ao contrário de Nápoles e da maioria das cidades aliadas de Roma) e, em 215 AC, tomou Casilino (na costa oeste) após um cerco difícil, tendo entregado depois a cidade aos campanos, com uma guarnição reforçada; em 212 AC., tomou Tarento, na sequência de uma traição interna, e venceu os Romanos em Herdónia, na Apúlia central, contra o pretor Gneu Fúlvio Flaco e usando um estratagema do tipo utilizado no lago Trasimeno; em 210 AC, repetiu o triunfo em Herdonia, à custa do pretor Gneu Fúlvio Centumalo e com grandes baixas romanas; e, em 208 AC, emboscou mortalmente os cônsules Marco Cláudio Marcelo e Tito Quíncio Crispino.

Por outro lado, Aníbal viu Hanão sofrer dois desastres, o primeiro em 214 AC. (no rio Calor, no cen-tro de Itália, diante do cônsul Graco) e o outro em 212 AC (em Benevento, a leste de Cápua); além disso, em 214 AC, não pôde travar a reconquista de Casilino por Fábio Máximo, apoiado por Marcelo, seguindo-se-lhe a captura de Arpos; fracassou também na região de Nola e, sobretudo, não conseguiu evitar a capitulação de Cápua em 212 AC às mãos dos cônsules Ápio Cláudio Pulcro e Quinto Fúlvio Flaco, mau grado ter mar-chado sobre Roma em 211, para obrigar as legiões a se dispersarem. Dois anos mais tarde, viu Tarento ser reconquistada pelos Romanos, na última campanha militar de Fábio Máximo.

De uma forma geral, podemos dizer que Aníbal Barca teve razões para lamentar o fraco empenho dos seus aliados na guerra contra os Romanos: cada cidade opositora de Roma atuava por si própria, sem coordenação com as restantes, contando com o “guarda-chuva militar” proporcionado pelo exército cartaginês, o que fez com que tudo dependesse demasiado da intervenção do núcleo duro de Aníbal, que não podia acorrer a todos os perigos. Para ser inteiramente bem-sucedido, o general cartaginês teria precisado receber reforços significativos, e Magão Barca bem que os foi solicitar a Cartago, em finais de 216 AC. Porém, devido à falta de portos ou de bases navais sob controle púnico, e à presença dominadora dos Romanos na Sicília, isso só sucedeu por uma vez, em 215 ou 214 AC, quando Bomílcar e uma esquadra púnica conseguiram desembarcar tropas, elefantes e provisões em Lócrida, na Calábria. Assim, Aníbal foi ficando cada vez mais encurralado no sul de Itália, vendo os Romanos aumentarem o seu poderio militar (as legiões atingiram o número recorde de 23 em 212-211 AC, o que permitiu a existência de quatro a sete exércitos do tipo consular operando em Itália) e assistindo impotente à defecção de muitos antigos aliados.

Em nosso entender, as dificuldades de Aníbal ficaram também a dever em razão de alguns fatores ‘externos’, muitas vezes ignorados pelos historiadores. Os Cartagineses planejaram uma segunda invasão da Itália, a partir da Hispânia, protagonizada por Asdrúbal Barca, que estaria prevista para 216 AC, mas teve de ser adiada. Com efeito, em finais de 217, após se recuperar do ferimento sofrido no rio Ticino, Públio Cipião foi juntar-se ao irmão Gneu, que na Hispânia tinha já obtido alguns sucessos importantes (na região nordeste e na batalha de Cissa, perto de Tarragona, tendo capturado Hanão e a bagagem pesada que Aníbal deixara para trás antes da passagem dos Pireneus). Assim, as posições romanas na península ibérica tinham avançado bastante, ao norte do Ebro, o que manietou Asdrúbal. Na primavera de

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217 AC, este reagira com um ataque anfíbio que partira de Nova Cartago e que chegara à linha do Ebro, mas o almirante cartaginês, Amílcar, fora derrotado por Gneu numa batalha naval na foz daquele rio e, na sequência desta derrota, os Romanos tinham ampliado os seus aliados ibéricos, enquanto os Celtiberos devastavam o território cartaginês.

Em finais de 217 AC, Gneu e Públio Cipião (que levava ordens do Senado para atacar e que se fazia acompanhar por 20 a 30 navios de guerra e por cerca de 8.000 homens, com elevado número de provi-sões) cruzaram o Ebro e reconquistaram Sagunto.

Em 216 AC, Cartago reforçou a posição de Asdrúbal com o envio de tropas, para que este enfren-tasse os Romanos na Hispânia e, depois, se juntasse ao irmão na Itália. Porém, na primavera de 215, Gneu e Públio Cipião derrotaram Asdrúbal perto da cidade de Ibera (a sul do rio Ebro), travando uma segunda invasão cartaginesa da Itália.

A guerra hispânica entre Cartagineses e Romanos atingiu então um ponto alto, com Cartago a reforçar a sua posição através de Magão Barca (com forças inicialmente destinadas à Itália) e com Roma a instigar as rebeliões antipúnicas e a avançar inexoravelmente para sul. Nesta altura, os Cartagineses dispunham de três exércitos na Hispânia (o de Asdrúbal Barca, o de Magão e o de Asdrúbal Gisgão), mas a coordenação entre eles parece ter deixado a desejar. Ainda assim, quando de uma grande ofensiva ro-mana ocorrida em 212 (ou já em 211) AC, Asdrúbal Barca conseguiu aliciar os Celtiberos para a sua causa, enquanto o seu irmão Magão, juntando as suas forças às de Asdrúbal Gisgão e contando também com o apoio do jovem príncipe númida Masinissa (e da sua excelente cavalaria), derrotaram e mataram Públio Cipião em batalha. Depois, os três generais cartagineses juntaram-se e perseguiram Gneu Cipião, que acabou por tombar também, depois de uma resistência heróica. Assim, num só mês, os exércitos romanos da Hispânia tinham sido destruídos, tendo cabido a Lúcio Márcio (um tribuno ou centurião primus pilus) juntar os destroços e acantonar-se em algum lugar ao norte do rio Ebro, até receber algum reforço de Roma…

O Senado, ciente da necessidade de deter Asdrúbal e Magão Barca na Hispânia, reagiu depressa e enviou Gaio Cláudio Nero como novo comandante, que logo na primavera de 210 AC obteve uma pequena vitória sobre Asdrúbal Barca. No entanto, a reviravolta ocorreu sobretudo a partir de finais de 210 AC, quando o comando foi entregue a Públio Cornélio Cipião (o filho mais velho do cônsul de Ticino e Ibera), que tinha então 26 anos, mas já dispunha de muita experiência militar (como vimos, combatera em Ticino e em Canas); teria ele partido na qualidade de procônsul, sendo acompanhado por um forte exército de 28.000 infantes e 3.000 cavaleiros. Durante o inverno de 210-209 AC, começou a preparar meticulosamente o seu grande projeto: nada mais nada menos do que atacar Nova Cartago! Na primavera de 209, avançou por terra, enquanto o seu legado Gaio Lélio viajava por mar; o ataque à capital púnica na Hispânia foi bem-sucedido e esta rendeu-se após uma grande matança. Cipião continuou a treinar as suas tropas e, na primavera de 208 AC bateu Asdrúbal Barca na batalha de Bécula (na margem direita do Guadalquivir): apesar da superioridade posicional púnica, forçou o adversário a combater, envolvendo depois o seu exército pelos dois flancos.

Asdrúbal escapou com vida desta batalha, e foi então que decidiu sair da Hispânia em direção a Itália com o seu exército, servindo-se, provavelmente, da mesma rota utilizada pelo irmão Aníbal. Sucede,

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todavia, que os habitantes de Marselha preveniram os Romanos de que Asdrúbal pretendia cruzar os Alpes e entrar na Itália na primavera de 207! Após algum pânico, estes organizaram-se e o cônsul Marco Lívio Salinator, apoiado pelo pretor Lúcio Pórcio Lícino (com duas legiões colocadas perto de Arímino) e por Gaio Terêncio Varrão (o comandante romano de Canas, que liderava duas legiões na Etrúria) postaram-se à espera de Asdrúbal Barca no norte de Itália…

Asdrúbal chegou e cercou Placência, mas sem êxito; a partir daqui, enviou mensagens ao irmão, a quem esperava juntar-se na Úmbria (na Itália central). Todavia, estas missivas foram interceptadas pelos Romanos, que juntaram forças na zona de Senegália, no nordeste de Itália (perto da região do Piceno). O cônsul Gaio Cláudio Nero subiu então, com grande audácia e magnífica organização logística, desde a Apúlia até ao Piceno, sem que Asdrúbal Barca (acampado bem perto) desse pela manobra, e começou a preparar uma batalha campal, mas Asdrúbal, nessa altura, desconfiou e retirou-se para o rio Metauro (entre Arímino e Senegália). Os Romanos perseguiram-no e apanharam-no quando ainda montava o seu acampamento, tendo-se então travado a batalha do rio Metauro (207 AC). O combate terminou com a vitória romana (graças também a uma manobra de Nero, que se deslocou por trás da linha de batalha e envolveu o flanco direito inimigo) e com a morte de Asdrúbal Barca. Nesta batalha, os Cartagineses teriam sofrido perto de 10.000 baixas (os Romanos apenas 2.000) e tudo isto deitou por terra os planos de Aníbal, que confiava num bom reforço vindo da Hispânia.

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Para mitigar as dificuldades cartaginesas, dois anos mais tarde (em 205 AC) Magão Barca de-sembarcou perto de Gênova, com 2.000 cavaleiros e 12.000 infantes (alguns deles recrutados durante o inverno, nas Baleares), tendo depois recebido um reforço de 7 elefantes, 800 cavaleiros e 6.000 peões, assim como fundos para recrutar tropas entre as tribos lígures do noroeste de Itália. Aníbal certamente ansiaria por este reforço, mas que também não chegou ao seu destino: em 203 AC ,o pretor Públio Quin-tílio Varo e o procônsul Marco Cornélio Cetego, à frente de quatro legiões, forçaram Magão a combater no território dos Ínsubres; desse combate, resultou a derrota e a morte do mais novo dos irmãos Barca.

Um outro cenário exterior à península itálica que deve ser considerado é o da Sicília. Recuemos um pouco na cronologia: quando começou a Segunda Guerra Púnica, Roma dominava a ilha, a oeste e ao norte, e Hierão de Siracusa (o velho aliado dos 29 Romanos) ao leste e ao sul. Em finais de 216 AC, a

guarnição romana era formada pelos sobreviventes da batalha de Canas; no ano seguinte, Cartago quase conseguiu reconquistar a Sicília, valendo a intervenção do cônsul Tito Mânlio Torquato; nos inícios desse ano de 215 AC (ou ainda no ano anterior), faleceu também Hierão de Siracusa, tendo-lhe sucedido o neto, Jerônimo, ainda muito novo. Este fato abriu uma crise na ilha, e Jerônimo chegou a negociar com Aníbal, mas parece ter-lhe feito exigências não adequadas para se opor a Roma; não por acaso, Jerônimo foi assassinado ao fim de escassos 13 meses, e a sua família também…

Neste contexto, deu-se a ascensão na Sicília, em 214 AC., dos irmãos Hipócrates e Epicides, dois descendentes de um exilado siracusano que se fixara em Cartago; ambos se mostraram favoráveis a Cartago e, rapidamente, tomaram a praça de Leontinos (uma das cidades controladas por Siracusa), atacando as bases romanas. Roma reagiu através do cônsul Marco Cláudio Marcelo, que no mesmo ano recuperou Leontinos. Então, os dois irmãos apoderaram-se de Siracusa, enganando os soldados locais, e isso desencadeou uma guerra cruel entre Siracusa e Roma.

Na primavera de 213 AC, Marcelo (designado procônsul) e Ápio Cláudio Pulcro (propretor) ataca-ram Siracusa, com engenhos (pontes “sambucas”) instalados nos navios ao largo, para atacar as mu-ralhas. Porém, em Siracusa vivia um geômetra genial, o famoso Arquimedes, que inventou uma série de dispositivos engenhosos que frustraram os planos romanos. Marcelo tratou, então, de bloquear a cidade e devastou os seus arredores. A este ataque Cartago respondeu com o envio de um grande exército (25.000 infantes, 3.000 cavaleiros e 12 elefantes), chefiado por Himilcão: desembarcaram em Heracleia Minoa (na costa sul) e ocuparam Agrigento; Marcelo já não chegou a tempo de evitar esta manobra, ape-nas tendo conseguido derrotar Hipócrates no caminho.

Mais tarde, Hipócrates e Bomílcar (à frente da esquadra púnica) conseguiram romper o bloqueio romano a Siracusa, e Roma enviou reforços para Marcelo, mas ninguém ousava travar a batalha decisiva. Enquanto Cartago aliciava deserções a Roma (como no caso de Hena, no centro da ilha), os Romanos perdiam o seu grande depósito de provisões de Murgância (no centro-leste), mas insistiam no cerco a Siracusa.

Em inícios de 212 AC, perante o arrastamento da situação, Marcelo optou por um assalto-surpresa a Siracusa, que foi bem-sucedido; apesar disso, o bloqueio teve de prosseguir na zona da cidadela e do porto. Himilcão e Hipócrates, que tinham juntado as suas forças, ainda acorreram com um exército de so-corro, mas chegaram tarde demais; além disso, uma epidemia devastou o acampamento púnico no outono

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de 212 AC, matando os dois líderes! A situação melhorava para os Romanos, mas, ainda assim, a esquadra púnica, sob Bomílcar, continuava conseguindo abastecer Siracusa.

Neste contexto, e depois de os Cartagineses terem recusado uma batalha naval iminente no cabo Paquino, Epicides deu Siracusa por perdida e fugiu para Agrigento. Em finais de 212 AC, Marcelo conseguiu, pois, tomar Siracusa, tendo Arquimedes sido morto na mesma ocasião. Na sequência deste sucesso, Roma pôde ampliar a sua rede de alianças na Sicília, ficando a resistência cartaginesa polarizada em torno de Agrigento, sob a liderança de Hanão e de Epicides. As más notícias para Aníbal resultaram no enviou para a ilha de um bom reforço: o general Mutines.

Em 211 AC, Marcelo conseguiu derrotar Hanão e Epicides numa batalha junto a Agrigento, regres-sando depois a Roma com um grande espólio. Mas a guerra prosseguia na Sicília, agora sob a liderança de Mutines, reforçado por tropas enviadas por Cartago. Nesta altura, a forças romanas (basicamente as duas legiões sobreviventes de Canas) sentiram-se algo abandonadas, pelo que, em 210 AC, o cônsul Marco Valério Levino assumiu o comando na ilha, tendo obtido uma vitória decisiva em Agrigento (ao que parece, com a cumplicidade de Mutines, que Hanão desprezara e demitira). Na sequência disto, Hanão e Epicides fugiram, o que facilitou o reforço da posição romana na Sicília: deram-se então 40 capitulações de cida-des, 20 traições e 6 assaltos, tudo em favor da cidade do Lácio! Roma puniu os inimigos e recompensou os seus aliados, incluindo Mutines e Moérico – que tinha entregado a cidadela de Siracusa.

A vitória obtida na Sicília foi extremamente importante para o triunfo de Roma na Segunda Guerra Púnica: se Cartago aqui tivesse vencido, a história do conflito teria sido outra. Aliás, os Cartagineses, cientes da importância da Sicília (como fornecedora de cereais e como base naval), bem que investiram nesta guerra, mas a escassa agressividade dos seus comandantes, a peste que grassou no acampamento púnico em Siracusa e a deserção de Mutines abortaram, completamente, os planos de Aníbal. Por outro lado, a maioria das cidades italianas não quis trair Roma, e, com a aristocracia siciliana muito dividida, as infidelidades beneficiaram, sobretudo, os Romanos.

Uma última observação ‘externa’ que temos de fazer conduz-nos à Macedônia. É sabido que, pos-sivelmente em 215 AC, Aníbal entabulou negociações secretas com o rei Filipe V, no sentido da assinatura de um tratado púnico-macedônico contra Roma. Com este acordo, Aníbal pretendia provocar uma pressão adicional sobre a República romana, enquanto Filipe, que dois anos antes fizera a paz com a Etólia (na Grécia central) e que estava preocupado com o expansionismo romano, ficaria com melhores condições para expulsar os Romanos da Ilíria.

Roma estava alerta relativamente a uma possível invasão macedônia da Itália e, no outono de 215 AC, enviou o pretor Marco Valério Levino para Brindisi (no extremo sudeste da península itálica), para proteger a costa do mar Adriático e fazer a guerra à Macedônia. Levino respondeu eficazmente ao ataque naval macedônio a Apolôónia e Órico (a norte do Epiro), tendo defendido os aliados ilírios de Roma. Em 211 AC, Roma assinou com a Liga Etólia um tratado contra Filipe V; a aliança (que permitiria à Etólia alargar o seu território e a Roma obter algum saque para financiar as suas operações) demorou a funcionar, mas acabou por se extender a Élis, a Esparta e a Pérgamo; em resposta, a Liga Aqueia (no Peloponeso) aderiu à causa de Filipe V. Esta repartição de forças e de alianças (sempre precárias na região) levou os Romanos, os Etólios e os seus aliados a atacarem Filipe V em várias frentes, mas o jovem rei macedônio respondeu

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com talento e energia e, em 207 AC, atacou a Etólia, enquanto a Liga Aqueia esmagava Esparta na batalha de Mantineia. Esta situação levou a Etólia a ceder e a assinar uma paz com a Macedónia, em 206 AC.

No ano seguinte (205 AC), os Romanos reforçaram a sua presença na região, através do procônsul Públio Semprónio Tuditano, com um exército de 11 000 homens e 35 quinquerremes. Os combates foram inconclusivos, e acabaram por levar à assinatura da Paz de Fenice, mediada pelos Epirotas. O acordo consagrou uma situação de equilíbrio, com base em concessões mútuas, e Roma reconheceu a Macedônia como potência independente. Para os padrões romanos, foi uma paz que durou pouco, mas que teve, pelo menos, uma grande vantagem: privou Aníbal Barca de um forte aliado e, nesse sentido, contribuiu para a vitória romana na Segunda Guerra Púnica.

Aníbal Barca via, pois, cada vez mais portas sendo fechadas à sua volta. Tanto mais que, na His-pânia, Públio Cornélio Cipião ia acumulando êxitos e ameaçava tornar-se um perigo para Cartago. Depois de bater Asdrúbal Barca em Bécula (em 208 AC), Cipião venceu igualmente Asdrúbal Gisgão na batalha de Ilipa (em 206 AC), usando uma tática genial, em que trocou de dispositivo na última hora, retendo o centro e organizando uma manobra envolvente com as duas alas. Esta vitória conduziu, praticamente, à dissolu-ção do exército púnico na Hispânia e ao domínio esmagador dos Romanos, que organizaram uma série de expedições punitivas contra os chefes tribais rebeldes. Tendo sobrevivido a uma doença grave (durante a qual ocorreu a revolta dos Indíbilis contra o cônsul Cecílio Metelo, assim como a rebelião da guarnição romana de Sucro, por soldos em atraso), Cipião conseguiria ainda a rendição da cidade de Gades, o que pôs um ponto final em vários séculos de presença cartaginesa na Hispânia.

Em 205 AC, Cipião regressou a Itália e foi eleito cônsul. Provavelmente, logo a essa altura teria começado a conceber o plano de passar ao Norte da África e atacar Cartago! Alguns senadores (entre os quais Fábio Máximo) opuseram-se ao projeto, mas Cipião forçou um compromisso favorável e foi autoriza-do a instalar-se na Sicília, com permissão para passar para a África, se tal fosse do interesse de Roma…

Na Sicília, Cipião contava com cerca de 25.000 a 30.000 homens (incluindo as duas legiões de Canas e duas “alas” de tropas auxiliares); apesar de não dispor de mais do que 10% de cavaleiros, era um bom exército, e o cônsul tratou de treiná-lo, ao mesmo tempo em que preparava o seu ataque a Cartago. Enquanto isso, Gaio Lélio, novamente o legado principal de Cipião, realizava pilhagens navais na costa africana.

Na segunda metade de 205 AC, rebentou um escândalo entre os soldados romanos de Lócrida, devido aos abusos do legado Quinto Plemínio, o que quase comprometeu a posição de Cipião. Mas este já havia conseguido a sua nomeação como procônsul e resistiu, beneficiando-se, também, do relatório favorável de uma comissão do Senado que inspecionara a Marinha e o Exército sicilianos.

Assim, na primavera de 204 AC, com uma logística bem organizada, o exército de Cipião zarpou da Sicília e, ao fim de dois dias, alcançou, sem embaraço, o Norte da África. Desembarcaram perto de Útica (a norte de Cartago), derrotaram 500 cavaleiros cartagineses que os vieram fustigar e obtiveram uma adesão importante: a do príncipe númida dos Massilos, chamado Masinissa, que carecia urgentemente do apoio romano porque tinha sido derrotado pelo seu rival Sífax (o rei númida dos Massessilos).

Depois de emboscar uma força cartaginesa de reconhecimento, Cipião cercou Útica, que consti-tuía uma excelente base e que dispunha de um porto. O assédio foi vagaroso e ocupou o inverno de 204-

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203 AC ,sendo a operação observada à distância por Asdrúbal Gisgão e por Sífax, acampados a uma dúzia de quilômetros. Na primavera de 203 AC, Cipião optou por atacar estes acampamentos durante a noite, conseguindo um sucesso expressivo, o que lhe permitiu ficar mais a vontade na continuação do cerco a Útica (e também a realização de grandes saques de vestuário e de alimentos, que foram guardados em grandes celeiros, no acampamento romano).

Os Cartagineses, depois de alguma hesitação, decidiram, então, juntar as forças de Sífax às de Asdrúbal Gisgão (reforçado por tropas hispânicas), conseguindo reunir 30.000 homens no acampamento das chamadas “Grandes Planícies”. Decidido a cortar o mal pela raiz, Cipião partiu em busca dos adver-sários e derrotou-os em batalha campal (203 AC), recorrendo novamente a uma manobra original: os Principes e Triarii (as tradicionais segunda e terceira linhas do triplex acies romano) saíram de trás do Hastati (a primeira linha, formada por combatentes mais jovens) e flanquearam o centro adversário, com-posto pelos fortes e fiáveis Celtiberos; beneficiando também da vantagem romana nas alas de cavalaria (onde o apoio númida era crucial), Cipião obteve nas Grandes Planícies uma vitória extremamente impor-tante. Depois disso, devastou a região circundante, enquanto Gaio Lélio tratava de restaurar Masinissa no trono dos Massilos. Neste ambiente, muitos líbios mostraram interesse em render-se a Roma, e tudo isso animou Cipião a ameaçar diretamente a cidade de Cartago.

Foi nesta altura, ainda em 203 AC, que Cartago, preparando a sua defesa, mandou Aníbal Barca sair de Itália e regressar ao Norte de África. Quinze anos após a épica travessia dos Alpes, Aníbal em-barcou em Crotona (no Brútio, no sudeste de Itália) e regressou à sua terra. As expectativas não seriam as melhores, pois os Romanos tinham ganho vantagem em todas as frentes (Itália, Hispânia, Sicília e Macedônia) e ameaçavam agora, com um exército poderoso, o coração do Estado púnico!

Cipião começou por ocupar Tunes (25 km a sudoeste de Cartago) e por proteger a esquadra romana em Útica. Depois, Lélio e Masinissa derrotaram Sífax em batalha. A tenaz se apertava e, em finais de 203 AC, Cartago optou por negociar a paz. Cipião fez uma série de exigências que os Cartagineses pareceram aceitar, talvez para ganhar algum tempo (as fontes aludem por vezes à “manha púnica”), tendo enviado uma embaixada a Roma para confirmar o tratado. O inverno de 203-202 AC. correspondeu, pois, a um tempo de armistício, e foi justamente durante este período que se deu o regresso de Aníbal Barca – a grande e, talvez, a única esperança da velha cidade fenícia para derrotar Públio Cornélio Cipião…

Mais animada, logo na primavera seguinte (202 AC), Cartago apreendeu alguns cargueiros roma-nos carregados de cereais, que tinham se dispersado devido aos ventos; Cipião exigiu a devolução dos navios, mas os Cartagineses se recusaram: com Aníbal em casa, Cartago queria de novo a guerra! Neste clima, o Senado, pressionado pelo povo e por alguns notáveis (como Quinto Cecílio Metelo), prolongou o imperium de Cipião; ao mesmo tempo, atribuiu ao recém-eleito cônsul Tibério Cáudio Nero a tarefa de o apoiar por mar. A grande e decisiva batalha entre Aníbal e Cipião, um verdadeiro duelo de titãs, tornara-se inevitável…

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(1) Desdobramento inicial das tropas romanas e car-taginesas.

(2) Anibal inicia a batalha carregando com seus ele-fantes de guerra sobre a frente romana, Cipião orde-na que os tronbeteiros da cavalaria toquem alto para assustar e desmantelar a carga dos animais que, em pânico, viram-se contra a ala esquerda cartaginesa, desordenando-a.cartaginesa, desordenando-a.

(3) A ala direita romana carrega e afugenta a cava-laria cartaginense, enquanto a ala esquerda roma-na afugenta a ala direita cartaginesa. Os elefantes remanescentes são desviados para os intervalos da posição romana e abatidos.

(4) A cavalaria cartaginesa sai do campo de bataha. Cipião ataca as 1ª e 2ª linhas de infantaria de Hanibal e bate ambas as linhas.

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Aníbal era cada vez mais pressionado por Cartago para enfrentar Cipião. Tentou ganhar algum tempo e reforçar o seu exército com tropas númidas (2 000 cavaleiros, sob o comando de Tiqueu, um parente de Sífax), e depois avançou para Zama, situada cinco dias a oeste de Cartago. Alguns emissá-rios púnicos foram enviados ao acampamento de Cipião (instalado a uns 6 km de distância), sendo bem acolhidos, tanto mais que as forças de Masinissa ainda não tinham chegado (o que terá induzido em erro os espiões púnicos). Aníbal e Cipião ter-se-ão mesmo encontrado pessoalmente, mas não chegaram a acordo e a batalha de Zama (202 a. C.) não pôde ser adiada.

Foi um combate quase sem preliminares, ao contrário do habitual, e os dispositivos táticos não parece terem sido muito distintos, muito embora os Romanos tenham organizado uns corredores para se opor às investidas dos elefantes, enquanto Aníbal optou, quiçá pela primeira vez, pelo uso de reservas, à maneira romana. Muito mais fracos em cavalaria (ao contrário do que sucedera em Canas), os Púnicos apostavam em romper ao centro, depois de os elefantes fazerem estragos na primeira linha romana; assim – acreditava Aníbal –, Cipião seria obrigado a gastar os Hstati e Principes relativamente cedo, sendo o final da contenda travado entre os Triarii (a terceira linha, menos numerosa e mais velha, dos Romanos) e os portentosos veteranos de Aníbal. Tal parece ter sido o plano de batalha cartaginês para criar embaraços ao exército de Cipião, mais coeso e mais bem treinado – visto que Aníbal pouco tempo tivera para adestrar o seu exército, grande parte do qual fora recrutado na África.

Em Zama, os elefantes atacaram antes do tempo, julga-se que devido ao ruído, e os flancos da cavalaria púnica tiveram um rendimento bastante pobre. Ao centro, a contenda entre as duas infantarias pesadas foi muito mais equilibrada, mas a segunda linha púnica, composta por Líbios e por Cartagineses, parece ter ajudado pouco (ao contrário da segunda linha romana, a do Pincipes, que injetou seiva nova na altura ideal). Na fase final da batalha, Aníbal foi obrigado a deter os seus veteranos, pois os cadáveres e o sangue que inundavam o terreno provocavam um risco elevado de as tropas escorregarem. Enquanto isso, Cipião chamou de volta o Hastati, à sua linha da frente, que já tinha combatido e que veio auxiliar o Triarii. Deu-se então o choque dos núcleos duros dos dois exércitos, tendo a peleja, bastante equilibrada, sido decidida quando a cavalaria de Cipião, que perseguira os seus adversários em debandada, regressou ao campo de batalha, envolveu o exército de Aníbal por trás e perpetrou uma chacina com sabor a vingan-ça, catorze anos depois de Canas…

5) Cipião e Aníbal reorganizam suas tropas em uma única linha e a batalha permanece sem definição até que a cavalaria romana retorna e ataca a in-fantaria cartigesa pela retaguarda.

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Na sequência da sua primeira derrota em batalha campal, Aníbal fugiu para Adrumeto (na costa leste), enquanto Lélio levava a Roma a boa nova. A seguir, guardados os prisioneiros e concretizadas as pilhagens da praxe, Cipião reforçou o abastecimento do seu arraial (o local ficaria conhecido por Castra Cornelia) e protagonizou uma manifestação de força naval em frente a Cartago, cidade que não quis cercar, pois preferia a celebração da paz antes da sua substituição.

Desalentada, Cartago aceitou um novo “tratado de paz leonino”: os prisioneiros e os desertores romanos foram entregues sem qualquer resgate; os elefantes de guerra foram confiscados; a armada púnica foi limitada a dez trirremes; Cartago perdeu todas as suas possessões ultramarinas e reconheceu Masinissa como rei de um território alargado; estipulou-se uma indenização de 10.000 talentos de prata, a serem pagos anualmente e durante 50 anos; Cartago foi proibida de fazer a guerra, dentro ou fora da África, sem a autorização de Roma; os vencidos teriam ainda de alimentar a hoste de Cipião durante três meses e de pagar o respectivo soldo até à ratificação do tratado; e haveria lugar, ainda, de uma compen-sação pelo desvio dos cargueiros romanos. Como garantia deste humilhante tratado, Cartago entregou uma série de reféns nobres.

Sem alternativa (como lembrou Aníbal aos seus conterrâneos), Cartago sujeitou-se a este acordo, que o Senado romano ratificaria na primavera de 201 AC. A vitória de Cipião fora total, justificando a celebração espetacular de um triunfo em Roma e, claro está, o cognome por que o herói ficou doravante conhecido: “o Africano”.

Terminava assim a Segunda Guerra Púnica (218-201 AC.), uma guerra muito mais intensa, variada e equilibrada do que a anterior, e durante a qual esteve em disputa não apenas o domínio de um território específico, mas a supremacia de uma das duas potências rivais. Com esta vitória, a posição dominadora de Roma no Mediterrâneo consolidou-se, o que permitiu à cidade do Lácio começar a pensar noutras aventuras.

Quanto a Aníbal Barca, ele manteve-se ainda, durante alguns anos, em Cartago, tendo chegado a ser eleito como sufeta, em 196 AC. Porém, acusado pelos seus adversários políticos de conspirar com Antíoco III, rei da Síria, contra os interesses de Roma, e denunciado por esses inimigos ao Senado, foi obrigado a fugir e a exilar-se, em 195 AC, na corte do rei sírio, vendo os seus bens serem confiscados e a sua casa destruída.

Aníbal deve ter permanecido ao serviço de Antíoco III durante a “Guerra Síria” de 192-189 AC, ten-do comandado uma esquadra, que foi derrotada pelos Romanos em 190 AC. Depois, quando Roma venceu mais esta guerra, Antíoco foi pressionado a entregar Aníbal aos seus adversários, que não esqueciam a tragédia de Canas; por isso, em 183 AC, este teve de fugir para a Bitínia (na parte norte da Ásia Menor), sendo acolhido na corte de Prúsias; contudo, ele também foi pressionado por Roma para que entregasse o seu ‘hóspede’, mandou cercar a casa onde vivia Aníbal, que acabou por se suicidar com veneno, para que os Romanos não o apanhassem vivo. Assim terminava a saga de um dos maiores generais da história do mundo antigo.

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A Terceira Guerra Púnica (149-146 a. C.)

Ao contrário dos conflitos anteriores, a terceira guerra entre Roma e Cartago durou apenas três anos e circunscre-veu-se a uma pequena região do Norte de África. A reconstituição deste último confronto permite perceber que Roma não se satisfizera com o duro tratado imposto em 201 a. C. e ambicionava a aniquilação da sua arquirrival.

Cartago cumprira com tudo aquilo a que fora obrigada após a vitória de Cipião “o Africano” sobre Aníbal Barca: fornecera cereais ao exército romano, enviara uma pequena frota contra Antíoco III, pagara todas as prestações da pesada indenização e se sujeitara à arbitragem de Roma nos seus conflitos na África (designadamente contra os Massilos). Em 151 AC, meio século depois do tratado de rendição, Car-tago tinha liquidado a sua dívida de 10.000 talentos de prata a Roma e voltara a prosperar. É possível que a velha urbe fenícia tenha, entretanto, se rearmado, mas nada que ameaçasse o poderio romano ou que fizesse prever uma nova guerra: Cartago era uma cidade de mercadores, que pensavam, sobretudo, na obtenção de lucros.

Mesmo assim, ao lermos os relatos de Apiano, percebe-se que Roma assistia inquieta ao renas-cimento cartaginês. Em 153 AC, uma embaixada a Cartago, motivada pelo conflito entre esta cidade e o príncipe Masinissa, ficou impressionada com a prosperidade cartaginesa. Catão “o Antigo” (ou “o Cen-sor”), personagem de referência da cultura romana, integrava essa embaixada e, a partir daí, passou a aconselhar sistematicamente, no final dos seus discursos, a destruição de Cartago: Delenda Carthago… De acordo com Plutarco, Catão foi o mais influente dos notáveis de Roma na estratégia senatorial de aniquilar a cidade, mas seria, ao mesmo tempo, um fiel intérprete daquela que já era a vox populi.

Entre 153 AC e 151 AC, Roma teria começado a pensar seriamente numa nova guerra púnica, e a de-cisão deve ter sido tomada pouco depois. No entanto, seria preciso um pretexto para iniciar a guerra, e a solução veio de Masinissa, o velho aliado númida. Em 152 ou 151 AC, as autoridades de Cartago expulsaram da cidade os membros do partido pró-Masinissa, em reação ao fato de o rei númida – aproveitando a am-biguidade do tratado de 201 AC e o fato de contar quase sempre com uma arbitragem favorável de Roma – exigir cada vez mais território a Cartago. A cidade teria ficado dominada por um partido ‘democrático’, que exprimia, sobretudo, os interesses dos cidadãos pobres, sob a liderança de Aníbal “o Samnita” e de Cartalão. Os filhos de Masinissa (Gulussa e Micipsa) ainda foram enviados em embaixada a Cartago, mas a cidade não os deixou entrar e eles foram atacados durante o seu regresso a casa.

Em 150 AC, os Númidas retaliaram e devastaram o território cartaginês, pondo cerco à cidade de Oroscopa. Foi na sequência deste acontecimento que Cartago cometeu o erro que daria origem à Terceira Guerra Púnica: respondeu à agressão sem ter consultado Roma… Reunindo um exército forte, sob o comando de Asdrúbal e de dois chefes númidas desertores (Asasis e Suba), os Púnicos venceram uma pri-meira escaramuça e perseguiram os adversários; esta manobra acabou por conduzir a uma batalha inconclusiva entre Masinissa e Asdrúbal. Por coincidência, nessa ocasião, estava no norte de África um tribuno militar, que se vinha distinguindo na guerra na Hispânia, sob o comando do cônsul Lúcio Licínio Luculo: chamava-se Cipião Emiliano e era filho natural de Emílio Paulo (o cônsul romano abatido na batalha de Canas), tendo sido adotado por um filho de Cipião “o Africano”. O jovem tribuno era também

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‘parente’ de Masinissa e estava na África para tentar obter do rei númida um pequeno corpo de elefantes, que pudessem ser úteis a Luculo na guerra contra os Celtiberos e os Lusitanos.

Assim, acabou por ser Cipião Emiliano o mediador das negociações entre Masinissa e Asdrúbal, mas a arbitragem não obteve sucesso e o conflito prolongou-se. Encurralado no seu acampamento, e sem possibilidade de obter reforços ou provisões, Asdrúbal acabaria por se render, e Cartago comprometeu--se ao pagamento de uma indenização e a deixar regressar os aristocratas favoráveis a Masinissa que tinham sido expulsos da cidade.

Roma aproveitou este episódio para “pegar a onda”: o Senado concluiu que Cartago violara o acordo de 201 AC e decidiu preparar uma invasão do norte de África. Ao saber disto, Cartago (agora sob a influência do partido pró-romano liderado por Hanão “o Grande”) procurou travar o processo: respon-sabilizou Asdrúbal, Cartalão e outros oficiais e enviou embaixadores a Roma; mas as respostas do Senado foram enigmáticas: foi-lhes dito que Cartago deveria “dar explicações” ao povo romano… Entretanto, a cidade de Útica aliou-se de novo a Roma que, em 149 AC achou estarem reunidas as condições para que o Senado declarasse a guerra, uma vez obtida a aprovação dos Comitia Centuriata. Os dois cônsules do ano (Mânio Manílio e Lúcio Márcio Censorino) foram enviados para África, o primeiro com o exército terrestre, o outro à frente da esquadra; a concentração de forças deu-se em Lilibeu, na Sicília.

Alarmados, os Cartagineses enviaram outra embaixada à Roma, onde o Senado lhes exigiu a entre-ga de 300 reféns nobres no espaço de 30 dias e lhes fez algumas promessas minimalistas, sem se referir sobre o que pretendia fazer com a cidade de Cartago. Já em Útica, num ambiente dramático de parada militar, os dois cônsules receberam uma nova embaixada púnica; na ocasião, Lúcio Censorino exigiu aos emissários o desarmamento de Cartago, que aceitou a imposição e entregou 200.000 armaduras de guerra, 2.000 engenhos de torção e bastantes dardos e flechas, além de muitos projéteis de catapulta! Não contente, Censorino reclamou a evacuação de Cartago, declarando que a cidade seria arrasada (ex-ceto os santuários e os cemitérios) e que era intenção de Roma erguer uma nova urbe, a uma distância mínima de 15 km do mar…

Claro que esta última exigência representava um golpe de tal forma violento para Cartago que, quando os embaixadores regressaram, o Conselho dos 104 rejeitou de pronto a pretensão romana. Em ambiente de fúria contra os simpatizantes de Roma e os seus aliados (muitos dos quais foram lincha-dos, incluindo alguns mercadores itálicos), Cartago decidiu aceitar a guerra e tratou de improvisar um exército: foram libertados muitos escravos, outorgou-se o perdão a Asdrúbal e atribuiu-se o comando das tropas a um neto de Masinissa, também chamado Asdrúbal. Todos os cidadãos se empenharam na organização da defesa da capital, que os Romanos prometiam destruir.

Roma ficou surpreendida com a decisão cartaginesa: depois de tantas concessões e da entrega de uma imensa quantidade de armamento, não era de se esperar que a cidade quisesse lutar. Ainda assim, tudo parecia indicar que a campanha seria fácil. Mas não o foi. Uma das explicações para a surpreendente resistência púnica tem a ver com a qualidade das defesas de Cartago: além de ser de uma aproximação difícil, a cidade dispunha de mais de 30 km de muralhas e de mais do que um só porto. O istmo de ligação à cidade tinha 3 a 5 km de largura e estava protegido por uma linha tripla de defesas fortes, parcialmente assentadas numa muralha com 15 a 20 m de altura e 9 m de largura, antecedida por um fosso com 20

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m de largo e de uma paliçada! No interior desta espessa muralha, tinham-se rasgado dois andares com acomodações para centenas de elefantes e cavalos e com alojamentos para milhares de soldados e de cavaleiros. Em 149 AC, Cartago não dispunha de animais de guerra, mas contou com a boa vontade de um elevado número de cidadãos e de populares, que se ofereceram para a guarnição da cidade. Desta feita, Cartago não travaria a guerra com um exército de mercenários…

Do lado romano, é provável que a força militar dos dois cônsules atingisse os números habituais: quatro legiões e outras tantas “alas” de auxiliares, num total de 40.000 a 50.000 homens. Em Roma, o entusiasmo era grande, pois era vislumbrada uma conquista fácil e altamente lucrativa; no entanto, a verdade é que o exército de Manílio e de Censorino tinha escasso treino militar (a paz com Cartago ador-mecera a vitalidade militar da República), e a logística também parece ter sido um pouco negligenciada.

O primeiro ataque dos cônsules a Cartago deu-se em 149 AC, por mar e por terra, sendo colocadas escadas nas muralhas e nos navios. Tendo fracassado, fez-se uma segunda tentativa, que foi igualmente mal sucedida. Os Romanos instalaram os seus acampamentos fortificados tradicionais, mas não evitaram que, durante uma operação de forragens nas redondezas para obtenção de alimentos e lenha, Himilcão Fameias emboscasse 500 soldados, provocando uma primeira chacina. Uma terceira tentativa de assalto, de ambos os lados da cidade, também fracassou, posto o que Censorino ordenou a construção de dois aríetes e de um passadiço para os aproximar (o que implicou no enchimento de uma parte do lago de Tunes). As duas máquinas de “amarrar nos muros” conseguiram abrir dois buracos, mas os defensores repeliram os assaltantes e, durante a noite, tentaram preencher as brechas; uma sortida noturna bem organizada acabaria, mais tarde, por anular os dois aríetes. Os Romanos ainda insistiram por uma das fendas, que permanecia por tapar: investiram com força, mas, por falta de organização, acabaram por falhar, tendo valido a intervenção do tribuno Cipião Emiliano para cobrir a retirada.

O cerco não estava correndo bem, e Censorino decidiu mudar o seu acampamento para um lugar mais ao sul, com menos problemas de insalubridade. Nesta fase, os sitiados atacaram a esquadra romana com projéteis incendiários e realizaram algumas sortidas noturnas eficazes contra o acampamento de Manílio, posicionado na zona do istmo. Em resposta, o cônsul ergueu um forte junto à costa, para cobrir a aproximação dos navios que transportavam as provisões para o arraial dos sitiadores.

No inverno de 149-148 AC, Censorino deslocou-se a Roma, e Manílio aproveitou para organizar uma expedição contra a área envolvente de Cartago, para intensificar a pressão e obter alimentos e lenha. Aí, de novo Himilcão Fameias aproveitou a inexperiência dos forrageadores e concretizou uma emboscada mortífera. Manílio decidiu, então, atacar o acampamento de Asdrúbal, que estava instalado perto da ci-dade de Neféris (30 km a sudoeste de Tunes). A descrição de Apiano sugere que esta operação foi mal planejada, tendo Asdrúbal aproveitado o inevitável recuo romano para chacinar a força atacante, que na retirada ainda sofreu um novo ataque de Himilcão e, ao chegar ao seu acampamento, uma investida dos defensores de Cartago! O fiasco foi de tal ordem que o Senado enviou uma comissão a Cartago para averiguar os pormenores da operação; o relatório elogiaria a prestação de Cipião Emiliano, que de novo teria evitado males maiores.

Em 148 AC, morreu Masinissa, já com perto de 90 anos de idade. Na sua qualidade de descendente adotivo de Cipião “o Africano” (seu protetor e patrono), coube a Cipião Emiliano dispor dos seus assuntos,

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tendo o governo númida sido repartido pelos três filhos legítimos. Na ocasião, Cipião aproveitou para convencer Gulussa a juntar-se a Manílio, com uma força de cavalaria ligeira.

Na primavera de 148 AC, desejoso de terminar com brilho o seu mandato consular, Manílio atacou novamente Neféris. Desta feita, a expedição foi bem preparada, mas ainda assim fracassou, com os Ro-manos tendo de se retirar devido à fome. Valeu a deserção de Himilcão Fameias para o partido romano, conseguida por Cipião Emiliano e que mereceu ao desertor a atribuição de uma grata recompensa pelo Senado.

Pouco depois, ocorreu a eleição dos novos cônsules; votou-se em Lúcio Calpúrnio Pisão Cesonio e Espúrio Postumio Albino Magno, mas apenas o primeiro foi enviado para a África, acompanhado pelo legado (ou propretor) Lúcio Mancino. Cartago permaneceu sob bloqueio (embora não muito cerrado), enquanto os Romanos tentavam subjugar outras cidades, como Áspis ou Hipagreta, tendo fracassado em ambos os casos.

Animados, os Cartagineses negociaram uma aliança com Andrisco da Macedônia (um rival de Perseu, o descendente de Filipe V), que já derrotara uma vez o exército romano. Nesta fase do conflito, Cartago beneficiou-se, também, da deserção de um dos chefes de Gulussa, acompanhado por uma força de 800 cavaleiros, tendo igualmente sido substituído o comandante de Cartago (linchado por planejar uma traição com o filho de Masinissa) por um outro Asdrúbal.

Chegou-se então, ao primeiro trimestre de 147 AC, a fase crucial do conflito: os Comitia Centuriata elegeram como cônsul Cipião Emiliano, apesar deste não ter ainda idade para tal (tinha 36 ou 37 anos, menos cinco do que o mínimo exigido); de acordo com o relato de Apiano, a lei foi suspensa para permitir tal exceção. Perante o interesse do outro magistrado eleito (Gaio Lívio Druso) em ser ele o cônsul enviado para África, o Concilium Plebis, por pressão de um tribuno, impôs a escolha de Cipião Emiliano para essa missão; o jovem cônsul foi também autorizado a recrutar e a levar consigo os voluntários que se apre-sentassem.

Quando Cipião Emiliano chegou na África, estava Lúcio Mancino (que ainda comandava a esqua-dra) a tentar uma escalada a Cartago a partir da praia. Os defensores haviam feito uma sortida, mas os Romanos tinham ido em sua perseguição e tinham conseguido penetrar na praça, tomando posse de uma pequena fração da cidade. A situação, porém, era muito precária, e Mancino enviou mensagens ao cônsul Pisão Cesonio e a Útica, onde Cipião Emiliano acabara de desembarcar. Compreende-se a aflição: os Car-tagineses atacavam em força os Romanos, que tinham conseguido penetrar na cidade, e valeu a chegada de Cipião Emiliano e da sua esquadra para os salvar.

O novo cônsul tomou conta da situação e começou por restaurar a disciplina no seio do exército romano, procedendo a algumas expulsões. Depois, com Asdrúbal acampado a apenas um quilômetro, de-cidiu atacar Mégara, o grande subúrbio da cidadela de Cartago: foi feita uma incursão noturna, com dois comandos separados, tendo-se tomado uma torre e feito penetrar cerca de 4.000 homens; os sitiados entraram em pânico e refugiaram-se na cidadela, mas Cipião Emiliano acabou por se retirar, por pru-dência, devido à escuridão. A situação agravava-se para os Cartagineses, e deve ter sido nessa altura que Asdrúbal executou uma série de prisioneiros romanos no cimo dos muros, à vista de todos, com isso passando aos mais próximos uma mensagem clara – a de que já não haveria rendição possível. Perante

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os protestos de alguns membros do Conselho dos 104, o general mandou também executar alguns destes notáveis…

Cipião Emiliano tratou, então, de apertar o cerco à praça, tendo incendiado um acampamento adversário que havia sido abandonado e se aproximou do istmo. Foram concretizadas, ao longo de três semanas, diversas obras de engenharia, tais como fossos, uma paliçada e diversas torres; porém, Carta-go continuava a ser abastecida por mar, pelo que Cipião Emiliano mandou construir um molhe através do canal, assim controlando a estreita entrada dos navios nos grandes portos da cidade.

A resposta dos Cartagineses foi sublime: de noite e em sigilo, construíram um novo canal de liga-ção do porto militar ao mar e fabricaram uma nova esquadra, composta por 50 trirremes e por algumas embarcações mais ligeiras! Porém, não atacaram de imediato a desprevenida frota romana, uma vez que a tripulação cartaginesa carecia de uns dias de treino. Feito isso, deu-se uma batalha naval junto da costa. O combate foi renhido, pois os navios cartagineses eram menores e mais ágeis. Quando a superioridade romana começou a se manifestar, os barcos púnicos tentaram se retirar, mas entupiram o acesso ao porto (o novo canal estaria, porventura, mal acabado, ou então houve alguma atrapalhação na manobra); por isso, as galés africanas refugiaram-se num cais junto às muralhas, com os esporões virados para fora. Era o momento de os navios romanos atacarem em força, mas haviam sofrido muitas baixas na hora de recuar; a solução acabou por vir dos seus aliados de Side (na Ásia Menor, terra de excelentes marinheiros): os barcos passaram a lançar a âncora de popa antes de atacarem com o esporão, puxando depois à corda em vez de recuarem a remos, como até então. A vitória romana foi total, e os Cartagineses sofreram pesadas baixas, tendo as embarcações sobreviventes conseguido escapar para o porto quando a noite caiu.

Nesta altura, a vitória romana já era apenas uma questão de tempo. Cipião Emiliano continuou a atacar, a partir do molhe: os aríetes abriram brechas na muralha e a artilharia bombardeou de forma inclemente. Alguns cartagineses, nus, atravessavam o porto de noite, a nado, com tochas e com materiais para as acender, ateando depois muitos incêndios e lançando o pânico na zona dos engenhos romanos; ao mesmo tempo, os defensores iam tentando reparar os muros danificados e acrescentando torres de madeira, para arremesso de projéteis; os Romanos respondiam com novos engenhos e com rampas de assalto. Tomado o cais, Cipião Emiliano ordenou que erguessem um muro de tijolos em frente à muralha principal da cidade e com a mesma altura desta; o muro ficou pronto no início do outono de 147 AC e foi logo ocupado por 4.000 homens, equipados com dardos e com muitos outros projéteis.

Para consolidar a posição romana em Cartago e evitar dissabores, Cipião Emiliano foi a Neféris e tomou o acampamento púnico e a cidade, recorrendo ao uso de reservas e a um ataque envolvente. Depois disto, à volta de Cartago, tudo se rendeu aos Romanos. Restava concretizar o assalto final, que aconteceu na primavera de 146 AC, a partir do cais. Gaio Lélio (filho do legado principal de “o Africano”) manobrou com destreza no porto interior, conseguindo uma infiltração. Já muito fragilizados e sem esperança, os sitiados viram os soldados romanos avançarem até à ágora (onde, para irritação de Cipião Emiliano, se detiveram a descascar o ouro que revestia o templo de Apolo). A seguir, os assaltantes avançaram por três ruas que ligavam a ágora à cidadela; muitos dos prédios tinham seis pisos e bons pátios centrais, e as vias, com cinco a sete metros de largo, apresentavam uma inclinação acentuada. Foi preciso tomar os

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edifícios quase um a um e suportar uma resistência inusitada, com uma chuva de projéteis arremessados dos telhados e das janelas dos prédios. Com esforço, os Romanos alcançaram a cidadela, mas precisa-vam de espaço para a instalação das máquinas; foi, então, improvisada uma rampa de assalto, com os escombros das casas, os cadáveres que jaziam nas ruas e até os corpos de alguns feridos a servirem de material de construção.

Finalmente, Cartago rendeu-se: uma delegação dos sitiados abandonou a cidadela munida de ra-mos de oliveira, o sinal convencional da capitulação. Cerca de 50.000 pessoas (homens, mulheres e crianças) foram então enviadas para o cativeiro e à escravatura. Apenas prosseguiu a resistência dos que não tinham salvação possível: Asdrúbal e a sua família, mais os perto de 900 desertores romanos e itálicos. Muitos acabaram por se suicidar em grupo, no templo de Esculápio, incluindo a trágica esposa de Asdrúbal, depois de insultar o marido e de matar os seus próprios filhos.

Retido o ouro, a prata e as oferendas votivas, a cidade foi saqueada à discrição, tendo, com parte dos despojos sendo objeto de repartição (Cipião Emiliano aproveitou para penalizar aqueles que tinham saqueado o templo de Apolo antes da hora). As armas e os navios cartagineses foram destruídos, e Roma comemorou efusivamente a sua terceira vitória sobre os Púnicos. A seguir, a cidade de Cartago foi arra-sada por Cipião Emiliano, sob a supervisão do Senado. O relato de Apiano mostra-nos Cipião chorando ao lado de Políbio, que presenciou quase todos os acontecimentos que evocamos e a quem se deve, com alta probabilidade, o retrato generoso do herói desta conquista.

Cipião Emiliano celebraria, mais tarde, um aparatoso triunfo em Roma, tendo depois cumprido uma bem-sucedida carreira política: em 134 AC, foi novamente eleito cônsul, tendo-se distinguido outra vez na Hispânia, na guerra contra os Celtiberos, durante a qual conquistaria a cidade de Numância (junto ao rio Douro), que mandaria também arrasar.

A Terceira Guerra Púnica trouxe o fim do Estado de Cartago, física e politicamente destruído, e a criação da província romana da África. O conflito foi muito mais breve, desequilibrado e circunscrito do que os anteriores, mas as suas consequências foram devastadoras: Roma triunfara em todas as frentes, Cartago não mais poderia erguer-se das cinzas.

Comentário final

As Guerras Púnicas tornaram Roma a força dominante no Mediterrâneo, a partir de 146 AC. Nesta data, a cidade já dispunha de seis províncias ultramarinas – Sicília, Sardenha e Córsega, Hispânia Citerior, Hispânia Ulterior, África e Macedônia – e todas elas (com exceção da Macedônia) tinham sido criadas na sequência da guerra contra Cartago, que foi a sua última grande rival.

Desse modo, as Guerras Púnicas aceleraram o imperialismo romano, habituando a cidade do Lácio a esforços de guerra prolongados e promovendo a adaptação do sistema político às novas circunstâncias – que exigiam a existência de mais pretores, a nomeação de mais governadores de província, uma ava-liação mais rigorosa das necessidades terrestres e navais e uma diplomacia mais intensa, entre outros aspetos.

Roma habituou-se a manter soldados em teatros de operações cada vez mais distantes, e isso

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exigiu a canalização de recursos financeiros importantíssimos e uma intervenção cada vez maior do Es-tado em matéria logística. Ao mesmo tempo, foram as Guerras Púnicas que compeliram Roma a tornar-se uma potência naval: estima-se que, entre 260 e 241 AC, tenham sido construídos perto de 1000 navios de guerra, na sua maioria quinquerremes, o que obrigou a um enorme investimento do Estado e até ao recurso ao empréstimo de particulares. Sem isso, a guerra na Sicília nunca teria sido ganha.

A vitória nas três guerras contra Cartago mostra também a tenacidade romana: mesmo quando tudo parecia perdido, como após a tragédia de Canas, o Senado reagia, recusava negociar a paz e con-seguia superar a situação! Para isso, foi preciso um esforço financeiro brutal, uma organização logística minuciosa e, claro, uma grande solidariedade entre as várias classes sociais, bem como uma fidelidade admirável por parte dos aliados. A verdade é que ninguém levava a guerra tão a sério quanto os Romanos, e ninguém era tão implacável na forma de a executar – e, ao mesmo tempo, tão competente na maneira de absorver os povos conquistados.

Com a vitória final na guerra pelo domínio do Mediterrâneo, Roma ganhou consciência do seu enorme potencial e dos seus vastíssimos recursos financeiros e humanos (estes últimos, muito superio-res aos de Cartago). Mas claro que as Guerras Púnicas (em especial a Segunda) também tiveram efeitos perversos: ao devastarem o território itálico e ao suscitarem exigências de mobilização militar inéditas, provocaram o empobrecimento e o declínio do pequeno campesinato, fomentaram o proletariado urbano e os latifúndios e contribuíram decisivamente para a criação de exércitos privados de generais, capazes de capitalizar aquelas forças armadas mais ‘profissionais’, que se constituíam para as grandes ocasiões e que, depois de desmobilizadas, ficavam à disposição dos notáveis, que as podiam remunerar em provei-to próprio. A história dos graves conflitos internos do último século e meio da República romana não é, certamente, estranha a tais desenvolvimentos…

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ANEXO BAS LEGIÕES ROMANAS

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I - A EVOLUÇÃO DO EXÉRCITO ROMANO

O Exército romano, famoso por sua disciplina, organização e inovação, tanto no que concerne aos armamentos, como nas suas táticas, possibilitou que Roma edificasse um enorme inpério que, durante séculos, dominou o mundo mediterrâneo e muito mais além. Tal força que, sem dúvida, constituiu uma das mais efetivas tropas de combate da história militar, em verdade, teve um surgimento até hoje ainda obscuro. O biógrafo grego Plutarco credita ao lendário fundador de Roma, Romulus, a criação das forças legionárias; já o historiador Lívio diz que o exército do inicio de Roma lutara no estilo das linhas dos hoplitas gregos, em uma falange em que o recrutamento dos guerreiros dependia do seu padrão social. O rei Servius Tulius (580 a 530 AC) teria sido o responsável pela introdução de seis classes de cidadãos romanos, em que o grupo mais baixo, constituído daqueles que não possuíam propriedades, deveria ser excluído da lida militar, enquanto que o grupo de nível mais alto formaria a cavalaria (equites).

A fonte histórica mais antiga que estudou a legião romana foi a de Políbio (150 a 120 AC). Ela refere-se à legião manipular, ainda que outros registros informem que ela teria sido desenvolvida, pro-vavelmente, em meados do Sec IV AC. Ela ensina, ainda, que a legião manipular era formada por pequenas unidades de 120 a 160 homens, chamadas manípulas (do latim maniples), e que havia sido desenvolvida para dar manobrabilidade à legião no combate aos inimigos de Roma que, por sua vez, ainda utilizavam o sistema de formações em phalanx (falanges). A vantagem de tal mudança pôde ser vista quando Roma lutou contra as falanges macedônias; Políbio assim descreve os méritos das manípulas romanas pela capacidade de vencer o inimigo pela manobra de tropas..

Tito Lívio registrou esta progressão dizendo que a partir de 362 AC Roma tinha duas legiões e quatro legiões a partir de 311 AC. O núcleo do exército manipular, naquele mmento, era constituído sõ de cidadãos romanos, e ele teria sido a força militar que confrontou Hannibal durante a Segunda Guerra Pú-nica (218 a 202 AC); entretanto, naquele momento, já havia mais de quatro legiões. Quando a natureza do Exército de Roma evoluiu das campanhas limitadas e sazonais, e um império provincial começou a surgir, devido ao sucesso de batalhas como a de Cynoscephalae (197 AC) e de Pidna (168 AC), as legiões come-çaram a desenvolver bases mais permanentes, o que, por sua vez, gerou uma escassez de mão de obra.

Gaius Marius foi eleito cônsul em 107 AC, quando ele começou a recrutar voluntários cidadãos sem propriedades, equipando-os com armas e armaduras à custa do Estado romano. O desenvolvimento da manípula para a coorte também é creditado a Marius, embora esta mudança pudesse ter sido apenas finalizada por Marius, ao invés de totalmente implementada por ele. A guerra social de 91-87 AC destacou que a mão de obra ainda era um problema para o Exército romano, ocasião em que a cidadania romana foi concedida para os aliados italianos, no final da guerra ,garantindo, dessa forma, um maior rol de homens para o exército.

Chegou, então, a vez da República e tmbém do início da Roma Imperial, quando Augustus reorgani-zou o Exército romano, aumentando o tempo de serviço e criando um tesouro militar, entre outras coisas. O exército continuou a se desenvolver, incluindo diferentes táticas e formações, que se mostraram mais eficazes contra os novos inimigos de Roma. No Século II DC, Roma encontrava-se implantando as unidades de cavalaria blindada, e, ainda que ele, anteriormente, tivesse usado armas de cerco, empregando flechas

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e pedras lançadas de catapultas, foi no Século III DC que Roma começou a valorizar o emprego da artilha-ria, com a adoção do onager, um grande lançador de pedras.

Existem muitos escritores clássicos que são úteis para se consultar quando se estuda o Exército romano, tanto gregos como romanos. Políbio é muito útil para se avaliar o Exército romano, pois fornece informações sobre suas armas, disciplina e recompensas pela coragem, bem como o descreve em com-bate. O historiador judeu Flávio Josefo (34 a 100 D.C.), embora possivelmente reutilizando Políbio, aborda a formação e a disciplina do exército romano. Frontius (40 a 103 D.C.), por sua vez, escreveu uma obra intitulada “Estratagemas”; coberta de sangue são as narrativas de Cipião, Corbulo, Pisão e M. Antonius , além de outras questões. Vegetius (Século V DC) escreveu uma epítome da ciência militar que abrange desde a seleção dos recrutas, o treino com armas, o adestramento em manobras de batalha e outras questões práticas que se relacionam com o Exército romano. Esta obra é disponibilizada no Anexo E– De re militari), ainda que em inglês.

A FALANGE GREGA

O Exército romano dos tempos mais cedo, no entanto, foi uma coisa diferente, por completo, do que foi o exército imperial, de mais tarde.No início, sob a égide dos reis etruscos, a enorme falange grega era a formação de combate. Assim, os soldados romanos de então, portanto, deveriam ter sido muito parecidos com os hoplitas gregos.

Um momento chave na história romana foi a introdução do censo (a contagem do povo) sob Ser-vius Tullius. Com isso, os cidadãos foram classificados em cinco classes, que definiram diferentes graus para o recrutamento nas fileiras do exército. Os mais ricos, a primeira classe, foram o mais fortemente armados, tal como o guerreiro hoplita grego, sendo equipados com capacete, escudo, perneiras e peitoral, tudo de bronze, e portavam uma lança e uma espada. As classes de menor nível, também recebiam menor armamento e armamento, sendo que a quinta classe não portava armadura, sendo armada, unicamente, com estilingues. Os oficiais do exército, bem como a cavalaria eram obtidas de cidadãos líderes, que eram arrolados como cavaleiros (equites).

Todo o Exército romano consistia de 18 centúrias de equites, 82 centúrias de primeira classe (dos quais 2 centúrias eram de engenheiros), 20 centúrias das segunda, terceira e quarta classes e 32 centúrias da quinta classe (das quais 2 centúrias eram de trompetistas). No início do Século IV AC, Roma sofeu sua maior humilhação, quando os gauleses saquearam Roma propriamente dita.

Se Roma pretendia restabelecer sua autoridade na Itália central, ela deveria estar preparada para enfrentar quaisquer catástrofes semelhantes no futuro e, portanto, seria necessária uma reorganização do seu exército. Estas mudanças foram tradicionalmente realizadas mais tarde, em razão do trabalho do grande herói Fluvius Camillus, mas parece mais provável que as reformas tivessem sido introduzidas gradualmente durante a segunda metade do Século IV AC. Sem dúvida, a mudança mais importante foi o abandono do uso da falange grega.

A Itália não foi governada por cidades-estados, como a Grécia, onde os exércitos se enfrentavam nas grandes planícies, um terreno julgado adequado, por ambos os lados, para se chegar a uma decisão.

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Fig 01 – Hoplita do Sec V AC (um hoplita no estilo grego) Na mais antiga história romana, os soldados combateram, em grande parte, equipados da mesma forma que os guerreiros gregos. Das cinco classes definidas no censo, a primeira classe era composta por aqueles cidadãos ricos que possuía o melhor armamento. Este hoplita está excelentemente equipado sendo, portanto, sem dúvida, pertencente à primeira classe

Na Itália, o que havia era uma coleção de tribos das montanhas, que utilizavam o terreno difícil para obter sua vantagem. Haveria de se ter algo bem mais flexível para se combater esses inimigos, ao invés da lenta e pesada falange.

A LEGIÃO INICIAL (SÉCULO IV A.C.)

Ao abandonar a falange, os romanos demostraram sua genialidade para a adaptabilidade, embora muito do crédito não pode ser devido aos romanos sozinhos. Para Roma foi a Liga Latina, uma aliança for-mada inicialmente contra os etruscos, que possibilitou o cedo desenvolvimento da Legião, o que também pode ser visto como um desenvolvimento latino.

Havia agora três linhas de soldados, o Hastati na frente, o Principes, formando a segunda linha e o Triarii, Rorarii e Acensi na retaguarda.

Na frente ficava a linha de Hastati, que era constituída, provavelmente, dos lanceiros da segunda classe na organização anterior da falange. O Hastati consistia de jovens guerreiros que portavam arma-dura e um escudo retangular, o scutum, que permaneceria como o equipamento distintivo do legionário, ao longo da história romana. Como armas, eles carregavam uma espada e javelins (dardos). Embora integrados ao hastati, mas não integrante dele, havia os escaramuceiros (Leves), que eram muito mais levemente armados portando apenas uma lança e vários dardos.

Os soldados da antiga primeira classe agora aparecem transformados em dois tipos de unidades, o Principes na segunda linha e o Triarii na terceira linha. Juntos, eles formavam a infantaria pesada.

O Principes eram guerreiros escolhidos em razão da sua experiência de combate e maturidade. Eles eram similares aos Hastati, embora mais bem equipados. Na verdade, o Principes eram os homens mais bem equipados na legião precoce

O Triarii era composto de veteranos e pareciam e operavam como os hoplitas fortemente arma-dos da falange grega antiga.

As outras novas unidades, os Rorarii, Accensi (e Leves) representavam o que já tinham sido as

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terceira, quarta e quinta classes do antigo sistema da falange.O Rorarii eram homens mais jovens, inexperientes, e o Accensi eram os lutadores menos confiá-

veis. Na frente, o Hastati e o Príncipes, formavam, cada qual, uma manipula com cerca de 60 homens,

com 20 leves integrados a cada manípula de Hastati.Na retaguarda, o Triarii , Rorarii e e Accensi eram organizados em um grupo de três manípulas,

com cerca de 180 homens, chamado um ordo.Como cita o historiador Tito Lívio, a principal força de combate era constituída dos Principes e

do Hastati, com uma força de quinze manípulas Para ele o seguinte tamanho poderia ser atribuído a uma legião:

As táticas eram assim conduzidas:O Hastati deveria atacar o inimigo. Se as coisas ficassem muito difíceis, ele poderia recuar atra-

vés das linhas de Príncipes, a infantaria pesada, e ressurgir para realizar contra-ataques.Atrás do Principes, ajoelhados a alguns metros de distância, ficava o Triarii que, se a infantaria pe-

sada fosse empurrada para trás, deveria carregar para a frente com as suas lanças, chocando o inimigo pelo repentino surgimento de novas tropas e permitindo, assim, que o Principes se reagrupasse. O Triarii ficava geralmente compreendida como a última linha de defesa, para trás da qual os Hastati e Principes poderiam se retirar, caso a batalha estivesse perdida. Por trás das fileiras fechadas do Triarii, o exército, então, tentaria se retirar do campo de batalha.

Havia um ditado Romano que dizia: “Chegou a vez do Triarii”, o que descrevia uma situação deses-peradora.

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famoso Fluvius Camillus fez algumas mudanças significativas para o armamento da legião, de acordo com a visão romana tradicional. Quando os elmos de bronze mostraram-se ser insuficientes para prover uma proteção adequada contra os golpes das espadas longas dos bárbaros, os romanos resolve-ram a questão com os capacetes feitos em ferro com uma superfície polida, de modo a desviar os golpes de espadas do inimigo. (vale, no entanto, dizer que os elmos de bronze foram, mais tarde, reintroduzidos).

Coube também aos romanos (Camillus) a introdução do scutum, o grande escudo retangular. Mas na verdade, é duvidoso que tanto o elmo como o scutum tivessem sido introduzidos por Camillus sozinho.

No começo do Século III AC, a legião romana provou ser uma adversário à altura contra o rei Pyrrhus de Epirus e sua bem treinada falange macedônia e seus elefantes de batalha. Pirro era um estra-tegista brilhante, da tradição de Alexandre o Grande, e suas tropas eram de boa qualidade.

As legiões romanas podem ter sido derrotadas por Pirro (e só sobreviveram devido a um recurso quase interminável de tropas frescas), mas a experiência reunida ao lutar contra um inimigo tão poderoso foi de um valor inestimável para os grandes confrontos que estariam por vir.

No mesmo século, o Exército romano viu-se em face da primeira guerra contra Cartago e, no final do século, as legiões romanas derrotariam uma nova tentativa pelos gauleses em lançar-se para o sul do vale do Pó, provando que, então, os romanos eram, de fato, um poderoso oponente para os bárbaros gauleses que, anteriormente, haviam saqueado sua capital.

Desde o início da Segunda Guerra Púnica, o historiador Políbio nos informa em sua formula toga-torum, que Roma possuía o maior e melhor exército do Mediterrâneo. Eram seis legiões compostas de 32.000 homens e 1.600 cavalarianos, juntamente com 30.000 aliados de infantaria e mais 2.000 aliados de cavalaria. E este era apenas o exército permanente. Se Roma chamasse todos os seus aliados italia-nos... ela teria mais outros 340.000 de infantaria e 37.000 de cavalaria.

AS REFORMAS DE SCIPIO

Um homem que deu uma grande contribuição para o desenvolvimento do Exército romano, assim como para a sobrevivência de Roma, foi Cipião o Africano (Publius Cornelius Scipio).

Acredita-se ter ele estado presente nos desastres militares de Trébia e Canas, onde ele aprendeu a lição que o Exército romano precisava para empreender uma mudança drástica no que dizia respeito às táticas. Com apenas 25 anos de idade, ele assumiu o comando das tropas na Espanha e começou a treiná-las, como ninguém havia feito até então. Sem dúvida, os legionários romanos foram as melhores tropas daqueles tempos. Mas nas manobras táticos, em face daquelas que Hannibal executou no campo de batalha, os romanos deveriam ser aprimorados.

Se Cipião estava fazendo a coisa certa, então sua vitória sobre Hannibal em Zama claramente a confirmou.

Os jovens e inteligentes futuros comandantes romanos foram rápidos em ver a sabedoria da abordagem de Cipião e adotaram aquele estilo militar.

A revolução de Cipião mudou a maneira de ser das legiões. Roma deveria, agora, usar táticas adequadas no campo de batalha, ao invés de, simplesmente, depender unicamente da superioridade de

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combate dos legionários. De agora em diante os soldados romanos seriam liderados por homens inteli-gentes que pretendiam subjugar seu inimigo pela manobra, ao invés de, meramente, alinhar-se e marchar de encontro ao inimigo.

Se Roma já tinha os melhores soldados, agora, também deveria obter os melhores generais.

A LEGIÃO ROMANA (SÉCULO II AC)

Quanto ao Sec II AC, existem relatos de uma legião já ligeiramente reorganizada.O Hastati ainda encontrava-se na frente da linha de batalha, usando couraças de bronze ou, os

mais ricos, casacos de cota de malha. Eles agora também usavam plumas de penas roxas e pretas nos elmos, de forma a aumentar em 18 polegadas a altura aparente dos legionários, de forma a parecerem mais intimidantes para o inimigo. Eles carregavam um pilum, uma lança de madeira bem trabalhada com uma ponta de ferro. Os dardos que eram usados agora eram mais curtos, com apenas cerca de quatro pés de comprimento, mas com uma cabeça de nove polegadas de comprimento, e bem martelada, mas pouco rústica para que quebrasse durante impacto e não pudesse ser retornado pelo inimigo.

As outras fileiras da Legião eram equipadas da mesma maneira, exceto que eles carregavam uma lança longa, a hasta, em vez do pilum mais curto.

Os Rorarii e Accensii aparecem, agora, como tendo se tornado Velites. O Velites não formava sua própria linha de batalha, mas era dividido igualmente entre todas as manípulas para complementar os seus efetivos. Ressalta-se que os Velites - as tropas mais móveis que operavam na parte da frente do exército - fustigavam o inimigo com seus dardos, antes de retraírem através das fileiras dos Hastati e Principes .

As divisões eram, agora, compostas de 10 manípulas. Os números são um pouco incertos, mas o que se sabe é que a manípula Hastati consistia de 120 homens.

As demais subdivisões de todas as três fileiras (Hastati, Principes e Triarii) eram uma das 10 ma-nípulas. Uma manípula é definida como consistindo de 160 homens. (Embora o hastati contivesse, suposta-mente, 120 homens por manipula). As figuras, no entanto, são confusas. Presume-se que o total de homens da manipula considerasse a adição de Velites. ou seja, 120 Hastati + 40 Vélites = 160 homens = 1 manípula.

Fig 02 – Veles (plural: velites) Secs II e III AC - Os Vélites eram escaramuçadores levemente armados que operavam na frente do exército em formação frouxa.Seu papel era, portanto, o de fustigar o inimigo, para provocar determinadas unidades em batalha ou simplesmente diversionar o inimigo quanto às manobras do corpo prin-cipal por trás deles. Nota: Contra Hannibal, o Vélites provaram ser uma excelente isca para os elefantes, levando-os para longe das linhas de batalha romanas. Dado ao seu papel, um veles precisava ser jovem, rápido e ágil. É provável que um veles pudesse, de fato, levar uma coleção de dardos no campo, uma vez que estes eram seu armamento principal. É possível que eles operassem em equipes de dois, um preparando as armas e operando como um homem-escudo, enquanto o outro engajava o inimigo com dardos.

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O soldado, agora, usava a gladius, também conhecida como “a espada hispânica dos romanos”, aparentemente devido às suas origens. Os elmos de ferro havam sido, agora, substituídos pelos de bron-ze, uma vez mais, embora com um metal mais grosso.

Cada manipula era comandada por 2 centuriões: o primeiro comandava a seção direita da mani-pula e o segundo a seção esquerda.

A força de cavalaria, composta de 300 homens era dividida em 10 esquadrões (turmae), cada uma com 3 decuriões no comando.

Fig 03 - Hastatus dos Sec III e II AC - A gravura pode, de fato, ser de um hastatus ou de um principis. A distinção das duas não é muito clara. Os hastati formavam a primeira linha de batalha, à frente dos principes. O final, a terceira linha, compreendia os triarii com suas lanças longas. Ambos, hastati e principes eram armados da mesma forma, portanto, eles são difíceis de serem distinguidos. Portavam um grande escudo curvo, maior e mais pesado do que os legionários de mais tarde, um simples elmo de bronze abobadado com dois painéis laterais, armadura de cota de malha, uma espada e como armamento complementar uma pila (dardos de lançamento).

Fig. 04 – Triarius dos Sec III e II AC - Os triarii formavam a espinha dorsal pesada da legião no início republicano. Era atrás deles que os menos armados velites, has-tati e principes poderiam se retirar, caso o pior viesse a acontecer. “Chegou a vez dos triarii” dizia um ditado romano tradicional descrevendo uma crise. O triarii tinha alguma similaridade com os hoplitas gregos porque, na sua essência, eles operavam da mesma forma, formando uma parede de escudos, eriçado com lanças. Aqui nosso triarius está equipado com um grande escudo curvo, maior e mais pesado do que o dos legionários de mais tarde, um simples elmo de bronze abobadado com dois painéis laterais, armadura de cota de malha, uma espada e uma lança longa com o qual podia manter o inimigo à distância. Olhando-se de perto, pode-se notar que só sua perna esquerda está armada com uma perneira de bronze, porque a perna esquerda seria, em combate, a perna voltada para a frente, mais próxima ao inimigo.

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Quanto mais o Oriente ficou sob o controle romano, tornou-se inevitável que um número crescente de cidadãos se envolvesse em empresas comerciais em razão do que o serviço forçado no exército tor-nou-se um incômodo considerável. Roma já não podia contar com um fornecimento regular de legionários oriundos de toda a população residentes no país. O serviço na Espanha ficou particularmente impopular. Uma série contínua de guerras locais e revoltas, má liderança romana e pesadas perdas, tudo isso tornou o serviço militar desisnteressante, agravado, particularmente pela possível morte e pela má remunera-ção.

Em 152 AC, a pressão popular em Roma foi tal que o método tradicional de alistamento foi modifi-cado e homens foram escolhidos por sorteio, por um período de seis anos de serviço contínuo.

Outro efeito foi um aumento da utilização de forças aliadas. Quando Cipião Emiliano Africano con-quistou a Numância em 133 AC, auxiliares ibéricos constituíram dois terços de sua força. No Oriente, a crítica batalha de Pidna, que terminou a Terceira Guerra Macedónica provavelmente foi vencida pelos aliados que, com elefantes, esmagaram a ala esquerda de Perseus e habilitaram os legionários a s dividir e flanquear a falange Macedônia.

A expansão ultramarina também teve um efeito grave sobre os cidadãos das classes superiores. Novas oportunidades de enriquecimento e o aumento da corrupção, aliadas à falta de uma competente liderança tornou a oferta de conscritos cada vez mais difícil.

Os irmãos Gracos tentaram travar o declínio nos números recrutáveis para o exército através de benesses, tais como a distribuição de terras e que se estendeu, também aos aliados italianos. Mas como estratagema este falhou, e os dois irmãos foram mortos, a cena extrapolou para a guerra social e a chegada de Mário e Sulla.

AS REFORMAS DE MARIUS

No final do primeiro século A.C., a República de Roma era um sistema pronto para o colapso. Du-rante séculos a República tinha invocado seus homens que possuíam propriedade para servir no exército, como seu dever para o Estado e seu direito exclusivo como proprietários de terras; principalmente por-que os proprietários teriam dinheiro suficiente para equipar-se para a guerra e permanecer no exterior por longos períodos de tempo. Por outro lado, como o serviço militar era um dever para com o Estado, não haveria nenhum pagamento por uma participação obrigatória nas forças armadas. Para a aristocracia, o sucesso e o reconhecimento do serviço militar constituía o fator decisivo para uma carreira política de sucesso ou de insucesso.

Nos séculos precoces da República, o exército fez campanha em torno dos plantios e durante os ciclos de colheita, para que os proprietários pudessem acompanhar suas fazendas apesar de seu serviço no exército. No primeiro século A.C., as campanhas estavam se movendo mais e mais para longe da ca-pital, lutando contra inimigos novos, tais como as tribos germânicas invasoras que não terminavam com suas incursões para plihar propriedades, estuprar mulheres e hostilizar os romanos das terras, para que a colheita não pudesse ser concluída. O resultado destas estendidas campanhas foi a quebra de muitas pequenas fazendas que não haviam sido devidamente trabalhadas, ficando condenadas a ao abandono, até

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que seu dono voltasse da guerra.Os homens ao voltarem da guerra, exaustos e doloridos, ansiosos para os confortos da casa, mui-

tas vezes tinham de voltar para a monstruosa tarefa de limpeza de suas terras invadidas, obrigando-os a, uma vez mais, produzir uma nova colheita. A estes homens não havia nenhum outro recurso senão o de vender suas terras - pois eles morreriam de fome antes que a fazenda pudesse produzir qualquer comida - e migrar para a cidade na esperança de encontrar trabalho. Assim, um crescimento urbano de pobres começou a se desenvolver: um proletariado furioso com treinamento militar.

Os irmãos Gracos, Tibério (130 AC) e Caio (120 AC), tentaram reformar o sistema agrário tornan-do-se tribunos dos plebeus a fim de estabelecer a reforma agrária através do mais baixo conselho da República (o conselho dos plebeus). Estas reformas agrárias deveriam limitar as terras mantidas pelos grandes latifundiários, principalmente os da aristocracia e redistribuir as terras entre os pobres urba-nos. Isto seria bom para aqueles pobres que, também tornar-se-iam, novamente elegíveis para o serviço militar. A aristocracia, cujas terras seriam tomadas por estas reformas, não aceitaram o método dos irmãos Gracos de levar o voto direto para o conselho dos plebeus, alegando que ele ameaçava a chave da colegialidade do governo oligárquico. Os dois irmãos Gracos foram assassinados por multidões incitadas pelo Senado, para garantir que eles nunca usassem o apoio dos plebeus contra o Senado. Algumas de suas reformas, no entanto, foram implementadas, mas elas não resolveram o problema da diminuição dos latifundiários elegíveis para o serviço militar nem o da crescente pobreza urbana.

No meio desta mistura de eventos chegou Gaius Marius, um membro da aristocracia municipal de Arpinum e cliente do nobre Q. Caecilius Metellus Numidicus. Marius, um homem de extraordinário talento militar, provaria ser o catalisador necessário para reformar o Exército romano e mudar o curso da Re-pública Romana para sempre, e com sucesso.

A VIDA DE GAIUS MARIUS

Gaius Marius nasceu em 157 AC em Cirrhaeaton, perto de Arpinium. Ele nasceu de uma família que tinha só recentemente adquirido o status de equestre, mas que tinha ligações políticas com figuras influentes como Cipião Emiliano Africano e a Metelli. Marius serviu sob o comando Cipião, como questor, na Numância, em 123 AC. A partir daí, então, ele foi escolhido como tribuno militar em 119 AC, depois de receber o aviso e o louvor de Cipião.

Marius foi eleito praetor urban em 115 AC e, logo depois, casou com Julia, a tia de Julius Caesar (quem Plutarco afirma ter sido fortemente influenciado por Marius). O próximo passo da carreira de Marius foi servir como legado sênior para seu patrono Metelo na guerra de Jugurta. Segundo Plutarco, Marius ganhou a admiração dos soldados nestas campanhas, em razão da sua vontade de apreciar as mesmas dificuldades como eles o faziam. Marius tornou-se cada vez mais desconcertado com Metelo quando foi iniciada a campanha de Jugurta e, em 107 AC, ele voltou para Roma e foi eleito cônsul pela primeira vez. Ele voltou àluta e, com a ajuda de seu questor Sulla, capturou Jugurta.

Neste momento, Marius começou a primeira de suas reformas. “Contrariando a lei e os costumes, ele alistou em seu exército homens pobres, que não possuíam qualificações de propriedade...” (Plutarco).

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Marius entendeu o problema dos recursos humanos e, em consequência, uma crescente onda de pobres urbanos puderam, de um só golpe, serem aceitos no exército. Muitos destes pobres urbanos puderam ser alistados no exército e equpados pelo Estado, desse modo inchando as legiões romanas.

Marius foi eleito cônsul por uma segunda vez em 105 AC, a fim de lidar com a ameaça de uma invasão bárbara na Itália. Os bárbaros não atacaram imediatamente e Marius foi, consecutivamente, elei-to para um terceiro, depois para um quarto e um quinto consulado, quando ele finalmente terminou a crescente ameaça dos bárbaros. Além disso, Marius promulgou muitas outras reformas durante estes consulados.

Marius então tentou atrasar o retorno de Metelo do exílio, mas foi quando ele falhou ao não con-seguir ir para o leste confrontar Mitridates. Ao retornar ao comando, durante as guerras sociais, ele foi muito bem sucedido na frente norte. No entanto, quando não lhe foi dado o comando supremo, Marius se aposentou. Mais tarde, enquanto Sulla lutava contra Mitridates, Sulspicius teve o concilium plebis transfe-rido ao comando de Marius. Sula retornou, no entanto, e talvez devido às reformas de Marius, os soldados permaneceram leais a Sulla, que, então, expulsou Marius para fora de Roma. Durante sua dramática e perigosa fuga, Marius foi supostamente inspirado a continuar a lutar por causa, em razão de uma visão que ele teve. Nesta visão, Marius viu sete águias em sua vida. Ele entendeu que isso representaria os sete consulados que manteria em sua vida (ele já possuía seis a este ponto). Se a lenda é verdadeira ou não, o fato é que Marius foi eleito cônsul por uma sétima vez em 86 AC. No entanto, 17 dias depois, a saúde fraquejou e Marius morreu.

O EXÉRCITO ANTES DE MARIUS

Para se compreender, plenamente, o significado dessas reformas militares, primeiro é preciso entender como era o exército antes que as alterações tivessem ocorrido. Antes da época de Mário, a guerra e o serviço militar eram uma obrigação e um privilégio dos ricos. A tradição diz que o rei Servius Tullius (580 AC a 530 AC) teria organizado 3 principais “grupos de riqueza” militares, que definiam o seu papel militar baseado em cima daquele equipamento que o cidadão romano, em face de seus recursos próprios, poderia comprar. Por exemplo. A cavalaria era constituída pelos extremamente ricos, porque o custo para se manter um cavalo na época romana era enorme (na verdade os cavalos eram tão valiosos que a própria cavalaria não poderia lutar com eles); eles cavalgavam em direção à batalha e, então, desmontavam para lutar. Os capite censi eram formados principalmente por homens sem qualquer pro-priedade. Não poderiam servir no exército, uma vez que isto era um privilégio negado aos pobres.

De acordo com Políbio, as forças romanas de 311 AC tinham sido organizadas em 4 legiões, que eram apoiadas por comparáveis formações de aliados (socii). Políbio também afirmou que já desde o século V AC, que o tesouro romano havia começado a subsidiar o exército. Os soldados recebiam uma stipendium que os ajudava a enfrentar o custo de vida, enquanto eles estavam fora. No Século II, o le-gionário passou receber uma taxa diária de um terço de um denário, enquanto os equites (cavalaria) teriam um denário por dia para cobrir os gastos de manutenção dos seus cavalos. No entanto, no tempo contemporânea ao de Marius, um soldado era ainda responsável por prover o seu próprio equipamento, e

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o stipendium não era suficiente para ele ganhar a vida.

A REFORMA DE MARIUS

Houve várias reformas na prática e no procedimento militares e que foram atribuídas a Marius. Muitas destas reformas não foram mudanças imediatas que podem ser fixadas a uma única data, mas sim processos contínuos que já tinham sido iniciados pelos antecessores de Marius, e que só chegaram a ser concretizadas, quando Marius implementou as mudanças dentro de seu exército. Foram duas grandes reformas de Marius que podem ser classificadas como alterações estruturais: a introdução das coortes e a mudança no requisito da propriedade da terra anteriormente necessári para o serviço. À Marius também são creditadas com algumas adaptações táticas, bem como a expansão de algumas tradições, o que ajudou a tornar o exército mais eficiente.

REFORMAS TÁTICAS

Ajuste da pillum esada (javelin):De acordo com Plutarco, Marius substituíu um dos dois rebites de ferro, que mantinham a ponta da

lança fixada no eixo do pilum por um rebite de madeira. Com esta diminuição de força de fixação, as partes constituintes da pillum se separavam após o impacto. Isto tornava impossível que o inimigo retornasse a arma contra os romanos. César, mais tarde afastou-se desta adaptação; em vez disso, optou por deixar o rebite de ferro sob o ponto de fixação, para que ele se dobrasse durante o impacto e ficasse impossível de ser retornado contra os romanos.

Transporte de todo o equipamento necessário pelos próprios soldados: se mantivessem todos ao ritmo da bagagem, Marius fez seus homens carregarem seus próprios

equipamentos e suprimentos. Os soldados, além de portarem sua armadura e suas armas, passaram a carregar, também, a ração de emergência, bem como as ferramentas necessárias à cavação de trinchei-ras e à preparação de alimentos. Josefo afirma que um soldado comum teria que carregar as armas, uma serra, uma cesta de vime para deslocamento de terra, um pedaço de corda ou couro, uma foice e uma picareta com uma lâmina de corte de um lado e um dente do outro para escavação ou corte. Os itens que não podiam continuar juntos com sua pessoa seriam presos à muralia pila (polo – um arremedo de mochila). Marius, supostamente, teria introduzido um garfo na cabeça do pólo para facilitar a arrumação das coisas e o transporte do equipamento. Plutarco escreve na biografia de Marius que os soldados foram apelidados de “as mulas de Marius”. Tal característica acompanharia o Exército romano ao longo do tempo do Império Romano.

Emprego do estandarte e da águia (Aquila) para cada legião:A Legião republicana, de acordo com Plínio, o Velho, tinha cinco estandartes: o lobo, a águia, o

minotauro, o cavalo e o javali. Cada um destes animais estava associado às diferentes divisões: hastati,

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principes e triarii, que eram divisões baseadas em riqueza e equipamentos. A seleção da águia ou Aquila, um pássaro associado com Júpiter, como o padrão supremo de todas as legiões foi introduzida por Ma-rius. Os soldados faziam devoções à sua águia padrão, que simbolizava o espírito coletivo. O estandarte era carregado para a guerra por um porta-estandarte sênior, o aquilifer, secundado, somente, por um centurião na fileira. Isto não só servia para aumentar a lealdade e a devoção dos soldados para com a unidade e o comandante, como também refletia a fusão das antigas divisões dentro do exército, ora facilitada pela maior utilização da coorte.

A COORTE E FORMAÇÕES TÁTICAS

O exército evoluiu constantemente ao longo dos séculos, desde aquele constituído de homens ricos, obrigados a prover-se a si próprio, até outro que deveria ser custeado pelos fundos públicos. A reorganização estrutural do exército esteve pronta para ser realizada na época de Marius: o tesouro do Estado já havia iniciado o financiamento do exército, dez anos antes da época de Gaius Gracchus, quando sua qualificação de classe tinha deixado cair abaixo do nível aquilo que o soldado poderia pagar por seu próprio equipamento. Assim, a igualdade de equipamentos dos soldados cresceu como resultado do uni-forme financiamento pelo tesouro romano. A expulsão completa do requisito de propriedade exigiu uma reorganização do exército, em que as antigas divisões basearam-se na riqueza e na experiência. Com estes dois elementos abolidos, aumentou o influxo de voluntários a se alistar, esperançosos nos espólios de guerra, mas os legionários, em si mesmos, seriam todos iguais. Esta igualdade emprestou uma enorme flexibilidade ao exército que Marius foi capaz de utilizar, taticamente, através de sua criação da coorte.

A mais importante reforma imposta ao Exército romano foi atribuída a Marius: a da alteração do milenar sistema manipular para o de coortes. A base para esta alteração fica claramente evidenciada pelo fato de que há muito não havia parâmetros balizadores para se servir no exército, em razão do que havia significativas diferenças nos tipos de armamamentos e equipamentos, que cada grupo, ou tipo, portava, pois dependia das posses de cada um. A partir de Marius, todos passaram a ser supridos pelo Estado romano, o que possibilitou, por consequência, a mudança da tática.

No sistema manipular existente antes de Marius, como já se viu, havia quatro divisões distinhtas: o Velites, o Hastati, o Principes e o Triarii. O Velites era equipado com espadas, javelis e um pequeno escudo circular (Parma). Eles eram reconhecidos à distãncia, em razão da pele de lobo que usavam sobre seus elmos. O segundo grupo era o Hastati, cujos elmos eram ornamentados com grandes penas, para que parecessem excessivamente altos. Estes eram seguidos pelo Principes que era equipado e armado de foma similar (e econômica) ao Hastati. Tais grupos tinham 1.200 homens, cda um deles carregando um escudo oval, uma espada curta (gladius) e duas pila (uma pesada e uma leve). O último grupo era o do Triarii, compostos dos homens mais velhos e mais experirentes, que também eram igualmente equipados, mas que ortavam uma lança de empurrar (hasta). Havia, também, um pequeno grupo de cavaleiros (equi-tes). Veja-se a figuras mostrasdas a seguir, para que se compreeenda a formação de batalha do sistema manipular e do sistema em coortes.

A coorte foi uma adaptação do já existente sistema manipular. A legião manipular era subdividida

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em 10 manípulas, cada uma com 7 centúrias de 60 homens. Estas sete centúrias eram divididas como se sehue: 2 de Velites, 2 de Hastati, 2 de Principes e 1 de Triarii, conforme a figura abaixo.

coorte eliminou o pobremente armado Velites e criou 3 grupos de 2 centúrias, cada uma com 80 hmens, resultando um total de 6 centúrias (480 homens). A legião, como um todo, possuía 10 coortes resultando em um efetivo de 4.800 homens. Eventualmente, a centúria poderia contre 100 hmens, donde a legião com um efetivo de 6.000 homnes.

Para encerrar este módulo, vejamos a seguintes considerações:

A LEGIÃO NA BATALHA(Referência : Capítulo VI da Epítome da Arte Militar de Vegécio)

IConsiderações iniciais

Vou agora explicar, exemplificando, com uma legião, como o combate deve ser preparado, se a luta parace próxima, para que, se for necessário, possa fazer-se o mesmo com várias outras.

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Assinalamos, em primeiro lugar, que a cavalaria deve ser colocada nos dois lados.A ponta dos infantes da primeira cohorte começa a entrar em forma no lado dirito; em seguida

a esta, forma-se a segunda cohorte, a terceira e a quarta; a quinta constitui a esquerda e fica à frente das insígnias. Os que formam a primeira ponta são os príncipes - os principais, os primeiros - todos os outros são os ordinários. A primeira ponta era a armadura pesada, isto é, compreendia os que tinham arneses e armamentos completos, inclusive glavas maiores ou espadas e menores, ou meias espadas; cinco chumbadas ou espículo e setas. Os infantes exercitavam-se especialmente em lançar o pilo, que podia, se era com força e habilmente, varar os escudos, atingindo o corpo do adversário, quer infante, quer cavaleiro. Os outros dardos eram menores, tendo uma ponta de ferro triangular de cinco plegadas e a haste de três pés e meios e se chamavam verutos, isto é, broche, por causa de sua forma, os quais se haviam já denominados verrículos ou dardos belicosos.

As primeiras fileiras eram formadaspelos príncipes as segundas pelos hastatis (ou hastários, halabardeiros, lanceiros), assim chamados porque eram dotados de tais armas; após vinham os feren-tários, isto é, ligeiramente armados, que chamamos hoje auxiliares e armaduras. Os escudeiros, ou seja, cobertos por escudos providos de chumbadas, ou de espadas e dardos, eram armados como mais ou menos todos os companheiros de guerra de agora parecem ser.

Havia também os sagitários e arqueiros, com suas coberturas de cabeça, arneses e glavas, setas e arcos; os fundibulários, que com seus arcos ou arbaletas lançavam setas.

O segundo escalão da legião era disposto de modo análogo ao precedente, mas os guerreiros que se achavam reunidos chamavam-se lanceiros.

Nele se colocava a sexta cohorte do lado direito, seguida das sétima, oitava e nona. A décima ficava sempre à esquerda.

Todos os porta-insígnias levavam lorigas (cotas de malha) menores, com os elmos cobertos de peles de ursopara aterroriizar os inimigos.

Os centuriões dispunham de catrafatos, isto é, arneses completos, escudos, elmos ferrados cujas cristas (penas, penachos) prateadas os atravessavam, para serem mais facilmente reconhecidos, como se disse anteriormente.

IIA reserva

Depois que os dois primeiros escalões da legião tinham tomado seus lugares, colocavam-se os triários, armados de escudos arneses, elmos, perneiras de ferro, glava, meias espadas, ou adagas, chum-badas e dois plos ou dardos.

Ficavam ajoelhados numa perna para que, se o primeiro escalão fosse batido, a vitória ainda pudess ser obtida graças a eles.

IIIA legião no combate

Convém saber e reter cuidadosamente que no começo da escaramuça e do combate, a primeira e

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a segunda linhas de batalhas ficavam imóveis.Os triários ficavam ajoelhados atrás, como a armadura do exército, enquanto que os sagitários,

fundibulários, que são levemente armados, à frente da legião, excitavam o adversário a combater. Se conseguiam repelí-lo, perseguiam-no; se eram rechaçados, voltavam para sua gente e se colocavam à re-taguarda. ntão, os do grosso, pesadamente armados, empreendiam o combate, mantendo-se tão estáveis e firmes, se se pode assim dizer, como uma muralha de ferro. Não combatiam somente com seus dardos e setas, mas também corpo a corpo, com as espadas e as maças. Se conseguiam fazer o inimigo recuar, não o perseguiam para não desfazer a formação, evitando que o inimigo os encontrasse em desordem, caso retornasse à luta. As tropas leves, fundibulários, sagitários e cavaleiros, tomavam a seu cargo perseguir o inimigo em fuga. Dessa maneira, graças a tais precauções, a legião obtinha facilmente a vitória ou, se era vencida, retirava-se sã e salva. Tinha por lei não fugir, nem perseguir o inimigo levianamente.

IVOs meios de comando da legião

É necessário que a legião possua corneteiros, trombeteiros e buzinadores. Esses músicos eram o seu ornamento, ao entrar em luta e no seu regresso. Os que tocavam a trompa reta chamavam-se conici-nis e cabia-lhes dar o sinal para a batalha ou retirada. Quando os soldados deviam fazer individualmente ou deixar de fazer qualquer coisa, soavam as trombetas. Quando deviam obedecer, sob as insígnias, soavam as cornetas (cornos). Durante a batalha, esses instrumentos tocavam conjuntamente e também as buzinas.

Chama-se clássico o som produzido pelos buzinadores. Esse nobre sinal parece pertencer ao Império, pois só é feito em presença do imperador, ou quando se decapita um homem de guerra por seus malefícios em consequência das instituições e leis do imperador.

Quando os soldados saem para fazer guarda ou vigilância, qualquer serviço determinado, para terminar algum trabalho, para manobra ou alarme do campo, obedecem à trombeta e regressam quando esta os chama. Desde, porém, que as insígnias se movem ou trocam de posição, ou quando já estão levan-tadas e expostas e se quer assentá-las e fixá-las, são os corneteiros que tocam.

Têm-se observado essas regras em todos os exercícios e marchas,porque na batalha os guerrrei-ros obedecem mais facilmente, quando os chefes os mandam combater, manterem-se firmes, prosseguir ou voltar. É certo e evidente que se deve sempre praticar no tempo de paz oque se deverá executar na guerra.

AS VÁRIAS FORMAÇÕES PARA A BATALHA

As formações de combate das legiões e suas linhas da batalha foram os agentes garantidores da superioridade romana nos campos de luta. Antes do exército da República, como já dito, os romanos empregavam três escalões (linhas) de combatentes, que incluíam os Hastati, os Príncipes e os Triarii.

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Este esquema tático foi utilizado até que o novo exército imperial de Roma passou a empregar apenas dois escalões de homens, cada qual formado de 5 cohortes.

Por vezes, no entanto, provavelmente em razão das características ou imposições do terreno e/ou do inimigo, eles adotavam um padrão de formação em três escalões, organizando-se, então, com 4 cohortes na primeira linha e 3 cohortes nas segunda e terceira linhas.

Mas de qualquer forma, no extremo da ala direita posicionava-se, sempre a cohorte mais forte: a Primeira Cohorte. E isto se devia ao fato de ela ser constituída dos veteranos do exército, os mais experientes, portanto, e que garantiriam um importante fator de vantagem a ser explorado naquele setor do campo de batalha. As demais cohortes, por sua vez, eram desdobradas no terreno de modo que as

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mais fortes garantissem as alas e o centro e as mais fracas fossem interpostas àquelas. Tal organização tática dava segurança às mais importantes partes da formação de combate e, ainda, fortalecia a moral dos combatentes.

As batalhas se desenvolviam, de um modo geral, nos mesmos moldes dos tempos que antecede-ram a reforma de Marius, com uma exceção: nos tempos mais modernos, a legião contava com o uso de uma artilharia de campanha pesada.

Freqüentemente, antes da artilharia pesada entrar em ação, uma barragem de mísseis era des-pejada dos onagers e balistas (antiga artilharia). Esta concentração de flechas, dardos e pedras tinha por objetivo enfraquecer, desanimar e desorganizar o inimigo. Assim, quando os legionários se aproximavam do oponente e chegavam a 30 jardas de distância, eles poderiam arremessar uma ou duas rajadas de pillum, armamento orgânico da infantaria, o que enfraqueceria ainda mais o inimigo, antes do combate corpo a corpo.

No desenrolar do combate, as linhas simples eram normalmente substituídas por 3 a 5 outras linhas de homens vindos de trás e descansados, de modo que os soldados pudessem sempre efetuar rodízios que permitissem repor as baixas e poupar os fatigados.

Em razão do cumprimento de um pesado adestramento e da existência de uma dotação uniforme de armamento e equipamento para todos os legionários, havia, sempre, a possibilidade de reorganização das cohortes, para fazer face às flutuações do combate e às novas situações possivelmente surgidas. Tais fatos exemplificam a engenhosidade e a eficácia do sistema militar romano.

Vale destacar a criação ímpar e, talvez, a mais famosa, da formação tortoise ou testudo (tar-taruga). Para desdobrar-se eficientemente, os soldados erguiam e juntavam entre si seus escudos de forma que uma companhia inteira se transformava em um caixa quadrada completamente invulnerável aos mísseis inimigos despejados de um lugar mais alto.

Ressalta-se que a estrutura básica das táticas da infantaria romana compreendia a necessidade da manutenção da ordem nas tropas, sem o que elas não poderiam combater eficazmente.

A maioria dos comandantes militares, no entanto, simplesmente pensavam que bastava que suas tropas se chocassem violentamente contra o inimigo, uma vez dotados de superioridade numérica e dos melhores soldados, para que se garantisse o sucesso nos combates.

Os romanos, com o tempo, compreenderam que nem sempre contariam com tais condições de combate, em face do que, deveriam servir-se de estratagemas adequados a cada circunstância, posto que, cada situação da batalha iria se apresentar, sempre, de forma diferente, donde a necessidade de condutas diferentes nos enfrentamentos.

A formação padrão para uma legião inteira em batalha é mostrada na página seguinte. A cavalaria seguia à frente e de onde pudessem proteger os flancos. Entre as alas de cavalaria havia duas fileiras de 5 cohortes.

A cohorte da direita (Primeira Cohorte) era composta de 1.100 infantes e 30 cavalarianos, en-quanto as demais continham 550 soldados a pé e 65 a cavalo. Atrás desse corpo principal postavam-se 7 unidades de tropas leves, seguidas de 7 unidades em reserva.

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ORDEM DE MARCHA

Quando a legião estava em deslocamento, uma organização diferente se fazia necessária. A maior parte da cavalaria seguia à frente, como vanguarda, sendo seguida pela infantaria, em uma longa coluna de cohortes. Atrás, então, vinha a tralha do exército, seus serventes e viaturas, guardados por várias uni-dades de cavalaria. Constituindo a cauda da coluna de marcha vinham as melhores unidades tanto de in-fantaria, como de cavalaria, como proteção contra possíveis ameaças vindas da retaguarda. As unidades leves, por sua vez, eram organizadas ao longo das extremidades da coluna, para agirem como escoltas de flanco (flancoguarda). A figura da página ao lado, procura demonstrar a ordem de marcha da legião:

III - AS LEGIÕES DE JÚLIO CÉSAR xxx

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III - AS LEGIÕES DE JÚLIO CÉSAR

Na tabela seguinte (segundo Livius), pode-se identificar o desenvolvimento do exército de Júlio César. Quando ele se tornou governador das Gálias Cisalpina e Narborensis, ele assumiu o comando das 4 legiões já existentes (VII, VIII, IX e X), mas durante as campanhas na Gália e na Guerra Civil contra Pompeu seu exército cresceu. Quando César foi assassinado, havia muito mais legiões que foram assumidas pelos sucessores de César.

Durante a República, a cada ano eram organizados dois exércitos consulares, num total de quatro legiões romanas e mais outras quatro italianas. Teoricamente, estas legiões deveriam servir durante um ano, para depois serem dissolvidas. Sem dúvida, depois da reforma de Caius Marius, o Exército de Roma converteu-se em um exército profissional, em razão do que as legiões adquiriram um caráter perma-nente. Em tal oportunidade, o emblema das legiões era a águia sagrada, mas dando continuidade a uma tradição, que remontava às origens dos exércitos milenares de outrora, cada legião possuía um emblema próprio: a figura de um animal. No caso das legiões de Júlio César, o animal mais popular foi o touro.

Existem muitas informações sobre as legiões de Júlio Cesar, cuja maioria pertence mais ao reino da lenda do que à História propriamente dita. A nós, neste trabalho, não interessam os relatos legendá-rios, nem as lendas populares, senão os dados confiáveis e históricos de cada uma delas, isto é, somente

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nos interessam os dados e fatos históricos pertinentes. Vale, por fim, ressaltar que algumas legiões tinham a mesma numeração, razão pela qual elas se distinguiam por seus apelidos.

HOMENAGEM À DÉCIMA LEGIÃO

Apelidos: EQUESTRIS, GEMINA e PIA FIDELIS DOMITIANA.Emblema: Touro.Fundador:: Senado de Roma.Ano de fundação:: Desconhecido.História: A Legio X era uma das legiões que César recebeu para comandar, quando eleito pró-côn-

sul da Gália Cisalpina e da Ilíria em 58 AC. A Legio X era, nem mais nem menos, a legião favorita de César. Uma das mais famosas unidades de

combate de toda a História, realizadora de façanhas assombrosas, a legião mais temida por seus inimigos e que se converteu em uma lenda quase mítica. Sem dúvida alguma, suas proezas não foram resultado de mero acaso, mas sim de um admirável espírito de equipe e de uma primorosa consciência de unidade de elite, como poucas tiveram. Vale dizer que foram muito poucas as unidades que, ao longo da História, possuíram tais qualidades. Em primeiro lugar, há de se destacar a absoluta e completa identificação com o seu chefe, com aquele pró-cônsul que um dia se apresentou em seu acampamento, desmontou de seu cavalo, convocou os legionários e lhes disse, tranquilamente, que 368.000 helvécios estavam avançando contra eles, e que as outras três legiões de seu exército não poderiam chegar a tempo e que, por isso, deveriam estar em condições de combater o inimigo sozinhos... mas que não se preocupassem, porque a deusa da Fortuna, que o protegia, também os protegeria. Evidentemente, como eram disciplinados legio-nários romanos, ao invés de saírem correndo daquele local (o que teria sido o mais lógico), deixando-o ao sabor da loucura e dos discursos daquele oficial, os legionários da Legio X marcharam atrás daquele homem para, junto com ele, entrar para a História através de sua maior porta.

E contra aqueles 368.000 helvécios marcharam César e seu 4.800 homens, esperançosos de um milagre.. E este ocorreu. Perto de Genebra, Júlio César e seus legionários da Legio X enfrentaram os 368.000 bárbaros abrigados em uma linha fortificada que haviam construído com suas próprias mãos, após um árduo trabalho por noites e dias seguidos, entre o lago Leman e o monte Jura. Foram 28 qui-lômetros de fortificações que os romanos venceram, como por um milagre! Não é de se estranhar que depois desta proeza o mundo viria a identificar aqueles homens mais como seres mitológicos do que como simples soldados.

Porém, a lenda da Legio X apenas estava começando. Na campanha contra Ariovisto, César con-verteu os legionários da Legio X em cavaleiros, razão pela qual seus companheiros os chamavam de “eqüi-tes” e a legião recebeu o apelido de “Equestris”. Na campanha belga, os Nérvios conseguiram surpreender as legiões quando em ordem de marcha, atacando-as em seu momento mais crítico. Ao serem assaltadas por todas os lados, e sem tempo para formar uma linha de batalha, o desastre seria certo. Mas César, em uma atitude genial, desembainhou sua gladius, tomou de um legionário seu scutum e se posicionou a pé firme à frente de seus homens. Alí, mesmo lutando contra os Nérvios, deu ordens às suas tropas que

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conseguiram, finalmente, formar uma precária linha de batalha, com sete de suas oito legiões. Qual delas faltava? Evidentemente que a Legio X.

A Legio X havia resistido, sozinha, a carga dos Nérvios no flanco esquerdo de César. Os legioná-rios mantiveram as suas posições a pé firme e, depois, carregaram contra seus inimigos, levando-os de encontro à Legio IX. Empurraram, então, os Nérvios a golpes de gladius até o rio Sambre, onde os massa-craram e, depois, atacaram o acampamento nérvio que tomaram de assalto, massacrando seus inimigos estupefatos e, logo, voltaram-se, tranquilamente, para atacar, pela retaguarda, os Nérvios que, ao vê-los chegar cobertos do sangue de seus camaradas, devem ter pensado que aqueles soldados haviam saído do inferno. Dos 60.000 guerreiros nérvios que haviam atacado as legiões, só sobreviveram 500.

Suas façanhas nas Gálias a converteram em uma unidade mítica, mas seu momento de glória chegaria em plena Guerra Civil. A Legio X seguiu César contra Pompeu. Combateu na Espanha, em Ilerda, e cruzou o mar Adriático para enfrentar as legiões de Pompeu. Em Farsália, César a posicionou em sua ala direita e, ali, teve lugar o famoso combate que despedaçou toda a ala esquerda inimiga, obrigando as legiões de Pompeu a se retirarem, correndo, pela ladeiras de Dogandzis.

Voltaremos a encontrar a formidável Legio X combatendo, incansavelmente, junto a Cesar, em Tapsos e, finalmente, em Munda onde, de novo, uma vez mais seus legionários se converteram no “punho de ferro” que destroçou os seu inimigos.

Se há uma palavra que defina a carreira da Legio X, sob as ordens de Julio César, ela é: IMPRES-SIONANTE. Mas não há milagres sem trabalho, esforço e sacrifício. Aqueles soldados da Legio X confiaram, cegamente, na Fortuna de seu líder, e esta os acompanhou durante toda a sua existência, convertendo-os em lenda.

Seus veteranos receberam terras em Narbona. Depois do assassinato de César, muitos deles se realistaram para vingar seu chefe e, em Filipos, de novo, aqueles homens de aço foram a chave para a vitória.

A Legio X serviu depois sob as ordens de Marco Antônio até Accio. Augusto doou aos legionários veteranos terras em Patras, na Grécia, mas a legião se amotinou (ignora-se as razões) e Augusto a cas-tigou retirando-lhe o apelido de Equestris e fundindo-a com veteranos de outras legiões, donde seu novo apelido: Gemina (Gêmea).

Destacada para a Espanha, ela serviu nas guerras Cántabras de 25 a 13 AC, permanecendo na Espanha até o ano 63 DC, quando foi acantonada em Carnutum, na Panônia. Anos depois voltou à Espanha e foi, novamente, enviada ao limes germanos, para Noviomagus (Nimega), na Germânia inferior. No ano 89, o governador de Germânia superior se sublevou contra ela, vencendo-a, a partir de quando adveio seu terceiro apelido: Pia Fidelis Domitiana.

No ano 103 foi transferida para a Panônia, em particular para Budapeste, e depois para Viena. Participou na campanha dácia de Trajano e ficou acantonada nos arredores de Viena até princípios do Século V DC.

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AS LEGIÕES DE JÚLIO CÉSAR

LEGIO IApelido: GERMANICA.Emblema: Desconhecido (possivelmente um touro).Fundador:: Júlio César.Ano de fundação: 48 AC.História: A Legio I Germanica foi fundada por César para a guerra contra Pompeu e combateu

em Dirraquio e em Farsália. Augusto a enviou para a Espanha e ali permaneceu até ser enviada ao limes germano. Participou no ataque que atingiu o Elba, às ordens de Germãnico. Depois foi enviada para Bonn. Augusto lhe outorgou o apelido de “Augusta”, mas o retirou no ano 19 AC, por problemas de indisciplina. Declarou-se a favor de Vitelio e depois a vitória de Vespasiano, foi dissolvida no ano 71 DC>

LEGIO IIIApelido: GALICA.Emblema: Desconhecida (posivelmente um touro).Fundador: Júlio César.Ano de fundação:: 48 AC.História: A Legio III Galica foicriada por César para combater Pompeu e lutou em Dirraquio, Farsá-

lia e Munda. Depois combateu contra os assassinos de seu fundador em Filipos e em Accio, sob o comando de Marco Antônio. Ausgusto a destinou à Síria com Corbulón como legado. Uniu-se a Vespasiano e lutou na Itália, após o que foi enviada de novo para a Siria. Participou das campanhas contra os judeus com Adriano e Marco Aurélio. A partir de então sua história está ligada às lutas internas imperiais: aliou-se com Níger e, depois, com Heliogábalo, que a dissolveu, ainda que tivesse sido reconstituída por Severo Alejandro, qu a acantonou em Damasco. Depois da morte do imperador, cada unidade apoiou a um pretendente distinto e vamos encontrá-la lutando com Aurelio contra a rainha Zenóbia, em Palmira. No Século V DC, estava destinada a ser integrante dos limitanei (tropas estáticas de fronteira) protegendo as limes da Síria.

LEGIO IVApelido: MACEDONICA.Emblema: Touro e como sub-emblema o signo zodiacal de Capricórnio.Fundador: Júlio César.Ano de fundação: 48 AC.História: A Legio III Macedonica também foi fundada para combater na guerra contra Pompeu.

Lutou em Dirraquio e em Farsália e foi acantonada na Macedõnia. Depois do assassinato de Júlio César, combateu em Filipo, quando ficou sob o comando de Marco Antônio, que a empregou em Accio. Depois foi enviada para a Espanha, ficando acantonada em Aguilar de Campo, até que Calígula a enviou para a Germãnia. Algumas coortes foram levadas para a Italia por Vitelio e convertidas em Guarda Pretoriana. Vespasiano a dissolveu no ano 71 DC, tendo, então, algumas de suas unidades sido enquadradas na nova

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Legio IV Flavia Felix.

LEGIO VApelido: ALAUDAE.Emblema: Elefante.Fundador: Júlio César.Ano de fundação: 52 AC.História: A Legio V Alaudae (cotovia) foi a famosa legião criada por Júlio César com os gauleses

transalpinos. Seus legionários utilizavam como penacho plumas de cotovias. Ela lutou contra Vercinge-torix e na Guerra Civil seguiu César até a Itália e, depois, foi enviada à África. Lutou em Tapsos, onde se distinguiu combatendo contra os homens de Pompeu e, por causa de um espetacular combate em que pôs fora de ação todos os elefantes utilizados pelo inimigo de César, este lhe concedeu a imagem do paquider-me como emblema. Finalmente, combateu em Munda. Após a morte de César, ela lutou em Muntina e em Filipos além de ter guerreado contra os persas. Por fim, combateu em Accio. Otávio fundou na Espanha, a Emérita Augusta (hoje Mérida) para acantonar seus veteranos. A Legio V foi também acantonada na Espanha para tomar parte nas guerras de pacificação contra os cántabros, sendo depois transladada para a limes germano, onde lutou em todas as campanhas, entre elas o famoso ataque que levou as águias romanas até o rio Elba. Declarou-se a favor de Vitelio e depois de estar acantonada na Moesia, foi dissolvida no ano 86 DC.

LEGIO VIApelido: FERRATA.Emblema: Touro e, como sub-emblema, um lobo.Fundador:: Julio César.Ano de fundação: 52 AC.História: A Legio VI Ferrata (de ferro) foi criada por César com gauleses cisalpinos. Combateu

contra Vercingetorix e, durante a Guerra Civil na Espanha, em Ilerda e, depois, em Dirraquio, Farsália, Alexandria, Zela e Munda. Seus veteranos obtiveram propriedades em Arléas. As novas substituições e muitos veteranos realistados combateram contra os assassinos de César em Filipos e serviram, depois, sob as ordens de Marco Antônio até Accio. Augusto a acantonou na Síria. Combateu contra os persas e serviu com Vespasiano, que voltou a destiná-la ao Oriente Próximo, onde lutou na última revolta judia, ali permanecendo até o Século III DC.

LEGIO VIIApelido: CLAUDIA PIA FIDELIS.Emblema: Touro e como sub-emblema um leão.Fundador: Senado de Roma.Ano de fundação:: Desconhecido.História: A Legio VII Claudia Pia Fidelis era uma das legiões que César recebeu para comandar

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quando foi eleito pró-cônsul da Gália Cisalpina e da Ilíria, em 58 AC. Destacou-se na batalha contra os Nérvios e nas expedições à Britânia. Lutou em Ilerda, Dirraquio, Farsalia e Tapsos. Seus veteranos foram agraciados com propriedades em Cápua e Luca, e muitos deles se realistaram depois do assassinato de Júlio César, vindo a combater em Módena e Filipos. Depois de Accio, seus veteranos obtiveram proprieda-des na Mauritânia. Augusto a acantonou na Galácia, quando combateu os germanos, sendo depois enviada à Dalmácia. Alí, o governador Camilo Scriboniano rebelou-se contra o imperador Cláudio, rebelião essa que os soldados da Ferrata abortaram, em razão do que o imperaodr Cláudio lhe concedeu o apelido de Claudia Pia Fidelis, em homenagem à sua fidelidade. Fiel a Vespasiano, combateu em Cremona, e no Século II, foi acantonada em Viminacium, na Moesia superior.

EGIO VIIIApelido: AUGUSTA.Emblema: Touro.Fundador: Senado de Roma.Ano de fundação:: Desconhecido.História: A Legio VIII Augusta foi uma das legiões que César recebeu para comandar quando foi

eleito pró-cônsul da Gália Cisalpina e da ilíria, em 58 AC. Destacou-se especialmente na batalha contra os Nérvios e na Gergóvia. Na Guerra Civil, combateu em Dirraquio e em Farsália, razão pela qual seus veteranos receberam terras em Casilinum, na Italia. Distinguiu-se, especialmente, na batalha de Mutina, a campanha contra Sexto Pompeu. Nesse tempo, seu apelido era “Gallica”. Dado ao seu especial valor em uma batalha em Tunez, o imperador Augusto lhe concedeu o apelido de “Augusta”, e a enviou à Germânia, onde operou nas guerras ali realizadas. Combateu a favor de Vitelio, mas não foi dissolvida por Vespasia-no, que a manteve operacional. Acantonada no limes, seu acampamento seria o embrião da futura cidade de Baden-Württemberg. Adriano a enviou à Britânia de volta à limes germano, ali permanecendo até que foi enviada, em princípios do Século V DC, para defender a Itália dos visigodos

LEGIO IXApelido: HISPANA.Emblema: Desconhecido (possivelmente um touro).Fundador: Senado de Roma.Ano de fundação: Desconhecido.História: A Legio IX Hispana (espanhola) foi também uma das legiões que César recebeu para co-

mandar, quando eleito pró-cônsul da Gália Cisalpina e da Ilíriia, em 58 AC, Distinguiu-se na batalha contra os Nérvios. Na Guerra Civil combateu na Espanha em Ilerda e em Dirraquio, Farsália e Tapsos. Seus vete-ranos receberam terras em Picenum e Istria. Combateu contra Sexto Pompeu e foi enviada à Macedônia, mas Augusto a reclamou para sua campanha contra os cântabros e em face da sua valorosa atuação, ganhou o apelido de “Hispana” (espanhola) no ano de 24 AC. Lutou em seguida na Mauritânia e fez parte do exército que, sob as ordens de Cláudio, invadiu a Britânia. Durante a revolta de Boudica perdeu mais de um terço de seus efetivos, mas manteve-se operacional. Depois da construção da Muralha de Adriano, ela

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foi acantonada na Germânia e, ali se perdeu o seu rastro histórico.

LEGIO XIApelido: CLAUDIA PIA FIDELIS.Emblema: Touro e como sub-emblema o deus Netuno.Fundador:: Júlio César.Ano de fundação: 58 AC.História: A Legio XI Claudia Pia Fidelis foi criada por César para enfrentar a ameaça dos Helvécios.

É uma das legiões novatas que combateram na batalha de Bibracte. Na Guerra Civil lutou em Dirraquio e em Farsália, em face do que, seus veteranos receberam terras na Itália. Otávio a realistou para comba-ter os assassinos de César e combateu em Filipos, ficando sob o comando de Marco Antônio, até Accio. Augusto a enviou aos Balcãs e dalí para a Dalmácia, onde defendeu o Imperador Cláudio da revolta do governador, ganhando dele o título de Claudia Pia Fidelis. Desentendeu-se com Vespasioano e foi acanto-nada em Visdonisa, na Germânia Superior. Foi, depois, destinada a Moesia, onde participou da campanha de Septimus Severus que derrotou os persas no ano de 198 DC,

LEGIO XIIApelido: ANTIQUA y FULMINATA.Emblema: Touro e como sub-emblema um raio.Fundador: Júlio César.Ano de fundação: 58 AC.História: A Legio XII foi criada por César, também para enfrentar a ameaça dos Helvécios. É tam-

bém uma das legiões novatas que combateram na batalha de Bibracte. Na Guerra Civil, lutou em Dirraquio e em Farsália, razão pela qual seus veteranos receberam terras em Parma, na Itália. Realistada por Augusto, combateu em Filipos e seus veteranos receberam terras em Patras, na Grécia. Foi acantonada em Raphanae, na Síria, e combateu na Armênia e na Pérsia. No ano de 66 DC, a Legio XII perdeu sua águia sagrada, combatendo sob as inúteis ordens de Floro contra a revolta judia. Na guerra que se seguiu, os homens da Legio XII combateram tão bravamente que ganharam os elogias de Tito. Permaneceu no Orien-te Próximo até o início do Século V DC.

LEGIO XIIIApelido: GEMINA.Emblema: Leão.Fundador: Júlio César.Ano de fundação: 57 AC.História: A Legio XIII Gemina foi criada por César para enfrentar a ameaça dos Belgas. Seus legio-

nários foram os homens que cruzaram o Rubicão com César e o acompanharam em Dirraquio, Farsália e Munda. Seus veteranos receberam terras na Espanha. Combateu contra Sexto Pompeu e, depois das guer-ras civis, foi destinada ao Ilírico e participou no ataque que chegou até o rio Elba. Após o desastre de Varo,

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defendeu as passagens para a Itália nos Alpes, após o que Claudio a enviou para a Panônia. Participou em combates na Síria com Lucio Vero e deixou de existir no início do Século V DC, na Bulgária.

LEGIO XIVApelido: GEMINA.Emblema: o embçema de Capricórnio.Fundador: Júlio César.Ano de fundação: 57 AC.História: A Legio XIII Gemina foi criada por César para enfrentar a ameaça dos Belgas. Foi destruí-

da no ano 53 AC pelos Eburões, mas César a reconstituiu. Combateu em Ilerda, em Dirraquio e em Tapsos. Depois de lutar contra Sexto Pompeu foi enviada para a Germânia, ficando acantonada na Germãnia Supe-rior. Participou da invasão da Britãnia por Cláudio e combateu na Escócia e em Gales, distinguindo-se na batalha final contra Boudica onde, apesar de sua grande inferioridade numérica, conseguiu a vitória que a fez merecedora do apelativo de Martia Victrix. Aos tempos de Nero, a Legio XIV Gemina era considerada a melhor legião do Exército romano. Voltou à Germânia, depois foi destinada à Persia, onde participou das campanhas nos anos 195 e 194 DC.

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III - AS LEGIÕES IMPERIAIS

O ESTABELECIMENTO DAS LEGIÕES IMPERIAIS

Após sua vitória na batalha em Actium em 31 AC, e sua conquista do Egito em 30 AC, Octávio posuía, talvez 60 legiões sob o seu controle. Ele, imediatamente, iniciou um programa de assentamento maciço dos veteranos e, ao longo de um período de sete anos, reduziu o número de legiões para 28, mantendo, especialmente as unidades geradas por Julius Caesar e, como um símbolo de unidade, reteve também as mais renomadas das legiões de Marco Antônio. Se antes, as legiões eram erguidas para guerras espe-cíficas e dissolvidas após seis anos, estas 28 legiões tornaram-se formações permanentes compostas só por profissionais para um longo tempo de serviço (Suetônio, Augustus 49). Augusto foi o primeiro líder a estabelecer termos claros para o serviço, para as taxas esalários, e pensões para aqueles que concluíssem o serviço militar de forma bem sucedida. O caos do final do período republicano não deveria ser repetido. As legiões não eram mais compostas de cidadãos eleitos para a atividade militar; ninguém mais, exceto Augusto, tinha o direito de criar novas legiões que dependeriam de Roma para seus salários e, quanto à lealdade, os legionários à deviam, apenas a ele, o Imperador.

ORGANIZAÇÃO, TAMANHO E COMANDO DAS LEGIÕES

Em uma legião havia 60 centúrias, 30 manípulas e 10 coortes (Cincius Alimentus, citado por Aulus Gellius, Attic Nights, 16.4.6.)

A LEGIÃO

A legão era composta de 60 centúrias. Cada centúria continha 80 soldados e era comandada por um centurião. Os principais oficiais da centúria, por ordem de antiguidade, eram: o signifer (o porta-es-tandarte), o optio (o chefe dos centuriões), o cornicen ou bucinator (trompeteiro) e o tesserarius (oficial tesoureiro). Seis centúrias formavam uma coorte.

Havia 10 coortes por legion, cada uma com 480 homens, formando uma legião de 4,800 soldados de infantaria, como efetivo ótimo, mas, por vezes, algumas unidades tinham um menor efetivo. A cavalaria da legião tinha, então, uma centúria com um efetivo de 120 homens; mas nos idos de 60 DC deixou de ser uma centúria própria, para se tornar um corpo(s), conforme o relato de De munitionibus castrorum, 1, 7, 8, 30; Josephus, Jewish War, 3.120).

De 13AC até meados do Século I DC, os veteranos (aqueles que serviram por 16 anos) foram transferidos para o vexillum veteranorum (unidade de veteranos) para servirem por mais 4 anos. Com um efetivo de cerca de 500 homens e oficiais e administração próprios, ela oderia ser adida a uma legião para realizar tarefas indpendentes (Tacitus, Annals, 1.44, 3.21).

A legião também possuía um genade número de escravos (calories) adidos a ela, talvez uns 120 por coorte, que podiam defender os acampamentos (Josephus, Jewish War, 3.69; Roth 1994: 351).

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CENTÚRIAS E CENTURIÕES

As centúrias eram designadas como prior (frente)e posterior (retaguarda), o que indicava sua origem a partir das manipulas e classificadas como Pili, Principes ou Hastati. Até o final do Século II AC, a legião era composta por 30 manípulas, cada uma de 160 ou 120 homens, e comandadas por 2 centuriões, um sênior e outro mais moderno. O centurião mais moderno tinha o comando geral da manipula (Poly-bius, 6.24). No entanto, o último centurião prior era dotado de antiguidade sobre o centurião posterior. Os centuriões Pili eram vistos como os mais antigos na coorte (mas eles não tinham o comando delas), sendo seguidos pelos Principes e estes pelos Hastati, o que era, provavelmente, mais uma diferença em antiguidade do que em graduação, como nos dias de hoje. Os únicos centuriões dotados de uma graduação claramente superior eram os primi ordines (os mais graduados), os centuriões da primeira coorte. O mais antigo deles era o primus pilus (primeira lança / javelin), cuja centúria continha o aquilifer, o por-ta-estandarte mais antigo, que carregava a águia, símbolo do genius (espírito) da legião, que era crucial para se identificar a unidade e a sua moral.

Apesar do flagrante status do primus pilus, não há evidências de que ele exercia o comando geral da primeira coorte.

A maioria dos centuriões era promovida a partir de suas graduações, progredindo através dos graus da centúria, ao longo de um peródo de 10 ou mais anos. No entanto, alguns centuriões eram homens oriundos da ordem dos equestres, que recebiam comissões diretas. A ordem dos equestres era originária do final da República e dos meados do Império Romano, sendo uma classe que, originalmente, represen-tava aqueles homens dotados de saúde e poder aquisitivo para se equipar como cavaleiro. Os equestres eram, de fato, uma classe superior à classe ordinária dos soldados de infantaria, em razão do que podiam ser promovidos diretamente para o centurionato (nos mais altos graus), mesmo sem ter experiências anteriores.

OS OFICIAIS MAIS ANTIGOS

Ao final do governo do imperador Augusto, a legião era normalmente comandada por um legatus (legado), um oficial senatorial, havendo, no entanto, exceções, como no caso especial do Egito, onde as duas unidades — a Legio III Cyrenaica e a Legio XXII Deitariana — foram comandandas por um prefeito equestre (praefecti ). O legado tinha subordinado a ele seis tribunos e seus ajudantes. Um deles era um jovem oriundo da ordem senatorial (tribunus laticlavus), a quem, pela virtude de sua classe seria, teoricamente, o segundo-em-comando da legião, mas em verdade, estava ali, apenas, para observar e aprender. Os cinco outros tribunos eram experientes oficiais equestres (tribuni angustuclavi ), que já haviam comandado uma coorte auxiliar, antes da sua promoção.

No entanto, nenhum dos tribunos mantinha algum comando fixo sobre as coortes ou centúrias; eles estavam ali presentes unicamente para ajudar o legado, que poderiam empregá-los, temporaria-mente, ad hoc comandantes em campanha. Mas o oficial de verdadeira importância abaixo do legado era o praefectus castrorum (prefeito do campo), um antigo primus pilus que tinha a visão geral de como as

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coisas corriam no campo, particularmente quanto à logística e aos recursos de saúde. Ele era, também, o responsável pelo treinamento e pela manutenção da artilharia da legião (isto é, as catapultas de torsão), e deveria assumir o comando da legião no caso da ausência do legado ou do tribuno mais antigo.

A CENTÚRIA COMO UNIDADE TÁTICA BÁSICA

A coorte é tradicionalmente vista como a unidade tática básica da legião. Esta é, certamente, a im-pressão deixada por Caesar e Tacitus, que contaram sobre as formações e as táticas referentes à coorte. Contudo, tem sido entendido que a coorte não poderia funcionar como uma unidade tática, porque ela não possuía nem comandante nem estardante próprios, razão pela qual a centúria era a verdadeira unidade tática básica da legião (Isaac 1994). O centurião, em verdade, era o oficial profissional crucial da legião; e não havia nenhum outro comandante permanente de uma sub-unidade da legião de tamanho maior que a centúria, entre ele e o legado, cuja posse de comando pudesse estar limitada a no mínimo 3 anos ou mais.

As centúrias eram consideradas unidades táticas da legião também porque ela própria detinha os massivos encargos de cunho administrataivo. Quando Caesar e Tacitus falaram das coortes deslocando--se em batalha, pode-se identifica-las cmo um agrupamento de centúrias lutando uma em apoio às outras.

IDENTIDADE DA UNIDADE

Ao nível de legião, a identidade da unidade era feita atrvés de numerais e títulos (apelidos). É digno de nota o fato de Augusto ter mantido os numerais das legiões e as mantido operacionais depois de Actium. Anteriormente, quando as legiões eram comissionadas para cerca de seis anos, as numerações eram recicladas entre as próximas comissões. E também, não até meados do primeiro século AC, quando às legiões não eram atribuídas comissões mais longas, elas adquiriam títulos honoríficos para comple-mentar seus numerais. Uma das mais famosas legiões das Guerra Civis de 49 a 42 AC foi a Legio Martia. Seu epíteto honorífico significava “gosta da guerra”, porque seu atual e definidor numeral era desconhe-cido; Resta dizer que esta legião foi perdida no mar em 42 AC.

Os próprios legionáros também passaram a ser identificados pelos numerais ou título de suas legiões (veja-se Tacitus, Histories, 2.43). A identidade era aprimorada pela veneração aos emblemas específicos, talvez em alusão aos respectivos fundadores (o Touro da Legio III Gallica para César, ou o Capricórnio para a Legio XIV Gemina para Augusto), ou pela honraria adquirida em batalhas (o elefante da Legio V Alaudae, ou o Golfinho e o navio de guerra da Legio X Fretensis). A festa de aniversário que come-morava a data de fundação da legião (natalis aquilae – data de aniversário da águia), paradas e exercícios de treinamento eram de fundamental importância na promoção da identidade da unidade e na manutenção da moral, ao nível de legião, porque estes momentos poderiam ser os únicos fora de períodos de guerra, quando a unidade econtrava-se totalmente reunida.

Abaixo são mostrados alguns dos emblemas referidos:

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Legio II AUGUSTA Legio II ITALICA Legio IX HISPANIA Legio XX VALERIA VICTRIX

Legio V AlLAUDAE Legio VI FERRATA Legio XIV GALLICA Legio XII FUMINATA

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GRUPOS DE IDENTIDADE

O que tornava o legionário verdadeiramente eficaz em batalha era seu sentimento de pertencer à sua centúria e, em particular, ao seu contubernium, Tal identificação com sua unidade e a leadade ao seu grupo de soldados companheiros era crucial para o seu desempenho em combate. O legionário lutava, primeiro, por seus camaradas, por sua centúria e por sua legião e, então, pelo butim e pela glória. E, por ultimo, pelo imperador, muitas vezes distante e pela Res Publica (o Estado romano). Os laços que uniam os 8 homens de um contubernium tornavam-se fortes, simplesmente em virtude de ter, cada um deles, de compartilhar um apertado “quarto de solteiro” em uma mesma barraca, ou em uma tenda de campanha. O outro as pecto, também julgado crucial, devia-se ao aspecto de que o contubernium era um grupo co-mum na alimentação. O Exército romano não possuía refeitórios para seus soldados, nem salas de jantar em suas fortalezas, nem qualquer meio de diversão, quando em campanha. Os soldados romanos deve-riam ter habilidade para preparar suas próprias refeições, cujos ingredientes que lhes eram fornecidos deveriam ser pagos, através da indenização abatida de seus próprios soldos. Além do prazer de comer juntos, podemos imaginar os soldados a discutir (ou a reclamar) sobre os deveres do dia: isto também foi essencial para a promoção da identidade do grupo.

Estas obrigações, criadas dentro do forte ou acampamento, no treinamento, nas tarefas diárias, e nos momentos de lazer e de refeição, na proximidade do quartel, logo vinculava os homens como camara-das. A guerra e a batalha solidificavam estes sentimentos. Os legionários na centúria lutavam eficazmen-te, porque eles eram bem conhecidos uns dos outros, como amigos e companheiros de centúria, e não da sua grande unidade, para a qual eles não tiham rosto e eram impessoais. Além disso, os legionários tinham orgulho de sua identidade centurial coletiva. Eles eram a sua própria elite dentro da legião e eram dirigidos pelos laços de camaradagem, que não permitia que os colegas soldados tombassem no campo de batalha, pois tinham de ficar e lutar juntos no campo ao seu redor, até o final do embate.

Os termos usados para a camaradagem no Exército romano eram notáveis. Contubernalis, signi-ficava a barraca (ou tenda) para 8 legionários, que dizia respeito não somente ao grupo mais básico de ligação social existente dentro da legião, mas também à interdependência dos contubernales com seus outros pares na batalha.

Commilito (soldado-amigo) era talvez, o termo mais vinculativo, pois ele era aplicado através do spectrum que ia desde o soldado ordinário (miles) até o general, e o mais importante, até o imperador. O termo commilito referia-se à unidade do exército e ao respeito mútuo existente entre os combaten-tes, independentemente dos graus hierárquicos. Contudo, a mais interessante ocorrência de commilito é encontrada na urna funerária de um soldado do imperador Augusto. A brevidade deste texto enfatiza a injusta morte de um soldado por outro do mesmo exército e a traição à camaradagem: “L. Hepenius L. f. ocisus ab comilitone [sic] “ (Lucius Hepenius, filho de Lucius, morto por um soldado amigo).

A urna foi descoberta em uma tumba em Asciano, a sudeste de Siena, que continha uma moeda datada de 15 AC, sugerindo que a morte deu-se durante o reinado de Augusto. Supõe-se que Hepenius tivesse sido um pretoriano, ou um soldado da Urban Coortes, que teria sido morto em Roma, cujas cinzas retornaram para sua família para enterro (Keppie 2.000:37).

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Manipularis ou commanipularis (soldado de uma mesma manipula) implicava na dependência dos legionários uns dos outros, e das centúrias após centúrias, para o sucesso e sobrevivência no campo de batalha. O termo mais pungente, regularmente inscrito nas lápides, era frater (irmão). Em muitos desses monumentos torna-se evidente, a partir dos diferentes nomes da família do falecido e do(s) herdeiro (s), que os falecidos não poderiam ter sido irmãos reais, mas o termo expressa, com grande eloquência e simplicidade, os laços fundamentais existentes entre os camaradas. Se a legião pudesse ser descrita como uma sociedade, o contubernium haveria de ser a família do legionário.

A fraternidade entre camaradas poderia se estender aos extremos do suicídio em massa. Em 28 DC, 400 auxiliares presos em um complexo de moradias pelo Frisii preferiram morrer sob as espadas uns dos outros, do que serem capturados pelo inimigo (Tácito, Anais, 4,73). Em 54 AC, uma das legiões de César e cinco outras coortes legionárias foram destruídas, ao tentarem evacuar o território dos Eburões. Alguns legionários conseguiram lutar de volta ao seu acampamento de inverno abandonado e repelir os ataques dos gauleses até o anoitecer mas, ao invés de serem subjugados, eles preferiram cometer o suicídio

(Caesar, Gallic War, 5.37). Appiano dá-nos uma visão do suicídio dos soldados. Ele relata que os soldados da renomada Legio Martia praticaram o suicídio em desafio ao que eles viam como uma morte inútil, quando os seus navios de transporte foram atingidos e afundados pela frota de Sexto Pompeu em 42 AC. Alguns dos soldados, especialmente os marcianos, que se sobressaíram pela sua bravura, haviam exasperado que eles iriam perder suas vidas inutilmente e, assim, se mataram, ao invés de serem quei-mados até a morte. Outros saltaram a bordo dos navios do inimigo, vendendo caro suas vidas. (Appian, guerras civis, 4,116).

Esta opção pelo suicídio parece ter sido bastante honrosa, uma maneira de enganar o inimigo sobre uma vitória total, e poderia até ser visto como um meio de manter a honra do exército. Durante o cerco de Jerusalém, os judeus prenderam um grande número de soldados romanos, ateando fogo ao pórtico em que eles estavam lutando, cortando, desse modo, sua linha de retirada. A maioria queimou até a morte ou foi cortada pelos judeus, mas Longus escapou: “Os judeus, em sua admiração pelas proezas de Longus e em face da sua incapacidade de matá-lo, rogaram-lhe que descesse ... prometendo-lhe a vida. Seu irmão Cornelius ... implorou-lhe para não desonrar sua própria reputação ou as armas romanas. In-fluenciado por suas palavras, ele brandiu a espada à vista de ambos os exércitos e matou-se a si mesmo. (Josefo, Guerra Judaica, 6,185-88) “

Esses episódios, acima de tudo, ilustram como os laços que prendiam uma unidade em conjunto permaneciam, mesmo em momentos de maior tensão e terror, em que um homem preferiria morrer em um pacto com seus companheiros-soldados do que ser tomado pelo inimigo. Até o suicídio estimulado pela vergonha, como por exemplo, o do soldado aparentemente covarde lembrado por Suetônio (Otho, 10), poderia ser visto como redentor e como uma expressão máxima de camaradagem. Suetônio Laetus, pai do biógrafo Suetônio, serviu como legado da Legio XIII Gemina durante a Guerra Civil de 69 DC. Ele recordou um episódio, quando um mensageiro relatou para o Imperador Otho a derrota de suas forças perto de Cremona: “Quando a guarnição [em Brixellum] chamou de mentiroso um desertor covarde, o homem caiu sobre sua espada aos pés de Otho. Nesta visão, Otho, meu pai disse, gritando, que ele nunca voltaria a

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arriscar as vidas desses homens corajosos, que tinham se merecido tão bem “. (Suetônio. Otho, 10)Otho, ele próprio, passou a cometer o suicídio. Em tempos de guerra, o conceito de fraternidade

foi prorrogado e os soldados lutaram em apoio de outras unidades, bem como dos seus companheiros imediatos. Um exemplo notável ocorreu em 28 DC, quando durante uma desastrosa batalha travada, prin-cipalmente, por unidades auxiliares contra o Frisii, a Legio V montou um contra-ataque e desembaraçou um grande número dos auxiliares. No entanto, 900 auxiliares não puderam escapar e lutaramu até o fim (Tácito, Anais, 4,73; para não ser confundido com os 400 que cometeram suicídio). “Velleius Paterculus”, foi o epitáfio para as Legiones XVII, XVIII e XIX perdidas em 9 DC, o que indica a sua coesão como um grupo de batalha: “eles eram os mais corajosos de todos os exércitos”. (2.119.2)

A seguir, são mostradas imagens que se referem a episódios distintos das legiões imperiais; todas são antecedidas por comentários esclarecedores do contido nas gravuras:

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IMAGEM A –VETERANO DA LEGIO XII ANTIQUA, 32-31 AC

A guerra inevitável entre Marco Antônio e Otaviano começou em 32 AC. Antônio deslocou-se para o oeste para defender a Grécia e a Macedônia, mas encontrou sua frota bloqueada no Golfo de Ambracia por Agripa. Seu exército em terra de 19 legiões foi interceptado por Otaviano no promontório de Actium, na foz do Golfo. Em 2 de setembro de 31 AC, Marco Antônio e Cleópatra lutaram para abrir um caminho livre do bloqueio, mas a maioria da sua frota foi destruída durante a batalha. A frota era tripulada por quatro legiões, e 5.000 legionários morreram na batalha. Os navios sobreviventes se renderam e o exército de terra passou para o lado de Otaviano (Plutarco, Antony, 60-68). Tendo fugido para o Egito, Marco Antônio desesperou-se e tirou a própria vida, deixando Otaviano no controle de todo o Império.

A gravura refere-se à Legio XII Antiqua, uma das legiões da frota romana, e mostra um “marine” veterano. A legião que foi retida por Otaviano era a Legio XII Fulminata

O legionário foi vagamente modelado em função do retrato funerário de Publius Gessius, um le-gionário provavelmente cesariano (Keppie 1984: 226). Ele usa cota de malha e elmo Montefortino C (1), com forro de linho; utiliza o equipamento usado pelos legionários representadas no Altar de Domício Ahenobarbus, talvez em meados do século 1 AC. Os acessórios de cinto em bronze vêm de Delos, c.75 AC, o gládio é o Hispaniensis de Berry-Bouy, c.20 AC. A adaga deriva dos exemplos escavados a partir de Alesia (52 AC) e Oberaden.

Os detalhes de espada ilustram o paralelo alternativo (2a) e da cintura (2b) as formas da lâmina. A bainha segue um achado de Augusto de Dangstetten na Alemanha. O detalhe da malha (3) ilustra o método de sua construção, um anel rebitado ligando quatro argolas soldadas. O scutum (4) é um exemplo do usado n Século I AC, em Fayum, no Egito. O detalhe (4-A) ilustra a laminação de tiras aplainadas de madeira e feltro e revestimentos de couro. A cor azul do escudo, da túnica e da pluma do elmo era a usada pelos fuzileiros navais romanos, segundo por Vegetius (Epitome, 4,37). O emblema da proa do navio segue o denário usado em honra da legião por Antony. A Legio XI Fretensis teve um emblema semelhante, quando lutaram para Otaviano contra a frota de Sexto Pompeu.

A pila (5) tem hastes pesados após exemplos de Valência e Alesia (70 e 52 AC); o método de fixação da haste (5-A) segue os achados da fortaleza de Augusto em Oberaden na Alemanha.

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QUADRO B - TORTURA EM OSTIA, PORTO DE ROMA, 6-9 DC

Os territórios recentemente conquistados da Pannonia e da Dalmácia revoltaram-se em 6 DC. Os romanos foram diversionados pela invasão da Boêmia e viram-se lutando contra auxiliares anteriormente a seu serviço. As baixas foram altas e os romanos levaram três anos para acabarem com a revolta. A crise se agravou quando três legiões foram destruídas na Germânia em 9 DC. Augusto, então, recorreu ao recrutamento de novos soldados em Roma e seus arredores.

Poucos homens se apresentaram voluntariamente, e o imperador começou a confiscar proprie-dades, a eliminar a cidadania e, em última instância, a recorrer à execuções. Os homens foram escolhidos por sorteio para servir, muitos bem mais velhos do que a idade habitual dos recrutas (Dio, 56,23; Tácito, Anais, 1,31). O quadro ilustra um infeliz civil, espancado até ficar inconsciente pelos soldados (Apulieus, Metamorfoses, 7.4, 9.39). No fundo legionários são bombardeados com telhas e cerâmica.

O equipamento do centurião (1) consta de um cinturão e uma adaga de Velsen, na Holanda, e o gladius de Rheingönheim, na Alemanha, este caracteriado por seu punho banhado em prata. Sua equipe (vitis) e a forma como ele usa sua espada à esquerda, indicam a sua posição de centurião. O legionário ordinário (2) carrega uma fustis (lança) e um scutum retangular curvo; esta forma de escudo estava em uso por volta de 10 AC. O Optio (3) é identificado pela equipe que o acompanha e ele usa um paenula, o pesado manto padrão do soldado até o final do Século II DC. O cinturão com acessórios e todo estampado e decorado do legionário e do optio indica que esse equipamento não se limitava apenas aos oficiais (Tácito, Histórias, 1,57).

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QUADRO C - CONTUBERNIUM EM MARCHA – 14 DC

O quadro mostra uma fila de oito legionários em ordem de marcha. Eles vestem a paenulae o típico manto pesado do legionário. Coberturas de couro protegem seus escudos retangulares curvos e ovais. Elstes são carregados por meio de um sistema de correias (1), desenvolvida por Marcus Junkelmann e usado com sucesso em seus experimentos práticos, mas o arnês permanece hipotético (Junkelmann 1986: 176-79). Os elmos dos legionários são uma mistura de Montefortino, Coolus e padrão gaulês Imperial e estão pendurados sobre o peito, de um modo conhecido a partir de monumentos provinciais e estaduais.

Outro kit, compreendendo uma bolsa de couro, um saco de rede (para uso pessoal e rações), um pote, uma marmita e uma garrafa de água, está pendurado na vara de transporte (furca), em forma de T. Sua barraca e equipamentos pesados, tais como ferramentas de sapa - machado, picareta em cruz, pá, cortador de relva - são transportadas por mulas (ver o fundo), mas os soldados em campanha deveriam transportar tudo, exceto os artigos mais pesados, tais como os moedores de grãos para fazer farinha. O general Marius ficou famoso por cortar a bagagem que acompanhava os exércitos, forçando legionários a transportar todos os seus equipamentos, daí seu apelido de “Mulas de Marius” (Frontinus, estratagemas, 4.1.7). Os tropeiros são escravos militares (calones).

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QUADRO D – TÉCNICAS DE COMBATE DOS LEGIONÁRIOS

(1) Ilustra um legionário pesadamente armado, típico da primeira metade do Século I DC lançando seu pesado pilum, antes de carregar com sua espada. Os legionários contavam com o efeito da ação de choque e da confusão causada pelo voleio da pila para maximizar a rapidez da sua própria carga, quando cada legionário tinha como objetivo colidir contra um adversário e esfaqueá-lo quando ele caísse para trás (veja Quadro F).

(2 e 3) - Mostra dois tipos diferentes de legionário lutando, sem armadura corporal. 2 IIustra um legionário levemente armado. Seu escudo oval plano é mais manobrável do que o scutum regular, e seus javelins leves lhe permitem lutar antes da linha de batalha (antesignani) ou particioar de uma saraivada de mísseis de apoio, por sobre as cabeças de seus companheiros Nas batalhas caracterizadas por duelos de mísseis tais legionários teriam dominado a luta.

(3) - Mostra um legionário regular avançando sem armadura. César, Tácito e Dio todos se referem à uma infantaria pesada aliviada de sua armadura para aumentar a sua velocidade e sua capacidade de manobrar, quando em batalha.

(4) - Mostra um legionário de Augusto em uma posição agachada, posição esta defendida por Connolly (1991). Ele sugere que essa era uma posição de combate padrão, mas Goldsworthy acredita que ela fosse impraticável, uma vez que negava a proteção do escudo, colocava uma grande pressão sobre o braço esquerdo e expunha as costas e os ombros (1996: 173). No entanto, deveria ser considerada como uma opção para um legionário que desejasse ficar se guardando de um oponente armado com uma espada cortante.

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QUADRO E – ACAMPAMENTO DE MARCHA, SÉCULO I DCOs acampamentos de marcha foram fundamentais para a prática militar romana (Plutarco, Pirro,

16), oferecendo aos exércitos em marcha um acampamento seguro a cada noite, bem como uma posi-ção para se retirar, caso uma batalha fosse vencida. O general Corbulo declarou que as guerras foram realmente ganhas por meio da picareta (dolobra) (Frontinus, estratagemas, 4.7.2), e que as técnicas de construção de acampamentos foram facilmente transferidas para a guerra de sítio, em que os romanos se destacaram.

A ilustração mostra as tendas de pele de cabra à prova d’água de uma centúria, que são visíveis por trás da muralha. As barracas, normalmente, ficariam ainda mais para trás, fora do alcance dos mís-seis inimigos. Cada contubernium de oito legionários compartilhava uma pequena tenda apertada, mas o centurião tinha uma grande tenda só para ele, o padrão da centúria (veja 1 para uma linha típica). É incerto se o signifer e optio também possuíam barracas separadas. A maioria dos legionários está empenhada na limpeza da vala e na amarração em conjunto das estacas da paliçada para formar a muralha.

A muralha propriamente dita era reforçada com torrões de turfa. Quando em condições de calor, como na gravura, as túnicas ficavam presas sobre apenas um ombro, por meio de um nó feito atrás do pescoço, mas que permitia, uma vez afrouxado, a passagem de um só braço. Os legionários inteiramente armados guardam a construção do acampamento, e pelo menos 20 por cento do exército ficava de guarda e, talvez 50 por cento em face do inimigo. Os portões do acampamento (no centro de cada parede) eram particular e fortemente vigiados, e, normalmente, fechados em parte, para dividir qualquer força que tentasse assaltar o acampamento. Os principais portões se abriam para as duas principais ruas que se cruzavam, interseccionando as ruas interiores do acampamento que levavam ao posto de comando, ao mercado e ao pátio de manobras.

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QUADRO F – BATALHA DA FLORESTA DE TEUTOBURG, GERMÂNIA, OUTONO DE 9 DC

Marcus Caelius (1), um centurião líder de Legio XVIII, lliderava um pequeno grupo de veteranos e calones (escravos do exército) contra Armínio Cherusci durante a batalha de três dias em que três legiões (XVII, XVIII, XIX) e nove regimentos auxiliares foram destruídos

Quinctilius Varo (não mostrado), agindo sob a informação de Armínio, o chefe de confiança de Cherusci e ex-oficial auxiliar, liderou um exército romano no outono do ano 9 DC, para conter uma rebe-lião em território parcialmente dominado. Na expectativa de encontrar-se com os leves de Chersuci, Varo foi ele próprio levado para uma emboscada preparada por Armínio na floresta de Teutoburgo. Cercado por colinas arborizadas à esquerda, por pântanos à direita e por paredes de turfa à frente, o exército romano segurou o ataque inicial do inimigo, mas tendo estado a marchar através de um território “amigo” encontrava-se desordenado e, finalmente, incapaz de se libertar. Os contínuos ataques de “bate-e corre” de Chersuci aumentaram a desordem e gerou o pânico, e apenas alguns soldados sobreviveram para voltar através do rio Reno (Dio, 56,18-22; Veleio Paterculus, 2,117-120). O local da batalha foi recentemente localizado em Kalkriese, perto de Osnabrück (Schluter 1999).

Todo o equipamento ilustrado é derivado de achados em Kalkriese, predominantemente a partir de fragmentos de capacetes, armaduras, escudos, espadas, pila, acessórios de cintos e equipamentos de sapa (Franzius 1995).

O colete de malha e as decorações de Caelius, armillae, torques, phalerae e coroas cívicas seguem o retratado de sua lápide em Xanten, na Holanda. Suas condecorações deveram-se, certamente, às bata-lhas vencidas (Caesar, Spanish War, 23)), mas é incerto se a frágil coroa de folhas de carvalho foi usada na ação. A crista transversal do elmo e as perneiras prateadas indicam sua posição de centurião (Vege-tius, epítome, 2,13). Seu capacete é do tipo imperial gaulês D, normalmente datado do segundo quarto do primeiro século. Fragmentos de capacetes imperiais gauleses foram descobertos em Kalkriese, além de outros achados, como a lorica segmentata usada pelo veterano a esquerda de Caelius (2), indicam que muitos padrões de equipamentos tinham entrado em serviço mais cedo do que se supunha anteriormente. Ele também usa um capacete imperial gaulês, mas de um padrão do final do Século I AC. O veterano (4) ilustra a imagem mais tradicional do legionário de Augusto, equipado com armadura de malha, com gan-chos de bronze e um elmo de bronze do tipo Coolus, além de um scutum curvo.

A máscara facial de prata usada sob o elmo do vexillarius (3), o porta-bandeira da Legio XVIII dos veteranos, é um dos achados mais espetaculares de Kalkriese. A máscara pode realmente ter pertencido ao elmo de um soldado da cavalaria auxiliar, mas os legionários porta-estandartes certamente usavam tais acessórios durante o Século 1 DC. A picareta (dolobra) segurada pelo calo (4) foi certamente usada na batalha por legionários (Tácito, Anais, 3,46; Histórias, 2,42), e os escravos militares seriam equipados com tais itens, em sua função de construção de acampamentos (Josefo, Guerra judaica, 3,69-70, 78).

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QUADRO G – CENTÚRIA PRIOR NA BATALHA, SÉCULO I DCAqui vemos uma centúria prior (a da frente) formada em quatro fileiras de 20 homens, com o cen-

turião, identificado por seu capacete com crista transversal, posicionado na extrema direita da linha de frente (1). O signifer (porta-estandarte) (2) está no centro de formação para impedir que ele seja morto durante o primeiro confronto e que o estandarte caia em mãos inimigas (Vegetius, epítome, 2,15), mas os porta-estandartes lutavam, regularmente, na linha de frente. Não está ilustrado aqui, mas a retaguarda da centúria (posterior) estaria, certamente, preparando-se para lançar suas pila sobre as cabeças dos legionários da centúria líder (Amian, Ectaxis contra Alanos, 15-16), e as tropas levemente armadas cobri-riam as lacunas entre as centúrias, com o objetivo de apanhar qualquer inimigo que tentasse explorar as lacunas na linha, em um fogo cruzado vicioso de javelins.

A inserção revela a formação regular em ‘tabuleiro de xadrez’ dos legionários. Tendo avança-do dentro do alcance do inimigo, as fileiras da frente lançaram sua pila pesada e estão correndo para carregar com as espadas empunhadas. O porta-estandarte retraiu para o centro da terceira fileira e acompanha o restante da centúria, uma vez que elas se livraram de suas pila. As três figuras posicionadas atrás das centúria são o optio (chefe dos centuriões), o carracen (trompetista,) [4] e o tesseranus (ofi-cial tesoureiro)[5]. O optio e o tesserario estão posicionados para usar suas equipes em linha e impedir qualquer tentativa dos homens da retaguarda de fugir. o cornicen (também retirado para a parte traseira após o adiantamento inicial por causa de sua função de comando essencial) retransmite as ordens dadas pelos trompetistas do general para o signifer, uma vez que os soldados poderiam não ser capazes de ouvir os comandos de trompete e deveriam , então, obedecer aos sinais do estandarte

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QUADRO H – LEGIONÁRIO DA LEGIO II AUGUSTA, BRITÂNIA, 43 DC

Cláudio tornou-se inesperadamente imperador em 41 DC, quando seu sobrinho Calígula foi assas-sinado. Precisando de sucesso militar para consolidar sua posição, ele embarcou na conquista do sul da Grã-Bretanha em 43 DC, uma empresa originalmente planejada por seu antecessor. A força de invasão era composta por quatro legiões (certamente a II Augusta, a XIV Gemina e, talvez, a IX Hispana e a XX) e mais as forças auxiliares. Avançando rapidamente, as forças romanas conquistaram uma importante vitória fora de Camulodunum (Colchester) e o imperador entrou na capital tribal, em triunfo, montado em um elefante.

A Legio II Augusta estava sob o comando de Vespasiano durante a invasão. Ela lutou em 30 enga-jamentos e capturou 20 fortalezas (Suetônio, Vespasiano, 4). Aqui vemos um legionário re-equipado para a expedição, mas muitos teriam sido equipados de forma semelhante aos seus antecessores do final da República, com elmos de bronze, armadura de malha e scutum curvo.

Seu scutum retangular curvo (1) foi, provavelmente, o mais difundido, mas o da gravura não era o padrão normal. Da mesma forma, sua armadura, a couraça Corbridge A, era feita de lorica segmentata, tão dominante nas colunas de Trajano, que poderia ter-se limitado aos lutadores especializados. Seu elmo é um imperial gaulês de alta qualidade, mas o da figura 2 é um contemporâneo imperial Itálico C em bronze, usado por muitos legionários, mas de construção inferior. O pilum pesado (3) segue uma repre-sentação existente em um painel sobrevivente do Arco de Claudius em Roma, construído para comemorar a conquista (Koeppel 1983). Tal pila pesada pode ter sido introduzida durante o reinado de Tibério. Os gladius “Pompeii”, recentemente introduzidos (4), eram verdadeiras espadas curtas com uma ponta e uma lâmina afiada paralela, que foram usadas juntamente com os padrões do tipo Mainz, mais velhos (5). O famoso gládio tipo Mainz (6), com Romulus, Remus e a loba em alto-relevo, foi encontrado no Tamisa, em Fulham, quase que na data do período de conquistas. (Ulbert 1969). O punhal (7) era usado em ângulo, seguindo a moda de seus antecedentes espanhóis.

As sandálias (caligae) (8) obedecem aos exemplos de Kalkriese e Hod Hill, ilustrando-se a seme-lhança com as solas de sapatos modernos. O padrão a céu aberto da parte superior, cortado a partir de uma única peça de couro, é também ilustrado (9).

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OPERAÇÕES

Antes de abordar este assunto, vale a apresentação de algumas considerações a respeito da organização e emprego das legiões, no diz respeito, particularmente , às relações de comando existentes no sistema coortal, em relação ao sistema manipular, e sobre a importância dos intervalos entre as unidades de combate.

A legião de 10 coortes era uma estrutura mais complexa que aquela de 30 manípulas, por isso na primeira, foi introduzido um nível intermediário na hierarquia de comando . O comandante de uma legião manipular tinha que baixar suas ordens diretamente para as suas 30 unidades imediatamente subor-dinadas, melhor dizendo, para os centuriões no comando de cada manipula. Além disso, o comandante teria que, pessoalmente, coordenar suas operações. Este processo,óbvia e inevitavelmente, resultava na demora na transmissão das ordens e na consequente lentidão do processo como um todo, o que, ao final inibia a adoção de um plano mais complicado, sob pena de um insucesso. Isto, de certa forma, explica o porque das táticas rmanas no período considerado terem sido invariavelmente simples.

Por outro lado, o legado no exercício do comando de uma legião de 10 coortes podia controlar sua força mais facilmente. Ao invés de ter de se relacionar, diretamente, com seus 30 subordinados imedia-tos, ele teria que se dirigir apenas aos 10 comandantes de coortes. Estes homens deveriam, por sua vez, eles próprios exercer o controle sobre os 480 homens sob seu comando. Uma coorte estava longe de ser o somatório das das 3 manípulas que a compunham. Ela possuía uma clara hierarquia de comando e que estava acostumada a operar junta, como uma unidade. Disso resultava uma legião muito mais flexível, capaz de levar a cabo planos de batalha mais complexos.

Em suas campanhas, Cesar foi hábil em explorar esta flexibilidade, razão pela qual suas operações distinguiram-se das demais realizadas por seus pares. E, em verdade, foi a estrutura flexível da coorte foi que tornou possível a profissionalização do Exército romano.

As 3 linhas de coortes forneciam uma similar concentração de força às três linhas de manípulas, de sorte a, com sucesso, romper a linha de batalha inimiga. Além disso, a legião de 10 coortes era, no mínimo, melhor organizada do que uma com 30 manípulas, para se obter uma batalha decisiva em grande escala. Em ambas, contudo, o desdobramento em profundidade garantia uma prontidão de reservas dispo-níveis, para explorar o êxito e impor uma derrota ao inimigo, pela perseguição com tropas relativamente frescas.

A maior flexibilidade do sistema coortal era mais vantajoso que o sistema manipular neste tipo de combate. Sob outro ponto de vista, a legião de 10 coortes, além de poder vencer batalhas em gran-de escala, também poderia ser dividida, igualmente, para operar em lutas de menor envergadura. Um destacamento composto de uma ou mais coortes também estava longe de ser igualado à uma coleção de manipulas. A coorte, portanto, era adaptável a vários tipos de combates, e não somente àqueles de grande escala.

O exército do final da República encontrava-se firmemente baseado em torno da legião. Esta era capaz de se daptar à combates de menor envergadura, mas um corpo de 5.000 homens era considerado o tamanho usual para emprego, em quaisquer circunstâncias. Isto sugere que, a época, a legião tinha,

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como tarefa principal, a guerra em longa escala.Havia, pois, no passado, a tendência de que a função principal e única dos exércitos era o de, ape-

nas, derrotar o inimigo no campo de batalha, impondo-lhe uma vitória decisiva, através de uma operação de grande escala. Crises que exigem uma solução a manu militari sempre existiram. Elas exigem e sempre exigiram o emprego de forças flexíveis e mais ágeis, o que não era o caso da legião manipular. Avulta de importância, portanto, o surgimento da legião em coortes, conforme os aspectos acima abordados.

A História militar romana está repleta de exemplos que comprovam a excelência da adoção do sistema coortal no Exército romano. Cita-se, como exemplo os combates de caráter limutado de Júlio Cesar contra as tribos que habitava a Galia, as lutas contra o rei de Pontus, entre outras.

Ainda a título de intróito, importa que se observe a figura abaixo, que procura demonstrar a legião em coortes, pós Marius, com as coortes sendo desdobradas no padrão quincunx. Como reflexo da colocação anterior dos veteranos do Triarii, na retaguarda, as coortes menos experimentes - geralmente as II, III, IV, VI e VIII - ficavam na frente, enquanto as coortes mais experientes - I, V, VII, IX e X - eram posicionadas atrás.

Desdobramento e desenvolvimento da legião em coortes

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FORMAÇÕES E PROFUNDIDADE DAS LINHAS

A formação do Exército romano que derrotou Tacfarinas em 17 DC é típico: a Legio IX Augusta, no centro, flanqueada por coortes auxiliares “ligeiras” (presumivelmente tropas de mísseis, embora a maioria das coortes fosem de infantaria pesada), com a cavalaria nas alas (Tácito, Anais , 2.52). Essa foi a formação básica adotada na maioria das batalhas (por exemplo, em Mons Graupius) e é essencialmente a que a coluna de marcha de Germanicus teria levado para a Idistaviso em 16 DC (Tácito, Anais, 2,16-17), embora este enorme exército provavelmente tivsse sido desdobrado em duas ou mais linhas.

Várias linhas e reservas eram comuns nas batalhas romanas. O uso regular de César das triplex acies (linhas triplas), com uma formação de coortes em 4-3-3 (Caesar, Guerra Civil, 1,83) é o mais famoso exemplo disso. A primeira linha de coortes engajava o inimigo, enquanto a segunda linha reforçaria a pri-meira ou a substituíria (se possível); a terceira linha poderia ser usada para construir um acampamento, realizar manobras de acompanhamento, reforçar as alas do exército, ou até mesmo dividir-se para for-mar uma quarta linha de batalha.

Existem evidências de exércitos romanos desdobrando-se em uma, duas, três e, ocasionalmente, em quatro linhas de batalha. Existe ainda a possibilidade de seis linhas, caso as seis centúrias de uma co-orte pudessem se desdobrar uma atrás da outra. Somente quando uma coorte ficava isolada ou operava sozinha como um Vexillatio (destacamento de combate), é que se podia ter as centúrias formadas em uma

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série de linhas e a coorte, nesse caso, tornar-se-ia uma legião em miniatura.A profundidade das linhas poderiam ser de três, quatro, seis, oito, dez ou mais fileiras, conforme

as circunstâncias, o real efetivo de um exército e de suas unidades, e a experiência de seus homens. Em ordem “cerrada”, o exército romano, provavelmente lutou em fileiras, talvez compostas de contubernia, mas não há informações explícitas sobre isso. Quando em ordem “aberta” os legionários formavam uma espécie de formação em tabuleiro de xadrez (quincunx). Esta parece ter sido a ordem de batalha regular das centúrias, porque eles não dependeriam do peso da formação para irromper através do inimigo.

Políbio informa que cada legionário ocupava um espaço de 1,8 m de largura por 1,8 m de profun-didade (18,28-30). Vegetius reduz a largura para 90 centímetros, mas aumenta a profundidade para 2m (epítome, 3,14-15). A formação escalonada e profunda era necessária para que o pilum pudesse ser puxado para trás, antes de ser lançado, sem ferir o homem que ficava atrás dele. Tais fileiras desencontradas mostram-se evidentes, a partir de evidentes representações, como por exemplo, o relêvo do legionário principia em Mainz. Os legionários poderiam adotar formações ainda mais alargadas, em função do inimi-go e do terreno. As legiões de veteranos de Pompeu lutaram em uma ordem aberta particularmente fluida, depois de muitos anos de luta na Espanha (Caesar, Guerra Civil, 1,44).

Os soldados romanos preferiam lutar em terreno aberto, de preferência seco e nívelado, ou na crista de uma elevação, situações em que ele teria facilidade para dar impusão ao lançamentos de seu javelin (César, Guerra das Gálias, 1,25; Tácito, Anais , 1,67-68). Eles não gostavam das formações limitadas pela topografia e preferiam ter espaço para manobrar (César, Guerra Hispano, 30). Se necessário, ou se simplesmente compelidos, eles lutariam em frentes estreitas, e lidariam com as obstruções à linha de batalha, fossem árvores ou construções sem o que a batalha seria perdida (Tácito, Anais, 2,14 ; Histories, 2,41; Dio, 56.13.3-7).

LINHAS DE BATALHA DESCONTÍNUAS

No tocante aos chamados espaços táticos, valem, de início, as seguintes consuderaões:Seguindo Lívio e Políbio, muitos autores descrevem a formação da legiões contendo aberturas

entre as manípulas e cohortes, espaços táticos equivalentes à largura da própria unidade, de sorte que as unidades da segunda linha pudessem avançar através daqueles intervalos, quando a primeira linha retraísse.

Para outros autores, tal formação não seria plausível, posto que, segundo eles, a legião não po-deria marchar para o contato com tais enormes vazios. que o inimigo poderia aproveitar para penetrar na posição romana.

Mas o que seriam tais espaços?Na legião pré-Marius, as unidades táticas eram manípulas de 12 homens. Os intervalos deveriam

ter o mesmo tamanho das manípulas,uma largura suficiente para que uma segunda linha se inserisse através da primeira. Como as unidades eram pequenas, pequenos também seriam os tais intervalos. Os primeiros inimigos de Roma eram, frequentemente, outras tribos italianas, que lutavam com uma forma-ção tipo falange, que não lhes propiciava muita flexibilidade na linha de batalha. Em tais circunstâncias,

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parece plausível que as legiões empregassem aberturas em suas formações. O soldado inimigo não teria como se posicionar de forma a explorar os ditos espaços, sem quebrar a integridade da falange. E os próprios espaços das linhas romanas não eram tão largos em comparação com a profundidade garantida pelas pelas linhas, nos lados da formação.

Além disso, não seria possível que elementos da falange intentassem tal penetração, sem que, com isso, fosse quebrada a integridade física da falange.

Pode-se imaginar uma primeira oportunidade, em que uma inexperiente falange tivesse se encon-trado em face de tropas romanas formadas com os tais espaços. A primeira reação do general oponente seria idealizar como atacar os flancos expostos das manípula romanas através dos vazios existentes.

As reformas de Marius chegaram no tempo em que se defendia Roma contra os celtas. As novas táticas das cohortes, não haviam sido criadas especificamente com este propósito, mas elas, certamente, foram usadas em tais batalhas. Naquelas legiões, a unidade tática básica seria uma grande cohorte. Desde que as cohortes eram maiores que as manípulas, consequentemente seus intervalos também haveriam de ser mais largos.

Em contato com tais largos vazios, os celtas não poderiam deles se aproveitar e lutar tão compac-tados como no estilo falange de seus exércitos.A combinação dos largos espaços e o estilo de lutar dos celtas parecem tornar os grandes espaços menos plausíveis. A figura abaixo mostra as aberturas mais largas da formação em cohorte e os guerreiros celtas. A escala é a mesma do desenho anterior.

Os celtas são representados penetrando nos largos espaços e parece incrível que não sejam bem

O desenho à esquerda mostra as extremidades de 2 maní-pulas (figuras vermelhas), com um espaço entre elas. Elas se en-contram em face de um corpo inquebrável de lanceiros formados no padrão hoplita, com 8 linhas de profundidade.

Há 21 lanceiros na frente do espaço. Ao longo das laterais do vazio existem 24 roimanos. Parece óbvio que aqueles romanos seriam capazes de impedir qualquer tentativa de penetração

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sucedidos e que tal penetração não seja fatal para o ataque romano.Avançando no intervalo romano encontram-se 33 celtas. Para fazer frente à penetração a for-

mação romana dispõe de somente 12 homens de cada lado. Parece claro que o centro do ataque celta poderá penetrar até a retaguarda da formação romana, antes de ser interceptado por outros elementos do outro lado.

Não haveria uma segunda linha de cohortes para impedir a penetração, pois dentro do padrão descrito para estas formações, as segundas linhas estariam posicionadas algumas centenas de pés à retaguarda. Elas, então, não chegariam a tempo para barrar a penetração que estava sendo realizada por soldados tão móveis como os celtas.

Portanto, fica provado que os pequenos espaços das primeiras legiões seriam compatíveis para enfrentar as falanges, mas não seriam plausíveis para as legiões que se sucederam.

A maioria dos estudiosos concluem que as legiões não entrariam em combate usando aberturas em suas linhas, sem que elas pudessem ser fechadas e reabertas tão logo a segunda linha substituísse a primeira.

As linhas de batalha romanas , portanto,não eram contínuas. Lacunas na linha eram essenciais para a coesão e a capacidade de manobra de suas unidades componentes. Isso fica claro a partir da legião manipular. Por exemplo, em Trébia, as tropas romanas ligeiras (leves) retirararam-se através dos espa-ços deixados nas linhas da infantaria pesada, e não há nenhuma informação de que as linhas devessem estar fechadas, uma vez que a batalha já tinha se iniciado e adequadamente (Políbio, 3,73). César informa a existência de lacunas na linha para a legião coortal, quando diz que duas coortes eram desdobradas, deixando-se um pequeno intervalo entre elas. O que fica evidenciado é que o deixar pequenos espaços não era a norma, mas estas lacunas tomaram-se cada vez menores do que o habitual, porque os legionários tinham a certeza do suceso das táticas usadas na Britãnia (César, Gallic Guerra, 5.15). As incursões feitas por coortes individuais oriundas de uma formação orbis ‘circular’, sugere que havia lacunas em prol da coesão, mesmo em uma formação tão defensiva; os soldados estavam conscientes de que, se eles se tornassem uma massa desorganizada, tudo seria perdido, rapidamente (César, Gallic Guerra, 5,34-35).

O pronto deslocamento de oficiais através das linhas de batalha também ilustra a existência de lacunas (por exemplo, por Caesar, ibid., 2.25).

Os contos de Políbio e Livy sugerem a existência de lacunas entre as manípulas de largura igual a de uma manipula, para facilitar a rápida mudança das linhas (Livy, 8,8; Políbios, 3.113, 15,9). Lacunas igualando a frente de uma coorte pode parecer muito grande, mas poderia ser explicada em face da necessidade de reforço ou de uma substituição rápida da primeira linha de batalha pela terceira linha, como aconteceu em Farsália (Caesar, Guerra Civil, 3,94), mas as centúrias poderiam ter avançado mais estreitadas através das lacunas, umas atrás das outras, em coluna.

Devemos também lembrar que as lacunas estavam presentes dentro das próprias coortes - aque-las entre as centúrias.

As preocupações sobre os potenciais problemas das lacunas na linha de batalha, ou seja, que o inimigo poderia “avançar atravé delas”’, são negados quando é lembrado que, se um exército inimigo de-veria também manter a sua coesão e não se transformar em uma massa desorganizada, ele também teria

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lacunas entre suas unidades. De qualquer maneira, as tropas ligeiras tinham a tarefa de cobrir os espaços existentes nas linhas e deveria tentar capturar o inimigo no fogo cruzado (Livy, 30,32; herodiano, 4.15.1).

O EXÉRCITO DE AUGUSTO - A LEGIÃO “CLÁSSICA”

O exército que operou a partir do tempo de Augusto (27 AC a 14DC) pode ser genericamente referido como o das “legiões clásicas”, uma corporação de homens armados, cuja maioria, tinha em suas mentes o virtuoso significado da palavra “legião.

Note-se que neste tempo, o elmo era um acessório sofisticado. Sua configuração continha áreas para deflexão dos golpes e abas também para defletir os impactos, ou absorvê-los. A nuca do soldado era protegida por abas e os painéis laterais o protegeriam de golpes dirigidos contra os lados do rosto e o pescoço. A aba superior, além de evitar que a chuva corresse sobre o rosto do legionário, também serviria para absorver os golpes de espada oferecidos de cima para baixo.

Figura 5 - Legionário Imperial do Século I DC, com lorica segmentada . O legionário da imagem usa a famosa armadura (lorica segmentata) e o típico capacete imperial “gálico”. Tambem porta o famoso scutum quadrado e encurvado, uma gladius e uma pillum.

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Sob o comando de Júlio César, o exército tornou-se uma corporação altamente eficiente e bri-lhantemente liderada.

Augusto teve dificuldades em reter o muito que César havia criado, mas o período de paz havido permitiu-lhe criar um exército com mais de 28 legiões, cada uma com um efetivo de 6.000 homens. For-ças adicionais e em igualdade de efetivos foram configuradas pelas tropas auxiliares. Augusto também reformou o tempo de sérviço do legionário, aumentando-o de 6 até 16 anos (16 anos para os serviços completos e 4 anos para as tarefas mais leves).

O emblema padrão da legião, a águia, simbolizava a honradez da unidade. Aquele legionário que portava a águia-símbolo era chamado aquilifer, normalmente um centurião. Esta função era sinônmo de elevado prestígio e de honradez, objeto de cobiça pelos demais pares, particularmente, também, pelo pagamento que lhe era oferecido.

Uma legião em marcha levava consigo os suprimentos necessários para semanas em campamha. Para construir cada acampamento noturno, todos os legionários levavam consigo ferramentas de sapa e duas estacas para a consrução da paliçada. Além de sua armadura e do seu armamento, o legionário deveria ainda portar consigo uma panela para cozinhar, alguma ração, roupas e objetos de uso pessoal. Curvados em razão de tal peso adicional, os homens andavam tal qual uma mula de carga, donde o apelido de “Mulas de Marius”.

Figuras E.1 e E.2 - .”Mula de Marius” – os legionários deveriam carregar consigo mesmos um kit de uso pessoal, (para sapa e cozinha) que era levado nos ombros, por meio de uma vara com uma cruzeta na ponta (furca). As gravuras mostram o kit individual do legionário e a respectiva “mochila” que ele deveria carregar, junto com seu pillum. Em razão do peso nos ombros, os soldados marchavam encurvados, o que deu origem ao termo “Mulas de Marius”.

Não há mais o que se debater a respeito de quanto peso um legionário, na verdade, teria de carre-gar. Nos dias atuais, a carga total de um soldado de infantaria é de cerca de 30 Kg (£ 66). Para os tempos da Roma antiga, os cálculos foram feitos incluindo-se todo o equipamento e mais os 16 dias inteiros de rações, o que somaria mais de 41 kg (cerca de £ 93). E esta estimativa é feita usando os pesos mais leves possíveis para cada item, portanto, o peso real teria sido ainda maior. O dia de ração que o soldado

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levava com ele (buccellatum), era normalmente usado para complementar a ração de milho, que lhe era oferecida pela legião, por dia (frumentum) e que, como vimos, era indenizada. Só o buccellatum para os 16 dias pesaria algo em torno de 30 Kg (£ 66) de ração, praticamente o mesmo peso que os soldados de hoje carregam, incluindo-se seu equipamento individual básico de combate.

A necessidade de uma legião para realizar tarefas muito especializadas, tais como construção de pontes ou de equipamentos de sítio, exigia que houvesse entre os seus efetivos especialistas. Estes homens eram conhecidos como immunes, pois eram dispensados das tarefas regulares. Entre eles havia equipe médica, topógrafos, carpinteiros, veterinários, caçadores, armeiros e, até mesmo, adivinhos e sacerdotes.

Quando a legião estava em marcha, o principal dever dos esclarecedores era seguir à frente do exército, talvez com um destacamento de cavalaria, e buscar o melhor lugar para o acampamento da noi-te. Nos fortes, ao longo das fronteiras do império, e mesmo nas legiões, outros homens não-combatentes poderiam ser encontrados; eram os responsáveis pela execução da burocracia que manteria o funciona-mento pleno do exército. Eram os escribas e supervisores, encarregados do pagamento do pessoal, dos suprimentos e dos costumes. Havia, ainda. uma polícia militar.

A legião, como unidade, era constituída de 10 coortes, cada uma com 6 centúrias comandadas por um centurião; estas, por sua vez possuíam um efetivo de 80 homens,

O legado (legatus), o general comandante da legião, usualmente mantinha o comando por 3 ou 4 anos consecutivos, normalmente como uma preparação para o exercício da função de governador provincial. O legado tinha seu Estado-Maior pessoal, composto de 6 oficiais, os tribunos militares que, na verdade, eram mais posições políticas do que propriamente militares. Outro homem que pertencia ao Estado-Maior do legado era o centurião primus pilus, o mais antigo de todos os centuriões, dotado de vasta experiência em combate e que comandava a “primeira centúria” da “primeira coorte” e era o prncipal combatente da legião, quando em campanha. Vale dizer que nesta situação, ele era sempre visto

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percorrendo as tropas de combate.Somados os não-combatentes que acompanhavam a legião, o efetivo total desta grande unidade

girava em tono de uns 6.000 homens. Os 120 cavaleiros adidos à cada legião eram empregados como vedetes (escoltas e esclarecedores) e como mensageiros.

A ORDEM DE BATALHA

A primeira coorte de qualquer legião era a tropa de elite. Costumava-se dizer que a sexta coorte consistia dos “mais finos dos jovens homens”, que a oitava contnha “tropas selecionadas” e que a décima era formada por “boas tropas”. As coortes mais fracas eram a II, a IV, a VII e a IX coortes. Os recrutas, ainda em treinamento seriam encontrados nas VII e IX coortes.

O EXÉRCITO ROMANO DE 250-378 DC

Foi entre os reinados de Augusto e Trajano que o Exército romano talvez tenha atingido o seu auge. É o exército deste tempo que é geralmente entendido como o exército romano “clássico”. No entanto, ao contrário da crença popular, este não foi o exército que acabou sendo derrotado pelos bárbaros do norte.

O Exército romano tinha evoluído e mudado com o tempo, adaptando-se a novos desafios. Por um longo tempo ele não precisou mudar muito. Pois ele mantinha a supremacia nos campos de batalha de então. E assim, até 250 DC a infantaria pesadamente armada era a que predominava no Exército romano.

Mas os dias da gladius e do pilum estavam em vias de se tornarem “coisas do passado”. A prin-cipal razão para tais mudanças seria a resultante das demandas exigidas pela guerras de fronteira e do posicionamento dos exércitos.

A partir dos tempos de Adriano, foram estabelecidos sistemas defensivos ao longo do rio Danúbio e Eufrates, de forma a manter os oponentes afastados do território imperial romano, o que exigiu o esta-belecimento de grandes acampamentos permanentes posicionados ao longo daqueles limites territoriais. Quaisquer bárbaros que cruzassem a fronteira teriam, necessariamente, que seguir seu caminho através de posições defensivas e de forças auxiliares, localmente estacionadas, até que, eventualmente, viessem a enfrentar a legião mais próxima, que marcharia de seu acampamento e cortaria sua retirada. Durante

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muito tempo, este sistema funcionou bem o suficiente.Mas no terceiro século já não mais se pode contar com tal estratagema. As velhas legiões torna-

ram-se gradualmente mais desorganizadas, tendo sua coortes destacadas e enviadas para vários lugares para preencher brechas existentes nas defesas. Por outro lado, uma série de novas unidades de cavalaria e de infantaria tinham sido criadas para fazer frente aos tempos de desespero decorrentes de uma guerra civil e das invasões bárbaras.

Uma das mais significativas diferenças em relação ao velho sistema do exército foi a vivida quando Caracalla, em 212 DC, concedeu a cidadania romana em todas as províncias pertencentes ao Império Romano. Com isto, dissipou-se a distinção que havia entre os legionários e as forças auxiliares, porto que, então, todos passaram a ter igual status. Doravante, todo habitante provincial era considerado romano, mas isto não significou o fim para os não-romanos fazerem parte do Exército romano.

Em seu desespero, os apurados imperadores do terceiro século tinham recrutado quaisquer for-ças militares que viessem às suas mãos. Assim, tropas alemãs, samaritanas, árabes, armênias, persas e árabes, que não se sujeitavam aos regimes do Império, agora pertenciam ao Exército romano, na mesma relação que, outrora, os auxiliares tinham feito.

Estas novas forças bárbaras imperiais tornaram-se maiores com o advento do terceiro império DC, ainda que seu efetivos não configurassem uma ameaça às verdadeiras legiões do Império romano

Já a partir do imperador Gallienus em diante, a tendência do aumento da proporção de cavalaria e da infantaria leve e a menor dependência do legionário da infantaria pesada tornou-se mais aparente. As legiões, consequentemente, foram gradualmente deixando de ser as tropas imperiais preferidas.

O imperador Diocleciano foi, em grande parte, o responsável pelas reformas do exército que se seguiram ao tumultuoso Século III. Querendo vencer a fraqueza do sistema defensivo romano — baseado em pontos fortes —, devido à atual enorme extensão de suas fronteiras, ele optou pelo estabelecimento de uma potente reserva móvel central. Operacionalmente, tal concepção pode ser considerada análoga à atual força de reação, empregada para fazer face às ameaças surgidas contra uma periferia necessitada de defesa, através do emprego de forças móveis e fortes, adrede preparadas para reagir contra elas.

Na anterior concepção estratégica de Augusto, as legiões foram baseadas nas bordas do império, em pontos fortes, e esta estratégia mostrou-se adequada áquela época. Mas o Império cresceu como pode ser demonstrado pelas duas gravuras abaixo, enquanto o número de legiões não acompanhou tal crescimento para se adequar à estratégia até então empregada.

Houve, em conseqüência, grandes invasões dos bárbaros, que irromperam através das defesas posicionadas na limes, sem nunca tinha encontrado qualquer força militar posicionada no interior do império para barrar seus avanços, devido ao sistema de defesa periférica introduzida por Augusto, e que vigia até então. Por isso, Deocleciano decidiu criar a reserva móvel central, a comitatenses, que, então, passou a gozar do mais alto status dentro do Exército romano. Eles substituiram aqueles legionários que permaneciam em suas bases ao longo da fronteira, então referidos como limitanei; Estas novas unidades, móveis foram organizados em legiões de mil homens, um tamanho muito maior do que o tradicional, mes-mo em larga escala, da antiga legião.

Com o quarto século, a mudança em direção à cavalaria e para longe da infantaria pesada conti-

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O Imperio romano sob Augusto O Império romano sob Diocleciano

Fig 07 – Antigo legionário do 3º/4º Século DC - No final do terceiro século. a in-fluência exercida pelo exército bárbaro começou a ser cada vez mais perceptível. Lentamente, o exército começou a se parecer com seus inimigos germânicos, de onde muitos de seus recrutas estavam vindo. O escudo muito grande, quase redondo, assemelhava-se aos usados pelas gerações anteriores dos soldados romanos. O capacete usado é tema de alguma discussão, pois não fica muito claro se era um capacete da cavalaria ou um capacete da infantaria daquela era. De qualquer forma, ele parece restringir severamente, o movimento da ca-beça. A armadura lamelar (um tipo de lorica squamata) usada por este soldado é bastante típico da era em questão e mostra que, antes do desaparecimento da armadura entre a soldadesca cada vez mais móvel, as legiões do terceiro e quarto século ainda estavam em grande parte pesadamente blindadas.

nuou. E a antiga cavalaria legionária desapareceu completamente, em face de uma emergente cavalaria mais pesada, a cavalaria germânica. Mas durante todo o reinado de Constantino, o Grande, a infantaria ainda permaneceu sendo a arma principal do Exército romano.

A predominância da arma da cavalaria manifestou-se quando Constantino aboliu a funçãdo de pra-etorian prefect, e criou duas outras; o mestre da infantaria (magister peditum) e o mestre da cavalaria (magister equitum). Mas com as legiões ainda mantendo a dominância do império, o Imperador Juliano derrotou os Germânicos no Reno, com seus legionários, em 357 DC.

E a cavalaria, em face do quadro vigente, encontrava-se aumentando em importância. Duas foram as razões para tal: primeiro, o fato de que muitos bárbaros recorriam às incursões, simplesmente para realizar pilhagens, em vez de uma invasão real, em face do que, para fazer frente a tais grupos atacantes, antes que eles se retirassem para fora do território romano, a infantaria, simplesmente, não era rápida o suficiente.

A outra razão prendia-se ao fato de que a superioridade da legião romana sobre seus oponentes já não era tão óbvia como tinha sido outrora. Os bárbaros tinham aprendido muito sobre seus inimigos romanos nos séculos passados. Milhares de alemães haviam servido como mercenários e levado sua

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experiência sobre a guerra romana de volta para casa com eles. Com este aumento da concorrência, o exército romano viu-se forçado a adaptar novas técnicas e a fornecer um forte apoio de cavalaria para a sua infantaria em apuros.

Se o Exército romano esteve durante a maior parte dos terceiro e quarto séculos passando por uma transição, aumentando gradualmente o número de cavalarianos, em seguida, no final deste período, essa mudança gradual foi atormentada por um desastre terrível. Em 378 DC, a cavalaria gótica aniquilou o exército oriental sob o comando do imperador Valens na Batalha de Adrianópolis (Hadrianopolis). Ficaria assim provado que a cavalaria pesada poderia derrotar a infantaria pesada na batalha.

O EXÉRCITO ROMANO DE 378-565 DC

O imperador Teodósio, o sucessor imediato de Valeriano, entendeu que após o desastre da batalha de Adrianópolis, drasticas mudanças seriam necessárias. Não somente o exército do Oriente tinha sido eliminado, mas também a confiança na infantaria romana tinha sido ultrapassada

Depois de alcançar a paz com os godos, ele começou a alistar cada “senhor da guerra” alemão que ele pudesse pagar por seus serviços. Estes alemães com os seus cavaleiros não faziam parte do exército regular, mas eram considerados federados (foederati) para cujos serviços o imperador lhes pagava uma taxa chamada annonae foederaticae. Apenas seis anos após a batalha de Adrianópolis, já havia 40.000 cavaleiros alemães servindo sob o comando de seus próprios chefes no Exército do Oriente. O Exército romano tinha mudado definitivamente. E dessa forma ele connseguiu manter o equilíbrio do poder no próprio império.

Como o Ocidente, de início, não se adaptou ao mesmo método do Oriente, logo ele aprendeu sua própria lição, quando o imperador Teodósio, alguns anos depois, conheceu o usurpador ocidental Magnus Maximus, em batalha no ano 387 DC. Os legionários ocidentais, amplamente considerados como os me-lhores soldados de infantaria dos seus dias, foram “botados abaixo” e esmagados pela cavalaria pesada de Teodósio.

A lição não foi imediatamente aprendida pelo Imperio do Ocidente e, em 392 DC, Arbogast e seu imperador fantoche Eugenius viram sua infantaria ser derrotada pelos cavaleiros góticos de Teodósio.

Se o Ocidente não se dedicou ao emprego da cavalaria, tão rapidamente quanto o Oriente, foi porque dois de seus mais formidáveis oponentes, os Francos e os Saxões, também não haviam convertido seus exércitos em cavalaria. Mas o Ocidente, agora, também começou a aumentar o emprego dos servi-ços dos cavaleiros pesados germânicos.

Enquanto nos exércitos do Oriente e do Ocidente a cavalaria reinava suprema, a infantaria, tam-bém se submetia a uma mudança. Muito da pesada infantaria sobreviveu, mas as novas unidades de infantaria que sucederam, usavam couraças mais leves que reduziam sua proteção, mas lhe possibilitava movimentos mais rápidos através do campo de batalha. Aém disso, mais e mais sodados foram treinados como arqueiros, em contraste com o adestramento do legionário do velho exército. A “chuva” de flechas tornou-se uma das principais armas contra as cargas de cavalaria dos bárbaros.

A moral abateu-se, extensivamente, na infantaria com a ascenção da cavalaria. Os infantes passa-

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ram a ser vistos como soldados de segunda classe por seus própros comandantes, quando comparados com a cavalaria gótica, com os homens, cada vez mais, vendo os alemães assumirem o comando do exército em todos os níveis, enquanto os nativos do império, gradualmente, eram postos de lado por toda a sorte de estrangeiros.

Durante o Seculo V DC, os foederatis germânicos tornaram-se a única força militar de real impor-tância no Ocidente e, eventualmente, derrubou o Estado, provocando a queda de Roma. Mas no Oriente, os imperadores Leo I e, mais tarde, Zeno, manobraram para evitar que os germânicos predominassem no Exercito romano, por meio de um extenso recrutaento de soldados da Ásia Menor (Turquia). Foi este desenvolvimento que assegurou a sobevivencia do Oriente, contra os guerreiros federados germânicos.

O Oriente, gradualmente, desenvovlveu sua cavalaria em uma força de cavaleiros-arqueiros, mui-to parecida com a dos Persas, com a cavalaria pesada da foederati germânica armada com lança e espada. Juntas, essas duas formas de cavalaria mostraram-se superiores à cavalaria gótico que não usar o arco totalmente.

O historiador Procópio descreve o cavaleiro-arqueiro oriental como vestindo um elmo, peitoral e placa traseira, e perneiras como armadura, sendo armado com um arco, uma espada e, na maioria dos casos, também com uma lança. Eles também tinham um pequeno escudo pendurado em seu ombro esquerdo.

Estes cavaleiros-arqueiros eram tropas bem treinadas, bons cavaleiros que eram capazes de dis-parar seus arcos, mesmo galopando em alta velocidade. O que também acrescentou eficácia à cavalaria foi que em algum momento do Século V (a origem exata não é clara), o estribo começou a ser introduzido.

Outro desenvolvimento da época foi que as nativas unidades romanas passaram a ser organizadas ao longo das linhas dos federados bárbaros. Se os federados operavam em uma unidade chamada comi-tatus, então isso significava que eles eram um bando de guerreiros comandados por um chefe, a quem devotavam uma lealdade pessoal. Este sistema já havia sido evienciado nas tropas romanas nativas, em razão do antigo sistema que permitia que os oficiais destacados erigissem suas próprias tropas para o serviço imperial.A mais prestigiada de tais tropas levantadas pelos oficiais mais graduados foram os guarda-costas regidos por um juramento ao seu chefe, os buccellarii, que não faziam parte do exército

ig 08 - Antigo Legionário do Século V DC - No Século V, a natureza bárbara do exército foi mal disfarçada. Os guerreiros germânicos dominavam as fileiras do Exército romano. A armadura mais lever possibilitou maior velocidade e mobilidade, ao exército no campo, capcitando os combatentes a deslocar-se rapidamente para afastar quaisquer invasores. Não mais havia quaisquer escudos quadrados curvos. Foi-se, também, o sofisticado design do capacete. e a espada curta própria para o esfaqueamento. Em vez disso os soldados eram armados com uma spatha germânica pesada.

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como um todo. Em verdade, eles eram vistos mais como guarda-costas pessoais de um general. O famoso comandante Belisarius cercou-se de um grande número desses tais buccellarii.

Outro desenvolvimento da época foi que as nativas unidades romanas passaram a ser organizadas ao longo das linhas dos federados bárbaros. Se os federados operavam em uma unidade chamada comi-tatus, então isso significava que eles eram um bando de guerreiros comandados por um chefe, a quem devotavam uma lealdade pessoal. Este sistema já havia sido evienciado nas tropas romanas nativas, em razão do antigo sistema que permitia que os oficiais destacados erigissem suas próprias tropas para o serviço imperial.A mais prestigiada de tais tropas levantadas pelos oficiais mais graduados foram os guarda-costas regidos por um juramento ao seu chefe, os buccellarii, que não faziam parte do exército como um todo. Em verdade, eles eram vistos mais como guarda-costas pessoais de um general. O famoso comandante Belisarius cercou-se de um grande número desses tais buccellarii.

Se Belisário usou seu exército como acima descrito, em grande parte, com infantaria leve, ar-queiros, cavalaria pesada e cavaleiros-arqueiros, então seu sucessor Narses iria acrescentar uma outra opção para essa matriz.

Em várias batalhas, ele ordenou que sua cavalaria pesada desmontasse e usasse suas lanças tal como uma falange contra a cavalaria ininiga, adotando um formato de homens picadores blindados. Este método mostrou-se muito eficaz, embora seja duvidoso se Narses não teria empregado essa tática para evitar que seus cavaleiros pesados fugissem, uma vez que ele desconfiava, profundamente, dessa intenção da sua tropa, ao invés de tentar criar uma nova forma de soldado.

O EXÉRCITO BIZANTINO, 565- 900 DC

Menos de 30 anos após a morte do imperador Justiniano, quando o imperador Tibério II Cons-tantino sucedeu ao trono em 578 DC, o exército foi novamente reorganizado. Um dos principais generais do imperador, e que mais tarde se tornaria o próprio imperador, Maurice, disseminou o strategicon, um manual sobre o emprego do exército do Império Oriental.

ig 09 - Antigo cavaleiro – Este é um exemplo de um antigo cavaleiro romano, talvez do Século V DC. Seu capacete e sua cota de malha já parecem muito com a armadura dos posteriores cavaleiros medievais. Ele tem um escudo leve eredondo e uma lança de estocar. A espada do cavaleiro romano era a spatha, uma arma de lâmina comprida, que lhe dava um alcance muito maior do que o curto gládio do le-gionário. Grande parte do arsenal e das armas da cavalaria romana tardia é supo-sição. O modo preferido de batalha da cavalaria romana (ala) era o de cair sobre a retaguarda ou os flancos de um inimigo já engajado contra a infantaria romana. Ela provou a sua mais devastadora capacidade quando perseguia as tropas inimigas em fuga, punçando os soldados que fugiam pelas costas. Na verdade a maioria dos massacres nas batalhas antigas deveria ter ocorrido quando o exército inimigo quebrava e entrava em desordem, ocasião em que a cavalaria caia sobre o inimigo em pânico e o perseguia. Note-se que o cavaleiro romano cavalga sem estribos.

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Era o Exército bizantino, que possuia não só as tradições romanas de estratégia, mas também considerava um sistema completo de táticas adequadas aos conflitos da era. Expressões gregas, como também alguns termos germânicos, passaram a tomar o lugar dos antigos jargões latinos, apesar de o latim ainda permanecer como o idioma oficial do exército.

O cavaleiro-arqueiro ainda permaneceu como o grande poder de combate do exército, mas foi introduzido um sistema completamente novo de unidades e de nomenclatura. As forças, então, eram organizadas em numeri, uma expressão usada para algumas unidades que parecia ter entrado em uso tão cedo quanto ao tempo de Diocleciano ou Constantino.

Os numeri, ou bandos guerreiros (bandae), não eram todos, necessariamente, do mesmo tamanho. De fato, o Exército bizantino parecia tomar grande cuidado em não ter todas suas unidades do mesmo tamanho, para confundir o adversário no campo de batalha a respeito de onde estariam localizados seus pontos fortes e suas fraquezas (aliás, um sistema que era usado por Napoleão). Um numerus que tivesse entre três ou quatro centenas de homens era comandado pelo comes ou tribunus. Vários numeri pode-riam formar o drungus (brigada), composto de dois a três mil homens, que seriam comandados por um dux. Estas brigadas, por sua vez, poderiam se unir para formar uma turma (divisão) de até 6.000 a 8.000 homens.

Durante os tempos de paz, estas forças não ficavam unidas em brigadas ou divisões, sendo os numeri espalhados através dos territórios. Somente quando irrompesse uma guera que o comandante deveria reunir sua força.

Também fez parte da reorganização o fim do sistema de comitatus pelo qual os soldados deviam sua lealdade para com o seu comandante. Agora, a lealdade dos soldados era devida ao imperador. Essa alteração foi feita facilmente, pelo fato de que os federados alemães haviam trazido tais costumes que, agora, encontravam-se em declínio dentro do exército oriental. Como a quantidade de dinheiro disponível para o governo diminuiu, também diminuíu o número de mercenários alemães.

Os mercenários germânicos remanescentes tiveram de ser divididos em foederati (federados), optimati (os melhores homens pinçados dentre os federados), e buccellarii (a guarda pessoal do impe-rador).

Os optimati são de particular interesse, quando eles aparecem claramente lembrando os ca-vaeiros lutadores de liça dos tempos medievais. Eles eam escolhidos dentro das bandas de voluntários alemães, que pareciam ser dotados de um status entre seu próprio povo, porque eles traziam com eles de um a dois Armati, que eram seus assistentes pessoais, tais como os escudeiros medievais que assistiam seus cavaleiros.

Por volta do final da primeira guerra com os Sarracenos, no Século VII DC, durante o reinaado de Constantino II, ou seu filho Constantino IV, uma nova ordem foi estabelecida. A ordem militar passou a ficar intimamente ligada com o próprio território por ela protegida.

Os antigos limites das províncias e suas adminsitrações foram exterminadas pelas invasões dos persas e dos sarracenos; As terras passaram a ser governadas pelos comandantes militares de várias forças. Daí o imperador (Constantino II ou Constantino IV) ter dividido o território em províncias, cha-madas themes, que teve seus nomes originados diretamente das unidades que lá estivessem baseadas.

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Disso decorre themes com nomes como Buccellarion, Optimaton ou Thrakesion (unidades da Trácia, na Ásia Menor (Turquia)), revelando, claramente, que elas encontravam-se lá baseadas e no comando da sua administração.

Os nomes das themes, mais tarde, revelaram que várias foram as unidades que estiveram basea-das ao longo das fronteiras com os inimigos sarracenos, e que foram, mais tarde, espalhadas através de todo o território bizantino.

O comandante de uma fronteira de theme, obviamente, possuía maiores forças à sua disposição do que seus colegas de um distrito interior

A palavra “theme” passou a significar tanto a província, como a sua guarnição militar e, em segui-da, o mesmo ocorreu para a “turma”. A turma, comandada por um turmarch, era apenas a menor unidade dentro de uma theme. Além disso, havia, também, a clissura, comandada por um clissurarch, que era uma pequena guarnição destinada a proteger uma ou mais passagens fortificadas das montanhas.

A força do Exército bizantino estava contida na sua cavalaria pesada. A infantaria servia, apenas, para guarnecer as fortalezas, e agir como guarnições dos centros importantes. Embora pareça que al-gumas campanhas tenham sido realizadas exclusivamente pela cavalaria, a infantaria ainda parecia fazer parte da maioria do exército, embora nunca tuivesse, realmente, desempenhado um papel decisivo.

O cavaleiro pesado usava uma cota de malha que o vestia desde o pescoço até a cintura, ou coxas. Um elmo de aço pequeno protegia sua cabeça, enquanto manoplas e sapatos de ferro protegiam suas mãos e pés. Os cavalos dos oficiais e os homens da linha da frente também eram blindados com proteção para suas cabeças e peito.

Sobre sua armadura, os cavaleiros usavam uma capa de linho ou túnica para se protegerem con-tra o sol, ou uma capa de lã pesada para se proteger contra o frio. Estas túnicas, bem como os tufos nos cimos dos capacetes e quaisquer bandeirolas sobre as lanças deveriam ser da mesma cor de cada “banda guerreira”, criando, desta forma, uma espécie de uniforme. As armas do cavaleiro eram uma espada, um punhal, um arco e aljava, além de uma longa lança equipada com uma cinta de couro para ele a segurar.

Alguns poderiam aumentar ainda mais seu armamento através de um machado ou uma maça amarrada à sela. Alguns dos jovens soldados inexperientes, ainda iriam usar o escudo, mas seu uso foi desaprovado em razão dele impedir a livre utilização do arco.

Todo esse arsenal e armamento não pode ser medido, com precisão, como pertencente ao Exér-cito bizantino, porque ele não era tão uniforme quanto o do antigo Exército romano. Enquanto o antigo soldado romano portava as mesmas armas e as mesmas armaduras, o do Exército bizantino possuia um grande mix de homens individualmente armados.

Tal como os equestrians da velha República, os cavaleiros do Exército bizantino gozavam de um considerável status social.

O imperador Leão VI chegou a determinar que os homens escolhidos para a cavalaria deveriam ser robustos, corajosos e possuidores de meios suficientes para ficarem livres de preocupações com seus lares e posses na sua ausência; As fazendas dos cavaleiros ficaram isentas de todos os impostos, exceto o imposto sobre a terra durante o reinado de Leão VI (e provavelmente sob o governo de outros imperadores), a fim de ajudar na gestão das propriedades quando o dono estivese em campanha. Uma

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grande proporção de cavalarianos era, portanto, constituída de pequenos proprietários, mas seus oficiais eram retirados da aristocracia bizantina.

Como muitos dos homens tinham um certo status, muitos deles levavam com eles servos e aten-dentes, o que aliviava as forças combatentes de muitas destas funções subalternas. No entanto, estes seguidores de acampamento, na verdade, acabavam por desacelerar as unidades de cavalaria que, de outra forma, seriam, consideravelmente, mais ligeiras.

A infantaria no tempo de Lão VI consistia quase que inteiramente de arqueiros, tal como tinha ocorrido no Século VI, sob Justiniano. O arqueiro era largamente desprotegido, pois usava apenas botas e túnicas e não possuíam elmo.

O soldado da infantaria mais fortemente armado, o chamado scutatus usava um capacete de aço ponteagudo e uma cota de malha. Alguns deles podem ter também usado luvas e perneiras para proteger as mãos e as pernas. O scutatus carregava com ele um grande escudo redondo, uma lança, uma espada e um machado com uma lâmina de um lado e um picador do outro. A blindagem e a cor do tufo no capacete eram todos de uma mesma cor para cada bando de guerra. Uma vez mais, como com a cavalaria, pode-se imaginar que a infantaria bizantina como um corpo variava em grande parte os equipamentos de um soldado para o outro.

A infantaria também partia para a campanha com um grande comboio de bagagem, levando com ela, além dos suprimentos vitais, também ferramentas e armas sobressalentes, para o exército bizantino poder fortificar, cuidadosamente, seus campos contra surpresas, tal como fazia o antigo Exército. Uma unidade de engenheiros sempre marchava à frente, junto com a vanguarda, para ajudar os infantes na preparação do campo para o pernoite.

DECLÍNIO DO EXÉRCITO BIZANTINO, 1071-1203 DC

O grande ponto de inflexão para o Exército Bizantino foi a Batalha de Manzikert, em 1071 DC, quando o corpo principal do exército, sob o comando do imperador Romanus IV Diogenes, foi massacrado pelos turcos de Seljuk, sob o comando do seu sultão Alp Arslan. Ao desastre de Manzikert seguiu-se uma in-vasão em massa pelos turcos da Ásia Menor e um período de guerras civis dentro do restante do reino bizantino. Neste caos, o velho e formidável Exército bizantino praticamente desapareceu. Constantinopla não só perdeu seu exército em Manzikert, como também, com a invasão da Ásia Menor, ela perdeu suas terras tradicionais de recrutamento, onde poderia encontrar os soldados necessários para recompletar os regimentos perdidos.

Em 1078 DC, o imperador Miguel VII Ducas recolheu os restantes soldados das antigas províncias da Ásia Menor em um novo corpo de cavalaria - os chamados “Immortal”’. E mesmo com o exército recom-pletado com novos recrutas eles somavam apenas dez mil homens. Eles foram os sobreviventes do que uma vez tinha sido 21 themes, uma força, muito provavelmente, bem acima de 80.000 homens. Em face de tal devastação, Constantinopla voltou-se para o recrutamento de mercenários estrangeiros para ajudar a proteger-se. Francos, lombardos, russos, Patzinaks e turcos seljúcidas foram tomados em serviço na de-fesa daquele pequeno território que permaneceu bizantino. Mais favorecidos foram os ocidentais quando

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eles se mostraram menos propensos a se rebelar e em razão da pura bravura dos guerreiros francos e lombardos exibida na batalha. Era natural que os cavaleiros-arqueiros orientais ainda fossem procurados para fornecer a sua habilidade no combate à distância contra a carga feroz da cavalaria pesada ocidental. Embora as tropas, agora, fossem constituídas, em grande parte, por estrangeiros, as velhas táticas e a sofisticada arte da guerra bizantina sobreviveu em seus comandantes.

Mesmo quando partes da Ásia menor (Turquia) foram reconquistadas, a organização militar das themes não foi restaurada. A Ásia Menor tinha sido completamente devastada pelos turcos, e os velhos territórios de recrutamento do império transformaram-se em ruínas estéreis, razão pela qual o Exército bizantino permaneceu como uma força improvisada, constituída de uma mistura de várias forças mer-cenárias.

Sob os imperadores Alexius, João II e D. Manuel, os militares bizantinos ainda conseguiram funcio-nar bastante bem, apesar destas deficiências. Mas com a morte de Manuel Comnenus (1180 DC) o tempo do poder militar bizantino desapareceu.

Os próximos imperadores nem possuíram a força da liderança de seus antecessores, nem eles encontraram os meios para levantar o dinheiro necessário para manter um exército eficaz.

Os mercenários não pagos formaram um péssimo exército. E assim, quando os cavaleiros francos invadiram a cidade de Constantinopla (1203 DC), a maior parte da guarnição - exceto a Guarda Varangiana – recusou-se a lutar.

UMA VISÃO GERAL DAS LEGIÕES ROMANAS IMPERIAIS

LEGIÃO ROMANA, A UNIDADE CENTRAL DO EXÉRCITO ROMANO

A legião romana foi a maior (e mais importante) unidade do Exército romano. Todos os soldados ou eram cidadãos romanos ou portadores de cidadania concedida no momento da baixa, ou da aposentadoria do seu serviço auxiliar. Entre 5.000 a 6.000 homens serviam em cada uma das legiões. O comandante de uma legião era um legionis legatus (legado), nomeado pelo próprio imperador. As legiões eram mo-bilizadas, a partir da época de Augusto César até ao final do Principado, nas fronteiras e nas províncias imperiais. Estas últimas foram as províncias onde o imperador tinha o direito de nomear o governador, em contraste com as províncias senatoriais, onde o Senado nomeava o procônsul, um governador provincial. Quando uma legião existia nas províncias seu legatus era o próprio governador. Quando mais de uma legião ficava estacionada na província os legati estavam sujeitas a um pro praetore legatus Augusti (um enviado do Imperador) que era o governador provincial e sob o comando direto imperial.

Cada legião era designada por um número. Mas Augustus Caesar manteve os nomes originais das antigas legiões, fazendo o memo com os seus números. Por isso, Augustus tinha três “Legio III” e duas “Legio IV”, por exemplo. Tambem havia epítetos para distinguir as diferentes unidades, normalmente no-mes originados das regiões de origem, das estações de maior período, do local de operações e,tambem, do nome do seu imerador fundador (desse modo, Parthica, Traina, Augusta, Cyrenaica, etc.). Algumas vezes virtudes militares eram adidas aos nmes: Pia Fidelis (Lealdade) e Victrix (Vitoriosa) entre outras.

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MAPEANDO A S LEGIÕESA metodologia usada para mapear as legiões romans é simples: cada legião é representada por

um quadrado vermelho com extremidades amarelas (as cores originais usadas no Exército romano). Na legenda da direita, abaixo do mapa, estão contidas todas as legiões nele representadas, às quais foram aribuídos números, de maneira que a leitura do número no mapa possibilita saber o nome da legião em legenda. Os símbolos das legiões no terceiro mapa são menores que os dos demais primeiro e segundo, porque a legião perdeu sua importância como corpo central do Exército romano e tornou-se “abandona-da” por algum aspecto.

A organização de Livius é a principal fonte da história e da localização das legiões romanas nos mapas. Algumas legiões são menos conhecidas que outras: existe um bom acervo de informações his-tóricas sobre o grande número de tais legiões romanas, ainda que outras não contenham documentos históricos que tenham sobrevivido até a nossa era.

Supõe-se que todas as legiões eram igualmente fortes e poderosas, ainda que se saiba que umas eram mais fortes que outras: algumas eram financiadas pelos imperadores, por razões pessoais (por exemplo, quando o imperador havia servido em determinada legião, nela galgando os graus hierárquicos, ou quando a legião continha o seus gens, quando as havia fundado, etc.).Por outro lado, algumas eram pobres ou tinham sido abandonadas. A cartografia abaixo apresentada pode sugerir que todas as legiões eram iguais. Na realidade, a situação, em geral, não era a ideal pois, de facto, algumas legiões tinham supremacia e eram mais fortes que as outras.

Um último ponto deve ser clarificado na metodologia: em razão da forma dos mapas, não há infor-mações maiores, como por exemplo, os aspectos políticos das regiões, portato a localização das legiões deve ser entendida apenas em relação ao território por elas ocupados.

Para a escolha das datas, buscou-se determinar, apenas aquelas relevantes para o Império: ao final da Regra de Augustus Casar (c. 14 DC); ao fial de Regra de Septimus Severo (c. 211 DC) e, depois da divisão do Império Romano em Ocidental e Oriental e a morte de Theodosus (c. 400 DC). Uma mais acurada representação pode ser encontrada para algumas legiões, quanto ao seu nascimento e a sua desmanche durante o período de que medeia entre 14 e 212 BC, ou 212 e 400 DC.

TRÊS MAPAS DAS LEGIÕES ROMANAS

Nas páginas seguintes, em áginas duplas para facilitar a identificação, são mostrados os desdo-bramentos da legiões romanas, em três momentos:

1 . Legiões romanas ao tempo de Augustus Caesar;2. Legiões romansa ao tempo de Septimius Severus; e3. Legiões romanas ao tempo de Theodosius.

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ANEXO CAS GUERRAS DA GÁLIA

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AS GUERRAS DA GÁLIA

A GÁLIA E SUA DESCRIÇÃO

O termo Gália é usado para referir, quer o moderno território francês (do mesmo modo que um português se pode referir ao seu país como Lusitânia), quer a antiga região povoada pelos Gauleses (que era, no entanto, um pouco mais vasta que a moderna França), e que constituiu uma província do Império Romano.

EtimologiaO nome de Gallia foi mencionado pela primeira vez no Século II AC por Porcius Catão, mas é muito

provável que tenha sido empregado antes. No entanto seria com a Guerra das Gálias de Júlio César que o termo seria largamente difundido.

Não se sabe ao certo a etimologia do termo latino, homónimo do “galo” nessa língua, mas pode ele ter sido do céltico. Talvez seja do termo galiã que se devia designar a força, termo restituído segundo o velho irlandês gal “fúria guerreira”, do galês gallud “poder”, do bretão galloud, idem1 . Os galli seriam, portanto, “os forte”” ou “os furiosos”.

Somente na época do Renascimento é que o nome latino Galli seria associado ao seu homónimo gallus (galo), tornando-se, assim, o emblemático animal da França, quando da redescoberta dos antepas-sados Gauleses.

HistóriaGália era o nome romano dado, na Antiguidade, para as terras dos celtas na Europa ocidental. Ela

compreende o atual território da França, algumas partes da Bélgica e da Alemanha e o Norte de Itália. Dividia-se em duas regiões:

Gália Cisalpina : A Gália Cisalpina ou Citerior (Gallia Cisalpina, “aquém dos Alpes”, em latim) era o nome dado pela geografia romana ao território compreendido entre os Apeninos e os Alpes, na planície do rio Pó - i.e., o norte da atual República Italiana.

A região foi ocupada pelos gauleses por volta de 400 AC., através dos Alpes. Após saquearem Roma (390 AC), conquistaram a capital etrusca (Félsina) em 350 AC e renomearam-na Bononia (Bolonha), fixando-se no vale do Pó.

Confrontados com nova ameaça gaulesa, os romanos determinaram-se a conquistar a Gália Ci-salpina, numa campanha que se estendeu de 225 AC a 218 AC O cônsul Caio Flamínio fundou, então, as colônias de Placentia (atual Piacenza) e Cremona, às margens do Pó, e construiu-se uma estrada militar em direção ao norte, a Via Flamínia.

Em 89 AC, a região transpadana (além do rio Pó) recebeu direitos latinos, e os habitantes da região cispadana, a cidadania romana.

Atribui-se a Lúcio Cornélio Sula a organização da Gália Cisalpina como província, posteriormente

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incorporada à Itália em 42 AC, por decisão de Otaviano.

Mapa da Gália em aproximadamente 58 AC.

Gália Transalpina : Gália Transalpina (além dos Alpes) (Gallia Transalpina, em latim) era o nome dado pelos romanos ao território que se estendia além dos Alpes, delimitado por estes, pelo Mediterrâneo, pelos Pirineus, pelo Reno e pelo Oceano Atlântico, e que corresponde, a grosso modo, ao território que é, hoje, a França. O adjetivo “transalpina” era empregado para diferenciar aquela região da Gália Cisalpina, esta situada antes dos Alpes (da perspectiva romana), entre os Apeninos e a cordilheira alpina, na planície do Pó.

O sul da Gália Transalpina - i.e., a porção que vai dos Pirineus até os Alpes, compreendida entre os Cevenas e o Mediterrâneo - foi o primeiro território da Gália Transalpina a ser ocupado pelos romanos, que ali constituíram, em 121 AC, a Provincia Romana (“província romana”, em latim), posteriormente re-nomeada Gália Narbonense (Gallia Narbonensis, em latim), por conta de sua capital, Narbo Martius (hoje Narbona). A designação original sobrevive no nome moderno da região: Provença (Provence, em francês).

O motivo para a ocupação romana do sul da Gália Transalpina foi o de assegurar o acesso à Península Ibérica. Os romanos viriam a submeter o restante da Gália Transalpina entre 58 AC e 51 AC, pelas mãos de Júlio César, de maneira a garantir a segurança de suas colônias narbonenses e da própria Península Itálica (o saque de Roma pelos gauleses, em 390 AC, continuava vivo na memória dos romanos).

De 27 AC - 22 AC em diante, a Gália Transalpina estava dividida em quatro províncias: Gália Aquitâ-

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nia, Gália Lugdunense e Gália Belga, criadas por Augusto, alémda Gália Narbonense.Habitada por grande número de tribos celtas (gaulesas, entre outras), iberos, lígures e armóricos,

a Gália Transalpina foi o centro de uma civilização influenciada, desde o século VI AC, por duas correntes de civilização helênica (Mediterrâneo e Alpes). A Gália tinha forte organização religiosa (assembleia anual dos druidas). Os Gauleses dedicavam-se, principalmente, à agricultura e dividiam as terras por tribos. Nos séculos III e IV AC, invadiram o norte da Itália.

As lutas civis enfraqueceram-na: em 222 AC, o território ao sul dos Alpes foi declarado província romana, sob a denominação de Gália Cisalpina; em 125 AC , os romanos anexaram o corredor do Ródano e o Languedoc. O rio Rubicão fazia parte da fronteira com a própria Itália. A área ao norte do rio Pó era conhecida como Gália Transpadana e ao sul como Gália Cispadana. Do outro lado dos Alpes ficava a Gália Transalpina, ou simplesmente Província (de onde provém a denominação atual Provença) após sua anexa-ção em 121 AC. Sua capital era Narbo.

Júlio César recebeu o comando das duas províncias gálicas em 59 AC. De 58 a 51 AC, apoderou-se progressivamente de toda a Gália, apesar da oposição de vários chefes, notadamente de Vercingetórix, que, em 52 AC, após ter promovido uma sublevação geral dos gauleses, rendeu-se na Alésia sitiada. César, ao longo das guerras gálicas, expandiu a Gália Transalpina até o Atlântico, o canal da Mancha e o Rio Reno.

A cidadania romana foi estendida à Gália Transpadana por César em 49 AC. e toda a Gália Cisalpina foi incorporada à Itália por Augusto, deixando com isto de ser província (a Gália Cispadana havia recebido a cidadania romana em 90 AC).

Augusto, em 27 AC., dividiu a Gália ao norte dos Alpes em Gália Narbonense, que ficou sob o con-trole do Senado, e Gália Lugdunense ou Lionense (Lyon), Gália Aquitânia e Gália Belga, que ficaram sob sua própria administração. Lyon era a jurisdição da assembleia provincial das “Três Gálias”.

Sob o Império, a Gália desfrutou de uma prosperidade efetiva; contudo, no Século DC, houve al-gumas agitações nacionalistas (Cláudio Civilis, 69). Os romanos protegeram a região contra as invasões germânicas, desenvolveram aí trabalhos públicos, e grandes cidades foram fundadas: Lyon, Arles, Tolosa, Bordéus, Lutécia (Paris). Por outro lado, a Gália foi cristianizada. No final do Século III, alguns imperadores criaram um “império gálico” semi-independente, que serviu como engodo contra as invasões germânicas. O império ocidental, o império gálico, foi devastado pelos germanos (godos, hunos e vândalos) no Século III. O território da Gália fracionou-se quando, no Século V, foi invadida pelos visigodos, pelos burgúndios e pelos francos. Só voltou a unir-se sob o reinado do rei franco Clóvis, por volta do ano 500.

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OS POVOS BÁRBAROS DA GÁLIA

Julio César, em sua obra “Comentarii de Bello Gallico”, assim inicia seu Livro I, definindo a Gália e seus habitantes:

A Gália é toda dividida em três partes, das quais em uma residem os belgas; em outra, os aqui-tanos; na terceira aqueles que, na língua deles próprios, são chamados celtas, na nossa os gauleses. Todos esses, em língua, costumes e leis, diferem entre si. O rio Garuma divide os gauleses em relação aos aquitanos, o rio Marne e o rio Sena dividem-nos em relação aos belgas. De todos esses, os belgas são os mais ferozes, porque da cultura e também da humanidade da província se afastam longamente, e com mínima frequência os mercadores se dirigem a eles e levam aquelas coisas que visam à suavização dos ânimos; além disso, próximos estão aos germanos, que do outro lado do rio Reno vivem, com os quais continuamente travam guerra. Por este motivo que os helvécios também aos gauleses restantes em força precedem, pois quase sempre em combates cotidianos com os germanos contendem, ou quando os afas-tam de suas fronteiras ou quando eles próprios nas fronteiras deles fazem a guerra. Deles, uma, a parte, que conta-se, obtiveram os gauleses, toma início desde o rio Ródano, compreende o rio Garona, o Oceano, os limites belgas, atinge então a partir dos sequanos e helvécios o rio Reno, pende aos setentriões. Os belgas, dos extremos limites da Gália, surgem, pertencem à parte inferior do rio Reno, contemplam o setentrião e o sol nascente. À Aquitânia do rio Garuma aos montes pireneus e à parte do Oceano que está junto à Hispânia pertence, entreveem o pôr-do-sol e os setentriões.

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Os Helvécios - Os Helvécios (Helvetii em latim) eram os habitantes pertencentes à denominada cultura celta, ocupantes da maior parte do planalto suíço à época de seu contato com Roma no Século I AC. Sua mais ampla descrição que chegou aos dias atuais é a de Júlio César no primeiro livro de seu De Bello Gallico, que descreve a guerra empreendida contra estes enquanto tentavam migrar para o sudoeste da Gália.

De acordo com César, o território abandonado pelos Helvécios compreendia 400 vilas e 12 oppida (assentamentos fortificados). Sua contagem da população total tomada de registros helvécios capturados escritos em grego é de 263,000 pessoas, incluindo guerreiros, idosos, mulheres e crianças. Entretanto, essa imagem é dispensada como alta demais para estudiosos atuais, já que escritores militares antigos tendem a exagerar grandemente nos contingentes.

Como muitas outras tribos, os Helvécios não possuiam reis à época de seu embate com Roma, ao invés disso parecem ter sido governados por uma classe de nobres (Lat. equites). Quando Orgetórix, um de seus mais proeminentes e ambiciosos nobres, fez planos para se tornar o seu rei, enfrentou a execução por queima quando declarado culpado. César não nomeia explicitamente as autoridades tribais processando o caso e reunindo homens para apreender Orgetorix, mas se refere a eles pelos termos latinos civitas (“estado” ou “tribo”) e magistratus (“oficiais”).

As tribos germânicas dos Cimbros e Ambrones provavelmente alcançaram o sul da Alemanha em torno do ano 111 a.C., onde eles se uniram aos Tigurinos e, provavelmente, Teutoni-Toutonoi-Toygenoi. (A identidade exata desses últimos não é clara.17 )

As tribos começaram uma invasão conjunta à Gália, incluindo à romana Gália Narbonense, o que levou à vitoria dos Tigurinos sobre um exército romano sob o comando de L. Cássio Longino próximo a Agendicum em 107 a.C., na qual o cônsul foi morto. De acordo com César, os soldados romanos capturados foram ordenados a marchar sob um jugo montado pelos Gauleses triunfantes, uma desonra que pedia por vingança tanto pública quanto privada.18 César é a única fonte narrativa para este evento, já que os livros correspondentes de Tito Lívio estão preservados apenas nos Periochae, curtas listas resumindo os eventos, nos quais os reféns entregues pelos romanos, porém nenhum jugo, são citados.19

Em 105 a.C., os aliados aniquilaram outro exército romano próximo a Arausio, e seguiram saquean-do Espanha, Gália,Nóricae o norte da Itália. Dividiram-se em dois grupos em 103 a.C., com os Teutões e Am-brones marchando por uma rota a oeste através da Gália Narbonense e os Cimbros e Tigurinos cruzando os Alpes pelo leste (provavelmente pelo Passo do Brennero). Enquanto que os Teutões e Ambrones foram exterminados em 102 a.C. por Caio Mário, os Cimbros e os Tigurinos passaram o inverno na Planície do Pó. No ano seguinte, Mário destruiu os Cimbros na batalha de Vercellae. Os Tigurinos, que haviam planejado seguir os Cimbros, retornaram através dos Alpes com seu saque e se juntaram àqueles Helvécios que não haviam participado dos ataques.

A participação dos Helvécios no De Bello Gallico é por vezes apresentada como a justificativa e pretexto para a conquista da Gália, mas deve-se lembrar também a provável utilização política de seus argumentos, logo talvez a história apresentada por ele não seja diretamente correspondente à realidade.

Os Germanos - Originários há cerca de 1800 AC. a partir da cultura da cerâmica cordada na

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planície norte alemã, os povos germânicos expandiram-se para o sul da Escandinávia e para o rio Vístula durante a Idade do Bronze Nórdica, atingindo o baixo Danúbio em 200 AC. No século II AC, os teutões e cimbros entraram em confronto com Roma. Na época de Júlio César, um grupo de germânicos liderados pelo chefe suevo Ariovisto expandiram-se para a Gália, até serem detidos por César nos Vosges em 58 AC.

Os primeiros contatos dos germanos com os romanos ocorreram no ano 113 AC, com derrotas para os romanos. Pouco depois, o general Mario mudou muito o exército e conseguiu algumas importantes vitórias sobre os germanos, de estatura muito superior aos romanos. Júlio César (Século I AC) escreveu alguma coisa sobre os germanos. Nesse período, as tribos germânicas viviam em aldeias rudimentares, praticando uma economia comunal baseada na agricultura, na pecuária e nas pilhagens. Quando as terras se esgotavam, partiam à procura de outras. As áreas cultiváveis e os bosques eram de uso comum aos habitantes das aldeias. Apenas os rebanhos permaneciam como propriedade particular, constituindo a principal riqueza dos guerreiros.

Os Belgas - A Gália Belga foi uma província romana localizada na parte setentrional da Gália, ocasião em que era habitada pelos belgae, uma mistura de povos Celtas e Germânicos.

Tal região, habitada por tribos célticas e germânicas foi conquistada por Júlio César, em 56 a.C.

Os Gauleses - O termo gauleses designa um conjunto de populações celtas que habitava a Gália , isto é, o território que corresponde hoje, a grosso modo, à França, à Bélgica e à Itália setentrional proto-históricas, provavelmente a partir da Primeira Idade do Ferro (cerca de 800 AC). Os gauleses dividiam-se em diversas tribos ou povos, por vezes federados, cada um com cultura e tradições originais.

Os gauleses foram conquistados por Júlio César, nas Guerras da Gália e durante o período romano foram assimilados em uma cultura galo-romana. Durante a crise do Século V, houve um breve Império das Gálias. Com a chegada dos francos, durante o período das migrações, a língua gaulesa foi substituída pelo latim vulgar.

Os gauleses dividiam-se em povos, um total de 44 na época da conquista romana. Formavam a Gália celta e foram incorporados à chamada Gália romana.

Abaixo, apresenta-se uma lista não-exaustiva de povos gauleses, com as respectivas capitais, à época da morte de Augusto, em 14 DC. Note-se que as denominações dos povos deram origem, em muitos casos, ao nome atual da região ou cidade. Procurou-se dar o nome em latim, seguido da versão em por-tuguês, quando existente ou encontrada.

Na Gallia Comata

Civitates Foederatæ (“cidades federadas”), unidas a Roma e isentas de impostos:=> Os Éduos, capital Augustodunum (Autun)=> Os Carnuti ou carnutes ou carnutos, capital Autricum (Chartres)

Civitates Liberæ (“cidades livres”), recompensadas por sua fidelidade:

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=> Os Segusiavi, capital Forum Segusiavorum (Feurs-Loire)=> Os Viducasses ou viducasses, capital Aragenua (região: Calvados);=> Os Meldi ou meldos, capital Iatinum (Meaux)

Civitates Stipendiariæ, as demais:=> Os Abrincatui ou abrincátuos ou abrincatenos ou abrincates, capital Ingena (Avranches)=> Os Agnutes=> Os Ambilatres=> Os Andecavi ou andecavos, capital Juliomagus (Angers)=> Os Aulerci Eburovicii ou aulercos eburovices, capital Mediolanum Eburvicum (Le Vieil-Évreux)=> Os Aulerci Cenomani ou aulercos cenomanos, capital Suidinum (Le Mans)=> Os os Baiocasses ou baiocasses, capital Augustodurum (Bayeux)=> Os Caletii ou caletes ou caletos, capital Juliobona Lillebonne e Caracotinum (Harfleur)=> Os Coriosilitae, capital Arvii depois Fanum Martis (Corseul)=> Os Lexovii ou lexóvios, capital Noviomagus (Lisieux)=> Os Namnetes ou namnetes, capital Condenvincum (Nantes)=> Os Osismii ou osismos, capital Vorgium (Carhaix)=> Os Parísios, capital Lutécia (Paris)=> Os Pictoni ou píctones, capital Limonum (Poitiers)=> Os R(h)edones ou rédones, capital Condate (Rennes)=> Os s Senones ou sênones, capital Agendicum (Sens)=> Os Turoni ou túrones, capital Caesarodunum (Tours)=> Os Tricassii ou tricasses, capital Augustobona (Troyes)=> Os Unelli ou unelos, capital Crouciaconum (Carentan)=> Os Veliocassii ou veliocasses ou veliocassos, capital Rothomagus (Rouen).

Na Gália Aquitânia

=> Os Albigenses ou albigenses (capital: Albi)=> Os Cadurci ou cadurcos (região: Quercy; capital: Cahors)=> Os Ruteni ou rutenos (região: Rouergue; capital: Rodez), não confundir com a etnia eslava dos

rutenos=> Os Lemovici ou lemovices ou limosinos (região: Limousin)=> Os Arverni ou arvernos (região: Auvergne; capital: Gergovia)=> Os Vellavi ou velávios (região: Velay)=> Os Bituriges ou bitúriges (região: Berry)=> Os Aginnenses, depois Nitiobrogii; capital Aginnum (Agen),=> Os Bituriges viviscos ou bitúriges viviscos (região: Bordelais; capital: Bordéus),=> Os Santones ou sântones (região: Saintonge; capital: Saintes)

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=> Os Petrocorii ou petrocórios (região: Périgord; capital: Périgueux)os Pictones (região: Poitou).

Na Gália Belga

=> Os Remi ou remos, capital Durocortorum (Reims), capital da Gália Belga durante a época ro-mana.

=> Os Atrebates ou atrébates, capital Nemetocenna (Arras)=> Os Bituriges Cubas ou bitúriges cubas, capital Avaricum (Bourges),=> Os Eburones (eburões) ou Tungri, capital Aduatuqua (Tongeren)=> Os Leuci ou leucos, capital Nasium (Naix) e Tullum (Toul),=> Os Morini ou mórinos, capital Tarvenna (Thérouanne)=> Os Nervii ou nérvios, capital Bavacum (Bavay)=> Os Treveri ou tréveros, capital Augusta Treverorum (Trier)=> Os Viromandui, capital desconhecida.

Povos da Provincia Romana

=> Os Vocontii ou vocôncios, vizinhos dos Allobroges (capital Vasio / Vaison-la-Romaine),=> Os Volcae Arecomici ou volcas arecômicos (capital Colonia Augusta Nemausus / Nîmes),=> Os Volcae Tectosages ou volcas tectósages ou tectósagos (capital : Tolosa).

Outros povos gauleses

=> Os Allobroges ou alóbroges (capital Vienna / Vienne (França))=> Os Ambarri ou ambarros=> Os Bellovaci ou belóvacos (capital Cæsaromagnus / Beauvais),=> Os Cadurci ou cadurcos (capital Cahors)=> Os Cavares=> Os Ceutrones ou cêutrones=> Os Gabales ou gábalos (capital Anderitum / Javols)=> Os Mediomatrices ou mediomátricos (capital Dividunum / Metz)=> Os Medullos ou médulos=> Os Menapii ou menápios=> Os Sequani ou séquanos.

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SÍNTESE DOS “COMENTARII DE BELLO GALLICO”

A obra “Comentários sobre as Guerras Gálicas” (ou do Latim: Commentarii De Bello Gallico) narra a conquista da Gália pelo cidadão romano Julio Cesar. Ela é, ao todo, dividida em oito livros, sendo estes separados entre si anualmente, de acordo com as diferentes fases englobadas no processo, tendo em vista que, ao estabelecer um conceito sobre a Guerra Gálica, não devemos imaginá-la como um conflito unificado, mas sim uma série de embates independentes entre si, ou estabelecidos como consequência de pelejas outrora transcorridas entre as diversas populações que habitavam a região da Gália, como será apontado nesta abordagem, que apresentará um panorama geral deste processo histórico, além de estabelecer uma breve observação com relação à vida do autor e o contexto da situação à qual a obra se encontra escrita.

Era comum à estratégia militar romana que os comandantes de suas legiões preparassem suas campanhas em determinadas estações do ano. Por isso, é possível notar nesta obra de Julio Cesar, que todos os oito livros contêm uma ou mais campanhas definidas, uma vez que o comandante escrevia seus comentários anualmente, como aponta Catherine Gilliver:

“Ele [Cesar] escrevia seus comentários anualmente e os publicava em Roma a todo ano.” (GULLI-VER, 2002, pg. 7, tradução nossa)

Dirigindo-se ao processo eventual indicado na fonte, no primeiro livro, Cesar levanta uma precisa localização geográfica da região da Gália, apontando que esta se encontrava dividida no todo em três partes (conforme a famosa frase primária desta obra: “Gallia est divisa in partes três”), definidas por costume, linguagem e legislação diferenciados: entre os montes Pireneus, e o rio Garona, situavam-se os Aquitanos. Entre os rios Marne e o Sena, estavam localizados os Belgas. Os terceiros, chamados Celtas, por sua vez, faziam fronteira com os Aquitanos a oeste, os Belgas a nordeste, o que Cesar chama de “nossa província”, ao sul, que era ocupada pelos romanos e, ao norte, pelo oceano.

Consta que Cesar, no consulado de Marcus Messala e Marcus Piso (61 AC), Orgetorix, homem de maior poder dentre os Helvécios, almejou realizar uma conspiração com dois outros poderosos senhores da Gália: Casticus, dos Sequanos, e Dunorix, dos Éduos, com o intuito de subjugar a região para si, persua-dindo o seu povo a migrar para fora de seu território. Descoberto o plano, Orgetorix suicida-se e, mesmo assim, os Helvécios continuam seu processo de migração, queimando suas aldeias em número de 12 e decidindo atravessar a Provincia romana da Gália Narbonensis (Gália Transalpina), ao invés de percorrer o outro caminho possível, entre o monte Jura e o rio Ródano, por onde, diz Cesar, mal passariam carros um a um, adentrando o território dos Sequanos.

Cesar, ao obter conhecimento da tentativa da travessia dos Helvécios pela Província, marcha até Genebra, nas margens do rio Ródano, e em audiência diplomática em que os mesmos solicitam atravessar a província por não ter outra rota, infere-se que não era do feitio do povo romano permitir que estran-geiros transpassem seus territórios, além disso, lembra-os do assassinato de Lúcio Cassio em batalha, e da humilhação da derrota infligida por estes aos romanos em tempos de outrora. Estes, portanto, são impedidos de passar, e tentam, sem sucesso, atravessar por força o rio, sendo ou mortos, ou presos do outro lado da margem.

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Sem alternativa restante, os Helvécios então passam pelo monte Jura, com o auxílio de Dunorix, Sequano de grande valor entre os seus e favorável aos imigrantes.

Uma das motivações de Cesar em construir os seus “Comentários” era a necessidade de apa-ziguar os povos conquistados. Para isto, Cesar nos aponta constantemente seu valor, oferecendo-lhes sempre bons atributos e demostrando importância para com seus aliados, como é possível identificar no que se seguiu à migração dos Helvécios, pois tendo sido avisado de que estes estavam saqueando tribos aliadas do Senado, argumenta que não deveria permitir que tribos amigas fossem impunemente atacadas, vítimas da belicosidade dos Helvécios. Tem início, então, a guerra a qual os Helvécios perdem, devendo voltar ao seu território após a derrota, agora em situação de clientela com Roma.

Faz-se importante cogitar se a atitude de Cesar — então governador da Gália Cisalpina (abaixo dos Alpes suíços) e da Gália Transalpina (sul da atual França) —, em revogar a permissão aos helvécios de atravessar não só a província romana, como também a outra rota possível, envolve muitos motivos que vão além das justificativas de defesa das tribos aliadas a Roma, e o temor aliado à desconfiança, causados por derrotas passadas, causadas pelas constantes contendas entre romanos e Gauleses. Cesar se mos-trava um líder ganancioso, e sabia como seus rivais no Senado, que para alcançar o poder em Roma, era preciso conquistar a glória entre os cidadãos. A expansão geopolítica da República significava mais poder, riqueza e bem estar ao cidadão romano, pois as províncias conquistadas prestavam tributos relativamen-te significantes à cidade. Ao saber que os Helvécios estavam migrando, Cesar pode ter visto então, uma grande oportunidade para provocar uma campanha de expansão que iria alavancar seu renome e apoio por entre a massa romana, e trazer aos seus rivais um árduo obstáculo político.

Tendo Cesar vencido os Helvécios, chefes gauleses de todas as partes da Gália vieram lhe para-benizar e solicitar “aos seus joelhos e em prantos”, como escreve Cesar, auxílio contra Ariovisto, mer-cenário germânico que anteriormente servia como suporte aos Arvernos e Sequanos contra os Éduos, e agora, atacava, ameaçava e conquistava as três tribos. Cesar se encontrava temeroso também quanto à imigração dos Suevos, uma poderosa tribo germânica, para a Gália a partir do território dos Arvernos, atravessando o Reno, e por isso, foi ao encalço de Ariovisto. Cesar envia diplomatas, porém Ariovisto somente aceita uma negociação em uma conferência pessoal com o general romano, o que é considerado um raro evento na tradição militar de Roma. Esta não surte efeito diplomático, e logo, em batalha, os romanos saem vitoriosos. Ariovisto e alguns de seus compatriotas fogem para a Germânia, atravessando o Reno.

No final do primeiro livro, Cesar tem por objetivo registrar seu valor para o povo e a nobilitas em Roma, afirmando que concluíra duas das mais importantes guerras em apenas uma campanha.

O segundo livro trata-se da conquista da conjuração dos Belgas contra as tropas romanas na Gália. Relata Cesar, que os motivos para tal conjuração eram o receio de que Roma conquistasse seu território e de que os homens de poder da região pudessem perder seus “status”, caso a Gália fosse conquistada. Em todas as campanhas presentes na fonte, Cesar procura se aprofundar quanto ao número do contingente inimigo. No caso dos Belgas, Cesar ficou sabendo, por espionagem dos Remos, Belgas e contrários à conjuração, a existência de cerca de 296.000 guerreiros prometidos pelos outros povos belgas para a guerra. Recorrendo novamente à Catherine Gilliver, em sua obra “Caesar’s Gallic Wars”,

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é citada a probabilidade coerente do exagero estabelecido por Cesar ao numerar o contingente de suas legiões e do exército inimigo. Não há dúvidas de que o legionário romano era superior ao guerreiro celta em equipamento, organização, logística e disciplina, porém, deve-se observar que as diferenças entre as baixas gaulesas e romanas após as 60 batalhas eram imensas. Porém, é preciso questionar tanto a veracidade quanto a hipótese de inverdade, pois um fato importante que diferenciava o guerreiro gaulês do soldado romano é que todo gaulês homem e saudável ia à guerra, de camponeses a aristocratas. Não havia o profissionalismo militar que caracterizava algumas nações do Mediterrâneo.

Descreve Cesar que os Belgas, então, cercam a capital édua de Bibracte. Os romanos a libertam e inicia-se a um conflito armado. Ao final desta campanha, Cesar vence os Belgas após uma culminante batalha contra os Nérvios em aliança com os Viromanduos e Atrebates, estabelecendo, então, protetorado sobre os vencidos.

No terceiro livro, Cesar comenta necessitar ir à província de Ilírico, e envia seu lugar-tenente Servio Galba, para subjugar três povos que fazem fronteira com os Alobrogos: Nantuates, Veragros e Sedunos, com o intuito de estabelecer uma livre e mais segura rota de comércio pelos Alpes. Passado um tempo depois de conquistados, estes grupos rebelam-se contra Roma, favorecendo-se da baixa guarnição romana em seu território, tendo sido, porém, pacificados. Mais tarde, dá-se a justificativa de Cesar para a conquista de Armorica. Justifica Cesar que Publio Crasso encontrava-se invernando com a Sétima Legião dentre os Andes, povos que viviam na atual Bretanha (noroeste da França, não confundir com a cordilheira na América do Sul), e, faltando trigo ao exército, Crasso envia tribunos às cidades dos Esuvios, Curiosoli-tas e Venetos, para conseguir suprimentos, porém, as demandas são recusadas e estes são capturados, pois estes tais povos estavam com a intenção de recuperar os reféns dados por eles a Crasso como uma demonstração de confiança, quebrando a tradição de que os embaixadores são sagrados e nacionalmente invioláveis. Cesar retorna de imediato, e percebe que estes povos possuíam grande domínio de conheci-mento a respeito da navegação pelo oceano, pois suas embarcações eram propícias para navegar sob o mar agitado, diferentemente do trirreme romano, que fora construída para navegar no mar Mediterrâ-neo. Durante a batalha, os romanos tomam os barcos gauleses. Após essa decisiva batalha marítima, e consequente assalto por terra pelas cidades, rendem-se os Venetos, e Cesar vende os seus líderes como escravos. Durante este período, a Aquitânia é conquistada por Publius Crassus.

Aponta Cesar no quarto livro que duas tribos germânicas, os Tencteros e Usípetes, encontrando--se oprimidas pelos Suevos a leste, migraram para as margens do Reno, indo ao território dos Menápios, povos que habitavam a Gália Belga, e ali começam a viver desde então. Ao saber da ocupação, Cesar chega com seu exército e atesta que as duas tribos estavam distanciando-se das margens do Reno e aden-trando o interior do território belga. Em conferência com embaixadores dos germanos imigrantes, ficou decidido que estes não poderiam permanecer na Gália, porém, poderiam ficar no território dos Úbios, na outra margem do Reno. Não aceitando tais ordens, estas duas tribos relutaram, e Cesar contra-atacou, massacrando homens, mulheres e crianças. Os poucos restantes fugiram para leste do Reno, como fizera Ariovisto.

É então que Cesar constrói uma ponte de madeira para travessar o rio, com o intuito de demons-trar aos germanos que, assim como eles migram para a Gália, os romanos também adentram o território

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germânico. Ao estudar esta e outras fontes, sabe-se que os Germanos e os Gauleses são fruto de misti-cismo e receio aos romanos, com razão, devido às diversas invasões da Itália pelos Cimbros e Teutões e o saque de Brennos a Roma, mas é durante esta parte dos comentários, que isto se destaca, pois Cesar afirma que permaneceu dezoito dias atrás das fronteiras germânicas inspirando terror aos que ali viviam, para engrandecer seu valor e o do Senado.

Cesar justifica na fonte a ocupação da Britânia pelos auxílios aos inimigos que dela vinham, e pelo refúgio por ela cedido aos gauleses fugitivos. Estabelece, então, um plano naval para invadi-la, e, além disso, deseja conhecer mais a respeito da ilha, pois muito pouco se sabiam de seu tamanho geográfico,da política, e do caráter militar dos nativos. Para isso, manda unir as armadas vizinhas, inclusive a que tomou dos Venetos, e embarca para a costa, com oposição militar dos nativos, que haviam sido previamente avisados.

Ocorreram várias más sortes por conta dos romanos durante esta expedição à Britânia. Cesar fala da surpresa das altas marés e tempestades em uma noite de lua cheia, que acabaram por tragar os barcos de suprimentos e galés que estavam ancorados no litoral da ilha. Ademais, não foi possível trans-portar a cavalaria nos navios. Aproveitando-se disso, os nativos exercem constantes ataques contra as tropas romanas, porém, foram vencidos novamente. Ao voltarem para o continente, são enfrentados pelos Morinos, sobre os quais são vencedores.

Tais feitos inolvidáveis — o de atravessar o Reno até a Germânia e logo desembarcar na Britânia —, serviram como propaganda de Cesar para o povo romano. Aqui já foram ressaltados os mistérios relacionados aos “bárbaros do norte” para os cidadãos de Roma, que nada ou muito pouco conheciam a respeito da Britânia. É de comum natureza do homem, trazer superstição e aplicar relativo valor poético e por vezes metafísico ao que não conhece, e esta era a mentalidade do romano com respeito à Gália, Germânia e Britânia. Não obstante, a integral essência desta obra é de cunho propagandista direcionada ao povo e a nobilitas por Julio Cesar.

No quinto livro, Cesar fala sobre a disputa entre Induciomaro e Cingetorix pelo poder sobre os Tréveros. Cesar vai à região e concilia Cingetorix aos seguidores de Induciomaro, trazendo a este a insa-tisfação. Considera-se aqui, a astúcia de Cesar em, desde o inicio das campanhas sobre a Gália, causar instabilidade interna fomentando intriga e rivalidade, pois sabia este que a Gália desunida tornava-se vulnerável à conquista romana. Além disso, planeja empreender nova campanha até a Britânia. Para man-ter estável a Gália durante a expedição, Cesar exige levar Dunorix e mais reféns nobres da Gália consigo, porém, este foge com a cavalaria dos Éduos, e Cesar manda ir ao seu encalço, obrigando-o a voltar ou matando-o, em caso de resistência. Dunorix escolhe a sorte das armas e então é morto, tendo sua cavala-ria então, retornado para acampamento de Cesar, de onde tinha fugido antes de embarcar para a Britânia.

Logo então, embarca Cesar rumo à ilha, desta vez com cavalaria, deixando seu tenente Titus La-bienus a cargo da Gália, aportando ao meio dia, após os fortes ventos que quase o desviaram da rota pela noite.

Cesar então levanta informações demográficas, geográficas e culturais da Britânia, como é citado no trecho a seguir:

“A ilha é de forma triangular, e apresenta um dos lados contra a Galia. Um dos ângulos dele, ja-

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cente em Cancio (Kent), aonde, de ordinário, aportam todos os navios da Galia, olha ao nascente; o outro, ao meio-dia. Tem este lado cerca de quinhentos mil passos. O outro inclina à Hispania e ao poente. Contra esta parte está a Hibernia (Irlanda), metade menor, ao que se estima, que a Britânia; mas o trajeto de uma à outra é igual em tamanho ao da Galia à Britânia. A meio caminho demora a ilha chamada Mona (Man). Consta, além disso, haver outras ilhas menores, aonde escrevem alguns autores serem noite no inverno trinta dias contínuos. Em nossas indagações nada encontramos a tal respeito; e só verificamos com cer-tos relógios d’agua serem as noites mais breves, que no continente. A extensão deste lado é, segundo a opinião dos tais, de setecentos mil passos. Está contra o setentrião o terceiro lado, ao qual nenhuma terra corresponde; mas por um ângulo olha principalmente à Germânia. Estima-se em oitocentos mil passos a sua extensão. Assim toda a ilha tem vinte vezes cem mil passos de circunferência.” (CESAR, Julio. Bello Gallico. Livro V, pt XIII)

Aponta Cesar que o interior é composto de nativos e minas de estanho, e o litoral de imigrantes belgas, com poucas minas de ferro. Vivem os bretões de criação de gado e vestem-se de peles. Cesar também cita a respeito da pintura azul do corpo, utilizada pelos nativos em batalha, que por sua vez luta-vam nus a fim de desmoralizar e amedrontar o inimigo.

Após perder diversas batalhas contra os romanos, Cassivelauno, maior general dentre os Bretões, rei dos Catuvelaunos, envia a Cesar proposta de paz. Cesar então exige reféns e que a Britânia pague anualmente certa quantia em tributos.

Enquanto o legato Sabinus administrava as campanhas na Gália, Ambiorix, líder dos Eburões re-volta-se com a ajuda de mercenários germânicos. Durante a revolta, Sabinus é assassinado em uma tentativa de reconciliação. Quintus Cícero, irmão de Marcus Tullius Cicero, e então oficial das tropas de Cesar, não cogita a hipótese de negociação e subjuga os insurgentes. Embora esta pequena revolução tenha falhado, é possível que tenha sido aqui o berço de todos os próximos empecilhos jogados perante Cesar, que neste contexto temporal, havia prontamente conquistado o norte da Gália.

No sétimo livro, Cesar fala da revolta geral da Gália, devido à insatisfação dos povos quanto ao poder romano ascendente sobre a região e ao medo da tirania que isso poderia acarretar. Sob liderança do Arverno Vercingetorix, os insurgentes (todas as grandes tribos gaulesas, com exceção dos Remos e Éduos) atacam os Boios, que viviam em território Éduo e que se tornaram fantoches de Roma desde a campanha contra os Helvécios, pois estes eram aliados entre si, e Vercingetorix empreende um ataque surpresa à cidade de Cenabum, massacrando, aponta Cesar, não só militares como também civis. Ver-cingetorix então decide utilizar a estratégia frequentemente adotada ao longo da história, de queimar as cidades próximas, com exceção de Avaricum, para impedir o saque de alimentos pelas tropas de Cesar, estratégia depois com êxito comprovado, uma vez que a logística militar romana necessitava de uma distribuição organizada de suprimentos advindos de cidades aliadas ou subjugadas. Logo, Cesar culpa suas derrotas iniciais à fome de seu exército causada pela falta de suprimentos. Parte então Cesar para assediar Avaricum, cidade à qual os insurgentes liderados por Vercingetorix defendiam. Depois de vinte e cinco dias de assédio, os romanos assaltam a cidade, massacrando grande parte da população.

Após o assalto a Avaricum, dirige-se Cesar à Gergóvia, cidade Boia atacada por Vercingetorix. Du-rante este período, os Éduos, outrora aliados, sob a liderança de Litaviccus voltam-se contra os romanos,

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porém são derrotados por Cesar. Tendo então retornado para a Gergóvia, Cesar perde mais uma batalha contra Vercingetorix. Derrotado em batalha posteriormente por Cesar, Vercingetorix ruma para Alesia com a finalidade de defendê-la. Aliando-se a mercenários germânicos, Cesar inicia o cerco à cidade. Em batalha com os aliados gauleses do lado de fora e as tropas de Vercingetorix por dentro, Cesar torna-se vencedor, e o jovem Arverno insurgente rende-se nobremente, afirma Cesar.

Vercingetorix é então preso na Itália, sendo, seis anos após, enforcado de forma ritualística perante Cesar em seu “Triumphus”, desfile de honra ao comandante por suas façanhas militares. Um fato importante que teria acarretado a revolta geral da Gália foi a religião. Conta Cesar que os Druidas, sacerdotes de grande influência política dentre os gauleses, realizavam rituais utilizando os inimigos vencidos em batalha como sacrifício humano. Os romanos, portanto, não toleravam tal ato, considerado atroz e bárbaro. Porém, o triunfo romano não se faz diferente dos atos religiosos gauleses. Deve-se não só considerar esta uma cerimônia simbólica, como também religiosa, imbuída em cortejos ao vencedor, humilhação ao derrotado e por fim, a morte do último perante o primeiro. Em resumo, um sacrifício.

O oitavo e último livro não foi escrito por Cesar, mas sim por Aulo Hircio, seu amigo e oficial, após a morte do primeiro. As Guerras Gálicas não terminaram com a supressão dos revoltosos e Vercingetorix. Portanto, neste livro, constam as campanhas finais contra as tribos remanescentes do levante, como também os processos precedentes à Bello Civillis, ou Guerra Civil, contra seu aliado de outros tempos, Pompeu.

Tendo sob uma análise estes processos de conquista e manutenção da política romana da Gália por Júlio Cesar, é possível contextualizar a obra de acordo com o período em que foi escrita: conside-rando que era necessário trazer estabilidade às populações gaulesas e às relações políticas do general, como demonstrar aos seus rivais políticos o seu poder estratégico militar e eloquência, os Comentários sobre as Guerras Gálicas não só foram produzidos para obter confiança e simpatia popular e aristocráti-ca, como também serviram como intuito trazer ao seu escritor, o tão apreciado, tanto por antigos quanto por contemporâneos a nós, o conceito greco-romano de imortalidade, a perpetuação do seu nome nos textos, relevando, por exemplo, uma das características mais demarcadas deste documento, que é seu nome apresentado em terceira pessoa, assim como outras obras posteriores de grandes personalidades históricas.

Uma discussão ainda levantada na comunidade acadêmica de historiadores se encontra a respeito do público alvo ao quais os comentários eram objetivados. Existe um debate entre a crença de que a po-pulação não abastada de Roma não teria como usufruir de informações contidas em tal obra, e, portanto, estas eram destinadas apenas para os nobres da cidade, rivais a Cesar no Senado, e a teoria de que “os Comentários” eram uma propaganda que tinha por objetivo atingir todo o público romano, essencialmente a população, já que dinheiro era poder em Roma, mas como foi citado anteriormente, o povo romano significava a base da influência sócio-política no mundo greco-romano. De algum modo, mesmo sem a obtenção das informações literárias contidas nos comentários publicados em Roma, todo o cidadão teria conhecimento dos feitos de Cesar na Gália pelo contato com mercadores ou pela difusão das novidades ouvidas entre conversas em encontros sociais por vezes casuais. Enfim, os “Comentários sobre as Guer-ras Gálicas”, de Julio Cesar, contêm uma vasta pluralidade de opções oferecidas para o leitor ao anali-

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sá-los. Além disso, esta é a fonte historiográfica mais rica em informação a respeito da sociedade Celta durante meados do Século I AC fornecendo um levantamento da cultura, política e economica tanto de Gauleses quanto de Bretões, e se não tivesse sobrevivido, certamente muito pouco saberíamos a respeito destas civilizações e a importância de seu papel na história.

AS CAMPANHAS DE JÚLIO CESAR NA GÁLIA

OS ROMANOS

Exército romano era composto de dois tipos de tropas: as legiões, compreendendo cidadãos romanos e auxiliares, e os não-romanos que lutaram ao lado dos generais romanos, ou por causa de obrigações decorrentes de tratados, ou por sua própria escolha. Quando César começou seu governo, quatro legiões foram atribuídas ao seu comando, mas ele, imediatamente, começou a recrutar mais ho-

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mens, principalmente do norte da Itália, possivelmente, para não ser demasiado rigoroso sobre o status da cidadania de seus recrutas, uma vez que grande parte da população da Gália Cisalpina não pussuía a cidadania romana completa.

No período imperial, uma legião, como já visto, era usualmente comandada por um legatus (lega-do), que era um senador ou um equestriam, mas no final da República, a legião não tinha um comandante permanente. Ao invés disso, o governo provincial indicava senadores de seu “staff” para comandar uma ou mais legiões. Estes poderiam ser legados de um nível bastante alto (o legado mais experiente de César, Labienus, tinha mantido uma magistratura importante de tribuno militar que, geralmente, era inerente à classe de equestrians ou aos filhos de senadores, para que ganhassem experiência militar, antes de iniciar suas próprias carreiras políticas. Os oficiais mais importantes dentro da legião eram os centuriões; havia 60 deles em cada legião. Nomeados por sua bravura e experiência, esses homens eram os responsáveis pela formação das suas centúrias e pelo dia-a-dia da legião, se em campanha, ou em quartéis de inverno.

Os centuriões mais antigos de cada legião (o primi ordines) regularmente assessoravam os “con-selhos de guerra” e devem ter contribuído muito nas discussões estratégicas: eles eram a espinha-dorsal da legião.

Os legionários eram uniformizados à custa do Estado, e eram bem equipados para o desempenho de suas funções militares. Cada legionário usava uma cota de malha e um elmo de bronze ou de ferro; era bem armado e gozava de boa saúde sendo, por isso, mais bem sucedidos que os guerreiros celtas, pois isso deve ter-lhes dado uma enorme vantagem psicológica quando enfrentavam os gauleses. O grande escudo ou scutum fornecia sua proteção adicional. As armas principais do legionário eram o pilum (jave-lim) e a espada curta, a gladius.

O recrutamento para as legiões baseava-se numa mistura de conscrição e voluntariado e a única qualificação para o serviço militar era a de possuir a cidadania romana, pelo mens em teoria. Os recrutas, teriam, no mínimo 17 anos, embora a sua maioria tivesse cerca de 20 anos de idade, quando juntados às tropas. Os romanos davam preferência aos recrutas das zonas rurais, mais do que aos oriundos das cidades e vilas, que já se encontravam, vias de regra, corrompidos por várias influências. César, prova-velmente, deve ter experimentado uma pequena dificuldade em levantar tropas para suas campanhas na Gália, porque já havia sido levado a cabo um extenso recrutamento na Gália Cisalpina.

Os legionários se comprometiam com o serviço militar sem um prazo fixado, ainda que eles sou-bessem que poderiam ser dispensados da tropa com um ganho de terras, depois de 5 anos ou mais de serviço continuado. O salário não era bom, mas havia uma gama de oportunidades para o enrquecimento, em razão das campanhas lucrativas, como as da conqusita das Gálias realizada por César, dado ao mon-tante dos butins.

Enquanto as legiões eram equipadas e armadas uniformemente, e eram contituídas, basicamente, de infantaria pesada, nas tropas auxiliares havia uma grande variação de tipos de forças, que eram levantadas de outras províncias do Imperio romano ou dos Estados vizinhos, ou até das tribos bárbaras amigas de Roma.

Cabia ao governador provincial a tarefa de manter as relações de amizade estabelecidas por seus antecessores com as tribos locais, como o tratado de amizade entre Roma e os Éduos. César foi tão

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bem sucedido em suas primeiras campanhas na Gália, e seu prestígio militar foi tão grande, que ele foi capaz de atrair as unidades auxiliares dos alemães, bem como obter o apoio de tribos gaulesas, o que lhe proporcionou uma outra fonte de cavalaria, e que foi particularmente valiosa, quando a lealdade dos Éduos vacilou em 52 AC. Os auxiliares usavam suas próprias técnicas de combate; eles não eram treinados no estilo romano de lutar, e eram comandados por seus próprios oficiais, geralmente membros da elite governante da tribo ou do Estado a partir do qual eles foram recrutados.

Os auxiliares forneciam a principal força de cavalaria do Exército romano. A cavalaria que César empregou na Gália, era composta, principalmente de gauleses ou das elites germânicas, mas que nem sempre eram confiáveis e eficazes e, às vezes, eles não tinham disciplina, especialmente no início das campanhas. Sua derrota pela cavalaria Nérvia em 57 AC foi provavelmente o mais grave revés que César sofreu, e no final das campanhas, sua cavalaria era uma força poderosa que contribuiu para a vitória de César na Guerra Civil. A cavalaria alemã, por vezes, trabalhou em conjunto com a infantaria leve o que permitiu a manutenção do terreno, além da mobilidade característica e útil da cavalaria. A sela no estilo celta permitiu à cavalaria de César, apesar da ausência de estribos. ser tão eficaz quanto a cavalaria posterior, que passou a usá-los.

A cavalaria poderia variar consideravelmente em seus equipamentos, apesar deles se equipa-rarem, pois um cavaleiro rico poderia ter um “plus”. Os cavalarianos usavam uma cota de malha e um elmo, um escudo oval ou hexagonal, que era mais manobrável montado a cavalo, do que um retangular, uma lança e uma espada longa, que era ideal para a execução de cima para baixo daqueles que fogiam da batalha, um dos principais papéis da cavalaria.

O Exército romano na Gália incluía fundeiros das Baleares e arqueiros de Creta e da Numídia, que forneciam as unidades levemente armadas, tropas extremamente móveis para aumentar o poder de fogo do exército, particularmente, a uma determinada distância ou por ocasão de um cerco. O seu papel rara-mente é comentado, mas eles adicionaram um importante grau de flexibilidade para o Exército romano. Uma infantaria adicional foi fornecida por tribos gaulesas, da mesma forma como a cavalaria, que teria consistido de grupos de guerreiros das tribos que eram aliadas de Roma como os Éduos ou Remi que se renderam a César após a sua invasão. Os mais ricos destes guerreiros eram, provavelmente, armados e equipados de uma forma muito semelhante aos legionários romanos, mas os gauleses davam uma maior ênfase no talento individual e nas exposições proeminentes de coragem no campo de batalha, em vez da disciplina e do adestramento das legiões

O apoio logístico era, geralmente, bem organizado, com um sistema de abastecimento normal-mente dependente de uma cadeia de abastecimento a partir de uma base de suprmentos para o exército em campanha. O exército fazia uso dos rios navegáveis da Gália para deslocar os suprimentos aos pontos necessitados, mas, vias de regra, o pobre sistema de estrada e a reduzida velocidade dos deslocamentos de César levaram à dificuldades. Embora César pudesse chamar seus aliados gauleses, e mais tarde as tribos submetidas, para obter suprimentos, os deslocamentos e a direção das campanhas foram muitas vezes fortemente influenciadas pelas exigências logísticas. A par dessas dificuldadees, houve, ainda, a “política de terra arrasada” gaulesa na revolta de 52 AC .

Quando as legiões estavam em quartéis de inverno, César garantia que eles fossem guarnecidos

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nos territórios das tribos conquistadas recentemente para servir a um duplo objetivo: o de assegurar uma forte presença militar no território recém conquistado e o de punir aqueles que resistiram a Roma, forçando-os a alimentar o exército de ocupação, uma grande penalidade que poderia até afetar a capaci-dade de uma tribo em apoiar a sua própria população.

O inverno permitia às tropas tempo para se recuperar da campanha, muitas vezes exaustiva, em face da exigência que César impunha aos seus exércitos, e em particular àqueles que estavam doentes ou que foram feridos em combate. Os exércitos imperiais romanos tinham médicos anexados a eles, e isso pode ter também ocorrido já na República tardia. No rescaldo da batalha campal os exércitos romanos normalmente faziam uma pausa, às vezes por durante vários dias, permitind-se, assim, que os mortos fossem enterrados e os feridos tratados. Os feridos eram escoltados para uma base, provavelmente, uma base de suprimentos, para se recuperar antes de voltar às suas unidades.

GAULESES, BRETÕES E GERMÃNICOS

No primeiro Século AC, as tribos celtas empregavam diferentes métodos de guerra. Embora a proeza em combate permanecesse um dado importante para a elite tribal, em algumas tribos, particular-mente no sul e no centro da Gália, outros meios estavam se tornando disponíveis para se ganhar e manter o status. O aristocrata Éduo Dumnorix lutava como um cavaleiro, para exibir seu status de guerreiro de elite, mas ele também realizava um monopólio sobre o comércio do vinho, o que realçou a sua riqueza e, portanto, a sua posição dentro da sociedade celta. Encorajados pelo impacto da cultura mediterrânea sobre a sociedade gaulesa, os romanos interpretaram esta mudança de ênfase como um fator desmora-lizante.

César entendeu que os Belgas eram os mais corajoso s dos gauleses, “porque eles eles enconta-vam-se mais afastados da cultura e da civilização da Provença, e eram menos frequentemente visitados pelos comerciantes importadores de bens de luxo, e também porque ficavam mais próximos dos alemães que viviam do outro lado do rio Reno e com quem eles estavam continuamente em guerra”.

A maioria das tribos gaulesas, invadia seus vizinhos, pois este era o meio principal do guerreiro para a aquisição de riqueza e posição, e o instrumento pelo qual as tribos procuravam estender a sua influência sobre os vizinhos menores ou mais fracos. As tribos mais bravas e, portanto, as mais seguras de si, eram aquelas que exerciam uma influência ampla sobre muitas tribos que lhes eram dependentes. As tribos também podiam formar alianças com os vizinhos ou mesmo, como no caso dos Sequanis, com os Germânicos, a fim de aumentar a sua própria capacidade militar. Os “bandos de guerra” Gauleses consistiam de grupos de guerreiros que pertenciam a uma classe de elite, que seguiam um determinado chefe, que se concentravam para realizar uma invasão; exércitos de maior envergadura, como os do tipo enfrentado pelos romanos na Gália, eram, provavelmente, menos comuns, e poderia incluir os campone-ses, os agricultores dependentes que, normalmente, não se envolviam em uma guerra regular. Se César realmente enfrentou um exército de 50.000 Helvécios e seus aliados, ele, muito provavelmente, incluía tribs de todos os tipos e status, mas não há conhecimento de nenhum detalhe sobre eles, ou de como eles estavam armados e equipados. Os guerreiros equipavam-se de acordo com sua riqueza e seu status; os

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mais corajosos e mais bem-sucedidos, provavelmente, eram aqueles que costumavam se adornar com equipamentos de alta qualidade e lindamente decorados.

Apenas os guerreiros mais ricos teriam possuído cotas de malha, mas tais aristocratas poderiam ter sido equipados de uma forma muito semelhante a um legionário romano, com uma armadura que lhe proporcionava uma razoável boa proteção contra os golpes cortantes das espadas celtas longas; usavam, ainda um elmo de ferro ou de bronze, além de um escudo. Mas capacetes e cotas de malha, eram, pro-vavelmente, muito raras, que eram usadas, somente, pelos guerreiros mais ricos, mas estilisticamente, eram muito semelhantes a alguns capacetes romanos; na verdade, o elmo do tipo Coolus, que evoluiu para um dos principais elmos do Exército imperial romano era, originalmente, um projeto gaulês. Os guerreiros gauleses utilizavam lanças e espadas, esta última muito maior do que a gladius romana.

As lanças gaulesas foram projetadas, principalmente, para perfurar em vez de esfaquear, o que apontava para uma técnica de luta que exigia muito espaço para o indivíduo poder manobrar sua arma longa. Embora o historiador grego Políbio entendesse que essas longas espadas tinham uma tendência a dobrar o impacto do golpe, muitas foram feitas de ferro de alta qualidade e elas foram armas extrema-mente eficazes. O gaulês usava um alongado escudo retangular que, provavelmente, era feita de couro ou madeira, como o scutum romano. Alguns escudos poderiam não ter sido particularmente grossos ou fortes, o que pode explicar por que César relata que o pillum romano era capaz de perfurar vários deles simultaneamente; os escudos de bronze que sobreviveram da Antiguidade podem ter sido usados para fins decorativos ou para uso em cerimoniais e não realmente para o emprego no campo de batalha.

Dado que a maioria dos guerreiros provavelmente não usava uma armadura corporal e, de fato, alguns mesmos podem ter preferido lutar sem armadura, para sublinhar a sua coragem e bravura militar, o escudo era uma peça vital do seu equipamento de proteção. Quando os escudos foram colocados fora de ação pelo pillum romano, os Helvécios ficaram perigosamente expostos ao ataque romano.

A cavalaria Celta, tripulada pelos guerreiros mais ricos, era particularmente eficaz, e marcou vitórias significativas contra uma mais numerosa, a cavalaria auxiliar de César, no primeiro par das temporadas da campanha. A falta de estribos não representava nada para aquela poderosa cavalaria: o “design” da sela Celta permitia ao seu cavaleiro uma montaria segura, que lhe permitia atirar lanças e empurrar, fosse com uma lança ou com uma espada e implementar táticas com ação de choque. Alguns cavaleiros germânicos também poderiam ter usado essas selas, mas o emprego da cavalaria em coo-peração com a infantaria leve, que trabalhava, regularmente, ao lado da cavalaria germânica, era algo claramente impressionante e indicativo de, pelo menos, algum adestramento em comum, sobre o que ou-vimos muito pouco a respeito nas fontes disponíveis. As tribos celtas da Britânia, ainda usavam bigas, algo que tinha “saído de moda” no continente, mas sua velocidade e agilidade causaram sérias dificuldades à infantaria romana. Os carros serviam como “taxis” no campo de batalha para os nobres mais ricos, que as abandonavam para lutar e, em seguida, as pegavam novamente, caso eles fosem feridos ou precisassem se retirar da batalha.

O poder de fogo, de alguma forma, ficava a cargo dos arqueiros e dos fundeiros, homens que, provavelmente, não eram da classe dos guerreiros, pois esta forma de luta não era vista como heróica. Os fundeiros viram-se, às vezes, envolvidos em guerra aberta (tais como na emboscada gaulesa de uma

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coluna romana em 54 AC), mas eram empregadas mais frequentemente na defesa dos castelos, junta-mente com os arqueiros. Em preparação para a revolta geral de 52 AC, Vercingetorix convocou todos os arqueiros da Gália; eles eram, provavelmente, gauleses das classes mais baixas, mas eles foram vitais para o sucesso da estratégia da revolta.

Muito pouco se sabe sobre a organização dos exércitos gauleses e seu funcionamento em uma batalha campal, embora pareça que eles dependiam, fortemente, da eficácia da infantaria e das cargas da cavalaria no início da batalha, para romper as linhas inimigas. Uma batalha campal, mesmo em pequena escala, constituía uma das melhores oportunidades para se mostrar a proeza militar e, por isso, ela tornou-se a forma mais importante de se fazer uma guerra, mas nem todas as tribos gaulesas mostra-ram-se interessadas em enfrentar o inimigo em campo aberto, especialmente quando esse inimigo era tão poderoso como o Exército romano, raão pela qual, as estratégias das tribos eram variadas. Enquanto algumas tribos mais fortes e coesas como o Nérvios estavam ansiosos para enfrentar os romanos em uma batalha campal, outros, como as tribos da Aquitânia, no sudoeste da Gália, confiavam mais nas tá-ticas de “bater-e-correr”, além de atacar as linhas de abastecimento dos invasores como Vercingetorix planejava fazer durante a revolta de 52 AC.

Algumas das tribos costeiras que possuíam riqueza móvel (geralmente sob a forma de gado) eram capazes de se retirar através dos pântanos, a fim de evitar o conflito direto com os romanos, como os Me-nápios e os Morini da costa do canal da Mancha. Os Venetos, cuja riqueza era fundada no comércio, e cuja força militar era marítima, baseavam sua estratégia na defesa estabelecida nos castelos situados nos promontórios costeiros, simplesmente movendo-se por mar, de um para outro, quando se encontravam prestes a serem capturados pelos romanos. As diferentes tribos, então, tiveram a capacidade de adaptar as suas estratégias, de sorte a melhor lidar contra a nova ameaça oferecida por Roma, e algumas destas variações foram bastante bem-sucedidas em impedir o progresso das tropas romanas.

As táticas de “bater-e-correr”, e assim evitar a batalha campal, também podem ter sido as pre-feridas das tribos gaulesas, ou por serem necessárias, em virtude da ausência de um tipo adequado de apoio logístico, como os que os de que os exércitos romanos dependiam. Os grandes exércitos da Gália não poderiam continuar a existir por muito tempo e, a menos que um engajamento decisivo ocorresse rapidamente, todo um exército normalmente desapareceria, por causa da falta de suprimentos. O exército Belga em 57 AC, que combinava muitas tribos diferentes, foi forçado a se dissipar, por essa razão, quando um engajamento decisivo lançado contra César não teve sucesso.

O Exército romano profissional tinha muitas vantagens sobre os exércitos dos gauleses e demais sociedades guerreiras, e não era de estranhar que várias tribos tivessem passado rapidamente sobre a Roma, ou que, sob a liderança de um general tão eficaz como Caesar, a conquista da Gália tivesse sido concluída com uma rapidez tão impressionante.

HABILIDADE GAULESA E DISCIPLINA ROMANA

Os estilos de luta dos gauleses e dos romanos eram, cada um, a antítese completa dos do outro. Para ambas as culturas, a vitória na batalha campal era a última homenagem para um guerreiro ou um

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soldado, e também para os chefes tribais ou os generais romanos. Para se mostrar coragem, o campo de batalha era o local Ideal; o morrer no campo de batalha era glorioso.

Em meados dos Século I AC, quando César começou a sua conquista da Gália, romanos e gauleses já tinham estado lutando entre si há séculos. Em sua literatura, os romanos tanto demostravam o medo que tinham de seus vizinhos bárbaros, como também a admiração pela forma como eles lutavam. Os Gau-leses eram vistos como muito maiores que os romanos (eles são retratados como sendo de uma estatura quase gigantesca em alguns contos); certamente eles, provavelmente, eram, em geral, um pouco mais alto do que a média de legionário italiano, e os romanos parecem ter sido bastante defensivos em razão de serem menores do que os seus adversários. No entanto, o estilo de luta que eles utilizavam era perfeito para lutar contra os gauleses.

Com efeito, a organização das legiões em manípulas (unidades de 120 homens), e a introdução do grande scutum e da curta gladius como as principais armas do combate corpo-a-corpo realizado pelo legionário podem ter sido inspiradas nos conflitos com os gauleses do Século IV AC.

O estilo de luta gaulês permitia ao guerreiro apresentar-se no campo de batalha, quer lutando nu ou vestindo armaduras elaboradamente decoradas e, de um modo ou de outro, ele mostrava seu valor lutando individualmente. A espada longa do guerreiro também exigia que ele tivesse uma boa quantidade de espaço em torno dele no campo de batalha, a fim de poder manobrar a arma corretamente. A espada celta era, essencialmente, uma arma cortante e nas mãos de um guerreiro gaulês alto, com uma grande envergadura, ela poderia ser uma lâmina mortal, particularmente contra a curta oposição com espadas curtas. Mas os guerreiros gauleses lutavam individualmente, embora o treinamento e, especialmente, a experiência deve ter-lhes fornecido alguma compreensão sobre táticas, e sobre os comandos que po-deriam ser-lhes transmitidos no campo de batalha através de instrumentos musicais, embora eles não possuissem o mesmo grau de formação para lutar como uma unidade, como faziam os soldados romanos. Quando forçados a recuar, eles não podiam sempre manter suas fileiras e retirar-se em boa ordem, algo que exigia um treinamento considerável e absoluta confiança nos seus colegas combatentes. Isso os tornava vulneráveis às manobras de flanco e às cargas de cavalaria contra os guerreiros em retirada. A falta de espaço para balançarem suas espadas também poderia causar estragos nas fileiras gaulesas. Quando forçados a ficar juntos, os guerreiros gauleses não poderiam usar suas espadas corretamente, e isso os tornava vulneráveis a um inimigo que pudesse operar em quartos muito próximos, com uma eficiência mortal.

O equipamento do legionário romano não o tornava dependente do escudo de seu vizinho para proteção em combate, como na formação em falange grega, pois o legionário romano lutava individual-mente, apesar de ele ser dependente da força de sua unidade. Se seus companheiros de centúria, coorte ou legião cedessem, ele acabaria por se tornar exposto a ser atacado pelo flanco ou pela retaguarda. O poder do Exército romano estava na força de suas formações, e que era baseada na unidade moral, na disciplina e no treinamento. Estes parâmetoros podem ser claramente identificados, quando as legiões de César ficaram sob o ataque repentino dos Nérvios na segunda temporada da sua campanha. Os legioná-rios nem sequer precisavam de seus oficiais para dar-lhes ordens: eles, automaticamente, largaram suas ferramentas de sapa, pegaram suas armas, e formaram uma linha de batalha.

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Seu treinamento assegurava que mesmo que eles não estivessem com suas próprias unidades e juntos com os homens com que normalmente lutavam, eles estavam adestrados o suficiente para criar uma eficaz linha de batalha. Os soldados romanos não eram autômatos nem uma “máquina militar”: eles foram treinados para pensar e usar sua niciativa, bem como seguir as ordens. O treinamento e a disci-plina incutiram aos soldados romanos que as unidades poderiam mover-se sobre campos de batalha em formação e até mesmo recuar, mantendo uma formação defensiva, uma técnica valiosa na guerra para minimizar as baixas.

Em combate com os adversários gauleses mais altos e com suas espadas cortantes, eles lan-çavam suas pilla e, em seguida, cerravam para o combate corpo-a-corpo. O grande scutum protegia a maior parte da frente do legionário e seu lado esquerdo, enquanto usava a sua curta gladius, ideal para apunhalar o adversário na luta em combate aproximado; e ele poderia até mesmo dar um soco no inimigo com o botão de metal de seu escudo. Se os legionários se aproximassem o suficiente, eles poderiam, literalmente, bloquear o estilo de luta de seus adversários gauleses, enquanto continuava a lutar, mesmo com a pequena quantidade de espaço que ele necessitava para operar de forma eficaz.

A curta gladius foi uma ferramenta eficiente para praticar um brutal assassinato: uma curta faca-da no tronco ou, especialmente, na barriga de seu adversário, que poderia, muito bem, estar até lutando sem armas, e ele seria morto ou gravemente ferido em razão dos danos causados aos órgãos internos e do grave sangramento. Apesar de os soldados romanos terem sido treinados para apunhalar com as suas gladius, isto não os impedia de cortar com elas, e com muita qualidade e utilização perfeita da arma eles poderiam, facilmente, cortar fora os membros do oponente. O legionário romano médio pode ter sido menor em estatura do que o seu adversário gaulês, mas o seu equipamento significava que ele não estava em desvantagem. Além disso, as táticas e o estilo de luta empregados na batalha campal contra os ad-versários celtas os colocaram em vantagem. Normalmente, em uma batalha campal, a disciplina romana triunfou sobre a habilidade gaulesa.

A MIGRAÇÃO DOS HELVÉCIOS

Em 28 de março de 58 AC, a tribo celta dos Helvécios deixou suas casas na Suíça e, juntamente com os seus vizinhos, os Raurici, Tulingi, Latobrigi e Boii, começaram uma migração para o oeste. O pro-pósito deste movimento em massa de tribos, que incluía mulheres, crianças e animais, foi o de se mudar para a Gália Ocidental, para as terras de outras tribos gaulesas, onde pretendam se assentar, depois de derrotar os habitantes e forçá-los a seguir em frente. Estas migrações em massa de tribos inteiras não eram desconhecidas, e um movimento semelhante de tribos germânicas no final do Século II AC, levou aos confrontos entre eles e Roma, causando derrotas catastróficas de vários exércitos romanos. A migração dos Helvécios não foi uma surpresa para ninguém, no entanto, um extenso planejamento teria sido necessário.

Os preparativos começaram há três anos. Até o final dos anos 60 AC, os Helvécios estavam sen-tindo a pressão da falta de espaço. Viviam cercados pelas montanhas da Suíça, onde eles tiveram pouca oportunidade para expandir seu território para atender a uma população crescente e para exibir sua

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destreza militar para ocupar terras inimigas. Os Helvécios também estavam preocupados com a presen-ça, ao norte de sua terra, das tribos germânicas que tinham estado migrando para o oeste, em especial o agressiva rei Suevo Ariovisto, que se instalou no território do Sequanos, depois que eles e os Arvernos tinha procurado seu apoio às guerras locais com o Éduos.

Os Helvécios tinham começado os seus preparativos em 61 AC, após terem levado três anos para obter suprimentos suficientes para a viagem e para semear as novas terras que planejavam assumir na Gália ocidental. Outros suprimentos foram também reunidos, como animais de tracção e vagões de carga. Muito do que foi feito deveu-se à liderança de um nobre helvécio, Orgetorix, que também havia formado, secretamente, uma aliança com dois aristocratas gauleses, Casticus dos Sequanos e Dumnorix o Éduo, o irmão de Diviciacus que tinha laços estreitos com Roma. Os três parecem ter planejado tudo para assumirem o poder em suas tribos e liderar uma coalizão, talvez para conquistar e realizar uma partição

Os gauleses das três tribos pretendiam, mais provavelmente, ou conduzir os alemães sob Ario-vistus de volta para o leste do Reno, ou se opor à crescente ameaça de intervenção ou invasão romana, ou talvez ambos. Seja qual fosse o propósito da trama, ela foi descoberta e Orgetorix cometeu suicídio antes que ele pudesse ser levado a julgamento por conspirar para tornar-se rei. Isso, no entanto, não impediu os Helvécios de realizar os seus planos de migração; na primavera de 58 AC eles queimaram suas cidades, vilas e excedente de grãos, para descartar a possibilidade de se abandonar a migração e, com milhares de vagões, rumaram para o oeste, em direção às terras gaulesas à oeste do rio Ródano, e à província romana.

Gauleses e romanos estavam preocupados com a possibilidade de haver tal migração. O movimen-to de vários milhares de pessoas causaria enormes danos às terras quando elas passassem por elas, o que poderia desestabilizar todo o sul da Gália, principalmente quando aquelas tribos escolhessem querer se juntar aos helvécios em uma oferta por terra ou mesmo para se opor a eles.

No final da sua migração, os Helvécios haviam planejado usurpar as terras de outras tribos, cau-sando mais problemas para o equilíbrio político da região. Algumas tribos teriam recorrido a Roma em busca de assistência e, em 60 AC o Senado tinha enviado embaixadores para as tribos gaulesas, em uma tentativa de desencorajá-los a se juntar aos Helvécios. A migração proposta ameaçava a segurança dos aliados de Roma, incluindo o Éduos, os Allobroges, bem como os Provences, com suas desejadas terras férteis. Enquanto fosse improvável que os Helvécios se virassem em direção ao sul para ameaçar a Itália, as lembranças dos desastres causados outrora pelos alemães podem ter deixado Roma um pouco preo-cupado com as tribos migratórias, e não havia uma preocupação real com as tribos germânicas que se deslocavam para as terras desocupadas pelos Helvécios.

No pensamento romano, os alemães eram vizinhos menos desejáveis do que os gauleses. Roma não queria transtornos em suas fronteiras do norte e os preparativos para as migrações levaram Roma a pensar em guerra, a fim de proteger os interesses de Roma. Uma guerra contra os Helvécios provavel-mente teria levado à uma maior intervenção romana na Gália em face de Orgetorix e seus aliados.

Uma guerra romana na Gália estava tornando-se inevitável no final dos anos 60. O cônsul do ano 60 AC, Metelo, parece ter ficado extremamente ansioso para fazer a campanha contra os gauleses e obter um triunfo. O líder político romano Marcus Cícero descreveu-o como “não feliz com os relatos de paz na

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Gália”, depois do golpe fracassado de Orgetorix, enquanto, por outro lado, o cônsul de 59 AC, Júlio César, também se encontrava igualmente ansioso para ali deixar a sua marca militar.

A ameaça representada pelos Helvécios para Provence e os gauleses aliados forneceu o casus belli, e a oportunidade para César envolver-se na Gália, mas caso isso não tivesse surgido, ele poderia muito bem ter encontrado alguma outra desculpa para realizar tal campanha. Uma vez neutralizada a ameaça dos Helvécios, César, rapidamente, encontrou novas justificativas para prosseguir mais fundo na Gália e nos assuntos gauleses, para garantir conquistas e vitórias sensacionais.

Estas justificativas foram facilmente encontradas no pedido dos Éduos, aliados de Roma, relativo a uma assistência contra Ariovisto e, a partir fisso, a conquista romana da Gália passou a ser o mais provável objetivo de César. Quando César, o novo governador das Gálias Cisalpina e Transalpine, ouviu que os Helvécios encontravam-se, finalmente, em movimento, ele assumiu que seria seu dever a proteção da sua província da Gália Transalpina, que estaria diretamente no caminho dos migrantes. Os Helvécios pe-diram a César permissão para atravessar o território romano, e quando ele se recusou, eles se voltaram para o norte para continuar sua migração, sem invadir as terras romanas. Embora eles já não fossem uma ameaça direta para Roma, César os perseguiu e os atacou, sem quaisquer provocações, quando os

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Helvécios estavam atravessando um rio. As ações dos Helvécios foram consideradas suficientes para justificar tal reação, especialmente em razão de que os romanos os consideravam ‘bárbaros’. A conquista da Gália foi uma guerra agressiva de expansão, liderada por um general que estava buscando avançar em sua carreira e que, como seus pares, estava agindo dentro das expectativas da sociedade romana e seus sistemas de valores.

INVASÃO, SÍTIO E CONQUISTA

58 AC – A PRIMEIRA CAMPANHA

No primeiro ano de seu governo, César lutou e venceu duas grandes batalhas campais e se estabe-leceu para conquistar a Gália. A velocidade e a determinação com que ele operou, deve ter impressionado os seus rivais políticos em Roma, e aterrorizado os gauleses. César os tinha libertado da ameaça da migração dos Helvécios e do rei alemão Ariovistus mas, agora, ele ameaçava a sua própria independência.

César ainda estava em Roma quando a notícia de que os Helvécios estavam em movimento chegou em meados de março, e de que eles estavam em movimento, indo para o oeste em direção a Genebra e o sul da Gália, perigosamente perto da província romana. Ele, imediatamente, dirigiu-se para Provence, ordenando à única legião estacionada lá para seguir para Genebra e destruir a ponte sobre o rio Ródano. Ele levantou tropas auxiliares em Provence e mais duas novas legiões no norte da Itália. Jogando para ganhar tempo, ele concordou em considerar um pedido para que os Helvécios pudessem passar, mas depois o recusou, quando suas tropas já tinham construído defesas que forçaram os helvécios para longe do território romano e do centro da França. Ele, então, correu de volta para a Itália para coletar mais duas novas legiões e outras três legiões veteranas em guarnição na Aquileia, após o que marcharam através dos Alpes no início do verão e encontraram-se com os Helvécios, quando eles atravessavam o rio Saone. Três quartos dos Helvécios já tinham cruzado o rio, mas César atacou os restantes. Alguns escaparam para a floresta, mas suas legiões abateram o restante. Os números das vítimas não foram registrados.

Cruzando o Saone em pontões num único dia, César encontrou-se com o corpo principal dos Helvécios e o arrastou a uma distância discreta, recusando-se a ser levado a combate, exceto sob seus termos. Os Helvécios estavam dispostos a evitar a batalha e tentou negociar, mas as exigências de César eram muito graves, talvez intencionalmente, uma vez que ele provavelmente estava ansioso para lutar, uma vez que a situação tática lhe era favorável. Alguns dias mais tarde, uma força sob o comando de Labieno ocupou o terreno elevado acima do acampamento helvécio, em preparação para um ataque, mas um olheiro veterano entrou em pânico e, erroneamente, relatou a César que os flashes de armas que ele tinha visto na colina eram definitivamente provenientes das armas gaulesas e não das romanas, de modo que o ataque teve que ser abortado.

César continuou a seguir os helvécios, mas foi finalmente forçado em direção Bibracte, para cole-tar suprimentos de seus aliados Éduos, cujo trem de suprimentos próprios estava sendo preso no Saone. Talvez na esperança de cortar a linha de suprimento dos romanos, os Helvécios decidiram dar combate e atacaram a retaguarda romana. César desdobrou suas forças em uma encosta, sob a cobertura de uma

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tela de cavalaria.

A BATALHA CONTRA OS HELVÉCIOS

As forças romanas consistiam de seis legiões num total de 24.000 a 30.000 homens, como tam-bém um número desconhecido de infantaria e cavalaria auxiliares. Duas das legiões tinham sido recente-mente recrutadas, e muitos dos auxiliares eram gaueses. Por isso, suas possibilidades reais de combate eram dignas de suspeita.

Não há regisro do efetivo do exército helvécio;seus aliados, os Boii e os Tulingi somavam cerca de 15.000 homens e é improvável que o total do exército gaulês fosse mais do que cerca de 50.000 homens.

Caesar desdobrou suas duas novas legiões e a infantaria auxiliar na parte alta do terreno, para constituir uma reserva e proteger o acampamento romano; as quatro legiões veteranas foram desdo-bradas em triplex acies em um terreno inclinado em direção ao helvécios. (Quatro coortes estavam completas na linha de frente, com as duas últimas linhas de três coortes, como uma reserva da força).

Batalha contra os Helvecios 58 AC

Fase I Fase II Fase III

Os helvécios formaram em ordem muito cerrada. Eles reuniram suas bagagens, vagões e famílias além da ala esquerda da sua linha de batalha, junto com seus aliados, so Boii e os Tulingi. O primeiro ataque dos helvécios foi facilmente repelido pelos romanos, que tiveram em sua vantagem sua posição na encosta e seus armamentos superiores como o pillum, que cravava nos escudos do inimigo, tornando-os pesados e os mantinham juntos. Os helvécios foram repelidos, mas este seu ataque pode ter sido uma simples finta. Quando as coortes romanas perseguiram os helvécios que recuavam, os Boii e os Tulingi flanquearam o lado direito romano. Neste ponto, o helvécios renovaram a luta e os romanos foram cer-cados. Seguiu-se, então o comate corpo-a-corpo da infantaria. A brilhante flexibilidade tática da legião possibilitou que Caesar ordenasse que a linha traseira das coortes se virassem, e as legiões travaram a batalha em duas frentes. As reservas romanas deixadas na colina nem sequer foram empenhadas.

Os helvécios fugiram; os Boii e Tulingi foram forçados para trás contra os vagões sendo abatidos, juntamente com as mulheres e crianças.

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No rescaldo da batalha, César descansou por três dias para socorrer feridos antes de continuar sua perseguição aos helvécios que, prontamente, se renderam. Preocupados que as tribos germânicas pudessem se deslocar para as terras desocupadas pelosa helvécios, César ordenou que os sobreviventes voltassem para casa. César afirma que dos 368 mil previstos para realizarem a migração, apenas 110 mil retornaram.

Depois de duelar com os helvécios, César virou-se contra as tribos alemãs que ocupavam terras na margem esquerda do Reno, sob a chefia de seu rei Ariovistus. César precisava de uma boa razão para atacar um rei que era um “amigo e aliado do povo romano”, e afirmou que os alemães estavam invadindo o território dos aliados Éduos, e que outras tribos gaulesas tinha pedido ajuda. Ambos os lados pretendiam ocupar a cidade estrategicamente importante de Besancon, mas César chegou lá primeiro. A esse ponto, o pânico se espalhou através das tropas inexperientes de César e até mesmo entre alguns de seus oficiais, em face da informação de que Ariovistus e seu exército estavam despontando para uma perspectiva muito mais rigorosa do que a das tribos migratórias que os romanos tinham tão facilmente combatido. César teve que restaurar a disciplina, ameaçando marchar com apenas uma das legiões. Quando ele iniciou a marcha, com todo o seu exército, os dois líderes se encontraram para conversar, mas César não estava disposto a prejudicar a sua reputação ao recuar e concordar com as demandas dos bárbaros para ele desocupar a Gália. A batalha campal era inevitável, embora César estivesse mais ansioso para forçar um compromisso, talvez por causa de suas dificuldades habituais com os suprimentos. Ele era totalmente dependente dos suprimentos advindos das tribos gaulesas, cuja confiabilidade era, por vezes, suspeita, e a velocidade com que ele gostava de operar em campanha só contribuia para as incertezas de suas linhas de abastecimento. Eventualmente, os romanos forçaram Ariovistus a se desdobrar da ordem de marcha para uma formação de batalha à direita do acampamento alemão.

Os Germanos estacionaram suas carroças atrás de sua linha de batalha, César disse para evitar que os guerreiros fugissem, mas deveria, igualmente, evitar que os romanos sofressem uma manobra de flanqueio. O envolvimento começou com os alemães carregando tão rapidamente que os romanos não tiveram tempo para lançar seus javelins, seguindo-se um intenso período de combate corpo-a-corpo. A esquerda germana foi atacada pela ala direita romana, sob o comando pessoal de César, mas a esquerda romano ficou sob pressão. O oficial no comando da cavalaria, Públio Crasso, viu isso e teve a iniciativa de redesdobrar a terceira linha de cada legião para atacar a direita germana. Novamente foi a flexibilidade das táticas legionários que virou a batalha e os alemães fugiram, perseguidos por cerca de 15 milhas até o Reno. As perdas alemãs foram relatadas em 80.000 e a batalha foi, claramente, uma vitória imediata para os romanos. Em apenas um ano César conseguiu informar aos seus rivais em Roma que ele tinha derrotado dois dos inimigos mais tradicionais e temidos de Roma, os Gauleses e os Germanos. Ele mandou invernar suas legiões próximas a Vesontio e retornou ao norte da Itália para atender os aspectos civis do seu governo.

57 AC – A CONQUISTA DO LESTENo início de 57 AC, se ele já não tivesse resolvido a fazê-lo no ano anterior, César decidiu conquis-

tar toda a Gália.

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Algumas tribos gaulesas foram per-sudadidas a formar alianças com Roma, por causa da proteção e da influência que tal relacionamento traria dentro da Gália, e elas podem ter sentido, provável e corre-tamente, que a conquista daqele território seria inevitável e, por isso, seria melhor es-tar ao lado do vencedor. Os Éduos no centro da Gália foram incentivados a permanecer como o principal aliado de César, por sua própria vontade, e a deixá-lo expandir a sua influência sobre as tribos gaulesas derro-tadas.

Os Remi no norte da Gália prefe-riram lutar com Roma e não contra ela, proporcionando a Caesar os serviços de inteligência durante a campanha. No en-tanto, a maioria das tribos Belgas, temia o crescente poder de Roma na região e preparou-se para resistir, após solicitar a ajuda dos Germanos. César afirma que, com isso, conseguiu reunir um exército de 200 mil guerreiros.

César, então, levantou mais duas legiões, o que lhe proporcionou um total de 8 legiões (32.000 a 40.000 hmens, mais os auxiliares) e, ao início da estação de cam-panhas, rumou para o norte da Gália. Sua intenção era derrotar o poder das tribos

Belgas e interceptá-los do apoio Germano vindo do leste. Os Belgas encontraram-no perto de Bibracte e tentaram capturar o oppidum dos Remi que estavam sendo assistidos por tropas armadas com armas leves, que César tinha enviado para ajudar. Não sendo possível capturar a cidade, os Belgas, ao invés dis-so, devastaram a terra e, em seguida, viraram-se em direção ao acampamento de César, pelo rio Aisne.

Nenhum dos lados desejava a batalha naquele momento, embora César tivesse preparado a liga-ção dos redutos de artilharia ao acampamento por meio de valas para impedir uma manobra de flanque-amento Belga. Seguiram-se escaramuças, mas ainda não houve batalha. Eventualmente, as necessidades de abastecimento de cada lado afetaram o resultado das sortidas: César tentou precipitar um engaja-mento geral através do envio de sua cavalaria e da infantaria leve contra os Belgas, porque ele estava preocupado em ser extirpado do seu abastecimento. Mas os Belgas também estavam sofrendo com a falta

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de suprimentos e, porque não tinham apoio logístico, simplesmente debandaram seu exército, para refor-má-lo, ou até quando César os ameaçasse diretamente. Eles também podem ter reconhecido que a batalha preparada por César havia tornado o terreno muito desfavorável para um engajamento bem sucedido.

A velocidade com que os exércitos romanos podiam se deslocar provou ser um fator importante para o sucesso das campanhas deste ano. César aproveitou o oppidum dos Suessiones em Noviodunum (no rio Aisne), na esperança de capturá-la antes que os guerreiros voltassem depois que o exército dos Belgas tinha sido dissolvido. Embora os guerreiros fossem capazes de esgueirar-se durante a noite, eles rapidamente se renderam quando viram os preparativos de um cerco: é óbvio que eles nunca tinham experimentado nada parecido com uma guerra de cerco romana antes. Os efeitos psicológicos desta rendição foram generalizados, com os Bellovaci e Ambiones se rendendo aos Romanos, sem resistência. No entanto, a próxima tribo, os Nérvios, decidiu resistir; formou uma aliança com os Atrebates e os Viro-mandui vizinhos e planejaram emboscar o exército de César, quando ele estivesse marchando ou, quando acampados, se mostrassem mais vulneráveis. Fazendo bom uso do terreno — este era remendado entre florestas densas e sebes altas —, os Nérvios prepararam uma emboscada na floresta do outro lado do rio Sambre

Os romanos começaram a fortificar acampamento no lado mais próximo do rio, e suas cavala-ria e infantaria leve cruzaram o curso d’água para explorar e manter os Nérvios à distância, enquanto os legionários completavam o acampamento. Aquelas foram facilmente repelidas pelo Nérvios, que, em seguida, carregaram muito rápido sobre os soldados romanos que ainda se entrincheiravam. César não havia conseguido desdobrar uma tela de infantaria para proteger aqueles entrincheiramentos — aliás, um procedimento padrão quando acampados na presença do inimigo —, e suas legiões foram apanhadas desprevenidas e dispersas. As duas legiões que formavam a retaguarda da coluna de marcha nem sequer chegaram ao acampamento.

BATALHA CONTRA OS NÉRVIOS

César contava com 8 legiões, duas das quais ainda se encontravam marchando, e um número desconhecido de cavalarianos e infantes auxiliares.

Os Nérvios tinham, pelo menos, 60.000 guerreiros, incluindo-se os Atrebates e os Viromandui. Enfrentados por um súbito ataque, os legionários romanos fizeram, exatamente, o que tinham de fazer. Tanto eles quanto seus oficiais tinham mais de um ano de experiência, desde quando eles tinham entrado em pânico diante de Ariovistus no ano anterior, e seu treinamento e disciplina o venceram. Eles empu-nharam as armas e, automaticamente, criaram uma linha de batalha. As Legiões IX e X formaram a ala esquerda, as VIII e XI o centro, e as VII e XII a ala direita. O Nérvios criaram uma muito forte ala esquerda; os Viromandui formaram o centro e os Atrebates a ala direita. As duas forças de cavalaria já haviam se engajado, com a cavalaria gaulesa vencendo a dos romanos.

Apesar da linha de batalha estar sendo seccionada pelas sebes, os romanos mantiveram a linha rapidamente e detiveram o ataque Belga. O centro romano foi bem sucedido, enquanto a ala esquerda

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Figura – Batalha contra os Nércios – 57 AC Fases I, II e III

repeliu os Atrebates, e os perseguiu através do Sambre. Este sucesso deixou o acampamento romano já construído pela metade e a ala direita da linha de batalha expostos, em face do que os gauleses captura-ram o acampamento.

Enquanto isso, a ala direita romana foi flanqueada pelos Nérvios; muitos dos oficiais foram mortos e as fileiras se “empacotaram”, de forma que não puderam operar eficazmente. A situação ficou crítica. Assumindo posição a pé, à frente das fileiras de sodados, César ordenou as fileiras, abriu-as e mandou que as duas legiões formassem um quadrado, de forma que pudessem se defender de todos os lados. Sua presença ajudou a aumentar os ânimos e a resistência do exército, até que o socorro chegou sob a forma da Legio X, que havia sido enviada para trás, para ajudar na pós captura do acampamento inimigo, e

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as duas legiões retardatárias da retaguarda da ordem de marcha que, finalmente, haviam chegado. Essa força combinada de 5 legiões viru a maré da batalha e obliterou os Nnér-vios, que se recusaram a se render ou a se retirar.

O excesso de confiança de César havia levado a uma situação perigosa, mas sua coragem pessoal e a experiência de seu exército a transformaram em uma vitória significativa. Este envolvimento bem sucedi-do quebrou o poder dos Belgas a tal ponto, que até mesmo as tribos germânicas do além Reno mandaram enviados a César oferecen-do sua submissão. Nas operações no final do ano, uma legião foi enviada para pacificar as tribos na costa atlântica e, com o restante do seu exército, César submeteu os Aduatuci, que, como aliados dos Nérvios eram alvos legítimos. Porque eles quebraram os termos de sua rendição, toda a tribo dos Aduatuci foi vendida como escravos. O lucro com a venda de 53.000 Aduatuci à escravidão foi, por di-reito, atribuído só a César.

Rumo ao inverno, César enviou um de seus oficiais superiores, Galba, para abrir a estrada através do grande passo de São Bernardo para a Itália, alegadamente para fins comerciais. Mas a ele tinha sido dada uma força inadequada de uma legião com pouca força e quando Galba alojou suas tropas na aldeia de Octodurus, ele ficou sob um ataque pesado das tribos locais que, provavelmente com razão, afirmavam que os romanos estavam mais interessados em conquistas do que em rotas de comércio.

A legião de Galba, a XII, viu-se esgotada após o seu fracasso na batalha com os Nérvios e a po-sição pobremente defendida que ela tentava manter era insustentável. Galba foi forçado a abandonar a campanha e sair, embora de acordo com os relatórios eles tivessem conseguido matar cerca de 10.000 gauleses no caminho. Apesar deste revés, no final deste segundo ano, César informou Roma que a Gália estava em paz em fazão do que o Senado em Roma aprovou um agradecimento público a César, sem pre-cedentes, com 15 dias de duração, o que aumentou consideravelmente a sua reputação política e militar. Ele voltou novamente para o norte da Itália para passar o inverno; suas legiões ficaram aquarteladas no norte da Gália, com as tribos locais sendo forçadas a abastecer os soldados romanos.

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56 AC - GUERRA NAVAL E CONQUISTA DO OESTE

O ressentimento gaulês em razão da obrigação de ter de alimentar as legiões romanas durante o inverno mostrou-se atuante quando as tribos dos Veneti do noroeste da Gália detiveram oficiais romanos enviados para adquirir grãos e outros suprimentos.

O prestígio romano exigiu uma resposta pesada. Uma vez que os Veneti eram uma força essen-cialmente marítima, foram requisitados navios dos aliados gauleses, e navios de guerra foram mandados construir no Loire, enquanto remadores eram recrutados com vistas a iniciar uma campanha naval, tão logo o tempo permitisse. Os Veneti sabiam que a captura dos oficiais romanos levaria o exército invasor para cima deles e, então, eles também se prepararam. Eles tinham a vantagem do conhecimento tanto da terra como do mar; a guerra no Atlântico, com suas tempestades e fortes marés seria bastante diferente do tipo de guerra naval a que Roma estava acostumada no mar Mediterrâneo. Os Veneti fortificaram seus fortes, muitos dos quais ficavam situados em isolados penhascos, mais acessíveis por mar do que por terra, e reuniram os aliados de Aremorica (a moderna Bretanha), da costa do canal inglês e até mesmo das tribos britânicas com quem comercializavam.

César dividiu suas forças e enviou-as para a campanha em diferentes partes do norte e do oeste da Gália, como prova de que suas alegações de que a Gália estava em paz ou que tinha sido conquistada era algo exagerado. Ao longo de seu governo, César viu-se preocupado com as incursões por parte das tribos germânicas, razão pela qual ele sempre manteve uma forte força nas Ardenas, com uma cavalaria capaz de fornecer mobilidade contra os alemães. Esta força também ajudou a pressionar as tribos bel-gas. Outras forças foram enviadas para a Aquitania sob o comando de Crasso, e para a Normandia sob o comando de Sabino.

O próprio César liderou uma força de quase quatro legiões para se reunir com sua frota recém--reunida, provavelmente, perto da foz do rio Loire.

OS VENETI (VÊNETOS)

A campanha contra os Veneti foi dura. Cercos e ataques cuidavam dos fortes, mas a riqueza dos recursos dos Veneti pautava-se na mobilidade, e quando um forte estava prestes a ser tomado, eles carregavam seus navios com as pessoas e seus bens e, simplesmente, partiam para outro. A frota ro-mana recém-construída, projetada para condições mediterrâneas, não tinha a robustez necessária para enfrentar as condições do Oceano Atlântico e ficava presa no porto. Os romanos, apesar de seu exército profissional, de seus sofisticados equipamentos de cerco e da nova frota, estavam enfrentando um impas-se e César foi forçado a fazer uma pausa até que sua frota pudesse se juntar a ele. Eventualmente, o mar agora estava calmo o suficiente para permitir que a frota romana velejasse, e encontrasse a marinha dos Veneti ao largo da costa da Bretanha.

O tamanho da frota romana não é relatado, mas consistia de galeras romanas, e dos navios for-necidos pelos aliados de Roma ao sul do Loire. A frota combinada dos Veneti e seus aliados totalizava 220 navios, embora alguns pudessem ter sido pouco maiores do que simples barcos de pesca. Os navios dos

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Veneti, projetados para mares revoltos, eram construídos de fortes vigas de carvalho, e muito resistentes para serem abalroados pelas galés romanas e muito altos na água para o uso eficaz de mísseis.

Sob o comando de Décimus Brutus (que mais tarde seria um dos assassinos de César), a frota romana havia preparado ganchos para prender os navios a vela gauleses e, em seguida, abordá-los. Tal como aconteceu com o famoso corvus, a ponte de abordagem usada contra a poderosa marinha cartaginesa na Primeira Guerra Púnica, os romanos usavam os ganchos para superar sua desvantagem na guerra naval, cortando o cordame dos navios gauleses e tornando-os impotentes, uma vez que eles dependiam inteiramente do poder das velas. Incapazes de contrariar esta nova tática, os Veneti decidi-ram se retirar, no momento em que o vento deixou de soprar. A “fortuna” favoreceu os romanos, que contavam com a energia dos remos, e as suas galés conseguiram entrar e apanhar os navios dos Veneti, vítimas da calmaria. Em um engajamento que durou desde a manhã até o pôr do sol, a maioria dos navios dos Veneti foi destruída.

Tendo perdido o seu poder naval, os Veneti já não podiam mais recuar; eles não tinham nada para protegê-los contra os romanos ou contra outras tribos gaulesas e britânicas e foram forçados a se render. Para servir de exemplo, César mandou executar os anciãos e vendeu o restante da população aos mercadores de escravos.

NORMANDIA E AQUITÂNIA

Sabinus derrotou facilmente uma coalizão dos Venelli, Curiosolites e Lexovii, quando eles carre-garam contra o acampamento que ele tinha organizado no topo de uma longa encosta. Eles estavam tão exaustos no momento em que chegaram ao acampamento que quando os romanos reagiram, eles foram facilmente derrotados. Todas as tribos envolvidas se renderam, colocando as regiões da Normandia mo-derna sob o controle romano.

Com pouco mais de uma legião e um destacamento de cavalaria, Públio Crassus teria uma tarefa mais dura contra as tribos da Aquitania, em razão do que ele levantou infantaria e cavalaria adicionais na Provence e marchou para o sul do Garonne e em direção aos Pirineus, repelindo um ataque dos Sontiates sobre a sua coluna de marcha.

Houve uma mais dura oposição pelos Vocates e Tarusates que tinham aliados espanhóis que ha-viam lutado ao lado do rebelde general romano Sertorius na década de 70 AC. Eles tinham se determinado a cortar as linhas de abastecimento de Crassus, uma estratégia que obrigou os romanos a buscar a batalha campal. Mas tendo aprendido o sucesso das táticas de guerrilha que Sertorius havia empregado contra os exércitos romanos na Espanha, os gauleses e as tribos espanholas recusaram a batalha e, em vez disso, passaram a bloquear as estradas e a cadeia de suprimentos romana, além de atacar a coluna de marcha de Crassus. Se ele quizesse obter um resultado a partir da campanha, Crassus teria de forçar um encontro; então, seu exército atacou o acampamento inimigo. O acampamento só tinha sido adequa-damente fortificado na frente, e quando ele soube disso, Crassus ordenou que seus reforços fizessem um círculo em volta e atacou a parte de trás do acampamento. O exército de cerca de 50.000 gauleses foi pego de surpresa e, completamente cercado, tentou romper o cerco e fugir, sendo perseguido por uma

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força da cavalaria de Crassus. Crassus informou a César que apenas cerca de 12.000 homens haviam es-capado do massacre, e que a maioria das tribos na área circundante havia se rendido. Esta foi uma vitória significativa, e Crasso foi bem sucedido em forçar a rendição de uma enorme área do sudoeste da Gália.

Mais para o final do verão, César virou-se contra os Morini e os Menapii na costa do canal inglês. Eles haviam apoiado as campanhas anteriores de César, quando as ações navais romanas tieram de ser confinadas ao Mediterrâneo, uma vez que suas trirremes não eram adequadas para operar nas marés do litoral atlântico e as campanhas atlânticas tiveram de ser detidas, até que as condições ou navios adequados estivessem disponíveis.

Os Veneti e aqueles, com isso, tiveram mais do que suficientes motivos para atacar, mas César, provavelmente, já considerando suas campanhas para o ano seguinte, entendia o que a situação exigiria no norte da Gália. No entanto, com o tempo pobre e as táticas de retirada em terras florestadas e panta-nosas empreendidas pelo inimigo, César decidiu que só seria capaz de devastar as terras agrícolas, em vez de enfrentar o inimigo, em razão do que ele retirou-se para o inverno. As legiões entraram em quartos de inverno nas terras entre o Loire e o Saone que pertenciam às tribos recentemente conquistadas, o seu castigo por terem resistido aos romanos.

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55 AC – UM TRUQUE DE PUBLICIDADE

As duas campanhas de 55 AC de César foram ditadas mais por eventos em Roma do que por necessidades militares na Gália. Seus dois aliados políticos mais próximos, os mesmos homens que foram seus maiores rivais, Pompeu e Crasso, eram cônsules em Roma. Como magistrados do Estado romano, seus stautus os habilitavam a aproveitar toda a publicidade e a compra de votos e presentes, grãos e ban-quetes públicos. Ciente da necessidade de permanecer sob as vistas do público, César decidiu reforçar a sua reputação por ser o primeiro romano a liderar um exército através do Reno na Alemanha e sobre o “oceano” em direção à misteriosa ilha da Bretanha.

Duas tribos alemãs, os Usipi e os Tencteri, tinham cruzado o Reno em busca de terra, depois de terem sido expulsos da sua própria pelos Suebi mais fortes, mas seguindo a política estabelecida em seu primeiro ano de mandato, César recusou-se a permitir-lhes que se estabelecessem na Gália. Com uma pequena força de 800 cavalarianos, essas tribos alemãs, em seguida, atacaram uma força da cavalaria romana (na verdade composta de gauleses) com cerca de 5.000 homens, matando 74. Em retaliação, César atacou seu acampamento, pegando-os de surpresa e os massacrando; quanto aos sobrevieventes, homens, mulheres e crianças, ele os dirigu para as proximidades do Reno. Embora tivesse havido, pro-vavelmente, nada mais que 430 mil vítimas, César afirmou que seria provável que dezenas de milhares foram mortos, sem nenhuma perda romana. A guerra romana era muitas vezes brutal, mas esta foi excessiva, e os inimigos de César em Roma ameaçaram processá-lo por crimes de guerra, uma vez que seu governo e sua imunidade contra processos de acompanhamento tinham chegado ao fim.

César, em seguida, decidiu atravessar o Reno para intimidar os alemães ainda mais, caso eles não estivessem aterrorizados o suficiente por seu massacre sobre os Usipi e Tencteri. Este, na verdade, foi um golpe de publicidade para ganhar prestígio tanto entre os alemães como entre seus colegas romanos. César decidiu construir uma ponte e marchar sobre o Reno, em vez de remar através dele. Em dez dias, suas tropas tinham construído uma ponte de madeira sobre estacas fincadas no leito do rio, após o que César marchou para a Germânia, onde queimou algumas aldeias vazias, e marchou de volta antes que o poderoso exército suevo pudesse se reunir, e destruiu a ponte. A primeira invasão romana da Alemanha durou 18 dias.

A expedição para a Bretanha foi tão breve quanto a para a Germânia. César cruzou o Canal no final da temporada de campanha, sob a justificativa de que a campanha se prestaria a dar às tribos britânicas a mesma assistência militar dada aos gauleses, mas tudo fora um mero pretexto. A expedição para a Bre-tanha não fora uma invasão; César levara com ele apenas duas legiões, a VII e a X, e a força de cavalaria nunca chegou atravessou o Canal, limitando assim as operações romanas. Não se sabe onde, em Kent, César desembarcou, mas a área era protegida por falésias, guarnecidas pelos britânicos que estavam à sua espera e, por isso, ele se deslocou sete milhas até uma costa onde uma praia se mostrava mais plana e mais aberta. Os britânicos tinham enviado sua cavalaria e bigas para se opor aos desembarques e em razão do calado dos navios, os legionários tiveram de desembarcar em águas profundas, mergulhados até a cintura e totalmente carregados com seus equipamentos individuais. Uma vez em terra, os legionários se esforçaram, sendo assediados pelos bárbaros aterrorizantes, com sua cavalaria e seus carros de

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guerra. Apesar do apoio de artilharia, os legionários estavam relutantes em deixar a segurança de seus navios. Eles foram inspirados a fazê-lo pelo exemplo dado pelo famoso portador de águia da Legião X, que saltou para o mar, incentivando os seus companheiros legionários a segui-lo, carregando o emblema para a batalha. Perder a águia da legião seria a desgraça final e os soldados da Legião X começaram a desembarcar. Uma vez que as naves de reconhecimento começaram a transportar mais legionários para a costa, a infantaria foi capaz de formar e forçar um desemnaque. Os britânicos fugiram, mas o fracasso da cavalaria em realizar a travessia resultou na incapacidade de os romanos realizarem uma batalha decisiva.

Nos dias seguintes, a força expedicionária romana não sofreu nada, só contratempos. Mais uma vez, a cavalaria não conseguiu fazer a travessia; as marés altas causaram sérios danos a um número de navios e transportes, e a pequena força romana não estava em condições de enfrentar o inverno na Bretanha, inadequadamente apoiada. Para coroar tudo isso, um destacamento da Legião VII foi emboscado quando fazia a colheita de grãos e, embora um grupo de resgate tivesse repelido os britânicos, isso só serviu para inspirá-los a reunir uma grande força para atacar os romanos aparentemente vulneráveis. Uma batalha campal de curta duração se seguiu em frente ao acampamento romano, superando qualquer popularidade que Pompeu e Crasso tivessem sido capazes de alcançar na capital.

54 AC - DE VOLTA À BRETANHA

Navios transporte adequados para as operações no canal inglês foram projetados e construídos durante o inverno e uma força composta de cinco legiões e 2.000 cavalarianos realizaram um desembar-que sem oposição, em Kent, em 54 AC. César deixou três legiões e mais 2.000 homens da cavalaria para manter o norte da Gália, e dado ao fato de ter ele levado consigo vários chefes gauleses não confiáveis para a Inglaterra, isto indicava que a Gália não estava totalmente pacificada. No entanto, o Exército ro-mano desembarcou e César, imediatamente, levou quatro das legiões e mais a cavalaria para encontrar os britânicos que haviam se reunido cerca de 12 milhas além. Os britânicos utilizaram táticas de “bater--e-correr” na maioria da campanha, com o que obtinha algum sucesso e dificultava o avanço de César. Mas o clima causou problemas e, novamente, os navios romanos foram danificados por uma tempestade. César foi obrigado a retornar para a sua cabeça-de-praia, fortificá-la de forma segura, e providenciar a reparação dos navios, antes de voltar a se encontrar com os britânicos. Estes, porém, haviam aproveitado este atraso romano para reunir um exército maior, sob a liderança de Cassivellaunus, rei da poderosa tribo dos Catuvellauni.

A mobilidade da infantaria e da cavalaria britânicas e, especialmente, das bigas, causou sérios problemas aos romanos, obrigando-os a permanecer em colunas de marcha cerradas, para não ficarem isolados e serem apanhados pelos bretões. Mas quando Cassivellaunus atacou um destacamento de for-rageamento, ele foi repelido e a resistência britânica foi seriamente esmagada. Os romanos cruzaram o rio Tâmisa, tendo como objetivo a capital dos Catuvellaunian, um forte de montanha rodeado por árvores, talvez na Wheathampstead de hoje, em Hertfordshire. A este ponto, várias tribos começaram a se render a César, oferecendo-lhe reféns e grãos. A vontade de César em aceitar estas oferendas encorajou outras

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tribos a capitular, o que propiciou que o forte bárbaro fosse facilmente atacado, em razão do que Cassi-vellaunus também solicitou termos de paz. Ansioso para se retirar da Bretanha antes que as tempestades equinociais desabassem, César concordou em aceitar os termos de paz, ao preço de reféns e de um tributo anual pago a Roma. A segunda expedição para a Grã-Bretanha tinha sido muito mais bem sucedida do que a primeira, e poderia realmente ser entendida como uma invasão. Tributos tinham sido exigidos das tribos e estas poderiam ser consideradas sujeitas à Roma. César não mais tinha necessidade de voltar para a ilha, além de que os eventos na Gália, de qualquer maneira, proibiriam novas incursões.

O inverno de 54/53 AC sofreu uma perturbação considerável na Gália, mostrando o quanto de superficial a conquista romana tinha sido. As más colheitas havidas em toda a província forçaram César a dividir suas legiões, quando estas seguiram para os acampamenots de inverno no nordeste da Gália, o que, provavelmente, aumentou o descontentamento entre as tribos, que foram forçadas a dividir a já escassa oferta de grãos com as legiões de ocupação. A dispersão das legiões proporcionou uma oportunidade ím-par aos gauleses, e dentro de duas semanas, os acampamentos de inverno já estavam sendo submetidos aos ataques coordenados dos bárbaros.

COTTA E SABINO

No mais distante dos campos de inverno do leste, ficava a base romana mais exposta, a de Cotta e, portanto, a mais vulnerável a um ataque.

Uma legião sem experiência e as coortes de Ave foram atacadas pelos Eburões sob o comando do seu líder dinâmico Ambiorix, que alegava que todo o norte da Gália estava em revolta e que mercenários alemães haviam cruzado o Reno para juntar-se a ele.

Ele prometeu um salvo-conduto aos Romanos se eles deixassem seus acampamentos. Tolamente, Sabino aceitou suas promessas e, apesar dos protestos de seus companheiros, ele levou sua força para fora da segurança do acampamento em uma formação inadequada para a situação tática, diretamente para uma emboscada que os gauleses tinham preparado em um vale com encostas escarpadas. As inex-perientes tropas, em pânico, mostraram-se incapazes de manter uma formação adequada no terreno que lhes negava qualquer oportunidade de manobrar. Os romanos foram aniquilados, Sabino ignominiosamen-te foi morto ao tentar parlamentar com Ambiorix, em quem ele ainda sentia que podia confiar. Os poucos que escaparam com vida, voltaram para o encampmento, onde eles se suicidaram durante a noite para evitar a captura.

QUINTUS CICERO

Quintus Cícero, o irmão do mais famoso orador de Roma, tinha uma legião acampada no terri-tório dos Nérvios. Encorajados pelo massacre da força de Sabino, os Aduatuci, os Nérvios e suas tribos dependentes atacaram o acampamento de Cícero, tentando vender-lhe a mesma história sobre a revolta geral e uma invasão alemã. Ao contrário de Sabino, Cícero recusou-se, terminantemente, a discutir os termos, reforçou as defesas do acampamento e tentou, freneticamente, entrar em contato com César.

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Sob a orientação de prisioneiros romanos, os Nérvios construíram uma muralha de circunvalação com valas e deslocaram torres de cerco até as fortificações romanas. Seguiram-se desesperazadas semanas em que a legião conteve, com sucesso os ataques que continuaram de dia e de noite. As tropas de Cícero se recusaram a sair das muralhas, mesmo quando suas barracas foram incendiadas e suas possessões estavam queimando, mas os feridos estavam aumentando muito. Até aquele momento, sem o socorro de César, a legião de Cícero já tinha sofrido 90 % de baixas.

Quando Cícero fez finalmente chegar uma mensagem a César, este agiu imediatamente, desdobrou suas legiões e apressou-se em marcha forçada para o território nerviano, cobrindo até 20 milhas por dia. Embora tivesse apenas duas legiões e uma pequena força de cavalaria, César destruiu um exército dos Nervios de 60.000 homens, que abandonou o cerco do acampamento de Cícero para alívio de suas tropas. A resistência obstinada de Cícero e a bravura excepcional dos seus oficiais ganharam elogios da parte de César.

53 AC

Após o desastroso inverno de 54 AC, as campanhas da temporada concentraram-se em restabe-lecer a superioridade militar romana no nordeste da Gália. César recrutou mais duas legiões e emprestou uma de Pompeu, elevando o total de suas legiões para 10 (40,000 a 50,000 legionários). O tamanho do exército, agora, permitia que fosem conduzidas operações, quase sempre, simultaneamente, contra as numerosas tribos que, ou haviam se envolvido em revoltas no inverno, ou que César não confiava. No final da campanha a maioria das legiões foi aquartelada em conjunto sobre o território dos Senones; as 4 legiões remanescentes foram aquarteladas em pares no território dos Treveri e do Lingones, para evitar a repetição de ataques do inverno anterior.

Antes da temporada de campanha ter propriamente começado, César lançou um ataque surpresa, concentrando-se em destruir propriedades e a capturar prisioneiros e gado. Os Nérvios foram rapida-mente forçados a se render e as legiões voltaram para os quartéis de inverno.

No início da primavera, César marchou, repentinamente, sobre os Senones, tomando-os antes que eles fossem capazes de retirar-se para sua cidade fortificada ou oppidum. Com o seu povo e seus suprimentos vulneráveis, eles não tiveram outra alternativa senão a de se render. César, então, marchou para o delta do rio Reno, com 7 legiões. As táticas usadas pelos Menapian foram as de se retirarem para os pântanos, mas os romanos construíram calçadas para permitir-lhes o acesso à área, então, destruí-ram todos os seus bens, capturaram seu gado e fizeram prisioneiros à medida que avançavam. Com sua riqueza destruída, os Menapian foram forçados a se render.

Os Treveri ainda estavam se assentando após o inverno e estavam aguardando os reforços pro-metidos pelos germânicos, antes de atacar Labieno, que estava acampado com 25 coortes de legionários e uma grande força de cavalaria. Para derrotar os Treveri antes que a ajuda chegasse, Labieno decidiu atraí-los, levando-os a um terreno que seria muito desfavorável para eles.

Para tanto, Labieno fingiu estar se retirando e os Treveri carregaram sobre uma margem muito íngreme para poderem cair sobre os romanos. Estes formaram sua linha de batalha e os Treveri, desor-

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denados e sem fôlego, dado à sua carga em subida, foram vencidos poucos minutos após o começar da batalha; A poderosa força de cavalaria Labieno esmagou aqueles que se puseram em fuga. A ajuda dos germânicos nunca se aproximou da tribo dos Treveri que, então, se renderam.

Pela segunda vez César cruzou o Reno e marchou para a Germânia, para punir as tribos pelo envio de ajuda para os gauleses e desencorajá-los de o fazê-lo novamente. Mas os problemas de abastecimento limitaram o alcance das operações, e César preferiu arriscar-se numa batalha contra os poderosos Suebi para que eles se retirassem.

Nas Ardenas duas colunas de 3 legiões cada invadiram grande parte da região da Bélgica moderna, destruindo propriedades e capturando prisioneiros. A queima de culturas ameaçou os gauleses com a fome e muitas tribos, incluindo os Eburões, que se renderam.

No espaço de um ano, o norte da Gália foi totalmente reduzido por meio de incursões punitivas viciosas que visavam destruir a propriedade e a riqueza das tribos

52 AC, A GRANDE REVOLTA

No inverno de 53/52 AC a revolta geral que vinha sendo ameaçada entrou em erupção, talvez

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porque as tribos tivessem percebido que uma resistência coordenada poderia revelar-se eficaz contra os romanos, e, possivelmente, porque um conselho tribal que César promovera no ano anterior indicou que a Gália estava, agora, sendo tratada como uma província de Roma. Aproveitando-se do retorno de César para o norte da Gália e da agitação política e das incertezas em Roma causadas pela morte do político popular Publius Clodius, os gauleses começaram a planejar sua campanha. Entre as tribos principais, a chamada para a revolta foi feita pelos Carnutes, cujo território incluía uma terra consagrada suposta-mente localizada no centro da Gália, onde os druidas se reuniam, anualmente, para resolver as disputas entre os gauleses. Este espaço sagrado estava, agora, sendo ameaçada pelo avanço dos romanos e era de interesse de todos os gauleses, o encorajamento de modo a deixar de lado suas diferenças anteriores.

O massacre dos assentamentos romanos na cidade de Cenabum (Orleans) sinalizou o início da revolta e possibilitou que um jovem e carismático Arverniano, Vercingetorix, construísse uma coalizão das tribos gaulesas em torno de sua própria liderança. César, que tinha estado na Itália, reagiu rapi-damente para tentar impedir que toda a Gália entrasse em revolta, e correu para Provence com uma pequena força. Tendo organizado a defesa do território romano, César, então, marchou através do Maciço Central e passou a utilizar Agedincum como sua base, a fim de ameaçar o território arverniano e forçar Vercingetorix a abandonar um ataque sobre Gorgobina, a capital dos Boii que ainda eram aliados de César.

A rota romana foi desviada a fim de capturar várias oppida (as cidades de Vellaunodunum, Ce-nabum, e Noviodunum), em parte para espalhar o terror, mas talvez o mais importante, para capturar suprimentos de grãos e forragens. Como ainda era inverno, não havia forragem disponível e o Exército romano encontrou dificuldades para se abastecer. Os gauleses perceberam isso e estratégia estabele-cida por Vercingetorix foi a de, ao invés de engajar-se plenamente com os romanos, apenas atacar os destacamentos de forrageamento e os trens de abastecimento.

Os gauleses cortaram todas as fontes de alimentos dos romanos mediante a retirada da popu-lação e dos suprimentos para uma oppida mais forte e pela adoção de uma política de terra queimada — abandonando todas as outras oppida. Vercingetorix não queria defender a oppidum de Avaricum (Bour-ges), apesar de suas fortes defesas, mas foi persuadido a fazê-lo pelos Bituriges. César, imediatamente, investiu sobre ela.

AVARICUM

A oppidum era praticamente circundada por um rio e por pântanos, mas César entrincheirou-se onde havia uma brecha nas defesas naturais e construíu uma muralha de cerco feita com terra e madeira, com 330 pés de largura e 80 pés de altura. Apesar do frio, da chuva, e das sortidas e das tentativas dos gauleses para minar e atear fogo à muralha, ela foi concluída em apenas 25 dias. Acampado com uma grande força fora da oppidum, Vercingetorix, sem sucesso, tentou atacar os destacamentos de forra-geamento romanos e quis abandonar a defesa de Avaricum antes dela ser capturada. Ele foi incapaz de persuadir aqueles cujas casas lá possuíam, pois eles estavam confiantes na força de suas defesas.

Sob a cobertura de uma tempestade, quando as sentinelas gaulesas estavam menos vigilantes, César ordenou que as torres de cerco demandassem suas posições, para que as suas tropas atacassem

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as muralhas dos inimigos. Os gauleses, bravamente, mas em vão, defenderam a violação romana, ocasião em que a artilharia romana mostrou sua eficácia, abrindo uma entrada para os legionários que então tomaram posse do circuito de muralhas, sem arriscar um luta de rua, descendo direto para a cidade. Uma vez que a posse da cidade foi garantida, os soldados romanos viraram de um ataque disciplinado para o estupro e a pilhagem. Não houve prisioneiros e César afirma que 40.000 gauleses morreram.

VercingetorixEra um jovem e ambicioso nobre da tribo Arvernian cujo pai tinha sido executado por tentar tornar-se rei, razão pela qual Vercingetorix foi expulso da tribo por seu tio e outros líderes tribais. Eles se opuseram à sua tentativa de aumentar a rebelião, mas ele foi, no entanto, capaz de levantar uma força e assumir o controle da Arvemi e, em seguida, ter sucesso onde nenhum outro líder gaulês teve, forjando um exérci-to sob a sua liderança única para resistir à Roma. Sua autoridade foi tão grande que ele foi capaz de manter a moral gaulesa, mesmo depois de um par de reveses.

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ARTILHARIA

As catapultas (balistas e scorpions) eram uma arma importante no arsenal do Exército romano e foram o equivalente antigo aos canhões e às metralhadoras. A artilharia de torção tinha sido inventado pelos gregos no século 4 AC e foi desenvolvida durante o período helenístico posterior. No final do primei-ro século AC as máquinas disponíveis eram ao mesmo tempo sofisticadas e altamente eficazes na guerra. Havia dois tipos básicos de catapultas, as balistas, que atiravam pedras, e o scorpion, que disparava flechas, semelhantente às bestas de mais tarde. As catapultas eram energizadas por rolos de corda ou tendões, que poderiam ser reforçados com uma catraca, e quando a energia armazenada era liberada, o míssil poderia ser projetada com incríveis velocidade e ruído.

Arquitetos especializados e engenheiros eram integrados aos exércitos romanos para construir e manter essas máquinas, mas em campanha as máquinas eram operadas pelos soldados. Além do grande “poder de fogo” que tais catapultas aseguravam aos exércitos romanos, a presença destas máquinas de guerra no campo de batalha ou ante a uma cidade sitiada exercia uma enorme pressão psicológica sobre o inimigo. Os exércitos e as comunidades gaulesas não utilizavam tais máquinas complexas, e ter que enfrentar um scorpion no campo de batalha com seu ferrão vicioso não era algo bom de ser saboreado, e a própria perspectiva da existência dessas máquinas já devia colocar os gauleses em desvantagem. A artilharia montada em barcos foi utilizada, junto com lançadores e arqueiros, para fornecer fogo de cobertura para os desembarques na Bretanha em 54 AC; César diz que os britânicos ficaram nervosos com as máquinas, já que eles nunca tinham visto nada parecido antes, e isso ajudou a conduzi-los para longe das praias.

Apesar de sua superioridade tecnológica, porém, nem todas as catapultas eram adequadas para a guerra gálica. Ambos os tipos de catapultas utilizadas pelos exércitos romanos eram, essencialmente, dispositivos anti-pessoal. Embora a maior das máquinas, as balistas, pudessem lançar pedras de forma a causar algum dano nas fortificações de pedra, elas não eram utilizadas, principalmente, para derrubar paredes à distãncia, sendo este o trabalho dos aríetes e das minas. Elas teriam tido pouco impacto contra as muralhas de terra das oppida, ou “murus Gallicus”, uma combinação de terra, madeira e pedra usada nas muralhas fortificadas de algumas oppida. As balistas também eram grandes e de deslocamento lento, e em face da velocidade com que César freqüentemente operava, e da natureza da maior parte da guerra de cerco que ele encontrou, essas catapultas maiores, provavelmente, não foram utilizadas.

Os scorpions, no entanto, eram muito mais móveis e podiam ser usados tanto na guerra aberta como nos sítios, criando uma concentração de mísseis disparada contra o exército inimigo nas fases de abertura de uma batalha campal, por exemplo. Em preparação para uma possível batalha campal contra os Belgas, César ordenou a construção de trincheiras para proteger sua linha de batalha e impedir as manobras de fanco pelo inimigo. No final de cada trincheira era cavado um reduto em que era posicionada a artilharia. Quando a batalha tinha lugar, os scorpions dos redutos garantiam uma proteção considerável para os flancos do Exército romano. Anos mais tarde, em operações de limpeza em 51 AC, César posicio-nou sua linha de batalha para enfrentar os Bellovaci, de maneira que a sua linha de batalha ficasse dentro

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do alcance do apoio da artilharia romana. Enquanto uma saraivada de pila pudesse ser visível e os guer-

A artilharia roman: balista e scorpion (a esquerda)

reiros gauleses soubessem o que esperar, as “rajadas” dos scorpions eram rápidas, silenciosas, e mor-tais. Ser morto por um disparo de scorpion não seria tão glorioso quanto ser morto por um guerreiro inimigo ou soldado em batalha aberta. Em nenhum dos casos, no entanto, os gauleses aceitavam a batalha campal: César tinha, então, ponderado a seu favor as probabilidades do uso da topografia e da localização da artilharia em um combate que os gauleses se recusavam a participar. Eles foram, sem dúvida, bravos guerreiros, mas eles não eram tão estúpidos a ponto de sacrificar suas vidas.

A maioria dos acampamentos romanos teria sido defendida pela artilharia e é surpreendente que César não menciona que ela tenha tido qualquer papel na defesa do acampamento de inverno de Quintus Cícero, que ficou sob um ataque gaulês sustentado no inverno de 54 AC. É improvável que os quartéis de inverno de Cícero não tivessem sido equipados com scorpions posicionados nos portões e torres das fortificações, algo que era exigido por ocasião do segundo século DC, conforme os livros romanos sobre a fortificação dos acampamentos. Tal artilharia deveria ter sido especialmente útil, quando a força legio-nária que defendesse o acampamento tivesse empobrecida pelas mortes e ferimentos que César relata. Parece ter sido a artilharia que fez a diferença alguns anos mais tarde, quando um acampamento romano pouco guarnecido na Gergovia foi atacado pelos gauleses: as máquinas puderam disparar várias “rajadas” de um minuto exigindo um mínimo de esforço físico, muito menor do que o despendido para arremessar os javelins, ou se lançar contra o inimigo armado com lanças. Além disso, quando usado por operadores qualificados, os scorpions poderiam ser mortalmente precisos.

A precisão dos scorpions fica melhor ilustrada através do seu papel na guerra de cerco romana. Cuidadosamente posicinada, a artilharia poderia manter os defensores afastados das muralhas, enquanto

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outros soldados romanos operavam os aríetes, e escalavam as muralhas com escadas ou, ainda, realiza-vam operações para minar a parte inferior da muralhas. Em Avaricum eles forneceram alguma proteção para os legionários que construíam a enorme muralha de cerco, pelo menos até quando os gauleses sitiados realizaram sortidas em massa. Mas eles foram ineficazes para evitar que os gauleses tentassem atear fogo à muralha. Os gauleses que estavam jogando o material incendiário na muralha foram mortos por um scorpion mas, em seguida, outros tomaram o seu lugar. César diz que continuou sacrificando-se na tentativa de disparar o scorpion até que o fogo acabasse e os gauleses desistissem do intento. Um scorpion deve ter sido treinado em um determinado ponto e foi capaz de disparar mísseis precisos, uns após outros. A artilharia precisa também ajudou a acabar com o último cerco da conquista, em Uxellodu-num em 51 AC. Os scorpions posicionados nas torres impediram que os gauleses acessassem o seu único ponto de abastecimento de água, ainda que eles, realmente, não tivessem se rendido até a primavera, alimentando-se de um fornecimento que foi diversionado.

A COALIZÃO GAULESA

Apesar do revés em Avaricum, Vercingetorix teve autoridade para manter a coalizão gaulesa, que foi reforçada pela revolta dos Éduos. Alguns Éduos permanecram leais e César continuou a comandar a cavalaria édua, mas isso causou mais um golpe para suas linhas de abastecimento já precárias, embora a captura de suprimentos em Avaricum tivesse ajudado. Agora, a temporada de campanha tinha começado e as forragens estavam se tornando disponíveis no campo aberto, César, então, ordenou a Labieno que, com quatro legiões e sua cavalaria, esmagasse os Parisii e os Senones, enquanto ele marchava com as 6 legiões restantes para baixo de Allier em direção à Gergovia. Diferentemente de Avaricum, quando Ver-cingetorix não teve a intenção de se defender, nesta oppida ele tinha a intenção de realizar uma defensiva, provavelmente não só porque ela era altamente fortificada, como também, talvez, por ser ela a fortaleza de colina de sua própria tribo, os Arvernos.

GERGOVIA

O terreno extremamente montanhoso dominou a campanha da Gergóvia Como de costume, os romanos, ao chegarem na região, ocuparam um acampamento entrincheirado e, em seguida, capturaram uma alta colina que dominava o principal abastecimento de água dos bárbaros, bem em frente à oppidum. César também abriu um acampamento menor próximo e entrelaçou os dois campos com uma vasta vala. Isto lhe permitia deslocar suas forças ao redor do inimigo, sem sofrer a interferência da cavalaria bár-bara.

O passo seguinte seria capturar outro monte muito mais perto da fortaleza inimiga e que, na verdade, estava ligada à oppidum. Os gauleses não estavam patrulhando a área corretamente e os legio-nários foram capazes de realizar seu intento sem muita dificuldade, atravessando uma parede de seis pés construída para evitar tal ação. Em seus comentários, Júlio César afirma que ele só tinha a intenção de tomar esta colina e, em seguida, parar a ação. Ou os soldados não conseguiram ouvir a sua chamada

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de volta, que ele alegou ter soado, e desobedeceram a ordens, ou ele tinha realmente a intenção de lançar um ataque contra a própria oppidum se esta primeira fase fosse bem sucedida. Seja qual for a verdade, os romanos realizaram um ataque direto contra as defesas de Gergovia, quando se viu o entusiasmo dos centuriões em serem os primeiros a atacarem as muralhas dos defensores, mas que estavam em grande vantagem numérica. Como resultado, os romanos foram rechaçados; 700 homens foram mortos, incluindo 46 centuriões. César culpou seus homens pela derrota e ele poderia ter sido mais claro ao relatar suas intenções em seus Comentários do que, simplesmente, colocar a culpa em seus legionários pelo sério revés sofrido.

A retirada forçada de César da Gergovia deve ter aumentado bastante a reputação de Vercinge-torix e incentivou mais tribos a se juntarem à revolta. Ele continuou a atacar as linhas de abastecimento romanas e a chamar reforços. Os romanos, também, obtiveram reforços dos germânicos que provaram serem eficazes nos embates com a cavalaria dos gauleses que atacavam as colunas de marcha romanas. A próxima oppidum que Vercingetorix decidiu defender foi Alesia, no território dos Mandubii e, após a vitória em Gergovia, ele deveria se encontrar confiante no sucesso.

ALESIA

Localizada cerca de 30 milhas a noroeste da moderna Dijon, Alesia era um grande forte de colina, sobre um platô em forma de losango, protegido por encostas íngremes e rios nos dois lados. Havia uma planície em uma extremidade e na outra, no extremo leste, estava acampado o exército gaulês.

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Ficou claro que um assalto sobre Alesia estava fora de cogitação, particularmente depois do ocor-rido em Gergovia, por isso os romanos preferiram sitiá-la. Esta era.sem dúvida, a intenção de Vercinge-torix, pois ele se permitiu ser encurralado em Alesia e ordenou que um exército de socorro fosse reunido com toda a velocidade possível. A intenção dele era apanhar o Exército romano em um movimento de pinça com ataques simultâneos por parte da tropa sitiada, sob o comando de Vercingetorix, e um exército de socorro que, segundo afirmado por César (???) era de quase 250.000 homens. As obras de cerco romanas em Alesia foram extraordinárias em sua dimensão e complexidade.

O sítio de AlesiaDepois de cavar um fosso profundo na planície para evitar ataques de cavalaria sobre os grupos

de trabalho, os romanos construíram uma muralha com paliçada e torres em intervalos regulares, e uma vala dupla, uma enchida com a água desviada dos rios, sempre que possível; 7 acampamentos e 23 redutos foram adicionados em pontos estratégicos. Esta linha de cerco cobria um perímetro de 11 milhas. Mas César não estava feliz, mesmo com este formidável sistema de defesa, e mandou construir linhas de armadilhas por várias jardas na frente das trincheiras. Estas linhas eram compostas de estacas afiadas, então cobertas por plantas e, finalmente, fileiras de estacas de madeira com pontas de ferro presas nelas.

Uma vez concluido este circuito, César mandou construir uma outra linha idêntica fora da primei-ra, com 14 milhas de circunferência, para proteger os sitiantes do exército de socorro a Vercingetorix. O sistema inteiro levou cerca de um mês para ser construído. As investigações arqueológicas indicam que as fortificações não foram tão completas quanto César sugere em seus Comentários. Pode ter havido

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brechas nas linhas, especialmente onde o terreno fornecia uma proteção natural, mas os sistemas se mantiveram firmes ante os ataques concertados por ambos os exércitos gauleses, mesmo quando eles utilizaram materiais de ponte para atravessar as defesas exteriores e as valas.

Em última análise, contudo, os romanos não tiveram que passar fome como os defensores de Ale-sia, e não foram feitas tentativas para assaltar o oppidum. Os violentos ataques coordenados por ambas as forças gaulesas sobre as obras de cerco romano não surtiram nenhum efeito e, embora as linhas tivessem ficado sob enorme pressão em um determinado ataque, os reforços aos romanos chegaram a tempo e os gauleses foram repelidos. Tornou-se claro que as extraordinárias defesas que o Exército romano tinha construído não sofreram pausa nos seus assédios e que o fracasso da revolta deveu-se, inevitavelmente, à fome daqueles homens e mulheres sitiados em Alesia. O exército de socorro foi dis-solvido e Vercingetorix se rendeu. César distribuíu a maioria dos prisioneiros entre seus homens, em vez de promover um butim. Vercingetorix foi mantido preso a fim de ser apresentado, seis anos depois, na procissão triunfal de César em Roma, após o que ele foi estrangulado em um ritual.

A rendição de Vercingetorix“O líder Vercingetorix vestiu a sua melhor armadura e equipou seu cavalo magnificamente e, em seguida, saiu para fora do portão.Depois de andar várias vezes ao redor de César, que estava sentado sobre um estrado, ele então desmontou, tirou a armadura e a colocou aos pés de César, permanecendo em silêncio até que César ordenou à guarda para levá-lo embora e mantê-lo para seu Triunfo. “ (Plutarco, Vida de Júlio César)

51-50 AC, OPERAÇÃO DE LIMPEZA

As legiões foram distribuídas por toda a Gália durante o inverno para manter as tribos derrotadas, e para proteger os Remi, os únicos que tinham se mantido fiéis em seu apoio a Roma. Os últimos anos da campanha de César na Gália envolveram incursões terroristas em meados do inverno contra os Bituriges e Carnutes e, uma vez que a primavera tinha começado, as forças romanas foram enviadas para esmagar todos os remanescentes da rebelião entre as tribos dos Belgas, Bellovaci, Eburões, Treveri e Carnutes. A única séria resistência remanescente houve no sudoeste da Gália, onde dois homens, Drappes (um Se-nonian que era, no entanto, capaz de exercer influência entre as outras tribos) e Lucterius (um Cadurcan local), assumiram a oppidum de Uxellodunum, que foi extremamente bem fortificada.

UXELLODUNUM

Com apenas duas legiões, o general Caninio investiu sobre a oppidiim, construindo, primeiro, três acampamentos em pontos estratégicos e começando sua circunvalação. Drappes e Lucterius não sabiam, claramente, o que poderia acontecer, porque saíram para coletar suprimentos, foram interceptados por

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Caninio, e Drappes foi capturado. Os reforços romanos chegaram durante o cerco, e César participou pessoalmente para o esmagamento final da revolta.

Apesar do desastre que se abateu sobre o destacamento de forrageamento de Drappes, Uxellodu-num encontrava-se muito bem abastecida e as forças sitiadas não eram tão numerosas quanto aquelas em Alesia, no ano anterior. Potencialmente, o cerco poderia ter se estendido por algum tempo, mas César fez questão de tomar a cidade rapidamente para servir como exemplo e, assim, atacou o abastecimento de água.

Como muitas da oppida gaulesas, Uxellodunum era dependente de uma fonte de água externa e a artilharia romana foi posicionada para cortar o acesso dos defensores aos rios, ficando apenas uma nascente de onde a água poderia ser obtida. Os romanos, então, construíram uma enorme rampa de cerco e uma torre para dominar o movimento das pessoas que recolhiam água e, secretamente, cavaram túneis em direção a ela. Partes dos túneis foram descobertos por arqueólogos no Século XIX. Os gauleses realizaram uma tentativa de destruir a rampa de cerco, rolando barris com fogo sobre o dispositivo de madeira, mas este ataque diversionista foi repelido e os soldados romanos foram capazes de extinguir os dispositivos incendiários antes que sérios danos ocorressem. Finalmente, os túneis romanos chegaram à fonte e os gauleses, ignorantes do que tinha feito secar a sua fonte, interpretaram o fato com um sinal divino e se renderam. Em vez de massacrar os defensores, César cortou-lhes as mãos e os libertou, para servirem como exemplo do castigo imposto àqueles que resistissem a Roma. Então a Gália foi conquistada, ou pelo menos as tribos tinham todos se rendido ao poder romano.

CommiusUm dos líderes da rebelião gaulesa foi Commius, chefe dos gauleses Atrebates e um aliado precoce de César. Ele viajou para a Bretanha antes da expedição de 55 AC para reunir informações para os roma-nos, e sua recompensa foi o controle sobre os Morini vizinhos e a isen-ção de impostos para os Atrebates; mas mesmo assim, eles ainda se juntaram Vercingetorix. Commius foi um dos comandantes do exército de socorro na Alesia e, em 51 AC ele despertou ainda mais a revolta entre os Bellovaci. Labieno tentou assassiná-lo durante uma negocia-ção, mas Commius escapou e depois fugiu para a Bretanha, onde ele foi capaz de estabelecer-se como rei dos Atrebates britânico.

As legiões foram aquarteladas em toda a Gália durante o inverno e, virtualmente, nenhuma cam-panha teve lugar no ano seguinte, porque a província estava em grande parte em paz, e César já tinha virado a sua atenção de volta para Roma. A guerra civil estava se tornando inevitável e César seria um de seus protagonistas.

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As “regras da guerra ‘

Quando a oppidum gaulesa dos Aduatuci estava sendo sitiada pelos romanos, os líderes tribais mandaram enviados solicitando paz. César respondeu que ele seria misericordioso e pouparia a tribo, “desde que eles se rendessem antes que o aríete batesse contra a muralha da oppidum”.Na Antiguidade, não havia regras estabelecidas sobre o tratamento dos derrotados na guerra. O antigo costume dava ao vencedor poder absoluto sobre o derrotado, mesmo se eles se rendessem volunta-riamente ou fossem forçados a se submeter. Nos povos derrotados, ambos os combatentes e não-combatentes poderiam ser executados, vendidos como escravo ou mesmo libertados, e o tratamento era to-talmente dependente da decisão do comandante vitorioso. Os cativos importantes, os de elevado status social ou político, poderiam ser tra-tados melhor do que as pessoas comuns, mas eles também podiam ser executados para servirem de exemplo para os demais.Dar um exemplo era um dos principais fatores para se decidir sonre o destino do derrotado, e ligados com ele estavam os objetivos glo-bais do conquistador. A dificuldade da campanha ou da batalha poderia também afetar como o vencedor trataria os conquistados, juntamente com o fato de o lado perdedor ter cometido atrocidades durante o curso da guerra.O massacre de civis em Avaricum foi tão brutal, diz-nos César, porque o cerco tinha sido muito duro e os soldados romanos queriam vingar o massacre de civis romanos em Cenabum.Pouco se sabe sobre tratamento gaulês imposto aos prisioneiros ro-manos. César dá uma descrição gráfica da imolação de guerreiros capturados pelos gauleses como um sacrifício para o seu deus da guerra Esus, mas não informa se isso aconteceu a qualquer cativo romano.

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ANEXO DAS GUERRAS CIVIS ROMANAS

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AS GUERRAS CIVIS ROMANAS

Houve várias guerras civis romanas especialmente durante a República tardia. A mais famosa delas foi a guerra civil do início dos anos 40 a.C. entre Júlio César e a facção optimate da elite senatorial, inicialmente liderada por Pompeu e a subsequente guerra en-tre os sucessores de César, Otaviano e Marco Antônio no final dos anos 30 a.C. Segue-se uma lista das guerras civis em Roma.

=> Crise da República Romana - um longo período de instabilidade política e so-cial interna entre 134 a.C. e 27 a.C., que culminou com o fim da República Romana.

=> Guerra Social (91–88 a.C.), entre romanos e outros povos itálicos - Vitória dos Romanos.

=> Primeira Guerra Civil de Sula, também chamada de Primeira Guerra Civil da República de Roma (88-87 a.C.), entre os apoiantes de Lúcio Cornélio Sula e as forças de Caio Mário, com vitória deste.

=> Guerra Sertoriana (83-72 a.C.), entre Roma e a província de Hispânia sob a liderança de Sertório, um apoiador de Caio Mário - Vitória de Sula.

=> Segunda Guerra Civil de Sula (82-81 a.C.), entre Sula e Mário, com vitória de Sula.

=> Rebelião de Lépido (77 a.C.), quando Lépido se rebelou contra o governo de Sula.

=> Conspiração de Catilina (63-62 a.C.), entre o senado e os seguidores descon-tentes de Catilina - Vitória do senado.

=> Segunda Guerra Civil da República de Roma, também chamada de Guerra Ci-vil Cesariana (49-45 a.C.), entre Júlio César e os Optimates (republicanos convervadores) inicialmente liderada por Pompeu, com vitória de Júlio César.

=> Guerra Civil Pós-César (44 a.C.), entre o exército do senado (liderado primeiro por Cícero e depois Otaviano), e o exército de Marco Antônio, Lépido e seus colegas - O resultado foi a trégua na união de forças.

=> Terceira Guerra Civil da República de Roma (44-42 a.C.), foi uma guerra iniciada pelo segundo triunvirato para vingar o assassinato de Júlio César por Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino que haviam tomado as províncias orientais romanas. Ambos come-teram suicídio após cada um perder as batalhas em Filipos.

=> Revolta siciliana (44-36 a.C.), entre o segundo triunvirato (particularmente Ota-viano e Agripa) e Sexto Pompeu, filho de Pompeu - Vitória do Triunvirato.

=> Guerra de Perúsia (41-40 a.C.), entre as forças de Otaviano contra Lúcio Antô-nio e Fúlvia (o jovem irmão e a mulher de Marco Antônio) - Vitória de Otaviano.

=> Última Guerra Civil da República Romana (32-30 a.C.), entre Otaviano e seu amigo Agripa contra Marco Antônio e Cleópatra - Vitória de Otaviano

SEGUNDA GUERRA CIVIL DA REPÚBLICA DE ROMA

A Segunda Guerra Civil da República de Roma, também conhecida como Guerra Civil Cesariana, foi um conflito militar ocorrido entre 49 a.C. e 45 a.C.. Foi o confronto pessoal de Júlio César contra a facção tradicionalista e conservadora do senado, liderada militarmente por Pompeu Magno. A guerra terminou com a derrota da facção tradicionalis-ta e a ascensão definitiva de César ao poder absoluto como ditador romano.

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Cenário da Segunda Guerra Civil da República romana

A crescente popularidade de César entre a plebe e o aumento do seu poder depois dos seus sucessos na Gália, fez com que os seus inimigos, influenciados por Catão o Jovem, tentaram destruí-lo politicamente. Assim, tentaram arrebatar-lhe o cargo de gover-nador da Gália, para posteriormente julgá-lo, desencadeando uma grave crise política que inundaria de violência política as ruas de Roma.

Em 50 a.C., o senado aprovou uma moção para que César deixasse o seu cargo de governador. Marco Antônio, com o poder de tribuno da plebe, vetou a proposta. Após esta votação, teve início uma violenta perseguição a César e a seus partidários, patrocinada pela facção conservadora. Antônio havia deixado Roma diante do risco de ser assassina-do. Sem a oposição do senado, Antônio declarou estado de emergência e concedeu po-deres excepcionais a Pompeu. César respondeu com a famosa cruzada com suas tropas, atravessando o rio Rubicão, em direção à Itália, assim deu-se início a guerra civil.

César cruzou rapidamente a Itália e surpreendeu os constitucionalistas e pompea-nos, que por falta de preparação de suas tropas, abandonaram Roma e foram para Brin-disi, no sul da Itália, de onde embarcariam para a Grécia, a fim de aumentar suas forças militares. César perseguiu Pompeu mas não logrou alcançá-lo, conseguindo este último cruzar o Adriático com o seu exército e dezenas de senadores. Em menos de um mês, César chegou à Hispânia, onde derrotou as legiões fiéis à Pompeu na batalha de Ilerda. Após esta vitória, César voltou à Itália através do Adriático e para fazer frente a Pompeu na Grécia. Depois de ser derrotado na Batalha de Dyrrhachium, César enfrentou Pompeu na batalha de Farsália, conseguindo uma esmagadora vitória. Pompeu fugiu para o Egito, onde tentou encontrar aliados, porém foi assassinado. Mais tarde, César derrotou Marco Pórcio Catão Uticense, em Tapso e, finalmente, os filhos de Pompeu, na Hispânia, na

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Batalha de Munda.

AntecedentesEm meados do século I a.C. (século VIII ab urbe condita), após derrotar Cartago nas

Guerras Púnicas e a destruir a cidade (146 a.C.), bem como da conquista da Macedônia e dos restos do Império Selêucida, e da submissão do Egito lágida à clientela romana, Roma era a maior potência da área mediterrânea. Contudo, a contínua expansão e conquista, o crescimento demográfico e econômico e a crise do modelo de Estado fragmentaram a sociedade romana, aumentando enormemente a polarização social.

O senado dividiu-se com a aparição de duas facções: os populares que represen-tavam a facção reformista que apostava por expandir a cidadania aos novos súditos de Roma e dotar de uma maior democratização às instituições mediante o acréscimo do poder das assembleias; e os optimates, facção aristocrática conservadora que desejava limitar o poder das assembleias populares e aumentar o poder do senado. Em 91 a.C., es-tourou a Guerra Italiana ou Guerra Mársica entre os aliados de Roma e a própria república numa tentativa por conseguir mais direitos para os Itálicos não cidadãos romanos.

Durante a década de 80 a.C., a divisão chegou ao seu apogeu com as rivalidades, os desacordos e o confronto pessoal entre Caio Mário e Lúcio Cornélio Sula por comandar a guerra contra Mitrídates VI do Ponto. Quando Mário conseguiu através da assembleia da plebe despojar Sula de seu comando (que fora outorgado pelo senado), este deu um golpe de Estado, marchando com o seu exército para Roma.

Foi a primeira vez na história que um cidadão romano marchava contra Roma no comando das suas legiões, quebrantando a legalidade republicana e criando um perigoso precedente para a posteridade. Sula deixou Roma por um cônsul popular e outro optimate, e marchou a livrar a Primeira Guerra Mitridática. Entretanto, Mário e os seus partidários populares retornaram e realizaram uma sangrenta repressão, instaurando um regime au-tocrático anticonstitucional que, após a morte de Mário, recaiu em Lúcio Cornélio Cinna.

Em 83 a.C., Sula retornou para Itália, derrotou os populares e fez-se nomear dita-dor, efetuando uma purga para acabar com os populares. César, sobrinho de Caio Mário e genro de Cinna, salvou-se de ser banido devido à sua condição de Flamen Dialis (alto sa-cerdote de Júpiter) e os laços familiares da sua mãe, pertencente à família Júlia. Sula quis em vão obrigá-la a se divorciar de Cornélia, a filha de Cinna. Revogada a sua condição sa-cerdotal, César partiu para Oriente, onde se iniciara uma nova guerra contra Mitrídates VI.

Após a morte de Sula, César regressou para Roma e ingressou no senado. Em 65 a.C. e em 63 a.C., tiveram lugar as duas conspirações de Catilina, descobertas e frus-tradas por Cícero, pelas quais Catilina supostamente visava a acabar com a legalidade constitucional e proclamar-se ditador.

CAUSAS

O triunviratoDurante os anos seguintes Júlio César foi progredindo na sua carreira política, sen-

do pontífice máximo, edil curul, e finalmente cônsul (59 a.C.). O consulado de César foi um autêntico terremoto político: criou as bases para as grandes reformas políticas, eco-nômicas e sociais que Roma exigia, criando um corpo de leis que seria a base do direito romano e legislando uma reforma agrária para dar terras públicas às famílias mais pobres, coisa que lhe granjeou o ódio dos Optimates entre eles Catão o Jovemnota 1 e Marco

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Bíbulo, o seu colega consular.Esse mesmo ano Júlio César, Cneu Pompeu e Marco Licínio Crasso formaram o

chamado Primeiro Triunvirato (60-53 a.C.), uma aliança informal de ajuda mútua para ocupar os mais altos postos do Estado. Assim, após o fim do seu consulado, César rece-beu poderes proconsulares e o governo da Gália Cisalpina e da Ilíria, províncias pouco povoadas e pobres. No seu primeiro ano de mandato teve de fazer face a uma enorme invasão dos Helvécios e a várias invasões de Germanos que visavam a ocupar a Itália. Numa campanha derrotou os Helvécios e os Germanos.

César estimou que organizar a província e preparar-se para a defesa era insuficien-te, e com a intenção ou desculpa de terminar com as invasões do norte, iniciou a conquista da Gália. César conseguiu muitas vitórias. Duas vezes cruzaram as legiões romanas o rio Reno para retaliar os germanos pelas suas incursões e outras duas vezes cruzaram o Canal da Mancha, fazendo incursões na Britânia. Estes sucessos maravilharam a plebe, e Roma viu-se inundada de tesouros e escravos capturados nos saques e nas guerras do norte. Como contribuição para a literatura universal, César redigiu um registro das suas campanhas na Gália, o célebre De Bello Gallico, instrumento também de propaganda po-lítica para fazer a conhecer ao povo as suas conquistas.

Alguns senadores observaram com temor como César ganhava popularidade entre a plebe, ao mesmo tempo em que amassava uma grande riqueza pessoal. Os optimates criticavam as suas leis para dotar certas cidades da Gália Cisalpina e os seus soldados com a cidadania romana. Críticos de sua atuação, liderados por Catão o Jovem, homem forte dos optimates e velho inimigo de César, menosprezavam os seus sucessos e acusa-ram-no de cometer crimes contra a república.

Com a ascensão do triunvirato para garantir os seus interesses e o seu poder, Cé-sar manteve tranquilamente o seu comando sobre a Gália. Contudo, esta aliança política desintegrou-se após a morte de Crasso na batalha de Carras durante a guerra contra o Império Parta, e da mulher de Pompeu, pela sua vez filha de César, cujo matrimônio ser-vira como aliança entre ambos os dois. Por outro lado, os sucessos de César na Gália a longo prazo punham em perigo a fama e a influência de Pompeu em Roma.

Crise política Durante o consulado de Domício e Ápio Cláudio em 53 a.C., ambos os cônsules fo-

ram acusados de corrupção, após tentarem fraudar as seguintes eleições consulares, e os quatro candidatos que se apresentaram foram processados. As eleições consulares foram postergadas seis meses. O escândalo político fomentou a agitação das ruas, chegando a extremos incomuns, criando-se um verdadeiro estado de anarquia. Os clientes de Pom-peu começaram a pedir a sua escolha como ditador, com o pretexto de acabar com a anar-quia reinante. Estas vozes foram duramente criticada pelos constitucionalistas e Catão à frente, que apoiou Milão como contrapeso de Pompeu como cônsul. Clódio, velho inimigo de Milão, opôs-se frontalmente a este e respondeu organizando bandos nas ruas para impedir a sua candidatura e dispor do poder em Roma. Milão contra-arrestou os bandos de Clódio comprando escolas inteiras de gladiadores, o que desencadeou um estado de caos e violência desmesurada, no que os bandos organizados eram os donos de Roma, e em que as eleições consulares se voltaram a pospor. A 18 de janeiro de 52 a.C., Clódio e Milão encontraram-se cara a cara na Via Apia e, após uma brutal luta, Clódio resultou morto. Os distúrbios e crimes apoderar-se-iam de Roma, até o ponto de os enfurecidos seguidores de Clódio estabelecerem a sua pira funerária no próprio edifício senatorial, que

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ficaria destruído pelo incêndio.Ante esta perspectiva, os constitucionalistas-optimates e Catão apoiaram a nomea-

ção de Pompeu como cônsul único por um ano. Pompeu, com a ajuda dos seus legionários, varreu os bandos organizados e restabeleceu a ordem em Roma, tornando-se o homem forte da política. Todas as facções competiram pelo seu favor, enquanto conspiravam para destruir as outras, forçando a Pompeu a identificar-se com a sua causa. Pompeu, durante o seu ano como cônsul único, recebeu a oferta de César de se casar com a sua sobrinha neta Octávia, mas Pompeu a recusou e casou-se com Cornélia, filha de Metelo Cipião.

Após a vitória de César em Alésia, Célio, como tribuno, lançou uma proposta de lei adicional: César receberia o privilégio único de ser isento de acudir a Roma para se apresentar ao consulado. Esta medida supunha que os opositores e inimigos de César, que visavam a processá-lo pelos supostos crimes do seu primeiro consulado, perderiam a possibilidade de julgá-lo, pois César em nenhum momento deixaria de ostentar uma magistratura. Enquanto fosse procônsul, César teria imunidade judiciária, mas caso ficas-se obrigado a entrar em Roma para se apresentar ao consulado perderia o seu cargo e, durante um tempo, poderia ser atacado com toda uma bateria de demandas.

O poder de César foi visto por muitos senadores como uma ameaça. Se César regressava a Roma como cônsul, não teria problemas para fazer aprovar leis que conce-dessem terras aos seus veteranos, e a ele uma reserva de tropas que superasse ou riva-lizasse com as de Pompeu. Catão e os inimigos de César opuseram-se frontalmente, e o senado viu-se envolvido em longas discussões em relação ao número de legiões que de-veria ostentar e acerca de quem deveria ser o futuro governador da Gália Cisalpina e Ilíria.

Pompeu finalmente inclinou-se por favorecer os constitucionalistas e emitiu um ve-redito claro: César devia abandonar o seu cargo na Primavera seguinte, faltando ainda meses para as eleições ao consulado, tempo suficiente para o julgar. Contudo, nas se-guintes eleições para tribuno da plebe foi eleito Cúrio, que se converteu num cesariano, vetando as tentativas de separar César do seu comando nas Gálias. Juridicamente, todas as tentativas consulares de afastar César das suas tropas viam-se anuladas pela tribunicia potestas.

Caio Marcelo, cônsul em 50 a.C., entregou uma espada a Pompeu diante de grande número de senadores, encarregando-lhe ilegalmente marchar contra César e resgatar a república. Pompeu pronunciou-se em favor desta medida se chegasse a ser necessária.

No fim do mesmo ano, César acampou ameaçadoramente em Ravena com a XIII legião. Pompeu tomou o comando de duas legiões em Cápua e começou a recrutar levas ilegalmente, um fato que aproveitaram os cesarianos no seu favor. César foi informado das ações de Pompeu pessoalmente por Cúrio, que nesses momentos já finalizara o seu mandato. Enquanto isso, o seu cargo de tribuno foi ocupado por Marco Antônio, que o ostentou até dezembro.

Início da Guerra CivilA 1º de janeiro de 49 a.C., Marco Antônio leu uma carta de César no senado, na

qual o procônsul se declarava amigo da paz. Após uma longa lista das suas muitas ações, propôs que tanto ele como Pompeu renunciassem ao mesmo tempo aos seus cargos. O senado ocultou esta mensagem à opinião publica.1

Metelo Cipião ditou uma data para a qual César deveria abandonar o comando das suas legiões ou ser considerado inimigo da República Romana. A moção submeteu-se imediatamente a votação. Somente dois senadores opuseram-se, Cúrio e Célio. Marco

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Antônio, como tribuno, vetou a proposta para impedir que se tornasse em lei.

RubicãoApós o veto de Marco Antônio à moção que obrigava a César abandonar o seu car-

go de governador da Gália, Pompeu notificou não poder garantir a segurança dos tribunos. Antônio, Cúrio e Célio viram-se forçados a abandonar Roma disfarçados como escravos, acossados pelos bandos das ruas.

A 7 de janeiro, o senado proclamou o estado de emergência e concedeu a Pompeu poderes excepcionais, transladando imediatamente as suas tropas para Roma.

A primeira fase da guerra civil entre Júlio César e Pompeu, da passagem do Rubicão a Zela (49-47 a.C.).

A 10 de janeiro de 49 a.C., César recebeu a notícia da concessão dos poderes ex-cepcionais a Pompeu, e imediatamente ordenou que um pequeno contingente de tropas cruzasse a fronteira para sul e tomasse a cidade mais próxima. Ao anoitecer, com a Legio XIII Gemina, César avançou até o Rubicão, a fronteira natural entre a província da Gália Cisalpina e a província da Itália e, após um momento de dúvida, deu aos seus legionários a ordem de avançar e teria dito “Alea iacta est” (“A sorte está lançada”).nota 2 A guerra começava. Quando soube que, recusada a intercessão dos tribunos, estes tiveram de sair de Roma, mandou avançar algumas coortes em segredo para não suscitar receios; dissimulando, presidiu um espetáculo público, ocupou-se num plano de construção para um circo de gladiadores, e entregou-se como de costume aos prazeres do festim. Mas, ao pôr-do-sol, com um pequeno acompanhamento, tomou ocultos caminhos. Ao amanhecer, encontrando um guia, prosseguiu a pé por estreitas veredas até o Rubicão, o limite da sua província, onde aguardavam as suas coortes. Deteve-se por breves momentos, e excla-mou dirigindo-se aos mais próximos:

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A GUERRA DA ITÁLIA

A perseguição a Pompeu César começou a sua marcha para Roma sem encontrar resistência. Os seus agen-

tes tinham amolecido Itália à base de subornos. No dia seguinte, após cruzar o rio Rubi-cão, apoderou-se por surpresa de Rimini, cidade em que se encontrava Marco Antônio. Sem perder tempo, ordenou a Antônio atravessar com cinco coortes os Apeninos e tomar a cidade de Arretium (atual Arezzo), enquanto ele com outras cinco coortes ocupou em forma sucessiva Pésaro, Fano e Ancona.

De 14 a 16 de janeiro, chegaram a Roma notícias das sucessivas ocupações das cidades da costa adriática e de Arretium, bem como ondas de refugiados que, pela sua vez, provocavam que outras ondas de refugiados abandonassem Roma. Um ambiente de terror apoderou-se de Roma. A confiança que ostentava Pompeu derrubou-se em poucos dias, e os senadores que anteriormente confiaram na sua rápida vitória sobre César acu-saram de levar a república para o desastre. Frente do rápido avanço de César, carente das suficientes forças e temendo pela sua popularidade, Pompeu deu Roma por perdida e ordenou evacuar o senado, declarando traidores à república todos os magistrados que ficassem em Roma.

O senado começou a considerar constituir-se fora de Roma pela primeira vez na sua história. Cicero posteriormente declararia que esta decisão foi um reflexo de debili-dade, dando a César mais legitimidade e confiança. Ao abandonar Roma, o senado atrai-çoou todos os que não podiam abandonar as suas casas, e o sentimento de pertença à República ficou danificado. As ancestrais e grandes mansões dos nobres, após serem abandonadas, foram presa da fúria dos bairros baixos. As províncias foram distribuídas legalmente entre os líderes da causa constitucional (pompeanos), e o seu poder ficaria sancionado única e exclusivamente pela força. A república tornou-se numa abstração, as eleições anuais, a vitalidade das ruas e espaços públicos de Roma, tudo aquilo com o que se nutria a república desaparecera.

César aguardou uns dias a chegada de outras quatro legiões da Gália, e iniciou a perseguição do senado. A 1 de fevereiro, marchou sobre Osimo onde derrotou Varo, que recrutava soldados para Pompeu, enquanto este concentrava as suas tropas em Brindisi onde fretava barcos, visando a cruzar o Adriático, da Itália para Grécia.

Em Corfinium (atual Corfinio), encontrava-se o novo governador da Gália Transal-pina, Lúcio Domício Ahenobarbo, quem odiava por igual a Pompeu e a César. Foi-lhe ordenado marchar para sul com os seus homens, mas este desobedeceu as ordens de Pompeu. Levou a cabo a única tentativa de conter a César na Itália: decidiu encerrar-se na cidade de Corfinium (atual Corfinio), situada num estratégico cruzamento de caminhos. Era a mesma cidade que os rebeldes italianos tornaram sua capital quarenta anos antes.

Para a maioria dos romanos a república significava pouco, e identificavam-se mais com as ideias populares, considerando a Caio Mário, tio de César, o seu patrão. A 13 de fevereiro de 49 a.C., César cruzou o rio Pescara e sitiou Corfinio que se rendeu o 19 do mesmo mês. As levas de novatos de Domício pregaram-se depressa ao sentir da cidade. Domício foi levado ante César pelos seus próprios oficiais, e suplicou que o matara, mas César recusou, deixando-o livre.

Corfinio não sofreu nenhum dano e as levas de novatos passaram a ser parte do exército controlado por César. O que pode aparentar ser simplesmente um gesto de cle-mência, implicou uma grande humilhação, um gesto político e uma declaração dos seus

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propósitos. Não haveria listagens de banidos, nem matanças (como ocorrera na época de Sula), e os seus inimigos seriam perdoados apenas com render-se. Isto permitiu que a maioria dos neutrais se sentissem aliviados.

O sítio de Brindisi

A cidade de Brundisium (atual Brindisi) durante o assédio de César

Pompeu, com o restante de senadores e o seu exército, após abandonar Roma di-rigiram-se aBrundisium (atual Brindisi) com a intenção de cruzar o Adriático e adentrar-se em Grécia e oriente, onde Pompeu contava com recursos para enfrentar César.3 César marchou depressa para Brindisi. A 20 de fevereiro Pompeu transladou a metade do seu exército para o outro lado do Adriático sob o comando dos dois cônsules, a Dyrrhachium (atual Durrës), mas a outra metade seguiu sob o comando de Pompeu, na cidade aguar-dando o regresso da frota.

Após derrotar Lúcio Domício Enobarbo, César ordenou imediatamente aos seus homens bloquear a saída do porto a mar aberto com a construção de um quebra-mar. Pompeu respondeu construindo torres de três pisos sobre barcos mercantes desde onde arrojar projetis aos engenheiros que construíam o quebra-mar. Durante dias sucederam--se as escaramuças, a chuva de projetis, de madeiros e os incêndios entre os dois bandos.

Com o quebra-mar ainda sem terminar, a frota pompeiana regressou para o porto. Quando obscureceu iniciou-se a saída da frota do porto, começando a evacuação de Brin-disi. César, alertado pelos seus partidários dentro da cidade, ordenou tomá-la ao assalto, mas foi tarde demais. Os barcos saíram um atrás outro pelo estreito local que deixaram aberto as obras de assédio. A nave de Pompeu foi a última a abandonar o porto.

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Estadia em Roma Após a fuga de Pompeu, a 29 de março César entrou em Roma, sendo friamente

acolhido pela cidade. Designou Marco Antônio como chefe das suas forças na Itália e convocou os poucos senadores que ainda ficavam, exigindo o direito sobre os fundos de emergência da cidade, criados para sufragar os despesas ante uma possível invasão gaulesa.nota 4 Quando os senadores, atemorizados, aceitaram, o tribuno Cecílio Metelo vetou a proposta. Então César ocupou o fórum com os seus legionários, forçou as portas do templo de Saturno e apoderou-se do tesouro público, acumulado durante anos para previr uma invasão gaulesa, perante a impotência do tribuno Cecílio Metelo. César este-ve durante duas semanas em Roma assegurando fornecimentos e a retaguarda. Deixou como pretor Marco Emílio Lépido, diminuindo autoridade do senado. Ainda sendo Lépido de sangue azul e magistrado eleito, continuava sendo uma nomeação inconstitucional.

Em abril, ordenou às antigas tropas de Domício invadir a provínica da Sicília e a província da Sardenha para proteger as rotas e fornecimentos de trigo. César, pela sua vez, iniciou a sua marcha para a Hispânia, onde havia legiões pompeianas ativas. A longa estadia de Pompeu na Hispânia enchera a província de clientes e oficiais fiéis à sua causa.

Rotas seguidas por Júlio César durante a guerra na Hispânia.

Os exércitos pompeanos eram controlados pelos legados Lúcio Afrânio, Marco Pe-treu — o vencedor sobre Catilina — e Marco Terêncio Varrão. César, pela sua vez, concen-trou nove das suas legiões e de 6.000 ginetes nas cercanias de Massalia (atual Marselha).

A cidade de Marselha, na rota de passagem, era controlada por Lúcio Domício Ahenobarbo, procônsul da Gália, que após ter sido perdoado por César recrutou um novo exército e, por segunda vez, fechou as portas de uma cidade à chegada de César. César mandou sitiar a cidade aos seus legados Caio Trebônio e Décimo Júnio Bruto Albino. Imediatamente dirigiu-se com o restante das tropas para a Hispânia Citerior, com o fim de reforçar as três legiões que enviara ali antecipadamente.

Batalha de Ilerda As três legiões enviadas por César à vanguarda contiveram as tropas pompeanas

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na Hispânia e mantiveram o controlo dos principais passos dos Pireneus. Com a chegada de César e dos reforços, o exército cesariano adentrou-se na Hispânia e, em meados de março, acampou perto de Ilerda (a atual Lérida), frente às forças pompeanas, para forçar a batalha.

O confronto ocorreu no Verão de 49 a.C.; primeiro em Lérida, e logo mais a sul. A 2 de agosto, as tropas cesarianas conseguiram a vitória total sobre os pompeanos. Marse-lha finalmente rendeu-se a 25 do mesmo mês.

Regresso a Roma Em Marselha, César recebeu a notícia de que fora nomeado ditador, pelo que partiu

para Roma. Ali ditou uma série de leis, chamou vários exilados e garantiu a plena cidada-nia romana a todos os habitantes nascidos livres na Gália Cisalpina. Desempenhou o seu cargo de ditador por somente 11 dias, renunciou a este, e dirigiu-se para Brindisi.

Guerra na GréciaCésar concentrou o seu exército em Brindisi desejando zarpar para a Grécia à pro-

cura de Pompeu. Ao todo, o seu exército era formado por 12 legiões e 1.000 ginetes, segundo Apiano. Contudo, muitas das legiões não reuniam o número de efetivos práticos, minguadas nas suas recentes campanhas na Gália, a Hispânia e Marselha.

Antes, César ordenara a construção de numerosos navios. Apesar de não estar todos terminados e do mau tempo invernal, embarcou todos os homens possíveis, ao todo sete legiões e 500 ginetes, zarpando a 4 de janeiro de 48 a.C. Marco Antônio e Aulo Ga-bínio permaneceram em Brindisi junto com o restante de tropas e fornecimentos à espera do regresso da frota.

A armada de Pompeu, comandada por Marco Bíbulo, ostentava a superioridade naval, com cerca de 300 naves repartidas por sul do Adriático, vigiando os lugares de um possível desembarque inimigo. César, não obstante, fê-lo com sucesso um dia após zar-par, numa praia longe das grandes cidades da região, perto de Palase, a 150 quilômetros a sul de Dyrrhachium (atual Durrës), evitando assim ser descoberto e interceptado pois temia que os portos estivessem guarnecidos pelas frotas rivais.4 Marco Bilbulo ficou sur-preendido pelo inesperado desembarque em pleno Inverno e a partir desse momento pôs todo o seu empenho em que nenhum navio cesariano cruzasse o Adriático.

César iniciou a tomada das praças costeiras próximas, assegurando portos navais em onde preparar a chegada das legiões da Itália. A esquadra pompeiana, advertida dos movimentos, zarpou, interceptando no seu regresso a frota cesariana e apresando 30 transportes. César, enquanto isso, dirigiu-se para norte, tomando Oricus e Apolônia e ini-ciando a marcha para Durrës. A notícia do desembarque de César surpreendeu Pompeu caminho da província da Macedônia, onde pensava recrutar tropas. Dirigiu-se a Dyrrha-chium , entrando nela pouco antes de chegar César. Depois armou o seu acampamento na margem norte do rio Semani, na localidade de Kuci, frente ao de César, que estava na ribeira sul.

A frota pompeana dirigida por Bíbulo iniciou um férreo bloqueio sobre as posições cesarianas, apostando-se próximo da costa e impedindo a chegada de reforços. Enquan-to, as esquadras pompeianas do Ilírico e Aqueia, lideradas por Marco Octávio e Escribônio Libão com ajuda dos dálmatas, sitiaram Salona (atual Solin), capital da província de Ilíria, governada por César. Os defensores recusaram o sítio num ataque surpresa, tendo os pompeanos que reembarcarem e fugir. Marco Octávio renunciou a tomar Salona e uniu-se

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junto às suas forças a Pompeu, acampado em Durrës.Após a morte de Marco Bíbulo por causas naturais, Escribônio Libão ficou à frente

da esquadra pompeana e começou o bloqueio do porto de Brindisi, apostando-se numa ilha próxima à entrada do porto, impossibilitando a Marco Antônio reunir-se com César. Marco Antônio, sabedor da necessidade de água das forças de Escribônio, mandou cus-todiar todas as fontes próximas de água, o que obrigou a Escribônio a levantar o bloqueio e retirar-se para Épiro.

Quando as condições do mar melhoraram, Marco Antônio dispôs-se a cruzar o Adri-ático e receber reforços, zarpando um dia favorável em finais de fevereiro. Ao dia seguinte da partida, a frota foi divisada por César e Pompeu, perto de Dyrrhachium (atual Durrës), separados pelo rio Apsus, se bem que um forte vento do sudoeste, empurrou inevitavel-mente a frota a norte. Marco Antônio desembarcou finalmente com 4 legiões e 500 ginetes e tomou Lissus. Pompeu, pela sua vez, ficando a saber a situação dos reforços de César, começou a sua marcha para norte com a intenção de derrotar os seus inimigos separa-damente, tomando vantagem sobre as forças de César. Alertado este das intenções de Pompeu, reagiu deslocando-se a nordeste, para Tirana, visando a reunir-se com os seus reforços. Marco Antônio, pelo contrário, marchou para sul com celeridade, sem se aperce-ber da situação. Contudo, César conseguiu fazer chegar a Marco Antônio uma mensagem advertindo das intenções de Pompeu, graças ao qual Marco Antônio decidiu acampar du-rante um dia, dando tempo a César para adiantar a sua posição. Pompeu, temendo ficar rodeado pelos dois exércitos cesarianos, que em conjunto o superavam em número, deu média volta e regressou para Dyrrhachium. As forças de César e Marco Antônio reuniram--se, finalmente, em Scampi.

Após o insucesso de impedir a união das forças inimigas, Pompeu entrincheirou-se iniciando uma guerra de desgaste. César decidiu ampliar a sua zona de operações para o qual enviou a Domício Calvino com 2 legiões e 500 ginetes a Macedônia para se en-frentar a Metelo Cipião, que avançava desde Salônica a reunir-se com Pompeu. Poucos dias depois da partida destes destacamentos, Cneu Pompeu, à frente de uma frota de naves egípcias desde sul, capturou a frota cesariana na base naval de Oricus e continuou até a base onde Marco Antônio deixara os transportes e incendiou-os. Desta maneira os cesarianos viram destruída toda a sua frota em Grécia, ficando sem nenhum navio para se comunicar com Itália.

Batalha de Dyrrachium Júlio César, ante esta situação, decidiu dar combate. Foi até Asparagium e dispôs o

seu exército em ordem de batalha frente ao acampamento de Pompeu, mas este recusou o combate. Então César dirigiu-se para Dyrrhachium (atual Durrës) para isolar Pompeu de sua base mediante a construção de um cerco ao acampamento. A 10 de julho de madru-gada, Pompeu atacou as posições de César, conferindo-lhe uma derrota. No dia 11, César chegou ao seu antigo acampamento de Asparagium e a 14 de julho chegou a Apolônia.

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A BATALHA DE FARSALOS

Após a derrota na Batalha de Dyrrhachium, Júlio César fugiu para o Sul, afastando--se de Pompeu após perder a iniciativa e ver-se obrigado a se movimentar seguindo uma senda que permitira ornecer-se, pois estava numa situação de total isolamento, sem frota e sem fornecimentos. Segundo Dião Cássio, Pompeu visava a evitar derramar sangue romano, pelo qual o seu plano era acossá-lo e obrigá-lo a render-se pela falta de víveres.

Pompeu decidiu marchar contra Domício na Macedônia, após considerar pouco provável dar alcance a César. Domício, pela sua vez, recebeu a notícia da retirada de Dur-rës e as intenções de Pompeu poucas horas antes, tempo suficiente para empreender a fuga direção a Tessália e unir-se ao exército de César. Pompeu, que viu frustradas as suas esperanças, decidiu marchar para Larissa onde acampava Cipião, para reunir um exército superior em número ao cesariano.

César deteve o seu exército em Farsalos de 4 a 5 de agosto de 48 a.C., ansiando apresentar batalha, com a única possibilidade de lutar ou marchar à procura de víveres para sul, pairado pela cavalaria pompeana, mais numerosa e que impedia o trabalho dos forrageadores.

Pela sua vez, o exército pompeano estava dividido em duas grandes facções cons-tituídas pelos seguidores e clientes de Pompeu e os dos Optimates, os republicanos mais conservadores, que se apoiavam nas legiões conduzidas por Metelo Cipião e tinham por aliado Catão, quem fora postergado a Dyrrhachium (atual Durrës) com 15 coortes. É pos-sível que Pompeu não desejasse livrar a batalha de Farsalos, confiando na dilatação e a precária situação de César. Contudo, as críticas dos seus aliados e dos seus generais, en-volvidos em desavenças políticas, levaram-o a apresentar batalha. Segundo Lúcio Anneo Floro, os seus soldados censuravam a inatividade, e Plutarco assinala que até mesmo se

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conspirava diretamente contra ele.Os dois exércitos enfrentaram-se a 9 de agosto de 48 a.C., iniciando o ataque os

cesarianos, enquanto o exército pompeano manteve uma estratégia defensiva confian-do na sua superioridade numérica. A cavalaria pompeiana carregou contra a cesariana perseguindo-a e caindo numa estratagema preparada, na que várias coortes de legioná-rios apoiaram a cavalaria cesariana dispersando a pompeiana liderada por Labieno. Após observar a fuga, Pompeu abandoou o campo de batalha, o qual influiu na moral do seu exército, e após ser rodeado pelo flanco pela cavalaria cesariana espalhou-se o pânico, dispersando-se e fugindo para o acampamento pompeano. Após reagrupar as suas tro-pas, César liderou o assalto final ao acampamento pompeano defendido por Trácios e outros irregulares, e após superar a paliçada, o acampamento caiu depressa. Pelo menos quatro legiões pompeanas conseguiram fugir e tomar uma colina, mas renderam-se após serem rodeados pelos seus inimigos e cercados mediante uma paliçada.

Forças em confrontoNos seus Comentários sobre a Guerra Civil, César atribui a Pompeu 110 coortes

(algumas formados por soldados hispânicos levados por Lúcio Afrânio e que combatiam como infantaria pesada) mais 7 de guarnição no acampamento, cerca de 66 000 homens no comando de Públio Cornélio Léntulo Spinther (ala direita), Marcelo Cipião (centro), Lú-cio Domício Ahenobarbo (ala esquerda) e Tito Labieno (cavalaria).

O próprio César contaria com 80 coortes, mais 7 no acampamento, muito mingua-das por causa dos múltiplos combates nos quais participaram, mas também muito experi-mentadas, e que totalizariam 31.000 homens, magnificamente dirigidas por Marco Antônio (ala esquerda), Cneu Domício Calvino (centro) e Públio Cornélio Sila (ala direita).

A disparidade em cavalaria seria ainda maior, com 7.000 ginetes pompeanos frente de apenas 1000 cesarianos, dos quais cerca de 600 seriam gauleses -provavelmente “Éduos” e por volta de 400 “Úbios” germanos, além da escolta pessoal de César composta por ginetes hispânicos.

Para Delbrück, se bem que seja verdade a vantagem dos pompeanos -ao menos numericamente, ainda que não em destreza- as proporções que dá César, levando em conta o desenvolvimento da batalha, são exageradas, sobretudo em cavalaria. Umas ci-fras mais próximas à realidade poderiam ser 40 000 infantes pompeanos -com cerca de 5000 infantes auxiliares recrutados na Hispânia e outros 4200 aliados- frente de 30 000 cesarianos -incluindo 7000 aliados-, e 3000 ginetes pompeanos frente de 2000 cesaria-nos.

Lutaram com César legionários advindos das seguintes legiões:=> Legiões de veteranos das Guerras Gálicas – A legião favorita de César, a X

Equestris, e as que posteriormente ficariam conhecidas como VIII Augusta, IX Hispana e a XII Fulminata.

=> Legiões mobilizadas para a guerra civil - As legiões que ficariam conhecidas como I Germanica, III Gallica e IV Macedonica.

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Desenvolvimento da batalha

Batalha de Farsalos – desdobramento inicial

Os dois exércitos apoiam um dos flancos num arroio e concentram toda o seu ca-valaria no outro flanco, com a pretensão de que o ataque nesse ponto decida a batalha. Contudo, as ideias dos comandantes acerca do desenvolvimento da batalha diferem subs-tancialmente, e aqui é onde pode ser visto o gênio de Júlio César. Pois enquanto Cneu Pompeu Magno tentará vencer com a sua superioridade numérica, César, prevendo esse movimento, planeja realizar um contra-ataque, derrotar a cavalaria inimiga e atacar pelo flanco.

Batalha de Farsalos, ataque da cavalaria pompeana

Para isso, César decide reforçar a sua cavalaria com infantaria ligeira, dispõe 6 co-ortes formando uma linha oblíqua no flanco, logo detrás da sua linha principal, e mantém ademais outras protegido. Isto debilita o centro do exército, mas César confia em que os seus veteranos aguentem o empuxo do rival.

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Batalha de Farsalos, contra-ataque das coortes cesarianas

A batalha começa com as duas forças aproximando-se devagar, pois para os planos de ambos os bandos é importante que a batalha no centro não se iniciasse depressa. A cavalaria pompeana lançou-se ao ataque, mas a cesariana retirou-se.

Batalha de Farsalos, fuga da cavalaria pompeana e ataque pelo flanco ao corpo principal

Quando os pompeanos transbordam as linhas inimigas, veem-se pela sua vez ata-cados no flanco pelas 6 coortes dispostas em linha oblíqua. A cavalaria cesariana volta so-bre os seus passos e, junto às coortes e a infantaria ligeira põe em fuga aos pompeanos, passando imediatamente ao ataque sobre o flanco inimigo.

Neste momento, os legionários de ambos os bandos já entraram em contato, e Cé-sar ordena à sua reserva reforçar o centro do exército. Atacados por dois sítios, o exército pompeano começou a desmoronar-se pelo flanco, e finalmente desbandou-se. Vendo que a batalha está perdida, Pompeu retira-se para o acampamento e depois fogem para a província do Egito.

Assim pois, decidiram a batalha o uso de reservas táticas e o ataque combinado de

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cavalaria, infantaria ligeira e infantaria pesada.

Resultado da batalha César escreve nos “Comentários” que, nas duas horas que durou a batalha, teve

200 mortos — sem contar as baixas causadas às suas tropas auxiliares e à cavalaria alia-da — e que o seu inimigo cerca de 10 000 mortos. É muito possível que as baixas totais de Júlio César atingissem os 1.200 homens. É fácil explicar esta defasagem na perda de homens, tendo em conta que as tropas de Cneu Pompeu Magno combateram sem ordem ou concerto contra as sólidas coortes de César formadas em ordem de batalha.

César escreve que perdeu a trinta centuriões e salienta-o com grande dor, entre eles o seu fiel Caio Crastino, uma proporção muito alta que indicariam o alto grau de res-ponsabilidade que atingiam os seus quadros de comandos, dispostos a se sacrificarem para evitar a perda inútil de legionários.

GUERRA NO ORIENTE

Após a sua derrota em Farsalos, Pompeu fugiu para a costa do mar Egeu. Ali fretou um barco para navegar até Mitilene, onde estava a sua esposa Cornélia. Após reunir-se com ela, partiram rumo ao Egito com uma pequena frota, com a intenção de pedir ajuda a Ptolomeu XIII, o novo farão do Egito de apenas 12 anos.

Um mês depois de Farsala, Pompeu chegou às costas do Egito e enviou emissários ao rei e, após uns dias aguardando ancorada frente aos bancos de areia, a 28 de setembro de 48 a.C., uma pequena barca acercou-se até os navios romanos convidando Pompeu a subir a bordo. Na outra margem aguardava Ptolomeu XIII, pelo que, após despedir-se da sua esposa, Pompeu foi conduzido até a margem. Após tomar terra, um mercenário roma-no, o ex-centurião Aquila, desembainhou a sua espada e atravessou a Pompeu que ato seguido foi apunhalado repetidas vezes. Cornélia e o restante dos tripulantes da pequena frota observaram os acontecimentos impotentes. O cadáver de Pompeu foi decapitado, sendo o seu corpo resgatado e incinerado por um veterano de suas primeiras campanhas.

César no EgitoEm 47 a.C., Júlio César dirigiu-se ao Egito com apenas 4.000 soldados à procura de

Pompeu. Ali foi surpreendido pela oferenda de boas-vindas que lhe apresentou o primei-ro-ministro de Ptolomeu XIII, o eunuco Potino: a cabeça de Pompeu. Egito encontrava-se em guerra civil, e os conselheiros do rei creram que César ficaria agradecido e apoiaria Ptolomeu contra a sua irmã Cleópatra. Ao saber da sua sorte, César caiu em lágrimas.

Os romanos ficaram presos em Alexandria por ventos desfavoráveis, e César co-meçou a intervir nos assuntos do Egito. Instalou-se com as suas tropas no palácio real, um complexo de edifícios fortificados que ocupava quase uma quarta parte da cidade de Alexandria. Desde este bastião, começou a exigir grandes quantidades de dinheiro, e anunciou que gentilmente dirimiria a guerra civil entre Ptolomeu e a sua irmã. Deu a ordem de licenciar os dois exércitos em guerra, e aos irmãos de se reunir com ele em Alexandria. Ptolomeu não licenciou nenhum soldado, mas foi convencido por Potino de acudir à reu-nião com César. Enquanto isso Cleópatra, que tinha bloqueadas as rotas à capital, ficou isolada atrás das linhas de Ptolomeu.

Uma tarde, à posta do Sol, um pequeno mercante atracou no amarradouro de palá-cio. Um mercador siciliano trouxe consigo um tapete que levou até a presença de César, e

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atrás desenvolvê-lo apareceu a própria Cleópatra, que seduziu a César.Ptolomeu, após ficar a saber da nova conquista da sua irmã, marchou pelas ruas

de Alexandria e pediu aos seus súditos que acudissem na sua defesa e na do Egito. As prepotentes exigências de dinheiro de César não o fizeram especialmente apreciado, pelo qual quando Ptolomeu pediu aos alexandrinos que atacassem os romanos, a massa lançou-se com entusiasmo. Os romanos viram-se assediados no complexo palaciano e César viu-se obrigado a reconhecer Ptolomeu como monarca conjunto com Cleópatra e a devolver a ilha de Chipre ao Egito. Contudo, a situação piorou quando aos alvoroçadores se uniu o exército de Ptolomeu de 20.000 homens, começando uma verdadeira batalha pelo controlo do Egito. Durante os cinco seguintes meses, César conseguiu resistir em palácio, ficara com o controlo do porto, queimando a frota egípcia e, acidentalmente, uns armazéns de livros no porto, fracassando na tentativa de controlar o Grande Farol. Fez executar ao eunuco Potino e deixou grávida a Cleópatra.

Em março do 47 a.C., chegaram os reforços romanos a Alexandria, que fizeram que Ptolomeu XIII fugisse de Alexandria. Lastrado pela sua armadura de ouro, afogou-se no Nilo, deixando Cleópatra sem rival ao trono.

Uma vez restauradas as linhas de comunicação, os seus agentes informaram das novas ameaças surgidas durante a sua estadia em Alexandria. Farnaces, filho de Mitrída-tes VI invadira o Ponto enquanto na África Metelo Cipião e Catão estavam recrutando um poderoso novo exército e em Roma o governo de Marco Antônio estava criando receios.

Enquanto novos inimigos de César emergiam e cresciam, César permaneceu com a sua amante ainda dois meses mais no Egito. No fim da Primavera do 47 a.C. o casal embarcou-se num cruzeiro pelo Nilo.

Guerra contra FarnacesFarnaces, rei do Bósforo e filho de Mitrídates VI, aproveitou os problemas internos

de Roma para expandir os seus domínios: invadiu Colchis e parte de Arménia.O rei armênio Deiotarus, reino vassalo de Roma, pediu ajuda ao tenente cesariano

da província da Ásia, Domício Calvino. Farnaces enfrentou-se depressa com as forças romanas provinciais, obtendo a vitória. Confiado pela sua vitória, invadiu o antigo reino do seu pai, o Ponto e parte de Capadócia.

César teve notícias dos fatos no Egito e iniciou a marcha para o Reino do Ponto para se enfrentar Farnaces. A batalha entre as tropas romanas e as de Farnaces aconte-ceu ao norte de Capadócia, perto da cidade de Zela. O confronto derivou com celeridade numa vitória romana, aniquilando completamente as forças inimigas. Farnaces fugiu para o Bósforo com uma pequena seção das suas tropas de cavalaria. Sem poder algum, foi assassinado por um antigo rival ao trono do Bósforo.

César imortalizou esta batalha, utilizando-a coma arma propagandística contra os antigos méritos militares de Pompeu em Oriente, ainda presentes na mentalidade coletiva romana, e cunhou uma célebre frase: “Vim, Vi e Conquistei”.

GUERRAS NA ÁFRICA

A estadia de César no Egito e a sua posterior marcha para o Ponto deu tempo a Metelo Cipião e a Catão para poder formarem um novo exército na província da África. Lo-graram reunir um exército de 10 legiões, cerca de 40 000 homens. Contavam, além disso, com o apoio do exército do rei Juba I de Numídia, que incluía sessenta elefantes de guerra

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e inicialmente cerca de 30 000 homens.Após uma visita curta a Roma, César desembarcou em Adrumeto a 28 de dezembro

de 47 a.C. As duas facções envolveram-se em pequenas escaramuças, enquanto César pospunha o confronto direto porque aguardava reforços. A pedido de César, Boco II, rei de Mauritânia, atacou a Numídia por oeste, tomando a sua capital Cirta, e obrigando a Juba I a marchar a oeste co o seu exército.

Batalha de Tapso

Rota de Júlio César, de Roma até Tapso / Abaixo a Batalha de Tapso

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TRIUNFOS EM ROMA

Júlio César regressou a Roma em finais de julho de 46 a.C. A vitória total dotou César de um poder enorme e o senado, legitimou a sua vitória, nomeando-o ditador pela terceira vez na Primavera de 46 a.C., por um prazo sem precedentes de dez anos.

Acunhou a sua legitimidade e o desprestígio dos seus inimigos num grande ato pro-pagandístico. Em setembro, celebrou os seus triunfos, orquestrando quatro desfiles con-secutivos. Os seus concidadãos observavam os desfiles de Gauleses, Egípcios, Asiáticos e Africanos acorrentados, bem como girafas e carros de guerra britanos. Assim a guerra entre romanos ficava mascarada pelas vitórias contra estrangeiros e as celebrações não tiveram precedentes nas suas dimensões e duração.

Durante as celebrações foi executado Vercingetórix. O desfile triunfal contra Farna-ces II, contou com uma carroça que portava o eslogam “Vini, vidi, vinci”, arrastando atrás de si o fantasma de Pompeu. Um dia depois, no desfile pela vitória da África, uma carroça representou o suicídio de Catão ridicularizando-o e César justificou-o alegando que Catão e os seus inimigos eram colaboracionistas dos bárbaros.

No Inverno de 46 a.C., estourou uma nova rebelião na Hispânia, liderada pelos filhos de Pompeu.

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REBELIÃO NA HISPÂNIA

Depois das derrota de Tapso os conservadores republicanos Cneu Pompeu o Jo-vem, Sexto Pompeu e Tito Labieno, fugiram para a Hispânia com o restante do seu exér-cito. Após a sua chegada à Hispânia, duas legiões situadas na Hispânia Ulterior formadas em grande parte por veteranos de Pompeu, derrotadas em Ilerda sublevaram-se e expul-saram os legados de César jurando fidelidade a Cneu Pompeu.

Usando a antiga influência do seu pai e os recursos da província, os irmãos Pom-peu e Tito Labieno conseguiram reunir um novo exército de treze legiões compostas pelos restos do exército constituído na África, as duas legiões de veteranos, uma legião de cidadãos romanos da Hispânia, e o alistamento da população local. Em finais de 46 a.C. tomaram o controlo de quase toda Hispânia Ulterior, incluindo as colônias romanas de Itálica e de Corduba, a capital da província.

Os legados de César, Quinto Fábio Máximo e Quinto Pédio, recusaram o confronto direto com o exército conservador e acamparam a cinquenta quilômetros a leste de Cór-dova em Obulco, solicitando ajuda de César.

Este chegou a Hispânia em dezembro, e após a sua chegada levantou o sítio à praça-forte de Ulípia, cidade que lhe tinha sido leal e que estava sitiada sem sucesso por Cneu Pompeu. Os conservadores evitaram uma batalha aberta refugiando-se atrás das muralhas de Córdova, defendida por Sexto Pompeu, e obrigando com isso a César a passar o Inverno na Hispânia. Para fornecer as suas necessidades de avitualhamento e víveres, César tomou e saqueou a cidade de Atégua, o que incitou a muitos hispânicos a se unirem aos conservadores e abandonar a César.

A 7 de março de 45 a.C. aconteceu uma escaramuça perto de Soricária, saindo vencedores os cesarianos. Após esta derrota, frente do temor de deserções e o começo da Primavera, Cneu Pompeu mobilizou o seu exército e apresentou combate a César.

Batalha de MundaDurante duas semanas, Pompeu tinha cedido terreno, queimando várias cidades

enquanto se retirava. No dia anterior, ele tinha montado acampamento na planície, não muito longe da cidade montanhosa de Munda. César chegou com suas legiões após o cair da noite e montou seu próprio acampamento a oito quilômetros de distância. Então, nas primeiras horas da manhã, César foi despertado com a notícia de que o jovem Pom-peu estava colocando suas tropas em ordem de batalha. Enquanto César levantava, ele notou que Pompeu tinha escolhido o dia festival do deus Líber, ou Liberalis, para a sua grande batalha. Esse era o dia em que os jovens romanos que tinham chegado à idade tradicionalmente vestiam a toga virilis, o símbolo da idade adulta, pela primeira vez. Talvez Pompeu tivesse esperança de chegar à idade como general nesse dia. Não, se César conseguisse impedir.

Certamente Pompeu não era tímido sobre se colocar contra o poderoso César. Pompeu tinha consciência do fato de que seu pai fizera o seu nome com essa idade. Filho de um general e neto de outro, o jovem Cneu já tinha demonstrado habilidade e ousadia militares — poucos anos antes, ele tinha sido aquele que comandara a frota que devastara as embarcações de César ancoradas no Adriático, isolando César na Grécia. Cneu tinha provado ser um rapaz com uma cabeça antiga sobre os ombros. E parece que ele tinha tido o suficiente dessas escaramuças de recuo, que apenas enfraqueciam o entusiasmo de suas tropas e esgotava a lealdade dos nativos. Na retirada, e com mais e mais cidades

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espanholas expressando dúvida sobre a habilidade dos irmãos Pompeu de derrotar Cé-sar, Pompeu decidiu aproveitar o dia e acabar o assunto com uma batalha em escala total, antes que perdesse o apoio do povo.

César ficou contente com o favor e ordenou que sua bandeira — o símbolo para a batalha — fosse içada. Quando as trombetas soaram “às armas” por todo o acampa-mento de César, ele estabeleceu uma nova senha para o dia: “Vênus”. Sua senha do dia da vitória sobre Pompeu, em Farsalos, tinha sido “Vênus, a portadora da vitória”. Assim, ele estava continuando uma coisa boa e esperando que Vênus lhe trouxesse novamente a sua famosa boa sorte. De sua parte, o jovem Pompeu estabeleceu a senha “Piedade”.

A terceira fase na Hispânia (45 a.C.).

Posicionado em sua ala direita, César deu um longo e pensativo olhar para as cabeças cobertas com elmos dos homens da 10a. Legião, enquanto o dia 17 de março amanhecia calmo e quente. Ficou satisfeito de ver que as unidades pompeanas no vale tinham assumido sua posição final. Ele virou-se para o seu comandante da cavalaria, o general Asprenas, que tinha, nessa época, chegado da Itália com a cavalaria germano--gaulesa-hispânica e agora comandava oito mil cavaleiros, a maior força montada que César já tinha colocado em campo. César tinha dito a ele que pretendia tentar virar a ala esquerda do inimigo, usando a 10a. Legião, e instruiu Asprenas para que estivesse pronto para agir com sua cavalaria e capitalizasse os ganhos obtidos pela 10a quando chegasse a hora. Asprenas confirmou as instruções e, então, dirigiu-se para a sua posição na ala.

A 5a. Legião foi posicionada à esquerda de César. Ao lado da 5a. estavam os novos recrutas da 3a. Legião, provenientes da Gália Cisalpina. As remanescentes quatro legiões de César completavam a linha entre a 3a. e a 10a. Em seus flancos, ele posicionou a cavalaria e vários milhares de auxiliares. Dito tudo, colocou em campo 80 coortes de le-gionários e auxiliares, embora muitas das coortes estivessem, como aquelas da 10a., com número bem reduzido. Havia literalmente apenas centenas de homens da 6a. Legião ali.

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O número total de homens da infantaria de César não ultrapassava os 30 mil.Ao redor deles havia montanhas arredondadas, mas aqui, no vale, o terreno era pla-

no, bom tanto para manobras de infantaria quanto de cavalaria. Mas, primeiro, os homens de César tinham uma longa marcha para alcançar o inimigo. Em seu caminho havia um riacho raso, que cortava a planície. Bem longe, à direita, o riacho acabava em um pântano. Eles tinham certeza de que os pompeanos desceriam da montanha para encontrá-los no meio da planície. Se não, as tropas de César teriam de cruzar o riacho, depois atravessar um outro trecho da planície, de turfa seca, para alcançar a montanha, onde o outro lado esperava.

Como tinha escolhido o campo de batalha, o jovem Pompeu tomou o terreno alto. Como apoio suplementar, a cidade de Munda ficava na montanha atrás dele, cercada por altas muralhas dotadas de torres defensivas controladas por nativos. Cneu Pompeu tinha alinhado os seus homens no declive abaixo de Munda. Estimativas do total de suas tro-pas variam entre 50 mil e 80 mil. Suas legiões mais experientes eram a 1a. e a 8a. e elas provavelmente se posicionaram uma em cada flanco, apoiadas pela 2a. e pela Indígena.

O seu centro era ocupado por nove legiões de novos recrutas reunidos por todo o oeste dos atuais Espanha e Portugal; simples adolescentes sem qualquer experiência e pouco treinamento. As alas de Pompeu eram cobertas pela cavalaria, apoiada por seis mil homens da infantaria leve e um número idêntico de auxiliares. O próprio Pompeu coman-dava, com o general Labieno como delegado chefe. O general Vartus, que tinha escapado do norte da África com Labieno, comandava uma das divisões, provavelmente a esquerda pompeana, oposta à 10a.

Ambos os generais fizeram os seus discursos pré-batalha e, embora não saibamos suas palavras exatas, César aparentemente disse a seus homens para permanecerem em formação cerrada e não atacarem, sob nenhuma circunstância, antes que ele desse a ordem, um comando estimulado pela abertura indisciplinada para a Batalha de Tapso. Então, finalmente, ele deu a ordem para o avanço. Sua bandeira inclinou-se para frente e as trombetas das legiões soaram “Avanço em Passo de Marcha”.

As legiões de César marcharam a passo ao longo da planície, enquanto, nos flan-cos, a cavalaria também se movia para a frente a trote moderado. O próprio César e seus oficiais do estafe iam no meio da formação da 10a Legião. À frente, as tropas de Pompeu filho não se moveram, não avançaram para encontrá-los da maneira normal, uma repeti-ção da tática de Pompeu pai em Farsalia. Os homens de César chafurdaram pelo riacho.

Quando sua linha de frente alcançou o sopé da montanha, César inesperadamente deu o comando de parada. O avanço congelou. Quando seus homens pararam, espe-rando para atacarem, e as formações inimigas se rearranjaram para encontrá-los, César ordenou que suas formações ficassem mais cerradas, concentrassem suas forças e limi-tassem a área de operação. A ordem foi dada e obedecida. Exatamente quando as tropas estavam começando a resmungar impacientemente, César ordenou que as trombetas so-assem “ataque”. Com um grito de batalha ensurdecedor, as 80 coortes de César atacaram o declive da montanha.

Com um rugido igualmente ensurdecedor, os homens de Pompeu arremessaram suas lanças. A saraivada de projéteis veio de cima, cortando o ar e as fileiras de César. O ataque oscilou momentaneamente. Depois, readquiriu força. Outra saraivada escureceu o céu azul. E outra, e outra. Os atacantes, nas fileiras da frente de César, com seus cama-radas mortos empilhando-se ao seu redor, sem fôlego, e ainda sem alcançar a distância de combate ao inimigo, parou. As linhas seguintes de homens sem fôlego e transpirando

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pararam em seguida. Todo o terreno de ataque parou. Desmontando rapidamente, César agarrou um escudo de um legionário aterrorizado da 10a., na fileira da retaguarda em frente a ele; depois, movimentou-se entre seus soldados, subindo o declive, dirigindo-se para a linha da frente, com seus oficiais do estafe, pulando para o chão e correndo atrás dele. Tirando o seu elmo, de modo que todos pudessem ver quem ele era, César parou o seu avanço na linha de frente.

Segundo Plutarco, ele gritou com seus soldados, indicando com a cabeça as de-zenas de milhares de recrutas adolescentes inexperientes de Pompeu: “Vocês não têm vergonha de deixar seu general ser derrotado por simples garotos?”

Recebendo o silêncio como resposta, ele bajulou os seus homens, repreendeu-os, encorajou-os. Mas nenhum de seus legionários — cansados, suados e sangrando — deu um passo à frente. Então, ele se virou para os oficiais do estafe, que o tinham seguido. “Se falharmos aqui, esse será o fim da minha vida e o fim de suas carreiras”, foi o que ele lhes disse, segundo Apiano, antes de desembainhar sua espada e resolutamente avançar para o declive, subindo muitos metros frente de suas tropas, em direção à linha pompeana.

No lado de Pompeu, os homens dentro do alcance de César arremessaram as lanças em sua direção — tantas que nem mesmo o afortunado Júlio César poderia so-breviver. Seus homens prenderam a respiração. César esquivou-se de alguns mísseis e recebeu outros em seu escudo. Eles caíram no chão ao seu redor ou penderam frouxa-mente de seu escudo — 200 deles, segundo Apiano. Mas, surpreendentemente, César permaneceu incólume. Ele se virou para suas tropas, que assistiam a tudo. “Bem, o que é que vocês estão esperando?”, ele perguntou.

Os oficiais agarraram os escudos dos homens da 10a. nas fileiras ou dos corpos caídos a seus pés e correram para se juntar a César, formando uma parede protetora de escudos ao redor dele.

Esse movimento para a frente foi o catalisador para reacender a coragem necessá-ria e o momentum por toda a linha de frente. Com um rugido, as tropas de César atacaram ladeira acima uma vez mais. Os homens da 10a. ultrapassaram César e seus oficiais e fecharam a brecha entre eles e os inimigos. Com um bater de escudos, as linhas opo-nentes se reuniram. Pressionados para frente pelas linhas da retaguarda, que subiam a montanha atrás deles, os homens da linha de frente não tinham escolha exceto subir.

Logo houve um empate ao longo da linha, com nenhum lado tendo uma vantagem — exceto na ala direita de César. O próprio César estava no meio dela, com os legionários da 10a., utilizando com destreza sua espada, incitando os homens a irem em frente. Eles tinham uma reputação a manter e, com César lá, incitando-os a esforços sobre-humanos, lutando montanha acima, corpo a corpo, escudo a escudo, os veteranos da 10a. gradu-almente empurraram para trás as tropas pompeanas, um passo sangrento de cada vez.

Para conter isso e sustentar sua esquerda pressionada, e provavelmente seguindo o alerta do general Labieno — exatamente como ele tinha aconselhado César nos movi-mentos das tropas em Alésia e outras batalhas do passado —, Cneu Pompeu deu a ordem para que uma de suas outras legiões atravessasse a linha e viesse da direita.

Sempre oportunista e vendo esse movimento sub-reptício, César ordenou a um de seus oficiais do estafe que encontrasse o general Asprenas, seu comandante da cavalaria, e lhe dissesse para concentrar a cavalaria no flanco oposto, enfraquecido pela retirada de Pompeu. O jovem coronel abriu caminho pelo mar de soldados e desceu a montanha. En-contrando o comandante da cavalaria, ele lhe passou a mensagem. O general Asprenas pessoalmente levou vários milhares de cavaleiros contra a direita enfraquecida do jovem

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Pompeu.Enquanto isso, como a legião de Pompeu estava se movendo da ala direita para a

esquerda, os jovens soldados inexperientes do centro da linha de Pompeu, não sabendo do propósito estratégico do movimento, entendeu-o como uma retirada. Mais e mais ado-lescentes do centro pararam de lutar. Em breve, milhares estavam correndo de volta, mon-tanha acima, muitos deles largando suas armas. O pânico espalhou-se entre os recrutas de Pompeu. O centro da linha dissolveu-se, com os homens fugindo aos milhares, alguns para Munda, outros para a planície.

Algumas unidades, como a orgulhosa 1a. Legião, sobreviventes de Farsalos e Tap-so, permaneceram e lutaram, muito embora logo fossem cercadas e mortas.

Estimou-se que 30 mil soldados de Pompeu foram mortos na confusão do lado ex-terno de Munda, além de mais de três mil oficiais.

Entre eles, o general Labieno — cercado e derrubado de seu cavalo, ele morreu lá, do lado de fora de Munda, lutando até seu último alento, como o fez o general Varus. Ambos foram enterrados no campo de batalha, menos suas cabeças, que, segundo Apia-no, foram presenteadas a César. Já as perdas de César foram estimadas em milhares. Muitos homens morreram nos primeiros estágios da batalha, quando o resultado era ainda incerto.

Tanto Plutarco quanto Apiano relatam que, posteriormente, revivendo a batalha, César confessou a seus oficiais e amigos: “Frequentemente luto pela vitória; mas, dessa vez, lutei por minha vida!”

Após a batalha Cneu Pompeu Magno foi ferido, mas conseguiu escapar, acompanhado por uma

escolta de 150 cavaleiros e soldados da infantaria. Mas ele fez parte uma minoria. Com milhares de pompeanos refugiando-se na cidade de Munda e o restante do inimigo sendo perseguido na planície pela cavalaria, César ordenou que a cidade fosse cercada por trin-cheiras. Para convencer os 14 mil abrigados em Munda a se renderem, ele empilhou os corpos dos soldados mortos em batalha, como parte dos entrincheiramentos, as cabeças de muitos dos mortos cortadas e colocadas na ponta das espadas, com rosto voltado para a cidade. Deixando uma pequena força para cercar Munda, o vitorioso Cesar marchou com o grosso de seu exército para Córdoba, para finalizar o negócio.

Pompeu correu para o sul, em direção ao porto de El Rocadillo, posteriormente denominado Carteia, não muito distante da atual Gibraltar, onde possuía navios de guerra e uma guarnição. Mas Pompeu estava ferido no ombro e na perna e também tinha deslo-cado um tornozelo. Finalmente, muito fraco para cavalgar e impossibilitado de andar, ele estava a 13 quilómetros de seu destino, quando não conseguiu ir mais longe por si mesmo e uma liteira lhe foi enviada de El Rocadillo. Ele foi carregado para a cidade.

Alguns dias depois, o jovem Pompeu fez-se ao mar com dez navios de guerra, mas, após três dias de navegação, foi forçado a retornar para a costa da Hispânia, para buscar água e suprimentos. Depois de sua pequena frota ter sido emboscada lá pelo almirante de César Gaius Didius, Pompeu fugiu por terra, com várias centenas de homens. O almi-rante Didius perseguiu-os com seus navios, cercando sua posição nas rochas. Durante a luta, Pompeu, que estava imobilizado por causa de seus ferimentos, separou-se de seus próprios homens. Com a pista fornecida por um prisioneiro, os homens de Didius localiza-ram Gnaeus escondendo-se em um canal. Eles o mataram na hora. A cabeça cortada do corajoso, mas amaldiçoado, filho mais velho de Pompeu, o Grande, foi subsequentemente

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exposta em praça pública, em Sevilha.Ironicamente, o almirante Didius, o homem que terminou com a vida de Pompeu,

foi ele próprio morto pelos homens de Pompeu, que continuaram lutando por vários dias, apesar da morte de seu líder, e causaram um dano considerável e várias mutilações antes de serem varridos pelas forças de César.

César, depois, tomou Córdova, a capital provincial, que estava sendo defendida por duas de suas antigas legiões, a 9a. e a 13a. A 13a defendeu a cidade, mas a 9a. retornou para César no último minuto e começou a lutar contra seus antigos camaradas na cidade. As forças de César ganharam o dia e a cidade, com 22 mil apoiadores dos oponentes morrendo em Córdoba. Sextus Pompeu conseguiu sair da cidade antes que ela caísse, mas, se ele tinha pensado em reagrupar os apoiadores de Pompeu para uma ofensiva renovada, ficou dolorosamente decepcionado. O momentum da campanha tinha se virado para o lado de César, poderosa e irrevogavelmente, e a resistência pompeana perdeu o ânimo. Uma a uma, as últimas cidades espanholas que estavam em mãos pompeanas foram atacadas ou se renderam. Munda também se rendeu. César poupou as vidas dos 14 mil refugiados lá.

Após a morte de Pompeu, seu irmão Sextus Pompeu desapareceu no interior da província com um punhado de seguidores, determinado a continuar a guerrilha, e foi per-seguido pelo oficial de César, o coronel Pollio. Num tratado de paz estabelecido por Marco António, no ano seguinte, o senado romano pagaria a Sextus 50 milhões de sestércios como compensação pelas propriedades perdidas de seu pai e deu-lhe o comando de uma frota romana. Na época em que isso aconteceu, encerrou-se a influência da família Pompeu na história romana. Mas não por muito tempo. Posteriormente, Sextus usaria a frota em seu próprio benefício, tornando-se um pirata e um espinho nas administrações romanas, tentando finalmente dominar a Sicília. Após um sucesso inicial, ele seria morto por um dos generais de Marco Antônio, quando fora forçado a fugir para o Oriente, dez anos após a Batalha de Munda.

Com o final da resistência na Hispânia, naquele verão de 45 a.C., a guerra civil, que tinha custado centenas de milhares de vidas, chegou ao fim. Júlio César era, então, o regente de tudo o que havia conquistado.

ConsequênciasApós a sua vitória final na Hispânia, e antes de voltar para Roma, César percorreu

as províncias ocidentais outorgando a cidadania romana a muitas cidades, entre elas mais de 20 cidades hispânicas; também outorgou a cidadania romana a toda a Gália Transalpi-na. Estes fatos não gostaram a aristocracia romana.

Ao seu regresso a Roma, aumentou o número de senadores de 300 a 900, numa clara intenção de restar poder à classe tradicional do senado, os optimates. Entre os novos senadores também havia cidadãos de províncias, entre eles os espanhóis Títio, Decídio Saxa ou Balbo o Jovem, e até mesmo libertos como Ventídio ou Baso. Reformou as magistraturas aumentando o número de magistrados, passando de quatro edis a seis, de oito pretores a dezesseis, e de vinte questores a quarenta.

Iniciou novos planos de assentamento de cidadãos e criação de colônias nas novas províncias, com novos assentamentos de veteranos e de mais de 100.000 famílias depen-dentes do subsídio de grão. Repartiu as terras públicas entre os mais pobres, deixando de ser uma carga para a República. A república sofreu uma liberalização econômica, ao re-duzir os impostos, e anular as taxas tarifárias. Ditou novas leis, como a lex coloniae Ivliae

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Genetivae, que dotava todas as novas colônias de uma legislação similar à de Roma, com câmaras representativas, e a lex Iulia repentundis, que separava os poderes militares dos governadores de províncias.

César criou um ambicioso projeto de urbanismo público, iniciando rodovias, aque-dutos, portos, e novas cidades, levantadas para acolher os novos colonos. Em Roma, mandou construir o Fórum de César e planejou construir uma biblioteca, um novo teatro esculpido na rocha do Capitólio, a ereção do templo maior do mundo no campo de Marte e até mesmo decidira desviar o curso do sinuoso rio Tibre, um obstáculo para os seus planos de urbanismo.

Assassinato de CésarDepois da sua vitória, César iniciou uma série de gestos anti-republicanos. Acostu-

mava caminhar com botas vermelhas, como os legendários reis de Roma; mandou cons-truir um trono de ouro no senado, criticou que se retirasse uma coroa de uma das suas estátuas e, durante uma celebração no fórum, Marco Antônio ofereceu-lhe uma coroa que César recusou perante as vaias das pessoas.

Todos estes acontecimentos engrandeceram a desconfiança acerca das suas in-tenções. Finalmente, César foi assassinado numa reunião do senado, nos Idos de março (15 de março) de 44 a.C., por um grupo de senadores que acreditavam agir em defesa da república. Entre eles contavam-se os seus antigos protegidos Marco Júnio Bruto e Caio Longino Cássio. César caiu aos pés de uma estátua de Pompeu e disse: “ Tu quoque Brute, filii mei !”

César deixou a sua herança política ao seu sobrinho neto Octaviano, que com Mar-co Antônio e Lépido lutou contra os assassinos de César na denominada Terceira Guerra Civil da República de Roma. Os três formariam posteriormente o segundo triunvirato, até a sua dissolução e o começo da Quarta Guerra Civil da República de Roma, e a ascensão de Octaviano, que por acumulação de cargos e magistraturas, tornar-se-ia no princeps, o primeiro imperador dos romanos.

Repercussão históricaA vitória cesariana converteu a república numa abstração, iniciando a transição para

o regime imperial que eliminaria o poder do senado e as votações para escolher os ma-gistrados.

Roma sempre foi interpretada e reinterpretada desde as perspectivas das diversas convulsões que sofreu o mundo, mas a segunda guerra civil, e o cruzamento do rio Rubi-cão teve uma especial importância para a civilização ocidental. As constituições inglesa, francesa e norte-americana inspiraram-se conscientemente no exemplo da República Ro-mana.

Contudo, nem todos os exemplos seguidos e as lições aprendidas da república ocasionaram estados livres. Napoleão passou de ser cônsul a imperador e durante todo o século XIX os regimes bonapartistas foram chamados de “cesaristas”. O fascismo tam-bém se inspirou na época da segunda guerra civil. Em 1922, Benito Mussolini propagou deliberadamente o mito da sua marcha heroica contra Roma, similar à de César. E não foi o único:

A marcha de César sobre Roma foi um dos pontos de inflexão da história. (Adolf Hitler)

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ANEXO EO IMPÉRIO ROMANO E SEUS EXÉRCITOS

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O IMPÉRIO ROMANO E SEUS EXÉRCITOS

Senatus Populusque Romanus“O Senado e o Povo Romano”

INTRÓITO

O Império Romano (em latim: Imperium Romanum) foi o período pós-republicano da antiga civilização romana, caracterizado por uma forma de governo autocrática liderada por um imperador e por extensas possessões territoriais em volta do mar Mediterrâneo na Europa, África e Ásia. A república que o antecedeu ao longo de cinco séculos encontrava--se numa situação de elevada instabilidade, na sequência de diversas guerras civis e con-flitos políticos, durante os quais Júlio César foi nomeado ditador perpétuo e assassinado em 44 AC. As guerras civis culminaram com a vitória de Otaviano, filho adotivo de César, sobre Marco Antônio e Cleópatra na batalha de Áccio em 31 AC. Detentor de uma autori-dade inquestionável, em 27 AC o Senado romano atribuiu a Otaviano poderes absolutos e o novo título Augusto, assinalando desta forma o fim da república.

O período imperial prolongou-se por cerca de 500 anos. Os primeiros dois séculos foram marcados por um período de prosperidade e estabilidade política sem precedentes denominado PAX ROMANA. Na sequência da vitória de Augusto e da posterior anexa-ção do Egito, a dimensão do império aumentou consideravelmente. Após o assassinato de Calígula em 41 DC, o senado considerou restaurar a república, o que levou a guarda pretoriana a proclamar Cláudio imperador. Durante este período, assiste-se ao maior alar-gamento do império desde a época de Augusto. Após o suicídio de Nero em 68 DC, tem início um breve período de guerra civil durante o qual são proclamados imperadores qua-tro generais. Em 69 DC, Vespasiano triunfou sobre os restantes, estabelecendo a DINAS-TIA FLAVIANA. O seu filho, Tito, inaugurou o Coliseu de Roma, pouco após a erupção do Vesúvio. Após o assassinato de Domiciano, o senado nomeou o primeiro dos cinco bons imperadores, período durante o qual o império atingiu o seu apogeu territorial no reinado de Trajano.

O assassinato de Cômodo em 192 DC desencadeou um período de conflito e declí-nio denominado ANO DOS CINCO IMPERADORES, do qual Septímio Severo saiu triun-

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fante. O assassinato de Alexandre Severo, em 235 DC, levou à CRISE DO TERCEIRO SÉCULO, durante a qual o senado proclamou 26 imperadores ao longo de cinquenta anos. A imposição de uma TETRARQUIA proporcionou um breve período de estabilidade, embora no final tenha desencadeado uma guerra civil que só terminou com o triunfo de Constantino em relação aos rivais. Agora único governante do império, Constantino mu-dou a capital para Bizâncio, rebatizada Constantinopla em sua honra, a qual permaneceu capital do oriente até 1.453 DC. Constantino também adotou o cristianismo, que mais tar-de se tornaria a religião oficial do império. A seguir à morte de Teodósio, o domínio imperial entrou em declínio como consequência de abusos de poder, guerras civis, migrações e invasões bárbaras, reformas militares e depressão econômica. A deposição de Rômulo Augusto por Odoacro é o evento geralmente aceito para assinalar o fim do Império Oci-dental. No entanto, o Império Romano do Oriente prolongou-se por mais um milênio, tendo sido conquistada pelo Império Otomano em 1.453 DC.

O Império Romano foi uma das mais fortes potências econômicas, políticas e milita-res do seu tempo. Foi o maior império da Antiguidade Clássica e um dos maiores da Histó-ria. No apogeu da sua extensão territorial exercia autoridade sobre mais de cinco milhões de quilômetros quadrados e uma população de mais de 70 milhões de pessoas, à época 21% da população mundial. A longevidade e a extensão do império proporcionaram uma vasta influência na língua, cultura, religião, técnicas, arquitetura, filosofia, lei e formas de governo dos estados que lhe sucederam. Ao longo da Idade Média foram feitas diversas tentativas de estabelecer sucessores do Império Romano, entre as quais o Império Latino e o Sacro Império Romano-Germânico. A expansão colonial europeia, entre os séculos XV e XX, difundiu a cultura romana a uma escala mundial, desempenhando um papel signifi-cativo na construção do mundo contemporâneo.

HISTÓRIA

A expansão romana teve início no século VI AC, pouco após a fundação da Repú-blica. No entanto, só no século III AC é que Roma iniciou a anexação de províncias fora da península itálica, quatro séculos antes de alcançar a sua maior extensão territorial e, nesse sentido, já constituía um “Império”, apesar de ainda ser governado como Repúbli-ca. A República Romana não era um estado-nação no sentido contemporâneo do termo, mas sim uma rede de cidades, cada uma com diferente grau de autonomia em relação ao Senado Romano. As províncias republicanas eram administradas por antigos cônsules e pretores, eleitos para um mandato de um ano. O poder militar dos cônsules tinha como base a noção jurídica de Imperium, ou comando militar. Ocasionalmente, os cônsules bem-sucedidos eram agraciados com o título de Imperator (comandante), donde a origem do termo “Imperador”.

A partir do final do Século II AC, ao mesmo tempo em que Roma vive uma série de conflitos internos, conspirações e guerras civis, a sua influência alarga-se para além da Itália. O Século I AC foi um período de instabilidade, marcado por diversas revoltas políti-cas e militares que abriram caminho para a implementação de um regime imperial. Em 44 AC, Júlio César é aclamado ditador perpétuo antes de ser assassinado. No ano seguinte, Otávio Augusto, sobrinho neto e filho adotivo de César e um dos mais destacados gene-rais republicanos, torna-se um dos três membros do Segundo Triunvirato — uma aliança política com Lépido e Marco Antônio. A divisão do império entre Antônio e Augusto foi efêmera. As tensões entre ambos no período que se seguiu à Batalha de Filipos levaram

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à dissolução do triunvirato em 32 AC e ao confronto na Batalha de Áccio, da qual Marco Antônio e a rainha Cleópatra saíram derrotados e que proporcionou a anexação do Reino Ptolemaico por Augusto.

O Senado e o Povo de Roma proclamaram Otávio Augusto príncipe (princeps; o pri-meiro cidadão) com imperium proconsular e o título de Augusto (Augustus = o venerado). Este evento assinala o início do PRINCIPADO ROMANO, a primeira época do período imperial entre 27 AC e 284 DC. O governo de Augusto pôs fim a um século de guerra civil, dando início a uma época sem precedentes de estabilidade social, prosperidade econômica e a PAX ROMANA (“paz romana”), que se prolongou durante os dois séculos seguintes. As revoltas nas províncias eram pouco frequentes e rapidamente controladas. Sendo agora o único governador de Roma, Augusto iniciou uma série de reformas milita-res, políticas e econômicas em larga escala. O Senado atribuiu-lhe o poder de nomear os próprios senadores, bem como autoridade sobre os governadores de província, criando de fato o cargo que mais tarde seria denominado Imperador Romano. Em 27 AC, Augusto tentou devolver o poder ao Senado, o qual recusou, confirmando assim o novo regime po-lítico. Otávio recebeu do senado o título de Augusto e escolheu para si o título de príncipe. (daí ser o período chamado de PRINCIPADO).

Augusto

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PRINCIPADO 27 AC-235 (261 anos)

1. Dinastia Julio-Claudino

Legiões do Exército romano

LEGIÃO CRIADA POR NOTASI Germanica República Desativada em 70 ACI Adiatrix pia fidelis Nero AdiutrixI Italica NeroI Marciana Nero

I (Flavia) Mivervia pia fidelis Domiciano I Parthica Nisibena SeveroI Maximiana Tetrarquia(?)I Valentiana Valencianos ?I Illyricorum Valencianos ?I Pontica ?I Iovia Diocleciano ?I Noricorum ?I Flavia Gemina ?I Flavia Mettis ?I Flavia Constantia ?

I Flavia Gallicana Constantia ?I Flavia Pacis ?I Iulia Alpina ?I Martiorum ?I Armeniaca ?I Isaura Sagittaria ?II Augusta República / AugustoII Adiatrix pia fidelis Nero AdriutrixII Italica Marco AurélioII Parthica SeveroII Traiana fortis TrajanoII Flavia constantia TetrarquiaII Valentiana ValentinianosII Isaura ?II Herculia DioclecianoII Flavia Gemina ?

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II Flavia Virtutis ?II Iulia Alpina ?II Felix Valentis ?II Armeniaca ?II Britannica ?III Augusta pia fidelis República / AugustoIII Cyrenaica RepúblicaIII Italica concors Marco AurélioIII Parthica SeveroIII Diocletiana TetrarquiaIII Gallica ?III Isaura ?III Herculia ?III Iulia Alpina ?III Flavia Salutis ?IV Macedonica César Desativada em 70 DCIV Flavia felix VespasianoIV Scythica Marco Antôno?IV Italica Severo?IV Martia ?IV Parthica ?IV Flavia ?V Alaudae César Destruída sob Domiciano?V Macedonica RepúblicaV Iovia ?

VI Ferrata fidelis constans CésarVI Victrix RepúblicaVI Herculia/Herculea ?

VI Parthica ?VII Claudia pia fidelis CésarVII Gemina GalbaVIII Augusta RepúblicaVIII/IX Hispana República Destruída sob AdrianoX Fretensis RepúblicaX Gemina CésarXI Claudia pia fidelis República

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XII Fulminata CésarXIII Gemina pia fidelis RepúblicaXIV Gemina Martia Victrix República

XV Apollinaris AugustoXV Primigenia Calígula Desativada em 70 DCXVI Gallica Augusto Desativada em 70 DCXVI Flavia Firma VespasianoXVII Augusto Destruída em 9 DCXVIII Augusto Destruída em 9 DCXIX Augusto Destruída em 9 DCXX (Valeria) Victrix AugustoXXI Rapax Augusto Destruida sob DomicianoXXII Deiotariana Augusto Destruida sob Adriano

XXII Primigenia pia fidelis Calígula ?XXX Ulpia Victrix Trajano Destruída sob Amida, 359?

O Exéxcito romano de 14 a 24 DC

Augusto implementou princípios de sucessão dinástica, sendo sucedido na DINAS-TIA JÚLIO-CLAUDIANA por Tibério, Calígula e Cláudio. . Em 69 DC, durante o ANO DOS QUATRO IMPERADORES, Vespasiano ascende ao poder e funda a efêmera DINASTIA FLAVIANA, sucedida pela DINASTIA NERVA-ANTONINA e da qual fizeram parte os im-peradores Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio.

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2. Flavianos e Antoninosa. O Exército romano de 74 a 79 DC

O mapa mostra a disposição das legiões romanas após o final da Guerra da Ju-déia. Uma legião da campanha, a Legio X Fretensis, permaneceu na Judéia, enquanto as outras duas que haviam sido atribuídas a Vespasiano no início da campanha: a Legio V Macedonica e a Legio XV Apollinaris retornaram para suas estações sobre o Danúbio. Algumas fontes afirmam que houve 4 legiões envolvidas na Guerra da Judéia, mas não existem identificações certas que comprovem isso. Com o fim da Revolta dos Civis em 69/70, em 70 DC, foram desmanchadas 4 das legiões que participaram da revolta: Legio I Germana (ou Germanica), Legio IV Macedonica, Legio XV Primigenia, e Legio XVI Gallica. Estas estão indicadas no primeiro mapa sobre o Exército romano, mostrado acima.

De particular interesse na disposição das legiões no reinado de Antoninus Pius é a Legio VI Victrix. No mapa apresentado no inicio da página seguinte, ela se encontra na Espanha. Em seguida encontra-se sobre o Reno. Agora, ela está no norte da Bretanha. No reinado de Marcus Aureius, o comandante da Legio VI Victix teria sido Lucus Artorius Castus. (o nome de Artorius consta como um dos nomes legendários do Rei Artur), Vale destacar que nesta oportunidade foi que a Dàcia foi adida ao Império romano.

A concentração das legiões no entorno da Judéia, novamente, é uma conseqüência da Revolta de Bar Kochba (132 a 135 DC). Figura aqui um mistério quanto a Legio IX His-pania, Préviamente estacionada na Bretanha, que desaparece da listagem das legiões de 165 DC, apesar de muita especulação existente.

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Em 212 DC, durante o reinado de Caracala, foi concedida cidadania romana a todos os cidadãos livres do império. Mas apesar deste gesto de universalidade, a DINASTIA SE-VERA foi marcada por vários tumultos ao longo da CRISE DO TERCEIRO SÉCULO, uma época de invasões, agitação social, dificuldades econômicas e pela peste. No contexto da periodização da História, esta crise é geralmente considerada o momento de transição entre a Antiguidade Clássica e a Antiguidade Tardia.

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É mostrada abaixo na página anterior a disposição das legiões do exército de Seve-ro. O historiador Warren Treadgold informa que o exército de 235 DC continha 34 legiões mais a Guarda Pretorial. No mapa referido são mostradas apenas 33 legiões, conforme as fontes consultadas. Estima-se que o efetivo total das legiões fosse de 385.000 homens. Conforme Johns Hopkins, no entanto, a Legio IV Italica estaria na Mesopotamia, assim chegando-se ao total das 34 legiões.

3. Crise do Século III – 235 a 284 (49 anos)

Este mapa procura mostrar como seriam as coisas no Século V. Os Godos, ainda não divididos, são aqui mostrados, Também são mostrados os francos, como também os vândalos, através da Gália, Espanha e norte da África. Os alemães permanecem na Ger-mânia. Nesta oportunidade, Roma encontra-se enfraquecida pela revolta no Ocidente e Palymene assume o Oriente, apesar de o alemães permanecerem através do Reno e do Danúbio., crescendo em número e sofisticação.

Diocleciano renunciou ao papel de príncipe e adotou o título Domine (mestre ou lorde), marcando a transição do principado para o DOMINATO — um estado de monar-quia absoluta que se prolongaria até à queda do Império Romano do Ocidente em 476 DC. Diocleciano impediu o colapso do Império, embora o seu reinado tenha sido marcado pelas perseguições ao cristianismo. Durante o seu reinado, o império foi dividido numa TETRARQUIA DE QUATRO REGIÕES, cada uma governada por um imperador distinto. Em 313 DC, a tetrarquia entrou em colapso. Após uma série de guerras de sucessão,

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Constantino emerge como único imperador e o primeiro a converter-se ao cristianismo, estabelecendo Constantinopla como capital do império do oriente.

4. Era de Dioclesiano (1-327, 326 anos)

A tetrarquia de quatro regiões pode ser identificada na gravura abaixo.

Ao longo das DINASTIAS CONSTANTINA e VALENTINIANA, o império encon-trava-se dividido numa metade ocidental e noutra oriental, sendo o poder partilhado por Roma e por Constantinopla. A sucessão de imperadores cristãos foi brevemente inter-rompida por Juliano, que tentou restaurar as religiões romana e helenística. Teodósio I, o último imperador a governar o império oriental e ocidental, morreu em 395 DC, após ter decretado o cristianismo a religião oficial do império.

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A divisão do Império romano

A partir do início do Século V, o Império Romano começou a fragmentar-se, uma vez que o elevado número de migrações dos povos germânicos era superior à capacidade do império em assimilar os migrantes. Embora o exército romano fosse eficaz a repelir os invasores, o mais notável dos quais Átila, o Huno, o Império tinha assimilado de tal forma povos germânicos com lealdade duvidosa a Roma, que o império começou a se desmem-brar, a partir de si próprio. A maior parte dos historiadores data a queda do Império Roma-no do Ocidente em 476 DC, ano em que Rômulo Augusto foi deposto pelo líder germânico Odoacro. No entanto, em vez de assumir para si o título de imperador, Odoacro submeteu--se ao domínio do Império Romano do Oriente, terminando assim a linha de imperadores ocidentais. Ao longo do século seguinte, o Império Oriental, conhecido atualmente como Império Bizantino, foi perdendo progressivamente o domínio da parte ocidental. O Império Bizantino terminou em 1.453 DC, com a morte de Constantino XI e a conquista de Cons-tantinopla pelo Império Otomano.

A seguir são apresentados alguns mapas, gravuras e considerações que supleme-nam o até então relatado.

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5. Crise do Século V - 379-476, 97 anosO Exército romano de 408 DC

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No mapa abaixo, vemos o Lilimitanei e o Comitatense (Ver OBS) para o exército ocidental. Vale ressaltar que algumas diferenças foram desenvolvidas entre a organização do Ocidente e os exércitos do Oriente. No Ocidente, os comandantes regionais do Exér-cito Móvel são Condes. A Bretanha apresenta tanto um Duque da Bretanha, na fronteira, como um Conde da Bretanha, com uma unidade do Exército Móvel. O Conde da Ilíria está no exército móvel ocidental, mas o Mestre dos Soldados da Ilíria está no Oriente. No Exército Ocidental, acima dos Condes estão as unidades comandadas pelo “Master of Soldiers”, Magister Militum (ou Magister Peditum), e o “Mestre de Cavalaria”, Magister Equitum, da Gália. Estes são os comandantes-em-chefe do Exército Ocidental (distingui-dos pela cor roxa), com o Mestre de Soldados tornando-se o efetivo “Generalíssimo” do Império Ocidental.

No mapa abaixo, ao leste, vemos o Limitanei e o Comitatense para o Exército Orien-tal. Nas unidades móveis do Exército Oriental, tudo é ordenado pelo seu próprio Mes-tre dos Soldados, com duas unidades atuando como “Soldados da presença do Impera-dor”. Uma vez que existem dois desses, pode-se pensar haver um tanto para o Oriente como para o Ocidente. No entanto, eles aparentemente operavam juntos e faziam parte do Exército Oriental. Assim, a unidade do Exército Oriental encontrava-se focada mais diretamente sobre o próprio Imperador, o que pode ter ajudado o Império do Oriente a evitar a situação havida no Ocidente, onde os imperadores se tornaram meros figurantes. Vale ressaltar que os Condes no Oriente, da Isauria e do Egito, estão ambos em áreas atrás das fronteiras reais. O Conde do Egito comanda um exército que pelo seu tamanho poderia facilmente ter pertencido ao Comitatense. O Conde de Isauria comandavas em uma área conhecida pela rebelião. Ele, no entanto, tem uma força muito pequena (Legio II

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Isaura e Legio III Isaura — a Legio I Isaura Sagittaria encontrava-se com o Exército móvel do Leste), as rebeliões não podem ter sido muito sérias; talvez o problema fosse mais parecido com o banditismo. No entanto, este é o lugar onde Leo I gostaria de convocar recrutas, incluindo o seu futuro afilhado e Imperador Zeno, para substituir os alemães no Exército Oriental.

OBS:1- Os limítanes (limitanei) eram unidades militares do Exército romano durante a

época do Baixo Império. A sua função principal era a proteção das fronteiras, embora em muitos casos o seu trabalho fosse de mera contenção das tropas bárbaras, até a chegada de tropas melhor equipadas, como os comitatenses. Por essa localização fronteiriça, que em muitas ocasiões coincidia com os cursos dos rios, eles também foram também deno-minados ribeirinhos (ripenses)

2 - Os comitatenses eram unidades de infantaria pesada do Império Romano Tardio criadas durante as reformas do exército romano no começo do século IV, provavelmen-te sob Constantino. O nome deriva de comitato (comitatus), a tropa administrativa que serviu o princeps e o acompanhou em suas viagens. Não estavam vinculadas a nenhum território específico e podiam juntar-se às tropas imperiais permanentes estacionadas em províncias específicas (limítanes).Segundo o Código de Teodósio são mencionados pela primeira vez em 325 DC.

No mapa que se segue, os Visigodos tornam-se aliados dos romanos. Em retribui-ção, os alemães de fora da Espanha, são legalmente estabelecidos na Aquitânia. Duas tribos germânicas, no entanto, são deixadas sem serem molestadas. Os Suevos estabe-leceram-se, durante séculos, na Galicia, e os Vândalos Asding cruzaram para África. De

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todos os golpes do Poder Romano, o último viria a ser um dos piores. Roma não podia mais depender dos grãos vindos do norte da África. Muito pior, o astuto rei vândalo Gai-seric (“King Caesar”) construiu uma frota depois de assegurar Cartago em 439 DC. Ele, então, fez o que os cartagineses muitos séculos antes não tinham sido capazes de fazer: obter o controle seguro dos mares. Em 455 DC, eles fizeram o que Hannibal só poderia ter sonhado, chegando a Roma por mar, invadindo e saqueando a cidade, e carregando o espólio de volta para Cartago. Enquanto isso, em torno do mesmo ano, Hengest, o Juta, seguido por Anglos e Saxões, fundaram o Reino de Kent.

Pequeno é o conhecimento sobre o bolsão romano no nrte da Gália. Em face disso, são mostrados a seguir mapas que identficam a situação:

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No mapa acima, vemos a forma clássica do reino germânico sucessor do Império Ocidental. Por volta de 493 DC, Teodorico, o Ostrogodo, convidado pelo imperador Anas-tácio, tinha retirado Odoacro da Itália. Isto foi feito, exatamente, a tempo de salvar os Vi-sigodos, que tinham sido derrotados pelos francos em 507 DC e haviam sido empurrados para fora da Gália. O resultado teve a aparência de um bom equilíbrio de poder, mas não há como se dizer quanto tempo isso pode ter durado. O que é perturbador é que nes-sas coisas não houve qualquer desenvolvimento interno, mas sim um renascimento mais

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inesperado e o retorno do Poder Romano. Na amada história da “queda” de Roma, esta sequela é geralmente esquecida.

6. Retornando ao Ocidente, 518-610, 92 anos

Justiniano pegou a força descansada do Oriente e jogou-a, comandada por seu grande general Belisário, contra os Vândalos e os Ostrogodos. Os Vândalos, pegos de surpresa, entraram em colapso rapidamente, embora com algumas batalhas próximas. Em 540 DC, os Ostrogodos se renderam a Belisário, que teve que correr para o Ocidente para atender a uma invasão persa. Mas ele chegou tarde demais: Khusro I já tinha sa-queado a Antioquia (540 DC). Então, em 541 DC, a resistência dos Ostrogodos reviveu, e a praga atingiu o Império. A campanha na Itália, havida em seguida, levou mais de 11 anos, com poucos homens e dinheiro. Bem sucedidos, mas esgotados, os romanos foram capazes de garantir a parte do sul da Espanha.

Enquanto isso, Justiniano construiu a maior igreja da cristandade, Sancta Sophia, codificou o Direito Romano, e conduziu os últimos pagãos, para a Academia de Platão, fora do negócio. Os Lombardos invadiram a Itália em 568 DC; e, embora eles não tives-sem sido capazes de garantir toda a península, ou as grandes cidades (exceto no vale do Pó), tornaram-se uma fonte de conflito constante para a maioria dos próximos 200 anos. Enquanto isso, a fronteira do Danúbio havia se tornado muito insegura. Já em 540 DC, novamente, búlgaros e eslavos invadiram a região dos Balcãs. Maurice não só restaurou a fronteira, mas a cruzou para empregar uma precoce “defesa avançada” do Império. Infeliz-mente, esta campanha difícil tornou-se impopular com as tropas; e em 602 DC elas assas-sinaram Maurice e toda a sua família. Sob Focas, as coisas começaram a se desfazer. Os persas começaram a campanha que lhes garantiu a parte asiática do império, a recriação da Pérsia dos Achaeminidas, e a fronteira de Danúbio colapsou tão completamente que não seria restaurada por quase 400 anos.

Na página seguinte, a disposição dos exércitos no Império romano de 565 DC.

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IV-227O mapa acima mostra a dinastia Ghassanida, uma tribo árabe que ocupava as

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terras interiores entre a Síria e a Jordânia. Foi na época de Justiniano que os Ghassani-das tornaram-se organizados, chegando mesmo a serem chamados de “reino” por alguns escritores, e eles tornaram-se peça importante na defesa da fronteira romana em 529 DC, quando Justiniano substituiu seus clientes iniciais, os Salihidas pelos Ghassanidas de AL--Harith V, agora um oficial romano phylarch (governador) da sua tribo (phylum). Tais reinos clientes, pode-se dizer, representaram a primeira entrada de árabes na história do Medi-terrâneo. Se eles constituíram um pré-movimento islâmico para o norte, do povo árabe, então, ambos romanos e persas converteram-se na principal ameaça ao balanço de poder entre a România e a Pérsia. Os persas, em verdade, tinham suas próprias tribos árabes clientes, os Lakhmids, que ocupavam as terras interiores a oeste do Eufrates. A rivalidade entre Ghassanidas e Lakhmidas, de fato, devia-se às dimensões religiosas envolvidas: os primeiros eram cristãos e o outros pagãos.

Abaixo é mostrada a situação dos exércitos em 668 DC.

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Abaixo consta a situação dos exércitos em 840 DC e o Império romano em 910 DC.

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PARTE IVFONTES HISTÓRICAS

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FONTES HISTÓRICAS DO PODER MILITAR NA ANTIGUIDADE

Costuma-se, em regra, considerar a história a partir de Heródoto, o primeiro histo-riador que se conhece ter organizado conhecimentos pertinentes à civilização, de forma sistemática ou metódica.

Da proto-história, os escritos mais interessantes são a Bíblia e os poemas de Ho-mero, estes menos lendários e, sem dúvida, mais objetivos que o primeiro e, mesmo, de cronologia mais autêntica.

Vale lembrar que as narrativas do poeta helênico corresponderam a fatos vividos e, por isso, adquiriram valor muito acentuado como documentação histórica. E uma vez que Homero narra acontecimentos mais antigos que Heródoto, ele registra as guerras medas, de cerca de nove séculos, em face do que o campo de nossos conhecimentos inerentes às origens da civilização ocidental dilatou-se consideravelmente.

Através dos registros históricos podemos chegar, ainda, ao conhecimento da evolu-ção da guerra e constatar que certas noções permaneceram no tempo, atavés de séculos. A despeito das diferenciações sofridas ao longo dos anos, na medida em que as lutas tornaram-se mais complexas, tem-se como quase que permanentes os conceitos de orga-nização militar, mobilização, preparação de forças, guerra psicológica, tática e estratégia etc..

Os conhecimentos mais antigos a respeito dos fatos da guerra foram deixados pelos escritores gregos e romanos, entre os quais se destacam Xenofonte, Políbio e Vegécio. Ocuparam-se diretamente das coisas da guerra escrevendo obras especiais a respeito de suas instituições.

Xenofonte e Políbio não foram contemporâneos e viveram em épocas caracteris-ticamente diferentes: o primeiro na fase inicial da grandeza militar helênica e o segundo depois que a Grécia atingira o seu apogeu e periclitava em face do ascendente político--militar da pujança romana.

A obra puramente militar de Políbio perdeu-se, mas de Xenofonte restam preciosís-simos documentos.

Vegécio deixou-nos como legado sua obra “Epítome da Arte Militar”. Ignora-se quais eram as ocupações de Vegécio e sua personalidade, mas soldado, deve ter sido, como todo bom romano. Seu tempo fora o da decadência romana, já no Século IV da nossa era, na época dos imperadores Valencianos do Oriente, de Máximo e de Teodósio.

A obra de Vegécio tenta, evidentemente, mas inutilmente, salvar Roma da derroca-da, mas esta já se encontrava decretada pela corrupção dos costumes, o amolecimento e a incompreensão da camada dirigente ou dominante. A invasão dos bárbaros que se seguiu mostraria o quanto a situação era irreparável.

Há de se lembrar, ainda, de Tito Lívio, um historiador romano que viveu várias déca-das depois de Políbio. Lívio nasceu por volta dos anos 59 a.C. e, portanto, cresceu ao final do período republicanao, época em que Júlio Cesar conquistava a Gália.

E por ter sido citado, não se deve esquecer dos comentários escritos por Júlio Cé-sar, narrativas admiráveis das suas campanhas na Gália, durante a Guerra Civil enfrentan-do as forças de Pompeu, das lutas na Espanha, na Alexandria e na África.

Antes de se abordar com uma maior profundidade aqueles principais historiadores, responsáveis pelas fontes primárias que nos restam, vale destacar algumas consudera-ções julgadas importantes.

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FONTES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS

Fonte primária é um termo utilizado em várias disciplinas. Em historiografia e na blioteconomia, uma fonte primária (também chamada de fonte original) é um documen-to, gravação ou outra fonte de informação, como um documento escrito ou uma figura por exemplo, criado no tempo em que se estuda, por uma fonte autoridade, geralmente uma com conhecimento pessoal direto dos eventos descritos. Serve como fonte original da informação sobre o tópico. Fontes primárias são distintas de fontes secundárias, que frequentemente citam, comentam sobre, ou constroem conclusões baseadas em fontes primárias.

Uma fonte secundária, por seu turno é um documento ou gravação que relaciona ou discute informações originalmente apresentadas em outros lugares. O conceito de fon-te secundária se contrasta com o de fonte primária, que é uma fonte original da informação a ser discutida. Fontes secundárias envolvem generalizações, análises, sínteses, interpre-tações, ou avaliações da informação original. Os termos primária e secundária são relati-vos, e algumas fontes podem ser classificadas como primária ou secundária, dependendo em como ela é utilizada. Um nível mais alto, chamado de fonte terciária, se assemelha a uma fonte secundária no qual estão contidas análises, mas tenta oferecer uma perspecti-va mais geral sobre um tópico de forma a torná-lo mais acessível ao leitores leigos.

PRINCIPAIS FONTES PRIMÁRIAS PERTINENTES AO PODER MILITAR DA ANTIGUIDADE

1) Júlio César foi ao mesmo tempo um grande general e um bom escritor. Ele nar-rou sua conquista da Gália em sua obra A Guerra das Gálias; em seus escritos intitulados As Guerras Civis ele nos oferece a sua opinião sobre aquele evento, de como ele foi for-çado a fazê-la, narrando suas campanhas e como ele “jogou os dados” em Ariminum para levar à derrota e a conseqüente morte o seu oponente Pompeu; detalha, principalmente os cercos de Brundisium e Massilia , a campanha de Curio na África, e as batalhas de Ilerda, Dyrrhachium, e Pharsalus. Em continuação, ele também escreveu a sua Guerra na África, sua campanha na Alexandria e sua Guerra na Espanha.

2) O autor grego Políbio foi um amigo próximo de Scipio, um dos grandes generais de Roma, e com ele passou muito tempo fazendo campanha no Século II AC. Suas histó-rias são, portanto, essenciais para o entendimento do Exército romano e a ascensão da República romana como uma potência mundial. Ele é um dos responsáveis pelas nossas mais importantes fontes sobre a organização do exército, a legião, e o sistema usado no acampamento romano.

3) A história romana escrita por Cassius Dio é um outro trabalho cuidadoso reali-zado por um historiador grego, e também um senador romano do Século III DC. Embora ele era fosse um civil, como poderia uma história sobre Roma evitar ser em grande parte dedicada às guerras? Embora um pouco fragmentada, sua história ainda é uma boa fonte para as Guerras Púnicas, as Guerras Civis do Século I AC e a guerra de César na Gália; mas muitas outras guerras também são cobertas.

4) A Strategemata de Frontinus (Século II DC) compõe-se de uma coleção de mais

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de 500 exemplos de dispositivos, ardis, estratagemas e idéias criativas da história, desti-nadas pelo autor para servir como uma espécie de lista de verificação para o comandante militar. O trabalho é um apêndice de seu trabalho sobre a arte da guerra, que não sobrevi-veu. Suspeita-se que as “histórias” interessantes interessaram muito mais aos copistas e leitores medievais do que a servir como um instrumento de trabalho teórico mais profundo; é uma grande pena.

5) A epítome de Florus é uma história claramente resumida de Roma, para citar o título dado aos manuscritos. Os dois livros da Epitome, extraídos de Tito Lívio abrangem todo um período de 700 anos de guerras. Uma vez que grandes trechos da obra de Lívio foram perdidos, e que o autor baseou-se também em outras fontes, é um livro valioso: permite que, em 2 horas, se leia uma história sólida, mas concisa sobre Roma; Não há algo melhor.

6) “As vidas de Plutarco” abordam a vida daqueles homens mais relevantes da história militar romana: Romulus, Fábio Máximo, Crasso, Sertório, Marius, Sulla, César, Brutus, e Marco Antônio.

7) As “Construções” de Procópio, um historiador grego do Século VI DC é, nomi-nalmente, um catálogo sobre a febre de construções levadas a cabo por Justiniano em todo o império; embora ela não inclua as igrejas, os banhos e outros prédios públicos, a maior parte do trabalho é de fato dedicado às centenas de fortalezas e fortificações, com detalhes de seus posicionamentos, de abastecimento de água e de construção.

8) Dos dez livros de sua De Architectura, o autor romano Vitruvius dedica dois a arquitetura militar e à engenharia de combate. O Livro I abrange a implantação de uma cidade e a construção de suas muralhas;o Livro X é principalmente dedicado às máqui-nas de guerra e a defesa contra elas, e inclui um prólogo sobre um tema exaustivamente militar: como lidar com o excesso de custos.

9) Uma das grandes testemunhas da máquina militar romana é a Coluna de Traja-no, em Roma, que documenta em pedra esculpida as campanhas do imperador na Dacia, com os seus exércitos, suas batalhas, suas fortificações, suas pontes e seus navios.

10) As “Táticas de Defesa” de Aeneas (quase que certamente do Século IV AC) é um dos primeiros manuais militares didáticos da Antiguidade clássica que sobreviveu. Ele estabelece alguns dos princípios básicos de defender um lugar fortificado sob cerco.

11) A obra “Strategikos” de Onasander, escritor grego de Século I AC, é um manual para o general: fornece alguns conselhos militares básicos, mas, principalmente, o tipo de pessoa que ele deveria ser, com o que ele deveria se preocupar, como pensar, como tratar o inimigo, seus subordinados, e as populações civis.

12) Também é sobrevivente o trabalho de Asclepiodotus, chamado de filósofo da Antiguidade:em suas “Táticas” ele disseca a composição e as evoluções do Exército gre-go, um tema que pelo tempo, era de interesse puramente antiquário.

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POLÍBIO E TITO LÍVIO

Acredita-se que Políbio tenha nascido por volta de 208 AC, em Megalópolis, cidade fundada pelos arcádios. Faleceu em 125 AC De família aristocrática, teve uma educação literária e filosófica e viveu uma vida política e militar muito ativa. Das suas obras, Historia é a maior, onde concentra dados ao abordar as Guerras Púnicas..

Historia constitui um dos mais importantes relatos históricos do mundo antigo. Ela, provavelmente, foi elaborada em um período de maturidade do autor e sua principal ca-racterística repousa na preocupação com a veracidade do relato e não nos cuidados esti-lísticos. Por enfatizar as Guerras Púnicas, costuma-se dizer que Políbio narrou, portanto, a época em que os romanos conseguiram dominar boa parte do mundo conhecido até então.

Tito Lívio nasceu em Patiuium , hoje Pádua, na Itália. Não se sabe dizer quando deixou a cidade natal para se dirigir a Roma, mas alguns autores concordam que seu esti-lo de escrita revela uma educação respeitosa às antigas tradições romanas. Dedicou sua vida à literatura e sua maior obra conhecida como História de Roma conta um período em que o Imperio Romano se estabelecia. Lívio morreu pouco depois do imperador Augusto, em 17 DC, já sob o principado de Tibério.

Historia de Roma, acredita-se ter sido iniciada por volta de 25 AC. Seu título em latim é Ab Vrbe condita (desde a fundação da cidade). Lívio inicia a narrativa com as histó-rias sobre a fundação de Roma, teminando a obra com os acontecimentos de 9 DC, já NA época de Augusto. Seu estilo levou muitos especialistas a afirmarem que Lívio escreveu uma História de Roma fundada na moral e na disciplina. Sua preocupação central estava na formação do cidadão romano. Enfatiza as virtudes antigas e usa desse recurso como meio de criticar a corrupção que percebia em sua própria época.Por vezes idealiza o povo e o Senado romano de tempos anteriores.

Ainda que Lívio tenha se inspirado em Políbio, eles se diferem entre si. Políbio pre-ocupa-se mais com o encadeamento dos fatos e descreve as etapas dos acontecimentos, enquanto Lívio enfatiza a relação entre as qualidades morais dos romanos e suas conquis-tas territoriais no período republicano.

VEGECIO

A obra célebre de Vegécio, como dito, é o Epítome da Arte Militar, que alguns dizem ter sido dedicada ao Imperador Valenciano II, embora outros asseveram tê-lo sido ao Im-perador Teodósio.

Como informa o próprio autor, Epítome da Arte Militar foi feita a mando do impera-dor.

Vejamos o conteúdo da obra, que se organiza em cinco livros:• Livro primeiro: O Recrutamento e a Instrução;• Livro segundo: A Legião;• Livro terceiro: A Batalha;• Livro quarto: O Ataque e a Defesa das Praças e Fortes;• Livro quinto: A Guerra Naval.

No primeiro livro, Vegécio nos mostra como se procedia ao recrutamento em Roma, a cujo serviço militar em idade apropriada ninguém se podia recusar em princípio,

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e nos informa sobre as repercussões que a degradação dos costumes trouxe a essa ins-tituição. Dá conselhos para a correção de vícios. Relata que o serviço era obrigatório, mas o número de soldados a arrolar era relativamente pequeno, de modo que muitos ficavam naturalmente livres para servir. Seriam escolhidos os mais robustos, inteligentes e instruí-dos. Tal espírito prático e objetivo dos romanos, portanto, não contemplava o sorteio.

As questões e assertivas abaixo arroladas, prefaceiam os capítulos do primeiro livro demonstrando a objetividade da obra:

I. De que regiões devem ser escolhidos os novos cavaleiros e soldados.II. Quais os mais úteis para a guerra, os jovens das cidades ou do campo ?III. Qual deve ser a idade dos recrutas ?IV. Qual deve ser a estatura dos jovens cavaleiros e a dos homens de arma ? V. Os melhores soldados podem ser reconhecidos, no recrutamento, pela sua fisio-

nomia e conformação do corpo.VI. As artes ou profissões de que não se devem escolher soldados.VII. Quando os jovens devem ser designados por sinais e arrolados.VIII. O gênero de armaduras usadas pelos antigos.

Feita as escolhas, Vegécio mostra como se preparavam os recrutas na antiguidade romana, cuja idéia mestra era a regra de que “em tempos de paz os trabalhos devem ser tão árduos que os da guerra pareçam suaves”. Além do mais, tudo devia ser feito de modo que nada ocorra na guerra para que oi homem não tenha sido preparado na paz.

Os capítulos referente à instrução possuem os seguintes tópicos:I. A preparação inicial para as marchas e combates.II. Os jovens soldados devem aprender a nadar.III. Os jovens soldados devem aprender a montar.IV. Os jovens devem saber que mais convém ferir de ponta que de golpe.V. O treinamento da esgrima.VI. O emprego das armas de jato (de arremesso).VII. O exercício das maças chumbadas.VIII. O treinamento para as marchas.IX. A importância dos campos.X. O local, a forma e o trabalho para construir os campos.XI. Os jovens sodados devem aprender a guardar a ordem na formatura e a mano-

brar.XII. O amor pela profissão militar e a virtude romana.

O segundo livro trata da organização da legião, inclusive a composição e formação dos seus quadros e de como a legião se preparava para a vida em campanha e o combate.

Organiza-se conforme os seguintes capítulos:I. A arte militar e as forças.Descreve o que seja a infantaria a cavalaria e a frota de

guerra,II. A decadência das legiões.III. A organização das legiões.IV. Os quadros da legião e seu papel.V. A cavalaria legionária.VI. A legião na batalha.VII. Informações complementares a respeito da legião.

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VIII. A instrução da legião.

O terceiro livro é a obra da doutrina de guerra por excelência, uma vez que trata do emprego da legião.

Há nesse livro ensinamentos preciosos que, vindos desde o tempo de Homero, am-pliados pelos progressos do espírito grego, ainda mais se foram firmados e desenvolvidos na era romana, transmitindo-se através das diversas épocas até a nossa, portanto com foros de definitivos.

Cuida da organização e emprego das reservas, do estudo da perseguição, da influ-ência do terreno nas operações e batalhas, das questões inerentes às informações sobre o inimigo, da ação do chefe na preparação e execução das operações.

Organiza-se segundo os seguintes capítulos:I. A idéia diretriz da mobilização.II. A preparação de um exército para a batalha.III. A preparação da batalha.IV. A batalha.V. A conduta da batalha.VI. Casos particulares e prescrições diversas.

O quarto livro enfocando o ataque e a defesa das praças fortes, assim se organiza:I. Noções gerais sobre a fortificação de cidades.II. A preparação para a campanha.III. O ataque.IV. A defesa.

Finalmente, chega-se ao quinto livro, que trata da guerra naval, abordando a or-ganização das bases navais dentro doquadro de conjunto da guerra.

Seus capítulos contemplam:I. Os comandos navais e os navios.II. As condições de navegação.III. A batalha naval.

Vegécio não conseguiu exercer no seu tempo a influência regeneradora das insti-tuições militares a que se propunha, a fim de evitar a derrocada que antevia como certa e que, de fato, não tardou. Mas foi feliz pelo renome e pela conformação de uma doutrina que lhe deu a posteridade.

Sua lições foram lembradas ao longo dos tempos pelos interessados na arte da guerra e sabe-se que aqueles que frequentaram a Escola Superior de Guerra de Paris, de 1929 a 1931, frequentemente, viram evocadas, pelos instrutores, a imagem e as lições de Vegécio.

Com toda certeza o acesso ao”Epítome da Arte Militar” nos possibilitará conhecer preciosos dados ao estudo que então iniciaremos.

JÚLIO CÉSAR.

Há mais de dois milêcios, Júlio Cesar, um dos mais célebres estadistas e generais romanos, publicou um relato da sua campanha contra as tribos celtas que então viviam

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espalhadas pela Suiça, França, Bélgica e Inglaterra de hoje, denominando-o commentarii de bello gallico (comentários sobre a Guerra Gálica), consagrando-o como um excelente historiador.

Cesar abre a primeira página de seu livro com uma das suas mais conhecidas fra-ses: Gallia est divisa in partes tres. (a Gália está dividida em três partes). E de fato, assim era. Bem ao norte, a terra dos celtas era habitada pelos belgas, no centro pelos gauleses propriamente dito e ao sul dela, pelos aquitânios.

A obra de Julio Cesar relata como que, com apenas quatro legiões, uns 24 mil homens, fora as tropas auxiliares, ele se deslocou por seis anos seguidos (entre 58 a 52 AC), por quase todo o território da Gália, impondo-lhe a obediência ao gládio e à lei de Roma. De relêvo o seu relato a respeito das operações anfíbias realizadas durante a penetração na Bretanha.

Outras foram as obras de Cesar e que registram a sua magnitude como chefe mi-litar. Em outros quatro comentários ele descreve como se deram: a vitória sobre Pompeu durante o que se chamou de Guerras Civis; a campanha da Espanha onde, em Munda, sufocou a revolta fomentada pelos filhos de Pompeu; as lutas na Alexandria; e as batalhas na África.

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