a roma antiga e seu poder militar - parte ii

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A Roma antiga e seu Poder Militar III-1 PARTE II OS BASTIDORES DO EXÉRCITO ROMANO

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Parte II do estudo sobre o Poder Militar da Roma Antiga

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PARTE IIOS BASTIDORES DO EXÉRCITO ROMANO

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SUMÁRIO

Introdução III-05Capítulo 47 - O exército da República romana III-07

- Servius Tullius e as cinco classes III-08 - Os Veii e a invasão gálica III- 09- As reformas do exército III- 10- As guerras contra os samnitas III-11- Romanos, latinos e aliados III- 12- Pirro III-13- Cartago e Aníbal III-15- Desastre em Canas III-16- A Guerra na Espanha III-19- O clímax da guerra III-21- Efeitos da guerra III-23- Políbio e o Exército romano III-24- O acampamento romano III-26- A legião na batalha III-36- Tribunos e legados III-49- Roma no Oriente III-50- A Espanha e o Ocidente III-52- O sítio de Numância III-53- A dívida Roman coma a Grécia III-54- O crescimento do profissionalismo III-56- Um exército de cidadãos III-57

Capítulo 48 – “As mulas de Marius” III-59- Conflitos políticos III-59- Jugurtha III-60- A ameaça vinda do norte III-61- O capite censi IIII-62- Manípulas e coortes III-64- A águia legionária III-67- A Guerra Social III-68- Consequências da guerra III-69- Mithridates III-69- Pompeu e Crassus III-70- Guerra no Oriente III-72- O serviço no exército no final da República III-74- Tropas de apoio III-75

Capitulo 49 – César e a conquista da Gália III-77- Os Helvécios III-78- Ariovistos III-80- As tribos belgas III-80- César na Bretanha III-81- Uma legião é destruída III-82- Revés na Gergóvia III-83- O sítio de Alésia III-85- O Exército de César III-89- Os lucros da guerra III-92- O generalato de César III-92- A aproximação da Guerra Civil III-93

Capítulo 50 – A Guerra Civil III-94- Conquista da Itália e do Ocidente III- 94- Trabalhos de sítio em Dirrhachium III-96- Farsalus III-97

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- Veni, Vidi, Venci III-99- Triunfo e conseqüência III-100- Os idos de março III-101- O advento de Otaviano III-102- A Guerra no Norte III-103- O Segundo Triunvirato III-106- Filipos III-106- A Guerra da Perúsia III-109- Da Guerra da Perúsia para Actium III-110- A Batalha de Actium III-111

Capítulo 51 – O surgimento das Legiões Imperiais III-115- Reorganização após Filipos III-116- Depois de Actium III-116- Títulos e epítetos III-118- Emblemas legionários III-120- Não-romanos nas legiões III-121- As legiões do início do Império III-123

Capítulo 52 – A era de Augusto III-125- O novo Exército romano III-125- Mudando as condições do serviço militar III-127- Augusto e seus soldados III-128- Oficiais e cavalheiros III-128- Poder Marítimo e Marinha de Guerra III-131

- Tropas na cidade III-134- Gália e Espanha III-135- A Partia e o Oriente III-137- A fronteira norte III-138- A Gália sob o domínio romano e as guerras e obras de Augusto III-141- As guerras de Augusto III-142- Cronologia III-144- A barbarização da Gália III-145- Revolta e desastre III-148- A estirpe do Império III-150

Capítulo 53 – Os exércitos do início do Império Romano III-152- As legiões III-152- A primeira coorte III-154- Hierarquia de comando III-155- Os centuriões III- 158- Recrutamento III-159- A transformação das legiões III-161- Auxiliares III-161- A Marinha de Guerra III-164- A Guarda Pretoriana III-165- Coorte urbanas III-166 - Vilgiles III-167- Estrutura dos mais altos comandos militares III-167- A defesa do Império III-168- Evolução III-171- Conclusão III-174

Apêndice 1 – As legiões da Guerra Civil III-175

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INTRODUÇÃO

Certamente, o Exército romano atraiu muitos escritores, mas o presente livro não é, apenas, mais um conto descritivo do exército do Império Romano, muito familiar aos estudantes da Britânia romana desde suas fronteiras e de seus fortes. Pelo contrário, o tema aqui diz respeito ao crescimento do exército e do desenvolvimento de suas institui-ções e tradições, enfim, tudo o que se encontra por trás do familiar Exército imperial. O presente trabalho revela a história do Exército de Roma desde os tempos de uma milícia que guardava uma aldeia no Tibre, até meados do Século I DC. De certa forma, as páginas seguintes constituem os prolegômenos do Exército Imperial romano descrito pelo Dicio-nário Graham Webster, a introdução mais útil para o entendimento das forças armadas da época do Império romano, propriamente dito. As legiões que acamparam sobre a costa norte da Gália, no verão de 43 AD, prontas para embarcar para a invasão de Claudiana na Grã-Bretanha, foram os herdeiros de oito séculos de crescimento e de desenvolvimento. As quatro legiões individualmente — II Augusta, a IX Hispana, a XIV Gemina e a XX (em breve a Valeria Victrix) — todas levam com elas à Grã-Bretanha, à memória das campa-nhas travadas e às honras de batalhas, referentes ao período longo de muitos anos, desde que estas unidades particulares surgiram, durante as guerras civis no final da República Romana.

No presente trabalho, há um grande interesse pelo conhecimento do Exército roma-no de antes do desenvolvimento do Império, sob a ótica da colonização e assentamento na Itália, de 47 a 14 AC e que documentou o estabelecimento em terras da península itá-lica e, posteriormente, pelas conquistas realizadas pelos soldados dos exércitos de Julius Caesar, dos Triúnviros e de Augusto. A falta de um livro sobre o exército, preenchendo a lacuna entre a República e o Império, é imediatamente aparente. Nosso conhecimento do exército republicano é amplamente baseado em referências literárias de autores antigos, que têm sido estudados, principalmente, pelos historiadores. O Exército do Império é co-nhecido, principalmente, através de inscrições e seus vestígios arqueológicos analisados pelos arqueólogos que trabalharam nas regiões das antigas províncias do Império, onde sobrevivem, em quantidade, estas evidências. Ainda existem vestígios arqueológicos refe-rentes à República, mas o volume de tal material está mais vinculado aos acampamentos romanos e suas fortificações, que foram identificados pelo trabalho de campo e por foto-grafias aéreas. Nos últimos anos, o trabalho de Peter Connolly, em termos de ilustrações, em estilo inimitável, referentes às armaduras e armas do exército da República, abriu os olhos de muitos para o Exército romano de antes do Império. O período entre Marius e Cé-sar tem sido estudado em detalhes por Jacques Harmand cuja obra “ l’Armée et le Soldat à Roma” continua sendo uma fonte indispensável. Sem dúvida, o leitor se surpreenderá por saber que não foi um único acampamento romano o ainda foi encontrado na Itália para testemunhar, por exemplo, as operações contra Hannibal ou as tribos celtas no vale do rio Pó. Em gerações passadas, o estudo do Exército Romano foi retomado por muitos homens, ilustres militares – na ativa ou aposentados — que idealizaram o modo de vida do militar romano.

Seus conhecimentos especiais não devem ser menosprezados. Acima de tudo en-tre eles encontram-se major-general Von Göler, coronel Stoffel Hauptmann Veith e (em tempos mais recentes) o major-general Fuller e o capitão Sir Basil Liddell Hart. Para qual-quer leitor que deseja aprofundar sua compreensão sobe a psicologia do homem de qual-quer idade diante do inimigo, The Face of Battle (London, 1976) de John Keegan deve ser

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uma leitura essencial.Sempre que possível, as ilustrações e desenhos que acompanham cada capítulo

são de material e sites estritamente contemporâneos, relativos ao período em discussão. Assim, o leitor encontrará aqui não cenas da coluna de Trajano, nem de produções de artistas criativos, nem aparecem os legionários de César marchando em uniformes futu-ristas. Na verdade a única imagem consciente para provar o período em análise será o baixo-relevo (Fig. 47) da fortaleza de legionários de Inchtuthil (construída em 84-86 DC), que continua a ser uma evidência crucial para a organização interna de uma legião no Im-pério precoce, e um relevo esculpido da guarda pretoriana de Roma (pl. 20), que parece ser datada do encerramento do Século I DC ou início do Século II DC.

Em geral, deu-se preferência à forma Latina, geralmente acompanhada do nome moderno, ocasionalmente indicado, para que se torne mais familiar. Todas as datas são AC, exceto aquelas especificadas como DC.

As ilustrações foram vias de regra desenhadas pelo próprio autor (Lawrence Ke-ppie), exceto aquelas que ele reconheceu adequadas ao entendimento.

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Capítulo 47O EXÉRCITO DA REPÚBLICA ROMANA

Roma, naturalmente, teve um exército desde seus primeiros dias, quando era uma aldeia às margens do rio Tibre. No início, ele consistia do rei, seus guarda-costas, dos re-tentores e dos membros do clã (grupos que viviam na cidade e no seu território escasso). O exército incluía tanto a infantaria como a cavalaria.

Achados arqueológicos de Roma e dos seus arredores sugerem a utilização de es-cudos circulares ou ovais, coletes de couro com metais peitorais, que protegiam o coração e o peito, e elmos de bronze cônicos. Deve-se, no entanto, ser salientado que existem poucas evidências sólidas daquele inicio, para que se tenha indicadores corretos da orga-nização do Exército romano precoce.

As guerras entre Roma e seus vizinhos foram pouco mais que atritos entre bandos de ataques armados, com algumas centenas de homens no máximo. É salutar lembrar que Fidenae (Fidene), contra o qual os romanos estavam lutando em 499, encontra-se, agora, dentro do circuito de auto-estradas no entorno da Roma moderna, e que tudo o mais foi engolido pelos seus subúrbios do norte. Veii, a cidade etrusca, que foi a principal rival de Roma pela supremacia na planície do rio Tibre, ficava a meras 10 milhas a noroeste.

Em aparência, o Exército de Roma pode ter pouco diferido do exércitos das outras pequenas cidades do Lácio, desde as terras planas ao sul até a foz do rio Tibre. Todos foram influenciados em seus equipamentos e em táticas militares, pelos seus poderosos vizinhos do norte, os etruscos, cuja Confederação dos Doze Anos representava as cida-des que eram o poder dominante na Itália central, no meio do primeiro milênio AC. Autores romanos antigos preservaram alguns detalhes sobre as instituições do exército precoce, e talvez seja possível estabelecer alguma sequência de seu desenvolvimento. Acredi-tava-se que a primeira estrutura militar baseou-se em três “tribos” do período régio — o Ramnes, o Tities e o Luceres — todos nomes etruscos, um produto do período da forte influência etrusca.

Cada tribo fornecia 1.000 homens para o exército, sob o comando de um tribuno (lit. oficial tribal). As subdivisões de cada tribo continham 100 homens (uma centúria) daquele

Figura 01 - Roma e arredores - Itália, cerca de 400 AC, mostrando as grandes tribos e as colônias gregas.

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total. A força resultante — alguns 3.000 homens no todo— era conhecida como a legio, ou levy (ou a ‘cobrança’). A nobreza e seus filhos, formavam um pequeno corpo de cavalaria, com cerca de 300 homens, extraídos das três tribos em igual proporção. Estes eram os equites, os cavaleiros; isto significa que todos os homens que fosse auto-suficientes para equipar-se para o serviço da cavalaria pertencia ao Ordo Equester, o contingente montado (geralmente conhecido, agora, como a ordem equestre).

SERVIUS TULLIUS E AS CINCO CLASSES

Para o estudante do Exército romano inicial, pode parecer que um ponto fixo existiu no reinado do sexto rei de Roma, Servius Tullius, cerca de 580 a 530.

A Sérvio é creditado o estabelecimento de muitas das primeiras instituições do Estado romano. Em particular a ele é dito ter realizado o primeiro censo do povo romano e a ter dividido a população em ‘classes’, de acordo com a sua riqueza (ver Fig. 2).

Esta ‘Constituição de Servius’ teve um duplo propósito: político e militar. Em primeiro lugar, ele organizou a populaça em centurias (centenas) para fins de voto na Assembleia. Os agrupamentos eram ligados ao status financeiro do indivíduo e sua correspondente capacidade de fornecer suas próprias armas e equipamentos para o serviço militar. Assim, os recursos do Estado foram aproveitados para as necessidades da sua defesa. Os equi-tes, a seção mais rica da comunidade, foram organizados em 18 centurias. Abaixo deles vinha a maior parte da população, que servia como infantaria, divididas em cinco ‘classes’. Os membros da ‘primeira classe’ deveriam ser armados com uma couraça de bronze, lan-ça, espada, escudo e perneiras para proteger as pernas; os da ‘segunda classe’, seriam equipados com a mesma panóplia, menos a couraça; os da ‘terceira’, com os mesmos equipamentos, mas sem as perneiras; os da ‘quarta’ tinham, apenas, a lança e o escudo; e os da ‘quinta’ estavam armados apenas com fundas ou pedras. Em cada classe daqueles homens, haviam mais de 46 (os seniores) a quem eram atribuídas as tarefas referentes à defesa da cidade contra um possível ataque, enquanto o restante (o iuniores) formava o exército de campanha. Abaixo das cinco classes havia um grupo chamado o ‘capite censi’, ou seja, os homens ‘registrados por uma contagem’, que não tinham nenhuma proprieda-de em seu nome, que desse modo eram desclassificados para o serviço militar.

Figura 02 – A constituição de Servius.

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As reformas de Servian, é claro, assinalaram a introdução em Roma do estilo ‘ho-plita’ do Exército grego, que era constituído de linhas de infantaria muito cerradas e forte-mente armadas para a luta. Os romanos, mais tarde, disseram que tinham copiado a tática hoplita dos etruscos. Esta declaração, que destaca a itálica tradição nativa, obscurece o fato de que os hoplitas foram uma importação da Grécia, onde os soldados de infantaria armados com longas lanças eram o componente básico da linha de batalha formada por volta do ano 675. O hoplita (a palavra significa um homem armado com o hoplon, um escudo circular que foi o elemento mais distintivo no seu equipamento defensivo) foi o combatente padrão na época das guerras do Peloponeso, no Século V, e dos exércitos de Atenas e de Esparta, quando a civilização grega estava no auge. Os hoplitas lutavam em ordem cerrada, sobrepondo seus escudos e “jabeando” sua lanças para a frente, em uma falange (lit. um rolo), que poderia ser de qualquer comprimento, mas geralmente de oito (mais tarde 12 ou 16) linhas profundas. As baixas na linha da frente eram substituídas pela passagem para a frente do segundo homem da mesma fileira, e assim por diante. A falange era constituída por companhias de 96 homens, com uma largura de 12 homens e uma profundidade de 8.

No entanto, resta dúvidas se um sistema da complexidade da Constituição Servia poderia ter sido planejado em Roma em uma data tão precoce. A primeira fase foi, mais provavelmente, a do estabelecimento de uma única classis, englobando todos aqueles capazes de fornecer os equipamentos necessários para si mesmos, a fim de estarem capacitados a ocupar o seu lugar na linha de hoplitas. Todos os outros cidadãos, eram designados como infra classem, ou seja, sua propriedade era menor do que o nível pres-crito. Na origem, a palavra classis significava uma chamada às armas — seus significados mais familiares em latim e em inglês são um desenvolvimento posterior. Os escritores mais antigos referem-se a um efetivo da nova ‘Legião hoplita’ como sendo de 4.000 homens enquanto que a cavalaria que a acompanhava era de 600. Deve-se lembrar que, em toda a República Romana, os soldados que lutavam por Roma eram seus próprios cidadãos, para quem a defesa do Estado era uma responsabilidade, um dever e um privilégio.

OS VEII E A INVASÃO GÁLICA

Nos últimos anos do século VI, a família governante de Tarquinio foi expulsa de Roma, e estabeleceu uma República. Um século de guerra em pequena escala contra as comunidades adjacentes levou à Roma a primazia sobre o Lácio. Entretanto, os etrus-cos tinham declinado em força, quando foram enfrentados pela hostilidade das colônias gregas do sul da Itália, seus rivais comerciais, e pelo aumento da migração das tribos gaulesas (ou seja, celtas) que, por volta do Século V, tinham penetrado através dos Alpes e se encontravam empurrando os postos avançados etruscos do vale do Pó e estavam pressionando em direção ao sul contra o “heartland da Etrúria propriamente dita. No longo período que se passou, pode ser visto que os etruscos forneceram uma reserva para as cidades do centro e do sul da Itália contra o avanço dos homens das Gálias, o que consu-miu grande parte de sua força restante.

No auge da crise, em 406, Roma entrou em uma fase final de conflito com o seu vizinho e arqui-rival, Veii. A luta continuou de forma inconstante ao longo de um período de dez anos e chegou a uma conclusão bem sucedida com a captura de Veii em 396 pelo ditador M. Furius Camillus. A duração de dez anos da guerra levou a uma comparação pa-triótica com a guerra de Tróia. A fim de se preparar para a luta contra o Veii, o exército dos

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romanos havia, aparentemente, se expandido para 4.000 a 6.000 homens, provavelmente até a criação das classes ‘segunda’ e ‘terceira’ do sistema Servian. Os homens da segun-da classe tinham que se apresentar para o serviço com espada, escudo, lança, perneiras e elmo, mas não era esperado que possuíssem couraças. Os homens da terceira classe deveriam ter lança, escudo e capacete, mas não as perneiras. Para equilibrar a ausência da armadura protetora, os novos grupos usavam o escudo do tipo itálico, o scutum, no lugar do escudo circular tradicional do hoplita. O scutum permitiu uma melhor proteção do corpo e das pernas. Um sinal de novas condições para o serviço foi o pagamento de um subsídio diário de dinheiro aos soldados — o stipendium — que ajudava a subsidiar as despesas de um homem que estivesse vivendo fora de casa por um período cada vez mais longo. A força da cavalaria da Legião também foi ampliada de 6 centurias para 18 (1.800 homens). Aos membros das novas centurias era fornecido um montante originado da despesa pública (equites equo publico). A ajuda do tesouro público foi dada para a ma-nutenção do cavalo enquanto em campanha.

A queda de Veii coincidiu com um posterior avanço, ainda mais para o sul, pelos gauleses, que haviam penetrado, agora, pelo vale do rio Tibre e, em 390, ameaçaram a própria Roma. O novo e largado Exército romano foi vencido pelo invasor às margens de um curso d’água chamado Allia, a noroeste de Roma, e a cidade foi, então, capturada e saqueada. Camilo foi chamado para o serviço, deteve o invasor e o empurrou para o outro lado dos Apeninos, salvando Roma.

AS REFORMAS DO EXÉRCITO

Na luta em que os gauleses se destacaram, evidenciaram-se as fraquezas da falan-ge romana e, no próximo meio século, o Exército romano sofreu alterações substanciais.

A legião em falange deixou de manobrar e lutar como um único corpo compacto, e passou a adotar uma formação mais flexível, em que distintas sub-seções passaram a ser capazes de realizar uma ação limitada independente. A estas subunidades foi dado a denominação de manípulas (lit. manipuli, ‘empunhadura’). Além disso, ao mesmo tempo, ou pelo menos dentro do mesmo meio século, houve uma mudança significativa no equi-pamento utilizado por muitos dos soldados individualmente. O oval scutum itálico tornou--se o escudo padrão do legionário — alguns realmente já o usavam). O escudo circular hoplita foi descartado. Além disso, a maioria dos legionários agora foram equipados com um dardo de arremesso (javelin) no lugar da lança de empurrão.

Mas, como veremos, alguns homens continuaram a ser armado como da última ma-neira por dois séculos ou mais. Estas mudanças no equipamento, por vezes, são atribuí-das ao próprio Camillus, mas elas, provavelmente, foram introduzidas mais gradualmente do que informam as fontes.

A nova flexibilidade da ordem de batalha e do equipamento, combinado com uma mudança do armamento ofensivo, foram os fatores cardinais nas conquistas romanas do mundo mediterrâneo. Os hoplitas tinham trabalhado em uma ordem de batalha a curta distância, mas os novos legionários foram equipados, principalmente, para poderem en-volver-se com o lançamento de dardo a longo distância e, só em seguida, carregar sobre as já desorganizadas fileiras inimigas, com a espada e o escudo.

Os macedônios e os gregos, que mantiveram o sistema tradicional e mais tarde levaram a falange aos extremos da arregimentação e da automação, viram ser fossilizado o instrumento que foi de muita valia no seu sucesso anterior, até a sua eventual queda.

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Foi por volta de 362 que o exército foi dividido em 2 ‘legiões’, e mais tarde, em 311, em 4, que se tornou o padrão. A palavra ‘Legião’, agora adquire seu significado mais fa-miliar, de uma ‘divisão’ de tropas. O comando do exército ficava com os cônsules, os dois suprememagistrates do Estado, que detinham o poder civil e militar para um único ano e que eram substituídos por seus sucessores no ofício. Cada cônsul geralmente comandava 2 das 4 legiões. Às vezes, se uma única legião fosse despachada para resolver um proble-ma local, o comando poderia ser realizado por um pretor. Cada Legião também tinha seis tribunos militares, do mesmo modo, eleitos em Assembleia.

A GUERRA CONTRA OS SAMNITAS

Durante o Século IV Roma expandiu sua área de controle para o sul, ao longo da costa, em direção à foz do rio Liris (Garigliano) e para o interior, através das montanhas do sul do Lácio. Essa expansão logo a levou em conflito com os samnitas, cuja confederação das tribos habitam as alturas dos Apeninos centrais.

O conflito foi um fato quase que inevitável na esteira da expansão romana. A luta com os samnitas, em particular, durou meio século e só terminou com a completa subju-gação daquela tribo pelos romanos. O Exército de Roma nem sempre foi bem sucedido, mas o ápice de sua fortuna deu-se em 321 pelo exército em Caudinas.

Em seu relato do ano 340, depois do final da Primeria Guerra Samnita, e como um preâmbulo da batalha contra os aliados latinos, o historiador Livy (que escreveu muito mãos tarde, já ao tempo do Imperador Augusto) apresentou uma breve descrição da or-ganização militar romana, que foi destinada a ajudar o leitor a acompanhar as descrições das batalhas.

Livy escreveu que as legiões haviam, inicialmente, lutado no estilo hoplita, em uma falamge, mas depois elas tunham adotado as táticas manipulares. Mais recentemente, (e apresenta este dado como um desenvolvimento em separado) a legião tinha sido disper-sa em linhas de batalha distintas (Ver fig. 4). Atrás da cobertura realizada por soldados levemente armados (leves), a primeira linha principal continha a manipula do hastati (lan-ceiros); a segunda linha ela feita das manipulas de príncipes (chefes); e a terceira linha constituída dos homens mais velhos e mais experientes, consistia de manipulas de triarii (homens da terceira fieira). Nós iremos encontrar estas três lunhas de combate ainda, no decorrer do presente estudo. Tos os soldados das três linhas portavam scutum oblongos, e as primera e terceira linhas (e talvez também a segunda, mas isto não fica claramente esclarecido) eram armados com a hasta (uma lança curta), como implica o nome hastati. Não há referência ao pillum, que os relatos de Livy aceitam, pois ainda não teria sidou introduzido no equipamento dos legionários até esse momento. Outros gruos, que Livy chamou de rorarii e accensi, eram levemente equipados, e formavam a reserva final da legião, à retaguarda.

Os relatos de Tito Lívio (Livy) devem ser em grande parte derivados de fontes muito mais tardias, especialmente as de Políbio, de modo que seu valor independente não é grande, ainda que, apesar das suas muitas incongruências, eles podem emprestar uma certa medida de autoridade. Tito Lívio pode ter ficado a tentar uma reconciliação desigual e discordante daquele material de origem, mas é difícil de se supor que a Legião que descreve já existia como uma realidade. Os rorarii e accensi podem ser usados para re-presentar as quarta e quinta classes da constituição de Servius, agora adicionadas aos outros três e equipados de forma simples.

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Mas accensi, no sentido normal da palavra, significa mais serventes do que solda-dos combatentes. Para se entender a organização de uma Legião romana, a terra firme é alcançada apenas com o próprio Políbio.

A derrota dos samnitas deixou Roma como a sociedade dominante incontestável da Península Itálica. Os etruscos e outras tribos da Itália central já haviam sucumbido, e Roma logo foi preparada para se deslocar para o extremo sul do vale do Pó, ansiosa que estava por mais expansão, em direção ao norte. De valor decisivo para estabelecer e con-solidar seu controle, foi o adotado sistema de colonização: ou seja, a configuração social abaixo dos corpos de seus próprios cidadãos ou seus aliados latinos, com um papel es-sencialmente agrícola, e destinado a dominar as rotas terrestres importantes e a proteger as costas litorâneas. O estabelecimento de colônias também serviu para saciar a fome de terra de uma população crescente (Ver Fig. 03). Contra os samnitas, os romanos usaram as colônias para fechar as saídas das montanhas para os vales e para separar as tribos constituintes do grupo samnita. O plantio das colônias foi acompanhado pela construção de um sistema viário em toda a Itália, que ligaram aqueles postos avançados até a capital.

ROMANOS, LATINOS E ALIADOS

É facilmente esquecido nos contos das guerras sob a República, que as legiões originadas de cidadãos romanos foram acompanhadas nas campanhas e na batalhas por contingentes extraídos das cidades do Lácio - as colônias latinas e os aliados italianos.

Estes contingentes, conhecidos, coletivamente, como o Socii (aliados) serviam ao Exército romano em conformidade com as obrigações dos tratados formalizado, quando da sua rendição à Roma ou com a sua aceitação como aliado. Tanto quanto pode ser de-terminado, eles foram organizados e equipados de forma mais ou menos idêntica a dos romanos, com suas próprios armas, empregando dispositivos e táticas romanas que foram sendo gradualmente absorvidas.

No início de um ano normal, os cônsules convocavam os chefe magistrados das cidades, que deveriam fornecer tropas para, então, acordar o efetivo a ser fornecido, a data e o local da apresentação. Os contingentes oriundos das cidades, individualmente, deveriam ser de 500 homens, incluindo-se a cavalaria, esta organizada em um ou mais esquadrões chamados turmae.

Figura 03 - As estradas romanas e a colônias na Itália, até 171 AC (Fundação de Aquileia)

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Fig 04 - A Legião romana em 340 AC, como descrito por Lívio

Cada contingente, que mais tarde foi denominado de cohors (coorte — desconhe-ce-se a derivação precisa desta palavra), atuava sob o comando de um magistrado local como praefectus. Não está claro quanto tempo os latinos e os aliados tinham que servir. Os salários pagos eram muito pouco apreciados, o que levou à manifestações de descon-tentamento, de vez em quando. Os aliados cujas cidades ficavam no litoral (por exemplo, Nápoles) eram obrigados a fornecer navios, remadores e fuzileiros navais, quando uma frota fosse necessária para o serviço de guerra. Grupos de coorte-contingentes, geralmen-te 10 em número, eram colocados juntos para formar uma ala sociorum, com o tamanho equivalente a uma legião de romanos. Um exército consular de duas legiões era normal-mente acompanhado na campanha por 2 daquelas tais equivalentes a legiões. Além disso, havia um grupo de elite considerável, provenientes de todas as comunidades aliadas, chamadas de extraordinarii. O termo ala (lit. uma asa) reflete a posição das tropas aliadas em cada flanco do exército de duas-legiões; mais tarde, é claro, sob o Império, a palavra ala foi usada exclusivamente para a cavalaria.

Até onde somos capazes de imaginar, cada contingente-coorte continha manípulas de hastati, principes e triarii e, então, era uma versão em miniatura da própria Legião. As coortes, é claro, eram oriundas de comunidades diferentes e, portanto, mantinham suas identidades próprias em campanha: Tito Lívio menciona muitas delas, individualmente, pelo nome. A ala sociorum (ou seja, a legião-equivalente) era comandada por um núme-ro de prefeitos dos aliados (praefecti sociorum), que eram romanos da classe equestre, nomeados pelos cônsules. Muito provavelmente, havia seis praefecti sociorum para cada ala, que coincidia com os seis tribunos da Legião propriamente dita: a cavalaria, em parti-cular, era reunida separadamente em batalha, sendo comandada pelos praefecti equitum (prefeitos de cavalaria) romanos, muitas vezes de categoria senatorial. Para serem distin-guidos cuidadosamente, os latinos e os aliados eram mercenários estrangeiros, mais no-tavelmente os arqueiros cretenses, uma característica familiar da cena militar helenística.

PIRRO

A expansão de Roma em direção aos limites do sul da península italiana levou-a ao contato com as cidades gregas ao longo da costa das Lucania, Calábria e Puglia, cidades que tinham sido estabelecidas ao longo dos séculos anteriores, originadas de trêsoutras provenientes da Grécia (Fig. 01). De um modo geral, aos romanos foram dadas cordiais

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boas vindas, oferecendo, inclusive, proteção contra os homens das tribos nativas do in-terior. Uma cidade, Tarento (Taranto), no entanto, permaneceu indiferente e, temendo o resultado final do avanço romano, chamou em seu auxílio o rei Pirro de Epirus (na costa oeste da Grécia), que ansiosamente respondeu, vendo, no sul da Itália, um trampolim para o cumprimento de suas próprias maiores ambições na Sicília.

Pirro chegou na Itália em 280, com um exército considerável - consta ter sido consti-tuído de 20.000 mercenários hoplitas, 3.000 de cavalaria e um exército de elefantes, então vistos pelos romanos pela primeira vez. Os encontros subsequentes com Pirro foram um tubo de ensaio para o desenvolvimento do núcleo de táticas contra a falange, agora no auge de seu desenvolvimento, em face das conquistas de Alexandre Magno, pelo mundo. Os soldados da falange macedônia, individualmente, portavam lanças-picadoras de 16 pés (5 m) de comprimento, ou mais, e que precisavam de ambas as mãos para segura-la. A falange, então, apresentava-se para os seus adversários como uma uma massa com-pacta, que tinha sobreposta a ela pontas-de-lança.

Pirro tinha lutado nas guerras dos sucessores de Alexandre e, portanto, estava fa-miliarizado com os refinamentos mais recentes do pensamento militar. O primeiro encon-tro em Heraclea (Policoro no dorso do pé da Itália) mostrou o valor de sua falange. As legiões romanas e seus aliados não a puderam romper e foram rechaçadas; os elefantes completaram a vitória final. Fontes romanas salientam a bravura de seus homens, para esconder a realidade da derrota. No entanto, as perdas de Pirro estavam longe de terem sido insignificantes, e após uma feroz batalha de dois dias em Ausculum (Ascoli Satriano) em 279, ocorreu mais uma vitória sobre os romanos, que se transformou na ruína de seu exército. Pirro, em seguida, partiu para a Sicília, mas não encontrando qualquer sucesso duradouro, ele retornou à Itália em 275. Avançando para noroeste, ao longo da linha da Via Appia, em direção a Cápua, ele colidiu com um exército romano perto de Malventum (mais tarde Beneventum) ocasião em que Pirro foi forçado a se retirar. Logo ele deixou a Itália para sempre.

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CARTAGO E ANIBAL1

O restante do século foi ofuscado pelo conflito com Cartago, a poderosa cidade mercante localizada sobre a baía de Túnis. Cartago tinha acompanhado o desenvolvimen-to de Roma, com crescente preocupação. O primeiro confronto, centrado na Sicília, des-confortavelmente a imprensou entre os dois poderes. O que começou em 264 como uma disputa pelo controle de uma cidade (Messana) escalou, rapidamente, para uma guerra aberta. Os esforços dos romanos foram estupendos. As forças navais romanas, até en-tão insignificantes, rapidamente foram expandidas, e a inexperiência existente quanto ao “design naval” e a marinharia foi compensada pela invenção de uma ponte de embarque, conhecida como corvus, na verdade, um afiado bico com um gancho em uma extremida-de. O corvus, articulado no mastro do navio, poderia ser lançado para o convés de um navio inimigo adjacente, onde ele ficava preso, rapidamente, permitindo que os legionários romanos embarcados (fuzileiros navais?) corressem pela ponte, para atacar a guarnição do navio inimigo, mais levemente armada.

Este sucesso inicial possibilitou o transporte de uma substancial força expedicioná-ria para a África. Mas a iniciativa foi perdida, vantajosos termos de paz foram, apressada-mente, rejeitados, e a força romana acabou sendo humilhantemente derrotada. Uma luta longa e desconexa se seguiu, com os dois lados ficando, cada vez mais exaustos, com as ocasionais vitórias nunca sendo conclusivas ou não perseguidas. Um último esforço foi re-alizado por Roma em 241, que trouxe uma decisiva vitória naval na costa oeste da Sicília. Cartago concordou em evacuar a Sicília, que se tornou a primeira província ultramarina de Roma.

Fig 5 - A Itália e o Mediterrâneo Ocidental, em 220 AC, mostrando a rota de Aníbal para a Itália e os principais sítios das batalhas da Segunda Guerra Púnica

1. Ver Anexo A – As Guerras Púnicas

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Os anos que se interpuseram a esta primeira e a segunda guerra cartaginesa (ou púnica) assistiram mais avanços romanos: a adição de Sardenha e da Córsega para seus domínios e o ganho de território além dos Apeninos no vale do rio Pó, uma área que, devi-do à presença de tribos gaulesas, os romanos tinham denominado Gália Cisalpina (“Gália deste lado dos Alpes”). Entretanto, os cartagineses tinham virado as suas energias para Espanha e, sob a liderança enérgica de Amílcar Barca, logo criou um Império ainda mais rico do que possuía até então. A ansiedade romana conduziu a um acordo em 228, pelo qual um limite ao avanço cartaginês foi fixado no rio Ebro, mas uma posterior crise era mais do que inevitável.

Em 219 os cartagineses, agora sob o comando do filho de Amílcar, Aníbal, deslo-caram-se contra Sagunto (Sagunto), amiga de Roma, embora situada ao sul do Ebro, que caiu depois de meses de uma amarga luta, (Fig. 5). A guerra foi, então, declarada. A rápida ofensiva de Aníbal através do sul da Gália pegou os romanos desprevenidos, em razão de sua muito grande velocidade (embora parece ficar claro que na previsão da disposição das tropas romanas realizadas em 218, o Senado não tinha visualizado um ataque vindo do Norte). O cônsul P. Cornelius Scipio, foi deslocado para enfrentar Aníbal na própria Espanha, mas chegando no sul da Gália tarde demais para lá interceptar Anibal; mas com notável premeditação, ele enviou duas legiões de seu exército para a Espanha, com vistas a evitar o reforço daquela fonte, e se voltou para o norte da Itália

Cruzando os Alpes, Anibal desceu para dentro da Cisalpina; os gauleses apresenta-ram-se de uma só vez para se juntar a ele. As tentativas romanas de resistência na linha do rio Pó levaram a uma escaramuça no rio Ticinus e a uma derrota mais decisiva em Trébia, que resultou em substanciais perdas para Roma. Cipião, então, retirou-se para juntar-se às suas próprias legiões na Espanha, enquanto Anibal avançou rapidamente para a Itália, através dos Apeninos para o vale do rio Arno, perto de Florença. Deslocando-se, agora, na direção SE para alcançar o vale do Tibre, ele flanqueou o cônsul Flaminius, em 217 e virou-se para esperá-lo em um terreno alto às margens do Lago Trasimeno onde, em uma manhã nublada, a força romana foi emboscada e destruída; Flaminius foi morto no evento.

Aníbal agora cruzou de volta os Apeninos, evitando um ataque direto a Roma e mo-veu-se para o sul, para Apulia, onde mais cidades se juntaram a ele e, assim, ele poderia aguardar o reforço e notícias de casa, bem como tratar com um aliado em potencial, o rei Philip V da Macedônia. Um período de manobras romanas bem sucedidas - sob o coman-do de Q. Fabius Maximus Cunctator (o temporizador) - restringiu os movimentos de Aníbal e contiveram a sua impulsão, mas um impaciente comando superior de cônsules romanos transferiu o comando de Fabius para os cônsules Varrão e Paullus, que foram autorizados a logo procurar uma batalha.

DESASTRE EM CANAS (CANNAE)

Os dois exércitos enfrentaram-se perto da pequena cidade de Canas, no vale do rio Ofanto, em Apulia (Fig. 6A). Os cônsules, com um exército de 16 legiões, incluindo-se os aliados (um total de cerca de 75.000 homens) tinham uma substancial vantagem numé-rica sobre Aníbal, que tinha apenas cerca de 40.000 homens. Aníbal, agora familiarizado com as táticas romanas padronizadas — a colocação das legiões ao centro e a cavalaria nas alas — posicionou a sua força de infantaria principal, os africanos (agora em sua maior parte equipados à moda romana, com as armas deles capturadas), em ambas as extremidades da linha (ver fig. 6ª (1)) e colocou suas tropas menos confiáveis, os celtas e

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espanhóis, entre eles, em uma formação em forma de lua crescente, com a parte convexa voltada em direção às linhas romanas. Essa disposição toda foi exibida aos olhos roma-nos como sendo uma vaga de soldados levemente armados (skirmishers). Os cônsules entretanto, esperando lutar uma batalha convencional, esperavam que o próprio peso dos números venceria o combate, e planejaram um ataque frontal para quebrar a linha de ba-talha de Aníbal. As lacunas entre as manípulas foram reduzidas, e a frente geral de cada legião estreitou-se ainda mais com uma redução no número de fileiras frontais. Esta mas-sa compacta — a antiga e tradicional falange — forçou o centro de Aníbal de volta, mas viu-se encurralada pela esquerda e pela direita pelos africanos. A cavalaria romana à es-querda já tinha sido repelida pelos cavaleiros espanhóis e celtas em oposição que, então, galoparam através da retaguarda da infantaria romana e caíram sobre a cavalaria aliada, ainda lutando com os cavaleiros númidas na ala direita (2). O centro de Aníbal, embora até agora sendo empurrado para trás a uma substancial distância, manteve-se em posição, momento em que os africanos se viraram para o interior, indo enfrentar as extremidades das legiões que avançavam, e a cavalaria espanhola e celta, então vitoriosa, retornou para fechar a única via de fuga (3).

Figura 6 - Aníbal posicionou a sua força de infantaria principal, os em ambas as extremidades da linha e colocou suas tropas menos confiáveis, os celtas e espanhóis, entre eles, em uma formação em forma de lua crescente, com a parte convexa voltada em direção às linhas romanas. (1)

Os exércitos entram em engajamento.

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A cavalaria romana à esquerda já tinha sido repelida pelos cavaleiros espanhóis e celtas em oposição que, então, galoparam através da retaguarda da infantaria romana e caíram sobre a cavalaria aliada, ainda lu-tando com os cavaleiros númidas na ala direita (2).

O centro de Aníbal, embora até agora sendo empurrado para trás a uma substancial distância, manteve--se em posição, momento em que os africanos se viraram para o interior, indo enfrentar as extremidades das legi-ões que avançavam, e a cavalaria espanhola e celta, então vitoriosa, retornou para fechar a única via de fuga (3).

O desastre foi completo: mais de 50.000 romanos e aliados foram mortos, sem oportunidade de um desdobramento adequado. Muitas comunidades mais ao sul, agora passaram para o lado de Aníbal, inclusive a importante cidade de Cápua.

Aníbal deve ter acreditado que Roma, então, iria processar a paz e contribuir para o atingimento dos próprios objetivos cartagineses: uma completa dissolução da Confede-ração Romana, ou a criação de uma província cartaginesa no sul da Itália. Mas não havia nenhum enfraquecimento da determinação de Roma.

Os esforços para substituir as baixas romanas levaram ao alistamento dos capite censi, que eram normalmente isentos do serviço militar, e à formação de duas legiões por meio de escravos e do esvaziamento das prisões. Aníbal foi contido no sul da Itália; o rei macedônio, seu aliado, estava ocupado com uma revolta na Grécia e com as diver-sões romanas no Adriático; e ainda mais assistência teve de ser enviada para a Espanha onde, ao mesmo tempo, uma força destacada sob o comando de P. Cipião e seu irmão mais velho (Cnaeus Scipio) tinha sido, com sucesso, alvo de preocupantes atenções dos exércitos cartagineses na Espanha, assim impedindo que qualquer reforço chegasse à Itália. Um exército foi enviado para recuperar as cidades sicilianas que se revoltaram, e linhas de sítio foram organizadas ao redor de Cápua. Em 211, a cidade principal da Sicília, Siracusa, foi tomada após um longo cerco; Cápua também caiu, apesar das tentativas de-sesperadas dos capuanos para quebrar as linhas de cerco e das esperanças da chegada

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de forças cartaginesas para aliviá-los.

A GUERRA NA ESPANHA

No entanto, estes sucessos foram compensados por uma ação reversa na Espanha onde, em 211, os dois Cipiões, avançando em colunas separadas em direção ao extremo sul da Península, tendo sido abandonados pelos inconstantes aliados locais, foram derro-tados e mortos – após Cnaeus Scipius terem realizado uma última desesperada resistên-cia atrás de uma muralha improvisada de mulas e cargas empilhadas e de soldados em formação.

No ano seguinte, o comando da Espanha foi votado pela Assembleia em favor do filho de P. Scipio, de mesmo nome que o pai. O jovem Cipião havia servido com seu pai nas batalhas de Trébia e Ticinus, e também estava entre os sobreviventes do desastre de Canas, mas ele tinha apenas 24 anos de idade, e não tinha ainda cumprido nenhuma das magistraturas mais antigas; no entanto, ele possuía uma envolvente e forte personalidade, além de ser herdeiro de um nome que simbolizava muito para as tribos espanholas e seus chefes: a honra de Roma.

No início de 209, ele realizou um repentino avanço de mais de 300 milhas, desde o norte da Espanha, até alcançar os postos avançados de Cartago Nova (Cartagena), que ele conquistou por meio de um ataque frontal combinado com um ataque repentino através das águas rasas da lagoa adjacente. A iniciativa agora era dele, e muitas tribos vacilantes passaram para o lado romano. Cipião passou o resto do ano endurecendo suas tropas para as batalhas terrestres que ele sabia que deveriam chegar.

Ele desenvolveu o seguinte esquema para os tribunos, para o treinamento da in-fantaria. Eles deveriam, no primeiro dia, fazer uma corrida de cerca de quatro milhas; no segundo examinar e fazer uma limpeza atenta dos seus equipamentos; no dia seguinte deveriam descansar e não fazer nada; e no seguinte, alguns homens deveriam lutar com espadas de madeira que possuíam uma bainha em couro e um botão na extremidade, e, ainda, treinar o lançamento de javelins, que estavam similarmente equipados com botões; no quinto dia deveriam reverter a marcha que haviam feito no primeiro dia, e assim por diante.

Cipião, então, assumiu ofensiva e enfrentou o irmão de Aníbal, Asdrúbal, que tinha ocupado uma posição forte em Baecula. Em primeiro lugar, ele engajou-se com Asdrúbal por meio de um ataque frontal usando apenas tropas auxiliares, de modo a manter a atenção do cartaginês ocupada, enquanto enviava os legionários em ambos os flancos. Mas Asdrúbal escapou da armadilha e, reunindo uma força considerável, cruzou os Alpes seguindo os passos do seu irmão. Finalmente, ele foi detido em Sena Gallica, na costa do Adriático. Os reforços romanos se apressaram em direção ao norte, por meio de uma marcha épica, e Asdrúbal foi derrotado e morto na batalha do rio Metauro.

A luta continuou na Espanha propriamente dita e, no início de 206, Scipio enfrentou o restante das forças cartaginesas sob o oomando de Hasdrubal Gisgo (não relacionado com o outro Hasdrubal) em Ilipa perto da atual Sevilha (Fig. 07). Passaram-se alguns dias, com cada comandante preparando as suas tropas para a batalha, mas nenhum dos lados estava preparado para lançar um ataque. Todos os dias, Hasdrubal colocava seus africanos no centro e seus aliados espanhóis nas alas; Cipião seguindo a prática romana normal, colocava as legiões no centro e, em ambos flancos, seus aliados espanhóis. (1) Uma manhã, no entanto, Scipio formou suas tropas ao amanhecer, colocando as legiões

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nas alas e os espanhóis no centro (1). Asdrúbal teve, então, que se desdobrar apressa-damente, e já não havia tempo para que seus homens comessem alguma coisa, quando eles correram para assumir as suas posições normais. Quando Asdrúbal percebeu que os romanos tinham mudado seus dispositivos costumeiros, já era tarde demais.

Cipião, então, ordenou um avanço geral. Em seguida, realizando o que pareceu uma manobra complicada, Scipio fez marchar as legiões para fora da coluna do centro, que receberam ordens para avançar muito lentamente sobre o inimigo (2). Cipião tinha, então, as duas colunas de legionários voltadas em ângulos para a direita, em direção aos cartagineses e, finalmente, desdobrou-se obliquamente para cobrir as lacunas entre elas e, ainda, avançando com o centro (3). A manobra toda chega a lembrar os movimentos das paradas militares realizadas em Londres. A cavalaria romana e as tropas levemente armadas mantiveram os flancos exteriores das legiões durante a manobra que, então, ca-íram sobre os flancos do Exército cartaginês, enquanto as legiões assaltavam os aliados espanhóis de Asdrúbal. Seus africanos, enfrentando o centro romano, foram obrigados a não se aproximar do oponente, e ficar apenas, de longe, assistindo as legiões romanas fazerem seu trabalho. Toda a linha cartaginesa, então, quebrou, terminando o evento com os cartagineses correndo para a segurança de seu acampamento. Uma súbita tempesta-de pôs fim àquela situação, a mais bizarra dos encontros anteriores às inspiradas táticas de Cipião.

Isto levou a uma plena recompensa: tinha sido estabelecida uma ascendência mo-ral: Asdrúbal achou prudente abandonar seu acampamento, e seu exército logo derreteu. O interlúdio cartaginês na história espanhola tinha acabado, e os romanos tinham encon-trado um comandante inteligente e imaginativo, que soube mostra-se à altura de Aníbal.

Cipião formou suas tropas ao amanhecer, colocando as legiões nas alas e os espanhóis no centro (1).

Cipião, então, ordenou um avanço geral. Depois fez marchar as legiões para fora da coluna do centro, que receberam ordens para avançar muito lentamente sobre o inimigo (2).

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Duas colunas de legionários ficaram voltadas em ângulos para a direita, em direção aos cartagineses até que, finalmente, desdobrou-se obliquamente para cobrir as lacunas entre elas, ainda avançando com o centro (3).

O CLÍMAX DA GUERRA

Cipião regressou para Roma e garantiu um consulado para 205, mesmo contra todos os precedentes (ele não tinha ainda sido pretor). A ele foi dada a Sicília como sua província, com suas guarnições compostas de duas legiões, sobreviventes da Batalha de Canas de tanto tempo atrás. Cipião recebeu poderes para cruzar da Sicília para a África, se ele pudesse, mas o Senado recusou-se a autorizar um aumento em seu exército, tal-vez temendo que a perda de tantos soldados pudesse deixá-los, novamente, à mercê de Aníbal.

Mas Cipião foi autorizado a convocar voluntários e cerca de 7.000 homens se apresentaram para engrossar a sua força (incluindo os aliados italianos), atingindo desse modo, um efetivo total de cerca de 30.000 combatentes.

Primeiro, ele foi capaz de derrotar, por um movimento de flanqueio (que agora tinha se tornando a sua marca), as forças cartaginesas em casa, sob o comando de Hasdrubal Gisgo, que tinham escapado do fiasco na Espanha, e seu aliado, Syphax, rei da Numídia, em uma batalha no sudoeste do país. Por isto, Aníbal foi chamado de volta para a África; ele desembarcou perto da atual Sousse, na costa leste da Tunísia, e com os remanes-centes de suas forças, ele foi capaz deslocar-se através do sul da Itália. Deslocou-se para o oeste em busca de reforços e Cipião, o perseguiu. Os dois exércitos ficaram “cara a cara” perto de Zama (Fig. 6B). Hannibal, talvez adotando o mesmo esquema tático de seus adversários, formou uma linha de batalha tripla, com seus celtas e marroquinos na primeira linha, para suportar o peso do ataque – homens recém recrutados na Líbia - e os cartagineses formando a segunda linha, enquanto os veteranos de suas campanhas italianas formaram a terceira linha. Na frente ficaram 80 ou mais elefantes. Enquanto isso, Cipião, capitalizando a flexibilidade inerente à estrutura das legiões, deixou lacunas em suas próprias linhas, com o objetivo de fornecer as vias de fuga para os elefantes, que assim puderam passar através das linhas romanas, com um mínimo de danos. As lacunas foram mascaradas pelos Vélites levemente armados. Em ambas as alas, as forças de ca-valaria enfrentaram-se, ocasião em que a força romana foi grandemente aumentada por um contingente trazido pelo novo aliado de Cipião, o príncipe númida Masinissa.

A batalha começou com uma carga realizada pelos elefantes, que foram fustigados pelos Velites que, assim, os incentivaram a seguir através das lacunas deixadas nas linhas romanas (1). Enquanto isso, os cavaleiros romanos e o númidas puseram em fuga os es-quadrões oponentes, que se encontravam em desvantagem numérica e os perseguiram

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até o horizonte. Agora, a batalha seria conduzida pela infantaria (2). Aníbal pareceu estar com esperança de que suas primeiras duas linhas fossem capazes de amenizar a impul-são de todas as três linhas romanas (hastati, principes e triarii), mas no evento, a linha dos hastatis completaram a destruição do inimigo quase que sozinha, de modo que, na fase final, os veteranos de Aníbal tiveram de enfrentar todas as três linhas romanas, que Cipião agora havia deslocado para formar uma frente de batalha, presumivelmente destinada a girar sobre os flancos de Hannibal. No entanto, a luta foi feroz e longa, até que a cavalaria romana apareceu na retaguarda de Aníbal, e se jogou sobre ela. (3) A vitória foi completa, e Cartago negociou a paz, imediatamente. Roma ficou devendo muito a Cipião, que tinha provado ser um mestre da tática que tinha aprendido muito com Aníbal. Este último, depois de um reinício repentino, pareceu ter perdido sua vontade guerreira inicial, ao tornar-se escravo dos eventos, ao invés de seu mestre. Cipião adotou o apelido de Africanus em virtude desta sua grande conquista.

Figura 6B - Os exércitos entram em contato.

A batalha tem início com uma carga realizada pelos elefantes, que foram fustigados pelos Velites para seguirem através das lacunas deixadas nas linhas romanas (1).

Os cavaleiros romanos e os númidas afugentam esquadrões oponentes, que se encontravam em desvantagem numérica e os perseguem até o horizonte. Agora, a batalha deveria ser conduzida pela infantaria (2).

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A cavalaria romana, já tendo afugentado a cavalaria cartaginesa, retorna e cai sobre a retaguarda das linhas cartaginesas. A batalha é decidida e o exército de Aníbal começa a entrar em colapso.

Cipião não conseguira derrotar Aníbal em um puro engajamento de infantaria, mas sua superior cavalaria fez o trabalho por ela.(3)

EFEITOS DA GUERRA

Obviamente, quando uma grave e prolongada sucessão de guerras tensas exigiram do sistema militar de Roma o máximo de todos, o país ficou exausto e sem uma reserva de mão de obra durante toda uma geração. Em tempos normais, o exército era organizado a 4 legiões que deveria ser mantido para fazer frente a qualquer eventualidade, juntamente com uma força equivalente de latinos e aliados. Tito Lívio fornece detalhes dos números de legiões que foram erguidas e mantidas em serviço durante as duas Guerras Púnicas. Surpreendentemente, durante a primeira dessas guerras, o total manteve-se em 4 ou 5 legiões, mas durante uma ameaça de invasão gaulesa em 225 e, em seguida, ao longo de uma sucessão de anos de 218 em diante, o número total de legiões em serviço saltou agu-damente. Um adicional de 7 legiões foi erigido em 217 e o mesmo número extra surgiu em 216 (em parte para substituir as perdas havidas em Trasimene e Canas). A continuade do recrutamento nos anos seguintes resultou em mais de 20 legiões em serviço no período de 214 a 203. Várias legiones urbanae foram formadas, uma espécie de guarda nacional, que foram organizadas com base em velhos, incapazes e menores de idade, para serem empregadas na defesa da cidade (Urbs Roma).

Quando a guerra terminou, o número de legiões situou-se em 16, para logo ser reduzida (em 199) a 6, como um valor relativo a um tempo de paz. Tito Lívio é, às vezes, capaz de dar os números das legiões envolvidos em campanhas específicas. O longo pe-ríodo de guerra trouxe as tropas romanas a um pico de treinamento e de eficiência, espe-cialmente sob o comando do jovem Cipião. Mas a legião romana, como um instrumento de luta, estava longe de ser uniformemente bem sucedida naqueles anos. Tanto quanto pode ser verificado, Aníbal empregava uma falange, mas sua adoção do equipamento romano em 217, e da estrutura de três linhas em Zama poderia indicar uma assimilação crescente das técnicas romanas dentro de suas próprias forças de luta.

Para o romano, individualmente, as longas guerras significaram que mais homens teriam que ser convocados para o serviço militar e mantidos sob as armas e sobre os invernos também. Alguns 6 ou 7 anos de serviço militar contínuo passou a ser um total regular. O sistema de anualmente mudar os comandos provou ser uma desvantagem inca-pacitante, apesar de o bom senso, no final, ditar o prolongamento no comando dos líderes mais competentes e mais bem sucedidos. No âmbito do ano 211, no auge da guerra,

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Tito Lívio relata a criação formal de uma força de Velites (que lutavam sem qualquer armadura defensiva), para servir na formação da Legião, como skirmishers. Pode ser que a reforma em 211 (um registro autêntico) deve ser vinculada à uma redução no requisito mínimo de censo para o serviço, que sabemos que ocorreram por volta de 214. Sem dúvi-da, isso trouxe para a legião um novo corpo de homens que poderiam pagar, apenas, um mínimo de armamento ofensivo, de baixo custo de produção, mas que ainda precisavam ser acomodados no quadro das legiões.

POLÍBIO E O EXÉRCITO ROMANO

No sexto livro de suas histórias, o autor grego Políbio expõe sua narrativa da Se-gunda Guerra Púnica (no final de 216) e se dedica a uma longa descrição da constituição do Exército romano. Este relato sobre o exército é de valor inestimável, com também não deixa de ser a imagem escrita por um contemporâneo seu, um oficial de cavalaria, que havia visto o Exército romano em ação contra seus próprios compatriotas, os gregos. Po-líbio escreveu em ou por volta de 160, mas parece ter utilizado uma fonte romana de um pouco mais cedo, de data pouco bem definida. É razoável que se aceite estes relatos que refletem como a organização do Exército romano emergiu na luta contra Aníbal.

Políbio começa com uma imagem detalhada do procedimento para se criar um exército de quatro legiões em um ano típico. A força da legião é dada como sendo de 4.200 homens, mas que poderia cegar, em caso de emergência, até 5.000 legionários. Todos os homens de idade militar (ou seja, entre 17 e 46 anos) eram obrigados a se apresentar, a cada ano, no Capitólio em Roma, para ser submetido ao processo de seleção — nesse tempo era comum também que a seleção fosse realizada fora de Roma, quando o corpo de cidadãos se encontrasse mais espalhado por toda a Itália. O processo de seleção era chamado dilectus, “ a escolha” dos melhores candidatos dentre aqueles que se apresenta-ram. Segundo Políbio, todos aqueles com propriedade avaliada em mais de 400 drachmae grego (= 400 denários) estavam habilitados ao serviço militar. Em uma passagem um pouco defeituosa, ele dá o tempo de serviço como sendo de 16 anos para um soldado de infantaria e de 10 anos para um cavalariano (eques), mas parece claro que estes números representam o máximo a que um homem poderia ser chamado a servir, mas não a norma. Em circunstâncias normais, um homem poderia, no Século II AC, servir até por 6 anos em um processo contínuo, após o que era esperado que ele fosse dispensado. Depois disso, ele poderia ser reconvocado, como um evocatus, até o máximo de 16 anos.

Alguns homens poderiam servir durante um único ano de cada vez, e serem obri-gados a, novamente, serem chamados no próximo dilectus, até concluírem seu período completo de 6 anos. Quando os homens se apresentassem, voluntariamente, presumi-velmente eles seriam aceitos com prazer, mas havia sempre uma medida de compulsivi-dade: o serviço nas legiões da República pode ser comparado ao ‘serviço nacional’ em muitos países europeus do século XX - a obrigação de todos os homens aptos, como sua contribuição para a defesa de um país. Um general de valor e reputação conhecidos, ao embarcar para uma nova campanha, poderia chamar para suas legiões inúmeros voluntá-rios que já tivessem completado sua passagem de seis anos, talvez para ficar sob o seu comando pessoal. Eles forneceriam um enrijecimento valioso para suas forças.

O legionário recebia um subsídio à taxa diária de um terço de um denário, a princi-pal moeda de prata do mundo romano. Se ele fosse mantido durante um ano calendário, isto se elevava a um montante anual de cerca de 120 denários. O pagamento, cujo valor

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moderno é difícil avaliar, destinava-se ao custeio de seus equipamentos e despesas pes-soais. Os equites servindo na cavalaria recebiam mais: um denário por dia, á título de subsídio para manter seus cavalos.

Uma vez que os recrutas tivessem sido selecionados, os mais jovens e os mais pobres eram designados como Velites (Fig. 8); o segundo grupo em idade e propriedade tornava-se Hastati; aqueles no auge das suas vidas seriam Principes e os restantes — os mais velhos e mais experientes entre os selecionados para o serviço — tornavam-se Tria-rii. Os Hastati e Príncipes, cada um deles totalizavam 1.200 homens, enquanto o Triarii somava 600 e, por um processo de subtração do valor total de 4.200, pode-se supor que havia 1.200 Velites. Em seguida, Políbio oferece uma descrição detalhada do equipamen-to e do armamento de cada grupo. O Velites tinha espadas, javelins e um pequeno escudo circular (parma). Os Hastati e Principes carregavam o mesmo tipo de escudo oval, a espa-da curta espanhola (gladius) e duas pila (uma pesada e uma leve).

A data da introduão da gladius nãi é clara, mas parece ter sido adotada dos auxi-liares provenientes da Espanha, que serviram com as forças de Aníbal, com resultado das últim as campanhas na Espanha, propriamente dita. Todos os soldados usavam um peitoral de bronze para proteger o peito e o coração, portavam, ainda, um elm de bronxe e um par de perneiras. O Triarii era semelhantemente vestido e equipado, exceção feita ao fato de que elel eram armados com uma lamça de arremesso (a hasta), ao invés do pillum. Para que fossem distinguids à distância, os soldados do Velites cobriam seus elmos com uma pele de raposa, enquanto os homens do Hastati, para parecerem exageradamente mais altos, usavam no topo do elmo um penacho

A decisão sobre a possibilidade de se colocar um homem no Hastati, Principes ou Triarii baseava-se, em grande parte, na idade e na experiência, e não na situação financei-ra, embora alguns remanescentes da antiga estrutura de classe sejam visíveis: os solda-dos mais pobres eram designados para o Velites — eles simplesmente não podiam pagar um armamento à altura dos de seus outros camaradas. Políbio relata também que aqueles soldados que ficavam entre os Hastati, Principes e Triarii, e que pertenciam - em virtude da avaliação dos censores quanto à sua propriedade - à primeira classe, usavam um colete de malha de ferro, preservando assim algum grau de exclusividade e identidade.

Os Hastati e Principes de cada legião eram divididos em 10 manípulas de 120 homens e o Ttriarii em 10 manípulas de 60. Os soldados do Velites, para fins administra-tivos, eram distribuídos em manípulas na mesma proporção. Cada manípula tinha dois

Fig 08 – A Legião romana em 160 AC, segundo Políbio.

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centuriões, dos quais o senior exercia o comando. Todos os centuriões eram homens que tinham servido nas fileiras, provavelmente por vários anos, antes da sua promoção àquele grau. O mais antigo centurião da Legião, que comandava a manipula da direita extrema do triarii (o centurio primi pili, mais tarde chamado pilus primus), era incluído, ex-officio, junto aos tribunos, no Conselho de Guerra do general. A cavalaria da Legião, composta de 300 homens, era dividida em 10 turmae, cada uma com três decurions; o senior de-curion (‘líder de 10 homens’) em cada grupo de três comandava a turma. Políbio observa que a cavalaria era armada, nos seus dias à ‘moda grega’ (ou seja, com coletes de linho, longas lanças e fortes escudos circulares), mas ele observa que anteriormente (talvez até as guerras macedônicas de 190), os cavalarianos não usavam tais coletes e portavam, apenas uma lança de empurrão e um escudo leve.

O ACAMPAMENTO ROMANO

Políbio então prossegue descrevendo o acampamento romano e mostra como um exército consular de duas legiões e um número equivalente de aliados iria ser acomodado dentro dele. A tenda pertencente ao magistrado no comando (o praetorium) ocupava uma posição central e era ladeada pelo forum (um lugar aberto às discussões) e pelo quaesto-rium, a tenda do questor, um magistrado júnior que realizava os assuntos financeiros do exército no campo. À frente do praetorium eram definidas linhas ordenadas de tendas para abrigar os soldados das legiões e na alae Sociorum, atrás, ficavam os auxiliares locais e o extraordinarii. A ilustração da Figura 9 mostra o acampamento como previsto por Ernst Fabricius,que acompanha o general William Roy; pode-se dizer que outras versões foram elaboradas ao longo dos anos, como mostrado abaixo, mais ainda existem certos pontos de grande dificuldade.

Fig 09 - O acampamento romano de acordo com Políbio.

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Os estudiosos mais recentes entendem que Políbio estava, de fato, apenas des-crevendo a metade de um campo de quatro-legiões (ou seja, quando os dois exércitos consulares estavam acampados juntos), em que dois acampamentos do tipo descrito só deviam ser colocados juntos, quando o praetorium, o quaestorium e o forum de cada um formava um conjunto consecutivo. Mais tarde, em seu relato, Políbio parece implicar que, quando 2 legiões ao invés das 4 estavam acampados juntas, as construções administra-tivas eram colocadas entre as duas legiões, em vez de ao lado de ambas! Certamente, sob a égide do Império, quando duas legiões compartilhavam uma única base (Fig. 52), os edifícios administrativos estabeleciam o limite entre as duas. A planta de um dos campos em Renieblas, que pode datar de cerca de 150, foi originada de escavações, a partir das quais foi desenhado o layout da Figura 13.

Os nomes das ruas e portões do acampamento romano devem exercer um certo interesse. A rua principal era denominada via principalis (rua principal) porque derivava de principia, um nome geral usado sob a República, para a área do campo onde ficavam os oficiais sêniors, inclusive os tribunos, e onde eles tinham suas tendas. A via principalis levava à porta principalis sinistra e à a porta principalis dextra. Políbio observa que havia uma rua paralela à rua principal, que foi chamada de via quintana (quinta rua) porque ela dividia as manípulas das legiões: as manípulas da primeira à quinta eram posicionadas de um lado e, do outro, da sexta à décima.

Vale nesta oportunidade, apresentar considerações extraídas do : inciso II, Capítulo VII da Epítome da Arte Militar, ecrito por Vegécio.

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COMO ORGANIZAR O CAMPO

Em tempo de guerra não se encontram sempre cidadelas muradas onde se possa estacionar demoradamente. Seria uma negligência muito perigosa acampar o exército, não importa onde, sem defesas ou provisões. O inimigo poderia informar--se pela espionagem e realizar o assalto quando os guerreiros estivessem em seu repasto ou dispersos em suas ocupações, ou à noite, quando a necessidade de repouso e de dormir e a dispersão dos cavalos que pastam dão boa oportunidade para muitas aventuras e surpresas.

Não basta, porém, para instalar o campo escolher um lugar favorável, exceto se não é possível encontrar algo melhor, para que o inimigo não ocupe um mais útil e apropriado, desdenhado por nós, em nosso detrimento. Além das condições de vigilância, observação, segurança e tamanho necessárias à organização dos campos, é necessário que o lugar não seja estreito e sem saídas fáceis e que os projetis lançados pelo inimigo próximo de um lugar mais elevado não possam alcançá-lo.

Escolhido um lugar como convém, trata-se de traçar o campo, seja quadrado, circular, triangular ou longo ao meio e estreito nas extremidades como um ovo ou uma nave, em suma, uma forma favorável ao exército. No entanto, acham-se mais belos os que têm um comprimento um terço maior do que a largura.

As medidas e marcações dos campos devem ser exatas, atendendo a que os combatentes e ajudantes tendem a ocupar mais espaço do que devem, alargando os campos mais do que o necessário.

O municiamento e a formulação do campo dependem do fim a que se destinamSe sua ocupação não é demorada, apenas circunda-se o campo com um muro de torrões, de meio pé de alto, por um

largo e um meio de comprido; ou, então, se a terra é mole e não dá torrões, cava-se apressadamente um fosso de cinco pés de largo e três de altura, aumentado com uma cuneta. Assim, o exército poderá repousar tranquilamente. Se a demora é grande ou o inimigo está próximo, fazem-se trabalhos mais complexos, quer no verão quer no inverno.

Enquanto que os doutores, mestres e príncipes fazem a patrulha do campo, cada centúria no lugar que lhe foi de-signada, após haver reunido seus escudos e fardos, com suas espadas à cinta, cava o fosso, com 9, 11 ou 13 pés de largo e, até, de 17 pés, se o inimigo é muito temido, mas sempre em número ímpar. Levanta-se um muro colocando sebes, cercado de troncos, galhos, estacas para a terra, em cujo cume são feitas seteiras, que não deslizem ou desmoronem. As centúrias medem o trabalho com a haste de dez pés, para que não haja erros e os tribunos controlam e acompanham os trabalhos até o fim. Para proteger os trabalhadores, todos que não trabalham e uma parte da infantaria isenta dos trabalhos por privilégio de suas dignidades ficam armados e em ordem diante do fosso.

Isso feito, colocam-se primeiro as insígnias principais nos seus lugares, o que há de mais honroso para os guerreiros. Prepara-se o pretório para o duque, o chefe do exército, e os que o acompanham; depois, os tabernáculos dos tribunos e oficiais, aos quais os companheiros delegados nos ofícios fornecem água, lenha, nutrição e forragem. Depois, no campo, os legionários, auxiliares, cavaleiros e infantes são localizados conforme suas situações hierárquicas e armam suas tendas e pavilhões.

Em cada centúria escolhem-se quatro homens a cavalo e quatro a pé, para a vigilância noturna. O serviço é feito em quatro quartos, de modo que cada homem vele apenas três horas por noite. Os que entram de quarto são avisado pela trombeta e os que saem são chamados pela corneta.

Os tribunos escalam os soldados mais idôneos para percorrer as guardas e postos de sentinelas, e para relatar se notaram qualquer falta, são os circuitores (rondas) que agora constituem um posto na milícia, os circuitores como cavaleiros da vigilância. Deve-se, porém, saber que os cavaleiros rondam, à noite, fora dos muros. De dia fazem o serviço no interior do campo, uns de manhã, outros de tarde, para a praticagem dos homens dos cavalos.

Entre os cuidados principais do chefe de um estacionamento, figura a segurança das pastagens dos animais, do trans-porte do trigo e de outros víveres, assim como a da água, lenha e de outras cargas contra os assaltos e incursões do inimigo, o que só se pode obter guarnecendo os lugares convenientes dos percursos a efetuar. Quando não há castelos, fortes ou cidadelas bem providas nos lugares propícios, fazem-se casteletes, lugares fortificados às pressas, contornados de grandes fossos, porque castelete é um diminutivo de castro, os quais ficam guardados por homens a cavalo e a pé.

Dificilmente o inimigo ousa aproximar-se de lugares onde ele sabe que seus adversários estão reunidos, seja à frente como à retaguarda.

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Os acampamentosQuando o exército se encontra em marcha, a cada noite se prepara um acampamento para que as tropas possam

neles repousar em segurança.Para a montagem do acampamento cada soldado carrega ferramentas para cavar a terra e, também duas estacas

para a montagem da paliçada. Elementos precursores, de reconhecimento, seguem à frente da força principal em busca de um local propício para o pernoite no campo.

Logo que o exército chega, os estandartes são orientados para um local selecionado e, ali, são fincados no solo. Tem início, então, a montagem do acampamento, quando cada soldado passa a realizar uma tarefa que já lhe fora pré-determinada.

Um fosso é cavado e a terra proveniente da escavação é usada para construir uma berma (bastião, baluarte), atrás da qual as estacas transportadas pelos soldados são fincadas, formando uma paliçada.

Obedecendo-se à sistemática padronizada em cada legião, o mesmo tipo de acampamento é montado todo dia, visando o pernoite da coluna de marcha.

As barracas de couro, que se destinam a, individualmente, abrigar 80 homens, são carregadas no lombo de mulas.A figura seguinte procura esclarecer sobre o layout de um acampamento erigido para um período de longa perma-

nência. Este layout pode ser considerado padrão para todo o exército, o que significa que cada soldado sabia exatamente onde exercer suas tarefas para a montagem do acampamento, onde encontrar qualquer das coisas nele existentes e mais, saber circular dentro do acampamento de uma outra legião, quando necessário, por exemplo, para entregar uma mensagem.

Finalmente, vale lembrar que nos lugares reservados para os estandartes eram também montadas uma tenda própria para tal.

Figura mostrando um acampamento romano organizado para um longo período.

De fontes posteriores sabemos que as outras duas principais ruas no acampamento, que cruzavam perpendicularmente a via principalis, eram denominadas via praetoria (rua pretoriana) e via decumana (décima rua), que levavam, respectivamente, à porta praetoria

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e à porta decumana. Nós poderiamos supor, ainda, que, originalmente, a via praetoria era adjacente à praetorium, e que a porta decumana estava ao lado das ‘décimas’ manípulas (ou seja, no outro extremo do campo). Ainda pode-se observar que o termo decumanus foi empregado pelos romanos agrários de uma data antiga, para designar qualquer grande linha leste-oeste em uma grade de quadrados de terra. Talvez, então, os agrimensores militares tenham adotado tal termo de suas contrapartes civis, e acharam errado buscar uma derivação puramente militar para a palavra. De qualquer modo, a abolição da alae sociorum no início do Século I AC, presumivelmente, resultou de alterações no layout do acampamento, o que pode ajudar a explicar algumas das discrepâncias existentes entre o acampamento de Políbio e as plantas-baixas de fortalezas sob o Império (Figs 47, 48 e 52).

As legiões e os aliados, todos contribuíam para a essencial obra de construir as defesas do acampamento — a escavação das valas, a acumulação da terra revolvida para formar uma muralha baixa (berma) e a configuração da paliçada em sua parte superior, para o que cada soldado levava estacas como um elemento essencial do seu equipamen-to individual básico de combate. Os soldados viviam em tendas, arrumadas em fileiras, de acordo com um plano preciso, para que todos soubessem sua posição dentro do campo. A ênfase romana dada à construção de um acampamento e a habilidade com que o próprio campo era erigido, impressionaram, particularmente, Políbio. Os gregos nunca dedicaram muita energia e planejamento para a seleção ou montagem de um acampamento. Eles, frequentemente, se concentravam na ocupação de uma posição defensiva natural, onde o trabalho de entrincheiramento podia ser minimizado.

A história conta que quando Pirro viu primeiro, em Heracleia, um exército romano entrincheirado para a noite, ele teve a percepção de que não estava lutando (como ele pensava) contra alguma tribo. Pirro, de fato, estava familiarizado com os preceitos de um acampamento como praticado nas terras gregas, mas ele nunca esperava ver um acampamento tão regularmente erigido nas terras do oeste. Precisamente quando — ou de quem — os romanos aprenderam a arte da construção de acampamentos não é cla-ra; uma outra história diz que os romanos aprenderam observando Pirro! Mais prova-velmente, os engenheiros militares romanos haviam adotado o layout dos planejadores das cidades contemporâneas. A evidência arqueológica mais antiga e segura quanto aos acampamentos romanos pertence a meados do Século II AC.

De particular interesse são os relatos de Políbio sobre os procedimentos rotineiros da vida em um acampamento durante o dia e a noite: os itinerários dos guarda, os deve-res das sentinelas e as palavras de ordem. Ele anota os duros, mas totalmente eficazes castigos infligidos àqueles que falhavam em seu dever, no campo ou na batalha e sobre aqueles condenados por roubo, perjúrio ou sodomia. Manípulas inteiras, que tinham ce-dido o terreno sem a devida causa, expondo seus companheiros vizinhos em batalha, podiam ser dizimadas, ou seja, uma décima parte do seu número, selecionada por sorteio, que seria espancada até à morte por seus companheiros. Mas, em contrapartida, havia, também, um sistema de condecorações militares, pelas quais o valor e a bravura garan-tiam o direito a uma recompensa conspícua. Finalmente, Políbio descreve o processo de se atingir o acampamento, e a ordem de marcha do exército, para deslocar-se para fora de seu acampamento para retomar o seu avanço.

Ainda no que diz respeito aos acampamentos romanos, vale apresentar como o assunto é detalhadamente abordado no site: http://www.romanarmy.info/site_map.html:

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O ACAMPAMENTO PRÉ-MARIUS

Antes de Marius, o exército típico era composto de duas legiões romanas e duas legiões formadas pelos aliados de Roma. Um acampamento típico deste tipo é mostrado no desenho abaixo

As legiões eram estacionadas em direção ao centro do acampamento nas linhas rotuladas Hastati, Principes e Triarii; uma legião ficava em ambos os lados da linha de centro. As pequenas unidades da cavalaria romana, Equites Romani, eram posicionadas ao longo da linha de centro entre as duas legiões. Os aliados, Pedites Sociorum e Equites Sociorum, eram posi-cionados do lado de fora das legiões. A área central, logo acima de uma ampla rua, era destinada ao Estado-Maior do general e às várias unidades dos Pedites e Equites Delecti. Tropas auxiliares adicionais, Auxilia, ficavam acampadas nos dois cantos superiores. O plano abaixo dá também as dimensões das unidades e das ruas.

Os acampamentos iniciais segundo ConnollyPeter Connolly nos oferece uma particular e boa descrição dos primeiros acampamentos. O modelo básico de seu

plano é mostrado abaixo.

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Os pequenos quadrados verdes representam as barracas (tendas). As tendas dos tribunos podem ser vistas do outro lado da rua da primeira manípula de cada legião e de unidade auxiliar.

As muralhas e as valas do acampamento são mostradas com um padrãosde 9’, com valas com cantos arredondados. A porção escavada da vala é preta, a porção da parede é vermelha. Existem 200 pés entre a muralha e as áreas das tendas.

O ACAMPAMENTO PÓS-MARIUS

O plano do acampamento para a legião pós-Marius é geralmente apresentado como um campo retangular para abri-gar 5 legiões. O plano geral do acampamento e os nomes das unidades são mostrados no desenho abaixo.

A gravura a seguir mostra a localização de cada uma das 5 legiões e as sua 10 coortes legiões.

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O plano seguinte mostra, individualmente, as áreas das tendas de cada legião

Os dois tipos de acampamentos comparadosO acampamento pré-Marius alojava 4 legiões e tropas auxiliares. A Legião pós-Marius era dimensionada para 5 legi-

ões mais auxiliares. Surpreendentemente, quando os dois campos são desenhados na mesma escala o acampamento posterior é menor. Os autores consultados parecem não ter reconhecido essa estranheza, então, não se sabe se a discrepância é real ou é um erro. Mas parece estranho que o maior exército ocupasse uma área muito menor. Os dois acampamentos abaixo estão desenhados na mesma escala.

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OS TRÊS TIPOS DE BARRACAS

O Contubernium Havia um tipo de barraca para abrigar um grupo de 8 homens (um contubernium). Este parece ter formado uma

unidade básica do Exército romano ao longo da sua história. A representação mais comum da tenda é mostrada abaixo.

A cada contubernium era, normalmente, atribuída uma mula para carregar a barraca e outros equipamentos pesados, pelo menos desde o tempo de Marius. Um servo levava a mula em marcha e realizava os outros serviços para o contubernium. A mula carregava as duas partes que formava a barraca, estacas, cordas, duas cestas que eram utilizadas na escavação da vala de acampamento, as ferramentas de escavação, um moedor de pedra de trigo pequeno e comida extra.

. Em alguns layouts de campo as barracas são colocadas tão próximas que as estais de fixação teriam que se so-brepor, configurando um obstáculo para qualquer um que tentasse andar entre as barracas, especialmente à noite. Algumas descrições mostram armas e armaduras empilhadas atrás das tendas. Em caso de emergência, os soldados teria que vestir suas armaduras e, então, mover-se entre as tendas para formar à sua frente. Nesta situação, parece que as cordas das tendas cruzadas apresentavam um grave risco à noite.

Essa barraca romana tinha 10 pés quadrados de área e cerca de 5 pés romanos de altura. Para efeitos de comparação, a figura à esquerda mostra as dimensões da barraca em centímetros.

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As barracas dos oficiaisDe acordo com a maioria das fontes, cada um dos centuriões tinha a sua própria barraca. Isso é aqui mostrado, se-

gundo Connolly. Desde que o centurião também usasse a sua tenda como um escritório, as paredes laterais superiores teriam que garantir o espaço necessário.

A tenda dos oficiais era carregada por uma mula, que era conduzida por um servente, durante as marchas. Presumi-velmente, a mula, além da barraca, deveria também carregar os postes de fixação, comida e outras tralhas do oficial.

A barraca do generalO general e, talvez, outros oficiais superiores são mostrados com tendas muito maiores. A tenda aqui mostrada é de

12 pés quadrados romanos. As paredes laterais possuem 9’ de altura, sendo o pico de 12’ de altura.

A tralha exigida por esta barraca tinha que ser carregada em carrças, que eram puxadas por bois e, portanto, seu deslocamento era lento, o que limitava onde elas poderiam viajar. A tenda também poderia ter sido carregada em várias mulas

A barraca aqui mostrada tem também 10 de pés quadrados romanos de área, mas ocupava mais espaço por causa das cordas de fixação. Nela há, também, mais postes de fixação: 2 no centro e 4 nos cantos.

Uma visão das dimensões da tenda do general é mostrada à esquerda. Por causa do tamanho da tenda seria necessário usar um número de postes para seu apoio. Os postes também poderiam ser carregados em duas mulas, os três postes amarelos e metade dos postes azuis e vermelhos em uma mula, e o restante em outra. ou uma carroça.

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A LEGIÃO NA BATALHA

Políbio não oferece aqui um relato da legião na batalha, mas há uma série de des-crições de combate no seu trabalho e nos escritos de Tito Lívio, que podem parecer ca-pazes de preencher esta lacuna. No entanto, muito poucos contos descrevem as táticas em detalhe. Certamente, a legião se aproximava do inimigo em sua linha tripla de Hastati, Principes e Triarii, com o Velites formando uma cobertura leve na frente. Cada uma das três linhas era constituída de 10 manípulas. As manípulas não ficavam lado a lado, pois eram deixadas lacunas entre elas, em iguais larguras em relação à toda a frente de bata-lha (que podem ser estimada em cerca de 120 pés ou 35 m).

As lacunas da linha de Hastati eram mascaradas pela segunda linha de manípulas do Principes; da mesma forma, as lacunas das manípulas do Triarii eram mascaradas pela linha do Principes. Tudo isso parece muito claro (Fig. 8), mas a disposição tática no início da batalha é menos bem informada. Alguns estudiosos supuseram que a legião apresen-tava-se para a batalha com largas aberturas em cada linha (o quincunx é uma descrição moderna favorita, com o nome originado dos cinco pontos de um cubo de dados) - ainda que isso pudesse permitir que um inimigo penetrasse profundamente na formação roma-na e deixar para trás as manípulas da primeira linha. (Isso importaria menos contra uma falange do tipo macedônio, que tinha que manter a sua própria rigidez).

No entanto, é muito mais provável que as lacunas, ou pelo menos algumas delas, fossem preenchidas antes que os exércitos se enfrentassem. (A sequência da batalha principal no filme Spartacus mostra este acontecimento). Havia duas maneiras pelas quais as lacunas poderiam ser preenchidas:1ª) cada manípula simplesmente estendia a sua frente, dando assim, individualmente, mais espaço para se desdobrar as armas; ou 2ª) se a manípula fosse organizada até duas centúrias de profundidade, a centúria da retaguarda poderia correr (quase que certamente pela esquerda) vindo a formar ao lado da centúria na linha propriamente dita. Em uma análise balanceada, esta última parece ter sido o mé-todo mais provável de desdobramento.

A batalha seria iniciada pelos Velites que tentariam desorganizar e instabilizar as formações inimigas com uma saraivada de dardos leves. Isto feito, eles se retiravam, atra-vés das lacunas deixadas na manipula Hastati, demandando a retaguarda. As manípulas Hastati, então, manobravam para fechar as lacunas. Se a manipula Hastati fosse repeli-da, ou perdesse sua impulsão, ela também se retiraria através das lacunas na manipula Principes que, então, deveria estender suas próprias manípulas e avançar para o ataque. Se o inimigo ainda estivesse invicto, ou tivesse ganhado terreno, a manipula Principes se retirava pelas lacunas da manipula Triarii e o processo todo seria repetido. Obviamente, os sobreviventes do Hastati e dos Principes, agora, reforçariam o Triarii neste jogo final de força.

A título de complementação, são inseridas as informações abaixo:

PREPARAÇÕES INICIAIS E DESLOCAMENTO PARA A BATALHA

A marcha de aproximação - Uma vez que a legião estivesse pronta para uma operação, a marcha começava. A aproximação ao campo de batalha era feita em várias colunas, assim aumentando a capacidade de manobra. Normalmente uma forte vanguarda precedia o corpo principal, nela incluindo batedores, cavalaria e tropas leves. Um tribuno ou outro oficial muitas vezes acompanhava a vanguarda para realizar o reconhecimento do terreno visando possíveis locais de acampamento. Elementos de flanco e de reconhecimento também eram desdobrados para fornecer a cobertura de segurança habitual. Por

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trás da vanguarda seguia o corpo principal da infantaria pesada. Cada legião marchava como uma formação distinta e era acompanhada por seu próprio trem de bagagem. A última legião geralmente constituía a força de retaguarda, embora diversas unidades recentemente organizadas pudessem ocupar este último escalão.

Construção de acampamentos fortificados - As legiões em uma campanha, normalmente estabeleciam um acam-pamento fortificado, que continha uma paliçada e um fosso profundo, de forma a propiciar uma base para o armazenamento e o abastecimento da legião, além, obviamente, de local para o repouso da tropa e para prover as segurança e defesa locais. Acampamentos eram recriados cada vez que o exército se deslocava, sendo construídos tendo-se em vista tanto a necessi-dade militar quanto o simbolismo religioso. Nos acampamentos sempre havia quatro portões que, como já visto acima, eram ligados por duas ruas principais que se cruzavam, e pela concentração de barracas de comando no centro. No espaço era também erigido um altar e uma área de reunião religiosa. Tudo era padronizado, desde o posicionamento da bagagem, dos equipamentos e das unidades do exército, até os deveres dos oficiais quanto ao estabelecimento de sentinelas, piquetes e ordens para a marcha o dia seguinte. A construção do acampamento poderia demorar entre 2 a 5 horas, com parte do exército trabalhando, enquanto o restante ficava de guarda, dependendo da situação tática. A forma do acampamento era geralmente retangular, mas poderia variar de forma, dependendo das condições do terreno ou da situação tática. Uma distância de cerca de 60 metros era deixada vazia entre a trincheira e a primeira linha de barracas de tropa. Esta lacuna fornecia espaço para a formação dos legionários para batalha e mantinha a área da tropa fora do alcance dos mísseis inimigos. Nenhum outro exército da antiguidade persistiu durante tanto tempo na sistemática construção de acampamentos como os romanos, mesmo se o exército descansasse por um único dia.

Desmontando o acampamento e marchando - .Após um pequeno-almoço arregimentado no tempo alocado para tal, as trombetas soavam e as barracas e cabanas do acampamento eram desmontadas, e eram iniciados os preparativos para a partida. Então a trombeta soava novamente, dando o sinal de “Preparar para marchar”. As mulas e vagões do trem da bagagem seriam carregados e as unidades eram formadas. O acampamento depois seria posto ao chão e queimado, para impedir sua ocupação e utilização posterior pelo inimigo. As trombetas então voltariam a soar, para indicar o final da desmontagem do acampamento e, então, era perguntado às tropas, por três vezes se elas estavam prontas, ao que delas era esperado que gritassem juntos “Pronto!”, antes de iniciar a marcha.

Inteligência - Os bons comandantes romanos não hesitavam em explorar informações úteis, particularmente onde uma situação de cerco ou de um iminente confronto no campo estava se desenvolvendo. As informações eram recolhidas de colaboradores, espiões, diplomatas, emissários e aliados. As mensagens interceptadas durante a Segunda Guerra Púnica, por exemplo, foram um golpe de Inteligência para os romanos e que possibilitou a expedição de dois exércitos para encontrar e destruir as forças cartaginesas de Asdrúbal, impedindo o seu reforço a Aníbal. Os comandantes também mantinham um olho sobre a situação em Roma a partir de políticos inimigos e rivais, que poderiam usar uma campanha mal sucedida para infligir danos pessoais e uma carreira dolorosa. Durante esta fase inicial, o reconhecimento do campo de batalha costumeiro, também era realizado - patrulhas podiam ser enviadas, incursões podiam ser montados para sondar as fraquezas inimigas, e eram interrogados os prisioneiros e os habitantes locais, uma vez intimidados.

Moral - Se o campo de batalha em potencial estivesse perto, o deslocamento tornava-se mais cuidadoso e mais experimental. Vários dias poderiam ser gastos em um local, para se estudar o terreno e a situação do inimigo, enquanto as tropas eram preparadas mental e fisicamente para a batalha. Conversas estimulantes, sacrifícios aos deuses e anúncios de bons augúrios podiam ser realizados. Podia-se, também, efetuar uma série de demonstrações práticas para testar a reação inimiga, bem como para construir o moral da tropa. Parte do exército podia ser conduzida para fora do acampamento e ser or-ganizada em ordem de batalha para iludir o inimigo. Se o inimigo se recusasse a sair ou, pelo menos, fazer uma demonstração de força, o comandante poderia reivindicar uma vantagem moral de seus homens, alegando a timidez da oposição em face da situação resoluta de suas forças de combate.

Notas do historiador Adrian Goldsworthy informam que tais manobras da pré-batalha eram típicas dos antigos exér-

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citos, com cada lado procurando obter vantagem máxima antes do encontro. Durante este período, alguns escritores antigos pintam um retrato de reuniões entre os comandantes adversárias para negociar ou realizar uma discussão geral, tal como aconteceu com a famosa conversa de pré-confronto entre Aníbal e Cipião em Zama. Mas o que quer que seja a verdade sobre estas discussões, ou discursos floridos foram alegadamente feitos, ou o único encontro que, finalmente, importava era a batalha.

DESDOBRAMENTO PARA O COMBATE

A manobra pré-batalha dava aos comandantes oponentes uma impressão para o confronto iminente, mas os resulta-dos finais poderiam ser imprevisíveis, mesmo após o início das hostilidades. As ações de skirmishing poderiam tornar-se sem efeito, resultando no imediato confronto entre as duas principais forças. Considerações políticas, esgotamento de fontes, ou mesmo rivalidade entre os comandantes pela glória também poderiam desencadear um avanço imediato, como na batalha do rio Trebia.

Dispositivo da linha trípliceUma vez que a máquina de guerra estivesse em movimento, a infantaria romana normalmente encontrava-se des-

dobrada, quando o corpo principal, enfrentava o inimigo. Durante o desdobramento na época republicana, as manípulas eram comumente organizadas em triplex acies (ordem de batalha tripla), ou seja, em três linhas. A do Hastati na primeira linha (a mais próxima do inimigo), o Principes no segundo escalão e os soldados veteranos do Triarii no terceiro e último – estes clas-sificados como tropas de barreira, ou mesmo às vezes, até mais para trás como uma reserva estratégica. Quando em perigo iminente de uma derrota, as primeira e segunda linhas, o Hastati e Principes, ordinariamente recuavam para trás do Triarii para reformar a linha e permitir uma retirada ordenada ou um contra-ataque. A queda do Triarii era um ato de desespero, daí o fato de que a menção de “caindo sobre o Triarii” (“ad triarios rediisse”) tornou-se uma frase comum romana para indicar estar-se em uma situação desesperadora.

Dentro deste sistema triplex acies, os relatos de escritores romanos contemporâneos informam que as manípulas adotavam uma formação quadriculada chamada quincunx quando a legião encontrava-se desdobrada para a batalha, mas ainda não engajada. Na primeira linha, o Hastati deixava lacunas de igual tamanho ao de sua área de seção transversal entre cada manípula. A segunda linha, a do Principes, obedecia de uma forma semelhante, se alinhando por trás das lacunas deixadas pela primeira linha. Isto também era feito pela terceira linha (Triarii), em relação às lacunas da segunda linha. O Velites era desdobrado à frente desta linha de batalha, em uma linha contínua, em formação solta.

A manobra romana era complexa, cheia da poeira de milhares de soldados que rodavam no lugar e da gritaria dos oficiais, movendo-se para lá e para cá, na tentativa de manter a ordem. Vários milhares de homens tinham de ser posicionados de coluna para linha, com cada unidade tomando seu lugar designado, junto com as tropas leves e a cavalaria. Os campos fortificados foram estabelecidos e organizados para facilitar o desdobramento inicial. Isso podia demandar algum tempo até o arranjo final, mas uma vez realizado o desdobramento, o agrupamento do exército de legiões representava uma formidável força de combate, normalmente disposta em três linhas com um frente que cobria cerca de uma milha (1,6 km).

O desdobramento em três linhas permaneceu ao longo dos séculos, embora as reformas de Marius tivessem eliminado a maioria das divisões baseadas em idade e classe, padronizando as armas e reorganizando as legiões em maiores unidades de manobra chamadas coortes. O tamanho total da legião e o tempo de serviço dos soldados também foram aumentados, de uma forma mais permanente.

Manobrando (Ver a gravura da página ao lado)Quando o exército se aproximava de seu inimigo, o Velites na frente deveria lançar seus dardos contra o inimigo e de-

pois retirar-se através das lacunas deixadas nas linhas. Esta foi uma importante inovação em relação aos outros exércitos do período, quando os escaramuçadores (skirmishers), precisando recuar através de suas próprias fileiras, causavam confusão ou, então, fugiam ao redor de qualquer flanco de seu próprio exército. Depois que o Velites havia recuado através do Hastati, a centúria posterior deveria marchar à esquerda e, em seguida, avançar para que o Hastati se apresentasse como uma linha

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sólida de soldados. O mesmo procedimento deveria ser empregado quando eles passassem através dos segundo e terceiro escalões, ou virassem para o lado do canal formado pela lacuna entre as primeiras e segunda linhas, em rota para ajudar a proteger os flancos da legião.

Neste momento, a legião apresentava-se como uma linha sólida para o inimigo e, portanto, ela encontrava-se na for-mação correta para o engajamento. Quando o inimigo se aproximasse, o Hastati carregaria. Se os soldados do Hastati estives-sem perdendo a luta, a centúria posterior voltava à posição original, novamente criando as lacunas. Em seguida, as manípulas deveriam retrair através das lacunas deixadas pelas lacunas do Principes, que deveriam obedecer o mesmo procedimento do Hastati para formar uma nova linha de batalha e carregar sobre o inimigo. Se os soldados do Principes não pudessem quebrar o inimigo, eles se retirariam para trás do Triarii e todo o exército deixaria o campo de batalha em boa ordem. De acordo com al-guns escritores, o Triarii formava uma linha contínua, quando seus soldados eram desdobrados, e ou o seu deslocamento para a frente poderia ser realizado ou possibilitaria que as demais divisões se reorganizassem, para, mais tarde, voltar para a luta.

O sistema anipular permitia o engajamento com todo o tipo de inimigo, mesmo em terreno acidentado, pois a legião tinha flexibilidade e resistência de acordo com o desdobramento de suas linhas. A falta de um corpo de cavalaria forte, no entanto, era uma grande falha das forças romanas.

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Na figura abaixo é mostrado o desenvolvimento do que se convencionou chamar de “tática manipular”.

FormaçõesO mostrado acima era, apenas, o procedimento padrão e que, muitas vezes, foi modificado, como por exemplo, na

batalha de Zama, quando Cipião desdobrou toda a sua legião em uma única linha para poder envolver o exército de Aníbal, exatamente como este havia feito em Canas. Um breve resumo das formações alternativas conhecidas por terem sido usadas é mostrado abaixo:

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Ainda há de se considerar, quando do advento das coortes, a fomação em “quincux” (xadrez), abaixo ilustrada:

No final da República, desde o tempo dos consulados de Mário (100 AC), as centúrias substituíram as manípulas como unidades militares básicas:

=> 1 coorte = 6 centúrias = 480 homens; e=> 1 Legião = 10 coortes = 60 centúrias = 4.800 homens.Integradas a cada Legião havia: uma unidade auxiliar com cerca de 4.800 homens, que incluím engenheiros, artilhei-

ros, artesãos de cerco, unidades de apoio de serviço, cavalaria ligeira, e trabalhadores.Cada manípula de 160 homens, duas centúrias, era desdobrada como uma falange pequena e independente de 20

homens, com 8 homens de profundidade, com cada homem distante cinco pés do vizinho, e cada manípula lateralmente sepa-rada da próxima. As manípulas em cada linha eram posicionadas de forma a cobrir as lacunas da linha posterior, dessa forma criando uma formação chamada quincunx ou quadriculada, capaz de atacar em qualquer direção ou repelir qualquer assalto. Esse tipo de abordagem garantia uma maior flexibilidade às manípulas, pois elas poderiam, juntas, coordenar ataques ou fintas ou, ainda, operar de forma independente. Assim, o Exército romano, agora, poderia utilizar o fator surpresa como elemento do combate, e também dotava os comandantes da posibilidade de conservarem manípulas em posições escondidas, muitas vezes nos flancos, para trazê-las ao combate ao redor do inimigo, quando oportuno

.Combate=> Engajamento aproximado (mão-a-mão) depois do lançamento das armas de arremesso - Uma vez que o desdobra-

mento e as escaramuças (skirmishings) iniciais , como descrito acima, tivesse ocorrido, o corpo principal da infantaria pesada fechava as lacunas e atacava, imediatamente. As fileiras da frente geralmente lançavam sua pila, ocasião em que as fileiras seguintes às deles atiravam por cima das cabeças dos lutadores da linha de frente. Depois de terem lançado a pila, os soldado, então, desembainhavam suas gladius (espadas) e engajavam o inimigo. Uma grande ênfase era dada ao manejo do escudo, para fornecer uma cobertura máxima do corpo, ao mesmo tempo em que atacava o inimigo quando exposto. No combate que se seguia, a disciplina romana, o pesado escudo, a armadura e o treinamento eram fatores que garantiam importantes vantagens.

=> O agudo efeito de choque do combate - Alguns estudiosos da infantaria romana mantêm a posição de que o trauma intenso e o estresse do combate corpo a corpo não significava que os contendores deveriam lutar uns contra os outros até que um tombasse. Esta é, no entanto, a ideia mais popular. Em vez disso, havia curtos períodos de intensa e violenta luta. Seela restasse indecisa, os contendores podiam recuar para poder se recuperar e, então, avançar novamente para renovar a luta, a uma curta distância. Outros, por trás deles, entretanto, iriam se intensificando na briga, enfrentando novos inimigos ou cobrindo seus colegas. O guerreiro individualmente, assim poderia contar com um alívio temporário, ao invés de lutar até à morte, ou até ser incapacitado por uma grave lesão. Quando a batalha progredia, intensificava-se o estresse físico e mental. A resistência e a força de vontade exigiam, cada vez mais, que fosse realizada mais uma carga, fazendo crescer o estresse, ainda mais. Eventualmente, quando um lado começava a quebrar, começava, também, o maior massacre.

=> Uso de máquinas de guerra e tiros de cobertura - Muitas batalhas romanas - especialmente durante o final do

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Império - foram travadas com os tiros preparatório de ballistas e onagers. Estas máquinas de guerra, uma forma antiga da artilharia, disparava flechas e grandes pedras sobre o inimigo (embora muitos historiadores questionem a eficácia de tais armas no campo de batalha). Após esta barragem, a infantaria romana avançava, em quatro linhas, até que chegasse a 30 me-tros de distância do inimigo e, em seguida, ela parava, seus soldados arremessavam suas pilas e só então carregavam sobre o oponente. Se a primeira linha fosse repelida pelo inimigo, outra linha iria retomar o ataque, rapidamente. Muitas vezes esta se-quência rápida de ataques mortais provou ser a chave da vitória. Outra tática comum era a de provocar o inimigo com cargas falsas (fintas) pelo lançamento de flechas pelos auxiliares equites (cavalaria auxiliar), o que obrigava o inimigo a persegui-los, o que levava o inimigo para uma emboscada, onde ele seria contra-atacado pela infantaria e pela cavalaria pesadas romanas.

Vantagens do sistema triplex (3-linhas)

=> Flexibilidade - Algumas fontes antigas, como Políbio,, parecem implicar que as legiões poderiam lutar com lacunas em suas linhas. Ainda assim, a maioria das fontes parecem admitir que, mais geralmente, uma linha formava uma frente sólida. Várias abordagens foram feitas para reconciliar estas possibilidades com os escritos antigos. As vantagens das lacunas são óbvias, de maneira que uma formação pudesse fluir em torno de obstáculos, exigindo que a manobra e o controle fossem reforçados.

Após a abordagem, a marcha de aproximação estava completa, momento em que seria extremamente difícil desdo-brar um exército de maneira ininterrupta para o combate, mesmo através de um terreno plano, sem algum tipo de intervalo. Muitos exércitos antigos usavam lacunas de algum tipo, até mesmo os cartagineses que, normalmente, retiravam suas tropas das escaramuças iniciais por entre os espaços deixados, antes do evento principal. Inimigos ainda mais organizados, como as hostes germânicas, normalmente carregavam em grupos distintos com pequenos espaços entre eles, em vez de marchar em uma simples linha.

A luta empregando as lacunas era entendida como viável para escritores como Políbio. De acordo com aqueles que defendem o ponto de vista da formação em quincunx, eles destacam que neste tipo de abordagem romana, os seus intervalos eram geralmente maiores e mais sistematicamente organizado do que aqueles de outros exércitos antigos. Cada lacuna era coberta pelas manípulas ou pelas coortes das linhas mais de trás. Uma penetração de qualquer significado não poderia sim-plesmente progredir sem ser molestada. Isso significaria não apenas ter-se perdido o desafio da primeira linha, como também estar sujeito a um crescente número de agressivas unidades inimigas para ocupar aquele espaço perdido. De um ponto de vista maior, quando a frente de batalha desvanecia, unidades frescas poderiam ser implantadas através dos intervalos para substituir os homens da primeira linha, permitindo que a pressão continuasse a ser levada para a frente.

=> Mistura de uma frente contínua com lutas com intervalos - Um cenário para o não uso de lacunas era o desdobramento realizado em um espaço limitado, tal como o topo de uma colina ou em uma ravina, onde não seria viável se espalhar as tropas. A outra era o de uma formação visando um ataque específico, tal como a cunha acima discutida, ou um cerco, como na batalha de Ilipa. Uma outra era o fechamento da fase da manobra, quando uma linha sólida era construída para dar um último e final empurrão, como na batalha de Zama. Durante o turbilhão da batalha, também era possível que, com as unidades mescladas em linha, o espaçamento do quadriculado geral tornava-se mais comprimido ou mesmo desaparecia, e a luta iria se converter em uma linha mais ou menos sólida, engajada com o inimigo. Assim, as lacunas do início da luta podiam tender a desaparecer nas fases finais da batalha.

Alguns historiadores entendem os intervalos como úteis, principalmente durante a manobra. Antes que os legionários fechassem sobre cada escalão inimigo, eles formariam uma linha sólida para envolver o inimigo. Se as coisas corressem mal para a primeira linha, ela se retiraria através das lacunas e o segundo escalão avançava para formar uma nova frente contínua. Caso esta se visse frustrada, ainda restava os veteranos do Triarii que continha os sobreviventes retirados da frente pelas lacunas predefinidas. Os veteranos, então, formavam uma frente contínua para atacar o inimigo ou formar a “crosta” para assegurar a retirada segura do exército como um todo. O mesmo procedimento era seguido quando o Triarii era extinto - intervalos para manobra, reorganização e recuperação - até a obtenção de uma linha sólida para haver um novo engajamento. Alguns escritores afirmam que nos exércitos de César, a utilização de lacunas e do quincunx parece ter diminuído, e as suas

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legiões geralmente se desdobravam em três linhas ininterruptas, com quatro coortes na frente e três atrás em ordem esca-lonada. O alívio era provido pelas segunda e terceira linhas avançando, para substituir seus camaradas em pequenos grupos, enquanto os exaustos e os feridos eram retirados da frente. Os romanos, no entanto, ainda permaneceram flexíveis, usando as lacunas e implantando quatro ou às vezes duas linhas conforme a situação tática existente.

=> Espaçamento entre linhas e resistência em combate - Outra característica única da infantaria romana era a profundidade das suas formações. Os exércitos mais antigos eram desdobrados em formações mais rasas, particularmente as forças do tipo falange. As falanges podiam aprofundar suas fileiras pesadamente, para adicionar resistência e poder de choque, mas sua abordagem geral ainda favorecia uma linha maciça, em oposição ao regime romano das três linhas: uma formação profunda. A vantagem do sistema romano era que ele permitia o afunilamento contínuo ou a garantia do poder de combate à frente por um longo período — uma pressão maciça, constantemente renovada para a frente — até que o inimigo quebrasse. O desdobramento das segunda e terceira linhas exigia uma cuidadosa consideração pelo comandante romano. Se desdobradas muito cedo, elas poderiam ficar entaladas na linha frontal a ser lutada e ficariam exaustas. Se desdobradas tardiamente, ela poderiam ser arrastados para uma “goleada” caso a primeira linha começasse a se quebrar. Um controle apertado, portanto, teria que ser mantido, de modo que a 3ª linha, do Triarii, às vezes tivesse que permanecer agachada ou ajoelhada, efetivamente, para se poupar. até que fosse, prematuramente, avançada. O comandante romano era, assim, geral-mente móvel, constantemente se movendo de um ponto a outro, e muitas vezes, cavalgando em pessoa para buscar reservas, se não houvesse tempo para o uso do seriço padrão de mensageiros. O grande número de oficiais do Exército romano típico e a flexibilidade das suas subunidades tanto coortes como manípulas auxiliaram, grandemente, a coordenação dos movimentos.

Qualquer que fosse a formação utilizada, o aumento do poder de combate para a frente permaneceu constante:“Quando a primeira linha como um todo tinha feito o seu melhor e tornava-se enfraquecida e esgotada por perdas,

ela abria caminho para o homens novos da segunda linha que, gradualmente passando através dos primeiros, pressionavam para a frente, um a um, indo lutar da mesma forma. Enquanto isso, os homens cansados da primeira linha original, quando sufi-cientemente descansados, eram reorganizados e reentravam na luta. Isto continuava até que todos os homens das primeira e segunda linhas tivessem engajado. Isto não pressupõe uma retirada real da primeira linha, mas sim uma fusão, uma mistura ou uma concentração de ambas as linhas. Assim, ao inimigo não era dado descanso e via-se obrigado a, continuamente, se opor a tropas frescas, até que, exausto e desmoralizado, ele se rendia aos ataques repetidos”.

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AS SETE FORMAÇÕES DE VEGÉCIO (Referência: inciso IV do Capítulo IV de A Epítome da Arte Militar por Vegécio )

Um general pode dispor seu exército para a batalha geral em sete formações diferentes.A primeira formação é em retângulo alongado, de larga frente, tão comumente usada, tanto nos tempos antigos,

como nos modernos, conquanto não seja considerada a melhor por vários juízes na matéria.Dizem eles ser difícil encontrar um terreno plano e suficientemente amplo para conter toda a frente, e que se houver

alguma irregularidade ou vazio no campo de batalha, a formação será muito facilmente rompida nessa parte. Além disso, um inimigo superior em número pode facilmente desbordar a direita ou a esquerda, com perigosas consequências, exceto se houver uma reserva previamente disposta,pronta para avançar e apoiar o ataque. O general só deve empregar esse dispositivo quando suas forças forem melhores e mais numerosas do que as do inimigo, pdendo, portanto, atacar ambos os flancos e desbordá-los em toda a extensão.

“Um general cujas tropas se distinguem por sua superioridade numérica e sua bravura, deverá engajar-se com o inimigo em um quadrado alongado, que corresponde à primeira formação”

Esta tática idealizada para emprego em terrenos pouco ondulados, implica em que as alas sejam mais fortes. Caso o inimigo organize um ataque pelos flancos, as reservas estarão em condições de contra-atacá-lo. Uma vez que as alas inimigas tenham sido vencidas, poderá ser exercido pressão pelo centro

A segunda formação, e melhor, é oblíqua. Mesmo que o exército tenha poucas forças, sendo bem e vantajosamente colocado, isso poderá grandemente contribuir para a sua vitória, não obstante o número e a bra vura do inimigo. Procede-se como segue: supondo-se os exércitos avançando para o ataque, a ala esquerda pode ser mantida recuada e a tal distância da direita inimiga, que não possa ser alcançada por seus dardos e flechas. A ala da direita avançará obliquamente contra a esquerda inimiga e começará a batalha. Enquanto isso se passa, o general esforçar-se-á por desbordar a esquerda inimiga para atacá-lo pela retaguarda com sua melhor cavalaria e infantaria.

Se há ganho de terreno e o ataque é apropriadamente secundado, a vitória será indubitável, enquanto nossa ala esquerda recuada a distância ficar intacta. Um exército, assim disposto, tem certa semelhança com a letra A ou um nível de pedreiro. Se o inimigo o preceder nessa evolução, o general terá o recurso de postar cavalaria e infantaria supranumerária como reserva na retaguarda, como já foi referido, às quais será determinado apoiar a ala esquerda e com o que se poderá oferecer, vigorosamente, resistência ao artifício do inimigo.

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“Aquele que se julga inferiorizado, deverá avançar sua ala direita contra o lado esquerdo inimigo. Esta é a segunda formação”

Esta formação, por alguns, como a melhor, explora a desvantagem oriunda do fato de que o lado esquerdo de um soldado, bem como o flanco esquerdo de um exército são considerados mais frágeis, porque desse lado há de se suportar o peso do escudo. A ala direita envolverá a da esquerda do oponente e poderá atacar pela retaguarda. A ala esquerda deverá ser mantida à distância, enquanto que as reservas poderão apoiar a ala esquerda, se empregada, ou contrapor-se a um avanço inimigo pelo centro.

A terceira formação é como a segunda, não, porém, tão boa, porque obriga a atacar com a esquerda a direita inimiga, sendo o esforço dos soldados sobre a esquerda imperfeito e fraco, por sua exposição e defeituosa situação na linha. Vejamos isso mais claramente. Ainda que a ala esquerda seja melhor do que a direita, precisa, embora, ser reforçada com alguns dos melhores cavaleiros e infantes e receber ordem de iniciar a ação contra a direita inimiga, para pô-la em desordem e desbordá-la o mais expeditamente possível. O resto do exército, composto das piores tropas, ficará a uma tal distância da esquerda inimiga que não possa ser atingida por seus dardos, ou em perigo de ser atacada de espada em punho.Nessa forma-ção oblíqua, precisa-se ter cuidado para que as cunhas inimigas não penetrem na linha de batalha.

“Se a sua ala esquerda for a mais forte, você deverá atacar à direita do inimigo, conforme a terceira formação.”

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xxxEsta terceira formação deve ser considerada uma exceção, adequada a uma situação de desespero advinda do fato

de a ala esquerda, usualmente considerada a mais fraca, ser mais forte que a ala direita.Neste ataque, a ala esquerda, suplementada pelo melhor da cavalaria romana, atacará a ala direita do oponente,

enquanto sua própria ala direita permanece atrás, em relativa segurança.A quarta formação é a seguinte: o exército marcha para o ataque em ordem de batalha e, tendo atingido quatro-

centos ou quinhentos passos de distância do inimigo, as duas alas recebem ordem de súbito para apressar o passo e avançar celeremente contra ele. Atacado de surpresa ao mesmo tempo nas duas alas, o inimigo ficará desconcertado e o exército poderá obter uma vitória fácil. Conquanto, por esse método, se as tropas são resolutas e treinadas, se possa arruinar total-mente o inimigo, mas é ele um tanto arriscado. O general que o emprega é obrigado a abandonar e expor seu centro e a dividir seu exército em três partes. Se o inimigo não for derrotado na primeira carga, terá uma bela oportunidade de atacar as alas separadas entre si e do centro, ficando este sem apoio.

“O general que sabe poder confiar na disciplina de seus homens deverá iniciar o engajamento com o inimigo atacando ambas as alas do inimigo a um mesmo tempo – A quarta formação”.

A principal vantagem da quarta formação reside no valor da aplicação da ação de choque. Todo o exército cerra sobre o inimigo, incluindo-se as suas duas alas.

Esta ação freqüentemente surpreende o inimigo, levando a uma rápida solução da luta. Contudo, o ataque divide o exército em 3 partes, de forma que, se o inimigo sobreviver ao ataque, as forças centrais romanas poderão tornar-se vulne-ráveis, uma vez que as alas podem se encontrar combatendo separada e isoladamente.

A quinta formação parece-se com a quarta, mas a infantaria leve e os arqueiros são formados diante do centro para cobrí-lo contra as ações do inimigo

Com essa precaução, o general pode adotar sem perigo o método anterior e atacar a ala esquerda inimiga com sua direita e a direita com sua esquerda.

Se ele põe o inimigo em fuga, obtém uma vitória imediata e, se falha o sucesso, o centro não fica em perigo, protegido que está pela infantaria leve e arqueiros.

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“Aquele que entender ser a infantaria leve uma boa solução para cobrir seu cen-tro, formando-a em sua vanguarda e, então, carregando sobre ambas as alas do ini-migo, a um mesmo tempo, estará utilizando a quinta formação.”

Esta é uma variação da quarta formação. A infantaria leve e os arqueiros são posicionados à frente do centro, tor-nando-o menos vulnerável.

A sexta formação é muito boa, quase tanto quanto a segunda, e é usada quando o general não quer ficar dependente nem do número nem da coragem de sua tropa. Se a emprega judiciosamente, não obstante sua inferioridade, pode obter a vitória. Quando a linha de batalha se aproxima do inimigo, ele avança a sua ala direita contra a ala esquerda inimiga e o general começa o ataque com a melhor cavalaria e infantaria. Ao mesmo tempo, guarda o resto do exército a uma grande distância da direita inimiga, estendido em uma linha reta como uma azagaia. Assim, se ele pode envolver a esquerda do inimigo e atacá-lo pelo flanco e retaguarda, derrotá-lo-á inevitavelmente.

É impossível ao inimigo dirigir reforços para sua esquerda, tirados da direita ou do centro, vendo parte do exército contrário estendido a uma grande distância de si e com a forma da letra L. É uma formação muitas vezes usada numa ação em movimento. (combate de encontro).

“Aquele que não pode depender nem do número nem da coragem de suas tropas, mas se vir obrigado ao engajamento, deverá iniciar a ação com sua ala direita e pro-curará quebrar a esquerda inimiga enquanto mantém o resto do seu exército formando uma linha perpendicular à linha de frente do ataque realizado e estendida para a retaguarda como um javelin. Esta é a sexta formação”. xxx

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A sexta formação é semelhante à segunda. Em ambas o ataque se inicia pela ala direita, por trás do flanco esquerdo inimigo. Neste ataque, a ala esquerda inimiga não pode ser reforçada pela retaguarda, sob pena de se abrir uma área de oportunidade que os romanos poderão explorar.

A sétima formação tira sua vantagem da natureza do terreno e habilita a opor-se a um inimigo, mesmo com um exército inferior em número e qualidade, desde que um dos flancos possa ser coberto por um morro, mar, rio, lago, cidade, pântano ou qualquer terreno inacessível ao inimigo.

O resto do exército deve ser formado, como de uso, numa linha direita e o flanco exposto protegido pelas tropas leves e toda a cavalaria. Bem defendido de um lado pela natureza do terreno e de outro por uma cavalaria duplicada, pode-se bem seguramente arriscar uma ação.

“Se suas forças são poucas e fracas se comparadas com as do inimigo, você deve usar a sétima formação, protegendo um dos seus flancos apoiando-o em um ponto proe-minente do terreno, uma cidade, o mar, um rio ou qualquer outro obstáculo natural”.

Quando os romanos se encontravam inferiorizados, em número ou valor da tropa, esta seria, freqüentemente, a única esperança para uma vitória.

O flanco esquerdo continua protegido por qualquer um dos meios naturais disponíveis. A direita é coberta por tropas leves e cavalaria. Com ambos os flancos garantidos, o exército tinha menor receio de um ataque.

Deve-se observar uma excelente regra geral. Se a intenção é de empenhar somente a ala direita, é preciso constituí--la com as melhores tropas e, analogamente, se se trata da esquerda. Se a intenção é rompera linha inimiga, as cunhas que se formam diante do centro para esse fim devem ser constituídas com os melhores soldados.

A vitória é ganha em geral por um pequeno número de homens. Seja como for, a sabedoria de um general se vê principalmente pela sua escolha dos homens e a respectiva disposição, mais consoante com a razão e o trabalho a efetuar.

Este esquema tático foi utilizado até que o novo exército imperial de Roma passou a empregar apenas dois escalões de homens, cada qual formado de 5 cohortes.

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TRIBUNOS E LEGADOS

Durante os meados da República, os mais oficiais mais graduados que serviam nas legiões propriamente dita (ex-cluindo-se, portanto, o cônsul ou o pretor, que tinham a responsabilidade do exército como um todo) eram os tribunos militares. O cargo de tribuno tinha um considerável prestígio. Todos os tribunos eram obrigados a já ter servido pelo menos 5 anos no exército, como uma qualificação básica para o ofício, e 10 deles (fora os 24 tribunos das quatro legiões consulares) teriam que ter cumprido 10 anos de serviço. Presumivelmente, eles haviam ganho esta experiência como equites, ou até mesmo nas fileiras. Por nascimento, os tri-bunos tinham que ser membros da ordem equestre — os cavaleiros. Alguns tribunos eram filhos de senadores, destinados a uma carreira pública e às magistraturas mais altas. Daí era o prestígio do tribunate, composto por aqueles homens ilustres, até mesmo ex-cônsu-les, que serviram ao exército.

Os tribunos das primeiras quatro legiões que eram formados a cada ano (ou seja, as legiões consulares, numeradas de I a IV), eram eleitos na Assembleia, mas os tribunos para quaisquer das legiões acima desse total eram escolhidos diretamente pelo magis-trado no exercício do comando de legião. Os direitos dos tribunos não eram puramente, ou mesmo principalmente, militares; eles tinham um mandato, tal como os magistrados eleitos, de modo a proteger o interesse, a saúde e o bem-estar dos soldados. Quando o tamanho do exército foi expandido, eles vieram a exercer o comando geral sobre as legiões individualmente, por rotatividade e aos pares, por dois meses, a um determinado momento, durante a temporada de uma campanha.

No entanto, desde o tempo da Segunda Guerra Púnica, ou pelo menos desde as Guerras Macedônicas de 1920, tornou-se habitual que o magistrado levasse com ele, para sua província, um ou mais legados (legati), senadores de idade madura, nomeados pelo Senado no Conselho do Magistrado, a quem ele deveria delegar parte de suas forças e obrigações. Esta nova delegação do comando deveu-se, é claro, à necessidade de se fa-zer campanha fora da Itália, em amplas áreas geográficas, onde o magistrado não poderia esperar para exercer o controle imediato da situação.

Aos legados poderiam ser dadas, durante um período curto ou mesmo estendido, comissões semi-independentes, com controle de uma parcela das tropas ou navios à dis-posição do magistrado.

Os tribunos, intimamente ligados à cada legião, eram, evidentemente, preparados para esta tarefa. Por muito tempo deste mesmo período, e talvez como consequência dire-ta, o tribunate deixou de ser procurado pelos senadores, em face do que a qualidade dos tribunos, individualmente, declinou. Muitas vezes, os homens que serviam como legados encontravam-se no decurso de uma carreira senatorial e ‘entre’ mandatos; às vezes, eles já eram ex-pretores, mas mais frequentemente eram tribunos ex-Plebeus, ex-Aediles, ou ex-Questores. 2 Assim, a maior parte deles era de bom nascimento, mas de pouca expe-

2. Na Roma Antiga, havia, além dos patrícios e clientes, os plebeus (do latim plebem, multidão), que formava um mundo à parte. Os plebeus habitavam o solo romano, sem integrar a cidade. Os aedīlis curules, na Roma Antiga, eram dois encarregados da preservação da cidade, da polícia, dos merca-dos e das ações penais correlatas, bem como da jurisdição civil contenciosa nas questões ali ocorridas. Era a magistratura plebéia, interditada aos patrícios.O quaestor era o primeiro passo na hierarquia política da Roma Antiga (cursus honorum). O cargo, que impli-cava funções administrativas, era geralmente ocupado por membros da classe senatorial com menos de 32 anos. O mandato como questor dava acesso direto ao colégio do senado romano. Por serem os cobradores de impostos do Império, eram mal-vistos pela população, pois eram “interventores”.

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riência militar. Claro que suas funções exigiriam conhecimentos especializados, que tanto poderiam ser administrativos como jurídicos ou militares. De qualquer forma, um ambicio-so jovem senador, ansiava, vias de regra, por poder mostrar seus talentos militares — e políticos — a um comandante de sucesso, e muito mais aos olhos do público, como uma rota para a promoção e a fama que adviria certamente como um legado, e não como um tribuno.

ROMA NO ORIENTE

Após a derrota de Cartago, Roma virou-se contra Filipe V da Macedônia e enviou uma força de duas legiões (e um número equivalente de aliados), para o outro lado do mar Adriático (Fig. 10). Inicialmente, mostrou-se indiferente e mudou a liderança da tropa, que não teve nenhum efeito, embora o exército contvesse mui-tos veteranos das guerras contra Aníbal e de Zama. Em 198 uma força com muitos elefantes foi enviada por Massinissa, para realizar o esforço da guerra. A chegada do cônsul para 198, T. Quinctius Flamininus, injetou um novo senso de propósito. As forças romanas e macedônias entraram em contato inesperadamente no interva-lo das colinas chamadas Cynoscephalae (‘cabeças de cachorro’, em razão do seu perfil característico), onde os romanos encontraram os homens de Filipe guardando a passagem entre a cidade de Farsalos (ver abaixo) e as planícies do norte da Tes-sália (Fig. 11). Houve uma pesada contenda entre escaramuçadores (skirmishers), por meio de consideráveis forças, na luta pela cordilheira cujo sentido leste-oeste controlava a passagem propriamente dita. As legiões romanas foram capazes de se desdobra rapidamente, antes que falange de Filipe o fizesse, uma desvantagem con-siderável no terreno desigual. A falange macedônia tinha cerca de 16.000homens.

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Quando a batalha começou, Filipe tinha apenas cerca de metade da sua falan-ge no cume, juntamente com alguns peltastas 3 e outras forças leves.(1) Flamininus imediatamente atacou com sua ala esquerda; a falange respondeu e empurrou os legionários encosta abaixo. Flamininus, então, empregou sua ala direita para atacar a esquerda macedônia, que ainda estava em processo de desdobramento e, com a ajuda dos elefantes, destruiu a sua estrutura. (2) A batalha agora parecia consistir de dois encontros bem separados. Claramente, qualquer dos dois comandantes que reagisse mais rapidamente iria ganhar. Um tribuno sem nome, de uma das duas legiões romanas, destacou 20 manípulas de legionários (provavelmente o Triarii e Principes da própria Legião — ou o Triarii de sua própria legião de aliados). Apa-rentemente por sua própria iniciativa, ele as levou encosta acima, sobre a linha de crista e carregou sobre a retaguarda da ala direita macedônia, que ainda estava avançando lentamente para o outro flanco.(3) As fileiras dos lanceiros macedônios, com suas longas lanças (sarissas) apontando para a frente, não foram capazes de se virar e foram derrubadas onde elas estavam. Como observou Políbio, a superio-ridade da estrutura da flexível manipula sobre a falange torna mais aparente que a batalha de Cynoscephalae terminou a guerra e, também, a supremacia da Macedô-nia no Mediterrâneo Oriental.

O eclipse da Macedônia encorajou o rei selêucida Antíoco a invadir a Europa; ele desembarcou na Grécia e, em 191, assumiu uma posição no desfiladeiro das Termópilas, contra um exército romano, que avançava para o sul. Os romanos flan-quearam a posição, da mesma forma como os persas haviam feito na mais famosa batalha de Leônidas contra os espartanos em 480, e Antíoco foi obrigado a evacuar suas forças da Grécia. No ano seguinte, a guerra foi realizada na Ásia menor, sob o comando do irmão de Cipião (mas com o “Africano” servindo como legate).

3. O peltaste ou peltasta (do grego peltastés, pelo latim peltasta) era, entre os gregos, um soldado de infantaria ligeira que usava a pelta, um escudo leve. Eles não usavam armaduras, o que permitia que se movimentassem com rapidez no campo de batalha. Cada homem carregava várias lanças de, geralmente, um metro de comprimento.

Quando a batalha começou, Filipe tinha apenas cerca de metade da sua falange no cume, junta-mente com alguns peltasta e outras forças leves.(1)

Flamininus emprega sua ala direita para atacar a es-querda macedônia, que ainda estava em processo de desdobramento e, com a ajuda dos elefantes, destrói a sua estrutura. (2)

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Um tribuno sem nome, de uma das duas legiões ro-manas, destaca 20 manípulas de legionários, por sua própria iniciativa, as leva encosta acima, e carrega so-bre a retaguarda da ala direita macedônia, que ainda estava avançando lentamente para o outro flanco.(3)

Antíoco tinha montado um grande exército, composto por uma falange do tipo ma-cedônio, juntamente com arqueiros montados, elefantes, um corpo de camelos e carru-agens (bigas). As forças romanas, quatro legiões (incluindo aliados) e os substanciais contingentes dos Estados amigos da Grécia e da Ásia Menor, estabeleceram o contato com o exército de Antíoco na região de Magnésia (Manissa). Esta montagem poliglota entrou em confusão, como se atingida por um golpe, mas os legionários romanos en-traram na turbulência com voleios de pila, e as perdas romanas foram mínimas. Em um confronto final com os macedônios de 171 em diante, a má gestão romana, novamente, quase levou ao desastre, mas a nomeação de L. Emílio Paulo restaurou a confiança e a disciplina: em uma dura batalha, em Pidna nos flancos do Monte Olimpo, a falange ma-cedônia, inicialmente, foi bem sucedida, mas novamente caiu em desordem; o emprego hábil das manípulas por Paulo evitou a sua total destruição. Roma, neste momento, de-sinteressou-se em estabelecer uma presença militar permanente a leste do mar Adriático, e o Exército romano retirou-se. Mas em 149, a Macedônia finalmente foi transformada em uma província romana. Três anos mais tarde, Cartago foi invadida após uma luta feroz e seu território também foi transformado em uma província, que os romanos chamaram de África. A fronteira entre a nova província e o nativo reino da Numídia para o oeste foi mar-cada por uma vala, a Fossa Regia, que pode ser em tendida como os primeiros trabalhos de fronteira do mundo romano.

A ESPANHA E O OCIDENTE

Se a interferência romana no Mediterrâneo Oriental contra o poder em declínio dos reinos helenísticos, em grande parte foi coroada de êxito, por outro lado, o progresso dela em relação ao Ocidente — na Espanha — foi marcado por frequentes reveses. Em todos os lugares houve evidência de ganância, crueldade e insensibilidade para com as tribos conquistadas. Na verdade, foi somente com Augusto que a Espanha passou, intei-ramente, ao controle romano. Um exército de duas (mais tarde quatro) legiões foi mantido permanentemente na Espanha desde o final da Segunda Guerra Púnica, e a necessidade de manter tais efetivos gerou uma constante escassez em mão de obra. Os cidadãos romanos, latinos e aliados, evitaram muito serem enviados para Espanha — um antigo equivalente da frente russa — onde uma luta árdua realizada em terrenos inóspitos só tra-riam poucas recompensas. A inépcia romana incentivou mais revoltas de 154 em diante: os lusitanos do extremo oeste infligiram derrotas sucessivas aos comandantes romanos, e um massacre traiçoeiro de seus guerreiros chefes em 150, apenas alimentou, ainda mais, a revolta, além de convocar um inimigo formidável, Viriato, que já tinha comandado uma força nativa aliada dos romanos e, portanto, conhecia algo de seus métodos. Quase que simultaneamente os celtiberos das terras altas do norte entraram em revolta aberta, e uma

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sucessão de comandantes esforçou-se para controlá-los. Por volta de 141 permaneceu, apenas, um ponto forte nas mãos dos rebeldes: a fortaleza da colina de Numância, perto da Soria moderna.

Não muito longe, para o leste, em um terreno alto em Renieblas, há uma série de acampamentos romanos sobrepostos, provavelmente as bases dos sucessivos coman-dantes romanos da 150 e 140, em suas tentativas de subjugar os numâncios e capturar a cidade (Fig. 12). Os campos em Renieblas, com suas paredes e edifícios internos em pedra e as valas rasa que mascaram os portões, garantem a comparação com os acam-pamentos correspondentes existentes na Grã-Bretanha ou Alemanha. Os campos, parece provável que teriam abrigado uma força de duas legiões, juntamente com um número correspondente de aliados.

O cônsul de 137, com um mandato para sufocar a guerra, estava cercado pelos celtiberos em seu campo (presumivelmente em Renieblas) e viu-se obrigado a entregar toda a sua força. A vergonha foi suficiente para que o Senado enviasse para a Espanha o general mais confiável do Estado romano, P. Cornélio Cipião Emiliano Africano, filho de Aemilius Paullus e neto (por adoção) do conquistador de Aníbal. Emiliano restaurou a ordem no exército, reduziu as fortalezas inimigas e sitiou Numância, que caiu após um cerco de muitos meses. As defesas foram arrasadas e os habitantes sobreviventes foram vendidos como escravos.

O SÍTIO DE NUMÂNCIA

Um relato detalhado da campanha de Emiiano e do sítio de Numância está preserva do em “Iberica de Apiano” (história espanhola), que catalogou os esforços militares roma-nos na Espanha desde a Segunda Guerra Púnica até a conquista final da Espanha por Augusto. Apiano diz-nos que uma parede de pedra de 8 pés (2,5 m) de largura e 10 pés (3 m) de altura, circundada por uma vala foi construída na Numância, corresondendo a uma distância total de 48 estades (6 milhas/10 km), com torres de madeira a intervalos de 100

Figura 12 – Acampamentos romanos em Renie-blas, a leste da Numância. Os acampamentos I e II datam do início e meados do Século II AC, e o acampamento III, provavelmente, de 153–152, enquanto que os acampamentos IV e V, talvez do ano 80.

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pés (30 m). Sete fortes foram colocados circundado o perímetro defensivo (Fig. 15). O rio das proximidades foi bloqueado por um dique feito com troncos de árvore, eriçado com lâminas e pontas.

Emiliano tinha preparado suas tropas para o sítio através de um treinamento duro, conforme relatado por Apiano: ele não se atreveu a empenhar-se ativamente na guerra antes de ter treinado seus homens por meio de um duro esforço. Ele foi até o terreno ao nível do mar das proximidades e ali mandou erigir novos acampamentos, um após o outro, todos os dias, todos eles com muito profundas trincheiras escavadas e protegidos por muralhas altas para, em seguida, os botar abaixo, enquanto ele assistia o trabalho desde o amanhecer até o anoitecer.

O conto de Apiano sobre o cerco é interessante por si só — Numância é a Massada da Espanha. Aprendemos com ele muito da capacidade dos romanos para o sítio, bem como sobre sua perseverança obstinada. Mas o mais importante de seu conto pode ser complementado e ilustrado pelos vestígios arqueológicos das fortificações romanas que sobreviveram.

As plantas-baixas dos maiores fortes do perímetro defensivo em Peña Redonda e de Castillejo (onde parece que Emiliano teria instalado seu quartel-general), fornecem um comentário vívo do layout de um acampamento conforme o descrito por Políbio; as formas irregulares correspondem às exigências do terreno. A reconstrução dessas plantas-baixas são, talvez, demasiado ambiciosa e preparadas em razão dos restos de verdade. Os edifí-cios internos eram de pedra, ou apoiados em peitoris de pedra, e muitas estruturas podem ser identificadas individualmente: edifícios administrativos, casas dos tribunos e quartéis.

A DÍVIDA ROMANA COM A GRÉCIA

Os romanos sempre reconheceram que eles tinham aprendido muito com os outros. O guerreiro hoplita foi copiado do grego e, também, podemos encontrar muito no sistema militar romano que tinha tido uma origem lá na Gécia. O uso de senhas, os rituais religio-sos de antes da batalha, as chamadas por meio de trompetes — tudo isso é familiar aos exércitos gregos. Da mesma forma, dos gregos também tinham sido trazidos elementos artísticos e projetos de engenharia. Tanto que, apesar de considerarmos a arte de cons-truir pontes como originalmente romana, na verdade, ela teve antecedentes gregos. De Alexandre, os romanos herdaram o que estava disponível na forma de manuais sobre

Figura14 – Acampamento III em Renieblas: plano das barracas para 5 manípulas de Hastati (H), Principes (P), e Triarii (T); e 5 turmae de equites (E).

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Figura 15 – Trabalhos de sítio no entorno da Numância (134–133 AC).

Figura 16 - Acampamento de sítio em Peña Redonda (Nu-mância); 27 acres (11,2 hectares).

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estratégia. Cato, o epítome da perspectiva nacionalista romana, em meados do segundo século, escreveu um tratado sobre assuntos militares, alguma forma de manual para os tribunos militares, tudo baseado na descrição de Políbio, um grego, sobre os acampamen-tos. Para o jovem romano ansioso para se tornar o maior modelo de um major-general helenístico, tudo isso foi prescrito à leitura.

O CRESCIMENTO DO PROFISSIONALISMO

Em primeiro lugar, o serviço militar no Exército romano implicava em um homem estar longe de sua casa — geralmente uma chácara em algum distrito do país — por al-gumas semanas ou meses durante o verão. A temporada de campanha abria em março e encerrava em outubro, como deixava claro o calendário romano de festivais oficiais. Mas a necessidade de lutar no exterior e deixar as tropas nas guarnições das províncias recém conquistadas, significava que os homens deveriam ficar longe de casa por períodos mais longos. Inevitavelmente o que tinha sido visto, até então, como um dever e obrigação vo-luntários, assumiu um caráter um pouco diferente.

Claramente, existiu, de cerca de 200 em diante e talvez mais cedo, um núcleo de profissionais, homens que gostavam de aventuras e de riscos, ou que tinham poucos laços familiares, e que se contentavam em ser voluntários ao longo de vários anos, até o máximo previsto de 16 anos, ou mais. Um esplêndido exemplo deste período deve ser o do centurião Spurius Ligustinus; um conto de sua carreira, feita perante o cônsul de 171, é apresentado por Tito Lívio:

“Tornei-me um soldado no consulado de P. Sulpicius e C. Aurélio (200 AC). No exér-cito que lutou na Macedónia, cumpri dois anos nas fileiras romanas contra o rei Filipe; no terceiro ano, por causa da minha bravura, T. Quinctius Flamininus deu-me um posto como centurião na décima manipula do Hastati. Após a derrota de Filipe, quando tinha sido tra-zido de volta à Itália e dispensado, imediatamente parti para a Espanha como voluntário, com o cônsul M. Pórcio (195 AC). Este comandante julgou-me digno de ser nomeado como centurião da primeira centúria do Hastati. Pela terceira vez eu me alistei novamente como voluntário, no exército que foi enviado contra os etolianos e o rei Antíoco (191 AC). Por Manius Acilius eu fui feito centurião da primeira centúria do Principes. Quando Antíoco havia sido vencido e os etolianos subjugados, nós fomos trazidos de volta para a Itália.

E duas vezes depois eu servi em campanhas onde as legiões estavam em co-missão por um ano. Então, eu fiz campanha duas vezes na Espanha (181 e 180 A.C.), primeiro sob o comando de Q. Fúlvio Flaco e, em seguida, sob o comando do pretor Ti. Semprônio Graco. Fui trazido para casa por Flaccus, juntamente com os outros que ele trouxe da província, para tomar parte no seu triunfo, por causa de sua bravura. Quatro vezes, em poucos anos, eu ocupei o posto de “primus pillus” (ou seja, o centurião da pri-meira centúria do Triarii). Trinta e quatro vezes fui recompensado, por bravura, por meus comandantes. Recebi seis coroas cívicas. Eu servi vinte e dois anos no exército e tenho mais de cinquenta anos”.

Depois de seus iniciais seis anos de serviço na Macedônia, Ligustinus realistou-se como voluntário e serviu na Grécia, Espanha, Ásia Menor e, talvez, em outros lugares por mais 16 anos, sendo regado por condecorações militares por uma sucessão de generais admiráveis.

Sua carreira foi recompensada por nomeações apropriadas à sua experiência e sta-tus. Na verdade, ele foi julgado o mais digno de todos os candidatos para o “centurionate”

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e fez juz à nomeação de “primus pilus”na Primeira Legião. Pode-se observar que ele não tinha perdido todo o contato com sua casa: ele era um homem casado com seis filhos, dos quais os quatro homens cresceram e casaram, e as filhas, ele as casou!

No final de uma campanha (talvez um ano ou menos, ou ao termo completo de seis anos — ou mais, em caso de emergência), o soldado ficava liberado de seu juramento militar e voltava para pegar os rumos de uma vida civil, enriquecido com qualquer saque que ele tivesse sido capaz de adquirir durante seu serviço. A possibilidade doe saque era vista como um incentivo ou, no mínimo, uma contrapartida financeira para o serviço militar. Era raro para o Senado oferecer qualquer forma de gratificação para o veterano, embora a participação em uma grande vitória, que levasse a uma guerra à uma conclusão bem su-cedida, pudesse resultar em uma paga pelo rendimento geral da guerra, muitas vezes no momento de seu triunfo. Em algumas ocasiões, aos soldados podia ser dada uma parcela de terreno em reconhecimento ao seu serviço: após o fim da Segunda Guerra Púnica, o território confiscado das comunidades descontentes do sul da Itália foi distribuído aos ve-teranos de Cipião, com dois iugera (1,25 hectares) sendo dado em reconhecimento a cada ano passado no serviço das armas. Algumas das colônias fundadas no norte da Itália, no início do segundo século, foram reservadas para os veteranos, e parcelas foram distribuí-das de acordo com o posto militar realizado: o soldado comum pôde receber até 50 iugera (cerca de 30 hectares), onde toda a família do militar poderia fazer um novo começo em uma nova comunidade.

UM EXÉRCITO DE CIDADÃOS

Em sua essência, o Exército romano do início e meados da República era constitu-ído de seus cidadãos armados e conduzidos para a batalha por seus magistrados eleitos. Descrever tal exército como uma milícia é subestimar sua capacidade e não compreender a atitude mental de seus líderes e membros individualmente. A disciplina e o treinamento foram suas marcas registradas; o cuidado com que os acampamentos eram montados não revela nenhum agrupamento comum de guerreiros amadores. Os romanos adotaram atitudes profissionais, muito anos antes de o exército passar a ser uma instituição de profissionais. Toda a sociedade romana era engrenada para esperar uma guerra em uma base quase que anual. Tal era o conservadorismo romano que, mesmo quando se via em face de prolongadas guerras e hostilidades, à distâncias cada vez maiores de Roma pro-priamente dita, isso não alterava a estrutura essencial do regime militar.

Após o fim da Segunda Guerra Púnica, fortes forças militares tiveram de ser dei-xadas em várias províncias. Inicialmente, o magistrado no comando seguia para casa no final da temporada de campanha, deixando sua legião, ou legiões, na segurança dos quartéis de inverno, e seria substituído na primavera por um sucessor no cargo. Gradu-almente, no entanto, foi desenvolvida a prática de se dilatar o período de comando, para que um mesmo homem pudesse permanecer no seu posto por um segundo ano como um procônsul ou propraetor. Mesmo assim, a ligação entre o seu ofício em Roma e o coman-do de suas forças militares permanecia forte. Um magistrado retornando de volta à Itália poderia levar com ele aqueles homens de suas legiões, que pudessem ser julgados como cumpridores de seu devido tempo de serviço (pelo menos seis anos de contínuos), razão pela qual, seu sucessor deveria levar com ele um suplemento de recrutas, recém inscritos, para preencher as lacunas deixadas na legião.

As legiões, portanto, eram reconstituídas durante o inverno, ocasião em que um

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novo chefe centurião e novos tribunos eram nomeados, como se a legião fosse criada recentemente em Roma. Quase que certamente, temos poucas evidências confiáveis se, durante esse período, as legiões recebiam, a cada ano, uma nova numeração determina-da pelo número total em serviço.

Não é de se admirar o fato de que Políbio e seus contemporâneos gregos tenham fi-cado espantados com o sucesso do Exército romano sobre os sucessores de Alexandre e suas falanges bem treinadas. Na verdade, os gregos ficaram divididos entre si sobre a sua força em declínio. O vácuo estava lá para ser preenchido, e isto os romanos começaram a fazer, mesmo com vários protestos de relutância, mais ou menos sinceros, de acordo com as circunstâncias.

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Capítulo 48“AS MULAS DE MARIUS”

Gaius Marius — que realizou uma série, sem precedentes, de consulados durante a última década do Século II AC, e que derrotou primeiro o reinado númida de Jugurta e, mais tarde, a mais séria ameaça à Itália das tribos celtas — teve, muitas vezes, a ele cre-ditado os passos decisivos que converteram o Exército romano em uma força formalmente profissional de que o Estado muito necessitava. Como se tornará aparente, esta é um super estimativa considerável do escopo — e resultados — do seu trabalho.

O passado de Marius é um fator importante para o julgamento antigo e moderno da sua carreira, em face do que, parece valer a pena uma breve e sumaria descrição dela. Marius nasceu em 157 em Arpino, uma cidade montanhosa de Volsca (agora Arpino), incrivelmente posicionada na extremidade de uma estreita crista no sopé ocidental dos Apeninos, distante cerca de 50 milhas a sudeste de Roma.

Embora seus inimigos tivessem alegado que ele era originado de família de baixa classe — o ‘lavrador Arpino’ de um certo conto —, ele quase que certamente pertencia a uma das principais famílias da sua cidade. Marius realizou seu primeiro serviço militar, provavelmente, como um eques, em uma legião, na Numância, onde supõe-se ter ele atraído a atenção de Cipião Emiliano Africano. Mais tarde, ele tornou-se um tribuno militar e, posteriormente, o primeiro membro de sua família a chegar ao Senado. Um casamento, em cerca de 111, o aliou a uma família aristocrática, mas ultimamente não reconhecida, dos Julii Caesares, o que deve ter marcado sua aceitação dentro do círculo decisório em Roma.

CONFLITOS POLÍTICOS

O período durante o qual Marius cresceu e atuou em uma série de ofícios públicos foi marcado por graves distúrbios civis em Roma.Tiberiru Gracchus, enteado de Emiliano, que também serviu na Guerra da Numância, aproveitou seu retorno da Espanha para per-suadir o Senado a sancionar uma lei que prevalecia, em grande escala, a distribuição de terás aos cidadãos mais pobres. Em 133, ele era um Tribuna da Plebe (que se destinava a defender as causas dos cidadãos ordinários). Sua proposta, oposta pela maioria do Se-nado, visualizava o aumento do número de cidadãos elegíveis ao serviço das legiões, a despeito da exigência vigente do domínio de propriedades.

Ele era um Tribuno da Plebe (um cargo público destinado a defender os direitos dos cidadãos ordinários) em 133. Suas propostas, que foram levadas à Assembléia, mesmo com a oposição do Senado, destinavam-se, em parte, a aumentar o número de cidadãos elegíveis ao serviço militar, a despeito da exigência vigente da posse de propriedades.

No entanto, Gracchus foi assassinado pouco tempo depois. Dez anos mais tarde, seu irmão mais novo, Gaius Gracchus, foi igualmente eleito Tribuno da Plebe que, então, propôs um grande pacote de reformas políticas e sociais. Dentre elas estava uma lei que requeria que o Estado romano, pela primeira vez, deveria custear o vestuário e as armas dos soldados, e outra que retringia o direito dos magistrados de impor punições, quando em campanha. Ele também visualizou a redução dos anos passados no serviço das armas (ou 16 anos no máximo, ou a norma de 6 anos). Ele também restabeleceu como 17 a ida-de mínima para o serviço militar: evidentemente, jovens de mais tenras idades podiam ser

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alistados – ou serem conscritos – conforme o dilectus.Tambem insistiu na eleição formal dos tribunos militares pela Assembléia, um procedimento que, evidentemente, tinha sido neglienciado nos anos recentes.

Todas essas medidas produziram um crescente descontentamento para com o ser-viço militar no seguinte Século II, gerando dificuldades para que os magistrados obtives-sem recrutas suficientes para preencher o efetivo das legiões requeridas para a defesa das crescentes possessões romanas.

Gaius Gracchus, como seu irmão, logo teve, também, um violento fim, junto com seus apoiadores.

JUGURTHA

Para fora da Itália, a atenção havia se virado para a África, onde os sucessores de Massinissa, rei da Numídia (que tinha lutado como um aliado de Cipião na África) lutavam pelo poder. Jugurtha, um sobrinho do líder dos aspirantes ao poder, conseguira manobrar seus rivais, como Roma queria, mas, em 112, cometeu o erro de permitir a morte de al-guns descendentes italianos. O Senado romano, por conseguinte, viu-se forçado a inter-vir: aquilo que parecia, inicialmente, uma menor dificuldade local, tinha se desenvolvido para uma guerra em escala total, que os sucessivos comandantes romanos mostraram-se incapazes de controlar. O catálogo de vergonha culminou com uma rendição total de um Exército romano, que foi compelido a passar pela benevolência do inimigo, para conseguir retrair para os limites formais da província de Roma.

O comando da tropa romana foi, portanto, atribuído a um dos cônsules de 109, Q. Caecilius Metellus, reconhecido com originário de uma das mais prestigiosas famílias da época, homem com sobrenomes honoríficos (Delmaticus, Macedonicus, Balearicus), que haviam servido ao exército no período da expansão romana durante o Século II. Tropas adicionais foram arroladas, inclusive oficiais experientes, que foram alocados ao Estado--Maior de Metellus; e dentre estes estavam Gaius Marius (de alguma forma, um protegido de Metellus) e P. Rutilius Rufus, que já havia servido como tribuno militar na Numância, e que ganhara alguma reputação como teórico e autor de assuntos militares.

A primeira tarefa de Metellus foi recompor a moral da tropa, para o que ele levou a cabo um afiado treinamento nos moldes de Cipião. Entendendo que Jugurtha não seria uma fácil conquista, ele atacou o problema à maneira do trabalhador, estabelecendo forta-lezas através do leste da Numídia, que inibiriam o centro dos apoios do rei. Mas a opinião pública em Roma queria resultados rápidos.

Marius, retornando da Numídia, foi eleito cônsul para 107, depois de uma rápida campanha, de quem se esperava a realização de um curto trabalho para acabar com os problemas em Jugurtha. Um discurso de Marius, às vésperas das eleições, como conta-do pelo historiador Salustiano, enfatizou o “profissionalismo”, em contraste com os seus antecessores no comando. De forma a aumentar suas forças, Marius invocou os volun-tários do capite censi que, mesmo não sendo possuidores de propriedades, conforme a Constituição Sérviana poderiam ser elegíveis para o serviço militar. É difícil assegurar o número total de capite censi do corpo de cidadãos no final do segundo século, mas consta que representava um grupo em número substancial. Marius também perrsuadiu muitos veteranos a se juntarem a ele.

Transportando suas forças para a África, Marius fez um progresso gradual, apesar de ter encontrado as mesmas dificuldades que Metellus achou em fixar Jugurtha. Por fim,

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com uma nova cavalaria aumentando sua mobilidade e com Jugurtha cada vez mais as-sediado pelas guarnições romanas espalhadas através do país, a guerra chegou a uma conclusão em 105, quando Jugurtha foi cercado pelo quaestor L. Cornelius Sulla. Trans-portado para Roma, ele foi mostrado na parada de triunfo de Marius, em 104.

A AMEAÇA VINDA DO NORTE

No entanto, a preocupação pública já tinha se virado para uma nova crise na fron-teira norte da Itália, onde tribos celtas — os Cimbros e os Teutões — já há algum tempo avançavam contra os limites das possessões romanas no sul da Gália e já tinham infligido derrotas pesadas e embaraçosas às fortes forças romanas. Após o revés mais grave, em Arausio (Orange) em 105, onde as baixas se igualaram ou até superaram as da Batalha de Canas, Rutilius Rufus, agora cônsul, tomou medidas emergenciais, em face de uma provável invasão da Itália; melhorou os padrões da prontidão e de treinamento de seu exército, por meio da ajuda de instrutores profissionais de uma escola de gladiadores e parece, também, que ele teria regulado a seleção dos tribunos para as legiões consulares que, de agora em diante assaram a ser conhecidas, coloquialmente, como Rufuli.

Mas foi a Marius que as pessoas recorreram para salvá-los da ameaça do Norte. Já antes de seu regresso da África, Marius tinha sido eleito — desafiando as regras es-tritas sobre a repetição de mandato — como cônsul para 104. Ele assumiu o exército de Rutílius, que forneceu o núcleo para suas próprias forças, e marchou para o norte. No entanto, a ameaça tinha passado, com a partida das tribos para os Pireneus e a Espanha. Mas tudo o que se podia ver era que a pausa seria temporária, e Marius (que foi reeleito, quase sem oposição, como cônsul pelos sucessivos anos de 103 – 101) aproveitou a oportunidade para treinar suas tropas para enfrentar as cargas selvagens e as destemidas investidas dos celtas, que muitas vezes provaram ser a ruína das tropas romanas e seus comandantes.

É a este período de espera que, presumivelmente, pertence uma série de reformas menores geralmente atribuídas a Marius. Finalmente, em 102, as tribos reapareceram no sul da Gália, rumando em direção à Itália. Marius calmamente permitiu que um grupo — os teutões — passassem pelo seu acampamento em rota para os Alpes e pendurou-se em cima da sua retaguarda, até que surgiu um momento apropriado para pegá-los fora de equilíbrio, em Aquae Sextiae (Aix-en-Provence). Seus esquemas de treinamento iriam, então, mostrar o seu valor.

Marius, enviando oficiais para todos os lugares ao longo da linha (dos romanos), exortou-os a manterem-se firmes em seus postos e a descarregar seus javelins somente quando o inimigo estivesse dentro do alcance para, só então, usar suas espadas, e voltar a forçar seus oponentes com seus longos escudos. O inimigo (que tinha avançado contra os romanos encosta acima) ficou em uma situação precária e não pode colocar nenhum impulsão em seus golpes, nem premir qualquer força contra uma parede interligada de escudos, razão pela qual eles teriam de se manter torcendo e girando, por causa da irre-gularidade do terreno. Este foi o conselho de Marius, o primeiro dos que seguiriam.

Os romanos perseguiram os celtas de volta para baixo do morro, e um pequeno destacamento (já colocada em uma emboscada preparada para este momento) os pegou pela retaguarda. Toda a força inimiga, mais de 100.000 homens, foi morta ou feita prisio-neira.

Virando-se, em seguida, com a ajuda de seu companheiro cônsul, Lutatius Catulus,

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ele manteve a linha do rio Adige, no nordeste da Itália contra outra principal impulsão — pelos Cimbros —, que ele venceu na batalha de Vercellae (talvez a moderna cidade de Vercelli perto de Milão, embora outros posicionem a batalha no delta do rio Pó). Os Cim-bros estavam sofrendo com o quente verão italiano. Os guerreiros da sua primeira fileira, dizem, foram acorrentados juntos para evitar a quebra de linha. Mas os romanos foram completamente vitoriosos e forçaram os Cimbros contra suas carroças de bagagem, onde o mulherio os esperava, e atacaram e mataram os fugitivos, antes de cometerem o suicí-dio junto com seus filhos.

O “CAPITE CENSI”

De todas as reformas atribuídas a Marius, a abertura das fileiras para o capite censi foi o que mais atraiu a atenção e a reprovação unânime dos escritores antigos. Tem sido mantido por muitos dos tempos modernos, e por partes de autoridades antigas hostis, que a ação de Marius pavimentou o caminho para uma soldadesca sem lei, gananciosa, cujas atividades teriam contribuído largamente para a desgraça e a queda da República de algumas gerações posteriores.

No entanto, deve ser salientado que Marius não foi o primeiro a alistar o capite cen-si; nos momentos de extrema crise, no passado, o Senado já os tinha convocado para o serviço, como por exemplo, depois de Canas. Além disso, e o mais importante, Marius estava, meramente, utilizando um processo ainda mais visível ao longo do segundo sé-culo, por que a qualificação de propriedade, prescrita para o serviço militar fora corroída e tinha se tornado menos significativa. A Constituição de Servian, conforme relatado por Tito Lívio, havia ordenado uma qualificação mínima de propriedade de 11.000 asses para o serviço nas legiões; os estudiosos têm julgado que este valor estava em vigor já na época da Segunda Guerra Púnica. No entanto, Políbio relata que a qualificação para o serviço foi de 400 drachmae gregos (= 4000 asses); e sabemos que ele escreveu isto por volta de 160. Finalmente, Cícero, em um tratado cuja data dramática é 129, define o mínimo em 1.500 asses.

Esta última redução poderia ser atribuída a Gaius Gracchus, em 123 – 122, que sabemos ter legislado que o Estado deveria ser responsável por equipar o soldado que lutava em sua defesa. Essas reduções sucessivas na propriedade mínima refletem uma queda no número de proprietários de pequenos ou medianos portes que, tradicionalmen-te, forneciam a mão-de-obra das legiões. Parece, portanto, que na época de Gaius Grac-chus a qualificação tinha caído abaixo do nível no qual o soldado poderia ter recursos para adquirir todo o equipamento dele próprio.

Uma redução abaixo da figura de 1.500 asses (ou a abolição completa da qualifi-cação de propriedade) poderia ser esperada dentro da próxima geração. Visivelmente as fontes não dizem se Marius varreu a qualificação (uma afirmação frequente por parte dos estudiosos modernos), ou se apenas mudou a lei sobre a elegibilidade, mas o fato é que ele, meramente, apelou para o capite censi para obter voluntários que ele pudesse equipar com os fundos estatais, nos termos da legislação Gracchiana. Pode-se argumentar, por-tanto, que continuou a ser lei uma propriedade-limite abaixo da qual o cidadão não poderia ser forçosamente recrutado. Por outro lado, nada mais é ouvido, após Marius, no tocante a quaisquer restrições em matéria de responsabilidade para o serviço, e deve ser provável que a qualificação financeira foi discretamente abandonada em 107, ou no período que antecedeu a Guerra do Norte de 102-101.

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Um exame das circunstâncias que cercam a ação de Marius em 107 pode ajudar a colocá-lo em um contexto apropriado. Marius foi autorizado a procurar um supplementum para as legiões na África, que iria recompletar as fileiras das unidades que já estavam servindo sob o comando de Metellus.

Esta era a prática normal para um magistrado que assumisse o comando de um exército no meio de uma campanha. Como a força do exército dos Metellus era, provavel-mente, de duas legiões (excluindo os aliados), deve ser provável que Marius tivesse ido procurar no máximo alguns 3.000 homens. Ele não estava se esforçando para levantar um exército fresco, ou mesmo para adicionar novas legiões à sua força. O Senado auto-rizou que ele se servisse de um dilectus da maneira normal, na expectativa de que sua posição com a população ficasse irremediavelmente danificada pelo recrutamento de seus membros. Tropas, provavelmente, já tinham sido inscritas naquele ano para fazer frente à ameaça das tribos do norte. Em vez disso, Marius apelou para voluntários do capite censi e atraiu uma força “um pouco além” do total autorizado.

Deve-se sublinhar, sobretudo, que as atividades de Marius não conduziram à qual-quer revisão exaustiva ou reforma das condições do serviço militar. Tanto quanto podemos estabelecer, a norma de seis anos de serviço e o máximo de 16, continuaram a operar. A inscrição obrigatória dos cidadãos continuou durante o primeiro século AC, até o tempo de César e mais além. No entanto, provavelmente é certo se dizer que o equilíbrio foi deslo-cado para mais próximo de um exército profissional. O próprio Marius pode bem ter visto a matrícula dos capite censi, em 107, como uma ação pontual, para obter, em curto prazo, os reforços que ele sabia serem vitais para uma conclusão rápida da Guerra de Jugurta. Certamente, foi a partir de Marius que se iniciou a busca de objetivos e da lealdade para com o exército e o Estado, até então em grande parte o mesmo de sempre, bocejante, para, então, a soldadesca, começar a identificar-se com as fortunas de seu comandante e dar prioridade à sua promoção pessoal e eventual enriquecimento. Mas o processo foi gradual, e não é de todo claro se os imparciais observadores romanos do primeiro século teriam, necessariamente, considerado Marius e os eventos de 107 como particularmente significativos a longo prazo.

Uma consequência particular da reforma de Marius, relativa ao serviço do exército, tem sido vista nas ofertas consequentes de terra que eram feitas aos soldados, a título de recompensa pelo serviço militar, no primeiro século. É verdade que os veteranos da campanha africana de Marius receberam terras lá, em 103 (alguns podem de fato nunca ter retornado para a Itália, ou ter para lá regressado), e medidas para a resolução dos problemas dos veteranos das guerras do norte estavam agora sendo ouvidas o que, pro-vavelmente, as trouxe à fruição, em 100. Presumivelmente, a terra destinou-se àqueles que, pelo seu serviço com Marius, agora tinham completado o mínimo legal de serviço.

No entanto, não existe indicação (e de fato evidências) de que a terra ou uma gra-tificação em dinheiro tornou-se uma característica regular do serviço militar no século se-guinte. O Senado era abertamente hostil a tais recompensas, sempre que sugerida, e a maioria dos generais sentiram-se não inclinados a pressionar para a obtenção de um tratamento especial. Foi somente sob o estresse das condições da guerra civil (abaixo co-mentada) que parcelas de terra e gratificações em dinheiro foram regularmente oferecidas e obtidas.

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MANÍPULAS E COORTES

Mudanças na organização tática e nos equipamentos têm sido atribuídas a Marius. Em particular, muitas vezes supõe-se que foi ele quem descartou o sistema manipular, até então secular e altamente bem sucedido, para substitui-lo pelo das coortes, que passa-riam a ser o “carro-chefe” das legiões romanas.

A coorte, compreendendo uma formação de três manípulas, parece ter sido usada como um expediente tático, desde o tempo da Segunda Guerra Púnica. Políbio de fato, em um relato sobre a batalha de Ilipa, em 206, faz uma pausa para explicar o significado da palavra cohors para seus leitores gregos, embora ele não fizesse nenhuma menção detalhada em seus contos sobre a organização do exército.

Mas a coorte é mencionada, de vez em quando, por Tito Lívio, em seus contos so-bre as lutas na Espanha durante o Século II; é de se supor, portanto, que a coorte foi uma formação particularmente achada útil pelos comandantes sucessivos na Península Ibéri-ca, muito antes de sua adoção em outros lugares. A evidência arqueológica relativa aos campos de Emiliano no entorno da Numância, datado de 130, parece mostrar os Hastati, Principes e Triarii agrupados em manípulas, como antes. Evidentemente, não tinha havido nenhuma mudança na maneira com que o acampamento foi erigido.

No entanto, na época de César, a coorte, e não a manípula, é a única unidade tática da linha de batalha. Algumas citações so bre as coortes foram encontradas nos contos de Sallustiano a respeito das operações das “Mulas de Marius” contra Jugurta, a última referência para a manobra com o sistema manipular, invalidando, portanto, a crença de que Marius o varreu do Exército romano em 106, ou durante os preparativos para as campanhas do norte. A ameaça particular oferecida pelos Cimbros e Teutões pode ter condicionado a introdução da coorte como unidade padrão, para que a mudança possa ser colocada, precisamente, no período de 104-102. Mas os romanos já tinham lutado contra os celtas antes e devem ter conhecido suas táticas. É bastante possível que os dois sistemas — manipular e coortes — coexistiram por algum tempo como formações táticas alternativas. Vestígios da organização manipular continuaram a ser refletidos nos títulos dos centuriões legionários e no layout de fortes e acampamentos, durante os sé-culos vindouros. A coorte, como um modelo do período pós-Marius, pode ser evidenciada nos regimentos dos aliados e dos latinos. As coortes individuais dos latinos e dos aliados são encontradas operando como entidades independentes, ao longo do segundo século.

Um bom argumento para o estabelecimento de uma moldura temporal definitiva a favor da coorte no tempo de Marius, pode ser o de que, com a descida de qualificação financeira e a sua eventual abolição, os soldados eram, então, equipados pelo Estado (a partir da instalação de arsenais de armas) às custas da despesa pública: as variações nos equipamentos originalmente ligadas aos status financeiros diferentes, agora deixaram de ter qualquer “raison d’être”. A adoção da coorte como unidade padrão, provavelmente, também marcou a eliminação do Velites, que até então havia servido como uma cortina ligeira à frente do Hastati. Eles foram, ao que parece, assimilados pela estrutura regular das centúrias, que foram todas organizadas do mesmo tamanho (80 homens sob o Impé-rio) e, também, armadas igualmente. A última referência específica ao Velites, como tal, ocorre no conto de Sallustiano sobre as campanhas de Metellus em 109 – 108. Da mesma forma, o Triarii, agora (se não mais cedo), também foi equipado com o javelin, em vez da lança curta, em razão do que seu papel como uma linha de defesa final no estilo falange, deixa de existir.

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Cada coorte na “nova” Legião era composta — como os títulos de seus centuriões deixam claro — de uma manipula organizada com cada uma das três linhas antigas de Hastati, Principes e Triarii, juntas com o associado Velites (Fig. 20A). A coorte era, portan-to, um microcosmo da velha organização legionária — não sendo um mero agrupamento aleatório de (digamos) três manípulas adjacentes em uma das linhas antigas. A primeira coorte da nova legião compreendia as três manípulas que tinham ficado na extrema-direi-ta das linhas antigas; a segunda coorte era composta pelas próximas três manípulas na ordem de antiguidade e assim por diante; a décima coorte consistia das manípulas que permaneceram nas extremidades esquerdas das três linhas de Hastati, Principes e Triarii.

A nova legião consistia de 10 coortes, que formavam para a batalha em três linhas, em uma formação 4-3-3 (Fig. 20 C). Muito provavelmente, as coortes eram de um tamanho padrão, que era de 480 homens sob o Império. Assim, a legião tinha uma força de 4.800 homens. Cada coorte continha seis centúrias de 80 homens (Fig. 20B). Alguns autores ro-manos acreditavam que, logo após Marius, as centúrias continham (como o nome centuria implicaria - de centum = 100) 100 legionários, resultando, assim, toda a legião um efetivo de 6.000 soldados.

Mas os centuriões da legião pré-Marius comandavam 60 homens ou até menos; não há nenhuma boa razão para interpretar o termo literalmente no período pós-Marius. Os efetivos de uma legião na República tardia, normalmente são avaliados pelos histo-riadores romanos em cerca de 5.000 homens; e muitas legiões tinham seus efetivos bem mais diminuídos, em razão de baixas em combate, doenças e desgaste natural.

Uma diferença nova foi o estabelecimento de uma uniformidade em armas e equi-pamentos. Já vimos que a hasta foi provavelmente descartada neste momento pelo Triarii em favor do pilum, e que o Velites provavelmente começou a ser equipado como o restan-

Figura 20 - Da manipula para a coorte: A) manipula simples (ou seja, 2 centúrias) de Hastati, Principes e Triarii organizadas em uma coorte (Século II AC), juntamente com o Velites. B) coorte de seis centúrias (Século I AC em diante). C) formação de batalha das 10 coortes de uma legião do tempo de Cesar (um efetivo de 6.000 homens).

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te dos legionários.A Marius é também atribuída uma modificação específica para o pilum, quando o

rebite de ferro que unia a ponta da arma ao eixo, foi substituído por um pino de madeira. O resultado era que, quando o pilum atingia o chão, ou o escudo do adversário, o eixo quebrava, ou o pillum ficava tão distorcido, que não poderia ser desalojado de onde tinha se encravado, ou lançado de volta contra as próprias fileiras romanas. Não há dúvida que o pillum (e outras armas) poderiam ser recolhidos após uma batalha para serem repara-dos, se assim se desejasse. Plutarco data esta modificação da véspera da batalha contra os teutões; já evidências arqueológicas indicam que foi somente o pilum pesado que foi modificado desta forma; na sua versão mais leve, a ponta da arma era embutida na sua haste de madeira. As coortes, por sua própria uniformidade de tamanho e organização, eram facilmente intercambiáveis em uma linha de batalha. Por outro lado, a flexibilidade das manípulas — com tropas equipadas para diferentes funções — foi perdida.

A trégua de dois anos entre a nomeação de Marius para o comando do norte e o retorno das tribos celtas, que era seu dever destruir, possibilitou o tempo suficiente para a formação de seu exército e para a adoção de medidas para aumentar a sua resistência, confiança, conhecimentos gerais e moral. Um exercício adicional foi realizado através de um projeto de obras públicas, a construção de um canal conhecido posteriormente como as fossas Marianas, que ligava a cidade de Arles, no delta do Rhone diretamente para o Mediterrâneo. Em sua formação dos soldados, Marius era firme, mas justo, e as histó-rias sobre ele abundavam. Ele reduziu o número de seguidores dos acampamentos (em geral comerciantes), fazendo com que os soldados ficassem mais auto-suficientes: cada homem era obrigado a carregar sua própria ração de emergência e uma vasta gama de equipamentos essenciais para o entrincheiramento e para cozinhar. Está preso no imagi-nário popular os soldados romanos carregando seus equipamentos presos em uma vara bifurcada, por cima dos ombros; parecia que, por sua marcha trôpega e curvados, os sol-dados haviam se tornado bestas de carga, razão ela qual, de agora em diante, passaram a ser conhecidos como “As mulas de Marius”. Mas a ideia de que o soldado deveria ser capaz de levar uma carga individual pesada não era nova: Filipe II da Macedônia (pai de Alexandre) introduziu normas semelhantes em seu próprio exército, e Metellus, na África é creditado por Sallust pela adoção de medidas quase idênticas. Nós bem podemos supor que o soldado deveria sempre estar em condições de transportar uma carga substancial, mas como em muitos regulamentos isto foi muitas vezes ignorado, tal procedimento era aplicado apenas pelos comandantes mais determinados. No entanto, a “Mula de Marius permaneceu no jargão popular e transformou-se numa imagem representativa do legioná-rio romano.

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A ÁGUIA LEGIONÁRIA

Marius também é reconhecido como o idealizador da águia (aquila) como um sím-bolo padrão da legião, representativo da lealdade e da afeição ao valor militar. Nossa fonte, Plínio o Velho, posiciona a adoção da águia precisamente em 104, no início dos preparativos para as guerras do norte. Ele observa que a Legião, até então, tinha tido uma variedade de padrões — a águia (que sempre esteve em primeiro lugar), o lobo, o mino-tauro, o cavalo e o javali, e que todos eram levados à frente dos diferentes elementos da legião. Credita-se a Marius o relevo dado à águia e a abolição dos demais.

Não se sabe quais sub-unidades da legião que usavam estandartes, mas enten-de-se que o Hastati, o Principes e o Triarii possuíam estandartes separados e, talvez o Velites, também. Políbio anota que cada manipula tinha dois estandartes, um para cada centúria. Pode-se inferir que o destaque dado à águia como um emblema de cada legião deveu-se à implantação das coortes. Parece que cada coorte não posuía um estandarte específico para ela.

Acredita-se, também, que as velhas linhas de batalha parecem ter mantido seus próprios estandartes até muito tempo depois de Marius. Moedas datadas de 82 e 49 mos-tram uma aquila ladeada por outros estandartes que ostentam uma pequena placa qua-drada em que se inserem as letras H e P (possivelmente uma referência aos Hastati e Principes); eles consistem de delgados postes decorados com bossas circulares, mas sem conter figuras de animais.

O porta-águia (aquilifer) da legião era o soldado (da primeira manipula do Triarii) que carregava tal estandarte. Na batalha e em marcha os estandartes eram importantes pontos de referência visual. Perder, ou render, um estandarte, especialmente a águia, era uma desgraça particular.

Em seu retorno do norte, Marius foi saudado como o “Salvador de Roma” e realizou um magnífico festival de triunfo, juntamente com Catulo, em 101. Seu prestígio tornou-se incomparável, e esperava-se que ele iria desempenhar um papel político relevante. Como vitorioso da hora, ele assegurou a eleição como cônsul, por mais um ano (em 100). As recompensas para as suas tropas foram garantidas através da agência dos políticos radi-cais, mas no final do ano, Marius retirou-se da cidade em uma missão diplomática na Ásia Menor.

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A GUERRA SOCIAL

A década seguinte foi sublinhada por uma crescente tensão ebtre os romanos e as comunidades italianas, em razão destas demandarem por uma total cidadania romana e por uma igualdade de oportunidades no Estado, como também por uma equalização dos direitos ao serviço militar. Em meados do século passado tais demandas haviam sido re-pelidas ou diversionadas, além da construção de barreiras pertinentes. Finalmente, ao fim do ano 91, a Tribuna Plebéia decidiu empenhar-se no assunto,

As revolta dos “aliados” (os socii, donde a origem do termo comum para este con-flito) teve início em Asculum (Ascoli Piceno), uma cidade montanhosa no sopé leste dos Apeninos, quando o praetor e seu legate, além de outros romanos na cidade, foram bru-talmente assassinados.

O Senado foi apanhado de surpresa. Das legiões em seviço, apenas uma estava disponível, na Cisalpina, apesar de um substancial número de novas formações estarem sendo feitas, em razão do que foram convocados os homens militarmente mais capazes, para prover a defesa da cidade.

Marius foi indicado como legate para o cônsul P. Rutilus Lupus, a quem foi atribuída a missão de sufocar a revolta nas regiões central e sul da Itália, enquanto Cornelius Sulla e Catulus encontravam-se entre os legates atribuídos a outro cônsul, L. Julius Caesar, que levava a cabo operações em Samnium e na Campania. Muitos desses legates parecem ter operado independentemente, com grupos de batalha consistentes de apenas uma le-gião e mais tropas estrangeiras aliadas.

A despeito do talento de seus comandantes, os romanos (e os latinos, que em sua maioria permaneciam leais a Roma) não tinham sido bem sucedidos durante aquele ano. Por isso, o Senado teve a sabedoria de conceder a cidadania rimana a todos os que per-manecessem leais e desistissem daquela luta. Com isso, somente os mais determinados e recalcitrantes dos rebeldes então perseveraram, com alguma ajuda do rei Mithridades de Pontus, na Ásia Menor. Mas os romanos assumiram a iniciativa das ações e as cidades rebeldes foram conquistadas uma a uma, de modo que a resistência rebelde cessou no verão de 88.

Asculum, cenário do início da revolta, foi sitiada por Pompeu Strabo, depois por seu sucessor Sex. Julius Caesar. Existem evidências arqueológicas em grandes quantidades do referido sítio. Uma concentração de peças de arremesso (pedras) foi encontrada nas margens do rio Castellano, a leste da cidade, o que sugere que o sítio foi pressionado de forma mais forte daquele lado. Algumas daquelas munições tinham nelas incritas mensa-gens de propaganda e humorísticas. Tais mísseis foram encontrados em ambos os lados da cidade: uma das mensagens dizia: “Um presente para os Asculanos”, que obviamente teria sido lançada para dentro da cidade, enquanto outra que continha “Acerte Pompeu” obviamente era dirigida conra os sitiantes. Outras continham os numerais das legiões presentes e indicavam a força sitiante, assim, identificou-se que as legiões IV, IX, X e XV estiveram presentes no evento.

Estavam também presentes indícios de contingentes das colônias latinas das pro-ximidades de Firmum (Fermo), e da Etrúria, da Gália e da Espanha — na verdade, nós sabemos da existência uma placa de bronze que atesta que alguma cavalaria espanhola havia sido recompensada com a cidadania romana, após a captura da cidade. O cerco ar-rastou-se por quase um ano. Pompeius Strabo retornou para organizar a rede romana que apertou, ainda mais, o cerco em torno da cidade, que caiu em novembro de 89. Servindo

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com Strabo estavam seu filho (o futuro Pompeu o Grande), o jovem Cícero e L. Sergius, muito provavelmente Sergius Catilina (Catiline), iremos encontrar, oportunamente, neste trabalho. Infelizmente não foram detectados indícios das linhas de cerco romanas.

CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA

As consequências da guerra para a organização do exército mostraram-se ime-diatamente aparentes. A alae sociorum que tinha acompanhado as legiões na campanha deixaram de existir, quando as categorias de latinos e de aliados foram abolidas dentro da própria Itália. Todos os soldados recrutados na Itália, ao sul do vale do Pó, eram cidadãos romanos e, por isso, serviram como legionários. Os contingentes de latinos e aliados já tinham, sem dúvida, sido organizados e equipados, em tudo, iguais aos próprios romanos. O custo de manter o exército estava sendo, agora, bancado, integralmente, pelo tesouro romano. A lista das legiões do Exército romano tinha, então, obviamente sido alongada: quando confiáveis os dados, excetuando-se a atípica década de 80 - 90, pode-se identifi-car que o número das legiões em campo, raramente eram menores que 14, e as grandes campanhas iriam fazer com que os totais voassem para muito mais alto. Dado que toda a Itália, agora, era o terreno fértil para o recrutamento para as legiões, o trabalho de criá-las e de obter suplementos para as formações já existentes foi espalhado por toda a Penínsu-la, e realizado através da agência de funcionários, denominada conquisitores, de posição e estatuto incertos, em conjunto com os magistrados locais. Uma legião, agora, poderia ser erguida, inteiramente, ao longo da costa adriática, nos Apeninos, ou no sul, sem qual-quer “input” de Roma propriamente dita

Outra imediata consequência, embora menos óbvia, foi que a Guerra Social deixou muitos homens amargurados e sem abrigo. Muitas vezes estes encontraram uma nova casa nas legiões, aumentando, assim, a classe dos, cada vez mais crescentes, “profis-sionais”, e infundindo o espírito de insensibilidade e indiferença, que iria trazer graves consequências mais tarde. Pode ser que a Guerra Social tivesse contribuído para engen-drar uma soldadesca gananciosa, uma precoce apreensão da República, em face das reformas de Marius.

O meio século após a Guerra Social viu as velhas instituições republicanas entra-rem em desalinho, provando-se cada vez mais incapazes de lidar com a tarefa de geren-ciar um império crescente e, finalmente, ruir perante as ambições de consumo dos líderes políticos. O processo foi gradual, e seus detalhes não precisam preocupar-nos, exceto que muitos dos protagonistas das lutas que estariam por vir, ou invocavam, ou procuravam o apoio do exército, cujas atitudes e inclinações nunca ficaram longe da mente da opinião pública.

MITHRIDATES

Enquanto a Guerra Social estava em andamento, o engenhoso Mithridates, rei de Pontus, na Ásia Menor, tinham estado a estender seu poder sobre os reinos adjacentes, massacrando os colonos romanos e italianos em grandes números. Ele invadiu a Grécia, que o acolheu como um libertador. Todas as possessões a leste de Roma e sua reputação, estavam em jogo. A Cornelius Sulla, eleito cônsul para 88, havia sido dada a Ásia como o seu comando, mas um demagogo conseguiu transferir a tarefa para o já envelhecido Ma-rius. Sulla respondeu marchando sobre a cidade com seis legiões. Abandonada por todos,

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exceto por um dos seus oficiais senatoriais, Sulla entrou e ocupou Roma. Historiadores posteriores entenderam haver, nesta ação, um impressionante precedente, e um indica-tivo da nova atitude de combatividade do soldado romano, em face do que Marius levou muita da culpa. O mais provável é que as legiões de Sulla, com destino a Ásia, continham muitos patifes de ambos os lados da Guerra Social, com pouca afeição por Roma ou pelo Senado, e com a perspectiva de restaurar suas fortunas pela campanha na Ásia em suas mentes, como Sulla o sabia, muito bem.

A guerra propriamente dita, quando Sulla tinha restaurado a ordem na cidade e passou para a Grécia, culminou nas batalhas de Chaeronea e Orchomenus , na Boeotia, ocasião em que Mithridates achou prudente submeter-se. O registro arqueológico desta campanha (e muitos outros, como veremos) é ainda completamente vazio, embora o bió-grafo Plutarco, um nativo da área, tivesse sido capaz de relatar que, no início do segundo século DC, os lagos pantanosos ao redor de Orchomenus ainda continham armamento e escombros da batalha. Mas os inimigos de Sulla tinham retomado o controle em Roma e, em 86, enviaram um exército rival das duas legiões, sob o comando do cônsul Valerius Flaccus, para substituir Sulla em seu comando.

No entanto, Flaccus foi morto em um motim, e suas tropas incorporaram-se ao exér-cito de Sulla. Foi o momento esperado para o último retornar para a Itália. Apesar de já ter sido, há muito tempo, declarado inimigo público, Sulla uniu suas forças e desembarcou, sem oposição, em Brindisi e Taranto em 83, onde ele foi acompanhado pelo jovem Crasso e outros da facção oligárquica, entre eles Metellus Pius, filho do rival de Marius, enquanto o jovem Pompeu (filho de Pompeius Strabo), construía uma força de três legiões em sua nativa Picenum , desviando um corpo considerável de forças legítimas. Marius já estava morto, mas seus amigos, ajudados pelos samnitas, que subiram em massa para um ter-mo final, resistiram fortemente. Numa renhida batalha às portas de Roma, que durou até a noite, eles foram completamente derrotados, e o filho de Marius, que tinha procurado refúgio na cidadela montanhosa de Praeneste (Palestrina), cometeu suicídio. Em breve, toda a Itália, a Gália, a Sicília e o norte da África foram recuperados. Sulla, então, tentou reforçar as antigas instituições do Estado, em vez de ajustar sua máquina para se adequar à realidade atual. Seus veteranos receberam uma recompensa devida em terras das co-lônias, que foram estabelecidas em alguns dos centros mais recalcitrantes da oposição à sua causa, incluindo Praeneste, e Pompéia, que foi renomeada colônia Veneria Cornelia Pompeianorum. Esses títulos eram derivados da deusa Vênus, a quem Sulla era parti-cularmente dedicado, e seu nome de família, Cornelius. Deu-se, então a subsequente retirada de Sulla, e o mais importante, a sua morte prematura, que deixou o campo aberto, mais uma vez.

POMPEU E CRASSUS

Um bastião de apoio a Marius permaneceu na Espanha, para o qual o praetor Q. Sertorius havia recuado, junto com outros apoiadores de Marius, em 83. Sertorius cortejou a nobreza e os chefes espanhóis, que lhe concederam uma medida de considerável auto-nomia, e ele esforçou-se, quase como um segundo Amílcar, para desenvolver a província no interesse de Roma. Metellus Pius foi despachado contra ele e, mais tarde, Pompeu, mas apesar da presença de um exército que inchou a legiões de uma dúzia ou mais, nenhum feito teve muito progresso, em face do terreno espanhol e das tropas treinadas à maneira romana. Um acampamento de inverno de 60 acres (24 hectares), perto de Cá-

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ceres, no lado sul do Tejo foi encontrado por Schulten, que teria sido a base das forças de Metellus Pius em 80/79 AC (Fig. 21). Uma escavação parcial revelou um acampamento alongado, com paredes de pedra, defendido por duas valas. No interior havia edifícios administrativos e outros, talvez casas dos tribunos, construídas em pedra.

A escavação foi seletiva (Ver fig. 21), mas algumas das estruturas de pedra locali-zadas devem ter sido o aquartelamento. Pelo seu tamanho, o acampamento deveria ter contido uma única legião, mas o layout difere um pouco do modelo de Polybius. Um exa-me recente do arquivo-escavação e de pequenos achados pelo Dr. G. Ulbert confirmaram uma data de ocupação nos anos 70 AC, e sugerem que o sítio ficou em uso por até uma década, terminando em razão de uma destruição violenta, talvez pelas mãos dos rebeldes de Sertorius. Schulten também acreditava que os acampamentos IV e V em Renieblas, a leste de Numância, eram relíquias de campanhas de Pompeu nos anos de 75/74 AC con-tra os celtiberos (Figs. 22-23); aqui, mais uma vez, as evidências mais seguras dizem que a guerra foi levada ao fim, quando Sertorius foi assassinado por instigação de um colega de profissão, e o controle senatorial foi restabelecido.

Enquanto isso, na própria Itália, uma revolta de gladiadores em uma escola de formação em Cápua, em 73, desencadeou uma revolta geral dos escravos baseados nas grandes propriedades do sul, sob a liderança de Spartacus, um trácio que havia servido anteriormente como um auxiliar em um Exército romano, provavelmente na Grécia. Não havia nenhuma tropa disponível na Itália para resistir a tal revolta; a derrota das forças erguidas às pressas, apenas serviu para incentivar outros escravos a juntarem as suas forças, até que toda a Itália pareceu ficar à sua mercê. Gradualmente, a revolta foi capaz de equipar seus homens com o armamento capturado dos soldados romanos. Ambos os cônsules de 72 foram derrotados em guerra aberta e, no final do ano, a Crassus foi dado o comando geral das ações como pro-praetor; ele dizimou os sobreviventes das duas le-giões que haviam sido derrotadas, e criou e treinou uma força fresca de seis legiões e as levou a uma campanha séria. As divisões existentes na política dos escravos minaram a força combinada de seu exército e, eventualmente, eles foram derrotados. Um pequeno contingente, ao fugir para o norte, foi interceptado por Pompeu, que retornava com os veteranos de seu exército da Espanha.

Figura 21 – Croquis do acampamento de inverno em Cáceres (por Schulten), provavelmente para uma legião: 60 acres (24 hectares). Início Século I AC

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GUERRA NO ORIENTE

A capacidade romana de responder à guerra espanhola e à revolta de Spartacus viu-se enfraquecida pela continuidade da Guerra no Oriente contra os remanescentes de Mithridates. L. Licinius Lucullus, como cônsul para 74, havia empreendido a guerra e con-tinuou no comando como pro-cônsul por muitos anos. No começo, ele teve um sucesso considerável e expulsou Mithridates do seu reino, que foi buscar refúgio na Armênia. Entre suas forças estavam os restos das duas legiões de Valerius Flaccus — popularmente cha-madas de os Valerianos — cuja tentativa de motim em serviço, em 67, juntamente com as dificuldades temporárias de Lucullus, induziram o Senado a por um fim em seu comando. Enquanto isso, uma agitação contínua no Mediterrâneo Oriental atingiu proporções alar-mantes — esquadrões de piratas alarmaram os romanos por um século ou mais. Schulten restaurou o planos arqueológicos para mostrar seis quartéis (1 a 3, e 4 a 6) pertencentes a duas diferentes coortes, mas recomenda-se cautela em tal interpretação. Há de se obser-var os tamanhos variados do aquartelamento, o que poderia sugerir os diferentes efetivos envolvidos. Um constrangimento final teria sido um ataque na costa italiana, quando dois magistrados foram sequestrados na Via Ápia. Pompeu foi, então, nomeado para um co-mando especial e recebeu fundos substanciais, 24 legados e uma frota de 200 navios. Ele obteve o direito de intervir nas províncias ao longo da costa mediterrânea, e seus poderes seriam iguais aos dos governadores dessas províncias. Em uma ampla campanha turbi-lhão, ele limpou o Mediterrâneo em um período de três meses.

Ele era, agora, o candidato óbvio para projetar uma igualmente rápida conclusão da Guerra Mitridática. A ele foi dado outro comando especial, desta vez (pode ser) com pode-res para substituir os outros pro-cônsules ou pro-praetors, e permissão para fazer a guerra ou a paz, sem interferência direta do Senado e do povo em Roma. Retendo suas próprias tropas e acrescentando-lhe as legiões de Lucullus, ele foi bem sucedido por meio de uma diplomacia astuta e uma enérgica ação, expulsando o velho rei de todas as suas posses-sões e obrigando-o a fugir para a Criméia, onde logo morreu. Entretanto, Pompeu, agora com a força de 10 legiões ou mais, marchou para o sul da Síria, que anexou para Roma, e para a Judeia onde, em 63, ele reprimiu por um tempo a rivalidade entre as facções rivais. Seguiu-se um trabalho muito inspirado de saneamento a nível provincial e local. Pompeu decidiu estabelecer pequenas províncias romanas no cinturão costeiro da Ásia Menor e do Levant, e para além de suas fronteiras, para instituir um anel de clientes — afirma-se que atuariam como amortecedores contra possíveis ataques — um sistema que duraria até as Guerras Civis e, assim, ele manteve a base da defesa de Roma no Oriente até muito tempo depois.

Os eventos em Roma continuaram em ritmo acelerado, quando os políticos dispu-taram a proeminência em face da ausência de Pompeu. Um amplo programa de reformas, instigada ou liderada por L. Sergius Catilina (Catiline), falhou em aproveitar aquele mo-mento, e quando em outubro de 63 Catilina falhou pela segunda vez em tentar ganhar a eleição como cônsul, ele tentou um golpe de estado, com o apoio de alguns dos veteranos de Sulla, aqueles a quem este último tinha desapropriado seus bens, e mostravam-se descontentes, por todas as partes. Mas suas forças estavam mal equipadas e foram der-rotadas, após um confronto teimoso, em Pistoria, no noroeste de Florença, no vale do rio Arno, quando Catiline foi morto.

Pompeu retornou à Itália na sequência tensa da “Conspiração” de Catiline e com a necessidade de ter seus atos no leste confirmados e ter suas tropas recompensadas.

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Figura 22 – Croquis do acampamento V em Renieblas (por Schulten); 151 acres (61,2 hectares). Tentativamente data-do do período das campanhas de Pompeu conra Sertorius no final de 70 AC.

Figura 23 – Croquis do acampamento V emt Renie-blas: barracas no canto NE do acampamento

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Aqueles homens que voltaram com ele foram dispensados de uma só vez, mas ele encon-trou um Senado obstrutivo a ele e às suas propostas, sendo tratado como peão no jogo político. Depois de vãos esforços para seguir o seu caminho, ele foi convencido pelo nas-cente C. Julius Caesar para entrar com ele em uma aliança informal junto com Crassus, que a história conhece como o primeiro triunvirato. Com César eleito como um dos cônsu-les para 59, os atos de Pompeu foram confirmados e o esquema de assentamentos para seus homens e muitos outros civis, foram postos em vigor. Crassus, por sua vez, garantiu condições mais favoráveis para os sindicatos na coleta de impostos, que estavam tentan-do restaurar as receitas provenientes das províncias asiáticas exaustas. César parecia, de início, uma mera ferramenta dos dois gigantes, mas a longo prazo ele teria mais a ganhar, quando, em breve Cesar se tornaria mais aparente.

O SERVIÇO NO EXÉRCITO NO FINAL DA REPÚBLICA

Em termos gerais, o serviço no exército, desde os anos 80, até o tempo de César, permaneceu como sempre tinha sido. O serviço tinha um período mínimo de seis anos, mas que podia ser prorrogado, mas os esforços dispendidos pelos magistrados para man-ter os homens muito além desta norma podiam levar ao descontentamento popular. Os indivíduos poderiam, no entanto, se voluntariar para servir por durante mais tempo. Um bom exemplo deve ser o exército dos “Valerianos”, que serviu no Oriente de 86 em diante. Seu primeiro período de serviço durou até cerca de 75, quando ele esteve em vias de ser desfeito, mas foi reformado, quase que ao mesmo tempo, para lutar no exército de “Lu-cullus”. Um motim em 67/68, causosu o seu desmanche por meo de um decreto passado pela própria Roma. Seu caso tornou-se um jogo político, em que os inimigos de Lucullus entenderam uma retenção de tropas por meio de um general indiferente como ilegal. No entanto, com a chegada de Pompeu no Oriente, algumas tropas foram re-alistadas e deve ser provável que com isso ele tenha permanecido com ele, até ser trazido para casa em 62. Seu quadro legionário normal talvez tivessse sido mantido até 67, mas pode ser que eles tivessem sido distribuídos individualmente depois disso. Não se sabe, precisamente, quantos dos membros originais permaneceram em serviço por uns 24 anos; talvez eles somassem algumas centenas, no máximo. Os “Valerianos” foram, é claro, uma exceção à regra, digna de relatos por um determinado número de fontes antigas, um grupo de profis-sionais que se juntaram no rescaldo da Guerra Social, movidos pelo desejo ou por circuns-tâncias pessoais para ter prolongado seu tempo de serviço. Parece claro que o serviço militar era e continuou a ser extremamente rentável, financeiramente. Mas deve ser errado se supor que todos os que serviram sob as armas desejavam uma carreira a longo prazo.

Novas legiões continuaram a ser levantadas, e suplementos foram encontrados para as formações já existentes, por meio de um dilectus, realizado em Roma ou em uma área específica da Itália, muitas vezes por um magistrado em rota para sua província. Se os homens necessários e suficientes se apresentassem, voluntariamente, muito bom, pois em caso contrário, eles seriam escolhidoos pelo tradicional caminho do arrolamento do censo.

Por outro lado, é possível se detectar um maior grau de profissionalismo ao nível de oficial. Neste particular, um bom exemplo é o de M. Petreius, que tinha sido tribunus em uma legião, depois um praefectus (presumivelmente dos auxiliares) e, então legatus. Ele mostrou seu valor na batalha final contra Catilina. O encarreiramento de Petreius deveu-se muito à influência de Pompeu, a quem ele mais tarde serviu como legado na Espanha, ao

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longo de muitos anos.Um eminente historiador moderno propôs que no Século I AC, havia, essencialmen-

te, dois tipos de exércitos romanos: (1) o exército fixo nas províncias; e (2) os exércitos emergenciais, criados em razão de uma ameaça específica e comandado por grandes líderes da época, tais como Marius, Sulla, Pompeu e Cesar, em torno dos quais reuniram--se homens ansiosos de lucros, e cujos interesses tornavam-se particularmente visíveis. Argumentou-se que os soldados dos exércitos permanentes ‘poderiam servir por um longo período, em uma província; mas nos “exércitos de emergência” apenas para uma única campanha ou na duração da guerra, após o que seria liberado e receberia uma recompen-sa especial. Mas a distinção é bastante mais aparente do que real.

Todos os soldados deveriam ser alistados nas mesmas condições, e não se poderia dizer sobre por quanto tempo o alistamento iria durar na campanha, ou onde eles servi-riam. Os soldados prestavam um juramento de servir ao seu comandante e não aban-doná-lo até que fosse liberado formalmente; se um novo comandante fosse indicado, o juramento era retomado, até que os indivíduos tivessem o termo de serviço concluído.

Exércitos foram mantidos, permanentemente, nas províncias ultramarinas, que se mostravam em um número crescente, no primeiro século, e eles, obviamente, necessi-tavam de uma renovação periódica. Houve uma mudança notável, quando os exércitos, finalmente, deixaram de ser comandadas por magistrados eleitos, durante seu ano de mandato. Desde o tempo de Sila que os cônsules foram formalmente impedidos de deixar a Itália durante o seu mandato. Só no ano seguinte que aqueles que eram tornados côn-sules e pretores passaram a proceder para uma província, a fim de exercer um comando militar. Em 52 foi aprovada uma lei que exigia um intervalo de cinco anos entre o escritório em Roma e o comando provincial. Esta foi uma importante ruptura com a idéia do exército de cidadãos dos dias anteriores. O sistema de numeração das legiões na República tardia, no entanto, é pouco compreendido.

Certamente, cada comandante atribuía à sua legião um numeral, de acordo com a seqüência de sua criação em um determinado ano. É possível, ainda, que as legiões, às vezes, talvez mudassem seus números a cada ano, quando o complemento do exército era ajustado para atender às necessidades atuais. Os numerais de I a IV eram reservados para os cônsules, que deveriam ter de levantar um exército durante o seu ano de mandato. Em caso contrário, temos poucas informações precisas, na ausência, quase que total, de inscrições.

Sabe-se que as legiões baseadas nas Gálias Transalpina e Cisalpina eram nume-radas VII, VIII, IX e X, por ocasião da chegada de César, em 58, e uma inscrição oferece a oportunidade de nos dizer que uma das legiões da Cilícia em 56-54 tinha o numeral XVIII. A partir desta evidência alguns têm discernido haver um sistema de numeração que atribuía baixos números (de V em diante) para a Espanha, e números maiores para Mace-dônia e para mais a leste. Deveras, pode ter sido que algum sistema tenha sido imposto. Aliás, pode-se detectar algo a respeito disto também sob Augusto.

TROPAS DE APOIO

Nas décadas seguintes à Guerra Social, os romanos foram obrigados a focar de maneira mais vigorosa em outros aspectos, como a infantaria leve, e, especialmente, a cavalaria, que os Aliados tinham, até então, fornecido em números desproporcionais. Por décadas sucessivas, houve a notícia desses mercenários onipresentes, os arqueiros cre-

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tenses, os fundeiros das Balearese os cavaleirs númidas, juntos com aqueles que Roma chamava de tropas amigas, próximas da zona de guerra em pauta.. Mas nenhum desstes grupos foi mantido de forma permanente.

Os romanos tinham empregado os númidas na luta contra os gauleses e, mais tar-de, no Oriente e na Espanha, aqueles que não poderiam se igualar aos seus adversários quanto à eficácia da arma de cavalaria, ou seja, nativos, que já estavam sendo contra-tados, ou pressionados para entrarem em serviço, a partir da época da Segunda Guerra Púnica, para sanar a deficiência existente. A cavalaria romana tinha sido reduzida desde o final do Século II AC, até os tempos da Guerra Jugurtina. Já no Século I AC, a cavalaria que acompanhava as legiões parecia ter sido organizada, exclusivamente, a partir de alia-dos não-italianos, númidas, gauleses e, posteriormente, de germânicos.

Presumivelmente, a cavalaria romana deixou de ser chamada para o serviço. No entanto, cavalaria legionária voltaria a surgir de uma forma diferente sob o Império, e no que diz respeito à tradição, pode-se sugerir que, mesmo no final da República, os Eques-trians permaneceram responsáveis pelo serviço, apesar de nunca, de fato, terem pedido para servir. Sob a égide do Império, a cavalaria da legião foi estruturada a partir das mes-mas origens que as dos próprios legionários. Estudiosos têm se esforçado para encontrar referências sobre a cavalaria romana nas guerras de César e durante o Segundo Triunvi-rato, mas nenhum deles parece ter encontrado evidências de peso.

Que César não possuía cavalaria romana ao estilo antigo parece estar claro, desde o incidente em 58, quando ele montou alguns soldados da Legio X nos cavalos desocu-pados pelos auxiliares gauleses que foram lhe servir como guarda-costas. Nenhuma das nossas fontes relata que alguma soldadesca do primeiro século AC tivesse sido incluída, a título de prêmio, para a classe dos equites, embora a partir do segundo século isso tivesse ocorrido. Um conjunto de regras que data de cerca de 50 AC, permite inferir que havia um limite de idade mínima normal para as magistraturas locais, para aqueles homens que tivessem servido pelo menos três anos “ in equo “ (a cavalo), mas tal figura pode ter sido uma norma mais teórica do que prática. Curiosamente, um monumento de um túmulo em Roma datado de cerca de 75-50 AC mostra um grupo familiar, cuja figura central, a de L. Septumius Lf, é descrito como eques e o mostra segurando uma gladius. Isso poderia nos remeter à alguma referência ao serviço militar real, a menos que o gládio constasse, meramente, como um atributo convencional da pose heróica. Sem dúvida, alguns Equites acompanhavam um magistrado em campanha, e serviam em seu Estado-Maior. Sob o Império, a Ordem Equestre continuou a manter a sua origem militar e suas tradições, com uma revisão anual dos seus membros na cidade; mas eles não eram esperados para sair em serviço ativo.

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Capítulo 49CÉSAR E A CONQUISTA DA GÁLIA 4

Assim era, então o Exército romano, quando Gaius Julius Caesar chegou na Gália em 58 AC como procônsul. Em maio do ano passado, durante o seu consulado, César tinha obtido pelo voto da Assembleia as províncias de Gália Cisalpina (ou seja, o norte da Itália) e da Ilíria (ou seja, a costa da Iugoslávia), para um período excepcional de cinco anos, com uma força de três legiões. Talvez ele tivesse em mente campanhas através dos Alpes e em direção ao Danúbio. Mas logo depois, o governo da província da Transalpina (ou seja, a Gália além dos Alpes), ficou vago pela morte do governador em exercício, e que foi, então, adicionada ao comando de César, e com ele uma legião. Este seria o ponto de partida para as conquistas gaulesas por César.

A província Transalpina consistia de uma estreita faixa de terra cercada pelos Alpes, Cévennes e pelos Pirineus, que serviram para assegurar as comunicações romanas com suas possessões espanholas, e que foi, ao longo dos anos, muitas vezes fustigada pelas tribos hostis do norte. Para César seu comando foi uma oportunidade para melhorar o seu próprio prestígio e construir os seus próprios recursos para competir com seus parceiros ao Triunvirato. Por interferir nos assuntos gálicos, fora dos limites de sua província (no máximo, ele tinha sido autorizado a “proteger” tribos adjacentes, e não anexá-las ao seu território) César deu preferência á à agressão, ao invés da negociação, desse modo am-pliando as ameaças à província e levantando forças extras para enfrentá-los, o que espan-tou Roma pelo brilho de seu generalato, e pela rapidez e a totalidade de suas conquistas

Os gauleses, “bichos-papões” do passado recente e distante, foram humilhados e aparentemente reduzidos à submissão dentro de poucis anos. Quando César saiu para a Gália, não deve ter havido grandes expectativas de que aquele político loquaz e sem escrúpulos pudesse fazer tanto. No entanto, por sua força de personalidade, e da deter-minação inata de uma mente original, ele rapidamente forjou um exército que veio a se identificar com suas próprias fortunas e com um sucesso quase ininterrupto, cuja moral elevada , mostrou-se presente, quando chegou a guerra civil, incomensuravelmente su-perior às forças do governo legítimo, que não haviam desfrutado nenhuma dessas expe-riências edificantes.

As forças disponíveis para César, quando ele chegou no norte da Itália, consistiam de quatro legiões, numeradas em seqüência ordenada de VII a X. Destas, três (talvez as VII, VIII e IX) ficaram baseadas na Aquileia, na fronteira oriental da Cisalpina, de modo a se proteger contra os ataques dos Illyrians. Apenas uma legião, talvez a Legio X, esteve, então, na Transalpina, tendo ficado baseada na sua capital, Narbo (Narbonne). César teve a sorte, ao longo de seus anos de comando, que as fronteiras orientais de suas pro-víncias permaneceram relativamente calmas, e que nunca constituíram qualquer dreno significativo sobre as forças à sua disposição. Não sabemos nada sobre a história anterior dessas legiões, exceto que elas já estavam em suas províncias quando César chegou na Gália. Há conhecimento da legislação que nomeou Cesar para o comando, e que ele teve um questor para lidar com os assuntos financeiros do exército, e dez legados quem ele pessoalmente selecionou

4. Ver Anexo B- As legiões romanas; e Anexo C – As guerras da Gália.

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Figura 24 - A Gália in 60 AC, mostrando as principais tribos e cidades que são mencionadas no texto, e adjacentes à província romana

OS HELVÉCIOS

Em sua chegada, César, alegando estar agindo em defesa dos Éduos, aliados de Roma, tomou a ofensiva de uma só vez, contra os Helvécios, na região da Borgúndia, (a Suíça moderna), que se encontravam sob a pressão de migração de tribos, e havia pedido permissão para passar pelo território romano em seu caminho para um novo lar na costa atlântica da Gália. Outros governadores romanos poderiam facilmente ter aceitado, mas César recusou, e barrou a sua entrada com uma muralha de terra e vala, protegida por postos fortificados em intervalos regulares, a uma distância de cerca de 19 milhas entre o Lago de Genebra e as Montanhas Jura, no Passo de l’’Écluse.

Tendo-se em vista os penhascos íngremes existentes na maior parte do percurso, é difícil se supor que a linha de defesa fosse contínua. Alguns comprimentos da vala foram detectados pela escavação realizada mais tarde, no Século XIX. Os helvécios foram, en-tão, obrigados a seguir uma rota mais difícil pelo norte, fora da província romana. César, então, convocou para si as três legiões da Aquileia, e levantou mais duas (as Legio XI e XII) para enfrentar a crise. César, então, perseguiu a coluna que se movia para NW, por cerca de 150 km, em toda a Gália Central. Perto de Bibracte (Mont Beuvray) os Helvécios se viraram contra César, que retirou seu exército de seis legiões e mais auxiliares para

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uma colina conveniente (geralmente identificada em Armecy), onde ele ficava protegido em três lados por barreiras de água, e aguardou a chegada do oponente. Suas quatro legi-ões mais experientes (as LegioVII a X) foram desdobradas em uma linha tripla de coortes nas encostas, enquanto as legiões recém-levantadas (Legio XI e XII), juntamente com as tropas auxiliares. ocuparam o cimo do morro e começaram a construção de um entrinchei-ramento para proteger a bagagem.

Um sistema de vala foi identificado no morro pelo coronel Stoffel em 1886, mas a sua data não é conhecida com precisão. A cavalaria auxiliar foi enviada para atrasar os Helvécios, e, depois, foi deixada de lado, para se preparar para o ataque. César havia despachado todos os cavalos dos oficiais, incluindo o seu próprio, para a parte de trás da colina; é claro que ele tinha uma boa visibilidade estando no topo da colina, mas era um gesto útil para reforçar a moral de seus homens em sua primeira batalha séria.

Os romanos tinham a vantagem da altura, e suas saraivadas de dardos logo entra-ram em vigor. Uma carga geral foi ordenada, e os legionários correram encosta abaixo, atacando os Helvécios diante deles (1). Os sobreviventes atravessaram um riacho em frente da posição romana e ganharam o cume oposto. Neste ponto, a retaguarda helvéti-ca, uma força de 15.000 Boii e Tulingi, que somente agora chegara no campo de batalha, lançou-se contra o flanco direito exposto das legiões (2).

Ao vê-los, o corpo principal do helvécios se reuniu, mas César teve tempo para des-tacar a terceira linha de cada legião (ou seja, doze coortes no total) e as enviou para aten-der à nova ameaça. Depois de uma luta ferozmente disputada, os helvécios foram batidos em ambas as frentes. Os homens de César estavam exaustos demais para montar uma perseguição imediata. Movidos pela fome, os Helvecios se renderam, sendo obrigados a voltar para suas casas e reconstruirem suas aldeias, onde permaneceram intimidados por uma geração, até serem incorporados na província gaulesa por Augusto.

Figura 25 - A batalha contra os Helvécios em 58 AC.

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ARIOVISTUS

César depois aceitou um pedido dos Éduos para conter um príncipe Suevo, Ariovis-tus, a quem o Senado romano tinha, recentemente ,reconhecido como ‘Rei’ e ‘amigo’, e cujos seguidores já há algum tempo vinham se expandindo a oeste do Reno, às expensas das tribos ali residentes. Depois de uma negociação fracassada, César forçou uma bata-lha em algum lugar perto de Mulhouse, na região da Alsácia, o que resultou em uma derro-ta total dos alemães: Ariovistus escapou do abate, mas parece ter morrido logo depois. Ao concordar com a negociação antes da batalha, Ariovistus tinha estipulado que nenhuma infantaria romana deveria estar presente e que César deveria vir com apenas uma escolta de cavalaria. A fim de não ficar em desvantagem, César ordenou que algumas tropas da Legio X montassem nos cavalos da cavalaria gaulesa, e o acompanhassem. Isto gerou uma grande honra para aqueles legionários e para a Legio X, que era considerada a legião favorita de César — e que já há algum tempo ele vinha tratando como uma Praetorian Cohort (ou seja, o guarda-costas de um governador). A partir de então, ele tornou todos os membros da Legio X como éqüites (cavalaria), serviço que era, tradicionalmente, prestado pela classe média abastada. Este incidente deu origem ao título de Equestris à legião, que lhe foi anexado a partir de e do final do Século I AC. O epíteto pode não significar nada mais do que “montado a cavalo”, mas certamente deve ser tomado no sentido de “Knightly ‘, refletindo a posição especial da legião na estima de César.

AS TRIBOS BELGAS

As legiões passaram o inverno de 58-57 AC entre os Sequanos bem ao norte da fronteira formal da província romana. Os murmúrios entre os Belgas do NE da Gália con-tra este avanço romano deu a César a desejada desculpa para poder ampliar suas forças ainda mais, pela criação das Legio XIII e XIV, que ele trouxe da Cisalpina, na primavera de 57 AC. César, então, avançou para dentro do território da aliança Belga, envolveu suas forças coletivas no Aisne, e obrigou-as a se dispersar. O local do encontro foi, provavel-mente, em Mauchamp, onde a arqueolgia achou um acampamento romano de 104 acres (41 hectares) em um terreno elevado entre o Aisne e um pequeno afluente, o Miette (Ver Fig. 26). Os escavadores também localizaram valas e muralhas que ligavamm o campo para ambas barreiras de água, com uma fortificação no extremo norte (e outra posicionada no sul), mais ou menos como César descreveu.

. Mais tarde, no mesmo ano, César foi pego fora de equilíbrio por uma das tribos belgas, o Nérvios, que atacaram o Exército romano, quando ele acampou na margem do rio Sambre. Após uma luta desesperada, em que os romanos sofreram severamente e muitos centuriões foram mortos,entrou em cena, por sorte, o legado sênior de César, La-bieno, que salvou o dia, aniqulando os Nérvios que foram reduzidos quase que a apenas um homem. As legiões, agora, foram configuradas em quartéis de inverno entre os Belgas e no vale do rio Loire, e toda a Gália viu-se submetida. O relatório de César ao Senado gerou um agradecimento sem precedentes, o que lhe deu um grande impulso para sua posição nacional

Uma reunião com seus colegas do triunvirato, Pompeu e Crasso, em Luca (Lucca), em abril de 56 AC, deu a Caesar mais cinco anos (isto é, 54-50) na Gália, sem quaiquer impedimentos de Roma, enquanto Pompeu passou a ter uma mão livre, de forma seme-lhante, na Espanha, e Crasso na Síria.

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O mesmo ano de 56 AC viu as forças de César em trabalho na costa ocidental da Gália, ocasião em que as tribos desde a Aquitânia até a foz do Reno foram reduzidas à submissão ou subjugadas em batalhas. Na Bretanha os Venetos recuaram para seus for-tes montados em promontórios, ao longo da costa. César foi capaz de capturar um número destes sem dificuldade, mas ele descobriu que os defensores meramente se punham ao mar e navegavam até uma fortaleza diferente. Ele foi forçado a esperar enquanto uma frota fosse construída. Depois de uma dura luta na baía Quiberon, os Venetos se rende-ram, sendo vendidos como escravos. Muitos desses fortes em promontórios foram identi-ficados, mas a arqueologia ainda não fornece nenhuma evidência direta para um ataque cesariano.

CÉSAR NA BRETANHA

Na primavera de 55, César encontrava-se em atividade no NE da Galia e, com su-cesso, evitou uma posterior migração das tribos germânicas para a margem oeste do rio Reno. Seguiu-se uma expedição através do rio, construindo uma ponte em algum lugar perto de Coblenz, demonstrando, dessa forma, o poder de resposta romano, após o que César retornou com segurança para a Gália, depois de quebrar a ponte que ficara para trás. Como se isso não fosse uma tarefa suficientemente arriscada para uma temporada, César, no outono, realizou uma rápida expedição na Britânia. Levando com ele as Legio VII e X, ele atravessou o canal da Mancha durante a noite e, na manhã seguinte, chegou à costa nas proximidades de Dover. No entanto, o desembarque nas praias sofreu forte oposição das forças nativas.

Os soldados mostraram-se relutantes em desembarcar em águas profundas, até que um aquilifer sem nome da Legio X tomou a iniciativa, e mergulhou, incentivando os seus camaradas a segui-lo.

Figura 26 - Acampamento de Cesar no Aisne, 57 AC (depois de Napoléon III)

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O mau tempo impediu a cavalaria de César de chegar até ele, razão pela qual ele não foi capaz de penetrar mais do que algumas milhas além de sua cabeça-de-praia. A chegada oportuna de alguns emissários que procuravam a paz permitiu-lhe voltar a Gália dentro de uma quinzena, sem muita perda de tempo e antes do início do inverno. César estava determinado a melhorar essa conquista e, durante o inverno, montou uma grande frota de transportes adequados ao empreendimento. Em julho de 54, ele partiu novamen-te, desta vez com cinco legiões (mais da metade do seu exército total), deixando apenas três no continente, para manter a Gália.

O tamanho da força de invasão pode bem sugerir a intenção de César em subjugar permanentemente uma parte substancial da ilha, e adicioná-la à sua província. Esta se-gunda expedição sofreu com o tempo tanto quanto a primeira, e embora ele tivesse conse-guido, desta vez, desembarcar sem oposição, César encontrou dificuldades em alcançar maiores progressos em razão da lutas contra as bigas britânicas (um veículo militar já abandonado há muito tempo no continente) e das hábeis manobras dilatórias idealizadas por Cassivellaunus, que tinha sido nomeado líder das tribos do sul. Mas a fortaleza de Cassivellaunus foi invadida e suas forças foram dispersas.

A localização é incerta, embora Wheathampstead advogue que teria sido perto de St. Albans que César teria encontrado seu acampamento base atacado por forças locais, por instigação de Cassivellaunus, mas eles foram facilmente derrotados. Cassivellaunus, então, abriu negociação com César, que com sua mente voltada aos problemas na Gália, ficou feliz em garantir um acordo de paz, em razão do qual os reféns foram libertados e um tributo anual foi acordado, antes de cruzar de volta o canal, em meados de setembro. A arqueologia não encontrou, até agora, evidências que permitam traçar o progresso das forças de César na Britânia.

UMA LEGIÃO É DESTRUÍDA

Os gauleses estavam, agora, começando a perceber que os romanos esavam pla-

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nejando ficar definitivamente no seu território, e que os pedidos de agir contra os inimigos eram muitos, em face do medo de uma subjugação permanente. Durante o inverno de 54-53, quando César foi compelido por causa de uma má colheita a distribuir suas legi-ões mais amplamente em seus quartéis de inverno, a fim de ter certeza de uma oferta de alimentos, os Eburões do vale do rio Meuse atacaram a Legio XIV (uma das mais novas formações de César) e cinco coortes recentemente organizadas (aparentemente o núcleo de outra legião, caso contrário, não seria mencionado por César), que estavam acampa-das juntas em seu território perto de Tongres, sob o comando conjunto dos dois legados: Titurius Sabino e Aurunculeio Cotta.

Uma fraqueza de determinação e de conselhos divididos levou à catástrofe: a força romana, quando foi induzida a deixar a relativa segurança de seu acampamento e foi ani-quilada em uma emboscada. Alguns homens voltaram para o acampamento, ocasião em que o aquilifer de Legio XIV conseguiu salvar a águia de uma captura imediata jogando-a para dentro da muralha do acampamento, enquanto ele próprio foi cercado e abatido. Mas não adiantou o esforço, pois todos os sobreviventes no acampamento cometeram o suicí-dio durante a noite. Como resultado, o Nérvios viram-se encorajados a atacar outra legião (César não fornece o seu numeral) em seu acampamento de inverno, e a sitiou, como na forma romana; mas uma defesa resoluta sob a liderança de Q. Cicero (o irmão do orador distinto) os manteve “na bóia” até que César chegou e derrotou as forças sitiantes.

Com isso, os planos de várias tribos para atacar outros acampamentos romanos deram em nada. No entanto, ficou claro para César que mais problemas poderiam ser esperados, e no final de 53, ele já tinha aumentado o seu exército para dez legiões, por meio da formação de duas novas unidades: as Legio XIV e a Legio XV (a primeira para substituir a unidade de mesmo número perdida com Sabinus e Cotta e a última que ele tomou emprestado de outra, a Legio I de Pompeu (que era parte da série de legiões con-sulares de 55 AC).

Uma segunda e breve travessia do rio Reno serviu para lembrar os alemães da força continuada de Roma, e da capacidade de César em entrar no seu território com fa-cilidade. A outra extremidade do Império, no mesmo ano, asstiu a derrota de Crasso e de um exército relativamente inexperiente de oito legiões pelos persas em Carrhae (um tipo de desastre que poderia facilmente ter acontecido com o próprio César, se ele tivesse sido menos afortunado) Na Gália, aquele ano chegou ao fim com a investida por saqueadores da cavalaria alemã na base de armazenamento central de César nas proximidades de Tongres, onde seus feridos estavam se recuperando, sob a proteção da nova Legio XIV. Desta vez Q. Cícero, que tinha a responsabilidade pela segurança da base, não estava suficientemente forte para conter suas tropas dentro das fortificações, e permitiu que par-tes da legião saíssem para forragear. Somente o heroísmo de alguns indivíduos, especial-mente os centuriões romanos, permitiu que a base fosse mantida até que os alemães se retiraram com a sua presa. César, que chegou ao local pouco tempo depois, não achou nenhuma graça no ocorrrido.

REVÉS NA GERGOVIA

Renovados rumores no inverno de 53-52 exigiram novos recrutamentos e, no início do ano, César foi obrigado a se apressar de volta á Gália Cisalpina, através das nevadas montanhas de Cevennes. A primavera de 52 foi gasta reduzindo-se os redutos dos Bitu-riges no centro da Gália, que haviam sido fortificados contra ele, enquanto César perma-

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necia, o tempo todo, com medo de uma revolta geral, que Vercingetorix, um jovem chefe dos Arvernos, estava buscando fomentar. No verão de 52 Vercingetorix entrou em campo com grandes forças, começando uma batalha inteligente contra César, de modo a obter e manter a iniciativa. Agora, se não antes, César foi capaz de levantar e trazer ao serviço ativo na Gália outra legião, a Legio VI.

Vercingetorix, contando com o amplo apoio das tribos, aplicou uma política de “terra arrazada” no caminho em que César avançava; mas esta estratégia foi apenas parcial-mente bem-sucedida, e César conseguiu subjugar a fortaleza de Biturigan, do chefe Avari-cum (em Bourges), depois de um curto, mas intensamente controvertido cerco. Vercinge-torix continuou a assediar César antes de se retirar de sua própria cidade natal Gergovia (Gergovie). Mais apreciados do que os prórpios relatos de César, considerado dramático, mas um pouco confuso, foram os resultados das escavações realizadas abaixo da cidade em 1862 pelo incansável coronel Stoffel; outro trabalho mais recente, datado de 1936-39, confirmou, amplamente, o plano de Stoffel, e, ainda acrescentou novos detalhes (Fig. 27). Chegou-se à conclusão de que César havia colocado seu acampamento principal, cerca de 90 acres (36 hectares) de extensão, em um cume a SE, bem longe da cidade, e rapidamente desalojou os gauleses do topo de outra pequena colina nas proximidades de seu acampamento, o que lhes cortou o acesso ao rio Auzon. Ele então ligou os campos com duas valas paralelas, estabelecidas em conjunto; por trás dessa barreira dupla seus próprios soldados podiam se mover à vontade, conforme a situação exigisse.

Figura 27 Fortificações de César na Gergóvia. César, em seguida, resolveu aproveitar o outro cume do lado de fora das defesas

da cidade, que controlava as vias de acessso ao portão principal, presumivelmente como um prelúdio imediato a um ataque em grande escala. O plano era audacioso, e as arti-manhas montadas por César para iludir os gauleses foram muito bem sucedidas: primero foram realizados movimentos diversionários pela cavalaria aliada em direção a SE, em seguida, enquanto a cavalaria dos aliados Éduos confundia os defensores, realizou-se um

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ataque em grande escala pelas legiões que brotavam a partir do pequeno acampamento (para o qual legiões tinham sido transferidas em lotes a partir do acampamento principal que ficava a leste), pegando os gauleses de “guarda-baixa”, após o que a elevação foi tomada. Mas a resistência gaulesa endureceu, e parece que César, então, havia resolvido consolidar seus ganhos existentes, se pudesse. No entanto, os homens das quatro legiões líderes, que haviam sido pressionados contra as muralhas, foram obrigadas a recuar, com a perda de 700 homens, incluindo 46 centuriões.

Apenas a manobra hábil realizada por César com as Legio X e XIII, sob o coman-do do legado Sextius, que haviam sido mantidas guardando o pequeno acampamento, cobriram a luta, e impediram um desastre maior. César, em seus contos, registra como ele foi fortemente crítico do excesso de confiança das tropas, fruto, obviamente, das suas próprias séries de sucessos.

Mas pode-se suspeitar que o próprio César foi, verdadeiramente, o grande culpa-do de uma aposta que não deu certo. Porém, o que o inverso causou foi o aumento da impressão da invencibilidade pessoal de César; Os Éduos, os mais antigos dos aliados romanos na Gália, contudo, abandonaram a causa, colocando todas as conquistas de César em risco.

O SÍTIO DE ALESIA

Apesar do aumento de seus meios, Vercingetorix foi incapaz de manter-se em guer-ra aberta, onde sua cavalaria gaulesa foi batida pelos cavaleiros alemães obtidos por César do outro lado do Reno. Ele, agora, tinha se retirado para uma cidade instalada no topo da colina de Alesia (Alise-Sainte-Reine, perto de Dijon), que César prontamente começou a cercar com trabalhos de sítio, assim aprisionando o seu principal adversário e efetivamente sufocando a revolta. Entendendo que uma força de socorro gaulesa estava sendo organizada, e consciente de que uma demonstração de força deveria ser iminente, César usou o tempo para construir uma seqüência de fortificações muito bem elaboradas.

Ele cavou uma trincheira de 20 pés, com os lados perpendiculares, ampla tanto na parte inferior como na superior, e construíu outras fortificações cerca de 400 pés atrás desta trincheira; como esta extensão de terra era muito grande, não seria fácil manter todo este perímetro guarnecido. Ele estava preocupado que um grande destacamento inimigo pudesse realizar um ataque repentino, quer sob a cobertura da noite ou sob o apoio de uma saraivada de dardos durante o dia, sobre as tropas engajadas no trabalho de cons-trução.

Por tanto, César deixou um espaço de 400 pés, e cavou duas outras trincheiras de igual profundidade, cada uma com 15 pés de largura. Onde o terreno era baixo e plano, ele encheu de água, formando um fosso. Atrás das duas valas ele ergueu uma muralha, reforçada por estacas, com 12 pés de altura total. No topo foi montado um parapeito com ameias, e com grandes ramos bifurcados projetados para fora, de modo a retardar quais-quer gauleses que tentassem passar por cima do parapeito. Havia torres colocadas ao longo da fortificação, envolta de todo o circuito, com 800 pés afastadas entre si. A neces-sidade de homens para cortar, recolher e despachar madeira e milho, e ao mesmo tempo montar essas maciças fortificações, fez com que um grande número de homens estivese, sempre, a alguma distância considerável dos acampamentos.

Em várias ocasiões os gauleses tentaram assaltar as fortificações romanas, fazen-do incursões simultâneas e determinadas, a partir de vários dos portões da cidade. Por

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isso César resolveu reforçar ainda mais as obras, de modo que um número menor de tropas fosse capaz de defendê-las. Assim, troncos de árvores ou galhos muito robustos foram cortados, e seus topos descascados e afiados, enquanto trincheiras contínuas, com cinco pés de profundidade foram escavadas. Os troncos de árvores foram instalados nas valas com sua parte inferior garantida por outros, para impedir que eles fossem puxados para cima, e com as pontas afiadas para fora. Em cada trincheira, havia cinco linhas des-ses troncos de árvores, ligados entre si, de modo que qualquer um que passasse entre eles iria ficar empalado em suas pontas muito afiadas

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Esta organização fortificada foi apelidada de “postos de fronteira”. À frente deles, dispostos em linhas diagonais, no modelo em “quincunx”, havia valas de três pés de pro-fundidade, que diminuíam, gradualmente, até o seus fundos. Nessas valas foram fincados toros de árvores tão grossas como a coxa de um homem, cujos topos eram afiados e endurecidos pelo fogo, que se projetavam a apenas quatro dedos para fora da terra. Para manter estes toros firmemente em posição, ao seu redor era aplicada terra endurecida, até uma profundidade de um pé, sendo o restante dos espaços preenchidos com galhos e mato para manter a armadilha escondida. Havia, geralmente, oito fileiras desses poços, mantidas a três pés de distância entre si; eles foram apelidados de “lírios” por sua se-melhança com a flor de mesmo nome. Na frente deles, blocos de madeira, de um pé de comprimento com ganchos de ferro fixos neles, foram presos completamente no chão, em grande número, por toda parte. Eles eram chamados de “aguilhões”.

Quando este trabalho foi concluído, César construiu fortificações idênticas de frente para o outro lado, a uma distância de 14 milhas, ao longo do terreno mais plano que pôde ser encontrado, para servir como uma defesa contra ataques vindos de fora. O objetivo era impedir que as guarnições do anel interno fossem invadidas, mesmo se uma grande força atacasse. Para evitar o perigo de homens saírem para procurar comida, cada homem foi obrigado a ter com ele rações de 30 dias para si e também forragem para os cavalos.

Essas linhas duplas de fortificação eram familiares à prática helenística, mas César sempre lhe devotou uma especial admiração. Ele, assim, estava em condições de, quando a força de reforço chegasse para maximizar suas forças, ter mais de 45.000 homens (mais do que o seus próprios contos sugeriram), contra uma alegada força de 250.000 (valor que pode ser considerado extremamente exagerado).

Havia, então, algum perigo que o próprio César ficasse aprisionado. No primeiro dia de batalha, as duas forças de cavalaria envolveram-se em combate, com os alemães de César finalmente sendo vitoriosos. Um ataque de surpresa pelos gauleses sobre o anel externo das defesas de César provou ser um fracasso caro, com todos os poços e obs-táculos provando o seu valor, e com Vercingetorix mostrando-se muito lento em carregar sobre o anel interno, em apoio. Em um novo esforço, as forças gaulesas foram enviadas para atacar a parte mais fraca das linhas romanas, à luz do dia, e em algum lugar ao norte da cidade propriamente dita, enquanto Vercingetorix montava um ataque simultâneo a partir de dentro dela.

As linhas romanas apenas se mantiveram, e o habilidoso emprego da cavalaria por César, uma vez mais provou se decisivo; a força retirou-se, e os sitiados se renderam, Vercingetorix havia se tornado um prisioneiro de César.

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O EXÉRCITO DE CÉSAR

Figura 29 - Crescimento do exército de César, 59-50 aC. Nota:a original Legio XIV foi destruída no inverno de 54/53; A Legio I foi devolvida a Pompeu em 50, junto com a Legio XV.

Em nove anos César aumentou o seu exército de 4 para 12 legiões (Fig. 29). A maioria dos novos recrutas parece terem sido voluntários. O exército contava, principal-mente, com muitos profissionais com longo tempo de serviço. O leitor talvez se lembre de P. Considio, “supostamente um soldado de primeira classe”, que serviu no Oriente com Sulla, e contra Spartacus, antes de ir para a Gália, provavelmente como praefectus. César, no entanto, achou que seu desempenho ficou muito aquém de sua reputação. Cada legião tinha um efetivo de cerca de 5.000 homens, mas esse efetivo poderia cair bem abaixo desse valor, em razão de baixas em combate, de doenças e pela fadiga.

Todas as novas formações eram levantadas, durante os meses de inverno, a partir das próprias províncias de César, embora alguns italianos, presumivelmente, tivessem viajado para o norte, por moto próprio, tendo em vista a a possibilidade de alistamento. As novas legiões foram levantadas, aparentemente, em face do direito de um procônsul alistar as forças locais em defesa de sua província. Diferentemente da maioria dos procôn-sules, César teve acesso às reservas de cidadãos na Cisalpina. No começo, ele pagava e equipava as novas legiões às custas dos seus próprios lucros obtidos nas batalhas. Na cimeira de Luca, em 56, ele foi capaz de obter o reconhecimento das Legio XI-XIV, que foram doravante pagas pelos fundos do governo, mas as formações posteriores perma-neceram dependentes do pagamento pelo próprio César. César alistava homens ao sul e ao norte do vale do Pó: aqueles que viviam ao norte do rio (os Transpadanes) não eram cidadãos romanos completos, mas tinha o status de ‘latinos’.

César ignorava essa distinção, e ficava feliz em admitir todos para suas fileiras. No final de 52, ele formou uma milícia com a população nativa da Transalpina para defender sua fronteira norte durante a crise desse ano; é provável que esta milícia, no todo, tivesse 22 coortes, que formaram a base do Legio V Alaudae (Cotovias), que mais tarde se encon-

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traria entre suas forças. As legiões já existentes eram complementadas, anualmente, por recrutas oriundos de sua província Cisalpina, de modo que no momento de sua invasão da Itália em 49, as forças de César eram dotadas de uma coerência e lealdade únicas, que foram fatores importantes da sua eventual vitória.

A coorte era a unidade tática básica do exército de César: as manípulas são men-cionadas várias vezes em seus comentários, mas a palavra parece um termo geral para uma sub-seção de tropas ou um pequeno grupo de homens. Os centuriões (especialmen-te aqueles do primeiro grupo) eram a espinha dorsal de combate da legião, homens que se esforçavam pela obtenção da promoção nas fileiras e se destacavam pela sua honradez. Na tradição dos comandantes anteriores, César os incluiu, muitas vezes, juntamente com os legados e tribunos, em seus conselhos de guerra. Os tribunos, por outro lado, tiveram um papel menos bem definido. Eles raramente exibiam iniciativa ou coragem; na pior das hipóteses eles eram covardes e não confiáveis. É evidente que o exército de César, que viria a ser um instrumento supremo dedicado à sua causa, foi inicialmente, um exército típico de seu tempo. O próprio César, muito a contragosto, mais tarde, trouxe de Roma um séquito de jovens nobres e “equestrians” que foram escolhidos mais por razões políticas do que em razão do seu potencial militar; mas, sem dúvida, esta era uma prática comum. Mas a campanha ativa contínua, por si mesma, fez muito para extirpar os elementos duvi-dosos, restando, apenas aqueles instrumentos finamente afinados.

César, em sua obra, enomeia muitos centuriões, especialmente aqueles conspí-cuos por sua bravura; e as provas epigráficas, que agora, pela primeira vez, começam a iluminar o estudo do exército romano, arrolam vários desses indivíduos. Um epitáfio de Cápua registra dois irmãos chamados Canuleius que serviram na Gália com a Legio VII de César. O mais velho foi logo morto em ação, mas o mais jovem serviu durante todas as campanhas, presumivelmente incluindo a Britânia, e sobreviveu para ganhar o seu prêmio. Sabe-se, também, de um Q. Cabilenus que serviu no Legio VIII, um Vettidius na Legio XII, um Vinusius na Legio IX. e vários veteranos da Legio VI.

A artilharia que acompanhava as legiões sempre atraiu a atenção: dois tipos princi-pais ficavam em evidência: as catapultas gigantes chamadas “balistas”, que atiravam pe-dras pesadas, e outra menor, máquinas do tipo besta, chamadas “scorpions”, que dispa-ravam flechas, com grande precisão. As habilidades com a engenharia e os engenhos de campanha evocaram admiração, haja visto as torres de cerco e as rampas em Avaricum, a ponte sobre o Reno, e as trincheiras ao redor de Alesia. Estas foram as técnicas padrão para um bem-equipado exército helenístico, em razão do que não resta dúvida que César olhava com pafticular interesse tal organização militar.

Um oficial de engenharia (praefectus fabrum) era frequentemente adido aos exér-citos do final da República, mas essa função parece, na realidade, ser a de um ajudante--de-campo do Estado-Maior pessoal de um comandante, e certamente nenhum praefectus fabrum aparece em qualquer conto de batalha, ou de fortificação, ou de projeto de enge-nharia nos escritos de César.

Os legados, juntamente com os questores de César, desempenharam um papel importante, e em mais de uma década de guerra, temos uma excelente imagem da gama das suas funções e do seu emprego. Como um fator essencial na estrutura de comando de César, eles cooperaram na conquista da Gália, gerenciando os meios disponíveis de seu César. A finalidade da existência do legado era a de atuar como comandante subordi-nado, de modo que um procônsul pudesse operar sobre uma ampla área geográfica com as forças militares substanciais. César teve 10 legados, que ele podia nomear diretamen-

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te, sem referência para o Senado. O legado poderia comandar uma legião, ou duas ou três legiões, em conjunto com as forças auxiliares que a acompanhavam. Mas outros tinham, primariamente, uma mera tarefa civil.

Nos invernos, o legado comandava um acampamento e, em geral, era o responsá-vel por manter a paz e a segurança da região circundante. Não havia, porém, nenhuma ligação específica entre um legado e qualquer legião — a função de legado da legião (legionis legatus) foi um desenvolvimento do futuro. Os legados de César, como se sabe a partir de suas carreiras e origens da família, eram senadores de diferentes níveis, jovens e sem experiência militar, e nem sempre dotados de uma particular inteligência ou capa-cidade de decisão. No entanto, eles serviram nas legiões por um número considerável de anos. Q. Cícero, irmão do orador, não parece ter sido um comandante militar natural; ele foi aceito inicialmente como um favor a seu irmão, e prestou seu serviço na Britânia e, mais tarde, em Alesia. Alguns dos primeiros legados sumiram de vista, mas um número de seus sucessores passaram a desempenhar papéis importantes no conflito civil que se seguiu. O inteligente Q. Labieno, já de classificação pretoriana, foi o legatus senior durante a Guerra das Gálias, e atuou em posições de crescente responsabilidade.

No inverno, as legiões eram colocadas em quartéis de inverno, individualmente ou em grupos. Esta era a prática militar normal. Se um município existente pudesse ser uti-lizado, muito bem; caso contrário, um acampamento-de-inverno (castra Hiberna) poderia ser construído perto de um reduto tribal. Durante o inverno as legiões eram reconstituídas como já dito acima, mas seus efetivos deveriam permanecer inalterados. César tinha her-dado as Legio VII a X, e acrescentou outras para continuar a sequência de até a Legio XV. Mais tarde ele também teve uma Legio V e VI, desse modo mantendo uma lacuna entre as legiões consulares (I a IV) e seu próprio grupo. Se qualquer um desses números foi dupli-cado em guarnições em outros lugares, até este momento isto permanece desconhecido.

O emprego das tropas auxiliares por César é digna de interesse. Nenhuma cavala-ria romana é mencionada, apesar de alguns equites terem servido em seu Estado-Maior e assessorado os legados. O exército em campanha consistia, essencialmente, das legiões e da cavalaria, esta última tirada dos gauleses e mais tarde dos alemães, onde César en-controu a arma mais eficaz par derrotar os gauleses.

A infantaria gaulesa é raramente mencionada, e foram de valor militar duvidoso. A cavalaria gaulesa era composta pela nobreza de cada tribo, com os vários contingentes sendo chefiadas por seus magistrados chefes ou os homens jovens das principais famí-lias. Uma tática especial dos alemães, de intercalar a cavalaria com velozes lanceiros, foi adotada por César, e pode-se perguntar se tais grupos não foram os precursores das cohortes equitatae (coorte montadas) do Império, abordada mais adiante. Quando César chegou na Gália ele encontrou à sua disposição um contingente de auxiliares estrangei-ros: a cavalaria numídia, os fundeiros baleares e os arqueiros cretenses; estes desapare-ceram depois de 57 e presumivelmente foram dispensados e enviados para casa

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OS LUCROS DA GUERRA

Os soldados eram motivados pela honra e pela lealdade, mas também pelos ga-nhos financeiros advindos das batalhas. O próprio César tornou-se extremamente rico, e é certo que muitos, se não a maioria dos legados, enriqueceram, consideravelmente. Era bem conhecido em Roma que uma indicação para o “staff” pessoal de César era um passaporte para a riqueza. Os soldados comuns também ganhavam, desde escravos até os lucros dos butins. Mas tais fatores não os negligenciavam de seu apoio a César, e este não podia se dar ao luxo de ignorá-los. O comboio da bagagem, sobre o qual César tomava o maior cuidado, enquanto o exército estava em movimento, continha os despojos acumulados dos soldados, que eles se preocupavam em não expô-los a perigo. Quando seu volume global tinha de ser reduzido, como em 54, quando os legionários de Sabino e Cotta tentaram escapar de seu acampamento de inverno, com muito cuidado era verifi-cado aquilo que deveria ser deixado para trás. Mesmo assim, a quantidade levada com a coluna em movimento ainda era grande, e quando era tomada a decisão de se abandonar tudo, os soldados quebravam as suas próprias fileiras para salvar o que podiam de suas posses individuais.

O GENERALATO DE CÉSAR

As razões para o sucesso de César não são difíceis de encontrar: determinação e instinto, relacionamento com o soldado, individualmente, e uma boa pitada de sorte. Sua velocidade de deslocamento, a legendária Caesariana celeritas , surpreendeu os romanos e os gauleses. No entanto, deve-se tomar cuidado com a adulação excessiva de suas re-alizações. Uma leitura cuidadosa das Guerras da Gália e, especialmente, da Guerra Civil, revela um César muitas vezes eruptivo e impulsivo, e com pouco interesse na logística. Sua rapidez operacional podia deixar as tropas mal abastecidas em termos dos alimentos básicos. Muitas vezes, se seu brilho é mostrado através da extração do seu exército de uma situação difícil, o que era o seu temor, fora ele próprio quem criara tais situações.

Nãda se sabe, do próprio César, sobre programas de treinamento deliberados, mes-mo a partir de informações recém-levantadas. No entanto, seu biógrafo Suetônio nos diz que ele mantinha as legiões em prontidão instantânea para a marcha.

Ele sempre fez isso, até mesmo quando não havia necessidade para tal, especial-mente quando estava chovendo e durante os feriados púbicos, e às vezes ele próprio ia observar de perto suas tropas e, em seguida, e de repente, seguia para longe do acampa-mento, a qualquer hora do dia ou da noite, esperando que seus legionários o seguissem. As marchas, por sua vez, eram maiores do que o habitual, mais para desgastar do que em razão da própria necessidade da batalha.

Essa percepção, que traz à mente as marchas de rotas regulares e os programas de formação do Império (o que teria encantado o Marechal de Campo Montgomery!), infelizmente não é registrada. A primeira batalha contra os Helvécios foi quase que um desastre, e outras batalhas trouxeram pesadas perdas, mas estas nunca o desviaram de prosseguir em seus esforços.

Há pouco a mostrar que César estava particularmente interessado em mudar a instituição ou a organização tradicional do exército. Seria errado encontrar nele um refor-mador militar importante, como às vezes a ele é atribuído. Ele aceitou o exército como o encontrou, e apenas afinou o instrumento como melhor lhe aprouvera; mas não há nada

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que sugira que ele pretendesse, ou tivesse introduzido quaisquer alterações no serviço mi-litar ou na organização do Exército romano. A ele, por vezes, tem sido sugerido, algumas práticas descontinuadas, como a de Marius ‘de substituir por um pino de madeira um dos pinos de ferro que prendiam a haste de madeira à cabeça de ferro do pilum’. Também é atribuída a César, por alguns estudiosos, uma mudança na forma do escudo do legionário, o scutum, de oval para a retangular, muito familiar nos tempos do Império. Mas é muito mais provável que essa mudança tivesse ocorrido mais tarde, durante, ou mesmo após o longo reinado de Augusto.

A APROXIMAÇÃO DA GUERRA CIVIL

O ano 50 passou tranquilamente. César estava preocupado com a corrida dos eventos políticos em Roma, e com a necessidade de garantir o seu próprio futuro. Em 51 ele havia enviado uma legião à Cisalpina, para proteger suas cidades contra ataques vindos dos Balcãs, mas por outro lado, no final do verão de 50. suas forças ainda estavam no extremo norte da Gália. Em setembro, ele as concentrou em Trier, e procedeu a uma revisão especial, talvez em parte para testar a sua paciência, para uma luta que ele, agora já havia suspeitado ser inevitável. Logo depois, uma força de quatro ou cinco legiões foi deslocada para o sul, para Matisco (Maçon), ainda dentro da fronteira de Gallia Comata. No mesmo ano, em razão de uma projetada Guerra Parta, César foi obrigado a restituir a Legio I, que fora emprestada a ele por Pompeu em 53 e, também, uma das suas próprias legiões. Ele, astutamente, enviou a Legio XV (aliás, ou deliberadamente, uma das mais novas) que foi, em seguida, levada para a Cisalpina, transferindo a Legio XIII para substi-tuí-la na Aquileia (Fig. 30).

O objetivo imediato de César sempre tinha sido um segundo consulado em 48 e a sua proteção contra as acusações por parte de seus inimigos, até que ele voltasse ao seu oficio em Roma. Posteriormente, ele pode ter planejado um período adicional de comando ativo, muito provavelmente no Oriente; mas os seus adversários no Senado mostraram-se determinados de que as suas autoridades deveriam prevalecer. César continuou a profes-sar uma vontade de negociar sobre o seu futuro status, mas, finalmente, o Senado decidiu agir: os cônsules foram convidados, na redação tradicional do “Decreto Final”, a agir “para evitar que o Estado incorresse em qualquer dano”. Em face disso, César lançou a legali-dade de lado, e ordenou que a sua Legio XIII cruzasse o riacho Rubicão, que marcava a fronteira entre a província Cisalpina e a Itália. Sob a constituição romana, o titular de um comando provincial perdia automaticamente seu imperium (o direito de comandar tropas de cidadãos) quando deixava sua província. A travessia do Rubicão mergulhou o mundo romano na guerra civil.

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Capítulo 50A GUERRA CIVIL5

A reação do Senado foi instintiva e imediata: o estado de guerra foi declarado, novos governadores foram nomeados para as províncias de César, e arranjos foram fei-tos na constituição das tropas que passaram todas ao comando geral de Pompeu. Mas Pompeu não contava com uma resposta rápida de César. Este avançou a Legio XIII para Ariminum (Rimini, sempre foi um ponto de controle vital para os invasores da Itália e seus defensores), e pôs em marcha as outras legiões para apoiá-lo. César colocou, também, guarnições em um número de cidades costeiras para controlar a linha da via Flaminia (Fig. 30). Com a mesma rapidez ele também enviou uma força para manter Arretium (Arezzo) no vale do rio Arno, de modo a cortar as comunicações entre a capital e o norte.

Esta foi a guerra civil. César invocou toda a vontade de suas tropas para apoiar sua causa, que se constituiu em um golpe militar. Um grande número de seus homens era, naturalmente, não oriundo da peninsula itálica, mas da Cisalpina e até mesmo do sul da Gália, para quem uma marcha sobre a Itália não provocaria uma crise de consciência. Nada se ouviu, por parte dos romanos à título de contestação, apenas rumores ocasionais de descontentamento pelos veteranos em serem mantidos no exército por um período tão longo. No entanto, foi provavelmente por volta dessa época que César dobrou os salários dos soldados (225 denários por ano), um fator adicional na adesão à sua causa. Poderí-amos supor que seus adversários fossem obrigados a corresponder ao aumento. Quanto aos oficiais de César, apenas Labieno optou por abandonar a sua causa, e juntou-se a Pompeu.

CONQUISTA DA ITÁLIA E DO OCIDENTE

A velocidade do avanço de César e o aparente reconhecimento das suas forças pegaram Pompeu de surpresa, e ele retirou-se de Roma. Pompeu retirou-se, primeiro para Cápua, onde as duas legiões entregues a ele em 50 estavam então alojadas e, então, César continuou a avançar, em direção à Apúlia. O problema principal de Pompeu era a dificuldade de acesso e de uma obtenção rápida de reforços, pois suas próprias tropas encontravam-se na Espanha — seis legiões ao todo, que seus legados controlavam em seu nome.

A tarefa de retardar César foi confiada ou assumida por Cn. Domício Ahenobarbus, que reuniu tropas das comunidades dos Apeninos e do meio de seus próprios inquilinos (com promessas pródigas de posse da terra em caso de vitória), e fortificou o importante cruzamento de estradas da cidade de Corfinium (Corfinio) nos Apeninos centrais.

Quando César — agora reforçado pelas legiões XII e VIII e 22 coortes, supostamen-te recém levantadas na Cisalpina (quase certamente este é um eufemismo para a Legio V Alaudae) — sitiou a cidade, Domício capitulou rapidamente, entregando seu comandante a César. Um comprimento de vala localizada em 1879 fora das próprias defesas da ci-dade, traçada a uma distância de 130 m, foi identificado como parte das linhas de cerco cesarianas.

5. Ver Anexo D – As guerras civis romanas

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Fig 30 - Deslocamentos das legiões, 50–49 AC

Pompeu precipitadamente havia alegado que ele poderia levantar um exército para se opor Caesar simplesmente batendo o pé no solo da Itália, mas foi Césa quem, rapida-mente, ganhou o acesso a enormes reservas de recursos humanos na Itália. Dentro de alguns meses, ele tinha recrutado, ou pressionado ao serviço, cerca de 80.000 homens, às vezes assumindo unidades já em processo de formação por interesse de Pompeu; em agosto de 49 Cesar já tinha cerca de 30 legiões. Algumas dicas dessa rápida acumulação de força são visíveis a partir da evidência epigráfica: um recruta de Pisa servindo na Legio XXVIII, e um centurião de Módena na Legio XXX, foram ambos alistados durante o avanço de César em direção ao sul. Tropas experientes foram transferidas para formar o núcleo das legiões mais recentes. Houve oportunidade de se ter noticia de um tribuno da Legio VI, que mais tarde serviu na Legio XXIX. Houve promoções rápidas de ambos os lados, quando o exército expandiu rapidamente.

Testemunhando o avanço irresistível da maré cesariana, Pompeu decidiu deixar a Itália com as tropas que ele tinha sido capaz de juntar. A decisão foi motivada por razões estratégicas: ele desejava manter suas forças intactas, obter pessoal no Oriente, e ou esperaria que César o perseguisse, ou retornaria como um novo Sulla. No entanto a sua retirada custou-lhe a iniciativa, e a propaganda da batalha dilacerando a sua reputação militar, o que propiciou a Cesar o domínio da capital, dos órgãos de governo, e dos cofres do Estado, o que efetivamente financiaria todas as suas operações futuras.

Falhando ao não imedir o embarque do exército de Pompeu em Brundisium (Brin-disi) — escavadores franceses no Século XIX revelaram as linhas de seus trabalhos de sítio em volta da cidade — César deixou suas legiões cansadas na Apúlia, para se recu-perarem, e viajou para Roma, que ele não via há 10 anos. Ele passou pouco mais de uma semana lá antes de acelerar para o norte para duelar com o exército espanhol de Pompeu. Parece que César já tinha transferido três legiões de suas bases de inverno na Gália para o sul, até Narbo, para se proteger contra qualquer impulso dos pompeianos para a Itália. Então, ele ordenou-lhes que seguissem adiante através dos Pirinéus, e instruiu as legiões restantes (que ficavam longe, na Gália central) a segui-lo.

Deixando algumas formações recém-alistadas para sitiar Massilia (Marselha), que tinha se declarado aliada a Pompeu, ele apressou-se para o norte da Espanha, onde encontrou os legados de Pompeu Afranius e Petreius, oficiais altamente experientes, ocu-pando uma posição preparada perto Ilerda (Lérida). No entanto, eles foram cercados e, eventualmente, forçados a se render, com pouca perda para ambos os lados. Com todas

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as províncias ocidentais agora sob seu controle, César retornou à Itália. Em virtude de seu cargo de cônsul para 48 (ele havia sido eleito no final de 49), ele levantou mais quatro le-giões, com os números tradicionais de I a IV desse modo completando sua seqüência nu-mérica que, agora, provavelmente corria ininterrupta de I a cerca de XXXIII (ver anexo 1).

A principal necessidade era se preparar para uma campanha contra o próprio Pom-peu. A infantaria e a cavalaria das tribos gaulesas recém subjugadas foram adicionadas às suas forças, e até dezembro de 49, uma força-tarefa expedicionária de 12 legiões tinha sido reunida em Brundisium. Muito claramente, todas as legiões veteranas foram afeta-das, ou seja, as Legio VI a XIV (das quais seis tiveram que marchar de volta do norte da Espanha), juntamente com a Legio V Alaudae e duas das legiões mais jovens, uma das quais pode-se identificar como sendo a Legio XXVII.

Durante o inverno, Pompeu havia despertado seus clientes, e os reis e príncipes do Oriente, em defesa de um governo legítimo. Na primavera de 48, ele voltou para o mar Adriático, e preparou-se para se opor a um desembarque cesariano, ou se lançar em uma invasão da Itália, se as circunstâncias se mostrassem favoráveis. Ele tinha nove legiões agora, depois de ter adicionado às suas forças duas unidades fracas, origináriaas da Cilí-cia, e outra formada a partir de soldados aposentados residentes nas províncias do leste, e outras duas, recentemente levantadas na Ásia Menor.

Além disso, ele esperava a chegada da Síria de Metelo Cipião com mais outras duas legiões. Um grande número de arqueiros, fundeiros e cavalaria nativos, foi montado oriundos da Grécia, de Creta, da Ásia e da Síria.

TRABALHOS DE SÍTIO EM DYRRHACHIUM

Os combates que se seguiram ao longo da costa do Adriático, ao sul de Dyrrha-chium (agora Durrës na Albânia) foram os mais fascinantes da Guerra Civil, e demonstra-ram a confiança dos homens em César e sua moral elevada (Fig. 31). Depois de algumas dificuldades na obtenção de uma passagem contra a forte frota de Pompeu, César con-seguiu colocar sete legiões em terra perto de Apollonia. Infelizmente os transportes foram interceptados na viagem de regresso, atrasando a chegada das legiões restantes sob o comando de Marco Antônio, que, eventualmente, juntou-se a ele com mais quatro legiões. Duas legiões foram imediatamente despachadas sob o comando de Domício Calvinus para evitar que Metelo Cipião fizesse contato com Pompeu e, se possível, que o derrotas-se.

Como normalmente, César assumiu a ofensiva imediatamente. Ele se interpôs en-tre Pompeu e sua base de suprimentos em Dyrrhachium (a porção ocidental da Via Egna-tia) e, estando com marcante inferioridade numérica, ele iniciou a construção de trabalhos de cerco para surpreender os pompeianos. Alguns elementos dessas linhas foram obser-vados no terreno pelo arqueólogo Hauptmann Veith. Pompeu, então, começou, imedia-tamente, a construção de contra-obras e numerosas trocas de golpes ocorreram entre os dois lados.

Em toda esta luta, não se perdeu mais do que 20 homens; mas no forte propriamen-te dito (marcado na Fig.31), cada soldado foi ferido, e quatro centuriões de uma coorte perderam seus olhos quando, desejando dar provas do seu trabalho e do perigo a que tinham sido submetidos, sofreram o acerto de cerca de 30.000 setas que foram disparadas contra o forte; e quando o escudo do centurião Scaeva foi levado a César, foram observa-dos 120 buracos nele.

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Figura 31 - Fortificações em Dyrrhachium, 48 AC (após Kromayer e Veith). Nota: o alinhamento geral das fortifi-cações foi estabelecido pelo trabalho de campo, mas a localização dos redutos individuais (marcadas aqui pelos pontos) é em grande parte hipotética

César não disse em seus contos se Scaeva ainda estava apto para o serviço ativo! Um autor, mais tarde, afirmou que ele tinha recebido vários ferimentos graves e havia perdido um olho. Pompeu, então, lançou um ataque noturno de surpresa, por mar, contra um setor inacabado, no extremo sul das fortificações cesarianas. As escaramuças que se seguiram resultaram em mais baixas entre os homens de César e, no final do dia, Pompeu foi saudado como imperator (general vitorioso) por suas tropas.

César havia interrompido sua ação assim que percebeu que a derrota parecia certa, e marchou para o interior. Inevitavelmente, Pompeu, em seguida, mostrou-se satisfeito com esta oportunidade de privar César de sua linha de comunicações para a Itália, e de forçá-lo a entrar em defensiva. Atravessando, rapidamente, as montanhas do Épiro pela passagem de Metzovo, César logo chegou às planícies do norte da Grécia, onde ele se juntou às forças de Domício Calvinus, e Pompeu com as de Cipião, de modo que os dois exércitos estavam, agora, em plena força, exceto pelas guarnições que ambos os coman-dantes haviam deixado nas cidades costeiras. César restaurou a moral de seus soldados e suas finanças, por meio da rápida captura da pequena cidade de Gomphi (agora Palaia Episkopi), que se postava ao longo da sua linha de marcha.

FARSALUS

Os dois exércitos se encontraram no vale de Enipeus, a oeste de Pharsalus (a mo-derna Farsala). O local exato da batalha é contestado, mas parece ser mais provável que Pompeu tivesse estabelecido seu acampamento na colina de Dogantzes, ao norte do rio (Fig 32), enquanto César arranjou suas tropas mais a leste.

Quando César se aproximou do acampamento de Pompeu, viu que sua linha de batalha tinha sido traçada da seguinte forma: na ala esquerda estavam as duas legiões que tinham sido entregues a Pompeu por César, em obediência a um decreto do Senado, no início da Guerra Civil. Uma delas era a Legio I e a outra a Legio III. Era ali que o próprio Pompeu estava.

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Figura 32 - A Batalha de Farsalus, 48 AC - Situação inicial

Dispositivo inicial

. Scipio estava guarnecendo o centro da linha com as legiões que ele trouxera da Síria. A legião da Cilícia, e as coortes da Espanha foram posicionadas na ala direita. Pompeu sentia que estas eram suas tropas mais confiáveis. Ele havia colocado o restante entre o centro e as duas alas. O total do exército de Pompeu era de 110 coortes. Havia, no todo, uns 45 mil homens, e cerca de 2.000 veteranos reconvocados, que haviam servido com ele em guerras anteriores, que Pompeu distribuíu ao longo da linha de batalha. As outras sete coortes disponíveis ele as tinha posicionado no acampamento e nas fortalezas próximas. Tendo um riacho com margens íngremes protegendo sua direita, ele havia esta-cionado toda a sua cavalaria, seus arqueiros e fundeiros na ala esquerda.

César, seguindo sua prática habitual, tinha colocado a Legio X na ala direita, e a Legio IX na ala esquerda, embora o seu efetivo tivesse sido gravemente reduzido pelos combates havidos em torno de Dyrrhachium. Ele colocou a Legio VIII próxima a ele, de forma a transformar uma legião em duas, e ordenou-lhes para proverem apoio mútuo. Ele tinha, assim, 80 coortes desdobradas na linha de batalha, compreendendo, no todo, cerca de 22.000 homens. Ele havia deixado duas coortes como guarda para o acampamento.

Ele próprio assumiu uma posição oposta a de Pompeu. Ao mesmo tempo, obser-vando os dispositivos de Pompeu descritos acima, e preocupado que sua ala direita pu-desse ser envolvida por uma grande massa de cavalaria, ele rapidamente retirou uma coorte da terceira linha de cada legião e formou uma quarta linha, em oposição à cavalaria

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inimiga. Ele explicou seu plano a eles, e sublinhou que a vitória nesse dia iria depender dos seus valores. Ao mesmo tempo, ele instruiu o exército principal em suas três linhas para não engajar o inimigo sem o seu comando expresso. Ele daria o sinal com uma ban-deira quando ele quisesse que eles se juntassem à batalha.

César contava com 80 coortes para a batalha (o equivalente a oito legiões) e atri-buia ao seu adversário 110 coortes (11 legiões), mas ele ignorava o fato de que Pompeu tinha deixado cerca de 22 coortes em missão de guarnição, de modo que os dois lados estavam mais equilibrados do que César falou em seus contos. A batalha desenvolveu-se como César esperava. Os dois corpos de legionários ficaram engajados em combate, en-quanto a cavalaria de Pompeu flanqueou a direita de César, parecendo que iria arregaçar sua linha; mas no momento crítico, as coortes da reserva de César caçaram a cavalaria de Pompeu pelo flanco. A terceira linha do exército principal de César então, deslocou-se para dar uma impulsão suplementar ao ataque, e uma derrota geral se seguiu. Pompeu fugiu e seu acampamento foi capturado. As táticas originais de César, aliadas ao treina-mento duro e à calma de suas tropas experientes, ganhou o dia.

VENI, VIDI VINCI

Para aborrecimento de César, Pompeu havia escapado como ele esperava, de for-ma a assegurar uma oportunidade no futuro, e seguiu, por mar, para o Egito. Na triagem das tropas que ocorreu após a batalha, os habitantes locais foram liberados e os cidadãos que serviam além do tempo normal de serviço com as forças de Pompeu foram “empaco-tados” em quatro legiões que, provavelmente, receberam os números XXXIV a XXXVII, e adidas ao exército de César. Este precisava delas como um núcleo para a defesa das províncias orientais, as guarnições que deveriam ser ressuscitadas, logo que possível. Os mais velhos veteranos das legiões foram enviados de volta para a Itália, exceto a Legio VI, que César levou com ele por mar, quando ele partiu em busca de Pompeu; uma das legiões mais jovens, a Legio XXVII, foi obrigada a seguir por terra. Na verdade, a este momento, Pompeu já estava morto: mesmo antes que ele tivesse posto os pés em terra firme, em Pelusium, no Delta do Nilo, Pompeu foi pego de surpresa em um pequeno barco e, à plena vista de sua esposa e de seus acompanhantes, Pompeu foi assassinado. Na chegada à Alexandria, César e sua pequena força viram-se envolvidos em uma luta local com o jovem faraó Ptolomeu XIII e sua irmã Cleópatra, que por um tempo ficaram sitiados em sua própria cidade.

Reforços foram trazidos e César foi finalmente capaz de restaurar a ordem, com Cleópatra instalada como governante junto com um irmão mais novo, Ptolomeu XIV. Cé-sar passou vários meses com ela, em uma ‘expedição’ rio Nilo acima. Infelizmente, este período de calmaria em sua atividade belicosa deu tempo aos seus inimigos para se rea-gruparem e, eficazmente, prolongar a guerra.

Naquele momento em que César surgiu, mais problemas apareceram: Pharnaces, um filho do grande Mithridates, esforçou-se para lucrar com o vácuo de poder existente na Ásia Menor. Após os sucessos iniciais contra os legados de César, ele foi logo varrido pelo próprio César na Batalha de Zela, perto de Amaseia, no nordeste da Turquia. Em uma carta a um amigo em Roma relatando o encontro, César demitiu seu oponente com uma brevidade quase que telegramática: veni, vidi, vinci (Vim, vi e venci), considerado um dos grandes epigramas militares da história.

Sérios problemas o aguardavam na Itália e em Roma, onde Marco Antônio tinha se

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mostrado incapaz de manter a ordem; além disso, as legiões veteranas estavam impa-cientes em serem desfeitas para poderem seus homens receber as recompensas adequa-das por seus serviços. Alguns homens já havia cumprido cerca de 12 anos sob o comando de César, tempo bem acima da norma. No entanto, César logo iria precisar de seus ve-teranos: os “cabeças-duras” republicanos que haviam se reunido na África, e angariado recursos maciços passaram a ter um poderoso aliado no rei Juba da Mauritânia. César novamente agiu com decisão, e desembarcou uma força expedicionária formada pelas cinco legiões mais jovens (XXVIII, XXX, XXIX, XXVI e, talvez, a XXV), e mais a Legio V Alaudae, uma formação já veterana.

Mas seus oponentes já estavam prontos, e César teve que pedir a ajuda de várias das legiões veteranas — identifica-se aqui as VII, VIII, IX, X, XIII e XIV. Uma fascinante visão sobre o conservadorismo das instituições militares romanas é fornecido por um in-cidente nesta campanha: César teve que interromper seu avanço para uma cerimônia de purificação em 21 de Março (46 AC), que marcaria a abertura tradicional da estação das campahas. Depois uma dura luta, os pompeianos foram derrotados em Thapsus, no litoral da Tunísia, ao sul de Sousse. No rescaldo da batalha, a maioria de seus líderes en-controu a morte. Uma única passagem serve para indicar a moral das tropas cesarianas: em resposta às provocações feitas por Labieno (que ainda servia contra César) quanto à inexperiência das legiões mais jovens, um soldado gritou-lhe: “Eu não sou nenhum recruta inexperiente, Labieno. mas um veterano da Legio X”’.

Labieno respondeu: “Eu não reconheço os estandartes da Legio X”’. Em seguida, o soldado disse: “Você vai, em breve, ficar ciente do tipo de homem que eu sou “. O legio-nário, então, tirou seu elmo, de modo que Labieno pudesse ver quem ele era, e apontou seu javelin na direção de Labieno, atirando-o com toda a força. A arma atingiu duramente o peito do cavalo de Labieno e o legionário disse: “Isso vai mostrar a você, Labieno, que foi um homem da Legio X que o atacou”. Nesta ocasião, a Legio V Alaudae ganhou o emblema de um elefante de forma permanente, em face de suas façanhas na batalha final. Alguns de seus membros, e, provavelmente, outros veteranos, foram dispensados, e começaram uma vida nova na África, em uma das pequenas colônias que, rapidamente, foram estabelecidas por César, às margens da Península do Cabo Bon.

TRIUNFO E CONSEQUÊNCIAS

Um triunfo quádruplo (Gália, Egito, Pharnaces e Juba da Mauritânia) marcou o mo-mento supremo de César em seu retorno a Roma. Imagens e cenas pintadas nas paredes da cidade representavam os incidentes nas guerras; os cativos foram levados por trás de sua biga; os soldados cantavam canções obscenas em alusão tópica aos ricos. Um dos prisioneiros era Vercingetorix, que foi mantido preso até que, posteriormente, foi estrangu-lado, conforme a antiga tradição romana.

Todas as legiões veteranas, com exceção, provavelmente, da Legio V Alaudae (a mais jovem do grupo), foram, então, lançadas às terras da Itália, a eles prometidas, ou no sul da França, que alguns, presumivelmente, lembrariam com carinho depois de muitos anos de serviço. A Legio VI foi estabelecida em Arelate, e a Legio X em Narbo, a capital provincial. Titus Claudius Nero, pai do futuro imperador Tibério, ajudou a supervisionar o trabalho. Outra legião pode ter sido criada na Gália (perfazendo três ao todo), mas sua colônia não foi identificada.

Dentro da Itália, a Legio VII foi assentada perto de Capua, na pequena cidade de

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Calatia, e preparações (não terminadas em razão da morte de César) foram feitas para a Legio VIII, nas vizinhanças de Casilinum. Muitos outros veteranos foram assentados em grupos menores em toda a Itália; Alguns desses assentamentos puderam ser identifica-dos.

Mas mais uma rodada de combates permaneceu na Espanha, onde os últimos re-manescentes em apoio a Pompeu tinham se reunido em volta de seus dois filhos, Gnaeus e Sexto. A má gestão havida na Espanha, depois de 49, pelos indicados por César, alimen-tou o mal-estar dos cidadãos romanos e nativos, igualmente. César, então, levou a Legio V Alaudae e algumas das legiões mais jovens, incluindo a Legio III (e quase certamente, mais tarde, a Legio III Gallica) para a Espanha, e parece ter desviado os veteranos da Legio VI e da Legio X, que deveriam estar a caminho de suas colônias em Arelate e Narbo, que ainda não haviam se estabelecido. A batalha final, havida em Munda, nas pro-ximidades de Osuna, no sul da Espanha, foi acirrada, mas os veteranos, mesmo poucos em número, mas com uma honra resplandecente, mais uma vez ganharam o dia.

xxxAs escavações feitas em Osuna, no início do Século XX revelaram não somente relevos de guerreiros ibéricos e armas daquele período, mas também legionários romanos e muitos trabalhos em ferro, incluindo-se javelins, um achado muito útil para se estudar a evolução daquela arma; foram encontradas, também, “balas” de pedra lançadas sobre os defensores da cidade pelos artilheiros romanos. Gnaeus Pompeus foi morto, mas seu irmão Sextus conseguiu escapar, para causar problemas mais tarde.

OS IDOS DE MARÇO

Muitas reformas importantes sobre a constituição, o governo local, finanças e eco-nomia já estavam sendo implantadas em Roma, momento em que César retornou.

Mas César já tinha em mente mais uma campanha, desta vez no Oriente, para vingar seu ex-parceiro Crasso, e para recuperar as águias legionárias perdidas na grande derrota em Carrhae. Ele pode ter ficado em uma posição um pouco mais desconfortável em face da sua própria posição anômala dentro da Constituição. As legiões das guarni-ções existentes na Macedônia e na Síria receberam ordens para se juntarem à expedição. Pode-se citar algumas: as Legio II e IIII (da série consular de César em 48), e uma legião entitulada Martia (seu numeral ainda não é conhecido), e a Legio XXXV (composta de ex-pompeianos) na Macedônia.

Dentre aquelas da Síria e das províncias orientais identifica-se a Legio XXVII (que tinha sido deixado no Egito em 47) e outras duas legiões pompeianas: as Legio XXXVI e XXXVII. Sem dúvida, as tropas auxiliares da Gália e da Alemanha também foram chama-das para acompanhá-lo, juntamente com uma força composta dos príncipes clientes do Oriente. Mas a campanha projetada nunca aconteceu.

Menos de seis meses após Munda, César jazia morto ao pé de uma estátua de Pompeu — o Senado estava reunido em um prédio que ele tinha construído — após te sido atacado por seus colegas senadores, sob as lideranças de Brutus e de Cassius, e com 23 ferimentos que, mais tarde, foram contadas em seu corpo. Em parte pelo menos, ele tinha sido uma vítima do seu próprio sucesso.

O assassinato tomou de surpresa a cidade, o povo, e o exército. Mas os conspira-dores, tão bem sucedidos no planejamento e na execução do ato, não haviam dado muita atenção às consequências do seu sucesso. Eles esperavam que houvesse um retorno à normalidade da vida política quando o ato fosse consumado, mas não demorou muito

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para que o temperamento do povo da cidade e dos veteranos se apresentasse. O parcei-ro de César como cônsul, Marco Antônio, invocou uma ação inconstitucional, que havia sido esquecida pelos algozes de Cesar e, com isso, foram confirmadas todas posições e estruturas de governo.

O ADVENTO DE OTÁVIANO

Mas para aqueles que haviam suposto que o próprio César poderia ser tão facil-mente relegado ao esquecimento, houve um despertar rude. Por um lado Antônio parecia ter conseguido neutralizado os Libertadores (como Brutus, Cassius, e seus co-conspira-dores, se auto-denominaram), mas por outro, logo se descobriria uma ameaça de uma fonte inesperada. A noticia da morte de César havia causado uma enorme comoção nas tropas do exército que se encontravam em campanha na Apollonia, onde se encontrava um jovem sobrinho-neto de César, Gaius Octavius, seu parente mais próximo. Quando houve a leitura do testamento deixado por César, tornou-se público que ele havia adotado o jovem Otávio. O herdeiro de César, então, tornou-se Caio Júlio César Octavianus (Oc-tavian = Otaviano).

Apesar dos pedidos fundamentados de parentes e assessores maduros, Octavian resolveu proceder para Roma e reclamar a herança. O aceno do destino não podia ser esperado duas vezes. Desembarcando em Brundisium (Brindisi) ele seguiu para o norte através da Via Appia, em direção a Capua e Roma, onde foi recebido por multidões em êxtase — entre eles os legionários veteranos de seu pai adotivo — nas cidades ou perto de seu itinerário.

Por ocasião da sua chegada em Roma, Octavian foi tratado com algum desdém por Marco Antônio, que se recusou a lhe entregar tanto os títulos de ditador (que ele tinha adulterado) como a fortuna da família (em que ele já havia mergulhado seus dedos). Octa-vian, então, passou a enfatizar suas ligações com César, a fim de colocar Antônio em uma posição ruim por ter colaborado com os Libertadores. Cícero também tinha esperanças que Ocaviano iria se mostrar um fenômeno temporário, que dificilmente mudaria o ritmo dos políticos de Roma. Em um epigrama memorável, ele denegriu Octavian como um jovem para ser “elogiado, exaltado, e desafiado” (“laudandum, ornandum et tollendum”), Disso Octavian lembrava-se bem.

Em junho daquele ano, como parte de uma reorganização de comandos provinciais, além de se acomodar Brutus e Cassius, agora no exílio a leste do Adriático, em missões quase-diplomáticas, a Antônio foi atribuída a antiga província de César, a Gália Cisalpina (ao invés da Macedônia anteriormente já atribuída a ele), a porta de entrada para o norte da Itália, ocasião em que lhe foram transferidas seis legiões da guarnição macedônia. Destas, de fato, quatro foram finalmente transportadas através do mar Adriático (Legios II, IIII, Martia e XXXV); Antônio viajou para Brundisium para cumprimentá-los, e para organi-zar os detalhes de sua marcha para o norte para a sua nova posição.

Enquanto ele estava preocupado com essa mudança, Octavian sentiu uma oportu-nidade para fortalecer sua própria posição: ele seguiu para a Campania, e persuadiu mais de 3.000 dos veteranos das antigas legiões de César, as Legio VII e VIII, apelando pela sua memória e por meio de um suborno aberto, para retornarem com ele para Roma. No entanto, ele tinha sido pouco honesto para estar pronto para uma confrontação com Antô-nio e, além disso, os veteranos estavam mais preocupados em vingar a morte de César.

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Octavian foi, então, forçado a se retirar para o norte, para a Etruria, com os restos escassos de fiéis em suas forças, ainda com os numerais cesaerianos VII e VIII. Subi-tamente, ele recebeu uma decisiva impulsão por parte de duas das legiões de Marco Antônio, que marchavam para o norte, ao longo da costa do Adriático. Octavian, então, virou-se para o oeste ao longo da Via Valeria em direção a Roma, e assumiu posição na fortaleza-colônia de Alba Fucens perto de Avezzano, cerca de 100 km a leste da capital. Ambas as legiões — IIII e Martia — estiveram em Apollonia durante a estada de Octavian; ele talvez tivesse feito sua lição de casa bem, mas a diferença entre o sucesso e a elimi-nação política havia sido pequena.

A GUERRA NO NORTE

Antônio, depois de tentar, sem sucesso, convencê-los a reverter sua decisão, re-solveu apressar-se para o norte, para a Cisalpina, com as duas legiões restantes, e mais a Legio V Alaudae que ainda estava em suas mãos na Itália. O então governador da Ci-salpina, Decimus Brutus (um dos Libertadores) era conhecido por sua intenção de resistir a Antônio, que sentiu sua base de poder militar enfraquecer. O Senado, em uma notável reviravolta, investiu Octavian com os poderes de um pretor, para cooperar com os novos cônsules de 43, Hirtius e Pansa (ambos ex legados de César na Gália), e com Decimus Brutus, para eliminar Antônio. O próprio Brutus havia se retirado para a antiga colônia romana de Módena (Modena) na linha da Via Emília, 25 milhas a noroeste de Bolonha. Hirtius apressou-se em direção ao norte, com Octavian e suas legiões nominalmente sob seu controle, enquanto Pansa levantava tropas adicionais na Itália central. Os eventos ocorreram rapidamente: os dois lados entraram em confronto em Fórum Gallorum (agora Castelfranco), uma vila de sete milhas ao sudeste de Módena (Ver fig 34).

Antônio lançou um ataque diversionário sobre o acampamento de Hirtius e, então, envolveu a principal força senatorial, na tentativa de pegar Pansa e seus recrutas que vinham do sul, antes que eles fizessem contato com Hirtius e Octavian. Um relato vívido da batalha sobrevive em uma carta (quase que um relatório de um correspondente de guerra), escrita para o orador Cícero no dia seguinte, por seu amigo Sulpício Galba, que servia como legado para o cônsul Hirtius.

“Em 14 de abril, o dia em que Pansa deveria alcançar o acampamento de Hirtius, eu estava com ele porque eu tinha sido enviado à frente cem milhas para fazer contato com ele e apressar a sua chegada. Naquele dia Antônio colocou em batalha as Legio II e XXXV, e mais duas coortes pretorianas, uma das quais era da sua própria segurança — a outra pertencia a Silanus — e alguma parte dos veteranos reconvocados. Ele veio ao nosso encontro, porque ele achava que tínhamos apenas as quatro legiões de recrutas. Mas, na calada da noite, para tornar a nossa chegada ao acampamento em segurança e menos arriscada, Hirtius tinha enviado a Legio Martia — além das que mantinha sob comando — e duas coortes prtetorians para nós. Quando a cavalaria de Antônio fez sua aparição, nem a Legio Martia nem os pretorianos puderam ser mantidos em cheque; fomos obrigados a seguir depois deles, ficando impossibiblitados de detê-los. Antônio estava mantendo sua força principal em Forum Gallorum, e queria esconder o fato de que ele tinha legiões pre-sentes; ele somente nos deixou ver sua cavalaria e suas tropas levemente armadas. De-pois que Pansa viu que a legião estava avançando sem ordens, ele instruiu duas legiões de recrutas para segui-lo. Depois de termos atravessado uma estreita faixa de pântano e

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uma floresta, formamos uma linha com 12 coortes de comprimento. As duas legiões (dos recrutas) ainda não haviam aparecido em cena. De repente, Antônio trouxe suas duas legiões para fora da aldeia, já em linha de batalha e, imediatamente, carregou. No início, a luta foi tão intensa que nenhum lado aguenbtava lutar mais; mesmo assim, a ala direita, onde eu estava estacionado com oito coortes da Legio Martia, repeliu a Legio XXXV de Antony em sua primeira investida, em face do que ela se moveu mais de 500 passos para além de sua posição original.

Assim, quando a cavalaria de Antônio parecia estar superando nossa ala, comecei a retrair e a colocar nossas tropas levemente armadas para a batalha contra os cavalos mouros inimigos, para impedi-los de atacar nossa retaguarda. Entretanto, eu vi que eu estava entre as tropas de Antônio, e que o próprio Antônio encontrava-se, de alguma ma-neira, atrás de mim. Imediatamente, lançando longe meu escudo, eu galopei na direção de uma legião de recrutas que estava chegando ao nosso acampamento. Os antonianos me perseguiram. Nossas tropas pareceram ter perdido seus javelinas; por um acaso eu fui salvo por causa de um rápido reconhecimento pelos nossos próprios homens.

Na própria estrada principal, onde a coorte pretoriana de César (ou seja, de Octa-vian) se encontrava, a luta durou muito tempo. A ala esquerda, que era a mais fraca (tinha, apenas, duas coortes da Martia e uma coorte pretoriana), começou a recuar, porque ela estava sendo cercada pela cavalaria, no que Antônio era extremamente forte. Quando to-das as nossas formações tinham se retirado, comecei a recuar, como último de todos, em direção ao nosso acampamento. Antônio, pensando que tinha ganhado o dia, acreditou que ele agora poderia tomar o nosso acampamento, mas quando ele chegou lá, ele per-deu um grande número de homens sem conseguir nada. Hirtius, entendendo o que tinha acontecido, e tomando 20 coortes veteranas (ou seja, as duas legiões IIII e VII) caiu sobre Antônio quando ele estava retornando para seu acampamento.

Ele destruiu todas as forças de Antônio e o afugentou para o mesmo lugar onde a batalha principal tinha sido travada, no Fórum Gallorum. Por volta das 22:00 hs, Antônio voltou para o seu próprio acampamento em Módena, apenas com a sua cavalaria intacta. Hirtius, então, procedeu para o acampamento onde as duas outras legiões de Pansa (que não estiveram envolvidas na batalha) tinham sofrido um ataque de Antônio. Com isso, Antônio perdeu a maior parte de suas forças experientes

Isto, porém, não foi possível sem algumas perdas em nossas coortes pretorianas e na Legio Martia. Duas águias e 60 estandartes, todas de Antônio, foram trazidos de volta. Um belo trunfo de batalha! Escrito no acampamaento em 15 de abril”.

Galba tinha servido durante vários anos com César, na Gália, como legado, razão pela qual ele foi capaz de relatar esses eventos de forma bastante desapaixonada, apesar do fato de que, agora, uma legião estava lutando contra outra legião. O historiador Appian, escrevendo no século II DC, mas usando como sua fonte alguém que pode ter sido outra testemunha ocular, apresenta um quadro mais arrepiante:

“Porque elas eram tropas experientes, não podiam se aterrorizar com as outras, nem quando a luta estivesse em andamento, quando eles poderiam proferir apenas um único som: como vencedores ou como vencidos. Quando não pudessem mais nem su-perar os pântanos e as valas, onde eles deveriam manter-se juntos; e uma vez que nem pudessem mais empurrar o outro para trás, eles teriam de se engajar com suas espadas, como em uma “luta-livre”. No golpe não poderiam falhar. Havia feridos e mortos, mas não

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havia gritos, apenas gemidos; os homens que caíssem eram imediatamente evacuados e outros tomavam seus lugares. Eles não tinham nenhuma necessidade de admoestação ou de incentivo, uma vez que cada qual, em virtude de sua experiência, atuava como seu próprio general. E quando eles se cansassem, eles se afastavam um do outro por um breve espaço para recuperar o fôlego, assim como nas competições de ginástica e, em seguida, corriam novamente em direção ao outro. A perplexidade tomava conta das tropas recém-alistadas que tinham vindo para o combate, quando eles viam essas obras feitas com tal precisão e tal silêncio”.

Antônio foi conduzido de volta para Módena, mas Pansa tinha sido mortalmente ferido, e morreu logo depois. Poucos dias depois, um segundo encontro teve lugar, fora de Módena.

Antônio foi novamente vencido, mas Hirtius foi morto, permitindo, assim, que Oc-tavian assumisse o comando informal de todo o exército senatorial. Decimus Brutus foi libertado do cerco, mas tendo sido esnobado por Octavian logo depois, ele esforçou-se para tomar o seu caminho para o Oriente através da Dalmácia, onde foi preso e morto mais tarde.

. Antônio, entretanto, ainda com sua favorita Legio V Alaudae intacta, e os rema-nescentes da Legios II e XXXV, retirou-se para o oeste, para fazer contato com Emílio Lépidus, procônsul da Transalpina e da Espanha Próxima, e com Munatius Plancus, pro-cônsul da Gallia Comata — as amplas áreas recém-adicionadas aos domínior romanor por César. Ambos os governadores e mais Asínius Pollio, da Espanha Distante tinham estado a levantar tropas frescas e a reconvocar veteranos, na expectativa de novos combates. Lépius, em particular, foi capaz de reformar a velha Legio VI de César em sua colônia de Arelate, e a Legio X, em Narbo.

Fig 34 – Lutas no entorno de Mutina, 43 AC. Detalhe: um plano da batalha de Fórum Gallorum, Notas: m = legio Martia: p = Cohoorte Pretoriana; fg = Forum Gallorum

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O SEGUNDO TRIUNVIRATO

Apesar de haver em Roma uma expectativa de que os procônsules, especialmente Plancus, iriam se declarar no Senado e resistir a Marco Antônio, de fato (e para a gran-de decepção de Cícero), eles rapidamente se juntaram a ele, guindando-o, inclusive, ao comando-geral das tropas; Octavian respondeu marchando sobre Roma, para garantir sua eleição a cônsul. Conseguido isso, ele retornou ao norte, para uma conferência com Antônio, que foi realizada em outubro de 43, em uma ilha em um rio perto de Bolonha, tendo Lepidus como um árbitro conveniente. Esta “cimeira” resultou em um pacto formal que ficou conhecido na história como Segundo Triunvirato, através do qual os três homens formaram uma comissão, com um mandato vago, mas com o propósito alarmante de “re-gular o Estado”, substituindo de forma eficaz os órgãos regulares do governo. Os seus inimigos declarados, incluindo-se Cicero, sem demora se debruçaram na principal tarefa de elimnar Brutus e Cassius, que naquele momento controlavam todo o território romano a leste do Adriático.

Um exército com 22 legiões foi preparado, sob a liderança conjunta de Antônio e Octavian, e que incluia todas os reconvocados das antigas legiões cesarianas. Durante o verão de 42 ele foi transportado através do mar Adriático e da Dalmácia, e os dois líderes avançaram ao longo da Via Egnatia para a antiga cidade de Filipos. Enquanto isso Brutus e Cassius, movendo-se para oeste, a partir dos Dardanelos, ao longo da mesma estrada, fizeram recuar algumas legiões enviadas à frente do exército triunviral principal, e assu-miram uma posição abaixo de Filipos, em colinas baixas de ambos os lados da própria Via Egnatia. Nessa posição, eles poderiam manter contato com sua frota em Neapolis (Kavala) e aguardar o reforço dos reis-clientes do Oriente. Entre os dois exércitos, apenas uma legião do lado triumviral (a Legio IIII) é citada como participante pelas fontes literárias, mas muitas outras poderiam estar presentes, tais como as Legio VI, VII, VIII, X Equestris e, talvez, também a XII, e (entre as legiões mais jovens) a Legio III (que agora ou mais tarde recebeu o título Gallica), e, provavelmente, as Legio XXVI, XXVIII, XXIX e XXX (todas as que participaram nos esquemas de assentamento de terras que se seguiram à batalha).

Entre as 17 ou mais legiões que lutaramm com os libertadores, pode-se assumir que tratavam-se, em sua maior parte, das ex-guarnições do Leste — legiões que por aci-dente, ou por terem sido estacionadas por César naquelas paragens, após Farsalus, ago-ra se encontravam no lado oposto de seus vingadores; aqui pode-se citar, com certeza, as Legio XXVII, XXXVI e XXXVII e, provavelmente, assumir outras, como as Legio XXXI e XXXIII. Suas fileiras tinham sido preenchidas por recrutamento com muitos não-romanos e, para encontrar oficiais adequado,s Brutus tinha apelado para jovens romanos que ha-viam passsado um ou dois mandatos na “universidade” em Atenas — inclusive o filho de Cícero, e do futuro poeta Horácio, que iriam lutar e fugir na batalha que se seguiu.

PHILIPPI (FILIPOS)

Assim, os dois exércitos se confrontaram ao longo da Via Egnatia (Fig. 35). O acampamento dos triúnviros foram montados na própria estrada, com uma muralha e um fosso que se estendiam para o sul, na borda dos pântanos que ladeavam as duas linhas de batalha, para evitar qualquer movimento de cerco. Como nas batalhas anteriores, em Pharsalus e Forum Gallorum, este também seria um encontro entre forças treinadas, com todos os conhecimentos que as gerações de experiência na guerra Mediterrâneo puderam

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Fig 35 A Batalha de Philippi, 42 AC

ensinar. Não poderia haver nenhuma expectativa de vitória fácil, ou de favorecimentos do lado oponente.

Mas a experiência extra e o élan dos veteranos de César poderiam vir a ser cruciais. Antônio, que assumiu a direção das forças triunvirais — Octavian encontrava-se, repeti-damente, em situação de indisposição — organizou suas forças e se preparaou para o combate, mas Brutus e Cassius se recusaram a ela. Em uma manobra ousada, tipicamen-te cesariana, Antônio tentou envolver a posição dos Libertadores, cortando um caminho para o sul e para o leste através dos pântanos, e estabelecendo pontões. Mas a sorte de César não sorriu para Antônio, e os infiltrados foram interceptados quando a intenção des-te foi descoberta. Estes encontros levaram a uma batalha geral, em que Brutus (no lado direito do ataque dos Libertadores) foi vitorioso sobre Octavian e capturou o acampamento principal do oponente. Mas Antônio (à direita dos triúnviros) tinha sido bem sucedido em conduzir Crassus de volta, que, por sua vez, entrou no campo de batalha.

Mas o suicídio pouco prematuro de Cassus levou ao fim o que era para ter sido, de fato, um impasse. Seguiu-se uma calmaria de quase três semanas, durante a qual Antônio conseguiu, gradualmente, cercar Brutus, por meio de “saltos-de-sapos” empregando suas forças ao longo do flanco sul do adversário, e mudando a direção da ameaça de 90°. Bru-tus estendeu suas próprias linhas para evitar o cerco, e finalmente foi instigado a oferecer o combate. Mas ele foi levado de volta para suas próprias fortificações e suas legiões se desintegraram. Brutus também tirou a própria vida.

Quando o exército dos Libertadores foi vencido, cerca de 14.000 homens foram incorporados ao exército vitorioso, que foi, então, reconstituído. Os antigos veteranos de César foram dispensados e enviados para a Itália, juntamente com os membros recentes das legiões mais jovens criadas em 49-48, que tinham lutado com eles do lado dos triún-viros.

No entanto, permaneceram homens suficientes para preencher os efetivos de 11 legiões, que foram organizadas em torno de quadros formados por alguns dos mais an-tigos legionários fiéis aos triúnviros. Dos homens dispensados pelo tempo de serviço, e destinados para a Itália, cerca de 8.000 ofereceram-se para continuar em serviço, e vie-ram a formar coortes pretorianas, que foram divididas, igualmente, entre os dois triúnviros

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presentes. A cidade de Filipos tornou-se uma colônia romana, como Iulia Victrix Philippi. Uma inscrição relata sobre um veterano da Legio XXVIII que lá se estabeleceu, e moedas indicam a presença de membros das antigas coortes pretorianas, agora divulgadas.

Em uma reunião para decidir tarefas novas, Antônio afirmou ser o dever mais pres-tigiado de então, a reorganização do Oriente, e a finalização da campanha contra a Pártia, conforme planejado por César. Para este fim, Antônio reteve oito das legiões reconstituí-das. Entre elas, podemos identificar a Legio VI (agora Ferrata), a X Equestris, a III Gallica, a V Alaudae e, talvez, a Legio XII (mais tarde Fulminata) e outras que seriam reunidas, novamente. Octavian voltou para a Itália com apenas três legiões: a VII e a VIII, as antigas unidades criadas por César, e que ele havia arregimentado para o seu lado na Campâ-nia, em 44, e a Legio IIII (provavelmente agora com o título Macedonica), uma das duas legiões que tinham desertado de Antônio para ele, no ano anterior. Antônio, por sua parte, ficou provavelmente contente de se livrar delas: a Legio IIII em particular, mesmo que re-constituída, seria um anátema para ele. A outra que havia desertado foi a Legio Martia que, sem dúvida, também tinha sido retida por Octavian, mas que, pela crueldade do destino, tinha sido interceptada durante a travessia do Adriático, alegadamente, no próprio dia da primeira batalha de Filipos, ocasião em que seu pessoal foi quase que totalmente destru-ído, juntamente com as próprias coortes pretorianos de Octavian.

Ao voltar para a Itália, a tarefa urgente de Octavian foi providenciar a dispensa dos veteranos por tempo de serviço; as generosas promessas feitas antes da campanha exi-giam, agora, seu cumprimento. As recompensas já haviam sido dadas a conhecer antes de a Força-Tarefa ter partido para a Grécia, causando uma onda de repulsa: 18 cidades ‘famosas por sua prosperidade, pela excelência de suas terras e propriedades tinham sido destinadas a fornecer os loteamentos necessários, e suas populações alí assentadas tiveram de abandoná-las. Os veteranos, alguns 40.000 no total (incluindos os veteranos de César, muitos dos quais já haviam recebido um lote fresco de terra) foram beneficiados com cada homem recebendo até 40 iugera (25 hectares), o suficiente para si e sua família. A má vontade das pessoas caiu sobre Octavian, mas este persistiu, o seu programa por seis meses, de forma a assegurar para o futuro a lealdade dos veteranos e de seu próprio exército, que poderia pretender recompensas semelhantes no devido tempo.

A maioria das novas colônias pode ser identificada: o historiador Apian nomeia 5 delas (Capua, Beneventum, Nuceria, Venusia e Ariminum). Outras referências literárias nos permitem adicionar Bolonha e Ancona. Os sofrimentos do poeta Virgílio cuja família perdeu sua propriedade em Mântua nos permitirá adicionar as proximidades de Cremo-na, enquanto a família do poeta Propertius havia perdido terreno em Assis, quando os veteranos invadiram aquela colônia em Hispellum. A evidência das inscrições acrescenta Luca, onde os veteranos da Legio XXVI foram dispensdas ao lado das velhas Legio VII e VIII de César e, uma vez reconstituída por Octavian foi estabelecida em Teanum onde um de seus veteranos é conhecido: um homem que tinha servido na Legio VIII Mutinensis; este epíteto provavelmente deve ser proveniente da participação da legião na batalha em Módena (Modena), em 43.

Outras colônias daquele tempo parece provável que tenham sido as de Asculum, Tergeste, Hadria (onde um soldado ou tribuno da Legio XXIX foi identificado), e Aquinum que teve um colono da Legio III (talvez a, mais tarde, Legio III Gallica).

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A GUERRA DA PERÚSIA

Enquanto Otaviano (Octavian) estava empenhado em resolver os problemas dos veteranos impacientes, sem alienar totalmente o restante da população, um “espinho fres-co” apareceu, na forma da mulher de Antônio, Fulvia, e seu irmão mais novo Lucius An-tonius, agora cônsul para 41, com um exército de 6 legiões recém-levantadas, à sua dis-posição. Ambos passaram a defender a causa dos “sem terra”, e a colocar obstáculos no caminho de Otaviano. As guerra de palavras iniciais logo se transformaram em pequenas escaramuças, e, em seguida, em um conflito aberto. Primeiro, Lucius ocupou Roma, mas foi forçado a se retirar, em face da aproximação de Otaviano. Eventualmente, ele buscou refúgio na cidade velha de Perusia (Perugia), localizada em um cume na extremidade no-roeste da grande planície da Úmbria. Aqui ele planejava apelar para a população local e para alguns expulsos de suas terras pelos colonos na vizinha Hispellum, enquanto espera-va pelos substanciais reforços das forças de Antônio — sob o comando de Asinius Pollio e Ventidius Bassus — para, então, marchar a partir da Gália Cisalpina, para seu alívio. Seus cálculos, no entanto, se extraviaram. Otaviano, então, o cercou e o sitiou, além de fechar as estradas que demandavam o norte para evitar forças de socorro.

Apiano apresenta-nos um relato detalhado sobre o evento. A primeira ação de Otaviano foi a de construir uma paliçada e cavar uma vala em volta da cidade, numa dis-tância de 56 estádios (sete milhas / 11 kms), e a de estender esses trabalhos até alcançar o próprio Tibre, para evitar que o abastecimento dos alimentos ou reforços fossem feitos pelo rio. Em seguida ele, rapidamente, aumentou a resistência das fortificações e dobrou a profundidade e a largura de sua vala de modo que ela ficou com 30 pés de largura e 30 pés de profundidade. Ele também aumentou a altura de sua muralha e construiu 1.500 torres de madeira ao longo dela, em intervalos de 60 pés. Foram também construindas fortalezas diversas e outros tipo de entrincheiramento. As linhas faziam face para dentro e para fora, de forma a evitar trabalhos de sítio e ataques vindos de fora.

O comprimento total das obras coadunava-se ao perímetro determinado pelas li-nhas de cristas e colinas que dominavam as cercanias. Nos dias claros de inverno (havia, regularmente, uma névoa no verão) os baluartes de Otaviano e suas tropas podiam ser vistos da cidade, mesmo ao rés do chão. Não há vestígios destas fortificações (informa-ções do professor Filippo Coarelli da Universidade de Perugia).

Na verdade, o apoio de Pollio e Ventidius — e de Munatius Plancus, que se juntou a eles no sul com duas legiões (provavelmente da colônia de Beneventumem com que ele se encontrava, então, envolvido na sua fundação) — foi insípido, em razão da ausência de uma diretiva específica do próprio Antônio e, portanto, aqueles oficiais se recusaram a forçar uma passagem, deixando Lucius à mercê de Otaviano. Após uma luta feroz (vi-vidamente relacionada por Apiano) e de tentativas frustradas de se retirar e agravad,a ainda, pela fome que minava a moral e a força do seu exército, Lucius, sensatamente, se rendeu. Ele viu-se abandonado e seu exército foi disperso, mas a ira de Otaviano, surpre-endentemente, caiu sobre os magistrados e conselheiros da cidade de Perusia, que foram executados. A cidade foi então incendiada, se acidentalmente, ou voluntariamente, isso nã ficou definido.

Uma visão inesperada e quase única para o combate rondou Perusia, e a guerra travada por ambos os lados, ficou evidenciada pela sobrevivência de um número subs-tancial de balas de chumbo de fundas, com inscrições dos nomes das legiões, e de seus oficiais e comandantes. A coleção de balas existente no museu arqueológico de Perugia,

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possui cerca de 80 dessas peças. Tais balas, medem, em média, 40 milímetros de com-primento e 10 a 15 mm de diâmetro, afiladas em ambas as extremidades. Devem ter sido produzidas aos milhões, e eram um complemento normal ao arsenal militar daquele tempo. Talvez, muitas das balas encontradas em Perugia tenham sido fabricadas durante o cerco, assim como suas mensagens breves, impressas nos moldes em que as balas de chumbo foram feitas. Ambos os lados no cerco fizeram uso de tais projéteis, mas nem sempre elas podem ser distinguidas.

Vale mencionar as legiões cujos membros presumivelmente lançaram tais projetis. Muitas podem ser identificadas, a partir da presença de um emblema de raio, atribuído pelo legado de Otaviano, Salvidienus, que foi quem dirigiu o cerco e, assim, chega-se a um resumo das suas forças: as Legio IIII, VI, XI e XII (uma bala dava-lhe o epíteto de Victrix) e outras, menos caracterizadas, a saber as Legio VIII e XIX. Outras poucas ba-las citam os nomes dos centuriões ou tribunos, talvez aqueles a quem fora atribuída a responsabilidade da produção dos mísseis. Dessa forma, chegamos ao nme de Scaeva, centurião-chefe da Legio XII. (talvez o mesmo centurião valente mencionado por César).

da Legio XII. (talvez o mesmo centurião valente mencionado por César).Além disso, algumas balas exibem abreviadas frases, denegrindo os líderes das

facções opostas, ressaltando seus defeitos físicos (por exemplo, a calvície de Lucius), duvidando de sua virilidade, e encarando-os como sendo voltados diretamente para os protagonistas dos combates: Otaviano, Lucius e Fulvia, para atacá-los em partes parti-cularmente embaraçosas ou de defeitos da anatomia masculina ou feminina. As balas provenientes do lado cesariano enfatizam as ligações entre César e Otaviano dando-lhes o título formal de “Caesar Imperator”. Do outro lado, as balas disparadas de fora sobre a cidade sitiada negam a legitimidade de Otaviano e a conexão cesariana. Um número grande é indecifrável, mas algumas delas são quase certamente obscenas. Em geral, re-cordam as cantigas obscenas berradas pelas tropas de César em seu Triunfo, e refletem a linguagem dos soldados de todas as idades

DA GUERRA DA PERÚSIA PARA ACTIUM

Com a conclusão das hostilidades, Otaviano virou-se para a reparação da prospe-ridade da Itália e a restauração da sua moral entre a sua população. O lugar-tenente de Antônio, Ventidius, realizou uma bem-sucedida campanha contra os partos e voltou para casa para comemorar um triunfo em 38, mas o próprio Antônio foi expulso da Armênia com grande perdas, apenas aliviado pelo brilho de sua retirada estratégica. Seus repetidos apelos a Otaviano para ter acesso ao fértil territorio italiano de recrutamento ou eram di-versionados ou ignorados. O próprio Otaviano, após um começo incerto, começou a se vi-rar contra Sextus Pompeius, ainda em liberdade na região do Mediterrâneo. Seu lugar-te-nente Agripa conseguiu derrotar as forças navais de Sextus Pompeius em duas batalhas ao largo da costa nordeste da Sicília em 36. Alguns dos legionários de Sextus Pompeius tinham sido incorporados ao exército de Otaviano, e muitos homens que já haviam servido o tempo legal foram liberados, depois de um motim havido próximo a Messina. Lépido, que tinha estado em um exílio virtual, como procônsul no norte de África, e que tinha ajudado Otaviano, ao enviar forças para a costa oeste da Sicília, foi forçado a se aposentar.

As relações entre os dois triúnviros remanescentes continuou a se deteriorar, e o próprio Antônio achou-se incrivelmente isolado, denegrido e deturpado. Sua ligação com Cleópatra tornou-se de conhecimento comum e tal fato foi amplamente explorado para

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seu descrédito pessoal.Otaviano, entretanto, continuou a ganhar aplausos por suas bem-sucedidas cam-

panhas menores na Ilíria, sempre enfatizando a regularidade e a legitimidade de seu go-verno, em detrimento de Antônio. Finalmente, Antônio foi empurrado para uma posição diplomática intolerável e, de má vontade, encontrou-se em guerra, repudiado por Otaviano e por uma parte compatível do Senado. No entanto, não lhe faltavam amigos, que viam nele um sucessor digno de César, mais que o calculista Otaviano, e arriscaram tudo para segui-lo.

As atividades detalhadas dos exércitos de Otaviano e Antônio na década entre a Guerra de Perúsia e a eclosão da guerra entre eles, não estão bem informadas. Apiano nomeia a Legio XIII entre as forças de Otaviano que estavam no sul da Itália em 36, e também relata a Legio I como formando uma guarnição temporária em Puteoli (Pozzuoli, na baía de Nápoles). Caso contrário, podemos ver, no epíteto Fretensis a menção de uma Legio X guarnecendo o Fretum Siculum isto é, o canal existente entre a Itália e a Sicília, como também a cena de vários encontros entre os navios de Otaviano e os de Sextus Pompeius em 38-36. Talvez esta Legio X estivesse servindo a bordo de embarcações, como um legio classica.

Por outro lado, sabemos um pouco mais sobre as legiões de Marco Antônio. Tácito, em sua descrição de uma batalha em 69 DC refere-se, por acaso, à participação da Legio III Gallica com Antònio na Guerra Parta. A moeda comemorativa, emitida durante a Guerra Parta do imperador Lucius Verus, em 166 DC, nomeia a Legio VI Ferrata, aparentemente aludindo ao bicentenário da sua participação na campanha similar de Antonio.

Outras moedas comemorativas enumeram as Legio I a XXX, mas os estudiosos duvidam, seriamente, da genuinidade daqueles numerais acima de XXVIII. Além disso, denarii conhecidas registram a existência das cohortes praetoriae e das cohors specula-torum, evidentemente forças de elite interiores e de guarda pessoal do Imperador. Outras moedas referem-se às Legio XII Antiqua, Legio XVII Classica e Legio XVIII Libyca. O epíteto Antiqua indica uma legião com o “pedigree” cesariano. A Libyca indica serviços no norte da África e a Classica uma período de serviço a bordo de uma frota — na verdade, têm-se conhecimento de que 4 legiões foram embarcadas em navios de guerra durante a batalha final de Antônio, e a Legio XVIII deveria ser uma delas. Quanto às demais legiões existem dúvidas.

A BATALHA DE ACTIUM

Em resposta à declaração de guerra do Senado — nominalmente contra Cleópatra — Antônio organizou suas forças durante o inverno de 32-31, e preparou-se para defen-der, vigorosamente, suas províncias mais ocidentais, a Macedônia e a Grécia. Seu exér-cito continha 19 legiões em terra, com mais 4 embarcadas nos navios de guerra. Otaviano prontamente transferiu seu exército — cerca de 24 legiões — para o Epirus, e quando Agripa conseguiu aprisionar parte da frota de Antônio no Golfo de Ambracia (cujo acesso era controlado pelo promontório de Actium), Otaviano, rapidamente, trouxe todos os seus exércitos em apoio , que acamparam no lado norte do Golfo (Fig. 37). Antônio, por sua vez, foi forçado a deslocar suas legiões e sua frota principal para o norte, para resgatar o contingente aprisionado, estabelecendo seu acampamento no lado sul do Golfo.

Assim que o corpo principal de suas tropas chegou, Antônio, em um movimento tipicamente cesariano, atravessou a boca estreita do Golfo em uma ponte feita de barcos,

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estabelecendo um segundo acampamento no lado inferior, em terra, mas em local pouco saudável, e enviou uma força de cavalaria que contornou o Golfo para nordeste, com a intenção de bloquear Otaviano e matar de fome o seu exército. Mas o grupo envolvente de Antôno foi derrotado, e ele, por sua vez, viu-se em face da falta de suprimentos, posto que Agripa havia eliminado suas várias bases de abastecimento e postos de estadiamento ao longo da costa.

Finalmente, no dia 2 de setembro de 31, Antôno deslocou-se para atacar a frota de Agripa, rompendo sua segurança com uma pequena força, junto com o próprio esquadrão de Cleópatra. Mas a maioria dos navios foram afundados ou se renderam. O exército em terra, que tinha assistido a cena, impotente, tentou recuar para o nordeste, para manter o Dardanelos e a segurança da Ásia, mas, cada vez mais desiludidos, e abandonados pelos oficiais senatoriais, os seus representantes começaram uma negociação prolongada de rendição: os soldados mais velhos pensaram, principalmente, na dispensa e na aposenta-doria, e os homens mais jovens no seu serviço futuro.

Após uma semana de negociações, foi acordado que as tropas de Antônio deveriam receber tratamento idêntico ao dos homens que haviam servido com Otaviano (ou seja, terras e dinheiro); os cidadãos dentre os homens mais jovens poderiam permanecer na vida militar, se assim o quisessem, embora os não-cidadãos teriam de ser dispensados para suas casas. Assim, várias legiões foram transferidos intactas para o exército de Otaviano, levando consigo seus números, seus títulos distintivos e suas honras de bata-lha. Enquanto isso, Antônio e Cleopatra, atingindo o Egito de forma segura, tentaram se reagrupar e se rearmar, mas a maré tinha virado longe demais e, com a aproximação de Otaviano, suas tropas restantes (incluindo uma força sob o comando do legado Scarpus na Cirenaica). desertaram, e ambos cometem suicídio. Otaviano era, agora, o dono do mundo romano. A conclusão das hostilidades marcou o início de uma nova onda de as-sentamento dos veteranos.

Fig 37 - A bataha de Actium, 31 AC.

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Os próprios homens de Otaviano foram acomodados em cerca de 28 colônias na própria Itália, enquanto os homens de Antônio receberam terras nas províncias. Na Itália, a população civil foi expulsa das cidades designadas para os veteranos: Brixia, Venafrum, Sora e Ateste, e muitas outras na Campania, na Cisalpina e na Etruria, com promessas de compensação (e provavelmente cumpridas) com os despojos do Egito. As evidências arqueológicas de colônias nas províncias são bastante escassas, mas talvez possamos identificar Patrae (onde são conhecidos veteranos das Legio X e XII Equestris Fulminata), Beirute (com veteranos das Legio V e VIII Gallica) e talvez Tróia (um veterano de uma Legio XVI é atestado lá) Agora, ou talvez um pouco mais tarde, a Legio VII e uma Cohorte Praetorian. Cartago foi refundada em 29, talvez para os veteranos de Antônio. Em come-moração à Batalha de Actium, alguns dos veteranos assentados por Otaviano em Ateste, no nordeste da Itália, assumiram o título de Actiacus, em comemoração permanente de sua parte na vitória (Fig 38).

Fig 38 Lápide de Marcus Billienus, que lutou em Actium na Legio XI, e adotou o sobrenome Actiacus..

Muito rapidamente Otaviano empregou as energias das legiões de conflitos civis para novos projetos e guerras estrangeiras, com o objetivo de reparar a negligência de quase duas décadas, e para promover a pacificação das meias-vencidas províncias, ga-rantindo desse modo suas fronteiras contra ataques estrangeiros, e aumentando, ainda mais o territorio imperial.

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Capítulo 51O SURGIMENTO DAS LEGIÕES IMPERIAIS

Muitas vezes, é creditado a Otaviano, ou Augustus (como ele passou a ser reve-renciado em 27 AC), depois de Actium, a reformulação substancial do Exército romano. Nessa oportunidade foram dissolvidas as antigas formações e criadas novas legiões fieis a ele. Como exemplo, é comum serem apresentadas as três legiões imperiais II, III e VIII, todas intituladas de Augusta, um epíteto que, alega-se, identifica, especificamente, as frescas criações do seu principado. O objetivo do presente capítulo é argumentar que o Exército do Império Romano teve raízes substanciais e evidentes nas guerras civis do final da República e que muitas, talvez a maioria, das legiões encontradas em serviço no período do reinado de Augusto em diante já haviam, mesmo antes de Actium, algumas, talvez, mesmo de antes da morte de César.

As evidências sobreviventes não permitem que todas as etapas do processo de transição sejam perfeitamente compreendidas, mas podem ser discernidas algumas fases bastante distintas.

Na verdade, para que se realize um estudo sobre as origens das legiões familiares ao Império, é necessário começar com as unidades que César encontrou como guarni-ções das províncias da Gália e da Ilíria, com a sua chegada no norte em 58, e com as formações que ele levantou durante o seu mandato, ou seja, as Legio VI a XIV, juntamente com Legio V Alaudae, que teve uma criação especial, decorrente da milícia provincial que cresceu por volta do ano 52. Muitas destas legiões continuaram a existir em forma re-conhecível durante o Império (ver apêndice 2) . Pode parecer desta última afirmação, que César efetivamente estabeleceu sua auto-perpetuação por meio das legiões do Império, com os seus números fixos e títulos distintivos. Mas este, evidentemente, não fora o seu plano.

No período de 47 a 44 AC, César liberou do serviço as Legio VI a XIV, e só a Legio V Alaudae permaneceu em serviço até 44 AC, quando ela foi estacionada em algum lugar no sul da Itália, talvez à espera da dispensa formal, a não ser que tivesse sido concebida como o núcleo do exército para a campanha parta, já projetada. César havia se proposto a conduzir esta guerra contra a Partia com o auxílio das legiões mais jovens dos anos de 49 a 48.

César seguiu, assim, a prática normal: com o fim de uma grande guerra, os homens das legiões que já haviam cumprido o tempo de serviço legal, eram lançados na vida civil.

A morte de César, e mais importante, a chegada de Otaviano na cena política, fo-ram etapas vitais para a criação do Exército imperial como o conhecemos. Os eventos dos “Idos de Março” despertaram a ira dos veteranos e ambos, Antônio e Otaviano, reconsti-tuíram várias formações cesarianas antigas, para reforçar as suas forças e apoiar as suas políticas. Otaviano, como vimos, reformou as Legio VII e VIII em Campania; Antônio, por sua vez, reagrupou a Legio V Alaudae, enquanto Lépidus, na Transalpina aproveitou sua proximidade com as colônias cesarianas lá existentes para restabelecer as Legio VI e X (e talvez outra mais). Ventidius Bassus fez tentativas de recnstituição na Itália das legiões numeradas VII, VIII e IX, mas não fica claro se qualquer delas sobreviveu até o tempo de Filipos. A Legio XII Antiqua, encontrada mais tarde com Antônio, tem um epíteto, “Antiga”, o que sugere que foi reivindicada como a descendente da Legio XII de César. Não há evi-dências certas para a reforma das Legio XI, XIII e XIV, mas isso pode ser simplesmente devido à incompletude da literatura pertinente e do registro epigráfico.

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As velhas legiões cesariana estavam na vanguarda da luta em Filipos. Após essa batalha, Antôno e Otaviano levantaram um número substancial de homens que já haviam servido o tempo legal e reagruparam os remanescentes em 11 legiões, como já visto. Os soldados agora liberados agora tinham sido veteranos cesarianos que foram reconvoca-dos em 44, e a maioria dos membros fundadores das legiões mais jovens de 49 a 48, cujos seis anos da norma de serviço vigente tinha sido então. concluída.

REORGANIZAÇÃO APÓS FILIPOS

Após a batalha de Filipo, parece ter sido uma prática normal a de renumerar as legiões em seqüência numérica nova, talvez começando com a Legio I. No entanto, isso não aconteceu.

É possível se identificar quase todas as legiões que surgiram a partir da reorgani-zação pós-Filipo. Otaviano levou de volta para a Itália suas Legio VII e VIII, juntamente com a Legio IIII Macedonica, que havia desertado para ele, no verão de 44. Das 8 legiões que permaneceram com Antônio, podemos identificar a velha cesariana Legio V Alaudae, a Legio VI Ferrata, a Legio X Equestris, e quase que certamente, a Legio XII (a Fulminata, mais tarde), em conjunto com a Legio III Gallica, esta, provavelmente, uma das séries con-sulares de César de 48. As outras 3 não podem ser identificadass, mas todas, certamente, devem ter sido continuadoras da legiões existentes.

Presumivelmente, foi uma medida militarmente conveniente a de usar legiões exis-tentes como núcleos para os exércitos a serem reconstituídos. Mais importante, talvez, foi a dimensão política existente: tanto Otaviano quanto Antônio desejavam ser vistos (e de continuar a serem vistos) como sucessores naturais de César, a quem as velhas legiões do ditador eram necessárias como um testemunho visível de apoio. Assim, o que pode ser visto, ao longo prazo, como uma etapa vital na transição para o Exército do Império foi feito, principalmente, no interesse da sobrevivência política dos principais protagonistas da luta pelo poder.

Na década seguinte, Otaviano preencheu a sua própria seqüência numérica de legiões. Já disponíveis, ele tinha as 3 trazidas de volta para a Itália depois de Filipos, e um número muito substancial de legiões recrutadas em 45 a 42, que tinham sido deixadas para trás como guarnições para as províncias ocidentais na época da batalha. Particular atenção pode ser dada a essas legiões, aparentemente, em número de 5, levantadas por Pansa em 43, em preparação para a guerra contra Antônio no norte da Itália, como acima mencionado. Várias sobreviveram até Actium e, provavelmente, até o Império. Otaviano não hesitou em duplicar o número de legionários já em uso por Antônio. As últimas que tinham servido com ele foram as Legio V Alaudae, a VI Ferrata e a X Equestris. Logo va-mos encontrar o exército de Otaviano formado pela Legio V (a Macedonica, mais tarde), pela Legio VI (a Victrix, mais tarde) e pela Legio X (em breve Fretensis). Destas, a V e a X, e menos certamente a VI, viveram sob o Império ostentando um touro como emblema, o que normalmente indica sua fundação por César. Mas as verdadeiras legiões cesarianas com esses números (Alaudae, Ferrata e Equestris) estavam com Antônio.

DEPOIS DE ACTIUM

Que o exército do Império teve sua forma final, em parte ao menos, na década após Filipo, parece ficar claro a partir dos acontecimentos seguintes à própria batalha de

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Actium, quando algumas das legiões antonianas foram incorporadas em uma seqüência numérica anteriormente existente, que produziram uma duplicação de numeração que iria durar por todo o Império.

As legiões que foram adicionadas, então, ao exército de Antônio foram as Legio Gallica III, a V Alaudae, a VI Ferrata, e a X Equestris. Com menos certeza poderíamos acrescentar a esta lista a Legio IIII (em breve Scythica) — que corresponde à Legio IIII Macedonica de Otaviano. O exército de Antônio tinha ostentado uma Legio XII Antiqua, um epíteto que por si só sugere uma reivindicação de antecedentes cesarianos. A legião pode ser identificada como a mais tardia Legio XII Fulminata. Certamente, os veteranos da Legio XII Fulminata e da Legio X Equestris podem ter sido dispensdos em conjunto em Patrae em 30, uma colocação que pode justificar uma origem antoniana para ambas. Outra legião a ser atribuída a Antônio antes de Actium é a imperial Legio III Cyrenaica, que a partir de seu título pode ser identificada como parte da força de Pinarius Scarpus na Cyrenaica, no momento da batalha de Actium, a não ser que tivesse sido levantada inicialmente por Lépido, em 36.

É significativo que os antonianos estabelecessem tal esquema em proveito da so-brevivência de suas legiões. A atitude, provavelmente, indica uma apreciação de que as legiões, agora, eram instituições semi-permanentes em um exército, do qual elas estavam preocupadas em fazerr parte. Muitas legiões tinham permanecido em existência ao longo das guerras civis, e mantiveram os mesmos números, que foram, agora, firmemente es-tabelecidos. Do ponto de vista de Otaviano, era, certamente, politicamente vantajoso ser visto como o reunificador do antigo exército cesariano sob sua liderança única, em razão de ser o legítimo herdeiro do ditador. Outras sugestões de reorganização neste momento parecem implícitas no título Gemina, (Gêmea), que identifica uma legião formada pela fusão de duas formações existentes. A história da Legio X Gemina pode ser reconstruída com alguma plausibilidade: ela é a sucessora legítima da Legio X de César, a sua favorita na Gália.

Esta legião, vale ser lembrado, tinha adquirido o título Equestris em 58 AC. Um número crescente de inscrições denunciam o título: a de um tribuno em Pompéia, de dois colonos veteranos assentados em Patrae, depois de Actium, e o mais interessante, uma dedicação existente no Fórum de Augusto em Roma, erigido por centuriões e soldados da Legio X Gemina Equestris, portanto, um valioso “pedigree”. A Legio X Equestris foi para o Oriente com Antônio após a batalha de Filipo, e deve ter sido uma excelente candidata à incorporação ao exército de Otaviano. Mas por que o título distintivo e glorioso de Eques-tris ao invés de Gemina? A resposta é dada por Suetônio, quando relata que, aparente-mente depois de Actium, Otaviano teve que sufocar um motim na Legio X, que estava exigindo recompensas excessivas.

Pode ser que ele, posteriormente, tivesse diluído os legionários remanescentes de Antônio junto com novos recrutas, ou com alguns legionários de outras formações leais a ele, de modo a produzir o novo título “Gêmea”. O historiador Dio nos informa, especifica-mente, que a reorganização de Otaviano depois de Actium produziu legiões com o título Gemina. O antigo título Equestris evidentemente sobreviveu em uso por um tempo, mas acabou por ser descartado. Para as Legio XIII e XIV, também Gemina, sob o Império, não há nenhuma evidência direta. Talvez estas também tivessem sido ex-legiões antonianas, mas não se sabe nada sobre as circunstâncias das fusões que produziram seus títulos.

A Legio XV do início do Império foi uma das legiões de Otaviano de antes de Actium. Se aceitarmos a ideia de que ela adquiriu seu epíteto distintivo Apolinário pelos serviços

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prestados na batalha, isto deveu-se à existência de um templo erigido a Apolo no promon-tório em Actium; vale dizer que Otaviano era, particularmente ligado àquela divindade. Nada se sabe, no entanto, sobre o início da história das Legio XVI a XIX, mesmo porque as Legio XVII a XIX foram destruídas em 9 DC. Algumas inscrições certificam seus mem-bros, mas não há títulos ou emblemas conhecidos que possam facilitar uma valorização dos seus anos de formação, embora o exército de Otaviano, antes de Actium, fosse, cer-tamente, grande o suficiente para conter legiões com todos esses números. As Legio XX (mais tarde Valeria Victrix) e XXI (Rapax) são mencionadas pela primeira vez durante o reinado de Augusto, mas suas origens são desconhecidas.

A legião final, a de número mais elevado da sequência de Augusto é a Legio XXII Deiotarian. Muito claramente este título deriva do nome do rei da Galácia, Deiotarus, que enviou tropas para ajudar Pompeu e depois César, e que morreu em 40 AC. Não é razoá-vel supor que Antônio tenha utilizado esta força na campanha contra Otaviano. Este último pode ter se apossado da Legio Deiotaran imediatamente após Actium, ou melhor, em 25, quando o reino da Galácia foi finalmente adicionado ao Império. O numeral, colocado no final da sequência numérica, sugere um determinado número de tropas frescas, e indica que o complemento completo das legões augustianas (28 no total) já estava pronto em 25.

Teorias mais antigas informam que o sequencial das legiões foi construído gradu-almente no curso do longo reinado de Augusto. Mommsen acreditava que Augusto havia retido 18 legiões após Actium e acrescentou mais 8 em 6 DC, e mais outras 2 em 9 DC. Hardy, ao seu ver, supõe que todas as legiões numeradas acima de XVI foram o produto de recrutamento de 6 DC em diante. Estes pontos de vista mais velhos parecem derivar de algum apoio proveniente do fato de que todas as legiões com números mais altos são encontrados nas fronteiras do norte; em particular, poderá ser notada uma colocação ori-ginal para as Legio XVII a XIX juntas no Baixo Reno em 9 DC.

De qualquer modo, não poderia haver nenhuma suspeita de que Augusto tentou alguma numeração no sentido horário do estacionamento das legiões (como na Repúbli-ca?), com as legiões da Espanha com números baixos, ficando os números maiores com as legiões posicionadas ao longo dos rios Reno e Danúbio. Mas a guerra, em todo o reino, deve ter interrompido qualquer sistema; se as Legio XVII a XIX estavam juntas em 9 DC, não teria ficado sempre assim.

TÍTULOS E EPÍTETOS

As evidências úteis relativas às legiões nos anos da Guerra Civil derivam de seus títulos, muitos dos quais desapareceram depois. O uso de epítetos distintivos para as unidades militares é uma prática conhecida desde longos tempos. Nos tempos modernos, estamos familiarizados com essas denominações, como a 82ª Divisão Aerotransportada, os Royal Green Jackets, os Argyll e Sutherland Highlanders, a Légion Ètrangère e muitas outras. Os títulos distintivos e apelidos descrevem as origens, uma função ou uma ca-pacidade especial, mas os epítetos honoríficos, instantaneamente, descrevem uma alta qualidade e distinção daquela unidades militar.

Pode-se pensar que as legiões de César na Gália teriam se desenvolvido e ado-tado títulos, de modo a refletir vitórias particulares, como por exemplo, contra o nérvios, ou após os cercos de Avaricum ou de Alesia, ou após o desembarque na Grã-Bretanha. César, como o propagandista mestre destes eventos, dificilmente poderia deixar de ter

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conhecimento do seu potencial valor moralizador, mas seus escritos não dão nenhuma indicação de que quaisquer daqueles títulos fossem relacionados à premiações ou recom-pensas. Quase que certamente, no entanto, a famosa Legio X obteve seu epíteto o título de Equestris (“Montado, cavaleiro”) em razão do incidente em 58 AC, acima relatado. A Le-gio V Alaudae (Cotovias, e para os franceses Alouettes) parece ter adquirido tal epíteto de uma unidade semi-regular da milícia provincial da Galia Transalpina. A Alaudae é a única legião do Império a ter como seu título um substantivo, plural, e normalmente indeclinável, ao invés de um adjetivo. O título deriva de um pássaro com crista, evidentemente, uma alusão aos elmos usados pelos membros fundadores, aliás, uma prática familiar celta. Durante a guerra civil contra Pompeu houve muitas ocasiões em que foram cunhados, concedidos ou adotados títulos esplêndidos.

Mas, para o período antes da morte de César, sabe-se, por acaso, de apenas um título, Martia, que veio a ser adicionado a uma das legiões estacionadas na Macedônia, e que poderia ter sido adquirido durante o serviço na África em 46 AC. Em 44/43, Cicero teve o cuidado de exaltar os méritos da Legio Martia, então sob o comando de Otaviano, como um contrapeso à Alaudae, então o esteio do exército de Antônio. A preocupação de Cicero com o próprio título da legião foi tal, que não sabemos qual o numeral da legião.

Após a morte de César, muitos mais títulos encontram-se registrados em nossas fontes; a existência de exércitos rivais com legiões com os mesmos números certamente encorajaram a sua cunhagem e sua utilização.

Igualmente parece que os títulos também puderam mudar com alguma frequên-cia: alguns eram provavelmente apelidos que nem todo soldado desejava perpetuar. Às vezes, dois ou mais títulos parecem estar em uso, se não simultaneamente, pelo menos, em rápida sucessão, posto que, a partir de outros elementos de prova, podem parecer se referir à uma mesma legião. Se nossos registros epigráficos tivessem sido mais comple-tos, certamentne teria sido encontrada uma profusão ainda mais desconcertante. Após as Guerras Civis, os títulos tenderam a desaparecer de vista, porém, os epítetos adquiridos durante aqueles anos de combates continuaram em uso posterior. A Legio X adquiriu seu título permanente de Fretensis oriundo de Fretum Siculum ou seja, o canal existente entre a Itália e a Sicília, durante a guerra entre Otaviano e Sextus Pompeius. Seus emblemas navais sob o Império — um golfinho e uma galera — confirmam sua história.

A Legio VI Ferrata (“Bigorna”) certamente adquiriu seu título distintivo na guerra ci-vil, talvez já com César. Graham Webster gentilmente sugere que alguma peculiaridade do equipamento, como por exemplo os protetores de peito feitos de ferro usados com a cota de malha normal, poderiam ter ocasionado o epíteto. A mais antiga evidência para o uso do título pertence logo após 40 AC. A Legio IIII Macedonica tem claramente derivado o seu título a partir da sua estada na Macedônia antes de 44 AC. Igualmente precoce é o título Gallica (referente ao serviço na Gália) usado pela Legio III, que só pode ter sido adquirido antes da batalha de Filipos, após o que a legião ficou estacionada, permanentemente, no Oriente.

Não devemos supor que, porque uma legião tivesse tido um título distintivo atestado durante as guerras civis, a mesma legião não pudesse ser encontrada sob o Império, ao invés de existir simplesmente o seu título. Assim, infere-se que as Legio II, III e VIII, todas chamadas Augusta sob o Império, foram descendentes diretas das legiões do exército de Otaviano antes de Actium. A Legio VIII Augusta, com seu emblema de touro é, certamen-te, a velha legião com o numeral que serviu com César na Gália; a Legio II Augusta pode ser identificada com a Legio II Sabina, em razão do relatado na inscrição de um veterano

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da Guerra Civil em Venafrum (Venafro) e com a Legio II Gallica, os veteranos das quais receberam terras em Arausio (Orange) em 36-35 e são comemorados no Arco de Augusto lá existente. Os antecedentes da Legio III Augusta ainda não podem ser estabelecidos.

Os novos títulos presumivelmente devem refletir algum grau de reconstituição, ou algum sucesso, em particular nas guerras do reinado de Augusto, que ele tivesse deseja-do comemorar, especialmente. Quaisquer títulos anteriores suportados pelas três legiões inevitavelmente desapareceriam de vista, em face de tais epítetos resplandecentes. O historiador Dio observa que uma legião foi privada de seu título Augusta depois de um re-vés na Espanha, em 19 AC. Pode muito bem ter sido a Legio I. Se assim for, a legião não desapareceu, sendo reconhecida, mais tarde, como a Legio I Germanica, da guarnição do Reno. Uma das legiões familiares da guarnição romana da Grã-Bretanha, a Legio XX, teve, sob o Império, os títulos Valeria e Victrix; ambos os títulos, ou pelo menos o primeiro, que desde há muito teria sido adotado durante o reinado de Augusto, como resultado do seu serviço durante a revolta panônica de 6 a 9 DC, quando a legião foi comandada pelo legado Valerius Messallinus. Os dois títulos foram, assim, traduzido como “Valeriano” e “Victorioso”’.

Mas deve-se duvidar se Augusto, nessa fase final de seu reinado, teria permitido a cunhagem fresca de um título a partir do nome de família de um senador líder. Ainda mais improvável é a teoria de que um dos epítetos permanentes da legião poderia ter derivado do nome de Valeria Messallina, consorte de Cláudio até sua morte em 48 DC. Um estudo recente sugeriu, quase certamente com razão, que os títulos são melhores traduzidos como, “Valente e Vitorioso”’, como decorrentes do verbo latino valere (ser valente ou forte), e que ambos foram adquiridos pela legião na sequência da revolta de Boudica, na Grã--Bretanha, em 60-61 DC, para coincidir com os epítetos Martia Victrix concedido à Legio XIV Gemina que também contribuiu para a vitória.

Curiosamente, muitos epítetos — mesmo aqueles de uso comum e que foram cunhados durante os anos da Guerra Civil — foram de uso por Augusto e pelos imperado-res Júlio-Claudianos, tornando-se comuns novamente sob Nero, ou mais certamente, na época da guerra civil de 68/69 DC, que só descansou o mundo romano distante, após seu suicídio. Pode muito bem ser que o salientar das honras de batalha e o uso de títulos an-tigos tivesem se tornado mais pertinentes quando as legiões voltaram novamente a lutar como legiões. A partir do final do período Flaviano, no Século I DC, os títulos legionários são encontrados em uso em inscrições, como uma questão de disciplina.

EMBLEMAS LEGIONÁRIOS

No sentido de se estabelecer o cenário e a história inicial das legiões imperiais, um estudo de seus emblemas é de valor particular. Recorde-se que a legião romana antes de Marius tinha cinco padrões: a águia, o javali, o minotauro, o cavalo e o lobo. Marius deu primazia à águia, que, doravante, se tornou o principal padrão de todas as legiões. Mas outros sinais distintivos ficaram também em uso. Signos zodiacais são encontrados como emblemas de legiões individuais sob o Império; suas aparições em esculturas em relevo, em registros de construção, e nas chamadas cunhagens legionárias emitidas pelos imperadores do Século III DC e usurpadores, proporcionam um instrumento útil, embora incompleto, a ser registrado.

Legiões com um touro como seu emblema atestam uma origem cesariana: o touro era o sinal zodiacal associado com Vênus, a entidade lendária fundadora da família Julia-

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na. O touro é encontrado nas Legio VII. VIII e X Gemina Augusta, todas as que tinham ser-vido com César na Gália, e com as Legio Gallica III e IIII Macedonica, que provavelmente foram formadas por ele em 48.

Legiões com um emblema de capricórnio atestam uma fundação (ou reconstituição) sob Augusto. Para Augusto, o capricórnio era um emblema importante, que simbolizava a boa sorte. Era o sinal zodiacal sob o qual ele foi concebido. As legiões com o capricórnio foram as Legio II Augusta, XIV Gemina, XXI Rapax, e, talvez, a IIII Scythica. Como a Legio IIII Scythica é normalmente entendida como servindo com Antônio na década antes de Ac-tium, algumas reconstituições posteriores podem ser fruto de deduções. Como alternativa, talvez tenhamos de repensar a sua história precoce. A Legio IIII Macedonica tem tanto o capricórnio como o touro como emblema: o capricórnio poderia ter sido adicionado a um emblema já existente quando a legião foi trazida de volta para a Itália por Otaviano, depois da batalha de Filipos, quando passou a fazer arte de seu novo exército.

Mas nem todas as legiões cesarianas tiveram (ou mantiveram) um touro como em-blema sob o Império: A Legio V Alaudae teve um elefante, como resultado de um incidente em 46 AC, na batalha de Thapsus. O próprio César, ainda que ele tenha registrado os atos de heroísmo na luta pelos membros da V Alaudae contra os elefantes de guerra, não faz nenhuma menção ao emblema. Há, claramente, uma reminiscência de sua participação nas batalhas navais da Guerra Civil, que resultaram nos emblemas navais da Legio X Fretensis: além do touro (assentado na origem cesariana), a legião também utilizava um golfinho e uma galera como emblemas. Uma legião, a Legio XI, tem Netuno como emble-ma, presumivelmente, uma reminiscência do serviço em Actium, em que sabemos ter ela tomado parte. Outros emblemas são menos fáceis de se explicar: a Legio VI Ferrata com o lobo e os gêmeos (ou seja, Rômulo e Remo), a Legio XIII e (menos certamente) a Legio XVI com o leão; este último é mais um sinal zodiacal, especialmente ligado à Júpiter. A Legio II Augusta tem como emblema o Pegasus, o cavalo alado de mitologia grega (bem como o capricórnio); e um pegasus pode aparecer também coma Legio III Augusta, mas o significado preciso não é claro.

Nem todos os emblemas que conhecemos precisam ser originados da época de Augusto. O javali, um familiar emblema de batalha dos Celtas, foi usado pela Legio XX Valeria Victrix e às vezes pela Legio X Fretensis. Para algumas legiões nenhum emblema parece ser conhecido, mas o quadro seria, sem dúvida, mais complexo, se soubéssemos mais.

NÃO-ROMANOS NAS LEGIÕES

A rápida acumulação de forças do exército durante a guerra civil, e a necessidade urgente dos vários protagonistas em ampliar suas forças, com toda a velocidade, nas províncias distantes da Itália, trouxe para as legiões muitos homens que normalmente teriam sido delas excluídos, pois lhes faltava cidadania , a qualificação essencial. Já na Gália, César tinha aumentando suas forças a partir dos transpadanes (homens da Galia Transalpina) que tinham apenas o status de latinos e, como já referido, em 52 ele levantou 22 coortes de uma milícia provincial na Transalpina: uma legião que ele mesmo recrutou, treinou e equipou no estilo romano e deu-lhe um nome gaulês: Alauda. Mais tarde, ele deu cidadania a todos os seus membros. É interessante lembrar que em sua obra sobre as Guerras Gálicas, o próprio César nunca menciona a Alaudae pelo nome, preferindo vagas referências às “coortes”, o que sugere que ele estava suficientemente consciente das ori-

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gens não-ortodoxas da legião, mostrando-se desejoso de escondê-las.Sem dúvida, depois de sua chegada em Roma, em 49, ou após Farsalus,n o mais

tardar, não havia mais necessidade de decepção, e à legião foi atribuído, formalmente, o seu numeral, V.

Para fazer frente ao sub-reptício acúmulo de forças de César, os legados de Pom-peu na Espanha levantaram uma legio vernacula, uma legião guarnecida por homens jovens nascidos na própria Espanha. Mais tarde, em 45, Pompeu tinha 2 dessas legio vernacula, e uma outra composta de romanos assentados na Espanha. Vale a seguinte distinção: as legiões vernáculas foram organizadas com a população nativa local, e a outra com romanos que viviam na Espanha. Na Ásia Menor, Domício Calvinus, em 47, teve uma legião composta de homens-milícianos chamados em caráter de emergência, e que teve o título de Legio Pontica (indicando a sua origem no reino de Pontus), e que lutou contra Pharnaces; dela não mais se ouviu falar após sua derrota em Zela. Quase certamente as inúmeras legiões apressadamente levantadas por Pompeu na Ásia e na Macedônia, por Plancus, Pólio e Lépido no Ocidente, e pelos pompeianos (mais tarde) e Lépido na África, e por Brutus e Cassius e (mais tarde) Antôno no Oriente, continham muitos não-romanos, além de moradores e colonos. Pelas fases posteriores da guerra civil poderíamos supor que os comandantes ficariam felizes em aceitar quaisquer recrutas de físico adequado, independentemente da sua origem cultural ou o status cívico.

No Oriente, uma série de dinastias e reis clientes tinham começado a organizar suas tropas da maneira romana. O exército do rei Deiotarus da Galácia possuía, por volta de 47, pelo menos, 2 dessas legiões, que tinham sido estabelecidas usando um seme-lhante sistema disciplinar e utilizando os mesmos tipos de armamento que os romanos. Tal exército, contudo, foi derrotado em uma batalha contra Pharnaces; Deiotarus reagrupou os sobreviventes em uma legião que lutou em Zela (acima citada). Quanto à legião, é pro-vável que ela tenha continuado a existir de alguma forma até Actium, conseguindo o prê-mio de uma incorporação formal e fusão com uma outra legião para o exército romano em 25, no mais tardar, como Legio XXII Deiotariana, após o que foi estacionada no Egito. Os reis da Mauritânia e da Numidia tinham legiões que intervieram na guerra civil ao longo do tempo. Menos certamente, alguns dos soldados de Herodes, o Grande foram organizados como legiões, enquanto, se as evidências permitirem, as forças do Egito sob Aquilas, que César encontrou em 48-47, continham “conselheiros”’ e soldados mercenarios romanos, alguns dos quais foram deixados para trás pelo procônsul Gabinius para proteger o rei do Egito em 55 AC. É fácil imaginar que outros reinos nas franjas do mundo romano tivessem sido influenciados pelo exemplo do sucesso militar contínuado romano.

Ao final das guerras civis deve ter havido muitos homens em armas que não eram cidadãos por nascimento ou, se italianos por descendência, não tinham vivido na Itália durante muitos anos. Os nativos locais foram, sem dúvida, atraídos pela promessa ou pela perspectiva de uma cidadania plena, e pelas recompensas financeiras em caso de vitória, mas poucos conquistaram tais benesses.

Antes da última geração da República, os legionários, por definição, tinha sido cida-dãos romanos que agiram em defesa ou para promover os interesses de sua terra natal. A revelação de que outras fontes de mão de obra poderiam ser aproveitadas foi um legado das guerras civis, fato que se tornou cada vez mais importante, mais tarde

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AS LEGIÕES DO INÍCIO DO IMPÉRIO(para ser lido em conjunção com o Apêndice 2)

LEGIÃO ORIGEM E DATA DA FORMAÇÃO

SIGNIFICADO DO TITU-LO E IMPLICAÇÕES

EMBLEMA

I Germanica Céesar, 48 ouPansa, 43?

Serviu na Germânia ?

II Augusta Pansa, 43? Reconstituída porAugustus

Capricornio, pegasus

III Augusta César, 48 ou Pansa, 43? Reconstituída por Augustus

pegasus?

III Cyrenaica Lepidus na África, 40–36 ou M. Antôno, 40–31

Serviu na Cyrenaica(sob M. Antônio?)

?

III Gallica César, 48 Serviu na Gália Touro

IIII Macedonica César, 48 Serviu na Macedônia Touro, capricórnio

IIII Scythica M. Antônio, 40–31 Campanha contra Scy-thians no baixo Danú-bioe, 29–27

Capricórnio

V Alaudae César, 52 “ Cotovias “; formada de nativos gauleses

Elefante

V Macedonica Pansa, 43 ou Octavian, 41–40

Serviu na Macedônia Touro

VI Ferrata César na Gália, 52 Peça de ferro Touro

VI Victrix Octavian, 41–40 Vitoriosa na Espanha ? Touro

VII Claudia Antes de 58 Depois da lealdade a Claudius, 42 DC

Touro

VIII Augusta Antes de 58 Reconstituída por Au-gustus

Touro

IX Hispana Antes57 ou Octavian 41–40?

Depois serviu na Espa-nha

?

X Fretensis Octavian, 41–40 Depois vitória naval em Fretum Siculum (Estreito de Messina), 36

Touro, golfinho, galera, javali

X Gemina Antes 58 ‘Gêmeos’depois de Actium

Touro

XI Claudia César, 58 Depois de lealdade a Claudius, 42 DC

Netuno

XII Fulminate César, 58 ? Equipada com “raios” Raio

XIII Gemina César. 57 Octavian, 41– 40? Gêmeos, depois leão

XIV Gemina César, 54 ou Octavian, 41– 40?

‘Gêmeos’, após amalga-mação

Capricórnio

XV Apollinaris Octavian, 41– 40? ‘Dedicada a Apollo’, em comemoração à batalha de Actium

?

XVI Gallica Octavian, 41– 40? Após servir na Gália ? Leão

XVII Octavian, 41– 40 ou mais tarde?)

? ?

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XVIII Octavian, 41– 40 ou mais tarde?)

? ?

XIX Octavian, 41– 40 ou mais tarde?)

? ?

XX Valeria Victrix Octavian, Antes 27? ‘Valente e Victoriosa’ Javali

XXI Rapax Octavian, antese 27? ‘Agarrando’ (no sentido predatório)

Capricórnio

XXII Deiotariana Na anexação da Gália, 25

Depois de Deiotarus, rei da Galatia

?

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Capítulo 52A ERA DE AUGUSTO

A vitória em Actium marcou o início de um longo período de prosperidade e paz interna. Em 27AC, realizou-se uma reforma radical da Constituição romana. Otaviano dei-xou de contar com os poderes irregularmente adquiridos durante a Guerra Civil. Em vez disso, ele concordou em aceitar, das mãos do Senado, um grande província que consistia da Gália, Espanha e Síria. Não era sua intenção, necessariamente, tornar-se procônsul, mas seguindo o precedente estabelecido por Pompeu na Espanha, ele iria governar atra-vés de legados responsáveis e leais a ele. Como a Gália, a Espanha e a Síria continham o grosso das forças militares do Império, ele efetivamente passou a reter o controle sobre o Exército romano. Ao mesmo tempo, ele assumiu um novo título, o de Augustus, “o reve-renciado”, pelo qual ele ficou posteriormente conhecido. Seria um novo nome para uma nova era. Augusto iria permanecer no controle em Roma por mais 40 anos.

A listagem das legiões (ver capítulo anterior) ficou substancialmente completa em Actium, mas por outro lado, o exército tinha a mesma grandiosidade de antes. Certamen-te, o longo conflito havia aumentado a eficiência geral das forças romanas, e produziu um grande corpo de quase profissionais. Em verdade, o tamanho do Exército romano havia se expandido dramaticamente nos anos 49, quando César avançou para o sul em dire-ção à Itália, e permaneceu em um nível elevado até Actium, quando cerca de 60 legiões estavam em comissão. Os comandantes rivais recrutavam em nome do Estado romano e traziam ao serviço das armas muitos cujo interesse pelos enfrentamentos era muito baixo. Os historiadores costumam exagerar a capacidade dos soldados nestes anos, e dar des-taque aos surtos de distúrbios e motins. No entanto, estes últimos, geralmente, não eram o resultado da ganância, mas sim o reflexo de um desejo de dispensa por homens que, simplesmente, desejavam vlotar para casa.

Os vastos números de homens organizados ao serviço de César em 49/48 foram reconciliados com a exigência tradicional dos seis anos de serviço, mas quando isso foi concluído e os Libertadores foram derrotados em Filipo, eles estavam ansiosos para uma liberação imediata. De fato, dos 36.000 homens com direito a dispensa após a batalha, apenas 8.000 estavam dispostos a permanecer nas fileiras do exército — isto oferece uma visão útil relativa ao núcleo de legionários profissionais daquele tempo. Assim, o exército de cidadãos das Guerras Civis continha dois tipos de soldado: um profissional, que estava ansioso para o serviço de longa duração, e que gostava daquele tipo de vida (ou não co-nhecia outra), e o outro, que preferia o serviço de curta duração e que estava preocupado em voltar à vida civil, o mais rapidamente possível. Muitos daqueles que se alistaram em 49/48 foram, presumivelmente, recrutados, à maneira tradicional, por meio de um Dilectus. Os dois grupos têm que ser cuidadosamente distinguidos: os historiadores romanos pos-teriores, familiarizados apenas com o tempo de serviço do Exército do Império entendem as agitações havidas como incompreensíveis, atribuindo motivos de base para explicá-las.

O NOVO EXÉRCITO ROMANO

O exército do Império Romano diferia daquele da República por várias maneiras. As legiões, individualmente, (e seus regimentos de auxiliares) permaneciam permanen-temente em comissão, com os mesmos nomes, numerais e títulos, e eram renovadas por constante suplementação de pessoal. O soldado servia por um período estendido, e

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entendia a vida no exército como uma profissão (um meio de vida) e uma carreira. Uma estrutura financeira própria assegurava o pagamento das tropas. Ao final do tempo de ser-viço, era fixada uma recompensa, cuja paga, o soldado poderia contar como favas certas. Credita-se a Augusto a efetivação de tais mudanças.

Já vimos que muitas das legiões do Império já estavam em serviço durante as Guer-ras Civis e que foram retidas, ao seu final e por algum tempo depois. Mas a decisão de mantê-las em uma base permanente, mesmo em tempo de paz, foi tomada no início do reinado de Augusto. Pode ser que o Imperador Augusto, depois de 31, tivesse se desfeito das legiões existentes, e revertido para o sistema antigo, levantando tropas frescas, con-forme necessário. No passado, um grande exército pode ter sido mantido, durante muitos anos, como por exemplo, contra Hannibal; mas no final das hostilidades, as legiões foram liberadas da mesma maneira. Mas no final do Século Primeiro, Augusto teve que enfren-tar a realidade de que Roma então controlava um extenso territorio, que precisaria ser defendido. Era, um território enorme, que se estendia em volta da bacia do Mediterrâneo, seguindo em direção ao norte, para a Europa central, e para o leste até a Ásia. A própria distância entre Roma e as fronteiras provinciais que Augusto, agora, tinha de defender, era um fator significativo. Um substancial exército permanente — bem acima das 10 a 14 legiões em serviço antes das Guerras Civis — tornava-se necessário. É claro que muitos dos soldados já eram profissionais, com longo tempo de experiência, e que tinham sido mantidas guarnições permanentes nas províncias de Roma por muitas gerações. Mas esse quadro legal e administrativo não conseguiria manter o mesmo rítmo; era chegada a hora de alguma racionalização.

O historiador Cassius Dio, aos descrever, em 29, os eventos havidos, relata dois discursos feitos antes de Augusto, por seus conselheiros Agripa e Mecenas, em que foi discutida a melhor forma de se garantir a continuação do Estado romano e a defesa do seu império. Agripa (cujo discurso sobrevive apenas em parte), aparentemente, teria de-fendido a manutenção do sistema tradicional (pelo qual os homens seriam recrutados para servir por períodos curtos, e em seguida liberados de volta à vida civil). Mecenas, por outro lado, defendia a existencia de um exército de voluntários por longo tempo de serviço, ape-sar da contra-argumentação de Agripa de que a ideia de Mecenas terminaria por formar uma ameaça para a segurança do Império e do próprio Imperador.

Não há de ser julgado se os discursos tiveram um registro verdadeiro e se houve um debate entre os dois. Em parte, pelo menos, eles traduzem a situação política do próprio tempo de Dio (início do Terceiro Século DC) e foram destinados a um imperador contemporâneo, talvez Caracalla. No entanto, há de se concordar que poderia, facilmente, ter havido alguma discussão sobre o futuro “make-up” do exército, após o retorno de Au-gusto do Egito, e da realização dos grandes programas de colonização. No entanto, não sabemos de nenhuma alteração introduzida naquele momento. Mas, em 13, depois que Augusto retornou da Gália, ele ordenou que o serviço militar nas legiões fosse fixado em 16 anos, a ser seguido por um período de quatro anos ‘na reserva’, para, então, serem os homens recompensados por uma gratificação fixa, em dinheiro. O anúncio foi acompa-nhado de perto por outros sistemas de assentamente de terras em 14, dos quais têm-se, apenas, informações incompletas; numerosas colônias parecem susceptíveis de terem sido fundadas ou reforçadas, especialmente nas províncias. O impacto sobre a Itália pare-ce ser menos fácil de avaliar e pode ter sido relativamente menor. Talvez o clamor público contra os assentamentos, ou a dificuldade na obtenção de terra adequada, tenha levado o imperador a substituir as recompensas por simples pagamentos em numerário.

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MUDANDO AS CONDIÇÕES DO SERVIÇO MILITAR

O salto dos 6 anos (a norma, provavelmente, na República tardia) para os 16 no Imperio, parece surpreendente, mas o tempo de serviço já tinha sido alongado durante as Guerras Civis. A diferença de apenas 16 anos entre os programas de assentamento dos anos 30 e 14 AC, certamente sugere que muitos se juntaram como substitutos para os veteranos de Actium que tinham servido por cerca de 16 anos.

Augusto poderia reivindicar, apenas, ter sido o responsável pela implementação de uma prática republicana: 16 anos era o limite máximo legal para o período em que um homem poderia ser chamado para servir durante a sua vida adulta. Políbio menciona que, em tempos de crise especial, um total de 20 anos, poderia ser exigido, de modo que a de-cisão de Augusto em exigir um tempo extra de quatro anos na reserva pode ter parecido, assim, menos escandaloso.

Por si só, este requisito de um serviço mais longo nas legiões forçou os recrutas a pensarem sobre o exército como um tipo de ocupação para toda uma vida. Parece bas-tante claro que Augusto esperava que as fileiras das legiões fossem todas preenchidas por voluntários. Em 5 DC, algumas alterações foram feitas para as condições do serviço no exército. O número de anos que o novo recruta tinha de servir na vida militar foi aumenta-da para 20 anos, com um período adicional (não especificado, mas, provavelmente, pelo menos, de cinco anos) na reserva. A gratificação em dinheiro, então, foi fixada em 12.000 sestércios para o soldado ordinário, uma quantia equivalente a uma remuneração de cer-ca de 14 anos de serviço; os centuriões, sem dúvida, receberiam muito mais.

Aparentemente, como parte desse mesmo pacote de informações, mas registrados separadamente por Dio no ano seguinte (6 DC), Augusto teria estabelecido um tesouro militar, o militare aerarium. Sua função era a de prover o pagamento de tais gratificações. Augusto “preparou a bomba” com uma grande quantidade de dinheiro mas, a longo pra-zo, as receitas do Aerarium passaram a vir de duas novas taxas impostas aos cidadãos deste momento em diante: um imposto de cinco por cento sobre as sucessões (ou seja, uma espécie de direito devido à morte) e um por cento de imposto sobre as vendas de leilão. A introdução desses impostos causou um alvoroço, mas, como Augusto sabia bem, a tributação seria preferível a uma certa ruína financeira, consequente dos programas de assentamento de terras herdados da geração anterior. Augusto, assim, mudou uma parte do custeio da defesa da nação para o próprio bolso dos cidadãos em geral. Mas os salários para as tropas em serviço ativo continuaram a ser pagos pelo tesouro imperial. Augusto, desse modo, não poderia tolerar qualquer interferência, ou divisão de lealdades a respeito dese tema.

Em algum momento, indefinido dentro de seu longo reinado, Augusto teria ordenado que os soldados não poderiam se casar durante o serviço, e “franziu a testa” quanto ao costume dos oficiais superiores de levarem suas esposas para os estacionamentos pro-vinciais das legiões. Tal proibição, familiar aos estudiosos do exército imperial, não fora aplicado sob a República, quando os prazos curtos de serviço eram a norma. Suas van-tagens, no entanto, eram óbvias: as tropas ganhavam em mobilidade, pois as colunas em marcha não seriam oneradas por uma longa cauda de famílias. Em algum momento, inde-finido dentro de seu longo reinado, Augusto teria ordenado que os soldados não poderiam se casar durante o serviço, e “franziu a testa” quanto ao costume dos oficiais superiores de levarem suas esposas para os estacionamentos provinciais das legiões. Tal proibição, familiar aos estudiosos do exército imperial, não fora aplicado sob a República, quando

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os prazos curtos de serviço eram a norma. Suas vantagens, no entanto, eram óbvias: as tropas ganhavam em mobilidade, pois as colunas em marcha não seriam oneradas por uma longa cauda de famílias. Mais tarde, quando as legiões passaram a ocupar fortalezas permanentes, a proibição permaneceu em vigor; mas os soldados tomaram as mulheres locais, constuíram famílias e seus casamentos passaram a ser bastante regulares. Even-tualmente, tal proibição foi levantada por Severo, no fim do Século II DC.

AUGUSTO E SEUS SOLDADOS

Um grave perigo na República tardia sempre houve para as tropas, quando ela se encontravam sob o comando de um líder menos hábil ou sem princípios, que aproveitavam de suas prerrogativas de comandante militar para serem arrastados para a arena política — Sula e César são exemplos típicos. Um dos objetivos de Augusto, e certamente, uma das suas realizações, foi separar tropas e comandantes, para ocupar o exército em am-biciosas conquistas estrangeiras e mantê-lo leal apenas ao Imperador e só a ele. Ambo, tropas e comandantes, passaram a olhar para ele, ávidos de recompensas e promoções.

Ao longo de seu reinado, Augusto esteve preocupado em manter um vínculo entre os soldados e ele próprio: ele era o seu patrono, e eles os seus clientes. Suas lealdades, e a proximidade do vínculo, eram continuamente enfatizadas, especialmente na cunhagem que os soldados recebiam de Augustus, como os seus salários. As vitórias advindas ha-veriam de ser dele, o Imperador, e deveriam ser divulgadas como tal. O imperador e sua família recebiam o crédito e mantinham os Triunfos em Roma, e concediam donativos.

Freqüentemente, em seus primeiros anos, Augusto, pessoalmente, entrava em campo para mostrar-se ao exército, e estar diretamente envolvido em suas campanhas principais e seus sucessos. Ele também necesitava satisfazer as aspirações da aristo-cracia senatorial, agora privada, em grande parte, de suas recompensas tradicionais e honras. Mas ele teve, ainda, o cuidado de definir os seus comandos no contexto de uma estrutura de carreira civil, no âmbito do qual as responsabilidades militares deveram ser vistas como um elemento necessário, não como um fim principal. Os comandos ativos no campo não deveriam ser mantidos por longos períodos, para que também não desenvol-vessem um vínculo muito próximo com as tropas ou com os interesses provinciais.

OFICIAIS E CAVALHEIROS

Assim, o próprio Augusto, como procônsul, governava uma parte substancial do Império através de seus legados, os Legati Augusti, uma expressão que abrangia tanto os comandantes seniores, que governavam as províncias do Imperador (com poderes equivalentes a um propraetor sob a República) como os comandantes das legiões que formavam suas guarnições. Nós já vimos como os legados foram empregados por César, e o sistema (embora menos bem documentada) continuou ao longo das guerras civis, e em parte do reinado de Augusto. Os legados mais jovens continuaram a comandar uma ou mais legiões, ou um corpo combinado de tropas, especialmente quando acampavam em conjunto, quando a situação o exigia. É foi somente em diração ao final do longo rei-nado de Augusto, que começamos a encontrar a designação de legado legionário (legatus Augusti Legionis), que significava que os homens que estavam sendo indicados para co-mandar as legiões iriam permanecer com elas por um determinado número de anos. Estes legados legionários seriam homens jovens, com vinte anos no mínimo até trinta e poucos

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anos, todos homens que tinham realizado pelo menos uma magistratura em Roma, como Questor, Aedile ou Plebeian Tribune; alguns titulares já teriam sido até ex-Pretores. Mas, no final da era Julio-Claudiana o status de legado estava tornando-se obrigatório na escala de promoção da carreira senatorial. O comando de uma legião seria dado a um homem que já tinha servido como Pretor — a reversão para a prática dos meados da República.

Para os oficiais eqüestres, a expansão do exército e do império, e o crescimento do número de províncias, trouxeram uma grande variedade de compromissos. Ex-tribunos legionários foram empregados como governadores militares nas extensões dos territórios recém-conquistados, ou como comandantes de frotas, ou ainda como prefeitos de regi-mentos de infantaria ou de cavalaria auxiliar. Quando o reinado progride, e as inscrições, nossa principal fonte material, tornam-se mais abundantes, pode-se observar como o tri-buno estava se tornando um passo intermediário em uma estrutura de carreira, para subir na Ordem Equestre, para tornar-se tribuno e prefeito: o talento importava mais do que o nascimento em um contexto de Guerra Civil, e as portas, até então fechadas, por um de-terminado tempo foram abertas.

A estrutura da própria legião foi mantida intocada, exceto que cabe mencionar aqui, novamente, a categoria de reservistas criada pelas reformas militares augustianas de 13. Os homens que haviam concluído os básicos 16 anos de serviço foram retidos por quatro anos finais ‘sob um padrão especial”(sub vexillo). Após as alterações introduzidas no ano 5 DC o grupo era composto por homens que já tinham passado seu vigésimo ano de serviço. Estes reservistas ficavam com a legião, mas eram dispensados da ronda normal dos deveres do acampamento.

Teoricamente eles deveriam ser chamados apenas em situações de emergência, mas essa distinção foi logo corroída, em razão de ter se transformado em um motivo de descontentamento mais tarde. O grupo, parece provável que tivesse sido de cerca de 500 homens, em qualquer uma das legiões.

AUXILIARES

É hora de se dizer algo sobre o lugar dos auxiliares no novo regime de Augusto. Du-rante o final da República, tornou-se habitual para um exército romano em campanha fora da Itália ser assistido pela infantaria nativa solicitada às tribos aliadas locais e reis-clien-

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tes. César, na Gália, fez uso extensivo da cavalaria gaulesa e depois da germânicas, que se mostraram extremamente eficazes durante as Guerras Civis. Enquanto isso, Pompeu, Brutus e Cassius, e mais tarde Antôno, inspiram-se nos exércitos dos reis e dinastias da Ásia Menor, da Síria e do Egito.

Um grande número de tais tropas serviu durante as Guerras Civis, por longos perí-odos, muitas vezes longe de sua terra natal. No momento em que a paz voltou, seu papel e função potencial foram totalmente percebidos como um complemento necessário e va-lioso para as próprias legiões. Coortes de infantaria e alae (asas) de cavalaria auxiliar luta-ram ao lado das legiões nas guerras de conquista e expansão empreendidas por Augusto. Unidades de infantaria e cavalaria combinadas também são encontradas nestes eventos. Uma inscrição da data de Tibério menciona um praefectus cohortis Ubiorum peditum et equiturn (‘prefeito de uma coorte de úbios, soldados e cavaleiros), que é um dos primeiros exemplos desse tipo de unidade, de que iremos ouvir mais tarde.

No final das Guerras Civis muitos dos auxiliares presumivelmente foram mandados para casa, mas alguns regimentos certamente permaneceram como estavam, juntos com suas próprias legiões. Algumas destas unidades iniciais, muitas delas esquadrões de ca-valaria de gauleses e de germânicos levantados por César, ou por seus sucessores das províncias da Gália, mantiveram epítetos distintivos derivados de seu primeiro coman-dante — por exemplo ala Scaevae, presumivelmente originado de um velho centurião de César — ou de um oficial superior romano, para a ala Agrippiana, ou para a ala Siliana (talvez depois de Agripa, e um membro da família consular de Silas). Estas, e outras, tor-naram-se unidades permanentes do exército permanente de Roma. Mas muitas outras, provavelmente, ainda uma maioria, foram criadas de acordo com as necessidades do momento, de acordo com as obrigações de um tratado, para um compromisso curto ou de longo prazo, para servir perto, ou em sua terra natal. Um fenômeno interessante é um pequeno número de cidadãos-coortes: sabemos de um cohors APULA (ou seja, ‘criado em Apulia’) e um cohors Campanorum (‘criado na Campania’).

As circunstâncias de suas formações são desconhecidas. Menos certamente per-tencentes a este grupo são duas cohortes Italicae, que devem ter sido criados na Itália, mas o status cívico dos seus membros não é claro; eles não precisam ter sido cidadãos por nascimento. Frequentemente essas unidades levantadas nas províncias de obriga-ções decorrentes de tratados eram comandadas por seus próprios chefes ou pela sua no-breza; a cidadania era uma recompensa comum e adequada pelo serviço leal prestado por determinados agentes, mas não há nenhuma evidência de que o soldado comum tivesse recebido qualquer recompensa material, quando ele foi para casa.

Algumas unidades foram presumivelmente pagas e mantidas abastecidas pelas próprias comunidades. Mas para aquelas unidades que se tornaram uma parte formal da estrutura do exército, pode-se presumir um longo período de serviço, provavelmente combinado ao do legionário. Esses regimentos eram geralmente comandados por ex-cen-turiões, ou tribunos ex-legionários, mas a hierarquia conjunta de compromissos, mais tar-de, ainda não tinha sido estabelecida. Augusto, por outro lado, passou a designar jovens da família senatorial para comandar alae de cavalaria em pares. Isto não significava uma partilha de trabalho, mas sim um meio para aumentar o número de postos militares dispo-níveis para os jovens de origem senatorial.

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PODER MARÍTIMO E MARINHA DE GUERRA

A importância do Poder Marítimo, e o controle das rotas comerciais no Mediterrâ-neo, tornaram-se proeminentes da Guerra Civil de 49 em diante. Nesta oportunidade, os exércitos tinham de ser, repetidamente, transportados para os teatros de operações longe da Itália, enfrentando esquadrões navais hostis.

Pompeu, os Libertadores e, mais obviamente, Sextus Pompeius, mantinham gran-des frotas, uma ameaça para a Itália e para o abastecimento de alimentos da cidade. Os navios podiam ser fortemente guarnecidos por soldados. Várias legiões obtiveram, no período da Guerra Civil, o título de Clássicas.

O Poder Marítimo foi a pedra angular do controle de Antônio sobre o Mediterrâneo Oriental: um dos tipos mais comuns em sua cunhagem era o de uma galera. Aqueles que controlassem o Mediterrâneo oriental poderiam aproveitar as frotas de Rhodes, as cidades da Síria e do Levante, a Ásia Menor e, claro, o Egito, além dos conhecimentos dos almirantes profissionais nos moldes helenísticos. César e Otaviano, mais tarde, foram forçados a construir uma esquadra quase que a partir do zero.

Durante os preparativos para a guerra contra Sextus Pompeius, Otaviano estabele-ceu seguras instalações portuárias no Fórum Julii (Fréjus, na Provence); algumas destas estruturas foram localizadas através de escavação arqueológica. Mais importante, sob a direção do espírito naval de Agripa, grandes instalações foram desenvolvidas na Baía de Nápoles, no lago Lucrine, que foi aberto para o mar, e interligado a um canal que deman-dava o lago Averno, mais para o interior, que oferecia um seguro porto interior; os túneis de Cumae e Puteoli facilitaram a transferência de homens e materiais. Muitos dos armazéns e instalações associadas às docas deste grande complexo, que teve o nome do Portus Julius (após Otaviano), foram detectados pela arqueologia subaquática na Baía, e por fotografia aérea sobre suas águas.

Após Actium, os navios de guerra e as tripulações de Antônio foram enviados para o Fórum Julii, mas logo foi resolvido que as principais bases de uma frota romana perma-nente deveriam ficar na própria Itália. Instalações foram, então, construídas em Misenum, na ponta ocidental da Baía de Nápoles, e em Ravenna perto da cabeça do Adriático. Em Ravenna, uma lagoa interior ao sul da cidade foi adaptada para formar um ancoradouro seguro, e ligada diretamente ao rio Pó por um canal, a Fossa Augustea. O Portus Julius no lago Lucrine logo foi abandonado, apesar das energias despendidas na sua construção, talvez por causa de um afundamento — ou menos convincente — por causa de um pode-roso lobby empresarial de comerciantes que exploravam os bancos de ostras que tinham tornado o lago Lucrine, por muito tempo, famoso. Cada uma das duas frotas principais foi estacionada sob o comando de um praefectus classis e, muitas vezes, de um ex-tribuno que já poderia ter realizado um comando com as forças auxiliares.

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TIPOS DE NAVIOS DE GUERRA ROMANOS

Monorreme

Birreme

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Trirreme

Quadrirreme

Quinquerreme

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TROPAS DA CIDADE

Augusto estabeleceu, pela primeira vez, o que foi, efetivamente, uma guarnição militar para a própria Roma. As mais importantes dela foram as coortes pretorianas. Sob a República, um magistrado em campanha poderia ter uma pequena escolta e guarda--costas, chamadas de cohors praetoria. Após a morte de César, tanto Otaviano como Antônio formaram grandes tropas de guarda-costas extraídas dentre os veteranos de Cé-sar. Depois da Batalha de Filipos aqueles veteranos que se recusaram à oferta de terras para assentamento, permaneceram para formar uma pluralidade de cohortes praetoriae, à disposição dos dois triúnviros. Após Actium, Otaviano manteve suas coortes para formar um tropa de guarda-costas em tempo de paz. Nós a conhecemos melhor como Guarda Pretoriana. Havia nove coortes no total, cada uma, provavelmente, com 500 homens, organizados em pequenos contingentes. O número total de coortes formadas não é co-nhecido. Augusto pode não ter formado 10 dessas coortes, para não lembrar ao púbico a formação de uma legião pessoal, mas o total de nove poderia ter refletido alguma fusão de sua própria guarda pesssoal com a de Antônio, após Actium. Consciente de uma brecha na tradição republicana para a manutenção de uma força militar na capital, primeiro Au-gusto estacionou em Roma apenas três coortes, a um dado momento, sendo os homens distribuídos em pequenos grupos nas casas de alojamento. O restante foi alojado em cida-des vizinhas, mas que não são identificadas. Inicialmente, os pretorianos não dispunham de qualquer comandante geral, mas em 2 DC, Augusto escolheu dois equestrian praefecti praetorio para exercer o comando conjunto. Durante as Guerras Civis as cohortes prae-toriae tinham sido formadas a partir das fileiras das legiões — após a Batalha de Filipos, novos grupos foram constituídos inteiramente de legionários que tinham cumprido o tempo legal de serviço e se mostraram inclinados a se manter em serviço. Eram, assim, um corpo de elite; mas sob Augusto (e posteriormente) seus membros passaram a ser recrutados diretamente da vida civil.

Em 13, o serviço na Guarda foi fixado em 12 anos (aumentado em 5 DC para 16 anos): este foi, certamente, o tempo total de serviço, não sendo computado o tempo de serviço já prestado como legionário anterimente, o que marca uma transição importante. Sua remuneração foi fixada em uma vez e meia a taxa devida ao legionário, e mais tarde foi aumenada para três vezes, o que gerou um forte descontentamento e inveja entre as legiões nas fronteiras selvagens. Augusto também manteve, a partir das Guerras Civis, um pequeno esquadrão de “proteção pessoal”, os Germani corporis custodes (guarda-costas alemães), provenientes de tribos da Renânia.

Além disso, ele estabeleceu uma força policial para a cidade, três cohortes urba-nae. Estas foram confiadas ao senatorial praefectus Urbi. O número de cohortes, talvez, tivesse a intenção de combinar com as três cohortes praetoriae que Augusto reteve dentro da própria cidade. Finalmente, Augusto, em 6 DC, estabeleceu uma brigada-de-incêndio permanente, substituindo, desse modo os vários grupos ad hoc que existiam até então. Sete coortes de Vigiles foram também formadas, principalmente a partir de homens liber-tos. Cada coorte seria responsável por combater os incêndios em duas das 14 regiones em que a cidade foi então dividida. Efetivamente, a cidade, agora, tinha uma guarnição de cerca de uns 6.000 homens (excluindo os Vigiles), que mantinham a ordem e o status quo, da maior cidade do Mediterrâneo, com uma população de quase um milhão.

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POLÍTICA ESTRANGEIRA

Se por um lado a era de Augusto ficou marcada na Itália por um retorno à paz e por uma estabilidade, por outro, ela também viu uma grande explosão de atividades nas províncias, quando novas áreas foram invadidas e as províncias existentes foram conso-lidadas, depois de um longo período de negligência e abuso durante as Guerras Civis .

O próprio Augusto, o seu chefe confidente Agripa, e mais tarde os seus afilhados Tibério e Druso, assumiram um papel importante, e o exército foi mantido em sua total plenitudde durante a maior parte do reinado de Roma. Uma sequência de sucessos, al-guns não obtidos muito facilmente, produziu uma sequência de triunfos magníficos para o Imperador, sua família e vários de seus legados, anunciando o sucesso contínuo de suas políticas e o trabalho dos exércitos fazendo campanhas, agora, longe de casa.

O registro literário desta época é muitas vezes insignificante, e as fontes arqueo-lógicas e epigráfica sãos extremamente restritas, em comparação com os dos períodos posteriores, e não permitem que se tracem detalhes dos movimentos de tropas ou se identifiquem seus acampamentos. Na maioria dos anos, viu-se um ciclo de concentração de um exército províncial em um acampamento de verão (castra aestiva) em condições de prontidão para realizar campanhas, ou para atender a uma ameaça em potencial. No ou-tono as legiões eram distribuídas em um determinadonúmero de bases de inverno (castra Hiberna), tal como durante as conquistas de César na Gália. As bases de inverno podiam ser usadas repetidamente, de modo que alguns barracos de madeira ou até mesmo estru-turas de pedra eram erigidos e mantidos de pé ao longo dos anos. mas é, provavelmente, muito cedo para se falar destas Hibernas como ‘fortalezas’.

Foi somente com o registro mais completo fornecido pelos anais de Tácitus que se obteve um relato da história do Império a partir da morte de Augusto em 14 DC, quando podemos começar a identificar e localizar guarnições com alguma certeza. Frequente-mente, são atestadas legiões sob Augusto, em províncias distantes de suas verdadeiras áreas de estacionamento; vale lembrar que a distribuição de legiões nas províncias fron-teiriças do Império não era objeto de determinação naquele momento. Augusto estava ansioso por ocupar as energias do exército em definir e proteger as fronteiras dos bens romanos, mas ele foi cauteloso sobre como estender o domínio romano para muito longe do coração do Mediterrâneo, exceto onde a insegurança das fronteiras exigisse ação por parte das legiões. Assim, ele resistiu aos pedidos para a incorporação da Bretanha, do sul da Arábia e da Partia por um público que achava que nada havia além do poder das legiões invencíveis de Roma

GÁLIA E ESPANHA

Em virtude das suas responsabilidades recém-adquiridas, Augusto dirigiu suas atenções primeiro para a Gália, tendo viajado para lá no verão de 27. Sabemos pouco sobre a disposição das tropas na Gália, neste momento, mas, presumivelmente, a maior parte das legiões estava na Gallia Comata sobre ou perto do próprio rio Reno. Parece provável que alguns postos já tivessem sido estabelecidos no Reno, em Estrasburgo e na Vindonissa, guarnecidos por unidades auxiliares regulares, ou por meio de imposições às tribos nativas que agiam conforme o interesse romano. Outras tropas parecem suscep-tíveis de terem sido levantadas na Aquitânia, para controlar o canto sudoeste da Gália. Pode-se supor haver 4 ou 6 legiões como a guarnição da Gália, entre as quais, cita-se,

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provavelmente, as Legio XVII a XIX e a Legio XXI.

Fig 40 - Acampamento de inverno perto de Folleville no vale do Somme, revelado por fotografia aérea. Mede 39 acres (15.9 hec-tares). A extensão de trabalhos com terra ao redor sugere que o acampamento teve uma ocupação temporária.

Um acampamento de Augusto parece ter havido, provavelmente perto de Folleville, no vale do Somme (Ver Fig. 40). A comunicação com a Itália foi melhorada com a subju-gação final do alpino Salassi que guarnecia o passo de St. Bernard, onde foi estabele-cida uma colônia de veteranos da cohortes praetoriae no seu território em Aosta (colonia Augusta Praetoria) em 25. O comprimento da vala encontrada durante uma escavação nos arredores da cidade foi, inicialmente, interpretado como parte das defesas do acam-pamento romano, no local em que a própria colônia foi implantada, e que, agora, é enten-dido, apenas, como um curso d’água natural. Logo depois foram localizados postos defen-sivos estabelecidos no Walensee que protegeram a Helvécia de ataques dos Raetian do Oriente, e fortes, que foram colocados no próprio Reno, na Basileia, em Oberwinterthur, e em Zurique, na linha de comunicação sudoeste, em direção ao coração da Gália.

Da Gália, Augusto deslocou-se para a Espanha, quando inaugurou uma longa série de campanhas contra os Cantabrianos, Asturianos e outras tribos do norte e oeste da Península Ibérica. Até sete legiões participaram de tais campanhas, algumas, talvez, le-vantadas por Augusto na Gália. Existem registros da participação das Legio I, II Augusta, IIII Macedonica, V Alaudae, VI, VIIII, e X Gemina.

Duas delas eram ex-legiões de Antônio (Legio V e X), agora transferidas para o ocidente. A luta continuou até 19. Naquele ano, uma legião, talvez a Legio I, que já tinha adquirido o epíteto distintivo de Augusta (atestado por Augusto na Gália ou na Espanha?) por algum motivo não especificado, foi destituída do título. Logo depois a legião foi transfe-rida para a fronteira do Reno. A Legio VIIII adquiriu seu título permanente de Hispaniensis a partir de sua participação nessas guerras — o título foi concedido em meados do rei-nado de Augusto. A Legio VI também se tornou Hispaniensis em razão do seu serviço na Espanha, mas a data do prêmio não é conhecido.

Depois que as tribos haviam sido subjugadas, a força da guarnição residente pode ter sido reduzida para 3 legiões pelos últimos anos de de Augusto. Demarcadores de fron-teira, comprovam a extensão da prata legionis (“pastagem das legiões”) de uma das uni-dades da guarnição , a Legio IIII Macedonia, posicionada em ou perto de Aguilar de Cam-póo no rio Pisuerga (o nome Aguilar deriva de aquila). As bases das outras duas legiões

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da antiga guarnição de Augusto — Legio VI Hispaniensis e X Gemina — certamente não são conhecidas. As colônias para os veteranos que serviram ao tempo das campanhas espanholas foram estabelecidas em Merida, na Lusitânia (colonia Augusta Emerita) — os homens das Legio V e X receberam terras lá em 25, e em Zaragoza (colonia Caesarea Augusta), provavelmente, em 19.

Os veteranos das três legiões (IIII, VI e X) da guarnição então reduzida também recberam terras lá.

A PARTIA E O ORIENTE

Já há algum tempo que se tinha dado atenção para a fronteira oriental do Império. Em 25, a Galácia foi adicionada ao Império após a morte de seu rei Amintas e, durante a mesma década, outros estados clientes foram remodelados ou reunidos na sequência da derrota de Antônio. Algumas das legiões de Marco Antônio permaneceram como guar-nições permanentes nas províncias orientais: A Legio VI Ferrata e a Legio III Gallica na Síria, a Legio III Cyrenaica (menos certamente) e a Legio XII Fulminata no Egito. Elas se juntaram à Legio X Fretensis de Otaviano (que parece ter ficado por algum tempo na Macedônia, antes de passar para o oriente). Com a morte de Amintas, suas tropas, já treinadas na maneira romana (como citado acima), foram reconstituídas para formar a Legio XXII Deiotariana, sendo enviada para o Egito. Outras legiões —V Macedonica, VII, VIII e Augusta — quase que certamente serviram na Ásia Menor, no início do reinado de Augusto, talvez sob um legado da Galácia.

O principal inimigo no Oriente eram os partos, contra quem os romanos lutaram sob Crassus e, mais tarde, Antônio, combinado com um fracasso de uma tentativa parta em anexar a Síria em 40-39, em ambas sendo mostrado o valor de um fronteira de deserto comum. O chefe baluarte do poder romano era a guarnição legionária no norte da Síria, ali colocada para proteger contra possíveis incursões dos partos. Em 6, sabe-se que a guarnição da Síria era de 3 legiões e, até o final do reinado de Augusto, tinha aumentado para 4. As bases das legiões neste momento não são reportadas

Em 20, Roma alcançou um novo entendimento com a Partia, quando foi apresenta-do um triunfo diplomático: águias e estandartes, e até mesmo alguns prisioneiros, perdido spor Crassus em 53, e outros comandantes, foram restituídos. A máquina de propaganda romana foi rápida, ao retratar a couraça de um juvenil Tibério recebendo de volta, em nome de Augusto, uma aquila de um representante parta.

No Egito, a exploração dos recursos do país e da população nativa continuaram sob o domínio romano. Três legiões foram baseadas lá depois de Actium, sob a respon-sabilidade total de um equestrian praefectus Aegypti: um em Nicópolis, na periferia leste de Alexandria (um nome moderno para o sítio é Kasr Kayasira ou seja, Castra Caesaris), onde Otaviano tinha estabelecido o seu acampamento em 30 e derrotou Antônio em um último encontro.

Outra legião estava na Babilônia, perto do atual Cairo, e a terceira em algum lugar no Alto Egito — provavelmente em Tebas. Um membro da guarnição, a Legio III, talvez tenha alí obtido seu título Cyrenaica — se é que já não estava em uso — em razão de uma ação policial bem-sucedida na fronteira ocidental da província; por um tempo, a Legio XXII também pode ter utilizado o título Cyrenaica. O nome da terceira legião da guarnição, mais tarde transferida, ao que parece, para a Síria, não é certamente conhecido, mas pode ter sido a Legio XII Fulminata. Uma expedição em 25 que tinha por objetivo capturar o porto

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florescente de Eudaemon (Aden) na boca do Mar Vermelho, em que destacamentos de uma ou mais das legiões participaram, foi um completo fracasso.

As ricas terras de milho da África eram protegidas por uma guarnição da Legio III Augusta, com base em Ammaedara (Haidra), que em 14 AD havia sido ligada à costa leste da Tunísia por uma nova estrada arterial, construída pela legião ex cast(ris) hibernis (a partir do seu acampamento de inverno) para Tacape, a atual Gabes. O título Augusta poderia estar ligado a uma campanha bem sucedida contra tribos do deserto em 19. que gerou um Triunfo para o procônsul Cornélio Balbo. Não seria surpreendente se tivesse havido outras legiões que serviram na África sob Augusto; existem poucas evidência para a Legio VIII Augusta, da qual dois membros que nela serviam morreram naquela província, numa data próxima.

A FRONTEIRA NORTE1

Nas duas últimas décadas do Século I AC, a ênfase mudou, dramaticamente, vol-tando-se para as fronteiras do norte do Império, que consistiam de um grande arco inicia-do a partir do delta do rio Reno, prosseguindo através dos Alpes e das franjas do norte da Macedônia e Trácia até o Mar Negro.

O atingimento de um limite racional e defensável para as possessões romanas no norte iria ocupar Augusto para o restante de seu reinado. No período de 29 a 27, M. Licínio Crassus, neto do triúnviro, tinha invadido, com sucesso, toda a área compreendida entre a Macedônia e o curso inferior do rio Danúbio, ganhando um triunfo sobre as duas principais tribos, os Getae e os Bastarnas (às vezes conhecidos coletivamente como Citas). Seu exército provavelmente continha a Legio V Macedonica e, talvez, as Legio VII e XI; deve ser provável que a Legio IIII tenha adquirido seu título Scythica neste momento. A Legio XX também esteve no baixo Danúbio, em algum momento, durante os primeiros anos de Augusto.

O próprio Augusto foi para a Gália em 16, em resposta a uma incursão feita pelo germânico Sugambri, que derrotou o exército do legado, M. Lollius, quando uma das le-giões, a V Alaudae, recentemente transferida da Espanha, perdeu sua águia-símbolo: a desgraça final. Toda a massa alpina foi, finalmente, subjugada por Tibério e seu irmão mais novo Druso, que em 16/14 levou forças romanas para o norte, para a linha do Da-núbio superior, onde criou as novas províncias de Raetia e Noricum. Parece provável que as Legio XVI e XXI tivessem formado a guarnição inicial de Raetia, talvez em uma base conjunta em Augsburg Oberhausen, e um destacamento da Legio VIII Augusta é relatado durante o reinado de Augusto na fortaleza de Magdalensberg em Noricum. A principal base deste tempo estava em Dangstetten, no norte de Basileia, que foi mantida por um tempo pela Legio XIX.

Com as barreiras do Reno e do Danúbio alcançadas, pelo menos por alguma parte considerável de suas forças combinadas, poderia parecer que os romanos tinham atingido as barreiras naturais do norte. Mas a partir de 13, Druso levou forças romanas até o rio Weser e até mesmo até o rio Elba e, depois da sua morte em 9, Tibério consolidou esses ganhos, formando uma nova província inteira, a Germania, que parecia êstar prestes a ser adicionada ao Império. Como fonte literária para as guerras do norte tem-se um relato escrito pelo historiador Veleio Paterculus, que serviu na Alemanha e na Ilíria como um equitum praefectus, e depois como legatus. Veleio tem sido pouco considerado como um

1 Ler ao final desta seção: A Gália sob o domínio romano e as guerras e trabalhos de Augusto.

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historiador, por causa da sua adulação excessiva de Tibério, mas os seus escritos são valiosos e contemporâneos.

Fig 41 Sítios romanos sobre e além do Reno, antes de 9 DC.Nota: Os pequenos pontos indicam fortes ocupados por regimentos auxiliares, idicados por um oficial que realmente participou em muitas das campanhas. Du-rante o exílio virtual de Tibério em Rhodes (6 AC a 2 DC), houve uma espécie de calmaria, mas com o seu regresso, os exércitos romanos novamente fizeram campanhas para além do Reno; O acampamento de inverno de Tibério em 4 a 5 DC ficava perto das cabe-ceiras do rio Lippe. Em 5 DC, os romanos novamente se encontraram na margem do RO Elba. Uma frota navegou pelo rio vindo do Mar do Norte e juntou forças com as legiões.

Muito tem sido aprendido nos últimos anos, por meio das escavações arqueológi-cas e trabalhos de campo, sobre o progresso dos exércitos de Druso e Tibério (Fig. 41). Por exemplo, a base de operações anfíbias ao longo da costa da Frísia foi a de Vechten no velho Reno, a partir da qual a fossa Drusiana, na linha do rio Vecht, levava à Zuider Zee e ao norte do Oceano. Com menos certeza, cita-se, uma grande base em Nijmegen, com cerca de 103 acres (42 hectares) que pode ter pertencido a este período inicial. Vetera perto de Xanten, no cruzamento do Reno e do Lippe, foi o ponto de saída para todas as operações de Druso em direção à planície do norte da Alemanha.

Figura 42 Acampamento do período de Augusto em Neuss. O sistema de valas alongava-se por até 9 acampamentos diferentes que deviam estar localiza-dos à oeste da última fortaleza.

Uma base de inverno para duas legiões, reconstruída várias vezes em diferentes alinhamentos durante o período de Augusto, foi lá localizada. Mais ao sul, o acampamen-to em Neuss também foi reconstruído muitas vezes sob Augusto, para abrigar forças de vários tamanhos, até quatro legiões (Fig. 42); a primeira ocupação do sítio não deve ter

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ocorrido muito após o ano 20. Um dos primeiros acampamentos produzidos pertenceu à Legio V Alaudae. Na vizinha Cologne também estava em uso um acampamento desde antes de 9 DC, que serviu por um tempo à Legio XIX, que foi destruído no desastre de Varo. No curso superior do rio Reno, a mais importante base encontrava-se em Mainz (Mogontiacum), na junção dos rios Reno e Main, cujo acesso poderia ser obtido por todo o sul da Germânia. O quadro geral formado em razão das evidências arqueológicas é o de uma gande fluidez de movimento: nem todas as bases poderiam ter sido ocupadas ao mesmo tempo; os diferentes enfoques e objetivos idealizados para cada ano são os res-ponsáveis pelos períodos de abandono.

Alguns também estimam que os movimentos romanos deram-se a leste do Reno, ao longo das principais rotas de comunicação e de invasão, na própria Germania. Ao longo do vale do rio Lippe, o progresso de Druso e Tibério foi marcado por um grande acampamento de marcha em Holsterhausen, e outro (para duas legiões) em Haltern (Fig. 43). Este último foi subsequentemente coberto por uma base de inverno para uma legião (Fig. 44), com o nome de Legio XIX. Mais a leste foram localizados uma base de inverno de duas legião e uma pequena fortaleza em Oberaden (com muito equipamento militar, incluindo pilas, que foram recuperados), e ainda vestígios de um acampamento romano detetados em Anreppen, a 80 milhas a leste do Reno.

Fig 43 Haltern: plano geral do sítio romano, que compre-ende um acampamento de inverno para uma legião (Fig. 44) que cobre um campo de marcha para duas legiões; uma fortaleza na colina Annaberg, e depósitos em Wie-gel e Hofestatt, parcialmente corroídos pelo rio

Estes são, claramente, elos de uma corrente que conduz ao Elba. As fontes literárias citam uma dessas bases de inverno como Aliso. que Cassius Dio diz-nos ter sido construída, pela primeira vez, em 11 anos e que ainda estava sendo usada em 9 DC. Talvez Aliso deva ser identificado com Haltern. O famoso “plano de terreno” de Haltern é um guia valioso para se obter o layout de um acam-pamento romano construído com madeira, sendo precedido por uma fortaleza construída em pedra, em Vetera (Fig. 52) por 50 anos e em Inchtuthil (Fig. 47) por quase um século.

Mais ao sul, a rota de Druso tinha sido ao longo do Main, em Wetterau. Uma peque-na base de suprimentos foi encontrada em Rödgen, 35 milhas a leste do Reno, e suspeita--se haver outros sítios. Rödgen, cujo interior é dominado por edifícios, celeiros e armazens (Fig. 45), pode ser visto como um ponto intermediário ao longo da rota-chefe da campanha romana para o leste. Certamente fica claro, agora, que os romanos mantiveram bases semi-permanentes a leste e atrás do Reno, no final de cada temporada de campanha.

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A GÁLIA SOB O DOMÍNIO ROMANO E AS GUERRAS E OBRAS DE AUGUSTO

Durante as últimas campanhas de Cesar na Gália, ele capturou tantos prisioneiros que passou a ser dito que a cada soldado do Exército romano tinha pelo menos um es-cravo gaulês; mas, apesar da derrotas esmagadoras, os gauleses cresceram novamente e, outra vez, foram punidos por César que mandou decepar-lhes a mão direita. Isto, final-mente, fez terminar as guerras gaulesas.

Em oito anos (58 a 50 AC), César fez oito campanhas na Gália, tomou 800 cidades, conquistou três centenas de tribos, e derrotou mais de 300.000 guerreiros. Cerca de um terço das pessoas foram mortas, e outro terço foi reduzido à escravidão e, por isso, quan-do a guerra acabou, apenas cerca de um terço dos gauleses ainda tinha sido deixado em suas antigas casas.

Em face de tudo Isto que César realizou em tão pouco tempo é que ele passou a ser considerado o maior general da história romana. Em seguida, ele mostrou-se um esta-dista sábio ao permitir que os conquistados gauleses se sentassem no Senado Romano, para lutar nas legiões romanas e desfrutar de todos os direitos da cidadania romana, de modo que eles logo fizeram amizade com seus antigos inimigos, os romanos; e nos últi-mos tempos, houve gauleses, até Imperadores de Roma.

A generosidade romana para com esses inimigos conquistados deu, assim, bons frutos. Os gauleses da parte sudoeste do país foram os primeiros a se submeterem, tranquilamente, à nova regra, rapidamente aprendendo a língua romana e seus hábitos. Sob a direção de seus conquistadores eles derrubaram florestas, drenaram pântanos, construíram cidades e erigiram belos templos, aquedutos, banhos, teatros e casas, algu-mas das quais ainda existem, suscitando a admiração dos viajantes. Quando os romanos foram pela primeira vez para a Gália, a maior parte do país era selvagem e densamente arborizada. Eles descobriram que o solo era muito rico e produtivo e, em pouco tempo, a maior parte da França foi transformada em campos cultivados com olivais e vinhas. O comércio e a indústria aumentaram rapidamente.

Os romanos fixaram a capital da Gália em Lyon. Esta cidade ficou importante só por estar em uma posição central, mas também por estar localizada na junção de dois grandes rios, o Ródano e o Saon, sendo o ponto de partida para 4 grandes estradas ro-manas, que levavam ao Reno, ao canal inglês, ao oceano e ao mar Mediterrâneo. Como estas estradas eram as únicas boas existentes no país naquela época, elas foram muito usadas; e qualquer viajante que viesse de Roma, ou do sul, demandando qualquer parte do norte da França, Germânia, ou Bretanha, teria que passar por Lyon em seu caminho.

Depois que César morreu, seu sobrinho Augusto tornou-se Imperador, e governou a Itália e todas as províncias romanas. Embora em alguns aspectos, ele tivesse sido me-nos generoso com os gauleses que César, ele os tratava bem, e visitou Lyon, onde ele fez um discurso que ainda está lá preservado em tábuas de bronze.

Ele dividiu a Gália em quatro províncias, cada uma delas governada por cônsules, permitiu que as cidades se auto-governassem, estabeleceu escolas e estacionou legiões romanas ao longo do Reno para proteger o país das incursões dos bárbaros do norte. Os romanos, agora, teriam de defender a Gália, porque a maioria das pessoas que ficaram no país eram, apenas, agricultores e operários pacíficos.

Augusto e seus sucessores proibiram os sacrifícios humanos na Gália, mas por um tempo permitiram que os druidas continuassem a praticar a sua religião, e deram aos deuses gauleses um lugar ao lado de seus próprios no Pantheon romano, ou templo para

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todos os deuses. Em seguida, eles, inteligentemente, mostraram aos gauleses que havia, afinal, muito pouca diferença entre os dois modos de adoração,pois, por exemplo, ambos adoravam um deus da guerra, embora ele fosse chamado de Marte em Roma e Hesus na Gália. Assim, pouco a pouco, eles trouxeram uma mudança na religião, de modo que o culto druída chegou ao seu fim, em meados do primeiro século da Era Cristã.

Os gauleses eram tão inteligentes que alguns deles não só aprenderam tudo dos romanos, como também puderam ensiná-los, mas logo tornaram-se grandes estudiosos, os melhores construtores e os operários mais hábeis do que os seus próprios professo-res. Eles ficaram numa situação bastante confortável nos primeiros tempos sob o domí-nio romano, no entanto alguns dos cobradores de impostos mostraram-se desonestos, e pediram mais do que era devido. Isto ocorreu, contudo, contra a vontade do Imperador Augustus, e quando ele descobriu o que um homem havia feito, foi ter com ele e o acusou de roubar. Este homem, sabendo que o imperador amava o dinheiro, escapou da punição dando a Augusto todos os bens roubados, dizendo: “Eis o tesouro que eu reuní, eu estava com medo que os gauleses mantivessem consigo tanto ouro que eles iriam usá-lo contra ti; Eu, agora, o entrego para ti”. Diz-se que Augusto aceitou este suborno, fingindo acredi-tar que o coletor de impostos tinha afirmado a verdade!

Impostos injustos causaram várias revoltas entre os gauleses durante o primeiro século da Era Cristã. Uma delas começou na Bélgica, onde os chefes, encontrando-se derrotados, escolheram a morte ao invés da escravidão. Outra revolta, alguns anos mais tarde, foi liderada por um gaulês que, ao pedir uma profetisa para seu aconselhamento, foi proibido de lutar antes da lua nova. Os romanos, ao descobrirem isso, atacaram os rebel-des antes da hora marcada, e como os gauleses não ousavam desobedecer as ordens de sua profetisa, quase todos eles foram mortos.

Sabino, um deles, que havia sido eleito rei, não vendo outra esperança de fuga, ateou fogo em sua própria casa e, mergulhando através das chamas, refugiou-se em um cofre de pedra, onde o fogo não podia alcançá-lo. Seus próprios companheiros, assim como os romanos, pensaram que ele tinha morrido, e só a sua esposa e um escravo fiel estavam cientes da sua pessoa ainda viva.

Para fugir à sua solidão, sua fiel esposa mandou que seus dois filhos procurassem o pai em seu refúgio escuro, para animá-lo. Apenas duas vezes em todos esses anos ele saiu do refúgio, enquanto sua mulher pensava em um meio mais seguro para fazer esca-par o seu marido. Enquanto isso, o escravo fiel diariamente lhe levava comida, até que um dia, um romano suspeitou ao vê-lo, e descobriu o segredo.

Toda a família foi então arrastada diante do Imperador Vespasiano, e a pobre mu-lher caiu a seus pés com ambos os seus filhos, chorando: “Eis que eu amamentei essas crianças no túmulo, para que possamos ser algo mais para implorar o sua perdão! “Mas o Imperador havia resolvido fazer de Sabino um exemplo e, friamente, condenou-o à morte. A esposa infeliz por isso exclamou: “Então me matarás também, pois eu fui mais feliz com ele na escuridão subterrânea do que você já o foi em seu trono imperial!”

Seu desejo foi atendido: marido e esposa foram mortos, mas seus filhos receberam uma boa educação, e um famoso escritor romano nos diz que ele conheceu um deles no templo de Delfos, muitos anos depois.

AS GUERRAS DE AUGUSTO

Em 29 AC, o Senado romano ordenou o fechamento das portas do Templo de Ja-

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Extensão do Império Romano sob Augusto; a legenda em amarelo representa a extensão do Império, em 31 AC; os tons verdes representam os territórios conquistados gradualmente sob o reinado de Augusto, e as áreas em rosa no mapa representam os Estados clientes

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nus, no Fórum Romano, pela primeira vez em mais de 200 anos, significando que o Es-tado romano não estava em guerra. Este ato, supostamente, agradou Augusto que, em seguida, em seu quinto consulado, prestou as maiores honrarias sobre o feito. Mas tal fechamento não poderia ter sido menos apropriado. Como o próprio historiador Dio apon-ta, havia grandes operações em curso contra o Treveri na Gália, e os Cantabri e Astures na Espanha. Além disso, o encerramento inaugurava quase meio século de guerras pra-ticamente incessantes, como resultado do fato de que o Império Romano havia assumido fronteiras que ele deveria manter, com algumas modificações, por toda a sua história.

CRONOLOGIA

30 ACGÁLIA: As tribos Morini e Treveri da província da Gália Comata (região atual de

Pas-de-Calais a NE da França), rebelaram-se contra o domínio romano e os alemães suevos atravessaram o Reno para dar-lhes apoio. Mas os Morini foram derrotados pelo procônsul (governador) da Gália, Gaius Carrinas, que passou a expulsar os Suevos, em razão do que foi-lhe atribuído um Triunfo conjunto com Augusto em 29 AC.

EGITO: O praefectus Aegypti (governador do Egito) Gaius Cornelius Gallus sufo-ca duas revoltas locais em Heroonpolis, no delta do Nilo e na Tebaida. Posteriormente, ele lidera um exército romano para o sul da primeira catarata do Nilo, pela primeira vez. Ele estabelece um estado-fantoche chamado Triacontaschoenos sob um reinozinho local, para agir como uma zona-tampão entre o Egito e a Etiópia (ou seja, o reino de Aksum), bem como um protetorado livre na Etiópia. Apesar do seu sucesso, Gallus incorre no de-sagrado de Augusto, ao erigir monumentos a si mesmo e é chamado de volta a Roma, é julgado pelo Senado e condenado por várias acusações não especificadas, sendo banido.

29 ACGÀLIA: A revolta dos Treveri é sufocada pelo novo proconsul da Gália, C. Nonius

Gallus, que é recompensado com o título de Imperator (comandante supremo). BAIXO DANÚBIO: O procônsul da Macedónia, M. Licinius Crasso, neto de Cras-

sus, o triúnviro, lança a conquista da Moesia. Ele persegue um exército de Bastarnas, que estava invadindo uma tribo aliada dos romanos, volta-se sobre as montanhas Haemus (Balcãs), mas não consegue trazê-los para a batalha. Ele, então, marcha contra uma grande fortaleza mantida pelo povo Moesi. Apesar de sua vanguarda ser vencida por uma sortida Moesi, Crassus consegue tomar a fortaleza. Depois disso, ele intercepta e derrota Bastarnaes perto do rio Ciabrus (Tsibritsa, na Bulgária), matando, pessoalmente, seu líder em combate. Aqueles que conseguem escapar com Bastarnaes através do rio Danúbio, entrincheiraram-se em um ponto de apoio natural, que Crassus desaloja com a ajuda do rei local de Getae. Crassus, em seguida, volta sua atenção, novamente, para os Moesi. Depois de uma campanha longa e árdua, ele força a submissão da grande maioria dos Moesi.

26 ACESPANHA: Augusto assume, pessoalmente, o comando da campanha contra os

Cantabri. EGITO: Em rsposta a uma diretiva de Augusto, o praefectus Aegypti, Aelius Gallus

(nenhuma relação com seu antecessor, Cornelius Gallus) lidera uma expedição através

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do mar Vermelho contra os Sabeus da Arábia Felix (atual Iémen). A atração principal desta região era a produção de substâncias aromáticas, tais como olíbano e a mirra, que eram muito apreciadas em Roma. Além disso, a ocupação de Sabaea daria aos romanos o controle de ambos os lados da entrada do mar Vermelho, no estreito de Bab-el-Mandeb, onde Cornelius Gallus tinha estabelecido uma guarnição em Arsinoe (perto de Assab, na Eritrea) na costa da Etiópia. A expedição foi composta por 10.000 soldados, incluindo alia-dos, e 130 navios fretados. Gallus ainda contava com a ajuda dos Nabateus árabes do NW da Arábia, cujo rei Obodas era um aliado romano e contribuiu com 1.000 guerreiros sob o comando de seu secretário-chefe, Syllaeus. Mas este último, alegadamente, sabotou a missão por meio de mau aconselhamento. A força navegou de navio deede Clysma (Suez, no Egito) até Leuke Come (provavelmente Sharmah, Hijaz, a NW da Arábia Saudita), mas sofreu pesadas perdas em trânsito, em razão de tempestades, de modo que em sua che-gada, Gallus é forçado a passar o resto do ano em Leuke, para dar aos seus homens a chance de se recuperar e para efetuar reparos em sua frota.

25 ACESPANHA: Augusto, embora no comando nominal da campanha contra os Astu-

res e os Callaeci, está incapacitado por motivo de doença. A campanha é levada a uma conclusão bem-sucedida, com os últimos rebeldes sendo esmagados pelos governadores das Hispânias Citerior e Ulterior, respectivamente, Gaius Antistio Vetus e Publius Carisius.

ALPES: Augusto envia um exército sob o comando de Aulus Terentius Varro Mure-na contra a tribo Salassi da região de Val d’Aosta do NW dos Alpes. A tribo controlavao o grande passo de São Bernardo, a rota mais curta entre Itália e região do Alto Reno

A BARBARIZAÇÃO DA GÁLIA

A GáliaAugusto era um administrador brilhante. Muito do seu melhor trabalho pode ser

visto nas províncias romanas. Roma adquiriu um império por acidente e aprendeu a admi-nistrá-lo pouco a pouco, e uma das maiores conquistas de Augustus foi dar “uma volta” no Império — ele visitou, praticamente, todas as províncias — e resolveu seus problemas. Muitas vezes esteve envolvido em lutas em províncias em que ele só havia conquistado parte delas: houve problemas particularmente na região dos Balcãs. Mas a província onde ele passou a maior parte do tempo, e onde seus esforços podem ser mais bem vistos, é a Gália a região da França moderna. Ele visitou Gália quatro vezes, na verdade, ele passou três anos lá, continuadamente, de 16 a 13 AC.

Desde a conquista de César que a Gália havia sido amplamente negligenciada, mas estava se tornando cada vez mais romana. Um bom exemplo disso é Bibracte, na França central. Bibracte foi uma grande fortaleza, palco de duas grandes batalhas na conquista realizada por César, entre 56 e 52 AC. Posteriormente, a fortaleza desenvolveu-se, rapi-damente, como uma cidade romanizada. Mas o sítio, estando no topo de uma colina, era inerentemente inadequada, por isso Augusto a mudou para baixo, na planície, onde uma nova cidade foi fundada a 15 kms de distância, em Augustodunum, uma cidade próspera e moderna, sob o nome de Autun. Sem dúvida Augusto foi capaz de fazer isso em gran-de medida simplesmente por razões militares, mas, presumivelmente, seria necessária a diplomacia para persuadir os líderes que uma nova cidade na planície proporcionaria uma tomada melhor para o seu talento e seu entusiasmo. A história foi repetida em outros

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lugares, e a cara da França começou a assumir uma nova feição.E, depois, havia a necessidade de se estabelecer uma estrutura administrativa ade-

qauda. Em uma visita anterior, Agripa tinha estabelecido um novo sistema viário para conectar as diferentes partes, centradas em Lugdunum (Lyon), no centro da França. Mas um sistema adequado de províncias necessitava ser estabelecido. No sul da Gália, a Galia Narbonensis já tinha sido uma província há mais de um século, mas no norte, três novas províncias foram estabelecidas. No entanto, o problema estava no Oriente, onde foram estabelecidas duas novas províncias, as da Alta e da Baixa Germânia. Considerando-se que as províncias da Gália eram províncias essencialmente pacíficas, as duas Alemanhas foram o lugar para onde as legiões deveriam ser estacionadas, de frente para os barba-rous, ao longo de todo o Reno.

Na verdade, foi aqui que Augusto teve seu maior fracasso, na medida em que ele não conseguiu conquistar a Germânia. A fronteira alemã era uma das mais longas no Im-pério, correndo ao longo do Reno e, em seguida, ao longo do Danúbio, e uma solução ób-via foi a de empurrar as fronteiras 500 milhas ao leste do Elba. Drusus passou vários anos em campanha na Germânia e, em seguida, Varo foi enviado com 3 legiões para completar

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a conquista. No entanto, em 9 DC, houve um desastre. Os alemães adquiriram um líder genial, Armínio, que já havia servido no Exército romano; ele rompeu um cerco, e destruiu as três legiões. Augusto gritou: “Varo, devolva-me minhas três legiões!” Mas ele era um realista e a fronteira foi traçada de volta para o Reno e, pelo restante do Império Romano, os alemães permaneceram bárbaros.

Houve problemas administrativos também. Os limites de cada uma das novas pro-víncias tiveram de ser estabelecidos e, assim, em 27 AC, Augusto decidiu realizar um censo, um empreendimento enorme a fim de se descobrir quem vivia e aonde. Um grande problema era que os costumes gauleses relativos à terra envolviam multi-propriedades: as terras eram guardadas em confiança para toda uma tribo, e isso causou o caos para a prática jurídica romana.

A principal inovação daqueles tempos foi a criação do Altar dos Três Gauleses, cria-do em Lugdunum, a moderna Lyon, na fronteira de três províncias. Este foi um altar para Roma e Augusto, erigido por Druso em 12 AC, que continha uma incrição com os nomes de todos os 60 civitates das três províncias. Um homem menor poderia ter temido que isso se tornasse centro gálico e, portanto, de consciência, anti-romana, mas Augusto percebeu que era importante que os gauleses sentissem que eles não eram somente romanos, mas também gauleses. Ele queria estabelecer a fidelidade a si mesmo e a Roma mas, ao mesmo tempo, ele queria que os gauleses abraçassem um certo elemento de consciência gaulesa.

O trabalho de Augusto na Gália é tomado aqui como um exemplo: ele fez um trabalho semelhante, com também passou quantidades similares de tempo nas outras províncias. Na verdade, em muitas das outras províncias ele estava ali lutando para tentar suavizar os limites do império, e incorporar as tribos que até então não tinham sido incorporadas. Por toda parte. ele havia começado a lutar para fazer o que tinha de ser feito, para civilizer barbaros, para constituir novas alianças e, enfim, estabelecer uma civilização. Em suma, o Império Romano foi estabelecido e em todos os lugares a prosperidade aumentou: houve um dividendo de paz, e em nenhum lugar na história do mundo houve um dividendo de paz mais frutífero do que o dos anos do Imperador Augusto.

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REVOLTA E DESASTRE

Em 6 DC, Augusto resolveu dar os últimos retoques para esta magnífica extensão do Império extinguindo o poder do rei Maroboduus, que tinha construído um poderoso reino na atual Bohemia; foi uma supressão que permitiria que a nova fronteira do poder ro-mano fosse estendida diretamente a partir do Elba até o Danúbio. Tibério deveria avançar para o norte e o oeste desde o Danúbio até Carnuntum.;seu exército incluía as Legio XX, XVI, XXI, XIII, VIII, XIV e XV; com as Legio VII e XI ficando na nova província da Moesia ,mais para o leste. O exército do Reno sob o comando de Sentius Saturninus, marcharia para o leste a partir de Mainz, composto das Legio XVII, XVIII e XIX (veteranas de muitos anos das campanhas na Alemanha), I e V Alaudae.

Mas a confiança de Augusto mostrou-se ilusória: as terras já superadas na meta-de do seu reinado foram mal mantidas, incompletamente pacificadas e governadas sem experiência. Em 6 DC, toda a Pannonia e a Dalmácia subiram em revolta. Tibério, já em marcha, foi forçado a voltar para trás. Houve duros combates; legiões foram convocadas a partir de veteranos da Galácia e do Oriente, e do alistamento de voluntários. Alguns deles foram levados para o norte, sem demora, por Veleio Paterculus. Tibério concebeu um mo-vimento de pinça, que apanhou os rebeldes entre suas próprias legiões e os reforços que estavam chegando de Moesia. Atos de heroísmo abundaram na antiga tradição romana: A Legio XX sob seu comandante Valerius Massallinus, embora operando com metade de sua força normal, conseguiu cortar as forças de cerco e alcançou a segurança (ver Figura 46). O exército foi esticado até o seu limite. Veleio maravilha-se que, em 7 DC, um total de 10 legiões, mais de 70 coortes auxiliares e 16 alas de cavalaria, 10.000 veteranos e uma grande força de voluntários, juntamente com a cavalaria aliada fornecida pelo rei da Trá-cia, tivessem sido concentrados em Siscia, no rio Salvar. Massas militares tão poderosas não tinham sido vistos juntas desde as Guerras Civis.

Fig 44 Haltern: uma base de inver-no; 44.5 acres (18 hectares), de-pois aumentado para 49.5 acres (20 hectares). Somente a parte da escavação existente é mostrada. A edificação do QG está colocada na parte central (a). A casa do le-gado está em (b). Note-se o hos-pital (c). A maioria das edificações não tem sua finalidade identificada

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Figura 45. Base de suprimentos em Rödgen; 8 acres (3.3 hectares) Nota: Três grandes celeiros (a,b, c) um edi-fício-sede/ casa do oficial comandante (d) e quartéis (e). Havia quatro portas (1- 4 :); a en-trada pricipal estava localizada no lado leste

De forma vagarosa, mas segura, o controle romano foi restabelecido sobre as terras dos Balcãs; mas tão logo a notícia da vitória foi anunciada em Roma, um desastre ainda maior, muito mais grave, abalou a capital. O legado do exército do Reno, cuja zona de res-ponsabilidade abrangia toda a Alemanha até o Elba, era P. Quinctilius Varo, um eminente advogado e marido da sobrinha-neta de Augusto. Ele tinha 5 legiões para controlar esta vasta área: 3 delas (as Legio XVII, XVIII e XIX) estavam com ele no norte da Alemanha, e as outras 2 (A Legio I e a LegioV Alaudae) encontravam-se sob o comando de um legado, seu sobrinho L. Asprenas, no sul. Varo e sua 3 legiões encontravam-se afastadas de suas bases de inverno (provavelmente sobre o Lippe), e caíram em uma emboscada montada por auxiliares alemães renegados sob o comando de Armínio. Toda a sua força — 12.000 a 15.000 legionários, juntamente com seis coortes de infantaria auxiliar e três alas de cavalaria — foi cercada e morta na Floresta de Teutoburg, em algum lugar além do rio Ems. Aqueles que se renderam foram mutilados, sacrificados em altares a divindades do mundo celta ou massacrados a sangue frio. Seis anos depois, uma força expedicionária sob o comando do filho de Druso, Germanicus, penetrou novamente no local da batalha. O historiador Tácito relata a reação dos soldados na cena:

“Através do campo aberto estavam espalhados ossos esbranquiçados, onde os homens haviam fugido, ou amontoados onde haviam feito uma parada. Armas estilhaça-das e membros de cavalos ali, e cabeças humanas, presas a troncos de árvore aqui. Nos pomares das proximidades ficavam os altares bárbaros em que eles tinham sacrificado os tribunos e centuriões a sangue frio. Os homens que tinham sobrevivido à batalha ou escaparam do cativeiro, contaram como os legados tinham caído, e as águias foram cap-turadas, no local onde Varo tinha sofrido seu primeiro ferimento e onde ele tirou a própria vida. E eles contaram da plataforma a partir da qual Armínio tinha entregue uma arenga, e de seus insultos arrogantes aos estadartes e águias. Assim, o Exército romano, que tinha chegado àquele ponto 6 anos após o desastre, em uma mistura de luto e ódio crescente contra o inimigo, colocou para descansar os ossos das 3 legiões. Ninguém sabia se ele

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estava enterrando um estranho ou um membro de sua própria família; eles achavam que todos eles eram amigos e parentes “.

Todos os medos que os romanos tnham das tribos celtas e das hordas de guerrei-ros germânicos, haviam acalmado desde os tempos de César, mas voltaram novamente; houve pânico na cidade, em face dos temores de uma invasão iminente. Sacrifícios foram realizados, até mesmo em Roma. Uma inscrição menciona um dilectus ingenuorum (isto é, uma imposição aos cidadãos nascidos livres) na cidade, que fortaleceu as legiões e também produziu uma série de cohortes ingenuorum. Agora, não se sabe quantas foram as cohortes voluntariorum formadas com os escravos libertos e inscritos. Pelo menos 32 desses grupos foram formados, e alguns foram despachados, imediatamente, para prote-ger a fronteira do Reno .

Asprenas, sobrinho de Varo, cuja força de 2 legiões se deitara sobre ou perto do Alto Reno, moveu-se rapidamente para o norte, resgatou a guarnição que Varo tinha deixado em Aliso, e assumiu a estação no próprio Reno, antes que os gauleses tivessem tempo de ludibriar sua vigilância. Um vívido testemunho do desastre sofrido por Varo vem de Vetera, sob a forma de um memorial ao centurião Marcus Caelius do norte da cidade italiana de Bononia (Bolonha), e que tinha pertencido ao primeiro grupo da Legio XVIII. Pungente-mente, a inscrição concede permissão para o enterro dos ossos de Caelius, mas eles nunca foram recuperados, para serem colocados dentro do monumento. Sem dúvida, os restos de Caelius estavam entre aqueles enterrados no campo de batalha pelos soldados de Germanicus, em 15 DC.

As três legiões perdidas com Varo foram as XVII, XVIII e XIX,que não foram re-constituídas, em razão do que o número total em serviço caiu para 25. A perda de toda a guarnição no curso inferior do rio Reno exigiu uma reorganização das forças legionárias do Império para recompletar as lacunas no extremo norte da linha de defesa, e para se preparar para a defesa permanente da barreira sobre o rio. As Legio I e V Alaudae haviam se deslocado com Asprenas para o Baixo Reno; elas estavam agora unidas com as Legio XVI e XXI de Raetia (que agora perderau sua guarnição legionária), com a Legio II Augus-ta, talvez oriunda da Espanha (mas seu paradeiro no meio do reinado de Augusto está mal documentado), e três outras do Illyricum (Legio XIII Gemina, Legio XIV Gemina e Legio XX). Assim, as forças romanas no Reno agora continham 8 legiões.

A ESTIRPE DO IMPÉRIO

Os reveses de 6 a 9 DC tinham imposto uma forte tensão na máquina do novo exér-cito profissional. Um exemplo vivo é fornecido por conta dos motins que eclodiram dentre as legiões do Reno e da Pannonia em 14 DC, quando a notícia da morte de Augusto foi transmitida às legiões de fronteira. Poucos podem ter duvidado de que Tibério seria o sucessor no poder, mas a mudança de governante ofereceu uma oportunidade para os soldados expressarem suas queixas, e para colocar pressão sobre Tibério em um momen-to tão crítico. Os problemas começaram na Pannonia, quando a guarnição de 3 legiões, sob o comando do legado Junius Blaesus, estava em um acampamento de verão perto de Emona (Ljubljana). Os recrutas recentes oriundos da população de Roma assumiram a liderança; alguns centuriões — inclusive o cedo alteram Lucílius (seu apelido ‘Dê-me outra’ derivava de sua predileção por usar e muitas vezes quebrar sua vara de cana de videira sobre as costas dos soldados de sua companhia) — foram assassinados ou es-pancados. Os soldados mais velhos, com queixas especiais, que estavam, certamente,

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no centro do motim, queixaram-se de seu serviço prolongado (acima de 30, até 40 anos), e da inadequação de sua eventual recompensa (muitas vezes um terreno em uma colina estéril), da dureza da disciplina imposta por centuriões corruptos, e do baixo nível de re-muneração, especialmente quando comparado com os pretorianos que desfrutavam de uma vida cheia de facilidades, em Roma. Eles queriam um limite estrito para o tempo de serviço: os 16 anos da República,no máximo, e o pronto pagamento das gratificações, em dinheiro, assim como Augusto tinha prometido no ano 13, como citado acima. Não preci-samos acreditar em cada palavra e acusação, mas há evidências da insatisfação com as condições de serviço no exército. O desastre ocorrido com Varo, e a escassez de novos recrutas dispostos a seguirem para o “front”, tinham atrasado a liberação daqueles que já tinham completado o tempo devido. Homens recrutados no auge da emergência reclama-vam da perspectiva de mais 20 anos ou mais de serviço, na selvagem fronteira norte. Os homens recrutados na República tardia, durante as Guerras Civis poderiam esperar por uma liberação depois de cerca de seis anos, mas o novo sistema não mais permitia tal compromisso a tão curto prazo. Pode-se concluir que a transição do curto para o longo tempo de serviço no exército não foi realizada facilmente, e ficou longe de ser popular entre as fontes tradicionais de mão de obra das legiões.

Tibério enviou seu filho Druso e duas Praetorian Cohorts para o norte, para enfren-tar os amotinados. Auxiliado por um eclipse repentino da lua, Druso trabalhou as supers-tições dos soldados, e abrandou os seus ardores. Os líderes foram identificados e per-seguidos, e as legiões distribuídas às suas bases de inverno. Uma agitação semelhante afetou o exército muito mais poderoso do Reno. As 4 legiões que formavam a guarnição no curso inferior do rio ficaram juntas em um acampamento de verão, talvez em Neuss, ou pelo menos não muito longe de Colónia. Aqui, novamente os recrutas alistados em 9 DC estavam na vanguarda.

A disciplina quebrou, e muitos centuriões foram espancados até a morte; os solda-dos tomaram conta do acampamento. Germanicus, que realizou um comando especial sobre a Gália e os exércitos do Reno, chegou a enfrentá-los, mas isto teve pouco impacto e teve que conceder a demanda da chefia da revolta: a liberação depois dos 16 anos, e os pagamentos imediatos das gratificações, em dinheiro.

No entanto, a interceptação, por um bando de soldados, da esposa e o filho de dois anos de Germanicus, Caligula, que estavam sendo mandados embora de noite, sob a proteção de uma tribo gaulesa, trouxe consequências. Todo o incidente pode ter sido pro-jetado pelo próprio Germanicus mas, de qualquer forma, ele sabia como tirar proveito dele.

A disciplina foi restaurada por meio de um feroz espasmo de derramamento de sangue, com a eliminação dos legionários líderes do movimento e dos seus companheiros impopulares. Tibério mostrou-se longe de ficar impressionado com a manipulação do mo-tim por Germanicus, e logo revogou a concessão do serviço militar mais curto.

As energias dos soldados foram usadas em uma sequência de ataques ambiciosos para dentro da Germânia, o que ajudou muito na restauração da confiança do público em casa. Mas seria o fim das ambições romanas para alcançar o Elba

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Capítulo 53O EXÉRCITO DO INÍCIO DO IMPÉRIO ROMANO

Em um memorando escrito pouco antes de sua morte em 14 de julho DC, Augus-to expressou sua vontade de que nenhuma tentativa fosse feita pelo seu sucessor para estender o Império, mas sim que suas energias devessem ser orientadas para a con-solidação das províncias e territórios já conquistados. Roma já controlava diretamente ou através de-reinos clientes estreitamente identificados com sua causa, a maioria das terras em volta da bacia do Mediterrâneo e que dependia de segurança. No entanto, o impulso para a expansão foi mantido, e novas províncias foram adicionadas ao longo do século seguinte. Em alguns casos, isso representou apenas a absorção de reinos clientes quando oportunidades adequadas chegaram às mãos romanas: a Cappadocia (17 DC), a Mauritânia (40 DC), a Trácia (46 DC), a oriental Pontus (64 DC), Commagene (72 DC) e a Arábia (106 DC). A fronteira do Reno foi empurrada para a frente em etapas desde o cur-so superior do rio, quando os romanos se esforçaram para encontrar uma linha divisória viável com as tribos bárbaras.

Em outros momentos, a atração por novas conquistas provou ser demasiado forte, e os imperadores intervieram mais longe, muitas vezes sem uma justificativa real, como na Bretanha, uma tentativa de conquista que tirou os romanos ainda mais de seu foco, o Mediterrâneo. A conquista da Dácia por Trajano (a Romênia moderna) em 101 a 106 DC removeu uma ameaça de longa data e aliviou a pressão sobre a linha de defesa do Da-núbio, mas envolveu os romanos, mais do que nunca, nos movimentos tribais da Europa central. No Oriente, a rivalidade milenar com a Partia necessitava de uma demonstração romana periódica de força e de determinação, envolvendo o reino da Armênia, que ambos os poderes reivindicavam. Há de ser lembrada a explosão de Domício Corbulo, legado do exército da baixa Germânia, quando foi instruído por Cláudio em 47 DC para parar os movimentos agressivos contra os Chauci da planície do norte da Germânia (os generais romanos antigos foram os beneficiados). O evento não só mostra bom senso de Cláudio, mas a consciência entre os comandantes romanos de um passado heróico que sentiram atraídos para emular.

O Exército romano do Império era uma força de legionários profissionais, de tropas auxiliares e pessoal das frotas que se alistavam por longos períodos e que consideravam o exército como uma ocupação voluntária para toda uma vida. O alistamento não seria devido apenas à duração de uma guerra em particular, pois visualizava um período de 25 anos (26 na Marinha), mas que os homens poderiam ser retidos por vezes até por mais tempo.

AS LEGIÕES

A legião do Império era uma força com de 5.000 a 6.000 homens (surpreendente-mente, um total preciso não é atestado em nenhuma fonte confiável), organizados em 10 coortes, e armados, vestidos e equipados de forma uniforme, com capacetes de bronze (Fig. 39), cotas de malha de ferro (mais tarde substituídas por couraças de ferro “lorica segmentata”), um escudo curvo retangular, a espada espanhola curta (gladius) um punhal, e dois javelins, de pesos diferentes. Em meados do primeiro século DC, se não antes, a gama de equipamentos tinha chegado a uma forma mais ou menos permanente. O scu-tum retangular foi introduzido no lugar do de forma oval tradicional, talvez sob Augusto,

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embora o escudo oval tivesse sido mantido pelos pretorianos, como parte de seu equipa-mento de desfile, e por um tempo pelos demais legionários. Pode ter havido um período de transição mais longo do que poderíamos supor à primeira vista.

A formação de batalha favorita era a acies triplex (a linha tripla de coortes), mas uma linha dupla também era adotada, e a própria flexibilidade da estrutura da coorte permitia, praticamente, qualquer variação de formação. A coorte foi e continua a ser a unidade tá-

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tica básica e continha 6 centúrias; a centúria de 80 homens era a unidade administrativa básica. Cada centúria era dividida em 10 esquadrões, cada um composto por 8 homens, que iriam compartilhar uma barraca emcampanha (daí a palavra latina contubernium usa-da para descrever um esquadrão) e uma sala de caserna em uma fortaleza permanente. Junto a cada legião ficava um pequeno grupo de cavalaria, os legionis equites, com cerca de 120 homens no total. A cavalaria das legiões imperiais eram recrutadas entre os pró-prios legionários, sem a exigência de possuirem propriedades (como na República), e suas principais funções parecem ter sido as de escoltas e de mensageiros. Não tinham previsto qualquer papel independente. Estes equites parecem ter sido alojados junto com as centúrias de legionários, o que pode ajudar, em parte, a explicar o comprimento extra de muitos blocos de aquartelamentos de legionários, que podiam ter uma dúzia ou mais de quartos individuais em vez dos 10 necessários para a sua componente contubernia.

Pode parecer, portanto, que as manípulas eram uma coisa do passado. No registro epigráfico, que começa a assumir importância sob Augusto, ele fornece uma enxurrada de evidências sobre o exército imperial, onde a manípula não é mencionada. Por exem-plo, nos trabalhos de construção realizados por uma legião, eles eram atribuídos à legião como um todo, ou a uma coorte ou uma centúria, em particular. Homens são descritos nos registros do exército ou em suas lápides como servindo em uma centúria ou uma coorte em particular, mas nunca em uma manípula. No entanto, alguns resquícios do sistema manipular republicano pode ser detetado. Os centuriões em cada coorte mantiveram sob o Império os títulos antigos da República: cada coorte tinha centuriões entitulados pilus prior e pilus posterior, princeps prior e princeps posterior, e hastatus prior e hastatus posterior.

Estes títulos refletem a divisão tripla da antiga legião da República em linhas de pilani (triarii), principes e hastati. Dentro de cada coorte, a ordem de antiguidade entre os centuriões refletia suas posições anteriores no antigo sistema de linhas de batalha da República. O centurião sênior de cada coorte era o pilus prior, seguido pelo princeps prior e pelo hastatus prior; e, então, pelos 3 centuriões posteriores na mesma ordem. Pode-se supor que cada centurião em verdade, continuava (como na República) a comandar um par de centúrias que compunham uma manípula, mas nenhuma fonte, literária ou epigrá-fica, dá qualquer indício de que isto ocorrera. A falta de referências epigráficos para as manípulas indica que o termo não tinha qualquer significado prático, embora os historia-dores romanos do início do Império tivessem continuado a usar a palavra manipulus para denotar uma “sociedade” ou “grupo” de soldados, e manipularis para um soldado comum nas fileiras; não existem implicações para a corrente estrurura organizacional.

A PRIMEIRA COORTE

Um crescente corpo de evidências parece mostrar que a primeira coorte da Legião (a cohors prima) foi, por um tempo, organizada de forma diferente das demais coortes. A planta da fortaleza de Inchtuthil em Perthshire (Escócia), que data de cerca de 84-86 DC (Fig. 47), mostra, claramente, que a primeira coorte da legião de ocupação (provavelmen-te a Legio XX Valeria Victrix) tinha somente 5 centúrias, e não as habituais 6, e que estas 5 centúrias eram de tamanho dobrado, ou seja, elas continham 160 homens em vez de 80. As evidências epigráficas a partir deste momento, e de mais tarde, atestam a existência de apenas 5 centuriões na coorte, sendo os seus títulos primus pilus, princeps, hastatus, princeps posterior e hastatus posterior. Não havia nenhum posto de primus pilus posterior.

Em Inchtuthil, os aquartelamentos das centúrias da primeira coorte encontram-se

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voltaods para dentro, aos pares, e são liderados por cinco páteos de casas de pequeno porte; a mais elaborada destas casas, é equipada com um hypocaust para fornecer aque-cimento central pelo piso radiante, e ficava mais próximo do QG. Era, certamente, a casa do primus pilus. Com efeito, cada centurião da primeira coorte comandava uma centúria dupla, do tamanho de uma manipula.

Figura 47 Fortaleza legionária para uma legião em Inchtuthil (Perthshire), Escócia; 53 acres (21,5 hec-tares) de área, A maior parte do terreno foi ocupada com barracas individuais das centúrias, organizadas em grupos de seis (ou seja, em coortes), exceto para as da primeira coorte (a), a que ficava ao lado do edi-fício do QG (b). Observe-se, também, o hospital (c), a oficina (d), e as casas dos tribunos e os celeiros (f). Este é o plano mais completo, preservado nos papéis da biblioteca de Ashmolean, em Oxford.

A imagem viva da organização legionária fornecida por Inchtuthil talvez tenha sido demasiado prontamente aceita como um padrão para as bases legionárias de todos os períodos ao longo do Império. O tamanho extra e a organização incomum da primeira coorte pode ter sido uma inovação de Flaviano, com a mão de obra extra para a coorte sendo fornecida pelo corpo de reservistas veteranos, que tinha continuado a existir como uma grupo separado até este momento. No entanto, podemos ainda questionar se a orga-nização incomum da primeira coorte remonta à República. De qualquer forma, devemos aguardar que um planta mais compreensível de uma fortaleza legionária da idade Julio--Claudiana se torne disponível antes que se diga mais sobre o assunto.

HIERAQUIA DE COMANDO

Durante o Império, uma legião era comandada por um legatus legionis. Já se viu que no final do reinado de Augusto, cada legado era selecionado para ujma legião espe-cífica.

Durante a República, os legados podiam ter qualquer idade e antiguidade, mas já no início do Império eles deveriam ter como requisto já terem sido pretores, e a partir do período dos Flavianos, isto passsou a ser uma regra; o comando de uma legião, então, passou a ter uma posição definida na hierarquia de um oficial e parâmetro para sua pro-moção.

O posto de comandante era mantido por cerca de três anos, e um comando bem--sucedido ou, pelo menos, não-controverso, levaria sem muita demora à prefeitura de um Tesouro em Roma ou o governo de uma pequena província.

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Legatus legionis

Abaixo do legado vinham, como sempre, os tribunos militares. Parece que uma função destas era, geralmente, reservada para um senador (tribunus laticlavius, cujo toga tinha a larga faixa “ senatorial’) e outros cinco eram designados para os equestres (tribuni angusticlavii, tribuno de faixa estreita). Até onde podemos saber, o papel dos tribunos era o de atuar como assistentes administrativos ou consultores para o legado, e eles não tinham nenhum comando militar definitivo, individualmente, sobre as coortes. O tribuno senatorial deveria, em sua adolescência ou pelo menos no início dos seus vinte anos, estar des-frutando de sua primeira experiência com a vida militar, sob a supervisão do legado. Na hierarquia de comando, o tribuno senatorial ficava sempre posicionado ao lado do legado, em virtude de seu nascimento “nobre”. Em seguida, em ordem de antiguidade vinha, não os restantes cinco tribunos, mas sim o praefectus castrorum, o prefeito do acampamento.

Esta função não é mencionada sob a República, quando os tribunos tinham o encar-go geral de estabelecer e manter a ordem nos acampamentos. O registro mais antigo de um praefectus castrorum pertence ao ano 11. Sob Augusto e seus sucessores imediatos vamos encontrar ex-tribunos e ex-chefe de centuriões (primi pili) sendo designados como praefectus castrorum, mas nas dinastias posteriores Julio-Claudianas havia se tornado habitual que a função fosse exercida por um homem que tinha acabado de ser demitido como primus pilus; que seria sua última função, antes da aposentadoria.

Obviamente, o trabalho exigia um conhecimento considerável e detalhado da le-gião, do seu pessoal e dos deveres diários das rondas. Quando, no final da República, os tribunos declinaram da sua experiência militar, foi natural que a função tivesse sido transferida para um centurião. Embora tenha sido argumentado que o prefeito era nome-ado para um acampamento, ao invés de uma legião (de modo que, quando duas ou mais legiões estivessem acampadas juntas, poderia haver apenas um praefectus castrorum), é

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muito mais provável que, a partir da primeira, cada legião tivesse seu próprio praefectus castrorum. Certamente, o exército de 3 legiões de Varo na Alemanha, em 9 DC, teve 3 praefectus castrorum — um dos quais foi deixado em Aliso, e os outros dois seguiram com o exército em marcha.

O praefectus castrorum tinha, como seu próprio nome implica, o encargo geral so-bre o acampamento ou base, sua limpeza e saneamento. Além disso, ele assistia a manu-tenção da artilharia, os serviços médicos e hospitalares, e supervisionava o treinamento com armas.. Em geral, como se pode depreender, o praefectus castrorum proporcionava um grau de profissionalismo e continuidade, que mesmo os dois oficiais senatoriais nor-malmente não proviam. No Egito, os praefectus castrorum foram os comandantes de cada legião, em virtude da ausência de um legado e de um tribuno senatorial (o Egito tinha sido barrado para os senadores). Depois que duas legiões foram combinadas em um acampa-mento em Nicópolis, um único praefectus castrorum foi especialmente selecionado para exercer o comando sobre ambas.

Em seguida, em ordem de antiguidade na legião, vinham os 5 tribunos equestres. Sob Augusto, essas tribunos vinham, às vezes, dentre os centuriões, de modo que eles já possuíam alguma experiência militar e, por isso, recebiam um comando na cavalaria auxiliar ou na Guarda. O Imperador Claudio, em uma tentativa de regular a sequência de nomeações dos militares equestres, ordenou que houvesse uma seqüência regular: a de praefectus cohortis (ou seja, de uma coorte de infantaria auxiliar), em seguida, a de prae-fectus equitum e, finalmente, de tribunus militum legionis.

Obviamente, ele sentiu que um comando de tropas de cidadãos deveria ser exer-cido por uma função mais antiga. Mas isto não se tornou uma sequência regular. A partir do reinado de Nero, ou pelo menos a partir do período de Flaviano, era normal servir, primeiro, como praefectus cohortis e, então, como tribunus militum para, finalmente, servir como praefectus equitum (ou, como era mais normalmente conhecido esse tempo, alae praefectus). O tribuno legionário sob o Império não detinha, nenhum comando indepen-dente, de modo que sua desclassificação vis-avis os prefeitos auxiliares não deve ter sido surpreendente. Assim, a partir do período Flaviano, um tribuno equestre já teria prestado o serviço junto às tropas auxiliares e, assim, ser capaz (se solicitado) de levar ao legado alguns conselhos práticos sobre a manipulação e disposição das forças auxiliares em sua área de comando. Igualmente, o oficial equestre teria a chance de ver uma legião em ação por dentro dela, e dar uma assistência no processo de tomada de decisão do lega-do, em razão do tempo passado no comando da cavalaria auxiliar. A maioria dos tribunos equestres estava na casa dos 20 anos ou no início tardio dos 30, e os mais bem sucedidos seriam, mais tarde, destinados para os cargos de procuradores.

No exército pré-Mariano, os tribunos das primeiras quatro legiões levantadas a cada ano (este era o tamanho normal de um exército consular) eram eleitos nas assembleias populares dos candidatos devidamente qualificados. Não há registro desse procedimento na última geração da República, quando as legiões consulares foram apenas raramente levantadas. No entanto, na época de Augusto um número de inscrições relatam sobre equestres que serviram como tribunus militum a populo (tribuno militar eleito pelo voto das pessoas” ou “eleito pelo povo”). Poderíamos pensar ver aqui uma relíquia do antigo sistema de continuando ou recém-revivido. Em vez disso, parece que essas funções tiham um significado inteiramente honorário, e foram conferidas, apenas, aos dignatários locais de toda a Itália. A intenção pode ter sido a de lembrar a velha tradição republicana, mas os candidatos bem-sucedidos não se destinavam a exercer a função de oficial de uma

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legião no campo. O praefectus fabrum, que no final da República servia como ajudante--de-ordens de um general no campo, continuou a ter esse papel sob Claudio; depois disso, embora função tivesse continuado a existir, parece ter se tornado uma posição honorária, destinada aos jovens equestres, muitas vezes sem aspirações militares, quer no “staff” de um procônsul senatorial ou de um magistrado sênior em Roma.

OS CENTURIÕES

Abaixo ds tribunos ficav o centurião-chefe, o primus pilus, que comandava a pri-meira centúria da primeira coorte, e que tinha resposabilidade pela águia legionária. A estreita ligação existente entre o primus pilus e a águia é confirmada pelas esculturas em relevo. A águia-padrão romana é um motivo comum existente nos túmulos dos primipi-laris centurions. Os centuriões da legião, incluindo o primus pilus, somavam 59 ao todo. Dentro do próprio centurionato havia uma ordem fixa de antiguidade, apenas parcialmente entendida hoje. Em geral, parece que os centuriões da décima coorte eram secundários aos da nona, e assim por diante, de modo que a promoção poderia consistir de um movi-mento a partir de uma direção originada em uma coorte numerada inferior, isto é, para a direita, nas antigas linhas de batalha republicanas. Ao mesmo tempo, um centurião que tivesse comandado qualquer centúria anteriormente (do par que formava uma manípula) parece ter sido superior a qualquer comandante de uma centúria posterior, com exceção da primeira coorte.

Os centuriões da primeira coorte eram conhecidos coletivamente, pelo menos, des-de a época de César, como os ordines primi (“a primeira fileiras”). Supõem-se que durante o Império essa expressão também abrangesse os centuriões seniores de cada uma das outras cohortes, mas a planta escavada da fortaleza de Inchtuthil mostra (pelo menos para o período Flaviano), que os ordines primi eram apenas 5: havia 5 casas no páteo (não muito menores do que as dos tribunOs) e que ficavam na frente das centúrias da primeira

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cohorte; todos os centuriões das outras 9 cohortes, inclusive os pilus prior de cada uma delas, ocupavam os pequenos apartamentos normais, no final do bloco do aquartelamento de sua centúria. A ambição de todo centurião era servr na primeira coorte, isto e, ser um primi ordines, e dentro dela ser promovido a primus pilus. Isto seria o pináculo do sucesso de um soldado ordinário, em razão da sua equivalência ao consulado dado pelo Senado. A função de primus pilus sob a República e, quase que certamente também sob o Impé-rio, era uma indicação para apenas um ano. Inicialmente, de fato, a própria legião tinha apenas uma ano de vida, e até mesmo nos tempos de César, quando as legiões foram mantidas ao longo de vários anos, um homem que tivesse sido primus pilus poderia, após seu primeiro ano de mandato, caso ele pemanecesse no exército, ser revertido para a fun-ção de centurião. Esta função elevava, automaticamente, o titular à Ordem dos Equestres (sob o Império), e da mesma forma como ocorrera para ser um primus pilus, o homem também poderia ser guindado à função de praefectus castrorum, ou (para os candidatos especialmente capazes) para o tribunato nas guarnições de Roma e, finalmente, para a procuradoria.

Em média, um homem de alfabetização razoável e boa conduta, poderia chegar ao centurionato em 15 a 20 anos. A maioria dos centuriões eram homens alistados que foram promovidos após longo tempo de serviço; outros foram transferidos para serem centuriões legionários da Guarda, depois de completarem o padrão de 16 anos de serviço em Roma. Uma minoria era diretamente comissionada ex-equite romano (ou seja, aqueles situados entre os homens com a condição de propriedade do equestre).

Seria atraente poder ver aqui alguma continuação da tradição republicana do ser-viço prestado pelo ordo equester.2 Pelo menos parece que estes cavaleiros concebidos dentre uma minoria de participantes, destinavam-se à uma carreira de promoção rápida. O fato de que eles atigiriam, no máximo, o centurionato, ao invés de servir como um pre-feito ou tribuno, era um indicador real do “status” do centurião. Os centuriões não devem ser pensados como sendo sargentos, mas sim como oficiais inermediários, equivalentes, hoje, aos comandantes de companhia. Eles davam continuidade às normas e às tradições. Igualmente, no entanto, eles devem ter sido os bastiões do conservadorismo, avessos às inovações e às mudanças.

Abaixo do centurionato havia uma série de funções mais modernas, de posições e títulos, quer sob a administração da legião como um todo, quer sob uma centúria, indivi-dualmente (que era a unidade administrativa básica). Muitos tipos de artesãos e técnicos também são relatados. Apenas algumas dessas funções são atestadas epigraficamente, antes do fim do primeiro século DC, mas é difícil supor se essa hierarquia não teria vindo muito mais cedo.

RECRUTAMENTO

Os legionários sob o Império eram, em sua maioria, voluntários, recrutados inicial-mente da Itália (especialmente do norte) mas, cada vez mais, das províncias. Dados es

2 A ordem equestre romana (ordo equester) formava a mais baixa das duas classes aristocráticas da Roma Antiga, estando abaixo da ordem senatorial (ordo senatorius). Um membro desta ordem era conhecido como um equestre (eques; plural: equites), que em latim significa qualquer pessoa a cavalo (equus), mas neste con-texto tem o significado específico de “cavaleiro”. Os cavaleiros proviam os oficiais veteranos e muita da cavalaria das legiões manipulares até 88 AC, quando a cavalaria legionária foi abolida. No período tardio da república, os senadores e os seus filhos tornaram-se uma elite não-oficial dentro da ordem dos cavaleiros.

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tatísticos baseados na nomenclatura e nas origens dos indivíduos mostram que de todos os legionários que serviram no período de Augusto até Calígula, cerca de 65 % eram ita-lianos; no período de Cláudio e Nero o percentual foi de 48 %, e no período de Flaviano até Trajano (ou seja, a 117DC) o valor caíu para 21 %. Depois disso, a contribuição dos italianos em mão de obra para as legiões foi insignificante. Os números apresentados acima referem-se a todos os legionários, portanto, pode-se ver, facil e rapidamente, que se abriu uma dicotomia nos padrões de recrutamento entre as províncias ocidentais e orientais, com as legiões do Ocidente, envolvendo a Gália, a Espanha e o norte da Itália, enquanto que aquelas legiões estacionadas nas províncias orientais, muito rapidamente aproveitaram as fontes locais de mão de obra.

Uma inscrição descoberta em Coptos, perto de Tebas, no sul do Egito, que parece pertencer aos tempos do reinado de Augusto, contém os nomes de 36 soldados que servi-ram nas 2 legiões da guarnição daquela localidade. Todos menos 3 daqueles homens vie-ram das províncias orientais: Ásia, Galácia e da Síria em particular. A maioria era formada de não-cidadãos por nascimento, mas que receberam a cidadania e nomes romanos por ocasião do alistamento. Deve ser lembrado que mesmo durante a Guerra Civil, os gene-rais baseados no leste do Adriático tinham feito um uso crescente da mão de obra local, independentemente do “status” cívico ou da formação cultural do indivíduo. Pelo menos uma legião da Galácia foi aceita por Augusto para o exército permanente.

Parece ficar claro que Augusto, sempre que possível, evitava o recrutamento for-çado de italianos, exceto feita ao momento da emergência gerada por Varo. Sua queixa naquele tempo sobre uma penuria iuventutis (a escassez de homens jovens) não impli-cava que a população tivesse caído dramaticamente, mas sim que a juventude da Itália não estava disposta se apresentar, voiluntariamente para o serviço das armas. Conta-se que Augusto puniu, severamente, um eques que, deliberadamente, cortou o polegar de seus dois filhos para desqualificá-los do serviço militar. No ano 23 DC, Tibério, formal-mente, descontinuou as tentativas para convencer os italianos a se alistarem; apenas os vagabundos e os indigentes haviam se apresentado, voluntariamente. Em razão disso, ele mudou seu foco para as províncias, como a principal fonte de recrutas voluntários, tanto os descendentes de colonos e moradores romanos, como as populações nativas cada vez mais romanizadas.

A decisão tomada por Augusto ao preferir um longo serviço militar profissional ini-ciou uma mudança gradual em sua composição racial. Em vez de ser um exército romano no estrito senso — composto só de romanos ou até mesmo de italianos — agora tornou--se um exército formado para defender Roma. O impacto havido sobre o exército em face do tempo de serviço longe da pátria mediterrânea é graficamente mostrado nos contos de Tácito sobre as Guerras Civis de 68-69 DC. Os legionários do exército do Reno de Vitélio, marchando através do norte da Itália, na primavera de 69 DC, pareciam moradores locais com uma banda rude de estrangeiros.

Na segunda batalha de Cremona, em outubro do mesmo ano, os membros da Legio IIII Galica baseada na Síria viraram-se, de madrugada, para saudar o sol nascente, ao estilo oriental. Os legionários acharam o verão italiano insuportavelmente quente (como também o acharam os invasores celtas dos séculos anteriores), e muitos sucumbiram às doenças decorrentes, especialmente aqueles que estavam acampados em Roma, no distrito de Trastevere, e outros que tentaram matar a sede bebendo á água poluída do rio Tibre

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A TRANSFORMAÇÃO DAS LEGIÕES

Muitos dos homens tinham servido metade de suas vidas na fronteira, o que, agora, parecia um ambiente mais normal do que as terras de origem, que encontravam-se, en-tão, esquecidas. As disposições e as funções novas havidas para as legiões após 70 DC ajudaram a romper os laços locais por um tempo, mas a tendência para o recrutamento localizado continuou a ser mantida, de maneira que a área em que as legiões alistavam seus recrutas estava encolhendo: em primeiro lugar, a província onde a legião estava es-tacionada, em seguida, as imediações da fortaleza. Muitos recrutas eram filhos ilegítimos de soldados ou de veteranos que ali haviam servido. Esta transformação é aquela que tem sido experimentada por muitas sociedades desenvolvidas, em que os encargos do serviço militar são deslocados para os desfavorecidos; a “guerra de um homem rico e a luta de um homem pobre” é um adágio que pode ser aplicado para os romanos, como também para os mundos mais modernos.

No entanto, enquanto as legiões já existentes atraíam a maioria de seus recrutas das províncias adjacentes, as novas legiões eram sempre levantadas na própria Itália, tal-vez em deferência à tradição, ou para não perturbar os padrões normais de recrutamento. Os italianos continuaram a fornecer a maior parte dos recrutas para os pretorianos e as coortes urbanas.

A idade média dos recrutas por ocasião do alistamento (conforme as informação obtidas a partir de lápides que dão a extensão do serviço de um legionário, bem como a idade da sua morte) ficava entre 18 e 23 anos. O limite legal inferior era de 17 anos, em-bora se encontre até um grande número de homens mais jovens, talvez recrutados em um momento de crise, ou que enganaram os oficiais de recrutamento quanto à sua verdadeira idade, ou até mesmo que haviam esquecido (ou escondido) sua idade real na vida média. Cerca de metade dos recrutas sobreviveram aos 25 ou mais anos de serviço até recebe-rem suas baixas. Uma pesquisa mostrou que os soldados eram mais propensos a alcan-çar seus 40 anos do que os civis, pois os soldados eram bem e regularmente alimentados e cuidados por um serviço médico eficiente.

Aqueles soldados que sobreviveram, em sua maioria preferiram permanecer, após a baixa do serviço militar, na província que eles já conheciam, onde tinham feito amigos e adquirido “esposas”, e onde eles puderam ter estabelecido interesses comerciais, e até mesmo adquirido um terreno em antecipação à aposentadoria. Às vezes, os imperadores estabeleciam colônias de veteranos nas províncias, onde cada homem recebia um lote de terra à título de recompensa. Mas parece que a maioria recebeu sua recompensa em dinheiro, e ficou tanto nos assentamentos que cresceram ao lado das fortalezas como em cidades não muito distantes delas.

AUXILIARES

Sob o Império, as tropas auxiliares (auxilia) eram organizadas a partir de um lar-go espectro de pessoas através das províncias, especialmente, nas fríngias do Império. Estas unidades, quando eram levantadas nas províncias do ocidente, geralmente tinham nomes originados de uma tribo da região, enquanto que nas do oriente, tinham os nomes das cidades de origem daqueles auxiliares. Essa dicotomia refletia a origem dessas uni-dades nas forças de defesa local de particulares principados, e, claro, a maior urbanização das províncias orientais.

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Essas tropas agiam como infantaria leve e cavalaria do exército. Como já foi visto, a infantaria era organizada em coortes e a cavalaria em alas — este termo havia sido utili-zado durante a República para os contingentes aliados, tanto para a infantaria como para a cavalaria, que operavam nos flancos das legiões; sob o Império fo termo icava restrito à cavalaria. Nas Guerras Civis, os contingentes de auxiliares variavam em tamanho; não havia qualquer idéia de conjunto mas, no início do Império, e talvez já sob Augusto, os efetivos de cada regimento foram padronizados. A maioria das coortes e alas continha cerca de 480 a 500 homens (e, consequentemente, foram intitulados quingenaria ou seja, “quinhentos homens”). Mas a partir da época de Nero, ou mais certamente no período Flaviano, foram formadas unidades de maior porte, chamadas cohortes milliariae e alae milliariae e que continham entre 800 e 1.000 soldados (Fig. 49). Além disso, havia unida-des mistas de infantaria e cavalaria, as chamadas cohortes equitatae.

Já na Gália, César havia empregado unidades mistas de alemães, que geralmente tinham cavalaria e infantaria em números iguais mas, provavelmente é errado se pre-ver uma linha direta de descendência: a proporção de infantaria para cavalaria em uma cohors equitata era, provavelmente, de 4:1, e não existe nenhuma evidência de que na batalha eles deveriam lutar como um grupo combinado. As coortes eram organizadas em centúrias e contubernias, seguindo o modelo legionário; assim uma coorte normal quinge-naria continha seis centúrias de 80 homens.

Figura 48 Forte de tropa auxiliar em Valke-nburg, Holanda, cerca de 40 DC ; 3.7 acres (1,5 hectares), provavelmente construída para um cohors quingenaria equitata. Oserva-se o QG (a), a casa do prefeito (b), extensão dos aquar-telamentos(c), hospital (d) ad e quartéis (e)

As coortes militares tinham 10 centúrias de 80 homens. A ala quingenaria era divi-dida em 16 tropas (turmae) de cavaleiros, cada uma com 32 homens, formando 512 no total. Uma ala milliaria tinha 24 tropas de 32 homens (768 no total). As coortes que eram equitata contavam com alguma cavalaria e além disso, de 4 a 8 turmae, conforme a coorte fosse quingenaria ou milliaria, formando totais de 608 e 1.056, respectivamente.

Inicialmente, como já visto, muitos dos regimentos auxiliares eram comandados por seus próprios chefes; outros tiveram, a partir do início ex-centuriões ou ex-legionários tribunos no comando. Mas no início do período Flaviano, com a racionalização das sequ-

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ência dos comandos e em razão das lições advindas da Guerra Civil e das revoltas nativas da 69-70 DC (quando muitas unidades auxiliares que se encontravam sob o comando de suas próprias aristocracias tribais tinham desertado), foram criadas as prefeituras das coortes e das alas de auxiliares para preservar os equestres. A sequência regular era praefectus cohortis — tribunus legionis — praefectus alae. A imagem foi complicada pela criação das unidades militares, cujos chefes tiveram de ser adequadamente classificados dentro do sistema.

Figura 49 Regimentos de auxilia: Tama-nhos comparativos. No entanto, as centú-rias nas cohortes equitatae poderiam ter contado co, 60 homen, invés de 80, assim reduzindo os efetivos totais.

Assim, descobrimos que o comandante de uma cohors milliaria com o título de tri-bunus se igualava em antiguidade ao tribuno de uma legião (para que pudesse ser usado como uma alternativa para o tribuno); o comando de uma ala milliaria era considerado o cargo mais alto de todos, e mantido após a prefeitura de uma ala ordinária. Quanto aos centuriões, a partir do período Flaviano, eles deixaram de exercer comandos nas tropas auxiliares; depois disso, todos os centuriões seniores julgados capazes para exercer co-mandos superiores foram movimentados para Roma para serem tribunos nas coortes da guarnição da capital.

Parece que, a princípio, não eram oferecidas recompensas para as tropas auxilia-res, por ocasião da conclusão do tempo de serviço. Tibério fez algumas concessões indivi-duais de cidadania àqueles indivíduos com longo tempo de serviço, mas desde os tempos de Cláudio que a cidadania e o conubium (ou seja, a regularização dos casamentos exis-tentes ou futuros, de modo que todas as crianças também fossem cidadãs) foram estabe-lecidas como as devidas recompensas para um homem que tivesse completado seus 25 anos sob os armas. Este foi um marco importante na integração dos auxiliares, e para a sua aceitação como parte da estrutura militar regular. Parece provável que a maioria dos auxiliares do início do Império foram conscritos, embora alguns tivessem sido voluntários. Muitos regimentos serviram, inicialmente, na ou próximo da sua própria zona tribal

Vale lembrar que a agitação havida em 26 DC entre os auxiliares Trácios resultou em que eles fossem enviados para outras áreas; A Trácia, neste momento, era um reino cliente de Roma, e ainda não era, formalmente, uma província. Um grande número das unidades auxiliares do Reno em 69 DC eram de tribos locais, e assim mais facilmente

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persuadidos a desertar para o nacionalismo civil. Mas, depois da supressão da revolta, a maioria foi dissolvida ou transferida para províncias distantes. Por um tempo, o recruta-mento foi mantido na tribo de origem, mas no final do século primeiro os regimentos de au-xiliares, assim como as legiões, foram passando por uma retração na área de recrutamen-to, e deixaram de manter uma composição étnica, embora as tradições de armas, religião e vestimemtas tivessem continuado por um tempo. Esta perda de homogeneidade étnica, por si só removeu a “raison d’être” para o emprego dos chefes nativos no comando, e eles desaparecem de vista. Apenas no caso de alguns regimentos orientais, especialmente os arqueiros da Síria e do Levante, podemos detectar um fluxo contínuo de recrutas oriundos de seus distritos nativos.

As coortes de cidadãos (acima citadas), que haviam sido formadas sob Augusto continuaram a existir ainda por um tempo, para preservar a sua separação, e para formar recrutas de cidadãos nascidos livres, mas eles também foram finalmente assimilados ao restante dos auxiliares, que, a esta altura, absorviam não-cidadãos de quaisquers origens. Às vezes, mas provavelmente não antes do período de Flaviano, a um regimento auxiliar de não-cidadão poderia ter sido dada a cidadania em massa, no campo, em troca do ser-viço prestado; a própria unidade adotou, doravante, a designação C(ivium) R(omanorum), mas todos os seus recrutas futuros permaneceram não-cidadãos até ser concedida a alta-cidadania, para aqueles que já serviam no momento da concessão.

Inicialmente houve uma nítida distinção entre os cidadãos que serviram nas legiões e os não-cidadãos que entraram para os auxiliares. Mas, gradualmente, a distinção tor-nou-se turva. Viu-se que os não-cidadãos estavam sendo aceitos nas legiões mesmo sob Augusto. Assim, também os cidadãos são encontrados nas tropas auxiliares; talvez estes fossem homens que tivessem falhado em atender às exigências físicas para o serviço legionário, ou que tivessem visto nos auxiliares, um regime menos árduo e com melhores esperanças de progressão de carreira. Até o fim do período Julio-Claudiano, os atributos físicos e mentais de um homem poderiam ser mais importantes do que a sua base fami-liar e seu status para se determinar qual ramo das forças armadas ele era susceptível de entrar.

A MARINHA DE GUERRA

Também deve ser feita uma menção à Marinha imperial. Após a Batalha de Actium, como vimos, Augusto concentrou seus navios em duas bases, Misenum e Ravenna, para assistir o Mediterrâneo Ocidental e Oriental. Estes 2 portos continuaram a ser as principais bases das frotas romanas durante três séculos ou mais. Sob o Império, as frotas não tive-ram, como podemos pensar, muito a fazer. Pouco se ouviu falar sobre pirataria ou outros riscos â navegação marítima. Os navios que serviam para o transporte de tropas para novas jogadas estratégicas e táticas, passaram a servir à proteção do abastecimento de grãos para a cidade. Em virtude de tal “calmaria”, destacamentos, tanto de Misenum como de Ravenna foram baseados em Roma, para operar os toldos dos teatros e dos anfiteatros daquela capital. Mesmo assim, a mão de obra geral de ambas as frotas permaneceu em um nível elevado, com cerca de 10.000 marinheiros em cada base. Sob Augusto e seus sucessores imediatos, as frotas eram comandadas por oficiais equestres, muitas vezes ex-legionários tribunos e, mais, tarde por dispensados da Guarda do Imperador. Mas de-pois de 70 DC, os comandos foram integrados no serviço público de equestre, quando se destacaram dois dos postos mais antigos: Plínio, o Velho, enciclopedista e naturalista, e

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um procurador sênior a serviço do governo, e que era prefeito da frota em Misenum, quan-do ele perdeu a vida na erupção do Vesúvio em 79 dC.

Almirantes profissionais, nos moldes helenísticos, renascentes das Guerras Civis dofinal da República, não foram ouvidos de novo, nem no comando do esquadrões das dinastias orientais (com raríssimas exceções); estes foram incorporados juntamente com os respectivos reinos e principados ao sistema romano. O controle de uma frota há muito que já não necessitava das habilidades profissionais de um marinheiro, ou de homens com um interesse particular na guerra naval; a competência administrativa passou a ser a única experiência exigida. Os esquadrões destacados no Reno, Danúbio e no canal inglês desempenhavam um papel mais sério na manutenção da segurança, dentro do contexto geral da segurança de fronteira. Aqui, novamente, seus comandantes eram equestrians no curso de uma carreira de procuradores.

A mão de obra das frotas era obtida junto aos provincianos nascidos livres, como os auxiliares; os escravos não foram utilizados, como na tradição popular moderna. A frota de Ravenna atraiu um número substancial de homens vindos das províncias dos Balcãs e da Pannonia, enquanto a frota de Misenum despertou o interesse daqueles oriundos da Sardenha, da Córsega, da África e do Egito. Nenhuma experiência com navegação, ou com posse de uma casa na costa, foram consideradas de especial importância na seleção de homens, mais do que nas marinhas modernas. Os homens deveriam servir por um período de 26 anos (um ano a mais do que os legionários e auxiliares), recebendo como recompensa, na desmobilização, a cidadania romana e a regularização dos casamento havidos.

Desde a época de Vespasiano que os marinheiros começaram a usar nomes la-tinos, e essa melhora geral no “status” ficou marcada, também, pela recompensa, feita provavelmente sob Domiciano, da atribuição do título de praetoria em ambas as principais frotas, indicando, assim, uma aceitação de seu papel na defesa central do posição do Imperador. O título coincide com o das cohortes praetoriae da tropa de guarda-costas im-perial. A guerra civil de 68-69 DC viu a criação da Legio I Adiutrix da frota em Misenum, e da Legio II Adiutrix em Ravenna; esta última esteve em serviço sob Agricola na Bretanha. O título Adiutrix indica que ambas estavam previstas primeiramente para assistir ou apoiar as forças regulares. Parece que os membros fundadores de ambas as legiões perma-neceram não-cidadãos até as suas baixas, mas informações obtidas das fontes normais indicam que, depois disso, eles foram rapidamente assimilados. Após Actium não se ouviu mais falar de legiões que serviam a bordo de navios, presumivelmente porque a presença militar de tal infantaria fortemente armada foi considerada já não ser mais necessária.

A GUARDA PRETORIANA

Em Roma, propriamente dita, a força militar era a Guarda Pretoriana, que Augusto tinha fixado em 9 coortes, cada uma composta por 500 homens. Suas tarefas estavam ligadas à proteção do Imperador — uma coorte de cada vez montava guarda no Palácio, portando armas, mas em trajes civis. A Guarda era comandada por prefeitos equestres, às vezes em número de dois (quando sob Augusto), ou mais frequentemente, com apenas um. Tal função podia ser considerada de extrema influência, e Aelius Sejanus (o único prefeito existente a partir de 14 DC) foi rápido em reconhecer esse potencial, passando a controlar o acesso e o fluxo de informações para Tiberio, especialmente depois que o imperador se retirou para Capri em 26 DC. Sejanus em 23 DC havia persuadido Tibério a

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autorizar a concentração das coortes em um novo acampamento nos subúrbios orientais da cidade, o praetoria castra. Restos substanciais de suas paredes estão de pé até hoje, e o acampamento ainda abriga o quartel de guarnição militar residente em Roma. Também pode ter sido Sejanus quem garantiu um aumento no tamanho da Guarda, provavelmente para 12 coortes.

No desfile dos muito bem pagos pretorianos, eles usavam capacetes ornados e couraças, e mantiveram o scutum oval da República, que os legionários haviam descar-tado a favor do familiar escudo retangular. Quando em campanha, como representado na Coluna de Trajano, o seu equipamento não se distngue daquele dos próprios legionários. Cada coorte era comandada por um tribuno, normalmente um ex centurião-chefe de uma legião que ocupava comandos semelhantes no Vigiles e nas coortes urbanas que serão abordadas mais abaixo.

Sob Vitélio (69 AD) o número de coortes foi elevado para 16, em parte por incorpo-ração de legionários do exército do Reno; o efetivo de cada coorte foi, então, aumentado para 1.000 homens.

Os legionários nas fronteiras sempre tiveram ciúmes da alta remuneração e da vida fácil dos pretorianos. Ao transferir legionários selecionados para a Guarda, Vitélio satis-fazia os seu desejos, como também conseguiu restaurar a Guarda até a posição que ela ocupava na Guerra Civil do final da República: um corpo de elite dentro do Exército romano.

Vespasiano parece ter reduzido o número de coortes para 9 (o total original), em-bora o efetivo de cada coorte, provavelmente, tenha sido mantido em 1.000. Um pouco mais tarde, já no primeiro século, Domiciano elevou o número de coortes para 10. A partir de seu tempo, portanto, a Guarda passou a se assemelhar a uma legião, quanto à sua or-ganização, mas era muito mais poderosa que 2 legiões, quanto à mão de obra. A Guarda continuou no início do Império a ser recrutada pela absorção direta de italianos, com uma pitada de homens das províncias mais civilizadas.

Evidentemente, os italianos ficaram felizes em fazer parte da Guarda, em razão do seu alto salário, do tempo de serviço curto (16 anos no início do Império), e da residência na capital. Também havia, obviamente, muito menos chance de lesão física ou de morte. A partir do período de Flaviano, quando as coortes passaram a ser regularmente obrigadas a seguir em campanha, quando o próprio Imperador entrava em ação, uma unidade de elite da cavalaria (equites singulares Augusti) era formada a partir de homens seleciona-dos das alas das guarnições provinciais, para atuar como a arma de cavalaria da Guarda.

COORTES URBANAS

Outros corpos de tropas podiam ser encontrados na capital: as coortes urbanas, em número de 3, sob o comando de tribunos, e que formavam a força policial da cidade, no dia-a-dia. Seus membros deveriam servir por 20 anos, sob o controle do prefeito urbano. As coortes urbanas continham os numerais X a XII em continuação à sequência original da Guarda Pretoriana.

Já sob os Julio-Claudianos, outras coortes urbanas foram criadas e posicionadas fora da capital, em Pozzuoli (Cohors XV) e Ostia (Cohors XVII), para proteger os arma-zéns cheios de milho recém-chegados de Cartago (o ponto de coleta para o milho africano antes da sua transferência para a Itália), e em Lyon (Cohors XIII), presumivelmente para proteger a casa da moeda lá localizada. Como as pretorianas as coortes urbanas eram

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retiradas de italianos. Inicialmente, cada coorte tinha um efetivo de 500 homens, mas pa-rece que seus efetivos foram dobrados em tamanho por Vitélio, que adicionou legionários aos seus números (provavelmente estes eram homens para os quais não houve lugar na Guarda Pretoriana). A partir do período Flaviano encontramosas as Cohortes X, XI, XII e XIV estacionadas em Roma, assim como a XIII em Cartago e uma unidade reconstituído, a Cohors I Flavia Urbana, em Lyon; não se sabe se outras ainda estavam em Ostia ou Pozzuoli.

OS VIGILES

Por fim, chega-se às cohortes vigilum, o corpo de bombeiros da cidade, cujos ho-mens eram recrutados a partir dos desmobilizados que haviam servido por 6 anos. Cada uma dessas 7 coortes tinha uma base permanente (castra) e duas excubitoria (isto é, esta-ções de incêndio, onde homens de plantão aguardavam a chamada para a ação), uma das quais ficava em cada uma das duas regiões sob seu controle. Como as muito modernas brigadas de incêndio, os Vigiles ficavam sob um comando militar — tribunos que tinham servido como primi pili nas legiões (e passariam por comandos similares como tribunos nas coortes urbanas e na Guarda Pretoriana); por outro lado, seus centuriões eram ex--pretorianos. Seu comandante, o praefectus vigilum, um procurador sênior, tinha jurisdição sobre os crimes cometidos na cidade durante a noite, flagrados, é claro, pelos seus muitos homens que estivesem, ativamente, em patrulha.

Mas o papel militar dos Vigiles não deve ser superestimado, pois eles não porta-vam armas. A gama de equipamentos usados pelos Vigilies que as inscrições certificam (baldes, eixos, bombas, cobertores e escadas) é inteiramente coerente com o seu papel primordial de lutar para apagar incêndios. Eles também tinham catapultas para a demoli-ção de edifícios em perigo ou ameaçados. No entanto, os Vigiles poderiam influenciar nos acontecimentos da cidade: eles desempenharam um papel significativo na queda de Se-janus em 31 DC. Enquanto o próprio Sejanus se encontrava sentado na Casa do Senado ouvindo um comunicado deliberadamente prolixo de Tibério em Capri, Sutorius Macro, um ex-praefectus Vigilum, agindo em cumprimento a um mandado do Imperador, dispensou o destacamento de pretorianos de Sejanus que tinham sido mantidos guardando o prédio, e colocou em seus lugares alguns Vigiles que se lembravam dele e estavam preparados para aceitar a sua autoridade. Isto selou o destino Sejanus’.

ESTRUTURA DOS MAIS ALTOS COMANDOS MILITARES

Na organização dos mais altos comandos militares, a linha de desenvolvimento desde o fimal da República é claramente identificada. Em cada província controlada pelo Imperador, o supremo comando civil e militar era combinado sob um legatus Augusti pro praetore. Em uma província com mais do que uma única legião (e no início do Império po-deria ter havido até 4 em uma única província), o legado era um ex-cônsul. As pequenas províncias com uma única legião eram governadas por um legado que era um ex-pretor; em tais casos, o legado também comandava a própria legião; neste caso, ele tinha tanto o controle militar como o civil, sobre uma área específica, tais como os legados do final da República. Todos os legados eram nomeados pelo imperador — ele havia ‘delegado’ para eles alguma parte do seu cargo como procônsul.

Dentro de uma província consular, cada legião era comandada por um legionis le-

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gatus Augusti que também era nomeado diretamente pelo Imperador. Parece provável que cada legado legionário também exercessse o comando dos regimentos auxiliares que pertencesssem ou estivessem incorporados à sua legião. Na Bretanha, tem sido sugerido que, no Século II DC, o legado da Legio II Augusta (baseada em Caerleon, do período Flaviano em diante) teve a supervisão geral de todos os regimentos auxiliares baseados em Gales do Sul; o legado da Legio XX Valeria, em Chester, tinha controle sobre aqueles regimentos auxiliares em Gales do Norte e West Midlands; enquanto o legado da Legio VI Victrix, em York, tinha o controle sobre as guarnições do norte até a Muralha de Adriano e além dela.

Esta fragmentação do comando foi, em parte, uma decisão política deliberada de restringir o poder de um legado indivídualmente, em benefício do interesse da continua-ção do mandato do Imperador. O sistema funcionou bem o suficiente por dois séculos. Notável também foi um esforço consciente desenvolvido para garantir um equilíbrio de força em todo o Império. Por exemplo, em 73 DC (um ponto terminal adequado para este estudo, quando as forças foram reorganizadas na sequência da Guerra Civil de 68-70 DC e a guerra judaica de 66-73 DC), havia 4 legiões na Baixa Germânia, e 3 na Germânia Superior (Fig. 51). Na região do Danúbio 2 legiões poderiam ser encontradas na Panônia, 4 na Moesia e 1 na Dalmácia. No Oriente havia 3 na Síria, 1 na Judéia e 2 na Cappadocia, juntamente com 2 no Egito.

Chega-se ao total de 28 com as 4 agora na Bretanha, 1 na África e 1 na Espanha. Vale ressaltar que o grupo do Reno totalizava 8 legiões, o grupo do Danúbio 7, e as legiões orientais 8. A presença em uma província adjacente de um grupo de legiões de tamanho mais ou menos semelhante era um impedimento óbvio para um legado ambicioso. Por exemplo, quando Camilo Scribonianus convenceu a então guarnição da Dalmácia (Legios VII e XI) a se declararem contra Claudio em 42 DC, os legionários, quando perceberam que eles não poderiam obter nenhum apoio das guarnições da Pannonia e da Moesia, logo se arrependeram de suas ações e realizaram uma mudança rápida de posição, que os levou aos epítetos laudatórios de Cláudio: ambas se tornaram Legio Claudia Pia Fidelis isto é “‘Claudiana, leal e fiel”. O tamanho das guarnições de legionários de uma província poderia variar, em resposta às pressões sofridas, deslocando-as ao longo das fronteiras, mas um equilíbrio geral sempre foi mantido.

A DEFESA DO IMPÉRIO

A tarefa das legiões e dos auxiliares sob o Império era a defesa de suas fronteiras, e a manutenção da segurança nas próprias províncias. O conceito da atuação do exér-cito como força de defesa da fronteira teria sido incompreensível e um anátema para os romanos da República. O reinado de Augusto tinha testemunhado, a cada ano, a tradicio-nal concentração de tropas em um acampamento de verão, como preparação para uma campanha ativa, e no outono, uma fragmentação do exército para os quartéis de inverno.

No entanto, uma pausa na expansão ativa do Império sob Tibério e a pacificação gradual das áreas já invadidas, significava que as legiões não mais necessitavam adotar uma postura agressiva: quando uma campanha se tornasse ativa, o que havia se tornado uma exceção e não uma regra, as tropas parece terem se hospedado mais frequentemen-te do que em sua hiberna, a menos que algum projeto específico estivesse em mãos. Po-de-se perceber, também, uma mudança na ênfase da manutenção das fronteiras do Impé-rio e sua defesa contra ataques e infilrações. Sob Augusto, os comprimentos substanciais

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das “fronteira” eram protegidos por reinos de clientes que atuavam como “amortecedores” contra as forças hostis de mais além. Mas esses estados clientes foram sendo gradual-mente eliminados, e as forças romanas tornaram-se diretamente responsáveis pela defe-sa de uma proporção crescente de fronteiras do Império, contra ameaças cuja intensidade e direção os romanos estavam cada vez mais incapazes de influenciar. Mas o fato de que o exército estava mudando para uma força de defesa estática posicionada sobre ou perto das fronteiras do Império não foi admitido, pelo menos a priori.

Teoricamente, as legiões permaneceram equilibradas visando um psterior avanço. Nas páginas anteriores evitou-se o uso das palavras “forte” ou “fortaleza” que implicam em ocupação permanente, preferindo-se os temos “acampamento de inverno” ou “base de inverno”. Certamente, a transição de “acampamento de inverno” para base permanente poderia ser realizada rapidamente. Já sob a República, os acampamentos de inverno con-tinham alojamentos construídos em pedra, e não se deve supor que os legionários nunca tivessem passado os meses mais frios do inverno em suas tendas de couro. Mesmo na Numancia os edifícios internos dos acampamentos de sítio que rodeavam a colina-forte eram construídos de pedra.

Sob Augusto, a Legio IIII Macedonica em Aguilar era suficientemente sedentária por sua prata (os terrenos de pastagem da legião) para ser definido por marcos de pedra. Sa-be-se que há exemplos não claros do período de antes do Império sobre acampamentos (temporários ou permanentes) que foram construídos ou utilizados por regimentos auxi-liares. É claro que muitas vezes eles compartilhavam um acampamento com as legiões, quando um exército estava em campanha, e se integrados aos legionários, em bases semi-permanentes. Em Dangstetten, sob Augusto, os homens da Legio XIX parece terem compartilhado o local com uma unidade de arqueiros orientais, cujos equipamentos dis-tintivos foram lá encontrados. Mas sob o Império precoce, quando as guarnições ficavam cada vez mais e mais espalhadas ao longo das fronteiras, os fortes começaram a ser construídos para os regimentos auxiliares individualmente. A mais antiga fortaleza da qual se tem um plano abrangente é a de Valkenburg, no sul da Holanda (Fig. 48), construída logo após 40 DC.

No layout de fortes e fortalezas sob o Império, as principais características do plano de Políbio podem ser facilmente identidicadas. Ao tempo de Augusto e, provavelmente mais cedo, o termo principia tinha surgido para se referir a um edifício específico, o Quar-tel-General (QG), bastante distinto do praetorium, o nome então dado para a casa privada do oficial em comando. O principia, agora, ocupa a posição central, no cruzamento, com o praetorium para um lado ou para trás (ver as figuras 44, 48 e 52).

Nas províncias ocidentais, a hiberna das legiões muitas vezes pode ser identificada sem dificuldade; muitas vezes duas legiões bivacavam juntas. Em 14 DC, as bases de inverno das legiões da Germania Inferior ficaram em Vetera (onde a Legio V Alaudae e a Legio XXI Rapax tinham sido colocadas em conjunto) e na Colônia (Legio I Germânica e Legio XX); na província superior, 2 ou até 3 legiões ficaram em Mainz (Legio XIV Gemina, Legio XVI Gallica e, talvez, a Legio II Augusta), e uma outra (Legio XIII Gemina) ficou ao sul, provavelmente em Vindonissa (Windisch). As três legiões panonianas tiveram suas bases de inverno em Poetovio (Ptuj), Siscia (Sisak) e, provavelmente, Emona.

Em outros lugares, o quadro é menos claro. Tácito fornece a informação útil que, em 19 DC, as legiões de da guarnição da Síria, a Legio X Fretensis estava em Cyrrhus (Kuros) e a Legio VI Ferrata não muito longe de Laodicéia (Latakia). Muito mais tarde, sob Nero, sabe-se que a Legio XII Fulminata estava em Raphanaea. Nenhum registro preserva a

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localização da base de inverno da outra legião, a Legio III Gallica; ela pode muito bem ter partilhado uma base com uma das outras legiões. No Egito, as 2 legiões que formavam a guarnição estiveram, desde o reinado de Claudio, em uma única base, em Nicópolis, a leste de Alexandria. Na África, a única legião (Legio III Augusta) estava em Ammaedara (Haidra).

Fig 50 , Império romano em 14 DC, mostrando a distribuição das legiões.

Na Espanha, as 3 legiões estavam no noroeste, com a Legio IIII Macedonica ainda em Aguilar e a Legio X Gemina em uma base recém-identificada em Rosinos de Vidriales, ao sul de Astorga, onde um sítio com alguns 45 a 50 acres (18-20 hectares) foi detetado do ar, e a guarnição identificada pela descoberta, nas proximidades, de uma pedra de-marcadora de fronteira da data Claudiana que nomeava a legião. Esta pode ter sido a sua base de Augusto em diante. A localização da terceira legião, a Legio VI Hispaniensis, permanece desconhecida; a antiga visão, era que ela, provavelmente, compartilhava um acampamento construído para 2 legiões, junto com a Legio X Gemina, informação, no entanto, que não pode mais ser mantida, pois o sítio de Rosinos é pequeno demais para ter abrigado ambas as legiões. Na Dalmácia, a Legio VII Macedonica estava em Tilurium (Gardun) e a Legio XI em Burnum. Tácito e os comentaristas modernos tem preterido o fato de que as legiões da Síria teriam ficado, aparentementes alojadas nas grandes cida-des, em detrimento da disciplina, da prontidão e da moral em geral.

Deve ser lembrado, porém, que sempre tinha sido comum o acantonamento das

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tropas para o inverno onde existiam cidades. As tropas de César na Gália poderiam ser encontradas em invernadas ou ao lado de pequenas cidades. Tais cidades forneciam ins-talações e serviços para os soldados, especialmente bem-vindos no inverno. A chegada de um exército para passar o inverno em uma cidade sempre foi considerada uma grande calamidade pelas comunidades provinciais. Apenas no ocidente não urbanizado é que são encontrados acampamentos de inverno em terreno isolado.

EVOLUÇÃO

Mesmo no inverno, as legiões eram freqüentemente agrupadas em acampamentos duplos e, em geral, tal disposição representava uma concentração de poder de ataque. É claro que havia longos intervalos entre estas bases, mas isto era considerado, inicialmen-te, sem importância. Mas, quando o exército começou a adotar um papel essencialmente defensivo, a vigilância da linha de fronteira propriaente dita começou a assumir uma maior importância. No decorrer do primeiro século DC, os principais agrupamentos de legiões foram divididos, a fim de prover um patrulhamento regular das longas fronteiras fluviais ou terrestres. Da mesma forma, os regimentos de auxiliares foram espaçados, gradualmente, para fora das fronteiras, entre as bases legionárias, produzindo, dessa forma, um cordão mais contínuo. Essa fragmentação teve tanto uma dimensão política, como uma militar, em que o número de tropas imediatamente disponíveis a um legado descontente foi muito reduzido.

Então, sobre o Reno, a base de 2 legiões na Colônia foi abandonada cerca de 30 DC, em favor de bases individuais em Bona e Neuss; uma legião foi colocada em Estras-burgo, sensivelmente, ao mesmo tempo. A base de 2 legiões em Vetera, reconstruída em pedra sob Nero (Fig. 52), foi substituída após a batalha lá havida, durante a Guerra Civil de 69 DC por uma nova fortaleza para apenas uma legião. Finalmente, em 89 DC, após a tentativa de revolta do legado da Alta Germânia, Antonius Saturninus, as 2 legiões que estavam em Mainz foram separadas, e a fortaleza ocupada por só uma legião. A Domicia-no é creditada, por seu biógrafo, uma proibição oficial sobre as fortalezas dobradas. Na verdade, as 2 legiões do Egito continuaram a ocupar um único sítio em Nicópolis, até o início do reinado de Adriano, quando uma delas foi transferida, para permitir o reforço da problemática guarnição da Judéia

No Oriente, pode-se observar um movimento afastado das cidades do norte da Síria, até as barreiras naturais do rio Eufrates; já antes da metade do primeiro século, a Legio X legio Fretensis havia sido deslocada para a frente desde Cyrrhus até o Eufrates atravessando-o em Zeugma. Por volta de 72 a 73 DC, com o estabelecimento de guarni-ções na Capadócia e na Judéia, as legiões formaram uma linha que se estendia desde Satala, nas terras altas, a leste da Turquia até Jerusalém; mais tarde, com a anexação da Arábia sob Trajano e o posicionamento de uma legião em Bostra, a linha entre o Mar Negro e o Delta do Nilo poderia ser considerada completa. Na Espanha e na Dalmácia, as guarnições de legionários foram reduzidas no decorrer do século, quando as províncias tornaram-se mais estáveis, e aquelas tropas tornaram-se necessárias nas fronteiras do norte.

Por volta de 70 DC, a guarnição da Espanha foi reduzida a uma legião, a Legio VII Gemina, baseada em Leon (nome que é derivado da palavra legio) entre os Asturianos. A última Legião da Dalmácia (Legio IIII Flavia) foi deslocada para o norte, para o Danúbio em 86 DC. Na África, pode-se traçar a evolução da única legião lá existente, a Legio III Au-

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gusta, posicinada no sudoeste, desde Ammaedara até Theveste (Tebessa), e Lambaesis.

Figura 51 O Império romano em 73 DC, mostrando a distribião das legiões.

Quando as legiões e as tropas auxiliares tornaram-se mais estáticas e espaçadas, o problema de responder a determinadas ameaças tornou-se mais agudo. Na República, o Senado iria cobrar por mais tropas adicionais. Sob o Império, com seu grande exército permanente, uma grande guerra, ou uma mudança decisiva na pressão ao longo de uma fronteira, poderia levar à transferência permanente de uma ou mais legiões para novas posiçoes. Já se viu como o desastre de Varo resultou em uma grande reorganização de forças. Sob Tibério, a Legio VIIII Hispana foi deslocada da Pannonia para a África, lá per-manecendo por quatro anos, para ajudar a Legio III Augusta a sufocar uma rebelião nativa.

Quando uma renovada luta contra a Partia inflamou-se, durante o reinado de Nero, e uma forte presença militar no Oriente era desejável, tanto política como militarmente, as Legios IIII Scythica e V Macedonica foram deslocadas para lá vindos da Moesia e a Legio XV Apolinário da Pannonia.

Todas as 3 permaneceram no Oriente durante a Guerra Judaica de 66 a 73 DC; a Legio XV Apolinário nunca mais voltou.

Quando uma nova província era adicionada ao Império, uma guarnição teria que ser colocada junta a ela para servir em sua defesa. Novas legiões, às vezes, eram forma-das, mas normalmente estas não eram destinadas ao serviço na nova província. Assim, quando uma invasão e a decorrente ocupação permanente da Bretanha tornou-se uma possibilidade difícil para Calígula, duas novas legiões, as XV e XXII, ambas intituladas Pri-

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mogênita (“as nascidas primeiro”), foram formadas com antecedência. O seu papel seria o de substituir as legiões destinadas a se juntarem à força de invasão: a Legio XV para liberar a Legio XX a partir de Neuss, e a Legio XXII para substituir a Legio XIV Gemina em Mainz. Ambas as novas legiões foram colocadas em fortalezas duplas junto com legiões experientes. A força de invasão que partiu para a Bretanha no verão de 43 DC consistia das Legio XX e XIV, juntamente com a Legio II Augusta, que tinha estado em Estrasburgo (esta base foi agora deixada vazia) e a Legio VIIII Hispana da Pannonia. As novas legiões não foram simples adições temporárias à lista do exército, a serem dissolvidas após a campanha, mas sim acréscimos permanentes.

Figura 52 Fortaleza para 2 legiões em Vetera (Xanten), Holanda.Construída durante o reinado de Nero: 138 acres (56 hectares). No-te-se as instalações do QG (a), as duas casas dos legados (b) e (c), oficinas (d), as casas dos tribunos (e) e o hospital (f).

Quando uma legião era transferida para uma província diferente, a distância envol-vida, normalmente era mantidao a um mínimo. Uma exceção interessante é o desloca-mento da Legio XIV Gemina da Bretanha em 67 DC, para a Itália, como preparação para um papel de liderança nas campanhas projetadas por Nero sobre o mar Capio — eviden-temente, foi uma demostração de valentia, na esteira da revolta de Boudica (quando ele ganhou o crédito pela derrota dos rebeldes), que determinou a tal escolha.

Mas essas transferências poderiam deixar uma longa extensão de fronteira prati-camente indefesa, e tornaram-se, portanto, impopulares, quando as legiões locais eram atacadas. No entanto, desenvolveu-se um modelo personalizado, especialmente a partir do período de Flaviano, de se enviar não uma legião inteira para um determinado ponto de inflamação, mas sim o de enviar destacamentos extraídos das várias legiões de uma pro-víncia. Estes destacamentos foram denominados ‘’vexillations” (vexillations, proveniente de vexillum, a bandeira sob a qual tais grupos destacados seriam integrados). Os autores antigos geralmente se referem aos homens como delecti ou selecti; eles tinham sido es-pecialmente ‘escolhidos’ para formar a Força-Tarefa. As vexillations de legiões individuais geralmente ascendiam a cerca de 1.000 ou .2000 homens cada. Era, obviamente, menos perturbador, e mais rápido, despachar 1.000 ou 2.000 homens de uma legião, em vez de

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arrancar a própria legião.As vexillations poderiam permanecer destacadas das suas legiões de origem até

por muitos anos antes de, finalmente, retornar a elas. O uso das vexillations para lidar com as situações de emergência apontou o caminho para os exércitos de campanha móveis do final do Império, que suplementaram as estáticas forças de guarnição de fronteira

CONCLUSÃO

Foi por volta do período Flaviano, ao final do primeiro século DC, que o exército imperial tinha adquirido a maioria de suas características familiares, e o grande processo de transição da República para o Império poderia ser considerado completo.

Se olharmos para o sistema militar romano, iremos reconhecer que a posse de um grande império foi a recompensa pelo enorme valor do povo romano, e não um bem advindo de uma fortuna. Para este povo não se deveria esperar pelo início de uma guerra para começar a prática com armas, que não ficava ociosa nem em tempo de paz; a uti-lização efetiva das armas seria, apenas, uma questão de tempo, para fazer face a uma necessidade. Eles parecem ter nascido com as armas nas mãos; nunca eles fizeram uma pausa em sua formação ou aguardaram que surgissem situações de emergência. Suas manobras nunca ficaram aquém das necessidades, e da quantidade de energia que seria gasta em uma guerra real; ao contrário, todos os dias, cada soldado se exercitava com tanta intensidade como se ele estivesse em guerra. Esta é a razão por que o choque da guerra real os afetava tão pouco.

Nenhuma confusão arruinou suas formações puras e habituais, nem foram parali-sados pelo medo, ou desgastados pela fadiga. As vitórias que exerceram sobre os iniigos nunca foram frutos de batalhas certas e determinadas. Não seria errado dizer que suas manobras eram batalhas sem derramamento de sangue, e que suas batalhas eram ma-nobras manchadas de sangue. Com esse planejamento e organização esplêndidos, não é de se admirar que os limites de seu império tivessem sido assim estabelecidos: no oriente, apoiados no rio Eufrates; no ocidente, no Oceano Atlântico; no sul nas novas terras da Líbia; e no norte desde o Danúbio até o Reno. Alguém poderia facilmente dizer que “as pessoas que ganharam este Império foram maiores do que o próprio Império“.

Assim escreveu Joseph ben Matthias, mais conhecido na história como Josephus, que viu o poderoso Exército romano de Vespasiano e seu filho Tito em ação contra seus compatriotas judeus no fim do reinado de Nero, e cujos contos idealizam um poucos das suas instituições e procedimentos de rotina, e que podem servir como um testemunho de quanto — e ainda em um sentido do quão pouco — o exército tinha realmente mudado nos dois séculos ou mais desde que Políbio ofereceu seu ponto de vista grego à ascensão espetacular de Roma ao conquistar o mundo mediterrâneo.

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APÊNDICE 1 – AS LEGIÕES DA GUERRA CIVIL

1a – SÉRIE CONSULAR DE CÉSARI

II na Macedônia em 44; lutando mais tarde em Forum Gallorum e MutinaIII (mais tarde Gallica)IIII MacedonicaIV

1b – SÉRIE CONSULAR DE PANSA

III Sabina (? = mais tarde II Augusta)IIIIIII SoranaV UrbanaNota: a posterior I Germanica deve ter pertencido a uma das outras series. A Legio III de Pansa ddeve

ter sido no futuro a Legio III Augusta, em razão de que ambas as Legio III Gallica e Legio III Cyrenaica quase que certamente pertenceram a Marco Antônio.

2 – LEGIÕES GÁLICAS DE CÉSAR

V AlaudaeVI FerrataVII (mais tarde Claudia)VIII (mais tarde Augusta)IXX Equestris mais tarde Gemina)XIXII (? = mais tarde Fulminata)XIIIXIVNotas: A evidência para a continuidade no Império, nos casos das IX, XI, XIII e XIV é insegura, e continua

a ser possível que as legiões que conhecemos como IX Hispana, XI Claudia, XIII Gemina e XIV Gemina tenham sido todas formadas por Otaviano em 41/40, ou por fusão de outras, depois de Actium. Em 43, Ventidius formou uma legião com o numeral IX, evidentemente lembrando a legião de César, mas a sua história posterior não é conhecida, e pode não ter sobrevivido muito tempo. César levantou uma Legio XV, mas em 50 ela foi entregue a Pimpeu, como visto acima.

3a – LEVANTADAS POR CÉSAR EM 49 AC

XVXVINOTA: Estas, talvez, tivessem sido perdidas na África em 49. Se as numerações foram re-utilizadas,

mais tarde, não se tem conhecimento.XVIIXVIIIXIX Colonist em Nuceria, 41 XXXXI Spain, 49 XXIIXXIIIXXIVXXV Africa, 46 XXVI Africa, 46–43 ( Transportada para a Itáia, 43; juntada a Otaviano. Colonists emLuca, 41 XXVII Pharsalus, 48 AC (César); Alexandria, 47; Egito, 47– 42?; Philippi com os Liberators?XXVIII Hispania, 49; Thapsus, 46; Munda, 45?; Italy, 42; Philippi, 42. Colonist em Philippi XXIX Thapsus, 46; Africa, 46–43; transportada para Roma, 43; jjuntada a Otaviano, 43. Colonist emt

Hadria, 41? ; atestada em Pola e Saturnia.XXX Hispania, 49; Thapsus, 46; ?Munda, 45; Colonist, Urso, 45; ?Philippi, 41. Colonists, Beneventum, 41

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(CVSI 30, 32, 35, 37 etc.). Colonist, Locri,36? (CVSI 76, with title Classica = ILS 2232).XXXI Creta, ?–41 XXXIIXXXIII Veteranos returnam para casa para Terventum, Italia central

3b – LEGIÕES FORMADAS A PARTIR DO EXÉRCITO BATIDO DE POMPEU, EM 48 AC

XXXIVXXXV Macedonia, 44; transferida para a Itália; Forum Gallorum e Mutina, 43.XXXVI Alexandria, 47; Egito, 47–42? (Liberators)XXXVII Zela, 47; Egito, 47–42? (Liberators)Notas: O número total de soldados pompeainos aceitos no exército de César foi de 24.000. Nenhuma

fonte se reporta sobre quantas legiões foram formadas. Estudiosos argumentam terem sido de 3 a 4, sendo este útimo número o mais possível.

3c – LEGIÕES RECRUTADAS DE 47 A 44 AC

XXXVIIIXXXIXXXXXXXXXI Colonists at Tuder (Todi), 36 or 31.Notas: Se o número toal de legiões em serviço em 44 AC tem sido corretamente estimado pelos estudio-

sos, ele teria sido o de 37 legiões; neste caso, a sequência numérica alcançaria XXXXVI, mas poderia ser maior.Legiões XV a XXXVII que sobreviveram às Guerras Civis, em 41. Aquelas que foram encontradas com

os triúnviros receberam terras na Itália. As legiões eram numeradas até XXXVIII e mais, pelo menos até 36 e, talvez, até a batalha de Accio.

3d - LEGIO MARTIA

Para ser incluída nos totais acima, provavelmente na seção 3a, está a Legio Matia, cujas façanhas são registradas por Apiano, Dio, Valério Máximo e Cícero. Ela fazia parte da guarnição macedônia em 44, e foi trans-ferida para a Itália para fazer parte da força de Marco Antônio, na província da Cisalpina, quando desertou para Otaviano, para quem ela lutou em Fórum Gallorum e Módena. Depois disso ela deve ter retornado com Otaviano para Roma e, mais tarde, parece ter sido com ela, durante as operações em 42, que ela lutou contra Sextus Pompeius em torno de Rhegium (somente isso explica a sua não-chegada em Filipos).

Durante a travessia do Adriático, em novembro de 42, os transportes que transportavam a legião foram interceptados e os soldados em sua maioria ou foram afogados, ou foram mortos. A legião não é citada de novo. Seu numeral não é relatado, mas Valério Máximo registra um incidente envolvendo a legião, que sabemos que teve lugar na África em 46. As legiões presentes na África, excluindo as veteranas, eram as XXVI, XXVIII, XXIX, XXX e outra , talvez a XXV; daí a Martia poder ter sido o título ligado a uma dessas cinco legiões, mas não foi possível estabelecer a verdadeira informação.

4 – NOVA ORDEM DE BATALHA DE OTAVIANO, 41 A 31 AC

VII, VIII, IIII Macedonia trazidas de volta da batalha de Filipos. Os sobreviventes da série consular de Pansa, do anoa 43, incluem as II Sabina, IIII Soran e a V Urbana. As legiões deixadas no Ocidente, em 42–41, incluem a fomações até o numero XXXXI, a saber:

V ( mais tarde Macedonica, a mesnos que possa ser identificada como a V Urbana acima)VI ( mais tarde Hispaniensis, depois Victrix)IX ( mais tarde Hispaniensis— se não a cesariana)X FretensisXI ( mais tarde Claudia—se não a cesariana). Colonists, Ateste (Este), 30.XII Victrix (presente em Perusia, 41)XIII ( mais tarde Gemina— se não a cesariana; S. Itália. 36.XIV (mais tarde Gemina—se naõ a cesariana)XV (l mais tarde Apollinaris). Colonist, Ateste, 30 or 14?XVIXVIIXVIII Colonist, Ateste, 30 or 14?XIX Colonist, Pisa, 30?

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Nota: A sequ~encia numérica pode ter sido maior, mas os registros não sobreviveram.

5 – LEGIÕES DE MARCO ANTÔNIO, 41 A 30 AC

I–XXIII registradas em uma série de moedas. III Gallica Tacitus Hist; Plutarco Ant. 42.VI Ferrata – Moeda de Lucius VerusX Equestris Colonists, Patrae, 30V Alaudae Colonists, Beneventum, 30?XII Antiqua – Moeda da série de Antônio.XVII Classica.XVIII Libycado.VIII With Pinarius Scarpus na Cyrenaica, 31–30?IIII (mais tarde Scythica) (duplicata da IIII Macedonica)III Cyrenaica com Pinarius Scarpus na Cyrenaica?Notas: Colonos em Beirute (das legiões V e VIII Gallica) e na Antioquia Pisidiae (V e VII) são concebivel-

mente de Antônio. A Legio XII Fulminata é presumivelmente antoniana, e deve ser identificada como Legio XII Antiqua ; seus veteranos foram dispensados ao lado dos homens da Legio X Equestris em Patrae. Observe-se uma inscrição antecipada de uma Legio VI na colônia de Byllis na Macedónia, talvez de um soldado antoniano.

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