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i CAMILA MONTEVECHI SOARES A RESSIGNIFICAÇÃO DO PLANEJAMENTO PÚBLICO A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia Belo Horizonte 2016

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i

CAMILA MONTEVECHI SOARES

A RESSIGNIFICAÇÃO DO PLANEJAMENTO PÚBLICO A PARTIR DA

PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia

Belo Horizonte

2016

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iii

CAMILA MONTEVECHI SOARES

A RESSIGNIFICAÇÃO DO PLANEJAMENTO PÚBLICO A PARTIR DA

PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Administração Pública da

Turma 2014-2016 da Escola de Governo

Professor Paulo Neves de Carvalho, da

Fundação João Pinheiro, como requisito para

a obtenção do título de Mestre em

Administração Pública.

Área de Concentração: Administração

Pública (Planejamento Público) e

Democracia

Orientador: Ricardo Carneiro

Coorientadora: Flávia de Paula Duque Brasil

Belo Horizonte

2016

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Soares, Camila Montevechi

S676r A ressignificação do planejamento público a partir da participação

social: estudo de caso do PPA participativo da Bahia / Camila

Motntevechi Soares – Belo Horizonte, 2016.

240 p. : il.

Dissertação (Programa de Mestrado em Administração Pública) –

Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, Fundação João

Pinheiro.

Orientador: Ricardo Carneiro

Referência: 211 - 217

1. Planejamento econômico - Bahia. 2. Planejamento participativo -

Bahia. 3. Administração pública - Bahia. Orçamento público. 5.

Participação social. 6. Plano Plurianual. I. Carneiro, Ricardo. II. Título.

CDU 338.984.3(814.2)

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v

Autor: Camila Montevechi Soares

Título e subtítulo:

A RESSIGNIFICAÇÃO DO PLANEJAMENTO PÚBLICO A PARTIR DA

PARTICIPAÇÃO SOCIAL - Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia

Natureza, objetivo, nome da instituição: Escola de Governo Professor Paulo Neves de

Carvalho/ Ensino e Pesquisa/ Fundação João Pinheiro

Área de concentração: Administração Pública (Planejamento Público) e Democracia

Aprovada na Banca Examinadora

_______________________________________

Ricardo Carneiro

Doutor em Ciências Humanas – Sociologia e Política (UFMG)

Orientador do Trabalho

Fundação João Pinheiro

_______________________________________

Flávia de Paula Duque Brasil

Doutora em Ciências Humanas – Sociologia (UFMG)

Coorientadora do Trabalho

Fundação João Pinheiro

________________________________________

Leticia Godinho de Souza

Doutora em Ciência Política (UFMG)

Avaliadora Interna do Trabalho

Diretora da Escola de Governo/ Fundação João Pinheiro

_______________________________________

Fernando de Souza Coelho

Economista (FEA-USP)

Mestre e Doutor em Administração Pública e Governo ( FGV-SP)

Avaliador Externo do Trabalho

Professor de Gestão de Políticas Públicas na EACH-USP

Belo Horizonte – Fundação João Pinheiro

23 de Março de 2016

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vii

DEDICATÓRIA

Às mulheres fortes da minha família.

Mesmo sem nunca terem rotulado sua trajetória como “feminista”, me ensinaram que

lugar de mulher é onde ela quiser – se dentro de casa, com respeito e posicionamento; se

na rua, mandando beijos, ombros e bananas para a sociedade quando necessário. Dedico

especialmente à minha mãe, por quem minha admiração cresceu exponencialmente nos

últimos anos, e que foi uma assistente impecável da pesquisa.

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ix

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha pequena grande família – papai, mamãe, titia e vovó – pelo amor

incondicional, por suportar as ausências, por aplaudir cada passo e por ser meu eterno

porto seguro. Obrigada, papai, pela ajuda.

Ao meu querido Guilherme, parceiro de trabalho, de academia e de casa, de todas as

horas, que construiu esse sonho comigo e muitos outros que ainda estão por vir.

Aos meus professores da FJP, pelos momentos de aprendizagem e por aguentarem meu

“jeito paulista de ser”, especialmente:

Ao Bruno, pelo jeito maravilhoso e único de ser e pelos aguardados parênteses

infinitos que abrilhantavam mais ainda a sua aula;

À Flávia, minha coorientadora e amiga querida, pelo suporte acadêmico e de alma,

por humildemente ceder parte de seu vasto conhecimento, do seu protagonismo em

sala de aula e da sua doçura. Obrigada pela participação fundamental nessa

conquista;

Ao Ricardo, meu super-orientador, que guiou, corrigiu e se envolveu com dedicação

e carinho cada ideia e cada linha escrita. Obrigada pela atenção, pelos retornos

certos, pela paciência e por dividir muito do seu saber comigo. Um dia quero saber

escrever como você!

Aos colegas que a USP me deu, especialmente à Rosane, quem influenciou duas coisas

que faço relativamente bem; dirigir e escrever. E aos colegas do mestrado, que

conduziram com solidariedade e determinação a “van da indolência” rumo ao título.

Aos colegas da Controladoria, pela paciência e por darem sentido prático a todas as

minhas inquietações acadêmicas.

Aos dirigentes e servidores da Secretaria de Planejamento da Bahia, por construírem

incessantemente um estado e uma administração pública melhor, pela pronta disposição

em me receber no órgão e pelas conversas tão transformadoras, convictas e

esclarecedoras.

Aos mestres que compuseram à brilhante banda de defesa de dissertação, Letícia

Godinho e Fernando de Souza Coelho – esse que acompanha minha trajetória

acadêmica desde a formação na Universidade de São Paulo, e que é um militante

ferrenho do Campo das Públicas.

Aos meus amigos e às minhas amigas de sempre, por estarem ali apesar de todos os

nãos dos últimos tempos, e também àqueles queridos que fiz em BH.

À Belo Horizonte e às infinitas possibilidades que a cidade me deu de crescer e ser feliz.

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xiii

RESUMO

A origem, a motivação e os ciclos marcantes da trajetória do planejamento no país mostram

que ele foi tradicionalmente realizado em desacordo com preceitos democráticos de inclusão

política e participação cidadã. Houve um intento à transformação do planejamento em bases

mais democráticas e formais a partir da institucionalização do instrumento do Plano

Plurianual (PPA), como uma aposta de transformação afirmativa do planejamento frente ao

seu desmantelamento na década de 80, contribuindo para passar o planejamento de um rito

aleatório e discricionário para um processo sistemático de debate e entrega da programação

governamental. Entretanto, alguns legados tradicionais, disfunções constitutivas do PPA,

limitações e problemáticas de enfoque do planejamento permaneceram, as quais motivaram o

trabalho a assumir como necessário e desejável um processo de ressignificação da função da

administração pública, cujos ganhos somente seriam conquistados se apoiados em novas

gramáticas de relacionamento entre Estado e sociedade. Muitos dos ingredientes dessa

ressignificação do planejamento público foram identificados na construção teórica da

democracia deliberativa-participativa. No intuito de confirmar ou refutar os pressupostos

teóricos, o trabalho adotou como estudo de caso o PPA Participativo da Bahia, referência no

país pelo arranjo institucional adotado e pelos resultados alcançados, valendo-se de pesquisa

documental e entrevistas com os principais dirigentes da área de planejamento do governo. O

trabalho apresentou como objetivo central examinar, a partir da adoção de framework

tridimensional com variedades de possibilidades institucionais dos fóruns de participação,

fundamentado na teoria da democracia, em que medida o planejamento público é

ressignificado pela participação social, tendo como referência a grandeza e a intensidade da

democracia nas instituições participativas do PPA-P/BA. Os resultados informaram que

a Bahia expandiu significativamente a participação social na elaboração do plano a partir do

PPA Participativo em 2007, ampliando a democracia no planejamento em todos os

indicadores de grandeza e intensidade da democracia e, por consequência, conquistando

patamares sem precedentes de ressignificado. A demonstração no gráfico do chamado “Cubo

da Democracia” (FUNG, 2006) indicou um posicionamento moderado nas possibilidades

institucionais para a viabilização da deliberação-participação. O trabalho argumentou que as

estratégias adotadas pelo núcleo técnico de planejamento da SEPLAN da Bahia buscou um

equilíbrio entre a democratização do planejamento e a qualidade técnica do planejamento,

agregando as benesses tanto da pluralidade de interesses dos territórios quanto da expertise

governamental. Algumas ponderações sobre a adoção da deliberação-participativa pelo

governo contribuíram para revelar uma crítica ao modelo adotado.

Palavras-chave: planejamento público; PPA Participativo; democracia; participação social;

arranjos institucionais participativos; PPA Participativo da Bahia.

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xv

ABSTRACT

The origin, motivation and remarkable cycles of the public planning in Brazil revealed that it

was traditionally accomplished in disagreement with democratic precepts of social inclusion

and citizen participation. There was an attempt to transform planning within more democratic

and formal basis, from the institutionalization of the instrument of the Multi-Annual Plan

(known in Portuguese as PPA), as a bet of an affirmative transformation of planning facing to

its dismantling in the 80s, contributing to improve it from a random and discretionary way to

a systematic process of debate and delivery of government programming. However, some

traditional legacy, constitutive dysfunctions of PPA, limitations and focus problems remained,

which motivated this work to assume as necessary and desirable a resignification of planning

process in the public administration, whose earnings would only be achieved if supported by

new grammars relationship between the State and the society. Many of the ingredients of this

resignification process of the public planning are identified in the theoretical construction of

deliberative-participatory democracy. In order to confirm or refute the theoretical

assumptions, this work adopts the Participatory PPA of the State of Bahia as a case of study,

which is a reference in the country due to the institutional design adopted and the results

achieved, relying on documentary research and interviews with the key leaders of the

planning area of the government. The work presents as a central objective to demonstrate,

from the adoption of three important dimensions with varieties of institutional possibilities,

based on the theory of democracy, the extension of the resignification of public planning by

the social participation, with reference to the intensity of democracy in the participatory

institutions of Bahia’s PPA. The results report that Bahia significantly expanded social

participation in the elaboration of the plan since the Participatory PPA in 2007, expanding

democracy in planning in all indicators of the intensity of democracy, and, therefore,

achieving unprecedented levels of resignification. The demonstration on the graph called "The

Democracy Cube" (FUNG, 2006) indicates a moderate position in the institutional

possibilities for the viability of deliberation-participation. The work argues that the strategies

adopted by the technical core of the Planning Secretariat of Bahia sought a balance between

the democratization and the technical quality of planning, adding the positive features of both

the plurality of interests of territories and the government expertise. Some considerations on

the adoption of deliberation-participation by the government contributed to reveal a critique

on the model adopted.

Keywords: public planning; Multi-Annual Participatory Plan; democracy; social

participation; institutional participatory design; Participatory PPA of the State of Bahia.

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Sumário

Introdução ............................................................................................................................................ 1

Capítulo 1. Planejamento público no Brasil ................................................................................. 9

Seção 1.1 Orientações da função de planejamento e ciclos marcantes ............................................... 9

1.1.1 Macro-definições do planejamento público ......................................................................... 10

1.1.2 Origem e motivações do planejamento público no Brasil .................................................... 12

1.1.3 Ciclos marcantes da trajetória do planejamento: as principais peças da história ................. 17

Seção 1.2 PPA no Brasil e nos estados ............................................................................................. 29

1.2.1 Contexto da Constituinte e ascensão do PPA ....................................................................... 30

1.2.2 Aspectos normativos: legislação e prerrogativas constitucionais......................................... 32

1.2.3 Princípios e arranjo constitutivo do PPA ............................................................................. 34

1.2.4 Os sete ciclos quadrienais do planejamento público federal ................................................ 38

1.2.5 Planejamento público em contexto subnacional: o PPA nos estados ................................... 52

Seção 1.3 Aspectos críticos da função de planejamento público no Brasil ....................................... 55

1.3.1 Resistência à mudança: limitações tradicionais do planejamento e disfunções constitutivas

do PPA .......................................................................................................................................... 56

1.3.2 Planejamento versus gestão: o esvaziamento da função nas últimas décadas ...................... 60

1.3.3 Planejamento versus plano: processo e produto; integrados e não sobrepostos ................... 63

1.3.4 Ponderações à dimensão estratégica do planejamento: prisão técnica-orçamentária e

horizonte de médio prazo .............................................................................................................. 66

1.3.5 Planejamento versus implementação: descompasso entre intenções e capacidades ............ 69

1.3.6 Viés economicista do planejamento: reducionismo e pressão do caráter técnico-

orçamentário .................................................................................................................................. 73

Capítulo 2. Democracia e participação social no planejamento público ............................. 79

Seção 2.1 Participação social como pauta de ressignificação do planejamento público ................... 79

Seção 2.2 Caminhos da democracia recente e as instituições participativas (IPs) ............................ 85

2.2.1 Movimento de resistência à globalização hegemônica e reinvenção da democracia ........... 85

2.2.2 Da representação à radicalização democrática ..................................................................... 88

2.2.3 O papel da sociedade civil na democratização do Estado .................................................... 93

2.2.4 Democracias participativa e deliberativa ............................................................................. 96

2.2.5 Instituições Participativas (IPs) e a prerrogativa do arranjo institucional .......................... 102

Seção 2.3 A adoção da participação social no PPA ........................................................................ 110

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2.3.1 O caminho do modelo de participação: do Orçamento Participativo (OP) ao PPA

Participativo (PPA-P) .................................................................................................................. 111

2.3.2 Desencontros do planejamento governamental e participação social: fases marcantes ..... 115

2.3.3 A virada conciliatória dos anos 2000: porosidade da ação governamental e o PPA

Participativo ................................................................................................................................. 119

2.3.4 Participação social em contexto subnacional: o PPA Participativo nos estados ................ 123

Capítulo 3. Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia .................................................. 129

Seção 3.1 Delimitação e objetivos da pesquisa ............................................................................... 129

Seção 3.2 Metodologia .................................................................................................................... 133

Seção 3.3 Participação na Bahia: histórico e construção do arranjo participativo no estado .......... 137

3.3.1 Histórico de mobilização social .......................................................................................... 137

3.3.2 Evolução da elaboração participativa do PPA no estado .................................................... 139

3.3.3 A construção do arranjo institucional participativo ............................................................ 141

Seção 3.4 Análise e resultados da democracia no PPA da Bahia .................................................... 153

3.4.1 Modelo de análise ............................................................................................................... 153

3.4.2 Resultados dos indicadores de grandeza e intensidade da democracia .............................. 163

3.4.3 Resultados a partir de temáticas transversais ...................................................................... 188

Conclusão .......................................................................................................................................... 205

Referências ....................................................................................................................................... 211

APÊNDICE 1 – Quadro-resumo dos depoimentos coletados ............................................................. 218

APÊNDICE 2 – Quadro-resumo das entrevistas realizadas ................................................................ 221

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1

Introdução

São muitas as nuances que permeiam a trajetória do planejamento no Brasil, desde o modelo

tradicional conservador, que marca sua concepção original, até o modelo ressignificado pela

democratização da administração pública, cujo marco referencial é a Constituição Federal de

1988. A trajetória teve seu início na década de 30, durante o governo de Getúlio Vargas, e

acompanhou um despertar do ativismo estatal na promoção da industrialização da economia,

apoiando-se muito significativamente no sentido de urgência da missão desenvolvimentista. À

época o planejamento não se consolidou com maturidade sistêmica e era realizado em caráter

discricionário, sob o comando do recém-criado Departamento Administrativo do Serviço

Público (DASP), órgão direcionado a prestar assessoria técnica direta ao presidente

(CARDOSO JR, 2014).

Na segunda metade da década de 50, com a ascensão de Juscelino Kubitscheck ao poder,

aumentou-se o peso do Estado na promoção do desenvolvimento e, com isso, a conotação

mais presente e permanente da sua função de planejamento (BERCOVICI, 2015). Nesse

contexto, por meio da implementação do Plano de Metas de JK, a administração pública

brasileira observou a primeira experiência efetiva de planejamento público, realizada de

forma dialogada com diretrizes e diagnósticos de agentes internacionais, que colaboraram

para difundir no país uma ideologia desenvolvimentista (CARDOSO JR, 2014). Esse período

inaugurou a chamada “Era de Ouro do Planejamento”, que perdurou até a década de 70.

Durante a Ditadura Militar (1964-1985), o país observou o auge do planejamento público, que

esteve fortemente associado à instauração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs)

e ao prestígio envolvido na publicação de grandes medidas de desenvolvimento. O

planejamento então foi direcionado à construção de planos macroeconômicos audaciosos,

buscando conciliar a estabilização macroeconômica com a manutenção do crescimento. Além

do viés economicista, o Estado valeu-se de um “autoritarismo-tecnoburocrático” (CARDOSO

JR, 2014) para dar vazão a esse modelo, responsável por ditar medidas impositivas e

autoritárias de ordenamento governamental, centrado na burocracia estatal e realizado em

absoluta discordância com preceitos democráticos de inclusão política e participação cidadã

(PALUDO e PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011; CARDOSO JR, 2014; GARCIA,

2015).

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2

A “Era de Ouro do Planejamento” foi destituída juntamente com a Ditadura Militar, como

resultado de efeitos combinados da crise emergente de sustentação do ritmo de crescimento

econômico e da crise do próprio autoritarismo, levando à crescente pressão pela

redemocratização do Brasil. Assim, a queda brusca no funcionamento do sistema de

planejamento público no Brasil acompanhou o esgotamento do modelo autoritário, que

forçava o governo a responder aos anseios de uma sociedade cada vez mais complexa e ativa

pela reivindicação dos direitos de participar das decisões governamentais (PALUDO e

PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011; CARDOSO JR, 2014; GARCIA, 2015).

A redemocratização e a Constituição Federal de 1988 (CF-88) representaram um novo ponto

de inflexão à função de planejamento público no Brasil, inaugurando uma sistemática formal

de ordenamento das ações governamentais. Essa reorganização respondeu à necessidade de

racionalização do processo decisório, oriunda sobretudo da perda de legitimidade do núcleo

político dominante, e se deu como uma busca pela transformação afirmativa do planejamento

frente ao seu desmantelamento na década de 80. O Plano Plurianual (PPA) surge no novo

contexto como uma das inovações introduzidas pelo novo texto constitucional no quesito de

formalização do planejamento, juntamente com o redesenho de toda a sistemática

orçamentária (SANTOS et al, 2015b; CARNEIRO, 2015; BERCOVICI, 2015; AMARAL,

2015). Esse ordenamento formal estabeleceu a obrigatoriedade da adoção, a padronização dos

instrumentos e as bases essenciais das peças de planejamento e orçamentárias. Se somadas

essas determinações ao ambiente político que permeou a Constituinte, pode-se dizer que

foram instituídas as bases normativas do planejamento democrático no Brasil (BERCOVICI,

2015).

Além do caráter formal de ordenamento das ações governamentais, o processo de

redemocratização instaurou um paradigma democrático e social sem precedentes no país,

transformando continuamente a compreensão e a prática da garantia de direitos e a relação

entre Estado e sociedade (SANTOS et al, 2015b). O ambiente democrático propiciado pela

Constituinte estimulou a incorporação posterior de uma multiplicidade de atores da sociedade

civil nas esferas decisórias. Como exemplo, a CF-88 e a legislação das políticas sociais que

desdobrou dela anos depois impuseram formalmente a participação social em algumas áreas

das políticas públicas, com destaque para a criação de conselhos (PIRES, 2010). Por essas

razões, o novo ambiente democrático garantiu – ainda que não tenha tornado obrigatório – as

bases para um futuro preenchimento do planejamento de um sentido político, que fomentou a

instituição de projetos deliberativos-participativos.

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3

Por outro lado, o PPA, tal como é desenhado, apresenta disfunções constitutivas que

limitaram ou inviabilizaram as intenções de transformação do planejamento público em bases

democráticas. Isso vem agravar um cenário já existente de reprodução de problemas

estruturais da administração pública no Brasil, na medida em que o PPA também carrega

legados do planejamento tradicional adotado no país – burocratismo, centralismo,

autoritarismo, caráter discricionário e viés economicista. São exemplos de disfunções

constitutivas do PPA o cerceamento técnico-orçamentário, que obriga o plano a desdobrar-se

em rubricas de orçamento e por isso adquirir uma dimensão tático-operacional, e o horizonte

restrito de médio prazo, que pouco dialoga ou até se sobrepõe aos grandes planos de

desenvolvimento. Ambas as disfunções impactam negativamente na dimensão estratégica

almejada pelos constituintes (PAULO, 2010; REZENDE, 2011).

Essas limitações do planejamento público também foram agravadas por fatores conjunturais

ocorridos na década de 90. O processo de institucionalização do planejamento em bases

formais e democráticas foi combinado com uma agenda de ajustes nas contas públicas,

determinando de forma decisiva o modo como foi implementado o novo arranjo. Motivados

pelas necessidades preeminentes de contenção da inflação, estabilização da economia e

recuperação do crescimento, os governos que se sucederam no período e, mais

especificamente, os Governos Fernando Henrique Cardoso, direcionaram o enfoque da

administração pública para aspectos da gestão em detrimento do planejamento. Nesse

contexto, foram descontinuadas muitas propostas ainda não regulamentadas do intento

constituinte, por meio de emendas constitucionais e reformas administrativas, na figura

relevante do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que atribuíram

relativa centralidade às agendas gerencialistas e neoliberais, contribuindo para o esvaziamento

da função de planejamento governamental e de toda a sua carga política, de conteúdo temático

e de estratégia de desenvolvimento nacional (CARDOSO JUNIOR, 2011).

Portanto, o movimento de democratização do planejamento público no Brasil, tendo a

participação social como elemento essencial, em uma perspectiva de “radicalização

democrática” (FUNG e COHEN, 2004), iniciou-se com a Constituição Federal de 1988, mas

esteve sujeito aos legados históricos do padrão tradicional, disfunções constitutivas,

limitações e problemáticas de enfoque, como o viés economicista. Apenas no contexto pós-

2000 que o movimento ganhou densidade com experiências que se espalharam pelo país,

impulsionadas por novas orientações ideológicas e projetos políticos. Nessas experiências,

uma diversidade de atores foi pouco a pouco incorporada nos processos decisórios e de gestão

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de políticas públicas por meio de instituições de participação social (POMPONET, 2008;

AMARAL, 2015; AVELINO e SANTOS, 2015).

O experimentalismo municipal e a arquitetura participativa voluntária dos governos federal e

estaduais resultaram em um número expressivo e diversificado de instituições participativas

(IPs) em todo o território nacional, como conselhos, conferências, orçamentos participativos,

entre outras práticas, com destaque para o PPA Participativo (PPA-P), que tem se consolidado

como uma das experiências mais relevantes de planejamento democrático no país (PIRES,

2010). Essas instituições configuram-se em um repertório amplo e multifacetado, com

variedades de arranjos, procedimentos e expectativas de radicalização democrática

(CARNEIRO e BRASIL, 2011). Os resultados desse processo corroboram para que o Brasil

seja reconhecido internacionalmente – e desperte a curiosidade até mesmo de países com

democracias mais maduras e consolidadas – pela sua capacidade de atrair a presença de

cidadãos pobres e desfavorecidos e de alcançar bons patamares de redistribuição de bens

públicos (AVRITZER, 2009).

Mesmo com esses avanços, não se sabe em que medida as novas experiências e o modelo

participativo de planejamento são capazes de superar o legado do padrão vigente até então. A

problemática em torno dessa questão constitui o tema de estudo desta dissertação, que busca

então identificar os novos significados do planejamento público do país a partir das

experiências da última década e à luz das teorias da democracia “contra-hegemônica”

(SANTOS e AVRITZER, 2002) ou “mais radical” (FUNG e COHEN, 2004). Essas teorias se

apoiam nas concepções deliberativa e participativa e reivindicam, principalmente, um

alargamento da democracia representativa.

Para o desenvolvimento do estudo, parte-se do conceito de ressignificação do planejamento

público, que pode ser entendido da seguinte forma: dar um novo significado e/ou um novo

sentido para o planejamento, apoiado na participação política, na inclusão social e em um

projeto político que cria instâncias de participação no âmbito do Estado, as quais viabilizam,

entre outros, rotinas de escuta social e espaços de construção coletiva da agenda

governamental. Dar um novo significado e/ou um novo sentido para o planejamento também

se refere a mitigar a problemática do padrão de planejamento tradicional e preencher a função

de conteúdo político, de soberania democrática e de requisitos de legitimidade.

O potencial agregador e transformador de sentido do planejamento público oportunizado pela

democratização da administração pública se apoia na concepção de que a democracia é um

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princípio que organiza transversalmente a vida sociopolítica da nação e perpassa muitas

funções da administração pública, entre elas o próprio planejamento. A participação social

pode ser compreendida como uma das formas possíveis de operacionalização da democracia,

estabelecendo uma nova gramática de relacionamento entre Estado por meio da abertura

institucional das esferas decisórias aos atores políticos naturalizados na sociedade

(AVRITZER, 2002, 2008 e 2009).

Esse modelo se torna um aliado importante da função de planejamento público no quesito de

aderência às questões complexas da sociedade e de permeabilidade das demandas sociais,

uma vez que estimula a inserção gradual de uma pluralidade de procedimentos que estreitam a

relação entre governo e os cidadãos (POMPONET, 2008; AMARAL, 2015; AVELINO e

SANTOS, 2015). Destacam-se as IPs como experiências aprofundadas que podem agregar

uma importante dimensão comunicativa no planejamento governamental, projetando inclusive

a efetividade das políticas públicas em diálogo com perspectivas de inclusão social. Essas

experiências oferecem apoio na legitimidade das ações propostas, pois demandam que o

planejamento formal seja realizado – e percebido – como um contrato político entre as

instituições do Estado e a sociedade civil (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011 apud

SILVEIRA). Dessa forma, as IPs adicionariam ingredientes de soberania democrática e de

requisitos de legitimidade ao planejamento público tradicional.

Entre as institucionalidades criadas para a participação social no planejamento, destacam-se

as experiências recentes de elaboração dos Planos Plurianuais Participativos (PPA-P). No

âmbito do PPA-P, o arranjo construído e promovido pelo Governo Federal a partir do ciclo

2004-2007 foi reproduzido em diversas esferas governamentais pelo Brasil e inspirou a

adoção do modelo e suas metodologias em muitas iniciativas de estados e municípios, como é

o caso do PPA Participativo da Bahia. Considerando essas experiências como oportunidades

para aprofundar este estudo e investigar com qual intensidade a participação social

ressignifica o planejamento público, é adotada a análise em profundidade das instituições

participativas fomentadas e organizadas pelo poder público baiano no âmbito da elaboração

do Plano Plurianual Participativo (PPA-P/BA), com ênfase nos ciclos 2008-2011, 2012-2015

e 2016-2019.

Sendo assim, além de promover uma organização teórica sobre o potencial de qualificação do

planejamento com o processo de democratização da administração pública e com a adoção da

participação social, tendo como produto o potencial de ressignificação, este trabalho tem

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como objetivo central examinar, a partir da adoção de modelos de análise fundamentados na

teoria da democracia, em que medida o planejamento público é de fato ressignificado pela

participação social, tendo como referência a intensidade da democracia nas instituições

participativas do PPA-P/BA.

A configuração do planejamento estadual da Bahia mostra um protagonismo do Executivo na

abertura das funções da administração pública e um comportamento inovador para as práticas

de participação na elaboração dos planos quadrienais formais, no caminho da radicalização

democrática. Tendo em vista essas qualidades, a escolha pela investigação da democratização

do PPA segundo o caso da Bahia se dá em função de três pontos principais: primeiro, e mais

relevante, é a importância dos modelos de participação incorporados pela esfera estadual

baiana em sua função de planejamento público, despontando em alguns estudos transversais

sobre as iniciativas de participação dos planejamentos estaduais como uma referência

nacional, cumprindo satisfatoriamente um conjunto de indicadores avaliativos do arranjo

adotado pelo governo. Segundo, há uma compatibilidade conceitual e metodológica do PPA-P

baiano com o modelo implantado pelo Governo Federal, havendo uma releitura adaptativa e

um aprimoramento da adoção do componente participativo à luz do modelo federal. A

literatura desdobrada do processo de planejamento federal é mais extensa, o que contribuiu

tanto para construir o objeto de planejamento neste trabalho quanto para promover o diálogo

entre as iniciativas federal e estadual, já que são relacionadas. Por fim, o terceiro ponto que

justificou a escolha foi a preservação de uma mesma equipe mentora do PPA participativo no

Estado da Bahia no ciclo de elaboração 2016-2019, coincidente com o desenvolvimento deste

estudo. Houve uma continuidade na gestão estadual petista na Bahia do ciclo do PPA 2012-

2015 a partir das eleições de 2014, e isso tornou possível a abordagem a um corpo técnico e

dirigente ciente do histórico de planejamento estadual, apto a responder sobre o processo em

2011 e articulado e mobilizado para a elaboração do novo plano.

Entende-se que a análise da intensidade da democracia no PPA-P/BA traz algumas vantagens

para o estudo, tais como traduzir a ressignificação do planejamento público a partir da

institucionalização da participação social em um contexto específico, compreender e

problematizar o arranjo institucional participativo adotado e indicar variedades de intensidade

com que a democracia participativa pode preencher o planejamento de significado. Essas

vantagens são potencializadas pela adoção de um framework tridimensional (FUNG, 2006)

capaz de posicionar o PPA-P/BA em diferentes intensidades de inclusão política, extensão do

chamamento à participação nas estratégias de mobilização, desenvolvimento de preferências

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pelos participantes da sociedade, diluição da autoridade governamental nos processos

decisórios, empoderamento de pauta à agenda governamental, entre outras variáveis da

democracia.

Para alcançar os objetivos desta dissertação, a metodologia parte de uma ampla revisão

teórica de ambos os objetos centrais da pesquisa, o planejamento público e a democracia e

participação social, e adota o estudo de caso como modelo de procedimento, entendendo que

a análise em profundidade permite compreender como ocorre a construção da participação

social no estado da Bahia e quais as consequências empíricas das variáveis de desenho das

instituições participativas, e, sobretudo, aferir a grandeza e a intensidade da democracia no

PPA-P/BA. A pesquisa tem natureza qualitativa e é de tipo exploratório-descritivo, e a coleta

de dados é realizada de três formas: pesquisa bibliográfica e documental, por meio de análise

da documentação direta do PPA-P baiano; observação direta às mesas temáticas da rodada do

PPA-P da Bahia para o novo ciclo 2016-2019; e entrevistas e coleta de depoimentos

realizados com dirigentes da Secretaria de Planejamento (SEPLAN/BA), bem como com

técnicos e gestores da administração pública estadual. É importante destacar que a descrição

dos procedimentos metodológicos adotados no trabalho é retomada e detalhada ao longo do

desenvolvimento do argumento analítico e também recebe seção específica no Capítulo 3.

O trabalho está organizado em três capítulos, além da presente introdução e da conclusão. O

primeiro percorre o histórico de planejamento público no Brasil, apresentando as orientações

da função de planejamento e os ciclos marcantes, as intencionalidades, marcos normativos e

desdobramentos da institucionalização do PPA e a organização teórica de alguns aspectos

críticos do planejamento – desde legados tradicionais até as disfunções constitutivas do PPA.

O segundo capítulo apresenta a revisão teórica da democracia e participação social sob

recortes específicos na literatura deliberativa e participativa, enfatizando o caminho da

radicalização democrática e os fundamentos das instituições participativas e dos arranjos

institucionais participativos; esse capítulo também descreve a adoção da participação no

planejamento nacional e em contexto subnacional. O terceiro e último capítulo apresenta o

estudo de caso do Plano Plurianual Participativo da Bahia, que, em essência, percorre o

histórico da mobilização social no estado e a construção do arranjo participativo e expõe o

modelo de análise e os resultados dos indicadores de intensidade da democracia no PPA-

P/BA.

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Capítulo 1. Planejamento público no Brasil

Quando é lançada a possibilidade de um ganho de significado do planejamento público no

Brasil a partir da democratização da administração pública e da inserção gradual da

participação social, a mensagem implícita contida é de que existe um padrão de planejamento,

adotado convencionalmente que, ou é feito em desacordo com preceitos democráticos ou é

fruto de um processo decisório com viés equivocado, operando com restrições de conteúdo

político, de soberania democrática e de requisitos de legitimidade. Se existe a possibilidade de

agregar-se à essência da função de planejar elementos compreendidos como mais

democratizantes, com novas cargas de significado, é sinal de que o histórico de planejamento

público brasileiro pouco indicou um compromisso do governo em elaborar peças mais

perenes às múltiplas percepções sobre a realidade, sobretudo social, do país. Para organizar

essa compreensão e dar sentido à análise do objeto (PPA Participativo), entende-se como

primordial percorrer brevemente o histórico de planejamento público no Brasil, tomando

como referência as orientações da função empenhadas pelo governo federal, e que muito

influenciaram as práticas de planejamento nos estados e municípios.

O capítulo está organizado em três seções, que percorrem a temática do planejamento desde

sua origem no Brasil, com as primeiras experiências, passando pela institucionalização do

plano plurianual – intencionalidades, marcos normativos e desdobramentos nos ciclos

quadrienais – até a organização teórica de aspectos críticos do planejamento. Nesse último

caso, a organização das críticas abre caminhos para a discussão da ressignificação do

planejamento como um conceito que vai assumindo contornos da teoria da democracia.

Seção 1.1 Orientações da função de planejamento e

ciclos marcantes

Esta seção inicial busca apresentar a trajetória da função de planejamento público no nível

federal, a princípio com a descrição de macro definições, seguindo para as fases que

marcaram sua ascensão e decadência na administração pública brasileira, os vieses com os

quais foi tratada ao longo do tempo no Brasil e as principais peças de planejamento da

história, como é o caso do Plano de Metas (anos 50), do II Plano Nacional de

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Desenvolvimento (anos 70) e do Plano Real (anos 90). Ao final da década de 80, assume o

ordenamento formal do governo a figura dos planos plurianuais (PPAs), cujas prerrogativas e

desdobramentos serão trabalhados com mais detalhamento na seção seguinte, dada sua

vinculação ao objeto do presente trabalho e relevância para a pesquisa.

1.1.1 Macro-definições do planejamento público

O planejamento público e governamental consiste em uma função do Estado, desempenhada

tal como as funções de formular e executar física e financeiramente as políticas públicas,

exercer o controle interno das ações ou gerir os recursos humanos. Enquanto função, o

planejamento é inserido no conjunto das chamadas áreas sistêmicas do governo, ou área-meio,

isto é, aquelas que dão suporte às áreas-fins, diretamente provedoras de políticas públicas para

a sociedade. A função de planejamento corresponde ao ato de ordenar as ações

governamentais, e pode abarcar mais ou menos o detalhamento prévio do conteúdo

programático a ser adotado – e isso envolve desde a escolha pelo tipo de desenvolvimento

nacional até as políticas que serão desempenhadas para alcançá-lo – e a definição de

prerrogativas de orçamento para cada item de conteúdo. Conforme o grau de profundidade e o

valor atribuído pelo governo ao planejamento, a função pode gerar como principal produto tão

somente um documento com uma carta genérica de intenções do governo.

A título de macro-definição do planejamento, é preciso ser feita a distinção entre a função e o

plano em si. O plano é produto, ao passo que a função de planejamento é processo, e, na visão

de Paulo (2010), uma atividade contínua que exige acompanhamento e vontade política.

Segundo ele, o planejamento é permeado por aspectos técnicos e metodológicos – e o caso da

Bahia vai mostrar a relevância disso –, mas se trata de um exercício essencialmente político.

Outros autores (SOUZA, 1996; MONCADA, 1985 apud BERCOVICI, 2015) complementam

essa distinção, no seguinte sentido: a função de planejamento trata de coordenar, racionalizar

e apontar os fins da atuação do Estado, permeado por elementos políticos e estruturais com

potencial de transformar sociedades como a brasileira, cujos desafios repousam sobre a

transformação dos padrões econômicos e sociais bem estabelecidos e demarcados. Não menos

relevante é o plano, enquanto produto do planejamento e expressão da vontade do Estado: “o

plano é a expressão da política geral do Estado”, vai além de um programa e é compreendido

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como um “ato de direção política, pois determina a vontade estatal por meio de um conjunto

de medidas coordenadas, não podendo limitar-se à mera enumeração de reivindicações”

(Idem, p. 19).

O que é defendido pela literatura, que amplia o universo da função, é que existe uma série de

questionamentos e debates que permeiam – ou ao menos deveriam permear – a elaboração do

plano, que enriquecem o conteúdo das ações programadas e tornam a função de planejar mais

complexa que um produto impresso rígido. O planejamento busca a “transformação ou a

consolidação de determinada estrutura econômico-social, portanto, de determinada estrutura

política” (BERCOVICI, 2015, p. 20). Isso requer a construção de uma estratégia de

desenvolvimento nacional e a construção de uma visão de futuro, ambas que devem ser bem

alinhadas para a definição de “onde se quer chegar”. Consiste esse debate, antes de tudo e

para além da carta programática formal, em apontar um futuro desejado por meio de escolhas

presentes (OLIVEIRA, 2013). Tratando-se o planejamento de uma função que persegue a

alteração da situação social e econômica vivida em determinado momento, também se

configura como uma função do Estado orientada essencialmente para o futuro (MANNHEIM,

1972; GRAU, 1978; IANNI, 1989 apud BERCOVICI, 2015). Seja no coletivo, tal como as

estratégias mais recentes, seja a portas fechadas, como no planejamento convencional, a

problematização acerca do projeto de país desejado – tipo de desenvolvimento e visão de

futuro – é necessária, a menos que o plano seja uma peça de cumprimento exclusivamente

formal.

A estratégia de desenvolvimento nacional e a visão de futuro devem ser traduzidas no

planejamento em escolhas para o presente, a fim de que o plano reflita medidas objetivas –

ações, programas, projetos – para a concretização e alcance daquelas. Um ponto importante é

que não é razoável aceitar que, em países como o Brasil, o vislumbramento do

desenvolvimento nacional esteja calçado somente no desenvolvimento econômico e na

produção de riquezas, mas que precisa levar em consideração também a garantia do bem-estar

social, cidadania e aspectos democráticos, como preceitos essenciais do Estado (OLIVEIRA,

2013). Por isso, é normativamente considerado que as escolhas presentes conduzam o país

para o desenvolvimento multifacetado, amplo e carregado de conteúdo socialmente orientado,

segundo a linha teórica aqui recortada.

Ainda em termos de definição, o planejamento determina e tornam públicos “os

compromissos dos governos com a sociedade: o que será feito, como será feito e quais os

recursos que serão mobilizados” (OLIVEIRA, 2013, p. 40). Assim, o plano em si, como fruto

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do processo de planejamento, apresenta uma lógica de encadeamento de ideias. Conforme

definido por Cardoso Junior e Melo (2011 apud MAIA e MELO, 2015, p. 135), o plano parte

de um “esquema coerente e fundamentado de objetivos”, que se desdobram em metas

quantitativas e qualitativas e em ações multitemáticas e multissetoriais, de cunho social,

político e econômico. Contém, então, “objetivos, metas e ações escolhidas, avaliadas e

implementadas de acordo com certos critérios, a serem cumpridas, atingidas e executadas

dentro de determinado número de anos”.

Em perspectiva de sustentabilidade e aderência da programação governamental, os autores

(CARDOSO JR e MELO, 2011 apud MAIA e MELO, 2015) argumentam que é necessário

criar instrumentos e condições adequadas para a implementação das ações desenhadas, assim

como o monitoramento, controle, avaliação e até mesmo a correção de rumos, se necessário.

Dessa forma, se há a compreensão de que a função de planejamento transcende a entrega do

plano, ou o documento com a carta de intenções do governo, é preciso que haja um

compromisso mínimo com a efetividade de sua implementação, por isso, as demais funções

da gestão pública entram em cena para retroalimentar as ações desenhadas.

1.1.2 Origem e motivações do planejamento público no Brasil

As experiências do planejamento público brasileiro, seus pressupostos, modelos e práticas,

estão em constante processo de consolidação. E ainda que essa aprendizagem se estenda por

quase cem anos na administração pública federal, a literatura do planejamento governamental

não é densa, de conteúdos profundos e sistemáticos, e também está em processo de

consolidação (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011). São recordadas com veemência, até

mesmo na educação formal de crianças e jovens nas escolas, experiências que tiveram por

anos mais vazão nos grandes planos de desenvolvimento nacionais, quando então se lançava

publicamente novos projetos de país, como aqueles planos que marcaram a história de

presidentes como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (JK). A literatura foi se

enriquecendo ao longo da história a partir de dois movimentos: conforme a preponderância da

função de planejar em detrimento das demais, mesmo que de forma cíclica, que gerou

inquietações para a investigação do planejamento; e conforme o grau de formalização que as

peças de planejamento foram tomando – figurando como referência o instrumento plurianual

instituído pela Constituição Federal de 1988 (CF 88).

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É muito comum na literatura pesquisada (REZENDE, 2011; SILVEIRA, 2013; BERCOVICI,

2015; MAIA e MELO, 2015; AMARAL, 2015) a demarcação do planejamento público no

Brasil em torno de grandes fases1. Partindo de um contexto anterior à década de 30, em que as

práticas eram quase inexistentes, foram iniciadas experiências históricas de planejamento, que

percorreu uma trajetória de ascensão – e que gerou muita aprendizagem ideológica e

instrumental – até a década de 70, passando pelo marcante Plano de Metas de JK na década de

50. A Ditadura Militar experimentou tanto o ápice (a “Era de Ouro”) do planejamento público

nacional, na década de 70, até sua decadência derradeira, que se estendeu até meados da

década de 80. Por fim, o contexto especial pós-redemocratização, muito refletido da

promulgação da Constituição Federal em 1988, emplacou uma mudança formal sem

precedentes na função de planejamento, a partir da instituição de instrumentos formais do

chamado Sistema de Planejamento Federal – nas figuras do Plano Plurianual (PPA), da Lei de

Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA).

Outra possível demarcação das fases do planejamento público está relacionada àquilo que

ainda será tratado, que diz respeito à economia como força motriz da racionalização e

formalização do processo decisório. Sob essa lógica, com enquadramentos de Cardoso Junior

(2014, p. 30), o planejamento estaria organizado em quatro grandes fases. A primeira delas é a

dos planos setoriais e de metas, representada pelos emblemáticos Salte (saúde, alimentação,

transportes e energia), Metas e Trienal, com características de plano “burocrático,

discricionário, vertical e de médio a longo prazo”. Na segunda estão os planos nacionais de

desenvolvimento, da “Era de Ouro”, representada pelo PAEG e PNDs, também burocráticos,

verticais, de médio a longo prazos, porém autoritários e impositivos. Na terceira fase estão os

planos de estabilização, característicos das décadas de 80 e 90, representados pelos Cruzados,

Collor e Real, também burocráticos e verticais, mas de curto prazo e focalizados na

conjuntura. Por fim, a última fase seria, segundo essa perspectiva de recorte, representada

pelos planos plurianuais, não menos burocráticos, mas horizontais, de médio prazo e que

levariam em conta aspectos universais, para além da conjuntura econômica.

Nem sempre houve a experiência no Brasil de tornar o planejamento público uma sistemática

da gestão pública, com caráter formal. A formalização gradual do planejamento foi-se

constituindo a partir de um rigor de função governamental, e principalmente da necessidade

de racionalizar o processo decisório. O que antes era realizado em formato aleatório e

1

Bercovici (2015), por sua vez, divide a trajetória não em momentos, mas em função de três planos

emblemáticos, a saber: o Plano de Metas (1956-1961), o Plano Trienal (1962-1963) e o II Plano Nacional de

Desenvolvimento (1975-1979).

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discricionário vai conformando uma arena de debate pela programação governamental que

exige metodologia e sistemática específica, desde a exposição de vínculos estratégicos até a

redação dos planos. Por isso, o planejamento ganha um caráter de instrumento de

racionalização do processo decisório, que busca definir e organizar um conjunto de ações

destinadas à implementação de intervenções estatais mais complexas (PALUDO e

PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011; CARNEIRO, 2015). Vale destacar que não é

consenso as benesses do formalismo: em linha oposta, por exemplo, Cardoso Junior (2011)

argumenta que o processo de formalização, que dá a obrigatoriedade de a ação governamental

estar vinculada aos planos orçamentários, incorre na subordinação da dimensão política do

planejamento às imposições do sistema formal de orçamento.

De acordo com Paludo e Procopiuck (2011), existem diversos fatores que corroboram para o

surgimento e consolidação, do ponto de vista formal, da função de planejamento

governamental. Esses fatores podem ser resumidos em pontos, a saber: a grande missão –

razão de existir – do Estado de servir à população, solucionando problemas sociais e buscando

o bem-estar comum; o cenário de complexidade em que está imersa a administração pública;

a complexidade da população e as demandas crescentes por direitos e serviços públicos

adequados; a máxima de recursos limitados, que impõe a racionalização e a busca pela

eficiência em sua aplicação; e a projeção internacional da economia, que pressiona os

governos a aderirem à globalização e promoverem formas de competitividade de produtos

nacionais. Pode-se observar que estão em xeque nesses pontos, se agrupados os itens, duas

dimensões de análise: a social e a econômica.

Parte significativa das motivações pela consolidação do planejamento, segundo essa visão, é

fruto do reconhecimento da razão de existir do Estado e da função que desempenha junto à

sociedade, assim como do cenário de complexidade que deve atuar a administração pública. O

planejamento, nesse caso, vincula-se ao alargamento do seu escopo de atuação, que cada vez

mais busca ampliar sua capacidade governativa para atender demandas mais complexas da

sociedade – capacidade governativa essa não só da função de planejamento, mas de

formulação, implementação, avaliação, entre outras (BRASIL et al, 2010; CARNEIRO,

2015). A prática de planejamento governamental veio reconhecendo a importância do Estado

enquanto gestor do desenvolvimento nacional, resgatando e recuperando temas e conteúdos

importantes na agenda pública. Foram manifestados esforços nos últimos anos para reafirmar

esse papel indutor do desenvolvimento e a capacidade de planejar e agir, colocando o Estado

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brasileiro em um novo e promissor patamar de planejamento governamental (SANTOS,

2011).

O escopo de atuação do Estado inquestionavelmente ampliou-se junto às mudanças na

realidade social do país promovidas pela garantia de direitos; todavia, vale ressaltar que tal

ampliação se deu prioritariamente devido às estratégias intervencionistas na economia,

praticadas com intensidade pelo governo desde o início do século XX (BRASIL et al, 2010;

CARNEIRO, 2015). De outra via, portanto, a dimensão econômica citada por Paludo e

Procopiuck (2011) é predominante ao longo de toda a história do planejamento público

nacional. É nos pontos concernentes à economia, sobretudo no cenário de restrição

econômica, a nível federal, que são apoiadas e motivadas as principais transformações pela

robustez e formalidade do planejamento governamental.

O Estado ativo pela ampliação de suas capacidades governativas foi quase sempre adotado de

forma interveniente ao esforço desenvolvimentista. As primeiras iniciativas de planejamento

acompanharam um despertar pelo ativismo estatal na promoção da industrialização da

economia, uma vez que demandava uma organização mais sistemática das ações

empreendidas no país. Essa organização, que também gera resultados na citada racionalização

do processo decisório, foi-se consolidando a partir da construção – ou ao menos a tentativa –

das “bases estruturais do aparato burocrático estatal e de seus instrumentos de intervenção”,

cuja origem se deu na década de 30 (CARNEIRO, 2015, p. 273).

O Estado na década de 30 esteve fortemente orientado “pela missão de transformar as

estruturas econômicas e sociais da Nação no sentido do desenvolvimento, sendo a

industrialização a maneira historicamente preponderante de se fazer isso” (CARDOSO JR,

2014, p. 31). Em países como o Brasil, entretanto, o esforço pela industrialização tem origem

no subdesenvolvimento, o que corrobora para que a indústria somente acompanhe as bases

políticas e econômicas do capitalismo conformado nas nações centrais, as quais, por sua vez,

impõem aos países subdesenvolvidos, em contexto de desenvolvimento tardio, um modelo de

industrialização nada autônomo e cheio de restrições financeiras e tecnológicas. De acordo

com Cardoso Junior (2014, p. 31), a tarefa do desenvolvimento com industrialização “apenas

se faz possível em contextos tais que os Estados nacionais consigam dar materialidade e

sentido político à ideologia do industrialismo, como forma de organização social para a

superação do atraso”, sendo parte disso empoderado pela capacidade governativa, entre suas

possibilidades, o próprio planejamento.

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Entendendo, então, que o esforço desenvolvimentista demandava a adoção de uma ideologia

específica em prol do industrialismo e uma estratégia estatal para sustentar esse modelo na

prática, fez-se necessário à época consolidar estruturas e sistemas “inovadores” de

planejamento público governamental, a fim de perseguir a missão e as metas de

desenvolvimento nacional em função de espaço e tempo determinados (CARDOSO JR,

2014). Essa construção tardia frente aos países capitalistas centrais e o sentido de urgência

associado à missão desenvolvimentista industrial nacional foram responsáveis por dar uma

centralidade ímpar à função de planejamento governamental. A esse respeito Cardoso Junior

(2014) afirma que o sistema de planejamento, mesmo que insuficiente e precário, estruturou-

se e avançou de forma mais rápida que os demais aparelhos (funções) administrativos, a

exemplo dos sistemas de arrecadação, de orçamento, de avaliação de políticas, de controle

interno, entre outros. Por isso, a função de planejamento não foi acompanhada de uma

investida do governo pela maturidade de toda a gestão pública, com capacidade governativa

de suporte efetivo à tarefa industrializante.

A chamada “primazia do planejamento frente à gestão” – parte densa da literatura de Cardoso

Junior (2011, 2014) –, que se estendeu por quase todo o século XX, apoiou-se muito

significativamente no sentido de urgência da missão desenvolvimentista, que “obriga o Estado

brasileiro a correr contra o tempo”, enfrentando resistências estruturais pela “montagem das

bases materiais e políticas necessárias à missão de transformação das estruturas locais” (2014,

p. 31). Após o final da segunda guerra mundial, a função de planejamento ganha mais

consistência e uma progressiva carga de institucionalização, que aos poucos vai constituindo

as bases para a Era de Ouro do Planejamento, na década de 70 (CARNEIRO, 2015).

Essas constatações não denotam, no entanto, que houve a primazia da função de planejar em

detrimento das demais ao longo de toda a trajetória da gestão pública nacional, somente uma

preponderância. A administração pública brasileira é marcada por movimentos cíclicos e

alternados entre planejamento e gestão governamental, segundo Cardoso Junior (2011), sendo

ora orientada para o planejamento – ritos de processos decisórios –, ora para a gestão pública.

Quando a ênfase recai sobre a gestão, como ocorreu no contexto pós-redemocratização, na

década de 90, o planejamento é forçado a dividir a cena com processos que valorizam

excessivamente os meios e instrumentos em detrimento dos fins das políticas. Essa

descontinuidade organizativa tensiona o esvaziamento da função de planejamento

governamental e de toda a sua carga subjetiva de política, de conteúdo temático e de

estratégia de desenvolvimento nacional.

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1.1.3 Ciclos marcantes da trajetória do planejamento: as

principais peças da história

Parafraseando as intenções de Cardoso Junior (2014) no balanço que o autor faz da

experiência federal em planejamento e gestão, este item busca fazer uma “viagem panorâmica

pelo longo século XX brasileiro” no quesito planejamento público governamental,

apresentando sinteticamente os principais ciclos e peças da dita função ao longo da história da

gestão pública no Brasil.

No início do século XX, da noção da própria gestão pública era difícil extrair uma ideia de

função, conjuntura em que o nível de maturidade da administração pública era incipiente. Ela

sofria com as investidas pela manutenção das forças dominantes externas e interesses locais

com traços do patrimonialismo, bem como com a herança de subordinação característica do

período colonial. Na Primeira República havia uma “ausência quase que completa de

planejamento governamental, entendido como a atividade ou o processo consciente que

antecede e condiciona a ação estatal” (CARDOSO JR, 2014, p. 32). Somente não foi

inexistente por conta de poucas iniciativas de ordenar a estabilização econômica, em que o

Estado lançou mão de instrumentos para responder às crises nacionais da economia. O

ordenamento proposto como resposta ao Convênio de Taubaté2 em 1906 e à grande crise

econômica de 1929 são exemplos disso, e somente reforçam o caráter reativo do planejamento

à época. É importante lembrar que as crises são decorrentes de comprometimentos sérios no

mercado do setor cafeeiro, “carro chefe da acumulação de capital no País, bem como (...)

sustentáculo político da oligarquia liberal que comandava o Estado” (CARDOSO JR, 2014, p.

32). Quando esse sustentáculo está à beira de ruir, o Estado entra em ação com mecanismos

de reorientação da economia.

A primeira experiência do Brasil, considerada um marco inicial do planejamento, foi a

elaboração do Plano de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa, mais conhecido como

Plano Especial, que vigorou entre 1939 e 1943. O plano foi fruto de uma investida de governo

de Getúlio Vargas na “organização e aceleração do crescimento econômico, comandado por

estruturas estatal-burocráticas ainda incipientes e em lenta conformação no país” (CARDOSO

2 O Convênio de Taubaté foi fruto de uma reunião realizada em 1906 entre os governadores dos estados de São

Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro para discutir propostas para a garantia da rentabilidade daquele que era o

principal produto da econômica brasileira: o café. O convênio teve como foco a organização de uma Política de

Valorização do Café.

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JR, 2014, p. 38). Ele focou no aparelhamento das forças armadas, na execução de obras

públicas e na regulação de atividades econômicas predominantes no país, como o setor

agrário exportador. Entre outras ações inerentes à gestão pública, destacam-se a criação do

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), órgão idealizador do plano, e o

investimento em indústrias de base, como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional

(CSN).

Esse plano foi substituído rapidamente pelo Plano de Obras e Equipamentos (POE), elaborado

junto com técnicos americanos com a intenção de executar obras públicas de construção civil

e fomentar indústrias básicas. O POE, que foi parcialmente executado e somente nos

primeiros anos (1944 a 1945), e o Plano Especial foram fracassados, muito devido ao caráter

limitado de rearranjo orçamentário – designação de verbas e ampliação de mecanismos de

controle (REZENDE, 2011; PALUDO e PROCOPIUCK, 2011).

No Governo de Eurico Gaspar Dutra, em 1947, foi elaborado o Plano Salte – iniciais das

quatro áreas de intervenção a que pretendia o plano: saúde, alimentação, transporte e energia.

O plano demorou a ser aprovado pelo Congresso Nacional e a entrar em vigor, e pretendia

incidir sobre o incremento da produção de mercadorias e serviços nas áreas citadas entre 1950

e 1954. Estima-se que tenha sido a primeira iniciativa a promover uma coordenação entre os

níveis federal, estadual e municipal, assim como o primeiro planejamento econômico do

Brasil. O plano era financiado com investimento híbrido, mas era fortemente apoiado em

financiamento externo (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011). É interessante notar que, à época,

o imaginário liberal e a proximidade com os americanos fizeram ascender o debate sobre o

Estado mais ou menos intervencionista, o que indiretamente força um questionamento sobre a

própria razão de existir dos planos (REZENDE, 2011).

Isso não impediu, entretanto, que o retorno de Vargas ao poder provocasse um “novo surto de

intervenção do Estado na economia” (REZENDE, 2011, p. 178). Pelo contrário, o então

presidente era um entusiasta do desenvolvimento nacional autônomo. Como uma forma de

reagir à dependência externa e criar as bases de desenvolvimento nacionais, foi elaborado o

Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, conhecido como o Plano Lafer, que

buscava, sem grandes inovações, promover a melhoria de infraestrutura e o fortalecimento da

indústria de base (REZENDE, 2011), com alterações no modelo de financiamento. Nesse

contexto, são criadas notórias empresas estatais brasileiras, como a Companhia Vale do Rio

Doce, a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás, a Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás) e o

atual BNDES (CARDOSO JR, 2014).

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No que diz respeito à função de planejamento público, esta ainda não se encontrava com

maturidade sistêmica, tampouco era considerada uma atividade essencial da atuação do

Estado; porém, foi tomando contornos mais concretos conforme “os requisitos da

industrialização vão se tornando mais exigentes” (CARDOSO JR, 2014, p. 33). Pode-se

sugerir com tais assertivas que o esforço desenvolvimentista combinado com o esforço

intervencionista serve de alavanca para o fortalecimento do ordenamento governamental. Por

outro lado, Cardoso Junior (2014, p. 33) compreende que “permanece atávica (...) a dimensão

da gestão pública no país, presa a características duradouras que combinam patrimonialismo e

burocratismo”, isto é, que combinam “aspectos típicos tanto da administração tradicional

patrimonialista como da administração racional burocrática”. Esses efeitos coexistentes

colaboram para a primazia do planejamento, versus gestão, mas ao mesmo tempo prendem o

planejamento à informalidade – no sentido da não formalização e da ausência de uma

sistemática para cumprimento ou para a sustentabilidade das diretrizes dos planos.

A segunda metade da década de 50 representou um grande ponto de inflexão na trajetória do

planejamento público nacional. Foi inaugurada com a ascensão de Juscelino Kubitscheck ao

poder e com o respectivo Plano de Metas a Era de Ouro do Planejamento, que perdurou até a

década de 70. Nessa onda, foi aprofundado o reconhecimento do peso do papel do Estado na

promoção do desenvolvimento e, junto com ele, a conotação mais presente e permanente da

sua função de planejamento, “ainda que exageradamente discricionário(s)” (CARDOSO JR,

2014, p. 33). O Plano de Metas vigorou entre 1956 e 1961 e é compreendido como a primeira

experiência efetiva de planejamento no Brasil, vinculado a uma estratégia de desenvolvimento

que permitia ir além do “papel” e dava sentido de unidade para as ações de todas as áreas ali

previstas (BERCOVICI, 2015).

O Plano de Metas foi elaborado de forma dialogada com diretrizes e diagnósticos de agentes

internacionais de peso, responsáveis por difundir no país uma ideologia desenvolvimentista –

diga-se, muito bem vinda pela então gestão federal (CARDOSO JR, 2014). Faziam parte

dessa composição a Comissão Mista Brasil - Estados Unidos e o Grupo Misto BNDE -

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), sendo que a primeira buscava

contribuir para a transformação de pontos de estrangulamento, sobretudo na indústria, e a

segunda foi relatora de um amplo diagnóstico sobre a economia do Brasil (BERCOVICI,

2015). A partir desse embasamento, o plano abarcou 30 metas para desenvolvimento em

quatro setores, sendo eles de energia, transporte, alimentação e indústria de base, como a

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notória indústria automobilística. Também estabeleceu metas para educação e formação

técnica e orquestrou a construção de Brasília (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011).

O plano manteve o viés intervencionista do Estado na economia, assim como na Era Vargas,

mas apostou em uma ideologia embasada no estreitamento e dependência do capital externo,

no extremo oposto daquele, e na emissão de papel moeda. Esse arranjo colaborou para a

promoção do desenvolvimento nacional nos gargalos da indústria, e garantiu, ainda que de

forma provisória, sucesso e visibilidade ao plano; porém, também provocou o aumento da

inflação e da dívida pública (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011). O Plano de Metas então

completou o ciclo de desenvolvimento iniciado na década de 30, principalmente pela

diversificação da indústria brasileira; entretanto, alterou o padrão de dependência com o

capital externo combatido insistentemente pela postura nacionalista de Getúlio Vargas

(REZENDE, 2011).

Do ponto de vista da gestão, novamente a primazia do planejamento como orientação levou os

órgãos responsáveis pela implementação do Plano de Metas a serem superpostos ao sistema

administrativo tradicional, causando um sombreamento na realidade de implementação das

políticas públicas. Isso evitou uma série de desgastes políticos, uma vez discricionário, mas

acabou por reproduzir e alimentar a inadequação da máquina administrativa pública às

estratégias de desenvolvimento (BERCOVICI, 2015). Assim, a estrutura de gestão não

caminha aos passos largos do planejamento e mantém-se presa ao patrimonialismo e

burocratismo de antes. Ambas as características, “com o esgotamento das alternativas de

financiamento do desenvolvimento (...) e a explicitação das fragilidades do incipiente e

precaríssimo sistema nacional de inovações (...), ajudam a explicar a acomodação e a crise

dos modelos econômico e político até então vigentes” (CARDOSO JR, 2014, p. 33).

Tomou o lugar do Plano de Metas, em 1962, o chamado Plano Trienal – Plano Trienal de

Desenvolvimento Econômico e Social, reconhecido como uma experiência de grande

impacto, ainda que simbólico, na trajetória do planejamento público nacional. O plano foi

elaborado na gestão de João Goulart, pelo seu ministro Celso Furtado, em parceria com a

Comissão Nacional de Planejamento3, e tinha objetivos ambiciosos de cunho nacionalista para

o desenvolvimento nacional (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011; BERCOVICI, 2015).

Bercovici (2015, p. 23) afirma que o plano pode ser considerado como “o primeiro

instrumento de orientação da política econômica global até então formulado, com sua

3 A Comissão Nacional Planejamento foi criada pelo então presidente Jânio Quadros com o objetivo de preparar

um plano de estabilização para o país.

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proposta de reformas econômicas e de reformas de base”, majoritariamente apoiado no

modelo de substituição de importações. Apesar de toda a relevância simbólica do plano como

norte da política econômica, as turbulências econômicas, com a alta inflação, e as forças

políticas de resistência minguaram a eficácia do Plano Trienal e ele resistiu somente por cinco

meses (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011; BERCOVICI, 2015).

A partir do golpe militar de 1964, desdobrou-se no Brasil o auge do planejamento de tipo

“autoritário-tecnocrático” (CARDOSO JR, 2014). A Ditadura Militar desenhou novos

contornos para a história do planejamento econômico nacional, buscando conciliar a

estabilização macroeconômica com a manutenção do crescimento. Para isso, o Estado lançou

mão de reformas ditas modernizadoras da máquina pública e que reforçavam a capacidade de

intervenção na economia, assim como mergulhou a administração e as funções públicas em

um arranjo autoritário. As primeiras iniciativas ordenadoras mantiveram a política de

industrialização defendida nas décadas anteriores e se aproveitaram da aprendizagem técnica

acumulada na função de planejar para garantir maior hegemonia do Poder Executivo

centralizador nos ditames do desenvolvimento (REZENDE, 2011; BERCOVICI, 2015).

A Era de Ouro do Planejamento foi em muito preenchida pelos planos oriundos dos governos

militares, cujas principais referências são o Plano de Ação e Bases do Governo (PAEG),

elaborado na gestão de Castelo Branco para vigorar entre 1964 e 1966, o Plano Decenal de

Desenvolvimento (1967-1976), da gestão de Costa e Silva, e os três Planos Nacionais de

Desenvolvimento (PNDs), cujas diretrizes perduraram de 1972 até 1985, já em período de

redemocratização do país, compreendendo os governos de Médici, Geisel e Figueiredo.

Também perpassam esses planos, de forma emblemática, o instrumento jurídico do Decreto-

lei 200, com prerrogativas de organização da máquina pública federal ainda notadas nos dias

atuais, e a criação do Sistema Federal de Planejamento em 1972 (PALUDO e

PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011; BERCOVICI, 2015).

O primeiro plano, o PAEG, buscou equalizar algumas distorções do período anterior para

conter e mitigar o processo inflacionário e recuperar a economia nacional, entre outras

medidas, pelo esforço de ampliar a administração federal com a criação de empresas públicas

e sociedades de economia mista (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011). Fez parte desse

contexto a reestruturação no Ministério do Planejamento, a criação do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA) e a promoção da poupança compulsória, por meio do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Também foi encampada uma importante reforma

tributária, apoiada na cobrança de impostos oriundos das áreas de transporte e comunicações,

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que promoveu alterações nos mecanismos de financiamento das ações estatais e colaborou

para que o governo exercesse controle completo sobre o projeto de expansão do

desenvolvimento nacional. Tais estratégias implicaram no sucesso parcial do plano

(REZENDE, 2011).

O Plano Decenal, por sua vez, foi encomendado pela gestão anterior, de Castelo Branco, e

desenvolvido pelo IPEA como uma iniciativa inovadora de planejamento de longo prazo,

representando aquele que seria o mais abrangente dos planos econômicos até então elaborado.

O fato de envolver o órgão de pesquisa foi fundamental para a sistemática do conhecimento

disponível para o Estado e a organização da aprendizagem das funções de gerir e planejar

decorrentes do período anterior. Apesar de não ter sido executado, o plano visou a

consolidação das ações estatais para o desenvolvimento, e continha em sua estrutura um

arranjo de informações mais robusta para o planejamento, a saber: um diagnóstico das

diversas áreas setoriais, a definição de um modelo de desenvolvimento e uma programação

quinquenal. Os dez anos que deveria compreender o plano foram marcados por

descontinuidades de implementação, mas deram prosseguimento à onda imediatamente

anterior de criação de empresas estatais – estima-se que 60% da administração indireta tenha

sido fomentada nessa época (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011).

Em 1967, foi instituído formalmente o Decreto-lei 200, que disciplina a organização da

Administração Pública Federal em função de quatro princípios fundamentais, entre eles o

controle, a coordenação, a delegação de autoridade e, principalmente, o próprio planejamento.

Essa é a razão pela qual o decreto também compõe a trajetória do planejamento público no

Brasil. Ele elevou a função a um princípio fundamental da administração federal, valendo-se

de instrumentos de coordenação de ordenamentos gerais, setoriais e regionais, de horizonte

plurianual e de conciliação entre orçamento e programa (PALUDO e PROCOPIUCK, 2011).

Entre 1967 e 1972, outros documentos titulares da função de planejar foram apresentados na

gestão de Costa e Silva, também pela Junta Militar e por Médici, como o Programa

Estratégico de Desenvolvimento (PED) e o Programa de Metas e Bases; todavia, foi o

Decreto-lei 200 que ganhou centralidade, por representar uma verdadeira reforma da estrutura

administrativa federal.

A década de 70 marca o auge do planejamento público no Brasil no que diz respeito à

centralidade e grau de importância atribuídos à função, assim como ao potencial de influência

e aderência na formulação e implementação de políticas públicas, muito devido à instauração

da “família de PNDs” e à criação do Sistema de Planejamento Federal (SPF), por meio do

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Decreto 71.353/1972 (REZENDE, 2011; MAIA e MELO, 2015). Logo no início da década

foram implementadas medidas de modernização do Estado por meio de reformas

administrativas, com vistas à recuperação da capacidade e alcance da intervenção na

economia. O planejamento acompanha esse movimento e torna-se, nesse contexto, “elemento

estruturador do governo no sentido de estabelecer instrumentos de condução da economia”

(MAIA e MELO, 2015, p. 142).

As grandes referências em termos de peças de planejamento do período são os três Planos

Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), que possuem uma fundamentação jurídica própria

para sua elaboração e apresentação. Em razão da promulgação do Ato Complementar número

43, de 29 de janeiro de 1969, foi instituído o regime jurídico do planejamento, que previa a

organização da programação do governo e a obrigatoriedade de enquadrar o PND na gestão

do presidente militar, com a mesma duração do mandato. Também fixou normas para a

vinculação dos planos ao Orçamento Plurianual de Investimentos (OPI). Com o objetivo

central de assegurar o crescimento econômico, os PNDs “foram totalmente impostos pelo

Governo Central, desprezando-se a participação e a colaboração dos entes federados”

(BERCOVICI, 2015, p. 23).

O primeiro PND foi elaborado no governo de Emílio Médici e correspondeu aos anos de 1972

a 1974. O plano cumpriu com obediência aos institutos do novo regime jurídico (Ato

complementar de 1969), sendo aprovado pelo Congresso Nacional e garantindo uma

perspectiva de execução vinculada ao OPI – essa nova metodologia foi a primeira a

demonstrar de fato preocupação com a execução do plano. O I PND não apresentou grandes

inovações em termos de conteúdo, já que buscou preservar as diretrizes dos programas que

haviam sido detalhados nas peças anteriores. No entanto, valeu-se do “bom momento” da

economia global para levar os créditos do chamado “Milagre Econômico”, representado pelo

desenvolvimento acelerado do Brasil em algumas áreas e em projetos de integração nacional,

que resultaram em obras famosas como a ponte Rio-Niterói, a usina de Angra 1 e a rodovia

Transamazônica. Não escapou o plano de um aumento no endividamento externo, uma vez

que boa parte do financiamento das obras adveio de recursos estrangeiros (PALUDO e

PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011).

A criação do Sistema Planejamento Federal (SPF) em novembro de 1972 foi um importante

passo para a formalização do planejamento público no Brasil. Ele promoveu um arranjo em

prol da função que agregava todos os órgãos da administração pública direta e indireta, e

apontou como órgão centralizador do SPF o então Ministério do Planejamento, Orçamento e

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Gestão (MP). Segundo o texto do decreto que instituiu o SPF, o sistema tinha como objetivos:

a coordenação da elaboração dos planos e dos programas de governo; a promoção da

integração entre os planos regionais e setoriais; o acompanhamento e a execução desses

planos e programas; a aplicação de critérios técnicos específicos para a seleção de prioridades;

a modernização de estruturas e procedimentos da administração federal; e o estabelecimento

de fluxos permanentes de informações entre os componentes do sistema (REZENDE, 2011;

MAIA e MELO, 2015).

O Ministério do Planejamento foi convertido em Secretaria da Presidência da República, o

que demonstra o grau de centralidade que tomou a função durante a execução do segundo

PND, que foi elaborado em um contexto ímpar de influência do planejamento na formulação e

implementação das políticas públicas nacionais. Sendo assim, se a década de 70 representa o

auge do planejamento público, mais ainda representa o II PND. O decreto-lei 200, a

implantação do sistema e o ato complementar 43, juntos, impulsionaram a função de planejar

a alcançar todas as dimensões relevantes da ação governamental (REZENDE, 2011).

O II PND, elaborado no governo de Ernesto Geisel para vigorar entre 1974 a 1979, traduziu

um escopo amplo de intervenções estatais com vistas à transformação da matriz produtiva no

país e à superação da barreira do subdesenvolvimento. Projetando o Brasil como uma

potência emergente, foi priorizado o investimento em indústrias de base, em bens de capital e

na não dependência de insumos básicos. Também canalizou recursos para o desenvolvimento

de programas energéticos (nuclear, álcool, hidrelétrica etc) e pesquisa em petróleo. No

entanto, mesmo com tais esforços, houve limitações de alcance do plano, que se deram em

decorrência de duas dimensões: econômica, com enfrentamento de uma crise internacional do

petróleo sem precedentes em 1979, e o agravamento da dívida externa e da inflação; e social,

pela desconsideração de medidas para a distribuição de renda e equalização de problemas

sociais graves – máxima do “deixar o bolo crescer para então dividi-lo” (PALUDO e

PROCOPIUCK, 2011; BERCOVICI, 2015).

Existe o reconhecimento de que o sistema de planejamento alcançou patamares elevados de

abrangência, coordenação e formalização no cenário da administração pública federal à

época; todavia, isso não impede apresentar algumas críticas que se fazem ao período. A

primeira crítica, apresentada por Cardoso Junior (2014, p. 34), é oriunda do “autoritarismo-

tecnoburocrático”, característico dessa fase, responsável por ditar medidas impositivas e

autoritárias do planejamento governamental. De acordo com o autor, como não haviam, de

forma institucionalizada, “estruturas de representação da sociedade e de canalização dos

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interesses no âmbito do Estado”, o grau de aderência dos planos mantém-se cerceado por

traços históricos patrimonialistas. Assim, sobrepõem aos “critérios racional-legais preceitos

fundamentalmente patrimonialistas na resolução de conflitos e na tomada de decisões”. Nesse

sentido, entende-se que a repressão explícita do regime e o fechamento do diálogo com a

sociedade comprometem a função de planejar mesmo que essa tenha sido amparada por um

arranjo jurídico e institucional robusto durante a década de 70.

A segunda crítica que se faz remete à participação irrisória do Poder Legislativo nos ditames

dos PNDs. Durante a Ditadura Militar, o Congresso Nacional sofreu duros golpes de poder, e

isso refletiu diretamente em sua capacidade de influir nas ações governamentais. No âmbito

do planejamento federal, o regime autocentrado limitou a participação política do desenho dos

conteúdos dos planos e eles representavam tão somente as estratégias do Poder Executivo. Os

PNDs “não eram apreciados pelos parlamentares e os orçamentos o eram apenas ritualmente,

pois não se podia emendá-los na substância” (GARCIA, 2015, p. 19).

A terceira crítica recai sobre o viés economicista dos planos. De acordo com Garcia (2015, p.

20), os PNDs não inovam frente aos planos anteriores como PAEG e Decenal, e mantêm o

“planejamento apenas como uma técnica para racionalizar a aplicação exclusiva de recursos

econômicos, entendidos como os únicos utilizados no processo de governar”. Assim, “são

ignorados os recursos políticos, organizacionais, de conhecimento e informação”. Toda a

normatização promulgada na década de 70 serviu para dar os contornos de uma modernização

conservadora da economia nacional, determinando o chamado planejamento normativo da

época como eficaz para “lidar com uma sociedade menos complexa, social e politicamente

contida pelo autoritarismo vigente”. Com a complexificação da sociedade, o modelo de

gestão, assim como o próprio modelo de planejamento, tornam-se insustentáveis, uma vez que

o governo é forçado a responder anseios de uma “sociedade multidimensional”.

Os elementos que derivam do tipo de regime adotado combinados com uma crise emergente

de sustentação do ritmo de crescimento econômico corroboraram para uma queda brusca no

funcionamento do sistema de planejamento público no Brasil e para o alcance irrisório do

último PND, o III PND, vigente entre 1980 e 1985. Elaborado no governo de João Figueiredo

com objetivos voltados à promoção da agricultura e da indústria, e até mesmo com metas para

a área social, o plano foi um verdadeiro fracasso. Esse plano de desenvolvimento nacional

marca não só o declínio do planejamento público nacional quanto o despertar da chamada

“Década Perdida” (década de 1980), fruto da crise do modelo de sustentação do

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desenvolvimento econômico e do autoritarismo também insustentável da Ditadura Militar

(PALUDO e PROCOPIUCK, 2011; REZENDE, 2011).

A década de 80 foi então um ponto de interrupção do desenvolvimento nacional, em diversos

aspectos, mas o enfraquecimento do Poder Executivo não foi de todo ruim. Embora com a

redução preeminente da capacidade de articular decisões governamentais – incluindo nisso a

função de planejamento – as limitações do governo fizeram ruir o regime militar vigente e

fomentou rediscussão das bases da democracia (REZENDE, 2011). O advento da Nova

República, a partir de 1985, trouxe consigo novas iniciativas de planejamento governamental,

todas com intenções apontadas para o combate à estagnação econômica e ao endividamento

externo, buscando reposicionar o Brasil nos rumos do desenvolvimento. Fazem parte dessas

iniciativas os Planos Cruzados I e II, o Plano Bresser e o Plano Verão, agrupados no chamado

Plano da Nova República, com vigência entre 1986 e 1989. Elaborados na gestão de Sarney

com a intenção de alavancar novo surto de desenvolvimento semelhante ao milagre

econômico, ao contrário, de acordo com Paludo e Procopiuck (2011, p. 57), os planos – e, por

consequência, o planejamento público – perdeu “sua credibilidade em face dos sucessivos

insucessos, passando a ser visto apenas como figura retórica”.

Colaborou para esse descrédito a ascensão de Fernando Collor ao poder. Entre 1990 e 1991

foram lançados planos audaciosos de caráter liberalizante, com grande impacto na mídia e

resultados ditos desastrosos para a gestão e para o país. Os Planos Collor I e II promoveram

uma varredura na administração pública, com ações para reduzir a quantidade e fundir

ministérios de naturezas e obrigações diferentes, extinguir órgãos da administração indireta e

retirar medidas protecionistas com redução progressiva de barreiras tarifárias. Foi

emblemático no governo o lançamento do Programa Nacional de Desestatização (PND), que

buscava transferir à iniciativa privada atividades exercidas pelo Estado – essas que foram

centrais nas experiências de planejamento dos anos 1970. Em setembro de 1992, as medidas

radicais e questionáveis dos planos e escândalos de corrupção oriundos de ilegalidades da

campanha eleitoral conduziram ao impeachment do então presidente (REZENDE, 2011).

Mergulhado naquilo que Rezende (2011) chama de “desmonte do Estado e da administração

pública”, o planejamento foi, pouco a pouco, sendo desconstruído. Na gestão de Collor, foi

reduzido a uma secretaria do Ministério da Economia que somente acompanhava a execução

orçamentária já gerida em completude pela Secretaria da Fazenda, ao mesmo tempo em que

foram esvaziados os órgãos setoriais de planejamento. Interessante é notar que, em pouco

tempo – entre 1990 e 1992 –, “as mudanças administrativas destruíram uma estrutura de

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planejamento que embora já estivesse fragilizada em face de uma espúria associação entre

autoritarismo e planejamento, ainda preservava elementos básicos que poderiam permitir uma

mais fácil recuperação” (REZENDE, 2011, p. 192).

O planejamento deu lugar a uma agenda de ajuste nas contas públicas, pressionada pela crise

fiscal, e a uma agenda gerencialista, representada por medidas de intervenção do mundo

privado na gestão pública, voltadas à eficiência econômica. Afirma-se, por Rezende (2011, p.

188), que houve sucessivos fracassos das iniciativas de estabilização, que “azedaram a

situação reinante e abriram espaço para aventuras que, ao invés de reconstruir, desconstruíram

o que ainda restava do sistema de planejamento gradativamente implantado nas décadas

anteriores”. No âmbito do gerencialismo da chamada “Nova Administração Pública” (em

inglês, New Public Management - NPM), tal descrédito foi somado às campanhas pela

desmoralização do Estado, com argumentos pela baixa eficiência do governo na prestação de

serviços públicos e com o levante corriqueiro de escândalos de corrupção que, ao invés de

chamar o Estado à ação, transformavam-no em vilão do desenvolvimento.

A Constituição Federal de 1988 marcou o processo de redemocratização do Brasil após

longos anos de Ditadura Militar e com ela a perda de parte da hegemonia do Executivo nas

determinações de políticas exclusivamente econômicas. Como o planejamento ascendeu

conforme as necessidades de promover o crescimento econômico, desde sua origem, ao

perder essa prerrogativa, o Estado também tendeu a negligenciar a função de planejar. Nesse

contexto, o esforço de elevar a função de planejamento a um critério essencial de

desenvolvimento nacional foi positivamente retomada na promulgação da carta e a decorrente

investida pela formalização do planejamento. A obrigatoriedade da elaboração e publicização

dos planos plurianuais (PPAs) de governo foram impostas pelo texto constitucional,

juntamente com o redesenho de toda a sistemática orçamentária, mas a prerrogativa foi

conduzida de forma acessória nos primeiros ciclos. Exemplo disso é o exercício de planos

paralelos aos planos plurianuais, como é o caso do Plano Collor (I e II), do Plano Real, do

Plano Brasil em Ação e, em alguma medida, do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC I

e II).

Após o conturbado processo de impeachment de Fernando Collor, havia um ambiente político

instável no momento em que Itamar Franco assumiu o poder. Embora tivesse tendências

nacionalistas, ao passo que considerava a papel do Estado na economia como relevante para

um projeto de desenvolvimento, o novo presidente foi levado a tomar medidas mais

conservadoras, inclusive no aspecto do planejamento. A partir de tentativas frustradas de

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contenção da inflação e medidas de ajuste da economia sem efeitos – “tentativas heterodoxas

de estabilização monetária” –, Itamar Franco buscou uma bandeira para marcar sua gestão.

Foi então que, “em gesto de grande ousadia”, foi lançado o Plano Real em 1994, que trouxe

de volta a moeda ao cenário nacional e promoveu o feito histórico de controle da inflação e

estabilização da economia (REZENDE, 2011, p. 193 e 194).

O sucesso do Plano Real é compreendido como o grande responsável pela eleição de

Fernando Henrique Cardoso, figura que esteve à frente da pasta de Economia em fase de

lançamento do plano, e também abriu espaço para reformas administrativas com ênfase em

gestão (REZENDE, 2011). Se reconhecido o movimento pendular diagnosticado por Cardoso

Junior (2014), a década de 90 marca a centralidade da gestão em detrimento do planejamento

público, muito devido à citada agenda gerencialista da NPM e à agenda neoliberal. As

iniciativas paralelas à elaboração e implementação dos planos plurianuais foram

características à época, como as discussões e entendimentos que desembocaram no Plano

Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da

Administração Federal e da Reforma do Estado – ministro Luiz Carlos Bresser Pereira – e

aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em 21 de setembro de 1995.

O Brasil intensificou na década de 90 processos de revisão do funcionamento da máquina

pública, institucionalizados por reformas administrativas e orçamentárias e por mecanismos

de planejamento governamental com ênfase em eficiência – ressaltando que esses

mecanismos descontinuam a função de planejamento tal como era pensada na Era de Ouro do

Planejamento. A agenda internacional da NPM foi traduzida no Brasil de maneira limitada e

cuja principal tentativa de colocá-la em prática foi por meio da implementação do PDRAE.

Vale notar que o plano emplacou a agenda da NPM, quando muito, parcialmente, mas mesmo

assim provocou a revisão das passagens da Constituição Federal. Essa revisão foi dada pela

Emenda Constitucional 19 de 1998; figura normativa importante na reforma administrativa

que, antes de tudo, servia de apelo para o funcionamento compreendido como mais “racional”

da sua máquina administrativa. A afirmação dos reformistas é de que essa máquina nunca foi

capaz de garantir o funcionamento esperado das políticas públicas no Brasil, e ainda se instala

em um Estado com poupança pública negativa, em crise fiscal e sem capacidade de realizar

investimentos (PDRAE, 1995).

Como base do entendimento do planejamento público a partir do final da década de 80, é

importante levar em conta, de forma central, que buscou-se uma transformação afirmativa da

função por meio da instituição dos instrumentos de planejamento formal pela Constituição

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Federal de 1988, mas que isso não obrigou o Estado a utilizá-los como a principal referência

de orientação e ordenamento da ação governamental, sobretudo na medida em que o cenário

macroeconômico e a expansão de modelos de gestão ditavam as principais regras da

administração pública federal. O que a próxima seção procura mostrar é que os planos

plurianuais, os PPAs, vão ganhando centralidade conforme a possibilidade de

correspondência ao projeto de desenvolvimento nacional e vão afirmando a função como

relevante para a administração pública como um todo. Ainda, que para se afirmar como

principal instrumento de planejamento programático e orçamentário do governo, as gestões e

governos das últimas décadas abriram-se aos poucos para a aprendizagem institucional e

metodológica do alcance promissor do instrumento, principalmente a partir do terceiro ciclo

do PPA (2000-2003). Tal abordagem será aprofundada adiante.

Seção 1.2 PPA no Brasil e nos estados

Um caminho para introduzir a discussão sobre a ascensão do Plano Plurianual como mote do

reordenamento do planejamento público governamental e como uma proposta de

transformação afirmativa da função frente ao seu desmantelamento é a compreensão do

contexto em que foi concebido, as amarras político-institucionais que carregou dos períodos

anteriores e o ambiente político que conformou suas pretensões e potenciais funcionalidades.

A descrição dos desdobramentos do reordenamento governamental também é um caminho

para a comparação do embasamento do instrumento com o seu alcance nos ciclos quadrienais.

Até se tornar o principal instrumento de planejamento programático e orçamentário do

governo, tal como idealizado na Constituinte, o PPA vem proporcionando às diferentes

gestões uma constante aprendizagem institucional sobre seu alcance e metodologia.

A seção visa apresentar as dimensões gerais do instrumento de planejamento, observando a

legislação correspondente e os princípios de funcionamento, e também apresentar as

características principais, positivas e negativas, da utilização do PPA nos sete ciclos de

planejamento, correspondentes aos quadriênios de 1991-1995, 1996-1999, 2000-2003, 2004-

2007, 2008-2011, 2012-2015 e 2016-20194; todos no nível federal.

4 Nesse último caso (2016-2019), a elaboração da peça de planejamento esteve em curso no ano de 2015, o que

faz com que a abordagem neste trabalho somente tangencie algumas características conceituais e metodológicas

do plano.

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As experiências do governo federal no tocante à utilização do instrumento são referenciadas

neste trabalho principalmente porque iluminam o processo de amadurecimento do novo

paradigma de planejamento público em todo o Brasil, e se estendem e influenciam a função

de planejar nas diferentes esferas de governo, nos estados e municípios da federação. Essa

influência nos estados também é movida pela referência metodológica que representa o

planejamento federal. Com vistas então a favorecer a compreensão do planejamento

plurianual em outros níveis, somado à oportunidade de disposição de literatura e registros

mais sistemáticos das experiências no nível federal, esta seção se propõe a resgatar a trajetória

dos PPAs federais. Entretanto, a seção não deixa de tangenciar o planejamento público formal

em contexto subnacional, apresentando características básicas de temas abordados nos relatos

de experiências estaduais.

1.2.1 Contexto da Constituinte e ascensão do PPA

O período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, que instrumentalizou o

planejamento governamental por meio do PPA, foi conturbado e marcado por crises

estruturais. As crises inerentes ao regime autoritário não só eram marcadas pelo esgotamento

do modelo de financiamento e de acumulação de capital – portanto, de insuficiência

econômica grave – quanto por uma notável perda de legitimidade do núcleo político

dominante (militar). Ponto positivo nesse contexto foi o movimento de resistência ao regime,

fundado na complexificação da sociedade, na ascensão de pressões pela redemocratização e

até mesmo no reconhecimento de uma estrutura de planejamento fechada e com viés

economicista por parte dos governos (GARCIA, 2015b).

Os 21 anos de ditadura militar, entre 1964 e 1985, precedentes à Constituinte, deixaram uma

herança de autoritarismo e economicismo que orientou significativamente o pensamento e a

ação de acadêmicos, técnicos e políticos. No âmbito do planejamento público, embora as

peças de planejamento, muito representadas pelos planos nacionais de desenvolvimento,

tivessem centralidade nos governos militares, como já fora exposto em seção anterior, a

combinação com o autoritarismo faz delas, não raro, meras formalidades e repositórios de

intenções tecidas de forma centralizada.

A redemocratização foi um intento à refundação do planejamento, quase extinto na década de

80, mas não consegue romper completamente com a lógica autoritária e centralizadora do

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ordenamento governamental. Essas constatações levam Garcia (2015b, p. 58) a afirmar que,

com ambiente político tumultuado e mesmo “sob pressão de reivindicações populares antes

reprimidas, [a Constituinte] não consegue superar a concepção normativa e reducionista do

planejamento governamental herdada dos militares e de seus tecnocratas”. Esses e outros

pontos que argumentam sobre a institucionalidade do planejamento público em constante

deterioração e as limitações remanescentes na função mesmo após a promulgação da carta

constitucional serão mais explorados na terceira seção deste capítulo.

Não obstante as constatações do legado autoritário e economicista, há também o

reconhecimento acerca das inovações no ordenamento do planejamento governamental

impulsionadas pela Constituição Federal de 1988 (SANTOS et al, 2015b; CARNEIRO, 2015;

BERCOVICI, 2015; AMARAL, 2015). No decorrer da década de 80 são pactuadas e

discutidas novas estruturas políticas e institucionais no país, muito influenciadas pelos

movimentos pela retomada da democracia, que resultam na promulgação da carta

constitucional (CARNEIRO, 2015). Como desdobramento da carta, houve uma ruptura

constitucional que institui “um novo paradigma jurídico, democrático e social” que modifica

“substancialmente a compreensão da ideia de Estado de Direito e, consequentemente, a

relação entre Estado e sociedade” (SANTOS et al, 2015b, p. 118).

O PPA surge no novo contexto como uma das inovações introduzidas pelo novo texto

constitucional, juntamente com o redesenho de toda a sistemática orçamentária. O sistema de

planejamento é composto, a partir dos institutos, pelo PPA em si, e por duas peças

orçamentárias, a saber: a LDO e a LOA – “os quais devem ser compatibilizados entre si,

integrando planejamento e orçamento” (OLIVEIRA, 2009 apud CARNEIRO, 2015, p. 275).

Houve uma inflexão sem precedentes no processo de formalização da função de planejamento

público. Os institutos permitem “uma interpretação constitucionalmente adequada da

legislação de planejamento e finanças públicas” (SANTOS et al, 2015b, p. 118), conformando

a obrigatoriedade da adoção, a padronização dos instrumentos e as bases essenciais das peças

de planejamento e orçamentárias. Em consonância com as prerrogativas democráticas, supõe-

se que na carta constitucional sejam estipuladas as bases do planejamento democrático, “com

aumento da transparência e controle sobre o gasto público, ao exigir coerência entre o gasto

anual do governo e o planejamento de médio e longo prazos” (BERCOVICI, 2015, p. 25).

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1.2.2 Aspectos normativos: legislação e prerrogativas

constitucionais

A legislação correspondente ao sistema de planejamento e orçamento no âmbito da

Constituição Federal de 1988 se apoia nos dispositivos que tratam da organização do Estado

nacional e da organização dos Poderes da República e respectivas responsabilidades, no que

diz respeito à tutela da efetividade do planejamento, e ainda, prioritariamente, em princípios

gerais da ordem econômica (finanças públicas e orçamento). O resgate da legislação aqui

realizado foi feito à luz de referências bibliográficas e a partir da própria Constituição Federal

de 1988 (BRASIL, 1988 apud GARCIA, 2015a/2015b; GARCIA e CARDOSO JR, 2015;

MAIA e MELO, 2015).

Título III – da organização do Estado, Capítulo II – da União.

Art. 21. Compete à União: IX - elaborar e executar planos nacionais e

regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico

e social (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Essas diretrizes mais genéricas de organização do Estado, no que compete ao planejamento e

orçamento públicos, também encontram respaldo nos artigos 48, 58 e 74, por meio dos

seguintes textos:

Título IV – da organização dos Poderes, Capítulo I – do Poder

Legislativo.

Seção II – das atribuições do Congresso Nacional. Art. 48. Cabe ao

Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor

sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de

desenvolvimento.

Seção VII – das Comissões. Art. 58 (...). § 2º Às comissões, em razão da

matéria de sua competência, cabe: VI - apreciar programas de obras,

planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles

emitir parecer.

Seção IX – da fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Art. 74.

Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma

integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o

cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos

programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a

legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão

orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da

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administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por

entidades de direito privado (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Os tópicos que motivam e definem a funcionalidade do PPA e outros concernentes ao

desenho da sistemática orçamentária estão detalhados nos artigos 165 e 174 da Constituição

Federal, tal como a redação abaixo.

Título VI – da Tributação e do Orçamento, Capítulo II - Das Finanças

Públicas, Seção II – Dos Orçamentos.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os

orçamentos anuais.

§ 1o - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma

regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração

pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes

e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 4o - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos

nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano

plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional.

§ 7o - Os orçamentos previstos no § 5o, I e II, deste artigo,

compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de

reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.

§ 9o - Cabe à lei complementar: I - dispor sobre o exercício financeiro, a

vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da

lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual.

*

Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo I – Dos

Princípios Gerais da Atividade Econômica.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo

para o setor privado.

§ 1o A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do

desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e

compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

(BRASIL, 1988, grifo nosso).

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A partir dos dispositivos é possível confirmar a motivação dos constituintes pelo ordenamento

do planejamento público nacional em função de peças programáticas e orçamentárias,

destinadas a organizar diretrizes, objetivos e metas para a ação governamental. Todavia,

existem críticas acerca da limitação da Constituição Federal de 1988 em criar “um arranjo

normativo que o organize [a ação], de modo a fornecer ao poder público o roteiro para atuar

de maneira consistente” (GARCIA e CARDOSO JR, 2015, p. 86).

As determinações e orientações superficiais relativas ao planejamento governamental, postas

no texto constitucional, não são suficientes para garantir uma prática regular dessa função. A

espera pela regulamentação em lei complementar é remanescente e isso compromete o

sistema e sua orientação para as demais esferas de governo. Segundo a visão de Garcia e

Cardoso Junior (2015, p. 87), sem a diretriz para a “organização das disposições

constitucionais em uma estrutura lógico-hierárquica”, o governo não tem “orientação

conceitual e metodológica para a elaboração de planos de desenvolvimento, para a prática do

planejamento governamental”.

A lei complementar viria a dispor sobre a vigência (regularidade), prazos e, muito importante,

método para a elaboração e a organização do PPA, LDO e LOA, conforme prevê a própria

CF, no § 9o, do Artigo 165 e no § 1o, do Artigo 174. É plausível refletir sobre a importância

do método de programação e vinculação orçamentária, que demanda um constante

aprimoramento, além de projetar-se como aprendizagem institucional sobre a forma mais

adequada de desenvolver o planejamento, e aderente à realidade. Sem os preceitos

orientadores, o planejamento pode ter sua “efetividade diminuída, ou até mesmo anulada, em

face da falta das normas previstas” (MAIA e MELO, 2015, p. 143).

1.2.3 Princípios e arranjo constitutivo do PPA

No bojo do redesenho da sistemática programática e orçamentária impulsionado pela

Constituição Federal de 1988 surge o PPA como instrumento de balizamento da ação

governamental (CARNEIRO, 2015). Ainda que o texto não defina um modelo formal de

planejamento no Brasil, o PPA representa um conjunto de transformações afirmativas da

função e alguns (re)significados para essa função governamental, já que baseia as ações do

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governo em estrutura programática e ainda alia esse planejamento “físico” à programação

orçamentária do Poder Executivo.

As principais funções do PPA são especificadas na própria legislação. Segundo a carta

constitucional, cabe ao instrumento estabelecer as prioridades do governo para um horizonte

temporal quadrienal, de médio prazo. E acompanha essas prioridades a definição de diretrizes,

objetivos e metas da administração pública no que se refere aos programas de duração

continuada e às despesas de capital. Em seguida são encadeadas desse processo de elaboração

do plano, primeiramente, a LDO, que é apresentada pelo Poder Executivo e aprovada pelo

Poder Legislativo, e, segundo, a LOA, compreendida como o orçamento anual em si

(AMARAL, 2015; CARNEIRO, 2015; SANTOS et al, 2015b).

A intencionalidade dos instrumentos, reunidos, demonstra a preocupação do legislador em

atribuir compatibilidade entre diretrizes, objetivos e metas da administração pública à

disponibilidade orçamentária. O PPA adota, segundo o arranjo desenhado pela Constituição

Federal, uma dimensão mais geral do planejamento de médio prazo, enquanto cabe à LDO

adequar a elaboração do orçamento em função das prioridades elencadas no plano, reservando

satisfatoriamente os recursos do exercício subsequente. Por sua vez, a intencionalidade

atribuída à LOA é de gerir a eficiência do gasto, agindo pontualmente e detalhadamente na

previsão de receitas e reserva de despesas, em perspectiva anual (SANTOS et al, 2015b).

É possível organizar toda a “família PPAs” (CARDOSO JR e GARCIA, 2014, p. 35) em

torno de alguns princípios norteadores. O primeiro deles consiste na disposição pela

regularidade e continuidade sistemática da elaboração do plano, contando com o engajamento

de atores de diferentes gestões de governo no alcance de objetivos estabelecidos a médio

prazo pelo PPA. O plano deve ser sempre elaborado no primeiro ano do mandato do

governante eleito, de forma que a programação física (políticas) e orçamentária se estenda

pelo período de quatro anos até o primeiro ano do mandato do sucessor. Por meio dessa

configuração, o instrumento garante que o sucessor do governo sempre tenha que executar a

programação e o orçamento em consonância com o que foi planejado pelo governo anterior,

garantindo um mínimo de continuidade das políticas motivadas pela gestão passada

(CARDOSO JR e GARCIA, 2014; AMARAL, 2015). Por isso o primeiro princípio denota

um “processo contínuo e pouco disruptivo” (CARDOSO JR e GARCIA, 2014, p. 35) do

planejamento público.

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36

O segundo princípio se refere à máxima da vinculação entre planejamento e orçamento 5

públicos. Como já tratado, a Constituição Federal de 1988 estabelece uma diretriz de

compatibilização entre instrumentos de planejamento e orçamento como forma de garantir

uma sinergia entre os recursos financeiros aplicados e a execução e gestão das metas físicas,

indicativas da concretização das políticas, a partir do detalhamento do PPA em conteúdo

programático – as políticas são organizadas em programas e ações por áreas da administração

pública. A articulação de programas e orçamento garante robustez à função de planejamento

público, uma vez que, “além de espelhar o conteúdo de um programa de governo, o PPA

representa também instrumento de controle sobre os objetivos do gasto público, ao

condicionar a elaboração da LDO e da LOA” (CARNEIRO, 2015, p. 275).

A LDO e a LOA complementam o PPA e são responsáveis por operacionalizar e materializar

a citada compatibilização entre plano e orçamento (CARDOSO JR e GARCIA, 2014). As

determinações dessas leis devem ser compatíveis com o que está disposto no plano plurianual

ou em quaisquer outras peças de planejamento, seja a nível setorial, local ou mesmo nacional.

Ainda, como garantia da vinculação entre os instrumentos, tem-se a obrigatoriedade de

somente executar financeiramente aquilo que foi determinado em plano plurianual, isto é,

“nenhum investimento cuja execução ultrapassar um exercício financeiro poderá ser iniciado

sem prévia inclusão no PPA ou sem lei que autorize tal inclusão, sob pena de crime de

responsabilidade” (GARCIA, 2015a, p. 18).

O terceiro princípio, por sua vez, espelha o compromisso do planejamento plurianual em

alinhar-se aos planos setoriais (e vice-versa) – princípio de alinhamento –, que são

concernentes às diversas áreas da administração pública. O parágrafo 4o do Artigo 165 da

Constituição Federal expressa a necessidade de vinculação entre os planos e programas

nacionais, regionais e setoriais com as disposições do PPA, no sentido de concretizar políticas

que estejam, por vezes, programadas para um horizonte temporal maior que o do quadrienal

ou focalizada em alguma área específica. A correspondência é, ao mesmo tempo, uma

tentativa de ampliar a efetividade da política e um grande desafio de conciliação, nem sempre

possível. Os planos setoriais podem ser mais complexos e demandar uma vigência de longo

prazo. Nesse caso, “no momento em que ocorre a elaboração do Plano Plurianual, os planos

5 Embora esse arranjo vinculado represente uma inovação para a administração pública, especialmente para a

função de planejamento público, ele não apresenta somente aspectos positivos. Nos parágrafos que descrevem os

ciclos de planejamento plurianuais e na próxima seção deste capítulo será aprofundada a dimensão negativa

dessa vinculação.

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setoriais e regionais estão em andamento, o que impossibilita o atendimento ao preceito

constitucional” (MAIA e MELO, 2015, p. 143).

O quarto e último princípio trata da perspectiva estratégica – princípio da estratégia –

encontrada na concepção do PPA. O compromisso programático com um horizonte de médio

prazo e com mecanismos de controle intervenientes aos três poderes da república, entre outros

fatores, faz alguns autores (PAULO, 2010; AMARAL, 2015; CARNEIRO, 2015)

compreenderem a concepção do PPA também como um instrumento de planejamento

estratégico. Como indício da estratégia, é esperado que o plano plurianual expresse o

direcionamento da atuação do governo “sob a forma de diretrizes e objetivos estratégicos, ou

termos congêneres, como macrodesafios e macro-objetivos, entre outros, dependendo da

concepção metodológica adotada” (CARNEIRO, 2013 apud AMARAL, 2015, p. 259).

Na visão de Paulo (2010, p. 174), existem razões para afirmar que se trata de um plano

estratégico. Entre elas, destacam-se: primeiro, existe um “compromisso político para além do

mandato presidencial, que vai orientar a formulação das leis orçamentárias e planos setoriais e

regionais”; e segundo, pressupõe o acompanhamento do cumprimento das metas estabelecidas

pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o que também sugere que o PPA transcende

o âmbito do planejamento para o alcance da gestão estratégica (PAULO, 2010). Essas razões

e a organização dos outros princípios sugerem que eles são muito relacionados.

Todo o arcabouço normativo apresentado institui um amplo e coordenado sistema de

planejamento público, com institutos que têm potencial, supõe-se, de garantir mais efetividade

à função. No contexto da Constituinte, os instrumentos agregados (PPA, LDO e LOA)

representaram uma transformação afirmativa do planejamento público nacional, que vinha em

constante deterioração, dando um novo e amplo sentido para a programação física e

orçamentária do governo. Esperava-se, com as peças, para além do nível elevado de

correspondência com as prerrogativas orçamentárias – alinhamento entre plano e orçamento –

, uma subordinação aos objetivos fundamentais da república, representados no artigo 3º como

dever do Estado, entre outros, de promover o desenvolvimento nacional e reduzir as

desigualdades sociais (BERCOVICI, 2015). Esse último componente do sistema de

planejamento pode não ser compreendido como princípio, mas como fundamento dessa

função.

Postos então os princípios e o arranjo constitutivo do PPA, é relevante para fundamentar a

pesquisa sobre o PPA-P da Bahia apresentar os desdobramentos práticos dos ciclos

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quadrienais de planejamento no contexto pós-democratização e examinar alguns

aprimoramentos conquistados ao longo da história recente. Lembrando que a função de

planejamento público, convertida pela Constituição Federal nas peças de PPA de quatro anos,

somente se estruturou, ou obteve avanços metodológicos consistentes que garantissem sua

elaboração, a partir da segunda metade da década de 90 (GARCIA, 2000). Também não

escapa o arcabouço normativo e institucional dos planos plurianuais de críticas que

relativizam os princípios apresentados.

1.2.4 Os sete ciclos quadrienais do planejamento público

federal

O PPA 1991-1995

O primeiro ciclo do PPA nem mesmo pode ser reconhecido dentro da lógica do novo

ordenamento do planejamento público nacional, somente a título de cumprimento formal.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 – e da obrigatoriedade do PPA –, o

plano deveria ser elaborado pela gestão assumida entre 1989 e 1990, com vigência entre 1991

a 1995. Imediatamente após as discussões da Constituinte, todavia, as prioridades do novo

governo já recaíam sobre o desapego à burocracia e ao ajuste econômico. Assim, tão logo

assumiu, “o candidato vitorioso anunciou uma reforma da estrutura executiva e do sistema da

direção do governo que primava pelo simplismo político-administrativo e pelo viés

economicista” (GARCIA, 2015a, p. 21).

Muito relacionado ao legado do planejamento típico da ditadura militar e à necessidade de

ajustar as contas nacionais em face às crises estruturais, o primeiro ciclo do PPA foi

desenhado na lógica do chamado orçamento plurianual de investimentos (OPI), espelhando o

viés economicista adotado sem disfarce pelo governo. O planejamento especificou os

investimentos a serem realizados pelos quatro anos seguintes e em função dos tipos de

despesa, mas sem vincular essas informações estratégicas aos orçamentos anuais, resultando

em pouca aderência à realidade de implementação.

Em termos de conteúdo programático, a elaboração do PPA foi dada sob forte improvisação,

já que aqueles atores responsáveis por redigir o texto pouco tinham contato com os gestores

que de fato tomavam decisões políticas sobre onde e como – quais programas e políticas –

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aplicar os recursos da União. Esses últimos “apenas declaravam intenções vagas, anunciavam

programas com nomes pomposos e sem substância” (GARCIA, 2015a, p. 24). Tanto foi pró-

forma que, ao ser apresentado ao Congresso Nacional para aprovação, passou sem qualquer

discussão ou revisão de dispositivos. Quando publicado pelo Poder Executivo, “recebeu

bonita encadernação e galgou prateleiras para se empoeirar” (GARCIA, 2015a, p. 24). Sendo

assim, o plano não “colou” como proposta de planejamento público – estratégico, articulado e

efetivo –, apenas respondeu as exigências constitucionais.

O primeiro ciclo de elaboração do PPA foi dissociado de uma carta de verdadeiras

intencionalidades do governo e, em decorrência disso, naturalmente, não se tornou um

instrumento orientador da ação governamental. Tal dissociação foi rapidamente percebida, só

que pouco poderia ser feito em termos de ajuste e adequação dos dispositivos e

determinações, uma vez que não existia, tampouco, uma visão geral da realidade que se

pretendia influir (GARCIA, 2015a). É compreensível, diante do exposto, a afirmativa de

Garcia (2015) que somente o PPA foi agregado à função de planejamento público, tal como

idealizado na Constituinte, a partir do segundo ciclo.

O PPA 1996-1999

O segundo ciclo do PPA deveria ser elaborado pela gestão empossada no início de 1995 e

vigorar entre os anos de 1996 e 1999. O novo corpo dirigente era composto por figuras

emblemáticas da administração pública brasileira, como o próprio presidente eleito, Fernando

Henrique Cardoso, e o ministro do planejamento, Bresser Pereira, ambos com vasta carreira

acadêmica e política. Nesse cenário, foi atribuída ao planejamento público uma nova

intencionalidade, carregada das motivações defendidas em campanha eleitoral de 1994, mas

que não escapou do viés economicista, e pouco representou, em termos de projetos e

atividades orçamentárias, a carta de intenções políticas do novo governo (GARCIA, 2015a).

Aspectos positivos do plano do referido quadriênio são colocados por Paulo (2010). O plano

teve maior evidência que o anterior quando da posse do governante eleito e foi apontado, ao

menos no discurso, como uma peça importante para orientar as ações do governo. Como

inovação em relação ao anterior e contraponto à baixa centralidade da função, foi dada nesse

discurso uma (re)valorização do planejamento governamental, buscando articular não só os

recortes de investimentos públicos da União, como o estabelecimento de parcerias público (de

outros entes federativos) e privadas.

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A nova administração apoiou a elaboração do PPA em projeções macroeconômicas e diversos

estudos (REZENDE, 2011). E o texto apresentou “mapeamento das demandas e

oportunidades, a fim de orientar os diversos agentes econômicos e estabelecer uma sinergia de

esforços para o cumprimento de metas” (PAULO, 2010, p. 175). O Plano 1996-1999 foi

intitulado “Investir para Crescer” e foi submetido ao Congresso Nacional com uma carta clara

de princípios para o planejamento econômico. Desses princípios foram desdobradas as

estratégias, postas da seguinte forma: construção de um Estado moderno e eficiente; redução

dos desequilíbrios espaciais e sociais; e inserção competitiva e modernização produtiva

(BRASIL, 1995 apud REZENDE, 2011 e GARCIA, 2015a). Menos do que estratégias em si,

Garcia (2015a, p. 26) afirma que elas “mais se aproximam de desejos, por não qualificarem os

conteúdos das ações que deviam realizá-las”, ainda que explicitem investimentos requeridos

para alcançar os objetivos e as metas pretendidos.

O plano contou, em sua elaboração, com uma sistemática mais aprimorada e articulada de

planejamento, mas novamente recaiu em inconsistências intervenientes à lógica gerencialista

imposta à época. Defende-se (REZENDE, 2011; GARCIA, 2015a) que o PPA, embora tenha

sido incorporado a um discurso audacioso de gestão, não conseguiu, tal como no primeiro,

superar a natureza do orçamento plurianual de investimos (OPI). O sucesso da execução do

PPA estava muito atrelado às motivações e resultados do plano de estabilização monetária, o

Plano Real, que verdadeiramente espelhava as grandes intencionalidades do governo,

sobretudo em arrumar as contas públicas e tirar o Brasil da crise econômica (REZENDE,

2011).

A visão mais crítica de Garcia ilumina a questão de que os enfoques e métodos adotados no

segundo PPA em nada se distinguiram dos praticados na elaboração e execução do primeiro,

ainda que com protagonismo de uma equipe de governo mais qualificada do ponto de vista

intelectual, político e administrativo. Segundo ele, os mesmos atores eram desconhecedores

“dos avanços teóricos e instrumentais acontecidos na área do planejamento estratégico

público” (GARCIA, 2015a, p. 29). O plano, assim, não serve como “guia para a ação, mas tão

somente um OPI expandido” (GARCIA, 2015a, p. 27). Todo esse “reducionismo conceitual e

distanciamento dos altos dirigentes fez do segundo PPA mais um documento formal, um

simples cumprimento de determinações constitucionais” (GARCIA, 2015a, p. 29), tal como o

anterior.

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As assertivas informam que os atores estavam pouco motivados em traduzir na peça do PPA

uma verdadeira carta de intencionalidades do governo com o caminho para sua efetividade

prática, traduzida em programas e ações. Isso é fruto de pouca ou nenhuma importância dada

pelo Poder Executivo federal em garantir sistematização e publicização das intenções do

governo (GARCIA, 2015a). Uma referência emblemática disso foi a publicação do plano

“Brasil em Ação”, apenas seis meses após a aprovação do PPA, que selecionou programas,

projetos e atividades orçamentárias consideradas prioritárias pelo governo. A duplicidade do

trabalho de sistematização de intenções do governo e a falta de alinhamento entre o “Brasil

em Ação” e o PPA refletem o baixo ou nulo comprometimento da equipe dirigente em dar um

sentido efetivo para a função de planejamento público.

Como resumo das críticas aos ciclos anteriores, vale ressaltar que “não se concebe a execução

do plano e dos orçamentos como instrumentos de gestão estratégica; não são feitas análises e

avaliações das políticas; (...) e não se buscam a integração e a convergência das ações”. Por

essas razões, também “não se enxergou a necessidade de organizar o planejamento

governamental, como determinava a Constituição” (GARCIA, 2015a, p. 31).

O PPA 2000-2003

A revisão teórica selecionada aponta que os dois primeiros planos plurianuais não foram

elaborados com base em uma reflexão teórica e metodológica sobre a função do plano em si e

do planejamento público como um todo, não raro cumprindo somente determinações legais. O

salto conceitual e metodológico apresentado no ciclo subsequente do PPA, de 2000-2003, em

relação aos anteriores leva Garcia (2015) a chamá-lo de “um terceiro diferente”.

As primeiras iniciativas de reformulação do plano ocorreram no final de 1997, quando foi

criado um grupo de trabalho interministerial (GTI) para discutir suas bases conceituais e

metodológicas. Foi compreendido pelo grupo como potencial alcance do PPA a garantia da

integração entre a programação orçamentária e de políticas, por meio da redefinição das

categorias programáticas das três peças (PPA, LDO e LOA). Em seguida, em 1998, foram

formalizadas as alterações nos parâmetros e marcos de elaboração e gestão do PPA e das

peças orçamentárias. Garcia (2015a, p. 17), em artigo específico sobre o ciclo, intitulado “A

reorganização do processo de planejamento do Governo Federal: o PPA 2000-2003”, afirma

com convicção que as mudanças emplacadas à época incidiram sobre “os processos de

trabalho, os modelos gerenciais, as estruturas organizacionais, os sistemas de informação e

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processamento, e os mecanismos de contabilidade e controle da administração pública

brasileira”.

O ciclo de 2000-2003 já se apoiou na nova orientação, cuja principal inovação foi a

estruturação do plano em função da figura do programa. Sendo assim, o programa passou a

ser a unidade de análise e o elo entre plano, orçamento e gestão, enquanto estrutura de

organização do planejamento. A lógica de construção do PPA a esses moldes deveria partir da

identificação de problemas ou oportunidades inseridas na sociedade; em seguida, para cada

programa seriam associados objetivos estratégicos e respectivos indicadores de

acompanhamento; por fim, seriam publicizados os resultados alcançados (SANTOS, 2011;

GARCIA, 2015a; SANTOS et at, 2015b). Esse enquadramento gera, ao menos no plano

teórico, um processo mais denso, aplicado e coordenado de planejamento público no âmbito

do PPA.

Informações sobre o contexto político e econômico nacional merecem destaque no referido

ciclo de elaboração do PPA. A nova organização conceitual e metodológica, que perdurou até

2011, foi introduzida no ápice da adoção do paradigma gerencialista no Brasil (SANTOS et

al, 2015b). Com um nome fantasia chamado de “Avança Brasil”, o conteúdo do plano veio a

compor o esforço nacional de racionalizar os gastos públicos e revisar o papel do Estado na

promoção das políticas públicas. Foram colocados como objetivos do plano melhorar a

qualidade do gasto (e controlar sua aplicação), buscar eficiência na alocação de recursos e

garantir mais legitimidade das ações do governo face à sociedade civil, tudo isso referido no

cenário de implantação do novo modelo de gestão pública orientada para resultados

(REZENDE, 2011; SANTOS et at, 2015b).

A orientação para resultados serviu de premissa do exercício de planejamento público no ciclo

de 2000-2003, e isso corroborou para garantir uma centralidade na avaliação dos programas.

Com base em “transparência da ação governamental e a responsabilização dos gestores

públicos pelo alcance das metas” (SANTOS, 2011), características da gestão gerencialista, o

planejamento foi permeado por revisões e pela diretriz de geração de informações úteis para

redirecionamento da política (REZENDE, 2011). Ainda assim, mesmo com esses avanços

conceituais e metodológicos, alguns autores acreditam (REZENDE, 2011; SANTOS, 2011;

GARCIA, 2015b) que pouco foram efetivos para a melhoria da gestão pública.

As críticas que recaem sobre esse ciclo do PPA novamente se apoiam nos efeitos negativos da

vinculação entre planejamento e orçamento, que são ainda acentuados a partir da designação

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da unidade de programa – unicidade de orçamento-programa. As transformações foram

forçosas nesse caminho. Segundo Santos (2011. P. 119), a “dimensão tático-operacional do

plano passa a ser praticamente igual ao orçamento” e faz com que aquele perca tanto o sentido

quanto a capacidade de orientar as ações do governo. Não raro, “o PPA não conseguia estar

além de um instrumento formal que não era capaz sequer de informar adequadamente as

metas do governo”.

O PPA 2004-2007

O quarto PPA foi concebido sob uma nova ordem política nacional, instaurada a partir das

eleições de 2002, com a ascensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. O plano

foi elaborado pela nova gestão em 2003, com vigência de 2004 a 2007, e foi chamado de

“Plano Brasil de Todos – participação e inclusão”, que refletia a bandeira político-ideológico

do partido empossado e o programa de governo apresentado na campanha eleitoral

(CARDOSO JR e GIMENEZ, 2011).

O PPA 2004-2007 repetiu a estrutura por programas do ciclo anterior, mas promoveu algumas

alterações acerca da gestão e acompanhamento do plano, cujas principais foram a concepção e

avaliação do mesmo em função de uma diretriz mais estratégica, o fim das revisões anuais –

ambas apontando para um compromisso com o planejamento de médio prazo (PAULO, 2010)

–, e a inserção da participação social. Nesse último caso, a mudança foi relevante para a

época, mas pouco significativa do ponto de vista da democratização do planejamento público.

Foram abertas audiências públicas e consultas aos diversos conselhos de políticas públicas na

tentativa de incorporar as agendas setoriais e pautas da sociedade na programação do governo.

Entretanto, os participantes sinalizaram “a ausência de uma resposta explícita e específica do

governo às propostas trazidas pela sociedade e a falta de continuidade na mobilização sobre o

tema” (AVELINO e SANTOS, 2015, p. 224).

As inovações apresentadas foram significativas em relação ao conteúdo. O PPA partiu de uma

caracterização da situação do país à época, que resultou em diagnóstico dos problemas a

serem enfrentados. Boa parte dos achados se referia à crítica ao conservadorismo do regime

militar e “aos impasses e à incapacidade dos governos civis posteriores de enfrentarem as

grandes questões da vida nacional” (CARDOSO JR e MELO, 2011, p. 25). Na mensagem que

foi declarada como apresentação do PPA, o governo apresentou como diretriz estratégica

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central recuperar condições econômicas para fazer o Brasil voltar a crescer (CARDOSO JR e

GIMENEZ, 2011).

O plano apresentou um amplo alcance de temáticas e questões, com orientações mais

genéricas para o desenvolvimento nacional e ambições mais profundas de transformação da

realidade social do país. Foi estruturado em macro-objetivos, alguns desafios e, assim como

os anteriores, em programas e ações. O conjunto de dispositivos expostos possuía, de acordo

com a análise de Rezende (2011), uma sequência lógica de eventos, a saber: uma vez aberta a

oportunidade de fomentar um ciclo virtuoso de crescimento, o plano despertaria eventos de

desenvolvimento, reformas institucionais e programas sociais; convergidos, era esperado que

os eventos promovessem a conciliação entre crescimento econômico e distribuição de renda e

inclusão social.

Em detrimento do esforço mais contextualizado de planejamento e da lógica mais encadeada

de elaboração, por meio da especificação de diretrizes estratégicas, o plano “não fugiu ao

destino dado aos PPAs que o antecederam” (REZENDE, 2011, p. 198). A crítica é feita em

torno da desconsideração da realidade de implementação do plano. Ao contrário da

expectativa de recuperar a função de planejamento público, o caráter mais genérico e

diagnóstico do ciclo de 2004-2007 foi responsável por garantir um “grau de abstração

incompatível com as necessidades concretas do planejamento” (CARDOSO JR e MELO,

2011, p. 25). Ou seja, funcionou mais como instrumento de caracterização de problemas do

país no início da década de 2000 que como instrumento amplo de planejamento

governamental (CARDOSO JR e GIMENEZ, 2011).

O PPA 2008-2011

O PPA do ciclo de 2008-2011 foi elaborado em 2007 durante a mesma gestão petista. Foi

intitulado de “Plano Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade”. Em

análise de evidências e possibilidades do período de 2003 a 2010 em relação ao crescimento

econômico e ao planejamento público, os autores Cardoso Junior e Gimenez (2011) assumem

que os dois planos plurianuais (2004-2007 e 2008-2011) foram grandes referências globais de

planejamento do país e importantes peças de ordenamento do planejamento público nacional,

a despeito das críticas apresentadas por eles mesmos e por outros autores (MELO, 2011;

RZENDE, 2011). Isso pode indicar um processo de amadurecimento da função de planejar as

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ações governamentais para o alcance de discussões mais aderentes ao dia-a-dia da gestão

pública e menos direcionadas a compromissos exclusivamente formais.

Os autores seguem afirmando que esse avanço no planejamento público se deu em parte pela

nova dinâmica econômica, mais aquecida e positiva, que teria corroborado para fertilizar o

espaço de discussão acerca da elaboração das peças. Assim, mesmo o crescimento econômico

sendo retomado como efeito de medidas alheias ao planejamento governamental, o cenário

propiciou para que esse último avançasse de forma mais concreta (CARDOSO JR e

GARCIA, 2014), até mesmo pela demanda crescente de organização do governo. Atribui-se

às iniciativas de planejamento de diversos setores da sociedade a mobilização para o salto da

função de planejamento, uma vez que buscavam destravar constrangimentos econômico-

financeiros de grande porte e que acabaram gerando uma pressão ao governo pela melhoria da

coordenação setorial (CARDOSO JR e GIMENEZ, 2011). Além disso, houve um movimento

das iniciativas setoriais de planejamento por quebrar com a lógica incrementalista de

organização de programas e ações usual nos planos plurianuais anteriores, de forma a

influenciar uma construção mais robusta e até estrutural.

O novo ciclo vem reforçar aquilo que já era característica do PPA anterior e que ilustra o

avanço no planejamento público no Brasil nos marcos dos PPAs 2004-2007 e 2008-2011: o

aprofundamento do olhar para o conteúdo dos planos, que culmina indiretamente no intento

de substituição da primazia do orçamento. Na pesquisa de Cardoso Junior e Gimenez (2011) é

lançada luz à tentativa dos novos embasamentos da noção de planejamento e da própria

concepção funcional do PPA em romper com a tradicional centralidade das prerrogativas

orçamentárias na organização das ações governamentais. Esse rompimento, necessário para

rebater as críticas bem fundamentadas6

às peças de planejamento acerca da primazia

orçamentária, é emblemático não só para o histórico de elaboração dos PPAs nacionais, mas

também em relação aos marcos de planejamento precedentes à Constituição Federal de 1988.

No que diz respeito ao formato do plano, foi aplicada a mesma lógica de confecção do

anterior, cuja unidade de planejamento repete a estrutura por programas. No entanto, foi

reduzido o número de programas contemplados a partir do enxugamento de cerca de 20% em

relação ao anterior (REZENDE, 2011). Esses números do processo de elaboração do PPA

mostram uma tendência de transformação da metodologia de desenho, na tentativa de

6 Ver seção 1.3.6 Viés economicista do planejamento: reducionismo e pressão do caráter técnico-orçamentário

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melhorar a qualidade do produto, mesmo que a seleção de prioridades ainda não tenha sido

uma dificuldade superada no ciclo 2008-2011.

Em relação ao conteúdo do PPA, os programas apresentam um grau de concretude maior que

o anterior, expressando uma vontade política de responder pragmaticamente as representações

dos diversos setores e grupos econômicos da sociedade. O plano detalhou e reforçou o

compromisso já assumido no antigo ciclo de planejamento em combinar crescimento

econômico com inclusão social e redução das desigualdades. Também iluminou as

preocupações governamentais no âmbito do plano com a agenda pela preservação ambiental e

pela integração territorial (REZENDE, 2011).

O aspecto da participação social não evoluiu para além das audiências públicas e reuniões

com conselhos setoriais, como no ciclo no anterior. O que se tratou sim de uma inovação

significativa foi a inserção, na lógica de planejamento governamental, da dimensão territorial.

O plano partiu de um diagnóstico das disparidades regionais e assumiu a articulação dos

diferentes níveis federados, a fim de fomentar ações conjuntas e aumentar a eficácia da

intervenção do Estado no processo de desenvolvimento. Talvez esse tenha sido o grande salto

no PPA do referido ciclo. Nas palavras de Rezende (2011, p. 199), apontava-se o esforço de

reconstrução do planejamento nacional em função da “criação de instituições e instrumentos

capazes de promover a cooperação federativa na formulação e na implementação das políticas

públicas prioritárias para os objetivos nacionais de desenvolvimento”.

Aproveitando a revisão das inovações jurídicas que acompanharam os PPAs ao longo do

tempo, realizada por Santos (et al, 2015a, p. 78), é possível apontar algumas críticas

pertinentes ao ciclo de 2008-2011. Primeiramente, o PPA apresentou um conteúdo bem

detalhado de artigos e dispositivos, desdobrados exaustivamente em funções, competências,

procedimentos e regulação. Esse detalhamento, embora não seja de todo ruim, é interveniente

à adoção do modelo gerencialista de gestão governamental, “na medida em que a estrutura do

plano remete à análise de eficiência das ações do orçamento”. Outro ponto de destaque são as

características muito positivistas, que sugerem uma predisposição pelo legalismo no

planejamento. Os autores também criticaram o caráter formal, centralizador e uni-setorial do

plano quando pensado em relação à coordenação com os órgãos executores das políticas.

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O PPA 2012-2015

O PPA 2012-2015 foi elaborado em 2011 já na gestão de Dilma Rousseff e representou um

novo e importante salto conceitual e metodológico do instrumento, provocando mudanças

significativas em termos de visão estratégia e estrutura organizativa, que foram embasadas em

avaliações dos ciclos anteriores. As alterações nas bases para montagem do plano são

recorrentes ao longo da história do PPA e refletem as brechas mencionadas na legislação, por

falta da regulamentação do artigo 165 e outros da Constituição Federal de 1988.

O cenário de montagem do plano à época era ambíguo para o governo. A presidente Dilma

contou com uma base mais favorável do que o seu antecessor na elaboração dos planos

imediatamente anteriores (2004-2007 e 2008-2011), sustentada pelo crescimento econômico e

ampliação de forças nacionais de desenvolvimento. Por outro lado, a conjuntura era de

iminência de crise externa e preocupações acerca dos modelos de sustentação da vida

econômica e social do país. Assim, havia uma preocupação legada ao planejamento de

garantir o “financiamento de longo prazo no que tange à (...) amplitude [do desenvolvimento]

e capacidade de garantir todo o crédito necessário para ampliar e sustentar o crescimento”

(CARDOSO JR, 2014, P. 41). De acordo com a revisão de Cardoso Junior, em embate à crise

internacional, era esperado do planejamento um reforço na recuperação da “confiança do

empresariado privado (nacional e estrangeiro) no potencial de crescimento da economia”

(CARDOSO JR, 2014, P. 41). Entretanto, o autor compreende que os esforços oriundos

desses desafios dados ao planejamento pouco foram implementados de fato, assim como não

obtiveram sucesso as tentativas de incrementar os investimentos público e privado

(CARDOSO JR, 2014).

O start no desenho do PPA 2012-2015 se deu a partir da atuação do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da Secretaria de Planejamento e Investimentos

Estratégicos (SPI/MPOG), ao encampar uma avaliação qualitativa e mais subjetiva acerca da

função de planejamento. A concepção metodológica mais audaciosa de elaboração do referido

PPA apoiou-se em um conjunto de respostas para a seguinte pergunta: “por que mudar?”.

Algumas das razões citadas para a mudança foram as seguintes: o Estado é indutor do

desenvolvimento, voltado para a redução das desigualdades, e que isso requer planejamento e

gestão estratégicos; é necessário viabilizar as políticas e entregar os bens e os serviços à

sociedade de forma tempestiva, no lugar certo, para o público certo, em quantidades e

abrangência suficientes, e que, para isso, o Estado precisa gerir capacidades técnico-políticas

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adequadas, conjuntura em que o planejamento se enquadra e é fundamental; não é levado à

pratica o modelo de gestão por programas, o que exige um planejamento mais perene aos

requisitos da implementação; existe uma apropriação inadequada de modelos ideais de análise

das políticas, que focam no método (estruturação dos processos) e não no conteúdo das

políticas; entre outras razões (GARCIA, 2015b).

Com base nessa avaliação, novidades na estrutura foram praticadas na montagem do plano e

divulgadas no depósito formal do instrumento no Congresso. O primeiro suposto

aperfeiçoamento foi colocado a partir da discriminação da dimensão estratégica do PPA 2012-

2015, traduzida no plano por meio de uma introdução genérica, visões de futuro produzidas

coletivamente, projeções de cenários macroeconômicos e internacionais favoráveis, projeções

fiscais e alguns diagnósticos setoriais encadeados. Somou-se a isso uma sequência de

macrodesafios, cujas bases estavam fundadas no Programa de Governo das eleições de 2010.

Alguns desses macrodesafios relacionados no PPA foram os seguintes: projeto nacional de

desenvolvimento, erradicação da pobreza, ciência e tecnologia, cidadania, infraestrutura,

democracia e participação social, entre outros.

Outro aperfeiçoamento esperado pela reformulação conceitual e metodológica foi a

designação da unidade de planejamento como sendo os “Programas Temáticos”, com a

intencionalidade ambiciosa de costurar as ações governamentais em perspectiva transversal,

multissetorial e multi territorial. De acordo com a mensagem de apresentação do PPA 2012-

2015, a agenda do governo estava organizada em “Temas das Políticas Públicas”, cuja

abrangência representava os desafios de todas as áreas e atendia às fases do ciclo das políticas

públicas, isto é, gestão, monitoramento e avaliação (BRASIL, 2011 apud GARCIA, 2015).

Esse chamado programa temático se desdobrou no plano em objetivos e iniciativas.

Surgiu no âmbito do PPA 2012-2015 uma institucionalidade participativa inovadora, que veio

estimular a transformação da relação entre a função de planejamento e a democratização da

administração pública. Partindo do desafio de romper com a lógica estritamente setorial de

política pública e projetando uma arena de transversalidade, o governo abriu a escuta à

sociedade civil organizada e geriu reuniões entre técnicos e gestores das diversas pastas. A

principal figura que surgiu nesse contexto foi o “Fórum Interconselhos”, que, por meio da

iniciativa da Secretaria-Geral da Presidência da República e do MPOG, constituiu o mote do

mais moderno reordenamento do planejamento público. Conceitualmente, se trata de uma

“tecnologia intelectual de natureza socioestatal voltada à superação da fragmentação setorial

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dos espaços participativos”, cuja estratégia se apoia em “características apontadas pela

literatura como típicas de projeto transversal e institui a prática da participação entre seus

inúmeros participantes” (AVELINO e SANTOS, 2015, p. 219).

O Fórum reúne em torno da elaboração do plano plurianual as agendas das políticas setoriais

debatidas nos conselhos e permite a inserção e coordenação das ações e programas contidos

no referido PPA pelo Ministério do Planejamento. Foram realizados no dito plano quadrienal

quatro eventos do Fórum, em que os participantes tiveram a oportunidade de aprender noções

básicas de planejamento e orçamento – as capacitações foram pensadas para mitigar

assimetria de informações e superar barreiras de linguagem técnica –, assim como resgatar as

pautas internas dos conselhos de origem e apresentar ideias para a composição dos programas

do plano (AVELINO e SANTOS, 2015). Nesse sentido, nota-se não só a capacidade de

influenciar a agenda governamental como a possibilidade de formação política e de

experimentação da cidadania ativa.

Em detrimento dos avanços metodológicos e do salto qualitativo da função de planejamento

sem precedentes, é necessário apresentar as devidas ponderações. Este trabalho apoia essas

críticas no texto de Garcia intitulado “PPA: o que não é e o que pode ser” (2015b), que dá um

enfoque especial no instrumento para o referido ciclo (2012-2015). O autor, que aplica uma

visão crítica sobre o instrumento, chama o momento de “uma nova tentativa”. Avalia-se, por

Garcia, que essa estrutura foi de pouco ou nenhum efeito prático. Primeiramente, sobre a

dimensão estratégica o autor relata que ela teve em sua concepção uma visão de futuro como

um acolchoado de interesses difusos, sem uma linha condutora da ação governamental, ao

passo que elegeu cenários macroeconômicos e internacionais sem consonância com a

realidade, que não podem ser simplesmente escolhidos ou antevistos.

Os macrodesafios, por sua vez, evidenciavam “altos propósitos, graves problemas, grandes

deficiências e ameaças significativas que ainda afetam consideráveis contingentes

populacionais de brasileiros ou o conjunto da nacionalidade”, o que é bastante importante

para projetar cenários de atuação do Estado. Entretanto, segundo o autor, não foram

“detalhadamente abertos em seus elementos constitutivos, de forma a tornar possível conceber

programação de ações de diversos tipos e naturezas” (GARCIA, 2015b, p. 71) para mitigar,

enfrentar e sanar os muitos aspectos negativos levantados. Merece destaque nessas críticas o

macrodesafio intitulado “Projeto Nacional de Desenvolvimento”, que, segundo ele, sequer era

de conhecimento do público e que foi apresentado com escopo modesto e sem debate dentro

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do governo (GARCIA, 2015b). O teor do macrodesafio não corresponde à imponência do seu

rótulo.

Por fim, os programas temáticos tentaram articular as ações governamentais em perspectiva

transversal ignorando uma estrutura executora setorial rígida e pré-moldada, inclusive do

ponto de vista do orçamento. Segundo Garcia (2015b, p. 72-73), “as políticas governamentais

são setoriais ou multissetoriais, nunca temáticas”, e tal segmentação se dá “por força de

corporações e especialidades e por conta de ser executada descentralizadamente”. Sob essa

ótica, o arranjo temático do PPA 2012-2015 optou, ainda que de forma não consciente, por

elevar o grau de imprecisão do instrumento (GARCIA, 2015b). É necessário pontuar, todavia,

que passagens relevantes do texto deste trabalho, mais adiante, quando da aplicação da

pesquisa no estudo de caso, devem relativizar essas críticas e apresentar aspectos muito

positivos das iniciativas de transversalizar o planejamento público.

O PPA 2016-2019

A elaboração do PPA 2016-2019 esteve em curso no ano de 2015, e, consequentemente, os

desdobramentos e resultados práticos estão ainda indisponíveis. Ainda assim, os documentos

publicados com a metodologia e conceitos norteadores da montagem do plano indicam a

intencionalidade do atual governo no tocante ao planejamento público. De acordo com a

cartilha “Orientações para a participação social – Elaboração do Plano Plurianual 2016-

2019”7, o plano deveria refletir estrategicamente as bandeiras que foram levantadas em

acirrada disputa eleitoral para a presidência da república, consolidadas, entre outras, pela

ideia-força “Brasil Pátria Educadora”.

A orientação para esse novo ciclo de elaboração do plano enaltece as bases e orientações

estratégicas do governo para o desenvolvimento nacional, refletidas de um projeto de longo

prazo iniciado em gestões passadas. Segundo a cartilha, o PPA deve concentrar uma série

dessas orientações estratégicas, com o intuito de consolidar as “conquistas econômicas,

políticas e sociais do Brasil e impulsionar um novo ciclo de desenvolvimento”, bem como de

tornar o Brasil “uma Pátria Educadora para a democracia, para o bem-estar social e para

novas conquistas da cidadania de atuais e futuras gerações” (BRASIL, 2015).

7 Cartilha elaborada pela Secretaria-Geral da Presidência da República – SGPI, em parceria com o Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG.

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No aspecto da estrutura organizativa e de metodologia de desenho das ações governamentais,

o plano repete o ciclo 2012-2015. A concepção do novo PPA aprofunda a dimensão

estratégica do anterior e dá mais centralidade às figuras dos eixos e das diretrizes estratégicas,

que, por sua vez, conduzem a elaboração dos Programas Temáticos. Esses últimos, portanto,

não só são mantidos no novo ciclo quanto fortalecidos no aspecto da transversalidade. A

metodologia preconizada que o arranjo proposto, sob uma linha condutora do macro para o

micro, facilitasse o acompanhamento e alcance de metas e resultados, e que a transversalidade

fosse aprimorada nesse ciclo por meio de espaços de diálogo para convergência de propostas

entre os ministérios, com a realização de oficinas temáticas entre técnicos das diversas pastas

do governo, mediante coordenação do Ministério do Planejamento (BRASIL, 2015).

O ciclo de 2016-2019 reforça a adoção do componente participativo no planejamento

governamental. De acordo com o documento (BRASIL, 2015), a construção do plano deveria

ser constituída em “bases sólidas de diálogo com a sociedade e os movimentos sociais”,

ampliando a nível nacional as iniciativas consultivas à população. O arranjo participativo na

construção do PPA foi modelado a partir da realização novamente – e dessa vez mais

fortalecido – do “Fórum Interconselhos” e da plataforma virtual ParticipaBR.

No primeiro caso, o Fórum8 é ainda o mecanismo de participação designado como principal

espaço de articulação entre o Estado e a sociedade – no caso, sociedade civil organizada.

Contando com a presença de conselhos e comissões de diversos setores, o Fórum deve

ampliar as possibilidades de as pautas das entidades influenciarem a agenda governamental,

na medida em que serão ouvidos em todo o encadeamento estratégico do desenho das ações,

isto é, do levantamento de desafios para a composição da dimensão estratégica até as

contribuições para a formulação dos programas temáticos (BRASIL, 2015). Foi aberta

também a possibilidade de participação virtual por meio de plataforma tecnológica específica.

O ParticipaBR se trata de um canal de escuta mais voltado à participação direta da sociedade,

ao passo que o fórum permite a escuta indireta, via representação de conselheiros. O canal

abre para a sociedade civil uma forma de contribuição virtual para a formulação de políticas

públicas.

8 O Fórum Interconselhos, iniciativa conjunta entre a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Ministério

do Planejamento, Orçamento e Gestão, durante a vigência do PPA 2012-2015, foi reconhecido

internacionalmente com o prêmio da ONU para Melhores Práticas na Gestão Pública em junho de 2014.

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1.2.5 Planejamento público em contexto subnacional: o PPA

nos estados

As mudanças recorrentes de formato e conceitos e os incrementos metodológicos na

elaboração dos planos plurianuais a nível federal não somente reconduzem e dão mais sentido

a toda a função de planejamento público nacional quanto servem de orientação e inspiração

para as demais esferas de governo, estaduais e municipais, por meio de uma aprendizagem

institucional compartilhada entre os entes federativos. Para fins do presente trabalho, entende-

se que a análise da dimensão estadual deva apropriadamente passar pela compreensão sobre o

amadurecimento do planejamento governamental no ente central, seja porque existe uma

sistematização mais densa de achados, seja porque usualmente influencia a elaboração dos

planos plurianuais estaduais. Esse alinhamento entre os modelos federal e estadual é muito

característico nos recentes PPAs estaduais da Bahia, cujo órgão executor de planejamento

buscou no modelo federal as inspirações para desenho das próprias ações governamentais,

principalmente em relação à adoção do componente participativo no planejamento. Tal

alinhamento será reforçado na apresentação e avaliação do caso empírico do planejamento

baiano.

A literatura disponível com descrições, análises e inferências acerca das experiências de

planejamento nos estados é restrita, então esta seção apoia-se essencialmente nas

contribuições de Carneiro (2015) a partir da leitura transversal de relatórios9 das experiências

de dez estados no planejamento plurianual recente (correspondente ao ciclo 2012-2015). Ele

apresenta características interessantes da atividade planejadora nos estados nacionais, e, entre

os estados analisados na pesquisa10

, verifica que a grande maioria passou a considerar o

instrumento do PPA como mote do ordenamento governamental já a partir do início da

década de 90, como os estados da Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais, Espírito

Santo, Rio de Janeiro e Paraná. Os casos de São Paulo e Rio Grande do Sul têm experiências

tardias, com a incorporação do instrumento somente dez anos depois. A publicação da Lei de

9 O texto “PPAs Estaduais em Perspectiva Comparada: processos, conteúdos e monitoramento”, redigido por

Ricardo Carneiro (2015), é fruto do projeto “Planejamento e Gestão Governamental na Esfera Estadual: uma

análise comparativa dos processos, conteúdos e sistemas de acompanhamento dos PPAs”, em que organismos

independentes e parceiros do poder público estadual participaram voluntariamente da sistematização das

experiências de planejamento plurianual. 10

Região Centro-Oeste – Mato Grosso do Sul; Região Sul – Paraná e Rio Grande do Sul; Região Nordeste –

Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte; e Região Sudeste – Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São

Paulo .

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Responsabilidade Fiscal (LRF), ocorrida em 2000, teve papel crucial na institucionalização do

instrumento em todas as esferas de governo da administração pública brasileira.

Acompanhando a trajetória da função no nível federal, os sistemas estaduais de planejamento

ascenderam na década de 60 e seguiram a onda de desmantelamento da função naquele nível

durante a década de 80, sofrendo duros golpes de desestruturação e descontinuidades

administrativas. As arquiteturas institucionais em que foram moldados os sistemas estaduais

de planejamento são heterogêneas e representam estratégias distintas de sobrevivência dentro

da máquina pública ao longo do tempo, o que acaba por refletir diferentes arranjos

organizacionais na elaboração dos planos plurianuais nos estados nacionais (CARNEIRO,

2015). Hoje as experiências apresentam contornos mais sólidos e rumam cada vez mais à

institucionalização do PPA como principal peça de planejamento, mas ainda são pouco

consolidadas no suporte à gestão estratégica do governo.

O aspecto da dimensão estratégica é entendido como relevante para promover a aderência e a

sustentabilidade dos planos, e deveria ser um compromisso assumido pelos governos no

desenho das ações de médio prazo dos PPAs em todos os níveis de governo. Dessa forma,

obedecendo à concepção normativa de seguir a lógica de horizonte estratégico de médio

prazo, oriunda da visão estratégica, os planos não deveriam ser construídos de forma

desconexa, sem a prerrogativa de articulação com as demais atividades planejadoras; aquelas

de curto e longo prazos, ou planos setoriais, entre outras. Entende-se por longo prazo quando

o planejamento “expressa a orientação estratégica do governo no tocante à promoção do

desenvolvimento, para além do ciclo político”, e de curto prazo quando “desdobra as políticas

públicas em programações anuais, consoante o ciclo financeiro-orçamentário proposto na CF”

(CARNEIRO, 2015, p. 278).

Em detrimento da prerrogativa de articulação e da compreensão de que a “construção do PPA

não é um processo fechado em si mesmo”, Carneiro pouco identificou de conexões entre as

atividades planejadoras na leitura transversal das experiências. Pelo contrário, a prática ainda

está em processo de consolidação, e somente o Estado de Minas Gerais trabalha em uma

sistemática de elaboração de planos de longo prazo, na figura do chamado Plano Mineiro de

Desenvolvimento Integrado (PMDI), prescrito pela Constituição Estadual (1989). O mesmo

não ocorre à programação das promessas de campanha, pelo contrário, Carneiro (2015)

pontuou nos achados da leitura que há um alinhamento comum e recorrente entre os

planejamentos estaduais formais e os planos de governo publicizados em período eleitoral.

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Assim, os estados praticam uma dupla tratativa à dimensão estratégica, contraditória: o

alinhamento às promessas de campanha, ao passo que a manutenção das metas programáticas

muito vinculadas à dada gestão, sem horizonte estratégico – portanto, vulnerável às

descontinuidades.

Como falado, os PPAs estaduais apresentam diferentes arranjos institucionais, mas também

possuem pontos semelhantes. Carneiro (2015) consegue elencar duas características comuns.

A primeira é o típico protagonismo de uma secretaria de governo específica, normalmente as

secretarias estaduais de planejamento, que mobilizam, articulam e concentram o processo de

elaboração dos planos. A segunda é o envolvimento marcante das secretarias setoriais de

governo, efetivamente responsáveis por imprimir, nos planos, ações programáticas

correspondentes às suas respectivas áreas de atuação. Os gestores do PPA, nesse caso,

reconhecem a expertise das setoriais nas áreas de atuação e contam com o ordenamento

interno de diretrizes programáticas. Cada modelo de elaboração do PPA utiliza um tipo de

sistemática de consolidação de informações advindas das áreas. Alguns estados inclusive

contam com ferramentais virtuais de registro.

Para fechar este tópico, que tangencia o planejamento em contexto subnacional, são

apresentadas as críticas organizadas por Carneiro (2015, p. 302), que repetem muitos dos

pontos de inconsistência atribuídos à prática planejadora do governo federal, que serão

detalhadas na seção adiante. Ao olhar para as experiências estaduais referentes ao PPA 2012-

2015, o autor conclui que a produção do plano “expressa, em larga medida, o cumprimento de

uma formalidade, tendo em vista o papel que lhe é atribuído de informar a elaboração da

programação orçamentária”. E complementa afirmando que o formalismo exacerbado tem

origem na pouca importância política que é atribuída à ação planejadora pelos governantes

estaduais. O desprestígio político guarda relação com dois pontos identificados nas

experiências, também notados no modelo federal, que são eles: a publicação de planos

paralelos e concomitantes, sendo esses os quais efetivamente refletem os anseios e iniciativas

priorizados pelo governante, e o envolvimento inexpressivo ou periférico dos governantes na

construção do PPA.

Esta seção tratou sobre a descrição do modelo de planejamento instituído a partir da

promulgação da Constituição Federal de 1988 e os aspectos básicos de sua implementação na

prática nos ciclos recentes, mais atinente à trajetória do PPA federal. Como observado, a

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função de planejamento foi aprimorada com o tempo, ainda que a cada novo ciclo tenha

apresentado ambos avanços e retrocessos de concepção e resultados, e não tenha superado

completamente muitas disfunções e limitações “tradicionais” do planejamento governamental;

essas que serão abordadas na seção que segue.

Seção 1.3 Aspectos críticos da função de planejamento

público no Brasil

Esta seção tem o objetivo de sintetizar em pontos chaves algumas críticas à função de

planejamento público e à sua trajetória na administração pública brasileira a partir de ampla

revisão teórica, e está organizada em seis críticas abrangentes, agrupadas à medida que os

temas são lançados pelos autores selecionados. As críticas têm perspectivas específicas, sendo

elas basicamente as disfunções do planejamento público, que representam falhas na estrutura

constitutiva, e as limitações da função, em que figuram situações de desdobramento

inapropriado. Respectivamente, são exemplos marcantes dessas perspectivas as disfunções

constitutivas do instrumento do PPA desenhado a partir da Constituição Federal de 1988 e as

limitações perseverantes de alguns determinismos na trajetória da função ao longo do tempo.

As críticas têm, ainda, a perspectiva das problemáticas de enfoque, em que a atitude impressa

no processo se desvia da essência da função, como quando o planejamento é orientado quase

exclusivamente para a questão técnico-orçamentária. A seção então busca dar os contornos da

crítica feita ao planejamento aqui apelidado de “tradicional”, isto é, oriundo do contexto pré-

constitucional, e apresentar os indícios de reprodução das limitações nos planos plurianuais

(PPAs) federais.

Compreende-se que, para provocar a investigação sobre a ressignificação do planejamento

público a partir da democracia, é necessário delimitar um ponto de partida, representado,

nesse caso, pelo legado negativo da trajetória da função de planejamento. Entretanto, é

importante informar que a pesquisa foi realizada tomando como base modelos de análise

oriundos da teoria da democracia, e que, portanto, responde aos indicadores específicos da

teoria, não diretamente às disfunções, limitações e problemáticas de enfoque que serão aqui

apresentados. Todavia, toda a análise é interveniente e se influencia mutuamente; inclusive,

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ao final da pesquisa são apresentados temas lançados pelos entrevistados que respondem

qualitativamente a alguns itens desta seção.

1.3.1 Resistência à mudança: limitações tradicionais do

planejamento e disfunções constitutivas do PPA

A seção referente ao resgate histórico do planejamento público apresentou as iniciativas

alternadas de rompimento e de transformação afirmativa da função entre os anos 30 e os anos

atuais. Sabe-se, portanto, que a trajetória da administração pública brasileira foi marcada por

pontos de inflexão que, em bases, conceitos e pressupostos distintos, foram responsáveis ora

por elevar ora por esvaziar o planejamento governamental. Sabe-se também que essa trajetória

foi deixando arraigados vícios e costumes que comprometem as tentativas de mudanças mais

estruturais, assim como legados negativos que impactam na efetividade, no caso, do

planejamento público. Por outro lado, elementos constitutivos do processo de mudança

também podem prejudicar a efetividade. O que este item da seção busca ponderar é que o

ponto de inflexão representado pela Constituição Federal de 1988 no tocante ao planejamento

público é tanto passivo quanto ativo na produção de inconsistências, ou seja, tanto sofre

interferências dos legados negativos dos períodos anteriores, sobretudo do planejamento na

ditadura militar, quanto incentiva a produção de disfunções que são características dos

elementos constitutivos do instrumento de PPA.

Nos últimos anos, muitos afirmam “que o planejamento governamental morreu junto com o

fim da ditadura militar e que agora é a hora da gestão”, segundo revisão de Garcia e Cardoso

Junior (2015, p. 81). A afirmativa sobre a “morte” do planejamento governamental em tempos

recentes é carregada de sentido. Primeiro, sugere que planejamento e gestão são mesmo

rotinas difíceis de coexistir. Segundo, sugere que, se o planejamento “esteve vivo” somente na

ditadura militar, é indicativo de que o regime autoritário poderia ter elementos fertilizantes

para o planejamento público. Nesse último sentido, portanto, o planejamento seria

compreendido como um “reducionista processo de comando e controle, necessariamente

autoritário e impossível de ser exercitado em ambientes democráticos”.

O regime militar de fato contribuiu para a ascensão da Era de Ouro do Planejamento; evento

que indica que não foram deixados somente legados negativos. Pelo contrário, entre 1950 e

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1970 praticou-se uma maturidade de planejamento ímpar na trajetória da função. A Era de

Ouro, ao contrário das décadas recentes, posicionou a função com primazia frente à gestão e

valorizou os planos como orientadores do desenvolvimento nacional. Mesmo não sendo

consenso na literatura, duas características ditas como positivas do planejamento durante o

regime são apropriadas a partir da revisão de Rezende (2011, p. 202), quais sejam: “a

liderança do processo de elaboração e execução do plano, [que supostamente estaria] sob a

supervisão direta do Presidente da República”; e “a instituição de um sistema eficiente de

coordenação, execução, acompanhamento e avaliação dos programas e projetos contemplados

no plano”. Nesse último caso, a estruturação de sistemas de coordenação, execução, entre

outros, pode ter de fato ocorrido, mas não constituindo necessariamente um sistema eficiente,

tampouco um sistema que conseguisse abrigar a complexidade de respostas à sociedade atual.

Já a liderança centralizada do processo de elaboração e execução do plano como mote de

sucesso do planejamento é algo ainda mais questionável. As tentativas de democratizar o

planejamento público se caracterizam por pontos de discordância dessa lógica de

centralização. Isso é reforçado pelo fato de coexistirem, então, a crítica ao “autoritarismo-

tecnoburocrático” citado por Cardoso Junior (2014), em curso na Era de Ouro do

Planejamento, o esgotamento desse modelo e a necessidade preeminente de resgatar a

notoriedade da função de planejamento em moldes mais democráticos. De forma

aparentemente contraditória, a Era de Ouro teve vazão em governos autoritários, ao passo que

as iniciativas recentes de planejamento buscam agregar efetividade à função por meio da

adoção do componente participativo, mais democrático. Será possível então preencher e, mais

ainda, ressignificar o planejamento público em contornos mais democráticos? Mitigar o

caráter centralizador e tornar o processo de planejar mais perene às demandas da sociedade

são condutas sugeridas como necessárias à efetividade do planejamento, a partir das

referências dialogadas com a literatura de democracia e participação – as referências e

intencionalidades do planejamento democrático serão tratadas mais adiante neste trabalho.

No encalço dessa relativização, Garcia e Cardoso Junior (2015, p. 81) também defendem que

sejam lembrados os processos de aprendizagem recentes, apoiados em um “rico movimento

de produção de novos conceitos, métodos, técnicas, sistemas operacionais do planejamento

estratégico público”. Os críticos aos quais se referem os autores, aqueles que apontam a

“morte” do planejamento governamental, parecem desprezar as iniciativas e experiências

exitosas de planejamento empreendidas já no regime democrático por diferentes esferas de

governo e entidades públicas, e ainda recheadas de conteúdo. Isso demonstra que planejar em

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contexto democrático é possível e que, como tratado na seção de histórico, o planejamento tal

como realizado na ditadura militar pode ter alcançado sucesso mais em razão de uma

sociedade menos complexa que pela alta discricionariedade do ente central. O capítulo deste

trabalho que dialoga com a literatura da democracia deve apresentar ao menos o potencial de

resposta desse modelo à pluralidade de anseios e interesses da sociedade mais complexa.

Garcia não se arrisca a tecer conclusões mais definitivas sobre o alcance da função, dado que

o reordenamento governamental federal, representado pelos instrumentos de planejamento

impostos pela CF-88, ainda está no início e se estruturando aos poucos. Somente atesta o salto

de qualidade, afirmando significativos avanços e o rompimento da inércia com que era levado

o planejamento no período anterior. Segundo o autor (2015b, p. 51), ainda não se constitui

como um sistema pleno e, longe disso, adequado aos requisitos complexos de governar

sociedades democráticas, ou ainda “de um sistema de planejamento que tenha superado o

economicismo, que incorpore o cálculo político, que disponha de um sistema de direção

estratégica”, entre outros. Todavia, se constitui como um sistema muito superior ao praticado

até então, que tem se espelhado e, com sucesso, se equiparado às iniciativas de países mais

organizados e mais orientados para a dimensão estratégica da administração pública.

É inegável que o PPA sofra de limitações que são herdadas da estrutura de planejamento

anterior, apelidadas aqui de “tradicionais”, como é ocasionado pelo viés economicista imposto

em toda a trajetória da função. Porém, é necessário ponderar que muitas limitações – ou, pelo

conceito, muitas disfunções – são decorrentes de falhas conceituais e estruturais do próprio

desenho do instrumento de planejamento plurianual. Por exemplo, em relação às temáticas de

controle, gestão e orçamento, Santos et al (2015) apontam falhas na organização da estrutura

de informações, como fruto de um apelo pela formalização do instrumento, que impactam

sobremaneira o alcance do planejamento. Essa estrutura limitaria o PPA a um instrumento

formal que sequer informa satisfatoriamente as metas do governo. Curioso notar, nesse

sentido, que as grandes missões e metas que o governo se impõe em peças de ordenamento

programático normalmente são apresentadas nas mensagens presidenciais que fazem a

abertura do Projeto de Lei, em ato de encaminhamento ao Congresso Nacional. Ou seja, os

compromissos supremos do governo com um projeto de país e a devida carta de intenções não

estão contidos na peça de planejamento, muito em função da obrigatoriedade de estruturação

formal do PPA que não compatibiliza ações e estratégia.

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Outro fator que se destaca como disfunção típica do PPA, já evidenciada na primeira seção do

trabalho, corresponde à falta de regulamentação dos dispositivos constitucionais, que

compromete a organização e os procedimentos do planejamento governamental sob a lógica

do instrumento plurianual (GARCIA, 2015b). Essa obrigação “vem sendo postergada, com

grande prejuízo para os governantes, o povo brasileiro e a própria democracia”, posto que “é

direito do cidadão saber por quais caminhos e para qual futuro o país está sendo conduzido”.

Essa falha é vinculada à anterior na medida em que prejudica o potencial de informação dos

planos. Ignora-se a prerrogativa do PPA em dar publicidade ao “programa do governo e o

plano estratégico de desenvolvimento” (Idem, p. 76). Em contraposição a um projeto

democrático e desenvolvimentista, essas e outras disfunções constitutivas do PPA parecem

forçar avanços somente incrementais no planejamento público nacional.

Independentemente de limitações tradicionais (legados prejudiciais de períodos anteriores) ou

de disfunções constitutivas do PPA (oriundos de sua própria concepção ou estruturação), as

dificuldades em promover mudanças no planejamento público nacional, assim como em

outras áreas e funções, são bastante associadas a fatores culturais e políticos. Neste ponto do

item confluem-se ambas as perspectivas das limitações e disfunções do planejamento público

para a temática da resistência à mudança, com seguinte entendimento principal: as razões para

as limitações no planejamento ou mudanças tão somente incrementais decorrem de esforços

conservadores de manutenção dos status sociais, econômicos e da própria administração

pública, na figura do papel do Estado nas relações.

Com o anseio de responder aos porquês das limitações nas transformações do planejamento

público a partir da reformulação da função na CF-88, Garcia (2015a, p. 51) apresenta

assertivas genéricas sobre padrões culturais e políticos que resistem aos processos de

mudanças. Alterar um sistema, no caso, sistema de planejamento, é uma “tarefa hercúlea”. A

mudança, se comprometida de fato com a movimentação de raízes profundas no cenário

político-administrativo nacional, tal como pressuposto em múltiplas dimensões pela teoria

democrática, “tem que se dar primeiro nas mentalidades”, e “mudar cabeças não é fácil”. A

mudança “demanda estudo, discussão, reflexão, testes práticos, capacidade de aprender com o

erro”. Ainda, demanda a elaboração de processos e rotinas de trabalho que “corporifiquem e

deem vazão ao processo transformador”, e que garantam funcionamento à novidade e

dinâmica à mudança. Essa discussão leva a crer que sempre se faz necessário mudar ou

adequar a estrutura pública para abrigar a mudança, mas longe está de contar exclusivamente

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com reformas administrativas para isso – essas que se “atém aos organogramas e esquecem o

resto”.

Maia e Melo (2015, p. 144), por sua vez, atribuem a culpa pelo engessamento do sistema à

falta de cultura de planejamento da administração pública federal e à dificuldade tradicional

imensa de organização de políticas e programas para a orientação de médio e longo prazos.

Essas razões são explicadas pelo “imediatismo social e político que permeia o processo de

planejamento, o que resulta na falta de sistematização desse processo e na elaboração de

planos que não obedecem a critério previamente definidos”. Ocorre com isso uma

obscuridade da direção pretendida pelas políticas e a baixa permeabilidade dos planos às

escolhas democráticas. Ainda que de forma relativa, essas escolhas seriam viabilizadas pelo

papel atuante do Congresso Nacional, o que não é a realidade. Assim, sem clareza de direção

e sem ingredientes da democracia, os planos perdem sua essência de legitimidade – nada mais

grave para seu sucesso. Supõe-se, com isso, que a democracia seja um componente relevante

para a mudança de cultura de planejamento na administração pública.

Os artifícios contidos em ambas as explicações para a resistência à mudança, primeiro de

Garcia (2015a) acerca de mudanças culturais de um sistema, e depois de Maia e Melo (2015)

sobre a baixa carga de democracia implantada no planejamento, remetem, sugere-se aqui, às

configurações tradicionais de toda a administração pública brasileira, explicada neste e em

outros itens do trabalho. Supondo uma atuação consciente da alta gestão sobre os impactos da

transformação ativa do planejamento, será que a resistência não é dada de forma oportunística

por políticos e agentes públicos? O questionamento é motivado pela sugestão de que suas

ambições são voltadas à manutenção do status e dos tipos de políticas empreendidas. Dessa

forma, a resistência à mudança no que tange aos políticos e agentes públicos poderiam refletir

ou ser fruto das investidas quase sempre conservadoras de manutenção de poder.

1.3.2 Planejamento versus gestão: o esvaziamento da função

nas últimas décadas

Como já fora introduzido nas seções anteriores, existe uma limitação que é representada pela

dicotomia e alternância entre planejamento e gestão governamental no Brasil, tratada em

profundidade por Cardoso Junior (2011) e que ajuda a compreensão do esvaziamento da

função nas últimas décadas no presente trabalho. A ideia central é a de que existem dois lados

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que são priorizados de forma alternada ao longo da história do século XX no país. Segundo

essa proposição analítica desenvolvida pelo autor11

, de um lado se tem a lógica do

planejamento, cujo mote é a preponderância da esfera política, da dimensão estratégica do

Estado e de uma perspectiva temática – o quê, não o como – das ações governamentais. E de

outro lado se tem a lógica da gestão pública, representada pela esfera tática operacional, pelo

apego aos meios e aos resultados e pelos instrumentos de avaliação.

Ambas as perspectivas são alternadamente lançadas pelos governos em períodos específicos,

e têm manifestação não coincidente. Com um olhar sobre a agenda macro de gestão

governamental no Brasil é possível observar uma pendulação desses ciclos, ora para o lado do

planejamento, ora para o lado da gestão. De forma indireta e nas entrelinhas está posto um

confronto entre a “dimensão propriamente operacional do ciclo e sua ênfase em aspectos

centrados em efetividade, eficácia e eficiência das políticas públicas e, por outro, a dimensão

estratégica ou política do ciclo” (CARDOSO JUNIOR, 2011, p. 45). O esvaziamento da

função de planejamento é em parte reflexo dessa alternância, uma vez que a notoriedade da

função – e o glamour dos grandes planos nacionais de desenvolvimento com orientação

econômica – foi ruindo juntamente com o autoritarismo da Ditadura Militar, cedendo lugar à

gestão. Nas últimas décadas, principalmente a partir do final da década de 80, pouco

neutralizada dos anos 2000 em diante, a ênfase foi dada nos meios e nos instrumentos, e a

agenda pendulou para o lado da gestão pública, mediante a dominância da agenda do

gerencialismo e da reforma do Estado, contribuindo para o esvaziamento da função de

planejamento governamental e de toda a sua carga subjetiva de política, de conteúdo temático

e de estratégia de desenvolvimento nacional (CARDOSO JUNIOR, 2011).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, buscou-se estruturar a formalização da

função de planejamento, como fruto da necessidade preeminente de racionalizar o processo

decisório e de apoiá-lo em bases mais democráticas, substituindo o antigo formato aleatório e

discricionário (CARNEIRO, 2015). Cardoso Junior (2011) defende que a formalização do

planejamento contribuiu para o seu esvaziamento enquanto função, por se tratar de um

sistema formal mais operacional e com vinculação orçamentária. Nesse sentido, mesmo que a

formalização seja fruto da Constituinte, em processo permeado sobremaneira de conteúdo

temático – com a manifestação de movimentos que deram origem às áreas sociais

contempladas nos dispositivos constitucionais, como Saúde e Educação –, a obrigatoriedade

11

Teoria organizada em texto “Planejamento Governamental e Gestão Pública no Brasil: elementos para

ressignificar o debate e capacitar o Estado”, publicado pelo IPEA em 2011.

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de ação governamental em consonância com planos orçamentários subordinou a dimensão

política e suas instituições aos formalismos do orçamento público. De acordo com Cardoso

Junior (2011, p. 51), “ganharam primazia a gestão e a construção de suas instituições,

desprovidas, porém, de sentido ou conteúdo estratégico, isto é, ênfase em racionalização de

procedimentos e submissão do planejamento à lógica físico-financeira da gestão

orçamentária”.

Apesar dessa perspectiva, existem razões plausíveis para acreditar-se que não foi o processo

de formalização do planejamento o fator determinante para o esvaziamento da função, apesar

de contribuir, mas sim a agenda gerencialista que foi priorizada na década de 90 e a sua

orientação para a gestão pública. Ainda em contexto de pós-redemocratização e com a

discussão dos termos do planejamento público, reconhecendo sua relevância, a função é

forçada a disputar centralidade com aspectos da gestão que, à época, pareciam ter potencial de

dar respostas mais assertivas à crise fiscal e aos problemas de natureza econômica. Nessa

disputa também se inserem os planos plurianuais, cuja formalização exige sua realização

pelos governos, mas não a sua centralidade em orientar a programação governamental. Foram

sim, em muitos ciclos, meros cumprimentos formais, sem aderência à prática da ação

governamental.

A partir dos anos 2000, e especialmente no governo Lula, o Estado sofreu os reflexos do

desmantelamento do planejamento iniciado na década de 90. Com a ascensão de uma nova

proposta e modelo de desenvolvimento, apoiado na inclusão e desenvolvimento social, o

debate sobre a função voltou à tona e esforços pela elaboração “mais política” das peças

plurianuais foram empreendidos. Apesar disso, no entanto, os PPAs careceram de condições

adequadas para a implementação efetiva, parte devido às limitações financeiras e parte por

conta da ausência do aparato que sustentava a função no passado, quando o planejamento

estava imerso em um contínuo de anseios e vislumbramento do desenvolvimento nacional. Se

considerada, portanto, a discussão empreendida por Cardoso Junior (2011) sobre a alternância

entre planejamento e gestão ao longo da história recente do Brasil, é possível atribuir parte da

responsabilidade pelo desmantelamento do primeiro à preponderância da gestão na década de

90.

Apesar desse cenário de desagregação de sentido dos planejamentos governamentais, as

conclusões do autor são otimistas e caminham para a seguinte direção: uma vez superada a

onda neoliberal incorporada nas décadas de 80 e 90 no Brasil, bem como “suas crenças

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ingênuas em torno de uma concepção minimalista de Estado, torna-se crucial voltar a discutir

o tema da natureza, dos alcances e dos limites do Estado” (CARDOSO JUNIOR, 2011, p. 49),

e ainda os temas referentes ao planejamento e à gestão das políticas públicas no capitalismo

brasileiro contemporâneo (CARDOSO JUNIOR, 2011). Em sentido normativo, o autor

argumenta que a prática de planejamento governamental deve resgatar esses temas e

recuperar, nas agendas nacionais, a “visão de que o Estado é parte constituinte (...) do sistema

social e econômico das nações, sendo – em contextos históricos tais quais o brasileiro –

particularmente decisivo na formulação e na condução de estratégias virtuosas de

desenvolvimento” (CARDOSO JUNIOR, 2011, p. 50).

Cardoso Júnior (2011) deixa com essa proposição analítica importantes reflexões. Há um

reconhecimento de que, primeiro, o Estado é importante para gerir o desenvolvimento

nacional, em detrimento das estratégias de mercado impostas ao setor público por meio do

gerencialismo, e, segundo, o planejamento governamental pressupõe discussões temáticas e

esferas políticas que justamente legitimam essa atuação do Estado. O autor também sugere,

por fim, que o esvaziamento da função tem potencial de influir em um amplo processo de

aprendizagem institucional para revisões de conceitos e de funcionamento. Espelhando o

otimismo do autor, se for considerado que tais reconhecimentos estão em curso desde o início

dos anos 2000, pode também estar em curso, ainda que a passos lentos, a recuperação e a

ressignificação do planejamento governamental no Brasil.

1.3.3 Planejamento versus plano: processo e produto;

integrados e não sobrepostos

Outra limitação que pode ser organizada e apresentada neste trabalho é a confusão de

entendimento sobre planejamento e plano, sendo representada pela pouca compreensão ou

respeito às distinções entre o planejamento como processo, dotado de uma função do governo,

e o produto inicial desse processo, representado pelo plano. A confusão, aparentemente

terminológica, na verdade carrega um conjunto de desentendimentos acerca do alcance do

planejamento enquanto orientador e fomentador da efetividade das ações governamentais. O

não reconhecimento do planejamento como um processo contínuo de escolhas, de checks and

balances, e como um exercício essencialmente político, alimenta um caráter de pontualidade e

um rigor de formalidade à função, resultando recorrentemente em um documento-plano de

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prateleira. O caráter reducionista desse último, por sua vez, fora de uma compreensão e um

escopo de planejamento mais amplo, contribui para limitar a dimensão estratégica tanto da

função quanto das peças programáticas elaboradas a partir dela.

Não há um consenso na literatura sobre as definições e alcance dos termos. Souza (1994 apud

BERCOVICI, 2015, p. 27), por exemplo, considera que o planejamento é processo, enquanto

o plano é a concretização desse processo. Assim, o plano se desdobra na expressão da política

do Estado, ilustrando um direcionamento político específico e uma vontade geral da gestão.

Por isso, o plano “deve estar de acordo com a ideologia constitucional adotada”

(BERCOVICI, 2015, p. 19) e, sugere-se, com um projeto de país e uma visão de futuro

definidos. Souza (1994 apud BERCOVICI, 2015, p. 27) então atribui um destaque especial ao

plano no ordenamento governamental, mas faz ponderações sobre seu alcance: “a insistência

na elaboração de planos que não são cumpridos deve-se à concepção de que o planejamento

só se viabiliza com planos determinados, quantificados minuciosamente”.

Embora seja uma visão interessante, o plano somente pode ser a concretização se considerado

o planejamento como uma função realizada ex-ante à implementação dos programas e

políticas, não como aquela que fomenta a retroalimentação do ciclo12

das políticas públicas, a

qualquer tempo, como uma atividade contínua. Como já explicado na seção inicial, a função

de planejamento pode ir além do desenho de ações governamentais, tomando para si

responsabilidades ímpares na coordenação e racionalização contínua da atuação do Estado e,

mais ainda, provocando um questionamento útil e permanente sobre os fins dessa atuação, em

uma perspectiva de autoavaliação crítica. O planejamento guardaria sob esse aspecto a missão

de construir e desconstruir incessantemente a programação governamental de modo a

(re)conduzir e (re)colocar o Estado nos rumos da proposta de desenvolvimento almejada, o

que requer, ainda, que o processo de planejar seja acompanhado de vontade política. Nesse

caminho, parece plausível defender a centralidade do planejamento em detrimento do plano,

taxando-o de fato como produto da atividade contínua.

É importante lembrar que a formalização do instrumento do PPA impôs à função um caráter

obrigatório e pressupôs a sua articulação com a LDO e a LOA, que são instrumentos

complementares de curto prazo que devem promover interações sistemáticas com o

12

Na perspectiva do ciclo das políticas públicas (FREY, 2000), por meio de um processo que combina política e

administração, existem etapas parciais ou intermediárias encadeadas que são fundamentais para a execução e

acompanhamento das políticas. Uma visão geral na teoria das políticas públicas certamente apontaria de forma

simplificada as seguintes etapas do ciclo: identificação de problemas/ formação de agenda, formulação,

implementação, monitoramento e avaliação.

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65

planejamento. Isso contribui para afirmar o planejamento como atividade contínua, mas

defronta-se com algumas disfunções constitutivas graves do PPA. Os contornos normativos

da Constituição Federal, a ausência de regulamentação dos planos e a metodologia adotada na

construção dos PPAs aprofundam o descolamento entre a função e as peças plurianuais.

Garcia (2015b, p. 66) afirma sobre isso que, nos últimos anos, uma excessiva normatização

imposta pela gestão central aprofundou o “fosso entre o plano – incluindo-se o orçamento e

supondo-se conter os elementos essenciais à sua gestão – e o planejamento, entendido como o

processo incessante de manter o plano vigente, no dia a dia”. Entende-se que o “fosso”

também se aprofundou pelo fato de todo o arcabouço normativo estar imerso em uma

concepção extremamente reducionista de planejamento público. Por esse caminho, essa linha

teórica reivindica que ambos, planejamento e plano, devem ser integrados em um processo de

construção da estratégia de desenvolvimento, e nunca sobrepostos, principalmente o plano

sobre a função.

Além da normatização, pontua Garcia (2015b, p. 66) que também foi marcante nos últimos

ciclos de elaboração do PPA federal a “negação da natureza necessariamente seletiva do

planejamento”, apresentando um grau de detalhamento incompatível com uma orientação

esperada de projeto de país, com programas e ações relacionadas de forma exaustiva e com

excessiva setorialização. Como resultado, revela-se o PPA um plano dos “feudos corporativo-

burocráticos”, de pouca aderência prática e incompatível com a função de planejar, além de

reafirma-se “o caráter plurianual de despesas”. Outras assertivas de Garcia acerca de impasses

ao planejamento se dão pela imposição de níveis acentuados de dispersão, improvisação e

progressivas dificuldades de coordenação dos programas, isso tudo com “grande prejuízo para

a eficácia global do governo e, consequentemente, para a sociedade”. Essas limitações

superam o debate acerca do planejamento versus plano e serão mais trabalhadas adiante.

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66

1.3.4 Ponderações à dimensão estratégica do planejamento:

prisão técnica-orçamentária e horizonte de médio prazo

Muito interveniente à limitação anterior é a crítica sobre o baixo alcance empírico da

dimensão estratégica13

do planejamento governamental plurianual em relação ao que foi

vislumbrado pelos constituintes. O PPA foi concebido com uma proposta de formalização e

aprimoramento do planejamento público, com intenções de tornar-se o principal instrumento

de ordenamento da ação governamental. Para isso, estaria apoiado, em grande medida, em

uma dimensão estratégica, aliada a uma visão holística da gestão e uma visão de futuro de

país, estabelecendo metas com horizonte de médio prazo, mas com potencial de

transformação da realidade a longo prazo (PAULO, 2010; REZENDE, 2011). As limitações

remanescentes do planejamento de que trata esta seção, entretanto, reconhecem resistências e

inconsistências na dimensão estratégica do PPA nos dias atuais.

O princípio da estratégia pressupõe, segundo Paulo (2010), uma sequência lógica de

elaboração e uso do PPA. Num plano ideal, do ponto de vista do que o autor extraiu das

intenções originárias do instrumento na Constituinte, a construção do PPA deveria partir dos

programas que foram defendidos em plano de governo durante a campanha eleitoral, passando

pela definição de diretrizes estratégicas para cada setor, “de forma que seja criado um grupo

sinérgico e cooperativo entre as políticas governamentais”, e por fim seriam “definidas as

políticas propriamente ditas, que serão materializadas por meio de programas e ações

(orçamentárias ou não) que os compõem”; tudo isso sendo balizado em consonância com uma

“projeção do cenário fiscal para o período do plano, de forma a dimensionar a disponibilidade

de recursos orçamentários para a implementação dos programas” (PAULO, 2010, p. 175-

176).

Entretanto, o instrumento do PPA instituído pela Constituição Federal de 1988, admite o autor

(PAULO, 2010, p. 171-173), “ainda padece de uma crise de identidade”, e o “reconhecimento

do caráter estratégico do PPA ainda encontra resistência, seja no âmbito da administração,

seja entre estudiosos, parlamentares e especialistas”. Apoiado em Garcia (2000), ele afirma

13

Uma definição possível para essa dimensão estratégica é dada por Rezende (2011, p. 205) como “o

estabelecimento de uma sequência de procedimentos que se inicia com a identificação das prioridades nacionais,

a tradução dessas prioridades em objetivos a serem perseguidos em um dado horizonte de tempo, a definição do

que precisa ser feito para alcançar esses objetivos, o estabelecimento de etapas e das respectivas metas a serem

atingidas para esse fim e a seleção de indicadores a serem utilizados para monitorar os resultados obtidos e

propor os ajustes devidos, quando necessário”.

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que em décadas de existência o plano ainda não configura um instrumento que concilia e

fortalece ambos, planejamento e gestão estratégica, muito devido à “concepção normativa e

reducionista de planejamento, herdada do período militar”, que inclusive vincula a elaboração

do plano à seção destinada aos orçamentos na CF-88. Vale lembrar, como dito na revisão

teórica do planejamento, que o período militar deu sentido e centralidade às peças de

desenvolvimento nacional, mas o regime deixou um legado nocivo à função de planejar para

as décadas futuras.

A intencionalidade da Constituinte percorria soluções às preocupações orçamentárias. O PPA

surgiu com um papel de orientação das peças orçamentárias, afinado com o propósito de

inseri-las e subordiná-las ao planejamento público de médio prazo, assim como de garantir a

integração positiva entre plano e orçamento. Porém, alguns fatores determinantes do período

pós-constitucional corroboraram para neutralizar a intencionalidade original, entre eles a

necessidade de ajustar as contas públicas e a prerrogativa de cumprimento de metas fiscais

pelo governo (PAULO, 2010; REZENDE, 2011), fruto de um “longo predomínio das

preocupações com a estabilidade macroeconômica e o consequente direcionamento do foco

das atenções governamentais para o curto prazo” (REZENDE, 2011, p. 203). Nesse cenário, a

dimensão estratégica do planejamento plurianual sofreu duros golpes, e soluções remediáveis

e imediatistas ganharam a cena na gestão governamental.

Além dessa inflexão na gestão pública federal, Rezende (2011, p. 197) aponta outra razão

para a perda da dimensão estratégica do planejamento: o horizonte de médio prazo,

caracterizado pelo prazo de vigência de quatro anos do planejamento plurianual. Segundo o

autor, esse tempo é muito curto para abrigar ações estratégicas e, sem dúvida, muito restrito

para acomodar uma visão adequada e ampla de planejamento público. O PPA, com o prazo de

quatro anos por ele abrangido, teria sido incapaz de recuperar a função de planejamento – essa

fundada em uma visão estratégica de longo prazo – que estivesse à altura dos desafios do

desenvolvimento brasileiro. Categoricamente, essa crítica revela uma suposta “missão fim” do

instrumento: o PPA na verdade acomoda tão somente prioridades orçamentárias.

Considerando isso, “ao estipular que nenhum projeto que ultrapasse o período de um ano seja

incluído no orçamento sem estar contemplado no PPA”, mesmo isso se tratando de uma

inovação bem intencionada, a regra acaba fazendo com que o plano “seja elaborado para

abrigar qualquer demanda surgida por ocasião da elaboração dos orçamentos anuais”,

inviabilizando a articulação do PPA com o planejamento de longo prazo.

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O baixo alcance empírico da dimensão estratégica do planejamento governamental contribui

para frustrar “os bem-intencionados esforços de traçar uma estratégia de desenvolvimento

comprometida com a questão social” (REZENDE, 2011, p. 203). Se analisado o período pós-

2000, no qual já se manifestavam desejos pela ressignificação do planejamento público e

investidas metodológicas mais amadurecidas, é ainda mais preocupante identificar limitações

à estratégia nos PPAs de 2003-2007 e 2008. Respectivamente, trata-se de um plano voltado

para o crescimento baseado no consumo de massas e outro voltado para inclusão social e

redução de desigualdades; ambos, portanto, relacionados a desafios que não se alcançam, de

forma alguma, no horizonte engessado de médio prazo. Esses planos não passaram, na prática,

segundo Rezende (2011, p. 203), de “documentos preparados com seriedade, mas despidos de

quaisquer chances de execução, exibindo forte contraste entre as respectivas ambições,

espelhadas na multiplicidade de macro-objetivos, desafios, programas”, entre outros. Em

outra medida, é preciso considerar que existe o desafio de conciliar a multiplicidade de

intervenções esperadas do governo e a “necessidade” de acomodá-las no plano, o que

contribui para transformar o plano quase naturalmente em um acolchoado de grandes

intenções.

Valendo-se novamente dos planos de 2003-2007 e 2008-2011, outro exemplo do possível

descrédito da função pode ser citado no que tange à dimensão estratégica: vem acontecendo o

exercício concomitante de publicar estratégias nacionais em outras peças de planejamento. De

acordo com Paulo (2010, p. 180), o descrédito ficou mais evidente a partir de 2007, com o

lançamento de planos paralelos à função empenhada pelo Ministério do Planejamento, nas

figuras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Programa de Desenvolvimento

da Educação (PDE) e da Agenda Social (AS). Com tais publicações – essas sim, talvez, com

uma dimensão estratégica (e política) impressa –, “o governo federal elegeu novas formas

para definir e comunicar quais eram as suas prioridades e metas”. Sobre isso é válido notar

que o exercício concomitante de elaboração de planos não só ilustra o baixo alcance da

dimensão estratégica do PPA quanto imprime mais limitações à função de planejamento

público enquanto ordenadora da ação governamental com horizonte de longo prazo – e

também na articulação dessas atividades planejadoras com distintos horizontes temporais.

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69

1.3.5 Planejamento versus implementação: descompasso

entre intenções e capacidades

A limitação do planejamento público de que trata este item diz respeito basicamente à baixa

articulação entre o planejamento e a capacidade de implementação de políticas e programas,

usando para a exposição um recorte breve na argumentação dos autores selecionados para o

embasamento do planejamento público. De modo complementar o item também problematiza

a distância significativa entre o que é alimentado de objetivos e metas em instrumentos de

planejamento, especialmente os PPAs, e o que é efetivado na realidade. São apresentadas

questões sobre a estrutura administrativa do Estado incompatível com desejos de mudança –

se é que eles existem; como dito anteriormente, há resistências à mudança – e capacidades de

gestão pouco frutíferas para a implementação dos programas desenhados.

O governo tradicionalmente dispõe de instrumentos limitados para levar adiante o projeto de

país esboçado em planos, ainda que ao menos tente dar centralidade à função de

planejamento, e também existem problemas de seletividade na implementação das políticas e

muitas deficiências na gestão (REZENDE, 2011). Essa avaliação desperta um questionamento

caro ao presente trabalho, no sentido de que a melhoria do processo de elaboração do plano,

isto é, do ato de planejar, ou até mesmo da afirmação da função, parece não garantir que seja

colocado em prática o planejamento governamental. Assim, caberia o fomento à correção dos

descompassos entre as intenções e as capacidades de implementação. Essa temática é bem

sensível, e será somente tangenciada neste item, posto que a essência da investigação do

presente trabalho não foca nos resultados de implementação, mas na ressignificação do ato de

planejar. Sob essa perspectiva, reivindica-se aqui que a efetividade como instrumento de

ordenamento da ação governamental pode também estar atrelada à qualificação de seu

processo de elaboração, como por meio da adoção do componente participativo e do

aprofundamento da democracia.

A formalização do planejamento governamental a partir da promulgação da Constituição

Federal de 1988 foi permeada por grandes expectativas de mudança – social, econômica e

política. Todavia, eventos e resultados da história recente demonstram as limitações de

alcance desses desejos, entre outros fatores, devido às limitadas capacidades de

implementação das cartas de intenções. O relato de Garcia (2015a, p. 17) é oportuno para

iniciar a crítica: “Nossa história é repleta de boas intenções que não se afirmam, de leis que

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não pegam e de reformas que não vingam, por serem esquecidos detalhes conceituais,

processuais, culturais e outros, necessários à sua implementação”. Dessa forma, a crítica

também se refere à desconsideração da realidade cultural, institucional e financeira do Brasil

durante a elaboração das peças de planejamento, o que colabora significativamente para

diminuir o alcance da implementação.

A natureza e a trajetória da estrutura administrativa brasileira definem uma organização

tradicional e conservadora de implementação de políticas, programas e políticas públicas. As

tentativas de mudanças pelas quais passou essa estrutura foram realizadas de forma

improvisada e sem uma definição clara de rumos, colaborando para que as transformações do

Estado e de sua capacidade de induzir o desenvolvimento fossem irrisórias. De acordo com a

revisão de Bercovici (2015, p. 26), a administração pública é orientada pelo “modelo liberal

de proteção dos direitos individuais em face do Estado, não para a implementação dos

princípios e políticas consagrados na Constituição de 1988”, e, por isso, estaria distante de

uma capacidade de resposta às novas pressões e anseios da sociedade, assim como “bem

longe das exigências do desenvolvimento”. A estrutura administrativa conservadora e

desajustada do Estado, pouco orientada para as necessidades de implementação, segundo o

autor, compromete a função de planejar, uma vez que ambas – implementação e planejamento

– são integrantes de um processo interligado e que se retroalimenta.

Outro ponto que chama atenção na análise das limitações do planejamento em relação à

implementação são as capacidades administrativas e de gestão. Com pontos comuns à

exposição de Bercovici, Rezende (2011, p. 206) problematiza os esforços recentes pela

melhoria da administração pública em alguns aspectos: déficit de coordenação entre

planejamento central e execução nas setoriais; apego à disponibilidade financeira; e

desconsideração de “elementos-surpresa”. O primeiro aspecto refere-se à falha na sistemática

de coordenação com as áreas setoriais. De acordo com Rezende (2011, p. 206), “esforços

recentes de melhoria da administração pública voltaram-se com prioridade para os órgãos

centrais, ampliando a diferença entre estes e os órgãos setoriais”, e a modernização dos órgãos

centrais não garantiu uma agenda de fomento e acompanhamento dos programas setoriais,

provocando um descompasso na implementação. Sendo assim, “a gestão pública padece de

ineficiências dos órgãos encarregados da gestão dos programas setoriais e de um déficit de

coordenação”.

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O segundo aspecto, de apego à disponibilidade financeira, se manifesta quando

recorrentemente essa disponibilidade é tratada como a única variável relevante para a

implementação de programas. O autor defende, em contrapartida, que os recursos financeiros

não são os únicos recursos necessários à implementação, mas também os recursos políticos,

normativos, sociais, entre outros, na mesma lógica como o ato de planejar não deve se resumir

ao planejamento orçamentário. Ao contrário da prática, o olhar cuidadoso para a capacidade

de gestão e para os mecanismos adequados e eficazes de coordenação, além de outras

variáveis, é indispensável para o sucesso da implementação (REZENDE, 2011). É curioso

observar a aparente contradição entre esse ponto e o que será apontado adiante: embora os

agentes públicos se preocupem com a disponibilidade financeira na implementação – na hora

de pleitear recursos ou de apresentar “desculpas” para a não implementação de algum

programa –, parecem não considerar a realidade financeira disponível em planejamento.

O terceiro aspecto, dos “elementos-surpresa”, é exemplificado pelo autor por meio de um caso

em que normas ambientais foram desconsideradas em proposta de execução de investimentos,

que fez com que a violação da proteção de populações indígenas provocasse inúmeras

interrupções ao planejado. Nesse aspecto, entende-se que podem ser ignorados elementos que

causam influências na execução de investimentos e que interferem na implementação de

projetos específicos (REZENDE, 2011), dependendo do enfoque dado ao planejamento. A

própria definição de “elementos-surpresa” indica que se trata de elementos não previsíveis e

que naturalmente escapam ao radar do planejamento, o que contribui para relativizar a crítica.

Reforça a limitação um ponto importante da crítica planejamento versus implementação, que

é a desconsideração, em planejamento, de outros elementos da realidade disponível para a

implementação. Com a crítica agravada nesse caso, distintamente dos “elementos-surpresa”,

seriam ignorados elementos conhecidos e previsíveis, de forma intencional ou não

intencional. Segundo Rezende, (2011, p. 203), “a construção de uma visão estratégica não

pode ignorar as limitações que a realidade financeira e institucional impõem à sua

implementação sob pena de perda de credibilidade do esforço de planejamento”, e também

não pode se resumir “à necessidade de integrar planejamento e orçamento, tal como o previsto

nos dispositivos constitucionais”. Todos os aspectos estão interligados e devem ser

considerados para mitigar as limitações entre o esperado no plano e o executado na prática.

No escopo da função de planejamento, tratando especialmente do PPA, Santos, Ventura e

Neto (2015, p. 120-121) problematizam a relação de sobreposição, e não de compatibilidade,

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entre o plano e o orçamento, que gera falhas significativas na implementação dos programas.

Além do descumprimento dos institutos constitucionais, que pressupõem a compatibilidade

entre ambos, a sobreposição cerceia o universo de possibilidades do plano e inviabiliza a

interação com outros institutos de execução das políticas públicas. Os autores afirmam que

existe uma “relação de quase exclusividade do PPA com a LOA”, submetendo o plano ao

orçamento, que acaba por dificultar a missão funcional de planejadores e implementadores na

identificação e reconhecimento da “real dimensão da gestão que deve estar relacionada ao

planejamento”. Nesse sentido, considera-se que, ao passo que a “contribuição do orçamento é

decisiva para a transformação dos sonhos em realidade, também é verdade que as restrições

associadas à dimensão da gestão impedem a implementação das políticas”.

A contribuição analítica de Santos (2011, p. 323-325) acerca da falta de correspondência das

peças de planejamento com a realidade de implementação se dá a partir da crítica do modelo

de formalização imposto pela Constituição Federal de 1988 e o ideal equivocado de

vinculação entre plano e orçamento. Segundo ele, o modelo é baseado em uma expectativa de

que as políticas sejam “efetivadas a partir do orçamento-programa ou do marco lógico e

qualquer outro modelo racional-compreensivo ou misto”. O que se constata recorrentemente,

entretanto, é que a intencionalidade contida nos manuais e receituários de planejamento e

orçamento, insistentemente produzidos pelos órgãos centrais, não se concretiza na prática. O

modelo formal vigente representa um importante ponto de inflexão da função de planejar, mas

não se traduziu em capacidade de apoio ao governo na identificação e no acompanhamento de

prioridades, tampouco em capacidade de implementação das ações desenhadas. Pelo

contrário, “o resultado dessa tentativa de relacionar políticas públicas e orçamento, para o

planejamento, foi a produção de documentos com milhares de informações recortadas”, como

a relação de problemas, objetivos, estratégias e ações, mas com conteúdos de “pouca base

analítica que as justificasse e que, ainda assim, não revelaram vários dos graves dilemas do

Estado”.

A partir das assertivas, torna-se evidente o dilema persistente do esvaziamento de sentido do

planejamento público, tanto em conteúdo quanto em correspondência com a realidade ou

capacidade de implementação. Santos (2011, p. 335) aponta sugestões que vão ao encontro de

movimentos que buscam observar as características que qualificaram não o preenchimento de

instrumentos, mas o planejamento real. Assim, entende-se que a complexidade e a

obscuridade do cenário no qual está imerso o processo impõem grandes desafios ao

planejamento público, a começar pela necessidade de qualificar a dimensão de diagnóstico e

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provocar uma releitura de conceitos e instrumentos. Dessa forma, é recomendada a ênfase “na

relação fundamental que deve haver entre as cartas de intenções (planos) e o universo da

implementação das políticas públicas”, propondo ao planejamento a atribuição de alinhar os

planos ao arcabouço de implementação das políticas públicas para garantir que seja realmente

cumprido.

Por fim, lança-se mão de achados de Paulo (2010, p. 172) para fechar a exposição do

descompasso entre planejamento e implementação com um tema que é pouco tratado pela

literatura, mas de extrema importância para refletir o alcance das funções. Embora o

planejamento seja um exercício essencialmente político, aspectos técnicos e metodológicos

realmente importam para o seu sucesso – “metodologia importa”. A ideia principal é a de que

“quanto melhor a base técnica e metodológica do plano, melhor o debate acerca das políticas

públicas a serem implementadas por meio dele”. O autor vai além: a estrutura e as opções

metodológicas adotadas nos últimos tempos são os responsáveis por afastar os propósitos de

integração entre planejamento e a execução das políticas públicas, tal como idealizados pela

Constituinte. Exemplo disso é o emprego da metodologia por programas adotada após os anos

2000, que, segundo Paulo (2010, p. 180), apresenta duas falhas fundamentais, sendo a

“insistência em preservar o formato ‘puro’ dos programas e a preferência pela universalidade

em lugar da seletividade”. Como “puro” sugere-se a “formatação padronizada e a (...) lógica

dos programas como diretriz central de organização do governo”, muitas vezes incompatíveis

com as organizações reais e com as pressões orçamentárias. Essas críticas destoam das

anteriores, na medida em que enfatizam a dimensão operacional do plano em detrimento de

seu caráter estratégico, mas cuidam de sinalizar entraves à implementação.

1.3.6 Viés economicista do planejamento: reducionismo e

pressão do caráter técnico-orçamentário

Em praticamente todos os itens e seções até então expostos neste trabalho está presente o

conflito entre o planejamento público desejado e o viés economicista com que é submetido

recorrentemente, com ou sem intencionalidade. O fenômeno ocorre algumas vezes de forma

intencional, como no período da Era de Ouro da década de 70, apoiado de forma transparente

na missão desenvolvimentista, e outras vezes de forma não intencional. Símbolo desse último

caso é a tentativa de refundação do planejamento em bases mais democráticas no intento

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constitucional da década de 80, e que inevitavelmente recaiu em desgastes semelhantes.

Assim, as empreitadas de planejamento quase sempre estiveram permeadas por uma

racionalidade econômica, impulsionadas ora pelo anseio de desenvolvimento nacional, ora

pela necessidade de crescimento econômico, ou ainda devido aos múltiplos cenários de

restrições nos quais esteve imerso o Brasil ao longo de sua história. Este item apoia-se em um

conjunto selecionado de autores críticos do viés economicista do planejamento para

sistematizar e apresentar, de forma não exaustiva, alguns pontos julgados essenciais para o

debate, considerando a priori a assertiva de que esse viés impõe limitações à função de

planejar e ao seu alcance. Nesse caso, a crítica é apresentada menos como disfunção ou

limitação, e mais como uma problemática de enfoque do planejamento público.

Decorrente de um esforço de sintetizar algumas disfunções do instrumento dos planos

plurianuais, Garcia organizou dois textos em coletânea do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) em 2015 (a/b), o primeiro tratando da reorganização do processo de

planejamento do governo federal a partir do ciclo 2000-2003 e outro intitulado “PPA: o que

não é e o que pode ser”, com enfoque no ciclo 2012-2015, embora com ponderações que

dialogam com a concepção do instrumento e até mesmo com a intencionalidade da

Constituinte. Sobre o viés economicista, é marcante em todas as assertivas do autor – e como

aspecto que abriga, como um guarda-chuva, as críticas dos demais autores – a seguinte noção:

tradicionalmente, os únicos recursos abrangidos no olhar planejador são os econômicos. Ao

longo da história do planejamento nacional, as peças e planos de desenvolvimento foram se

amadurecendo a partir da técnica de racionalização da aplicação de recursos, esses

exclusivamente econômicos. O exercício não extrapola o planejamento para outras dimensões

sociais e políticas, entendidas, assim como seus respectivos recursos, necessários “à condução

de uma sociedade multidimensional, mas uma”, impondo-se assim o reducionismo (GARCIA,

2015a, p. 20).

Foi pouco diferente no cenário pós-constitucional, com a formalização do instrumento de

PPA. O viés econômico do planejamento à época também se impõe às dimensões sociais e

políticas da realidade, conduzindo o Estado à cegueira unidimensional. Garcia (2015b, p. 55)

faz a crítica afirmando que o “único olho (do Estado) é o econômico, e está nublado, seu agir

será errático, sem direção, ainda quando faça uso de outros recursos que não os econômicos

ou quando atue em outros âmbitos da realidade”. Segundo ele, foi essa orientação que o

governo federal seguiu para conduzir o enfrentamento da crise fiscal da década de 90 e por

isso reduziu o seu escopo de atuação à mediação de problemas econômicos (GARCIA,

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2015b), como se não se tratasse de um país que acabara de batizar os direitos sociais na CF-88

e tivesse uma agenda longa de medidas para garantir esses direitos. Vale ponderar que o autor

propõe críticas bem severas e acaba por desconsiderar muitos esforços que vêm sendo feitos

no sentido de efetivar tais direitos.

Bercovici (2015) também contribui para organizar as críticas sobre o modelo de planejamento

tradicional e em curso, com o diferencial de apresentar comentários e argumentações sob a

ótica do Direito Público no Brasil contemporâneo. Isso permite expor as críticas ao

planejamento a partir do confronto da função de planejar, tal como motivada pela

Constituição Federal de 1988, e a prática atual. Em sua análise, o autor discorre sobre alguns

obstáculos ao planejamento, enfatizando a redução do planejamento ao orçamento. Mesmo a

integração entre plano e orçamento sendo uma necessidade de controle da atividade

planejadora e um ponto positivo da sistemática de planejamento no Brasil (GRAU apud

BERCOVICI, 2015), assim como reconhecem outros autores, essa integração normalmente

recai na redução do plano ao orçamento.

A tendência problemática da redução do plano ao orçamento é fruto da necessidade de

controle e ao menos do esforço pela implementação das ações desenhadas, já que o orçamento

parece conectar o sonho à realidade, isto é, garantir a materialização do que está posto no

plano. Essa dicotomia do papel do orçamento é um dos dilemas mais difíceis de equalizar no

âmbito do planejamento público no Brasil, posto que, à medida que garante materialidade,

facilmente ganha centralidade. De acordo com Bercovici (2015, p. 32), o principal motivo

pelo qual o plano não pode se resumir ao orçamento é o fato de que tende a perder sua

principal contribuição, que é a de apresentar diretrizes para a atuação do Estado, na lógica da

dimensão estratégica já tratada. Se a simples previsão de gastos toma o lugar das diretrizes

gerais, e ainda sem “qualquer órgão de controle da sua execução”, não há garantia nenhuma

de efetividade do planejamento, tampouco das ações desenhadas. A vinculação do plano ao

orçamento deveria ser “apenas uma forma de coordenar mais racionalmente os gastos

públicos”, não a compreensão do planejamento em si, aquele voltado de fato ao

desenvolvimento, ou “à transformação das estruturas socioeconômicas do país”.

Bercovici (2015) sugere que os instrumentos de controle orçamentário que compõem o

sistema de planejamento atual, como a LDO e a LOA, contribuem para o cerceamento da

função de planejar e, por consequência, para a limitação do próprio plano. Alguns exemplos

disso, segundo o autor, são o plano “Brasil em Ação”, da gestão de Fernando Henrique

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Cardoso, e os PPAs dos governos petistas, que imprimem um desejo de mudança, mas se

prendem à dimensão orçamentária. Segundo o autor, os planos não inovam significativamente

frente às primeiras experiências de planificação dos gastos públicos no Brasil, como aquelas

empreendidas a partir da constituição do Departamento Administrativo do Serviço Público

(DASP) durante o Estado Novo (1937-1945). Nas iniciativas de planejamento oriundas dessa

estrutura, por exemplo, “o orçamento era o plano traduzido em dinheiro”. Sendo assim, os

planos foram reduzidos a disciplinar as inversões públicas, estabelecendo as dotações a serem

distribuídas pelos vários ministérios (DRAIBE, 1985; SOUZA, 1994 apud BERCOVICI,

2015, p. 31) – nada muito distinto dos exercícios recentes.

O PPA não conseguiu superar completamente a lógica da programação plurianual ou

periódica de despesas, ou de orçamento plurianual de investimentos – o OPI da Ditadura

Militar. Assim como os PNDs não superaram o PAEG e o Plano de Metas, também o PPA

não respondeu muitas das demandas do reordenamento das ações governamentais almejadas

no final da década de 80 (BERCOVICI, 2015). Como já tratado em seções anteriores, o

legado reducionista, autoritário e centrado no desenvolvimento econômico é significativo e,

mais preocupante ainda, retroalimentado conforme pleitos contextuais, normalmente

marcados por cenários de restrição econômica. Parece razoável afirmar que, enquanto alguns

passos são dados adiante com o PPA, sobretudo pela formalidade do sistema, garantia de

cumprimento e gestão democrática, alguns outros são dados para trás com a vinculação

programa-orçamento.

Por sua vez, Paulo tece algumas críticas próprias sobre planejamento público e outras

emprestadas do relatório do Banco Mundial, de 2006, em análise produzida em 2010 que

avaliou as experiências dos planos plurianuais no Brasil. Interveniente à crítica geral sobre o

viés economicista dos planos plurianuais é a primeira consideração de Paulo (2010, p. 181)

sobre o grau de detalhamento pressionado pelo caráter técnico-orçamentário. Existe uma clara

e acrítica obediência à estrutura do orçamento na elaboração do PPA, representada pelo

detalhamento excessivo de ações orçamentárias e não-orçamentárias, inclusive com previsão

de recursos. O plano não se limita ao apontamento de diretrizes e metas gerais como

requisitado pela dimensão estratégica. Isso seria possível mesmo que chegasse ao nível

detalhado por programas. Segundo o autor, “essa estrutura desvia a discussão estratégica de

planejamento, essencialmente política, para um enfoque técnico-orçamentário”, e esse

enfoque corrobora para o esvaziamento do aspecto político do planejamento.

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A segunda consideração refere-se à dicotomia aparentemente irreconciliável entre horizonte

estratégico com transparência dos gastos, duas prerrogativas da peça de planejamento

plurianual. De acordo com Paulo (2010), existe uma “dubiedade teleológica do PPA”,

considerando que o instrumento é construído a partir de duas pretensões mutuamente

excludentes, que acabam por anuviar a profundidade de detalhamento das ações programadas.

O horizonte estratégico demanda a redação de uma vontade geral do Estado, ao passo que a

transparência de gastos requer detalhamento orçamentário, de alcance até operacional do

plano. A pretensão de que “um mesmo instrumento cumpra dois papeis distintos nos parece

uma falha conceitual e estratégica que, com o tempo, acaba por desacreditá-lo para os dois

fins previstos” (PAULO, 2010, p. 181-182). Em função da crescente centralidade assumida

pelos órgãos de controle e dos compromissos democráticos assumidos com a sociedade, com

vistas ao accountability e ao controle social, supõe-se que prevaleça o segundo, a prejuízo,

posta a incompatibilidade, da dimensão estratégica. Até nesse ponto a pressão do caráter

técnico-orçamentário se apresenta como desafio ao planejamento.

A última consideração de Paulo (2010, p. 182) traz à tona uma questão relevante do viés

economicista e que, sugere-se, pode impactar na efetividade do planejamento governamental,

que diz respeito à preponderância do monitoramento orçamentário em relação ao

monitoramento de resultados, isto é, ao acompanhamento dos gastos ao invés do

acompanhamento do alcance dos programas e políticas. O autor afirma que “a estratégia de

gestão do plano adotada pelo Ministério do Planejamento (...) privilegia o monitoramento da

execução orçamentária das ações em detrimento de uma avaliação do programa como um

todo”. São criadas estruturas internas no governo que se responsabilizam por averiguar o

alcance de metas orçamentárias, enquanto o cumprimento das metas físicas dos programas

não recebe cuidado apropriado. Nesse cenário, a avaliação das ações governamentais se apoia

significativamente em um cálculo racional e econômico.

Essa problemática de enfoque do planejamento lembra o debate eficiência versos efetividade.

Sobre os termos, a eficiência é uma medida que indica os meios de se concretizar uma ação

estatal e afere principalmente a qualidade da relação custo-benefício e da aplicação de

recursos em determinado processo. O cálculo da eficiência é feito, sobretudo, sobre a maneira

mais adequada de executar uma determinada ação de modo a garantir que os recursos

financeiros sejam aplicados da forma mais racional possível (CHIAVENATO, 1994). As

práticas de avaliação e cálculo de eficiência, exaustivamente apropriadas na década de 90 e

nos resquícios da administração gerencial ainda notados, são, muitas vezes, postas como fim

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em si mesmas e como expressão máxima de resultados do setor público. No entanto, pulam

etapas importantes de averiguação dos impactos delas na transformação da realidade social do

país, missão essa que é dada à avaliação de efetividade. Na problemática apresentada estão

resumidas as limitações da abordagem do monitoramento e da avaliação sob o ponto de vista

da eficiência em detrimento da efetividade, que é a expressão dos resultados dos programas e

políticas. E, assim, fecha-se este item, que buscou iluminar basicamente o viés economicista

como legado do desenvolvimento da economia no passado e a exacerbação da prerrogativa

orçamentária no presente.

Esta seção buscou apresentar as disfunções, limitações e problemáticas de enfoque do

planejamento público nacional, observando legados passados, determinismos da própria

estrutura do planejamento plurianual instituído pela Constituição Federal de 1988 e

desdobramentos desorientados para o desenvolvimento multidimensional, colocando em

evidência as principais críticas na concepção, desenvolvimento e potencial de alcance da

função de planejar do Estado. O próximo capítulo promove uma leve ruptura com a linha de

argumentação da temática de planejamento por discorrer sobre a outra chave teórica do

trabalho: a democracia e a participação social.

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Capítulo 2. Democracia e participação social no planejamento público

Este capítulo apoia-se no pressuposto de que promover o entendimento sobre as bases da

democracia recente é fundamental para explicar suas conexões com a ressignificação do

planejamento público, especialmente no processo de democratização da administração pública

brasileira. Essa explicação é iniciada a partir da trajetória e das limitações da função

apresentadas em capítulo anterior e ganha corpo na exposição da primeira seção adiante –

Seção 2.1 Participação social como pauta de ressignificação do planejamento público.

A essência deste capítulo está, portanto, na exposição da revisão teórica da democracia e

participação social; e isso é realizado a partir de recortes específicos na literatura. Esses

recortes apresentam, em síntese, descrições sobre o movimento democrático abrangente de

ruptura com modelos dominantes de desenvolvimento pelo mundo (SANTOS e AVRITZER,

2002), o caminho da radicalização democrática (FUNG e COHEN, 2004), algumas

fundamentações das teorias da democracia deliberativa e participativa (WARREN, 2002;

FUNG et al., 2003; HABERMAS, 2003; FUNG e COHEN, 2004; AVRITZER, 2009;

MANSBRIDGE et al, 2010; ALMEIDA e CUNHA, 2011) e o enfoque nas Instituições

Participativas (IPs) (AVRITZER, 2002, 2008 e 2009) e nas prerrogativas dos arranjos

institucionais participativos (FUNG e WRIGHT, 2003). Caminha-se, em seguida, para o

descritivo da adoção da participação no planejamento nacional e em contexto subnacional.

Seção 2.1 Participação social como pauta de

ressignificação do planejamento público

As disfunções, limitações e problemáticas de enfoque do planejamento renderam discussões

críticas relevantes sobre o papel desempenhado pelo Estado na prática de ordenamento das

ações programáticas. Essas críticas agregam à pesquisa a constatação de que existem de fato

limitações da função – estruturantes e fundadas no tradicionalismo da administração pública

brasileira –, que devem ser corrigidas em prol de sua efetividade e legitimidade. Constatando

essas limitações, as críticas abrem caminhos para a reflexão sobre um horizonte de solução

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possível, ainda que em plano normativo, ao passo que sobre um potencial ganho de

significado do planejamento. Entende-se, dessa maneira, que a apresentação do conceito de

ressignificação do planejamento público não pode se eximir de problematizar questões mais

subjetivas, orientadas para uma discussão finalística do Estado e resolvidas a priori num

plano normativo; “a priori” porque a ressignificação vai tornando-se mais clara conforme a

exposição da teoria democrática e dos modelos analíticos do caso concreto da Bahia.

Compreende-se como primordial subir alguns degraus na análise, rumando a uma visão

holística do papel do Estado, abordando a sua essência na indução do desenvolvimento

nacional – desenvolvimento esse que também tem caráter abrangente e multidimensional – e a

partir da vontade política da abertura dos processos decisórios a uma “nova soberania

democrática” (SANTOS e AVRITZER, 2002).

Como primeira via de análise normativa para a ressignificação do planejamento público

expõe-se a problemática da gestão pública purista, que se refere à centralidade da lógica de

desempenho frente aos desafios de sociedades multidimensionais e tradicionalmente

desiguais. Como já explorado em itens e seções anteriores, a ênfase na gestão pública pode

provocar o esgotamento do planejamento público, ao atribuir mais importância aos meios de

realização das ações governamentais que aos fins. Essa análise é lançada aqui a partir de uma

produção técnica e reflexiva de peso para a América Latina. O Centro Latino Americano de

Administração para o Desenvolvimento (CLAD), por meio do documento “Gestión Pública

Iberoamericana para el siglo XXI” (2010), promove uma reflexão sobre o que o planejamento

deveria tratar em termos de conteúdo estratégico, considerando as muitas peculiaridades da

região, normalmente ignoradas ou escurecidas pela preponderância da lógica do desempenho.

As argumentações dessa produção confluem para a defesa de um planejamento estruturado

em torno de resultados abrangentes que poderiam transformar a realidade social dos países.

Segundo a publicação, a prática da gestão pública contemporânea está contaminada por um

gerencialismo equivocado, que se manifesta de forma mais evidente nos países da América

Latina e que implica em orientar as ações do Estado em função exclusiva de metas de

desempenho (CLAD, 2010). O grande desafio imposto pelo paradigma gerencial às nações é

de definir claramente os resultados que são almejados em processo de planejamento sem

perder de vista em nenhum momento que “o objetivo principal da administração pública

iberoamericana deve ser o de alcançar o desenvolvimento sustentado em suas diversas

facetas: econômica, social, política e ambiental” (CLAD, 2010, p. 14). Nem sempre o

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desenvolvimento nessas facetas é mensurável em desempenho, menos ainda pelo cálculo

puramente econômico.

A proposição das metas no planejamento, segundo constatações e recomendações do CLAD,

não pode se caracterizar por uma tarefa essencialmente gerencial, como a que requer uma

grande empresa, cuja finalidade é o lucro. Tal proposição precisa compreender uma função do

Estado em perseguir objetivos políticos mais aderentes e complexos. Mesmo que se tratando

de gestão por resultados, segundo essa visão, “o mundo iberoamericano deve se orientar pela

busca do desenvolvimento sustentável em sentido mais amplo, respeitando as particularidades

dos países e regiões” (CLAD, 2010, p. 14). Dessa forma, se foi mesmo copiada uma estratégia

de gestão por resultados, cabe o questionamento contínuo de quais são esses resultados, com

base no reconhecimento de que a lógica de desempenho tem sentido bem relativo.

O sentido que se atribui ao desenvolvimento nacional – econômico, social, político e

ambiental – impõe uma complexidade à função de planejamento governamental, que não pode

se abster do reconhecimento das peculiaridades da região, tampouco do enfrentamento das

perversidades bem características, como os índices de desigualdade social, violência, baixa

sociabilidade política, entre outros aspectos. Esse sentido complexo de planejamento também

deve corresponder às aspirações dos povos em cada momento histórico, respeitando os

múltiplos pleitos dos movimentos sociais e políticos (CLAD, 2010). Se há a comprovação de

uma negligência por parte de planejadores e implementadores em reconhecer esse sentido, é

sinal de que o desejo de mudança é inexpressivo e que a vontade política para promover

transformações estruturais é pequena – lembrando que essa temática no Brasil, tratada no

primeiro item da seção 1.3, põe a culpa pela resistência à mudança nas limitações tradicionais

da administração pública e nas disfunções constitutivas dos planos plurianuais.

Outra análise normativa circunscreve a agenda de desenvolvimento para recuperação e

ressignificação do planejamento; foi apresentada pelo IPEA no final da década de 80. No

contexto da comemoração dos 25 anos do IPEA, em 1989, foram discutidas, em um

importante seminário, a herança autoritária e centralizada do planejamento e a pauta de sua

recuperação, tendo como figura principal o ex-diretor do Instituto de Planejamento (Iplan),

Roberto Cavalcanti de Albuquerque. A partir das discussões no seminário, foi organizada uma

agenda de ressignificação da função que em muito foi interveniente à própria discussão sobre

a redemocratização da administração pública e do país (REZENDE, 2011, p. 187). Essa

agenda de ressignificação do planejamento governamental teve peso simbólico relevante para

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forçar a prática da conciliação entre planejamento e participação social, assim como foi um

mecanismo orientador do Estado para a nova realidade política e institucional esperada pela

sociedade plural e democrática. A agenda buscava sucesso nas empreitadas de participação da

sociedade no levantamento das prioridades nacionais e no desenho das ações governamentais.

Na leitura de Rezende (2011, p. 200), a agenda proposta por Cavalcanti no final da década de

80 ainda é válida e pode orientar discussões profundas sobre o papel do Estado e as reformas

pendentes da administração pública nacional, posto que, entre outros aspectos, questiona o

estilo de planejamento governamental equiparado a um projeto nacional de desenvolvimento

– assim, questiona os pressupostos no planejamento, não somente sua forma. Sob essa ótica,

“tem posição de destaque a necessidade de um novo estilo de planejamento governamental”,

que deve “ter como referência um projeto de nacional de desenvolvimento, construído

mediante ampla discussão com a sociedade”, portanto, mais perene aos múltiplos interesses e

correspondente a uma “representação dos interesses sociais no processo de formulação e

execução”.

Nesse sentido, o agente formulador atuante no contexto pós-democratização e, sobretudo,

pós-2000 dificilmente abstém-se de considerar a infinidade de interesses e atores sociais

envolvidos com as políticas, programas e ações desempenhadas pelo Estado. As gestões

recentes não podem “ignorar a pluralidade da representação política e a intensa mobilização

que ocorre na sociedade brasileira com vista à promoção e à defesa de seus particulares

interesses”. E essa prerrogativa bottom-up impõe desafios à função de planejamento e à etapa

de formulação do ciclo das políticas públicas (REZENDE, 2011, p. 201), na medida em que

requer uma sistemática de escuta e consideração dos pleitos da sociedade. Tanto é

contemporânea a pauta de recuperação do planejamento pelo IPEA que a função foi de fato

sendo recuperada no cenário da administração pública nacional, ao passo que sua

ressignificação a partir da democratização e da participação social também foi ganhando

centralidade.

No tocante à ressignificação do planejamento a partir da participação social, Rezende (2011,

p. 201-202) argumenta que a escuta à sociedade deve conduzir o planejamento para um

projeto nacional de desenvolvimento exequível, fugindo da produção de um documento

genérico, “com um extenso rol de supostas prioridades que, na realidade, indicam a perda de

foco naquilo que é realmente prioritário, perdendo credibilidade”. O alinhamento com um

projeto de país, sob essa visão, não pode incorporar detalhes de programas e projetos nos

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planos, mas permitir escolhas básicas que digam respeito ao “estilo de desenvolvimento”.

Como exemplo, o plano pode apontar estrategicamente sua orientação pelo crescimento

econômico, pela redução das desigualdades sociais e regionais, pela sustentabilidade

ambiental etc. Vale lembrar que o modelo defendido por Rezende dialoga favoravelmente

com as limitações já tratadas do planejamento em relação à dimensão estratégica que deveria

assumir enquanto função.

Outra fonte inspiradora para a ressignificação do planejamento aqui tangenciada é o

arcabouço teórico-normativo para a reestruturação do Estado, de Martins (1995). O autor

ilumina a problemática da desconsideração, em período de planejamento e de desenho de

planos de reformas nacionais no Brasil, de aspectos como formação social, cultura política e

desenvolvimento institucional. Argumenta que alguns elementos básicos devem ser

considerados em fase de planejamento e de projeto de reforma das estruturas do Estado e da

administração.

Idealmente, as mudanças necessárias para garantir coerência entre os planos e programas com

as estruturas do Estado e a administração pública somente podem ser desencadeadas quando

resolvidas algumas questões preliminares e interrelacionadas, que refletem sobre o papel do

Estado; o autor propõe uma reflexão para responder à seguinte pergunta: “que tipo de Estado

queremos?”. Entende-se pela expressão que devem ser realizadas discussões a priori do

planejamento sobre qual é o modelo ideal de atuação do Estado, para quê ele existe e para

quem ele existe. A reflexão tem potencial de alterar a condução das políticas e programas e

colocar à prova a atuação do governo, seja em sentido normativo, institucional e jurídico, ou,

por exemplo, em termos do seu compromisso com a justiça social (MARTINS, 1995).

Por fim, a contribuição de Santos (2011, p. 308) sob o aspecto normativo do planejamento se

dá em função do esvaziamento do debate de conteúdo e da primazia da racionalidade

econômica no ato de ordenar as ações governamentais. Segundo ele, antes mesmo de buscar a

concretização do desejo de mudança, é fundamental pensar o planejamento para além de

definições mais simples, baseadas em “conceitos geralmente vinculados às teorias da

administração”, e contextualizar o debate da função “nas relações entre Estado, sociedade

civil e esfera pública; no papel do Estado; nos dilemas entre política e análise de políticas; e

nos assuntos que decorrem destas relações”. Além disso, “quando se pensa em planejamento

governamental, é imperativo associar a esses conceitos o espaço público, com todas as suas

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características”, considerando os “conceitos básicos de ciência política relativos ao Estado –

poder, legitimidade, conflito, política, hegemonia, ideologia, etc”.

No âmbito do planejamento de conteúdo, o autor convida à reflexão sobre o alcance do

debate, no que diz respeito à profundidade com que são discutidas questões orientadas para o

desenvolvimento, ou seja, o debate de conteúdo, não de forma. Isso não é tarefa fácil,

tampouco é simples imaginar um documento-plano sem conteúdo. Supõe-se por estruturação

que alguns objetivos e metas expressos em plano podem estar vazios de temas de interesse

social, ou de áreas que viabilizam as políticas públicas e os direitos sociais, ou ainda de

assuntos que remetam ao desenvolvimento orientado para grandes transformações estruturais,

como a redução da desigualdade social. Argumenta Santos (2011) que, quando existe a

sufocação do debate de conteúdo e quando o planejamento não consegue dar vazão às

decisões coletivas, é sinal de que a administração não é orientada para cumprir objetivos e

para viabilizar escolhas legítimas, mas sim para imprimir racionalidade econômica às suas

decisões. A noção de legitimidade do ordenamento e da ação governamental, nesse sentido,

estaria vinculada imediatamente ao preenchimento do debate de conteúdo, em que a

diversidade de visões da sociedade seria considerada no esforço de planejamento, ponderando

interesses e gerando cálculos mais subjetivos.

As discussões normativas apresentadas neste item promovem uma aproximação entre os

debates sobre a transformação de sentido do desenvolvimento e a ressignificação do

planejamento em bases democráticas e mais legítimas. Nas próximas seções serão tanto

apresentadas as bases teóricas da democrática, sobretudo nos contornos recentes da

democracia participativa, quanto o processo de adoção da participação social no planejamento

público no Brasil em nível federal e estadual. Na análise do estudo de caso, a aproximação

entre as noções de planejamento ressignificado e participação social deve ficar mais evidente,

posto que avalia, por meio de modelos objetivos, o potencial da participação social como um

novo paradigma agregador de (re)significados à função.

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Seção 2.2 Caminhos da democracia recente e as

instituições participativas (IPs)

Esta seção tem o objetivo de apresentar um recorte especial na fundamentação teórica da

democracia, com ênfase em suas linhas participativas e deliberativas, como estratégia para

fundamentar os achados da pesquisa subsequentes e estreitar o conceito de ressignificação do

planejamento público. A exposição parte do movimento democrático mundo afora, com sua

pauta de reivindicação de um novo princípio que transforma e reconfigura a relação entre

Estado e sociedade, e chega até o momento em que esse princípio é organizado e fomentado

dentro das institucionalidades do Estado. Os movimentos da sociedade civil, quando

transbordam para institucionalidades estatais, estimulam a operacionalização da democracia

“mais radical” (FUNG e COHEN, 2004) ou “contra-hegemônica” (SANTOS e AVRITZER,

2002). Vale destacar que ao longo do trabalho foram usadas algumas expressões para a

participação social no planejamento, como referente à adoção do “componente participativo”,

ou promoção de “fóruns participativos” ou ainda criação de “espaços e instâncias de

participação”, entre outros. Os desenvolvimentos teóricos apresentados nesta seção não

desconstroem essas expressões, mas acomodam as mesmas na concepção de “instituições

participativas (IPs)”, de Avritzer (2002, 2008 e 2009).

2.2.1 Movimento de resistência à globalização hegemônica e

reinvenção da democracia

Antes de adentrar mais detidamente nas linhas de democracia deliberativa e participativa, é

relevante percorrer a construção do argumento de como a democracia é um princípio que

organiza transversalmente e de forma multidimensional a vida sociopolítica dos países, e

como esse princípio dialoga com movimentos de resistência à globalização hegemônica. Uma

vez entendendo essa globalização como a responsável pela exclusão social, marginalização de

amplos contingentes populacionais e aprofundamento da desigualdade mundo afora, o

despontamento e o fortalecimento de democracia no século XX vieram apresentar um

adversário com alto potencial de embate à força hegemônica. Segundo Boaventura de Souza

Santos (2002, p. 457), a globalização hegemônica vem sendo enfrentada por “resistências,

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iniciativas de base, inovações comunitárias e movimentos populares que procuram reagir à

exclusão social”, promovendo espaços que, aos poucos, constroem agendas para a

“participação democrática [e] para a edificação da comunidade, para alternativas às formas

dominantes de desenvolvimento e de conhecimento”. Esses novos espaços e oportunidades de

participação democrática são compreendidos como uma frente de globalização contra-

hegemônica.

O formato, os públicos e as temáticas dessa frente opositora são muito diversos, tornando a

manifestação da participação presente em diferentes contextos, sejam eles urbanos ou rurais,

com público comum ou mais vulnerável, entre outras variações. Um dos pontos mais

relevantes possibilitado pelas variações é o debate e produção de conteúdos diversos,

advindos de uma multiplicidade de visões de mundo e sobre temáticas como “direito à terra,

as infraestruturas urbanas, a água potável, os direitos trabalhistas, a igualdade dos sexos, a

autodeterminação, a biodiversidade, o ambiente, a justiça comunitária etc” (SANTOS, 2002,

p. 457). Sobre seu entrosamento com o Estado, também é particular da frente contra-

hegemônica a diversidade de modelos de relacionamento, como “distância total,

complementaridade, confrontação, resistência ativa ou passiva” (Idem, p. 457). Esse processo

de diversificação de formas de embate e resistência, além de aumentar a incidência da

democracia em diferentes contextos e situações, gera mais subsídios para a promoção das

transformações sociais necessárias à correção das perversidades da globalização hegemônica.

Santos (2002) analisou14

empiricamente algumas experiências nacionais e internacionais de

participação democrática em países cujas bases estruturantes são oriundas de regimes

autoritários ou dependentes de forças globais, ou ainda, experiências em lugares sem

tradicionalismo institucional de abertura política e administrativa. Foram constatadas

inovações em arranjos de participação ainda que sob um sistema de democracia

institucionalizada para a representação política. Isto é, práticas participativas

institucionalizadas e não institucionalizadas coexistem a esses sistemas de representação e

tencionam a ressignificação da democracia, demonstrando uma via democrática em

permanente construção. Tais inovações vão obrigando os Estados nacionais a curvar-se para

uma nova e importante identidade relacional, antagônica àquela imposta por regimes

autoritários e coloniais que a população ora esteve sujeita.

14

Sob o título “Democratizar a democracia – os caminhos da democracia participativa” (2002).

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Santos e Avritzer (2002) complementam a discussão sobre a globalização adicionando à

temática a vinculação ou subordinação da democracia representativa ao poder hegemônico

global, que faz com que a democracia tenha uma concepção mais enxuta e seja

convenientemente reduzida às intenções das estruturas políticas e econômicas dominantes, no

âmbito de uma proposta neoliberal. Sob essa perspectiva, a democracia representativa serviria

de instrumento para viabilizar a manutenção do poder decisório nas mãos das forças

predominantes e seria restritiva para a noção de política e de conteúdo de política, operando

com a redução de “terrenos, sujeitos e temas” que são elementos constitutivos da própria

política. Sendo assim, como um enfrentamento à globalização hegemônica e à democracia

liberal, o “projeto político-participativo” vincula-se com a noção de política e ganha corpo

com a promoção de novas e inovadoras práticas políticas, assim como com o agendamento de

novas temáticas de conteúdo (DAGNINO et al, 2006 apud SANTOS e AVRITZER, 2002).

Os autores introduzem, a partir dessas explanações, a ideia de “reinvenção da democracia

participativa”, cujo mote de desenvolvimento é o ativismo pleno dos movimentos de base.

Compreendem que o processo de democratização – democratização como um processo de

reinvenção da própria democracia, que busca ascendê-la da representação para a deliberação/

participação – deve valer-se de “combates políticos cotidianos”, realizados na esfera da

sociedade civil. A transformação assim desenvolvida não só é desejável como faz a

democracia reinventada tornar-se “uma forma de organização e uma prática política

necessária” (SANTOS e AVRITZER, 2002, p. 110). A reinvenção da democracia sob a égide

da participação social, e como uma política continuada de reestruturação de relações entre

Estado e sociedade, tende a promover um processo enriquecedor de redescoberta das

chamadas “práticas societárias” dos países analisados.

Por meio de uma afirmação das práticas societárias e do aprofundamento democrático,

indivíduos à margem do progresso encampado pelas forças hegemônicas poderiam ser

ouvidos e considerados na edificação da comunidade, nas formas de desenvolvimento

econômico, no projeto de país, entre outros aspectos. Santos e Avritzer (2003, p. 54)

argumentam sobre isso que a democracia se constitui como “um projeto de inclusão social e

de inovação cultural que se coloca como tentativa de instituição de uma nova soberania

democrática”.

O Brasil acompanhou esse projeto e em poucas décadas passou de um regime autoritário, em

que cidadãos não participavam sequer de organizações coletivas independentes e voluntárias,

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para um modelo bem mais aproximado de soberania democrática, com muito mais poder de

enfrentamento às forças dominantes e diversificadas frentes de organização, civil e política.

Isso ocorreu em paralelo às institucionalidades deliberativas e participativas criadas pelo

Estado, sendo abertas oportunidades para “novas reivindicações por direitos e serviços

urbanos e para a redistribuição do poder entre as autoridades centrais e locais” (AVRITZER,

2009, p. 1 – tradução nossa). Assim, tanto no quesito de preenchimento de conteúdo político

nos processos decisórios quanto nas prerrogativas de reinvenção da democracia, as formas de

aprofundamento democrático conectam-se com novas intencionalidades de estruturas e

funções governamentais, entre elas para a transformação do planejamento público.

2.2.2 Da representação à radicalização democrática

Existe outra interpretação na literatura, mais comum, que se relaciona à premissa de

alargamento da democracia representativa – democracia essa fundada no âmbito de uma

concepção elitista – para o processo de “radicalização democrática” (FUNG e COHEN,

2004), que seria viabilizada pela deliberação e participação enquanto conceitos, valores e

instrumentos organizadores de uma nova relação entre Estado e sociedade.

A formatação teórica do elitismo foi dada por pensadores da democracia como Schumpeter

(1942 apud SANTOS e AVRITZER, 2002), sob uma concepção mais conservadora e

restritiva de participação e inclusão política, sendo operacionalizado por meio de arranjos

institucionais endereçados à representação. Santos e Avritzer (2002) compreendem o elitismo

como uma “concepção hegemônica da democracia”, que conformou, sobretudo pelo

desdobramento via representação, o modelo mais influente e recorrente de democracia no

século XX em muitas, a maioria, das nações.

A concepção hegemônica é baseada em alguns pressupostos básicos, defendidos pelos

teóricos da democracia conservadora e restritiva, que são eles: a valorização positiva da apatia

política, situação em que há o reconhecimento conformado de que os cidadãos não se

envolvem devidamente com questões políticas; a falta de capacidade ou interesse político do

cidadão comum em agir politicamente, levando-os a somente escolher líderes políticos para

representá-los e tomar decisões de forma autorizada e delegada; o enfoque do debate

democrático se dá mais em questões de formato do que de conteúdo, isto é, mais nos termos

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dos contornos eleitorais do que na qualidade das decisões tomadas pelos representantes; a

compreensão do pluralismo como forma de incorporação partidária e disputa entre as elites; e

uma solução bem minimalista ao problema da participação, devido aos entendimentos

anteriores (SANTOS e AVRITZER, 2002).

Esses pressupostos são complementados por três questões estruturantes da noção de

representação política, segundo Santos e Avritzer (2002). A primeira delas constata uma

relação entre procedimento e forma, em que a democracia ascende em diversos países como

uma forma de governo, como um meio de organizar as ações governamentais e a vida

sociopolítica para um contexto de capitalismo, e não como uma substância ativa de

organização da sociedade, que teria o potencial de transformar de fato estruturas de poder e

instaurar práticas redistributivas mais justas. Essa primeira questão corresponde às imposições

do modelo de globalização hegemônica problematizadas em item anterior.

A segunda questão tangencia o papel da burocracia na vida democrática. Nesse aspecto,

enquanto as missões impostas pelo contexto ao governo ganham complexidade, naturalmente

as estruturas governamentais devem ser aprimoradas, o que demanda uma organização

burocrática intangível do ponto de vista do controle direto pelos cidadãos comuns (SANTOS

e AVRITZER, 2002). A representação, nesse sentido, desobrigaria os cidadãos a

compreenderem a complexidade de normas, procedimentos e regras que regem a

administração pública. Isso parece positivo, se não fosse prejudicial à inclusão política e se

não impusesse restrições à legitimidade das ações governamentais.

Acerca da burocracia, é importante notar que se fundiu ao modelo de democracia hegemônica,

e essa combinação promove a equação dominante no século XX, de “democracia

representativa combinada com a administração tecno-burocrática”. Também contribuem

Fung e Wright (2003, p. 3 – tradução nossa) para a explicação da conveniência da burocracia:

“como as tarefas do Estado e das grandes organizações políticas tornaram-se mais complexas

e mais heterogêneas, as formas institucionais da democracia liberal”, que foram

impulsionadas ainda no século XIX, “parecem cada vez mais inadequadas para os novos

problemas que enfrentamos no século XXI”. A complexidade das demandas, portanto, gera

um efeito dúbio e de difícil solução: ao mesmo tempo em que pressiona uma organização

burocrática mais robusta e um quadro técnico bem selecionado, essa mesma organização

inviabiliza a participação política do cidadão comum. Responder às demandas da sociedade

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requer, vão defender os teóricos da democracia participativa, um ajuste que faça perenizar as

estruturas públicas de vozes dos cidadãos.

Por fim, a terceira questão estruturante que fomenta a defesa da democracia representativa

recorre a um fator compreendido como inevitável: em países cujos contingentes populacionais

são significativos, é impossível que todos os cidadãos exerçam poderes políticos diretamente;

portanto, é necessário um modelo de representação que atenda a grande escala e que permita

um tráfego de interesses dos níveis locais para os mais centrais ou dentro de uma temática

específica. Nos modelos mais originais de democracia clássica, os cidadãos exerciam seus

poderes políticos de forma aberta e direta, mas esse modelo é impensável nas realidades

modernas. Sendo assim, quanto maior a unidade democrática – a grande maioria dos países

democráticos tem contingentes populacionais significativos –, mais necessária se faz a

estrutura de delegação de decisões para representantes (SANTOS e AVRITZER, 2002).

Com esses pressupostos apresentados, utiliza-se a interpretação de Cohen e Fung (2004) sobre

o que chamam de democracia convencional (conventional democracies) para apresentar a

definição de democracia representativa. A democracia representativa é um sistema de

representação competitiva que assegura aos cidadãos os direitos políticos – esses direitos

podem ser resumidos como o direito de votar e ser votado, garantido o sufrágio universal. O

exercício do voto é promovido por eventos de eleições regulares, organizadas por partidos

políticos competidores, que partem de campanha política pela disputa do voto dos cidadãos. A

partir da concorrência eleitoral, os representantes com mais voto ganham o controle do

governo e das ações governamentais por um tempo determinado pelas regras da democracia

de cada país - “o que garante aos candidatos vencedores a autoridade para formular políticas

públicas por meio de legislação e do controle de administração” (COHEN e FUNG, 2004, p.

23 – tradução nossa). Sob esse modelo, o controle das ações do governo se organiza dentro da

estrutura administrativa e na burocracia estatal, e os cidadãos avaliam os políticos de forma

mais significativa somente em nova oportunidade de voto, de modo a encerrar ou validar o

compromisso público daquele representante. Entre os resultados negativos está o fato de os

representantes eleitos agirem com distinta discricionariedade no interstício das eleições.

Os adeptos das teorias de radicalização democrática vão de encontro a muitos dos

pressupostos e formas de organização da democracia representativa. Cohen e Fung (2004)

argumentam acerca das limitações da representação em três perspectivas: responsabilidade,

igualdade e autonomia. A primeira remete às limitações de controle, defendendo que a

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representação se conforma como um instrumento de baixíssimo alcance do ponto de vista do

accountability democrático, já que mantém relações de assimetria de informação entre

cidadãos e burocratas ou eleitos ao delegar completamente as decisões e afastar-se da

substância política contida nessas decisões. A segunda perspectiva remonta à questão da

igualdade, e pode ser interveniente à discussão sobre globalização hegemônica, no sentido de

que a representação pode servir à manutenção dos status sociais e de poder. Nesse caso, as

desigualdades sociais e econômicas, imersas em um sistema de representação competitiva,

fomentam oportunidades para o exercício arbitrário de influência política e de manutenção de

poder de determinados grupos sociais. A última perspectiva, por sua vez, resgata o tema da

soberania democrática e apresenta as limitações em termos de autonomia, argumentando que

o sistema de representação não subordina os cidadãos a regras criadas por eles mesmos,

tampouco necessariamente os beneficia de políticas desejadas por eles. Esse sistema

subordina os cidadãos a um conjunto estreito e desigual de interesses representados.

No intento de aprofundamento da democracia representativa para a democracia deliberativa e

participativa – sem substituir a primeira, destaca-se –, houve o reconhecimento dessas e outras

limitações. De acordo com Fung e Wright (2003), ascenderam os mecanismos de avaliação,

conceitual e empírica, dos sistemas de participação pelo mundo, e com eles ganharam

evidência as falhas graves do sistema de representação política. Colocando em cheque a

essência da democracia, a representação demonstrou sua inefetividade em promover e

alcançar os objetivos e ideais centrais do próprio sistema; esses seriam manifestados da

seguinte forma:

facilitando a participação política ativa dos cidadãos, formando um

consenso político por meio do diálogo, elaborando e implementando

políticas públicas que fundamentam uma economia produtiva e uma

sociedade saudável e, em versões igualitárias mais radicais do ideal

democrático, garantindo que todos os cidadãos se beneficiem da riqueza

da nação (FUNG e WRIGHT, 2003, p. 3 – tradução nossa).

As falhas e limitações da democracia representativa conduziram processos de revisão da

gramática social nas sociedades contemporâneas, tencionando uma disputa pelo significado da

democracia. Esse movimento, que teve grande protagonismo da sociedade civil e, em seguida,

mais disposição dos governos na abertura da escuta social e de novas formas de

relacionamento, inaugurou linhas de democracia “mais radical” (FUNG e COHEN, 2004) ou

“contra-hegemônica” (SANTOS e AVRITZER, 2002).

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Sob a primeira perspectiva, a radicalização se concebe como promessa para dar um novo

sentido à democracia por meio da transformação tanto da “esfera pública informal” quanto do

sistema competitivo de representação, ambos valendo-se de conexões com novos arranjos

deliberativos e participativos para resolução de conflitos e problemas. De acordo com Cohen

e Fung (2004), esses novos arranjos têm potencial de identificar e solucionar problemas

empíricos coletivamente, sobretudo porque ajusta a solução às circunstâncias locais. Além

disso, os democratas radicais apoiam-se no potencial de aprimoramento da igualdade política,

primeiro porque a democracia radical pode relativizar a assimetria de poder em razão da

produção coletiva de melhores argumentos (deliberação), e segundo porque também relativiza

o determinismo da riqueza dos atores na produção de escolhas coletivas, transformando a

arena de discussão (participação) “do dinheiro organizado para pessoas organizadas”, ou seja,

gerando oportunidades de influência política não somente àqueles que detém o poder

financeiro, mas à sociedade civil organizada (COHEN e FUNG, 2004, p. 25 – tradução

nossa).

A concepção contra-hegemônica da democracia, cuja essência se dá nas propostas

deliberativas e participativas, segue a mesma linha e compreende o movimento de disputa por

novo significado da democracia a partir da revisão da gramática de organização da sociedade

e, consequentemente, da relação entre o Estado e a sociedade. Santos e Avritzer (2002)

argumentam à luz de Habermas (1984, 1995) que é provável, ao examinar as correntes da

democracia hegemônica e contra-hegemônica – portanto, representativa e deliberativa-

participativa –, que elas tenham origem nas mesmas preocupações, quais sejam, de organizar

a vida sociopolítica a partir de múltiplos interesses da sociedade. Porém, a resposta que é dada

pela segunda promove um olhar diferente para essa diversidade de interesses, apoiando-se em

um reconhecimento da pluralidade humana. Nesse sentido, as democracias deliberativa e

participativa vêm reconhecer “concepções substantivas da razão e [que existem] formas

homogeneizadoras de organização da sociedade”, ao passo que as democracias elitista e

representativa justamente negam essas premissas.

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93

2.2.3 O papel da sociedade civil na democratização do Estado

É possível atribuir ao empoderamento da organização da sociedade civil, no tocante ao seu

papel na democratização do Estado, duas dimensões teóricas15

associadas e complementares.

Uma dimensão mais subjetiva e complexa, interveniente ao significado mais normativo da

democracia, que se molda a partir de um processo de reconhecimento do potencial combativo

da sociedade civil ao avanço das estruturas econômicas e burocráticas que organizam a

democracia convencional. E uma outra dimensão mais empírica, constatada a partir das

transformações em curso nas sociedades modernas, que dizem respeito à criação de

institucionalidades estatais de participação deliberativa. A sociedade civil, nessa segunda

dimensão, se conforma como uma força que pressiona o Estado a criar espaços, oportunidades

e instituições formais de deliberação e participação social com o objetivo de organizar

relações que superam a subordinação dos cidadãos comuns, característica da democracia

representativa, em direção a relações de interdependência entre Estado e sociedade.

Apoiada na revisão da teoria habermasiana, a primeira dimensão do papel da sociedade civil

na democratização do Estado parte de uma tensão entre as estruturas sistêmicas e o chamado

“mundo da vida” (HABERMAS, 1984). Cohen e Arato (1992 apud AVRITZER, 2012)

definem a compreensão dada a essas estruturas sistêmicas da seguinte forma: elas são tanto os

“mecanismos que coordenam a ação na economia (dinheiro)” quanto as “organizações

formalmente organizadas e burocraticamente estruturadas (poder)” (COHEN e ARATO,

1992, p. 429 apud AVRITZER, 2012, p. 384). Sendo assim, as estruturas sistêmicas são

compreendidas como estruturas bem demarcadas de dinheiro e poder, respectivamente, no

mercado ou dentro da burocracia estatal. De outro lado, entende-se por “mundo da vida” o

espaço designado à atuação da sociedade, “entendido como um lugar de socialização,

interação social e atividades públicas”, que, portanto, empodera a sociedade civil do lado de

fora das estruturas estatais e do mercado. A partir dessas distinções conforma-se uma das

definições possíveis sobre sociedade civil, que é: tudo aquilo que se diferencia das estruturas

sistêmicas e toda forma de organização que não está embutida nas relações econômicas e de

poder (COHEN e ARATO, 1992 apud AVRITZER, 2012, p. 384).

15

Concomitantemente ao desenvolvimento e incremento da própria teoria da democracia, em suas linhas mais

radicais ou contra-hegemônicas, também surgiu a teoria da sociedade civil, em meados dos anos 90, que buscou

dar os contornos teóricos do despontamento de interdependência entre Estado e sociedade, analisando

motivações e desdobramentos da organização de grupos sociais na ressignificação da democracia.

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94

De acordo com essa dimensão teórica, existe uma tensão entre as estruturas sistêmicas e o

mundo da vida que tem como produto a constituição de ambientes democráticos. Os grupos

sociais organizados surgem e vão se fortalecendo segundo uma proposta de “demarcação da

especificidade do mundo da vida frente ao avanço das estruturas econômicas e administrativas

(essas últimas burocráticas, próprias da lógica estratégica do poder, relativa ao Estado)”,

constituindo-se como esferas autônomas societais não mais subordinadas às estruturas de

poder predominantes. Esse fortalecimento implicaria, assim, na dita tensão entre as estruturas

sistêmicas e o mundo da vida e no aprofundamento dos processos de democratização,

inclusive despertando novos significados, ainda que normativos, à própria democracia

(ROMÃO e MARTELLI, 2013, p. 128). Sobre isso, destacam Brasil e Carneiro (2011, p. 73 –

tradução nossa) que houve, com as práticas contemporâneas de democracia participativa e

deliberativa, “a retomada de ideais substantivos e horizontes normativos da democracia

relacionados com a construção do bem comum e do princípio da soberania popular”, muito

derivada do protagonismo dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada.

Alguns potenciais normativos de empoderamento da sociedade civil são apresentados por

Warren (2002) e Santos e Avritzer (2002). No primeiro caso, o autor argumenta que a

democratização da sociedade é um processo que corrobora para a democratização do Estado

(democratizing society democratizes the state), gerando oportunidades de inclusão política e

accountability estatal. Nesse sentido, a sociedade civil e os movimentos sociais carregariam

genuinamente ingredientes de democracia que produzem, ou deveriam produzir, muitas

oportunidades de participação democrática. Em uma perspectiva ideal, as associações da

sociedade civil devidamente empoderadas poderiam controlar o poder econômico e pautar a

responsabilização do Estado.

Na mesma linha, Santos e Avritzer (2002, p. 15-16) focam no entendimento de que a

inovação institucional, que cria uma nova institucionalidade da democracia, é articulada à

inovação social. Assim, as mudanças provocadas na democratização do Estado não seriam

fruto simplesmente de um desenho institucional. Eles afirmam que “a democracia não

constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional”, mas sim uma

nova gramática histórica entre Estado e sociedade construída como mérito dos movimentos e

grupos sociais organizados. Apreende-se dessas exposições que o nível de empoderamento da

sociedade civil – e de inovação social – de uma determinada sociedade pode corroborar no

aprofundamento da democracia e na democratização das funções do Estado.

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95

A segunda dimensão teórica associada ao empoderamento da sociedade civil possui, como

dito, um viés mais empírico, consolidando um entendimento sobre a democracia deliberativa

e participativa à luz das experiências ao redor do mundo. A aproximação da democracia

convencional com o princípio da soberania popular, protagonizado pela organização da

sociedade, corroborou para a “radicalização” da democracia, sendo recorrentemente traduzida

na prática em esforços das nações em estabelecer fluxos de coordenação e expansão dos

mecanismos de inclusão política. Destacam-se, nesse processo, as apostas dos “atores da

sociedade civil para as possibilidades de construção de novas e mais democráticas gramáticas

de relacionamento entre Estado e sociedade, especialmente por meio da criação de instituições

participativas”, entre elas conselhos, conferências, orçamentos participativos (OPs), arranjos

de participação na construção de planos diretores, entre outros fóruns e mecanismos (BRASIL

e CARNEIRO, 2011, p. 73 – tradução nossa). Esses são exemplos da dimensão empírica do

empoderamento da sociedade civil.

No caso brasileiro, as possibilidades de empoderamento foram significativamente motivadas

pela construção de uma relação de interdependência com o Estado e pelo aprofundamento

democrático em si, ocorrido em seguida a uma crise de legitimidade da administração pública

e frente ao esgotamento do modelo autoritário da Ditadura Militar (DAGNINO et al., 2006

apud AVRITZER, 2012). O empoderamento da sociedade civil brasileira foi despertado por

dois tipos de processo, segundo Avritzer (2012, p. 394), primeiro pela “reação dos setores

populares ao processo antidemocrático de modernização do país que interferiu intensamente

na sua vida cotidiana”, e segundo pelo “processo de democratização do país que fez das

associações civis atores importantes no processo de aprofundamento democrático”.

As preocupações que moviam a ação da sociedade civil brasileira no início da década de 80

eram relacionadas às pautas reivindicatórias de autonomia, democratização do Estado e das

políticas públicas e abertura de formas de controle social, em oposição à discricionariedade do

Estado – processo semelhante às demais funções do Estado, como narrado em capítulo sobre

planejamento. As pautas eram muito naturais de um processo transitório da Ditadura Militar

para um período de retomada da democracia, e ainda de seu aprofundamento. Vale destacar a

esse respeito o comportamento da sociedade civil no contexto da Assembleia Nacional

Constituinte, situação em que despertaram diversos e significativos atores sociais nas áreas

das políticas públicas, como saúde e reforma urbana, e no bojo de movimentos como a

Central Única de Trabalhadores (CUT) e o Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST).

Houve, nesse contexto, a ascensão dos movimentos sociais em quantidade, relevância e poder

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96

de embate aos resquícios ainda muito determinantes das forças tradicionais da Ditadura

Militar e períodos anteriores. Avritzer afirma que o contexto da Constituinte foi fértil para o

“aprofundamento democrático que criou instituições participativas nas áreas de saúde,

planejamento urbano, meio ambiente e assistência social” (AVRITZER, 2012, p. 390).

Esses relatos empíricos sugerem que existiu uma distância segura entre o espaço designado ao

mundo da vida e as estruturas financeiras e de poder da burocracia estatal, à época da

Constituinte, que foi muito importante para a afirmação do papel da sociedade civil e para o

aprofundamento da democracia em um contexto em que era fundamental transformar, via

autonomia dos movimentos, a gramática de relacionamento entre Estado e sociedade. Com o

tempo, foi-se constituindo espaços institucionalizados designados à participação da sociedade

que nem por isso desconstruíram a autonomia e o papel de enfrentamento dos grupos sociais.

Sobre isso, vale destacar que este trabalho assume desde o início como foco de análise o

espaço ocupado pelas institucionalidades estatais na abertura à escuta e às influências na

tomada de decisão – e por isso investiga-se o planejamento público participativo –, mas não

deixa de analisar a condução da sociedade civil no processo de ressignificação da função de

planejar. Na estruturação do modelo de análise, em especial no indicador de extensão de

autoridade e poder de agenda organizado por Fung (2006), e nos resultados da pesquisa, são

detalhadas variações de engajamento, conhecimento, partilha de poder e influência no

processo decisório pelos grupos sociais.

2.2.4 Democracias participativa e deliberativa

No campo da teoria democrática, notadamente a partir de meados do século XX, o modelo

elitista de democracia – fundado estritamente na representação eleitoral – passa a ser

fortemente questionado, tendo em vista a qualidade da democracia. Com compromissos de

radicalizar a democracia por meio de formas ampliadas de participação, moldam-se

concepções de democracia participativa e deliberativa (SANTOS e AVRITZER, 2002). Nessa

linha, os desenvolvimentos teóricos contemporâneos, como reivindicam Cohen e Fung

(2004), apontam para o aprofundamento da democracia representativa nas dimensões de

participação-deliberativa. Parece razoável citar de antemão que o planejamento participativo,

adotado como foco de análise da pesquisa, carrega elementos relevantes de ambas as

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dimensões da democracia, e por isso esse item trata das mesmas com relativa fluidez e sem a

intenção de esgotar as diferentes concepções de deliberação e participação.

A democracia deliberativa pode ser compreendida como um processo decisório permeado

pela vocalização de interesses daqueles cidadãos interessados ou diretamente afetados pelas

políticas que estão sendo concebidas, carregando uma dimensão comunicativa forte. A

definição de deliberação pode ser resumida como uma “comunicação que induz a reflexão

acerca de preferências, valores e interesses de uma forma não-coercitiva” (DRYZEK, 2000, p.

76 apud MANSBRIDGE et al, 2010, p. 65 – tradução nossa). A deliberação pressupõe, assim,

que os atores sejam envolvidos nos processos participativos em modelos indutivos de

produção de preferências, reconhecendo-se entre si enquanto pares de uma reflexão coletiva

para o desenvolvimento de interesses comuns. Por essas razões, em consonância com a teoria

habermasiana, não devem ser exercidos nos processos decisórios deliberativos o poder

coercitivo ora garantido pelas estruturas tradicionais (sistêmicas).

Existem algumas convergências em torno da democracia deliberativa que podem ser

resgatadas como as bases formadoras da teoria. Entre os mais relevantes está o fato de a

deliberação, idealmente, garantir que sejam abertos os processos decisórios aos cidadãos mais

afetados pelas decisões. Sob essa perspectiva, somente haveria legitimidade das decisões

políticas quando garantidos procedimentos que permitem e estimulam a participação daqueles

atores sociais impactados de forma mais significativa por essas decisões (HABERMAS, 2003;

MANSBRIDGE et al, 2010; ALMEIDA e CUNHA, 2011). E isso denota que deliberação e

legitimidade das decisões caminham juntas rumo ao aprimoramento de democracia.

Além disso, os participantes “devem ter igualdade de oportunidades de influenciar o processo,

assim como os mesmos recursos, e serem protegidos por direitos básicos” (MANSBRIDGE et

al, 2010, p. 65 – tradução nossa). Para isso, faz-se necessária, entre outros procedimentos, a

institucionalização de fóruns deliberativos “plurais e inclusivos, destacados do sistema

político, mas que com ele estabeleçam algum nível de interação”; ainda, que tenham

“capacidade de produzir decisões legítimas acerca de ações públicas, aproximando cidadãos e

responsáveis pelas políticas públicas” (ALMEIDA e CUNHA, 2011, p. 110).

De acordo com Mansbridge (et al, 2010), existem variadas formas de deliberação, como a

deliberação clássica, mais ideal, que valoriza a produção do consenso, e a deliberação

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negociativa. Os autores reivindicam no texto16

essa dimensão de negociação nos espaços

deliberativos, contrariando em parte a teoria habermasiana, ensejando que a deliberação traga

a tona não uma apenas uma dimensão consensual, mas a ideia de conflito; conflito esse que

pode ser fundamental para o “reconhecimento e celebração do próprio ideal da diversidade

dos seres humanos, livres e iguais” (Idem, p. 69 – tradução nossa). Sugerem, principalmente,

que os espaços de deliberação permitam aos participantes descobrir e formar os interesses

comuns por meio de uma dimensão negociativa. Nesse sentido, enquanto os autores

reivindicam uma maior importância para a busca de um senso comum mais “genuíno” entre

os participantes, eles também argumentam que a “deliberação pode e deve, em certas

condições, incluir ambos o auto-interesse e a negociação de interesses conflitantes”. E

complementam apresentando os principais ingredientes para as negociações deliberativas,

quais sejam: “convergência, acordos teorizados incompletos, negociação integrativa e

negociação cooperativa” (MANSBRIDGE et al, 2010, p. 94 – tradução nossa).

No âmbito da “democracia radical”, Cohen e Fung (2004) fazem uma leitura diferente, mas

que converge em partes com as reivindicações dos teóricos da deliberação negociativa. Eles

argumentam que não pairava as intenções dos democratas deliberativos mais clássicos

erradicar do processo decisório os interesses pessoais e de grupos enquanto forças políticas,

mas que isso fosse promovido com responsabilidades, assegurando que o “argumento político

e a defesa de interesses fossem embasados por considerações como justiça, igualdade e

vantagem comum” (COHEN e FUNG, 2004, p. 26 – tradução nossa). Ainda que com uma

ênfase clara na dimensão comunicativa, na exposição de razões e posicionamentos as forças

políticas de “interesse próprio e interesse do grupo” deveriam ser pautadas seriamente por

esses valores. Assim, em uma perspectiva ideal, nos processos argumentativos até mesmo os

cidadãos que “perderam” as discussões para outros atores veriam vantagens nas decisões

tomadas coletivamente, por estarem convencidos de que estão apoiadas em boas razões

(COHEN e FUNG, 2004).

No campo da teoria participativa, parte da literatura compreende a participação “como um

conceito sociológico relativo à intenção do sujeito a participar” (MELUCCI, 1996 apud

AVRITZER, 2009, p. 4 – tradução nossa), defendendo uma prerrogativa de disposição da

sociedade pela participação; enquanto outros autores (BACHRACH e BARATZ, 1962, 1975;

PATEMAN, 1970 apud AVRITZER, 2009) compreendem a participação como um conceito

16

Texto “The place of self-interest and the role of power in deliberative democracy” – em português “O lugar do

interesse próprio e o papel do poder na democracia deliberativa” - Mansbridge (et al, 2010).

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político que envolve a organização de uma determinada política tendo aquela como base

estruturante. A segunda perspectiva dialoga significativamente com o objeto deste trabalho,

na medida em que reconhece que a participação passa de um mero componente de uma

política para um princípio que organiza transversalmente as funções da administração

públicas, entre elas o planejamento, tornando a abertura à sociedade um elemento essencial da

formulação de políticas públicas.

À democracia mais radical são atribuídas muitas promessas, que vislumbram um cenário de

alcance abrangente de qualidade democrática, de consistência à formulação de políticas

públicas e de legitimidade das escolhas públicas. Pode ser compreendida como um processo

de construção coletiva que, por si só, incrementa as capacidades dos cidadãos e atores

coletivos em transformar a realidade e os promove a atores protagonistas das mudanças

sociais, especialmente em realidades marcadas pela pobreza e exclusão. Ao questionar-se

sobre o alcance da democracia participativa, Warren (2002, p. 693-694 – tradução nossa)

afirma que “igualdade democrática é igualdade complexa”, sugerindo que a participação será

tão inclusiva e democrática conforme os indivíduos afetados por uma decisão tiverem a

mesma oportunidade de afetar essa decisão. Para isso, na visão do autor, a participação deve

ser “embasada, segmentada por setor, distribuída entre diferentes de locais, e com diferentes

significados e impactos em diferentes locais”. Ainda, segundo ele, esses requisitos

demandariam um arranjo participativo de alta complexidade – inclusão complexa (complex

equality).

Na mesma linha, a autora Mansbridge (et al, 2010, p. 84 – tradução nossa) disserta sobre o

alcance da democracia afirmando que ela requer uma institucionalidade e uma normativa

própria, funcional e complexa, a fim de garantir legitimidade e a efetividade empírica das

decisões tomadas. Os autores partem do entendimento de que a democracia “é uma forma

prática de tomada de decisão que deriva (...) a sua legitimidade sociológica do grau em que

ela funciona na prática” e de que somente há uma legitimidade normativa quando essa prática

se aproxima dos seus ideais democráticos. Sendo assim, em um contexto em que nem sempre

há situações de interesse comum ou de acordos consensuais, mas também conflitos e

negociações, seria necessário emplacar ideais normativos capazes de “alcançar a legitimidade

sociológica significativa”, aumentando, consequentemente, a complexidade da estrutura

participativa do processo decisório.

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As assertivas teóricas de Warren (2002) e Mansbridge (et al, 2010) convergem no sentido da

complexidade de arranjos de participação demandada pelo aprofundamento da democracia. A

democracia participativa e a participação nascem e conectam-se genuinamente a elementos e

ambientes institucionais, impondo requisitos estruturais, organizativos, metodológicos e

normativos à prática democrática. Assim, além da dimensão do diálogo e da comunicação,

típicas da deliberação, o conceito de participação vincula-se à ação estatal de formulação de

políticas públicas, em que as discussões podem ocorrer dentro das estruturas do governo. Por

isso, a democratização recorrentemente se alia à (re)criação de instituições específicas, que

deem conta da complexidade e requisitos exigidos (AVRITZER, 2009).

A ideia de democracia participativa aliada às instituições especialmente (re)criadas para o fim

da participação acarreta em um processo de transformação das estruturas de governo em todo

o mundo. Fedozzi e Martins (2012) apoiam-se no contexto de disseminação da chamada

cidadania ativa para explicar as múltiplas e diversificadas rupturas político-administrativas

voltadas a implantar uma “esfera pública de co-gestão”, ainda em curso diversos países.

Segundo eles, a complexidade e os requisitos exigidos para a efetivação da democracia

participativa tal como concebida originalmente provocaram essas rupturas político-

administrativas, despertando a nova gramática de abertura da co-gestão – Estado e sociedade

gerindo sem hierarquias e subordinações as decisões governamentais. Embora essa visão

dialogue com o processo de institucionalização de uma nova relação entre Estado e sociedade,

os autores centram as análises nas rupturas também provocadas na forma de ação coletiva e

em como as transformações institucionais das democracias radicais provocam a

reconfiguração dos atores da sociedade civil (FEDOZZI e MARTINS, 2012).

Santos e Avritzer (2002), por sua vez, tratam das transformações pelo mundo não como uma

ruptura político-administrativa, simplesmente, mas de uma nova ordem mundial, em que até

mesmo o significado da democracia é reivindicado por diferentes correntes teóricas. Os

autores pesquisam alguns países - Moçambique, Colômbia, África do Sul, Índia, Brasil e

Portugal – para analisar o surgimento da democracia participativa e os processos de transição

ocorridos em diferentes contextos. Seus achados apontam que existem modelos de

coexistência e complementaridade à democracia representativa, o que sugere que as

democracias deliberativa e participativa não despontam no cenário mundial como uma ruptura

plena à democracia representativa, tampouco como substitutas.

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101

No caso da coexistência, os autores compreendem que existe a convivência entre as formas de

democracia, em diferentes “procedimentalismos”, organizações administrativas e desenhos

institucionais, normalmente estruturadas como representativas em nível nacional e

participativa em nível local. Vale destacar que, em nível nacional, a representação se

manifesta de modo a respeitar o “domínio exclusivo a nível da constituição de governos; a

aceitação da forma vertical burocrática como forma exclusiva da administração pública”. Por

sua vez, a complementaridade é menos óbvia e mais complexa, e expressa um

aprofundamento da integração entre democracia representativa e participativa. Nesse caso,

existe uma disposição do governo em operacionalizar o controle social, os processos

deliberativos e o monitoramento público das ações do governo. O objetivo da

complementaridade “é associar, ao processo de fortalecimento da democracia local, formas de

renovação cultural associadas a uma nova institucionalidade política que recoloca na pauta

democrática as questões da pluralidade cultural e da necessidade da inclusão social”. De

acordo com os autores, o Brasil vem aprimorando o desenvolvimento de ambas as formas via

arranjos participativos mais consistentes, contando com a “articulação entre argumentação

(deliberação) e a justiça distributiva” e permeando o sistema representativo de “propostas de

reconhecimento cultural e de inclusão social” (SANTOS e AVRITZER, 2002, p. 47-48).

Para fechar essa exposição, discorre-se sobre algumas limitações das democracias mais

radicais. Segundo Warren (2002, p. 688 – tradução nossa), essas limitações são esperadas nas

democracias de sociedades liberais e com amplo contingente populacional, permanecendo

restritas as oportunidades de participação nas institucionalidades políticas estatais apesar da

nova gramática, por fatores que são inerentes à formação da própria sociedade e dos sistemas

políticos: “o tamanho e a escala dos Estados determinam que a democracia seja representativa

por natureza, contando com referendos ocasionais”. Sob essa perspectiva, o modelo

participativo parece recair na máxima da democracia representativa, uma vez que, na maior

parte das decisões políticas, a participação cidadã é “limitada ao voto para representantes, a

petições, influenciando a opinião pública, participando de audiências públicas, e protestando”,

sem, portanto, exercitar a democracia diretamente.

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2.2.5 Instituições Participativas (IPs) e a prerrogativa do

arranjo institucional

Após a exposição teórica dos caminhos percorridos pela democracia até a consolidação de

uma nova gramática de relacionamento entre Estado e sociedade, são apresentados a seguir os

conceitos que mais se aplicam à realidade do planejamento participativo, especialmente à

figura do PPA Participativo, objeto central deste trabalho. Esses conceitos referem-se às

instituições participativas (IPs) e às discussões sobre a partilha de autoridade na

democratização das IPs – e o papel dos movimentos da sociedade civil na pressão pela

democratização – e a relevância e/ou determinismo do arranjo ou desenho institucional

participativo para o sucesso da democracia.

Avritzer (2002, 2008 e 2009) é uma referência teórica importante para sustentar a definição de

“instituições participativas”; conceito esse que foi reconhecido e incorporado pelo

pensamento democrático mundo afora a partir das publicações do autor. As IPs são o produto

de um aprofundamento da mobilização, articulação e enfrentamento da sociedade civil

organizada em relação às forças dominantes, e resultam na abertura institucional das esferas

decisórias aos atores políticos naturalizados na sociedade. São compreendidas como formas

diferenciadas de incorporar esses atores e demais associações da sociedade civil em processos

deliberativos para desenho de políticas, e possuem três 17 características que são mais

marcantes.

A primeira delas resume-se à operação simultânea, em estruturas híbridas, de princípios

representativos e participativos, misturando atores sociais e estatais em processos decisórios e

neutralizando em medidas significativas a soberania estatal nas decisões políticas: “embora

atores estatais ainda mantenham a soberania formal sobre o processo de tomada de decisão

(...), eles transferem essa soberania a uma esfera mais participativa” (AVRITZER, 2009, p. 9

– tradução nossa). A segunda característica marcante das IPs refere-se a uma transformação

importante de atuações antes voluntárias da sociedade civil para uma adesão permanente à

organização política. Nesse aspecto, os atores sociais organizam-se em torno de instituições

especialmente formatadas para operação do novo modelo de democracia, e o fazem em

17

No livro “Participatory institutions in democratic Brazil” (2009) – em português “Instituições participativas no

Brasil democrático” –, Avritzer apresenta quatro características, mas a última delas corresponde à relevância do

desenho institucional, tema esse que será aprofundado e dialogado com outros autores adiante neste item.

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103

variadas formas – o orçamento participativo (OP) é uma grande referência dessa organização.

Essas transformações organizativas permanentes decorrem no seguinte: “práticas da sociedade

civil se tornam institucionalizadas como formas permanentes de interação com o Estado”

(AVRITZER, 2009, p. 9 – tradução nossa).

Essa característica está vinculada à terceira, que diz respeito à interação da sociedade civil

com partidos políticos e atores estatais no tráfego de “grassroots conceptions”,

compreendidas como concepções “de base” partidárias. Assim, no seio das instituições

participativas toda a sociedade política tem oportunidade de lembrar, reafirmar e fixar

concepções gerais de participação política que estão na raiz dos partidos políticos, sobretudo

nos de esquerda (AVRITZER, 2009).

A natureza das IPs remonta ao momento em que as reinvenções da democracia contra-

hegemônica, mais radical, transbordam da sociedade civil para as institucionalidades

estaduais. Esse momento refletiu uma conciliação entre participação política e

institucionalização, em que as instituições abriram mão de parte de sua soberania e autonomia

para incorporar atores sociais, por meio do seguinte processo de transição: de um cenário de

polarização ao longo do século XX – “participação e institucionalização permaneceram como

blocos de construção de diferentes tradições teóricas” – para um cenário de democratização

em que as duas formas aparentemente contraditórias se sobrepuseram. O Brasil e outros

países da América Latina passaram por esse processo de transição, muito em função da

retomada da democracia nas últimas décadas do século XX e, assim, “em vez de manter

formas monopolistas de expressar sua soberania, as instituições abriram-se à participação de

atores da sociedade civil”, mediante uma aprendizagem democrática que promoveu

adaptações das instituições à participação política (AVRITZER, 2009, p. 8 – tradução nossa).

Avritzer (2008) contempla o processo de difusão das IPs em variedades de formas de

participação. Segundo o autor, é possível distinguir três formas sobre as quais a sociedade é

inserida no processo decisório via práticas institucionalizadas. Na primeira delas, apresenta o

conceito de “desenho participativo de baixo para cima”, compreendido como aquele que abre

o processo decisório a qualquer cidadão interessado em participar e cujas regras da operação

institucional são dadas de baixo para cima, isto é, da sociedade para as esferas estatais. Como

exemplo dessa forma o autor cita os orçamentos participativos, cuja “participação de atores

sociais [é] capaz de gerar mecanismos de representação da participação” (FUNG e WRIGHT,

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2003 e BAIOCCHI, 2003 apud AVRITZER, 2008, p. 44-45). O desenho de baixo para cima

ganha suporte marcante nas teorias da sociedade civil, tangenciadas em item anterior.

A segunda forma é concebida num esquema de partilha de poder, que se dá por meio da

constituição de um espaço institucionalizado de participação em que ambos, atores sociais e

representantes do Estado, participam simultaneamente do processo decisório e com nível de

poder equilibrado e compartilhado. O principal exemplo dessa forma são os conselhos

setoriais de políticas, criados no âmbito do Estado, mas com composição normalmente

paritária, de representação mista e com mesmo poder decisório – em termos de oportunidade

de vocalização e voto (AVRITZER, 2008). A terceira e última forma de instituição

participativa é moldada em um processo de ratificação pública. E isso significa que são

construídos no escopo de atuação das IPs alguns ritos e procedimentos de validação das

decisões tomadas. Nesse caso, a sociedade não participa diretamente do processo decisório,

somente é chamada a referendar publicamente as propostas governamentais. Um exemplo

desse formato de participação são os planos diretores municipais, que contam com a

obrigatoriedade de realização das audiências públicas para referendo das ações discutidas e

sistematizadas pelo Estado (AVRITZER, 2008).

As IPs se manifestam, assim, por meio de desenhos participativos diferenciados, que

combinam as três formas com mais ou menos intensidade, e esses desenhos impactam em

diferentes graus na efetividade da democracia enquanto sistema transversal de organização

política. Dessa forma, quando são analisados os casos empíricos de participação, como os

citados OPs, conselhos e planos diretores, exibem-se variedades de desenhos e efeitos

democráticos (AVRITZER, 2008). O planejamento participativo no Brasil, na figura do PPA-

P, apresenta, constitutivamente, um arranjo participativo que percorre os três tipos, agregando

características de cada forma de participação social: primeiro, enquadra-se como um tipo de

movimento oriundo do aprofundamento da mobilização da sociedade civil pós-democrática;

segundo, procede a uma partilha de poder quando agrega ao ordenamento das ações do Estado

as reivindicações de conselhos e outras entidades representativas da sociedade; e, terceiro,

recorre à aprovação pública, nas audiências, das propostas apresentadas em texto-plano.

Existem potencialidades e limitações da participação social na tomada de decisões segundo

linhas teóricas específicas. Ao tratar sobre arranjos de participação e de instituições

participativas, Carneiro e Brasil (2011) resumem as potencialidades das IPs em quatro pontos

principais, de forma abrangente e dialogando com benefícios defendidos genericamente por

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toda a teoria democrática, que são eles: (1) “aprendizagens democráticas dos atores

envolvidos”; (2) “o desafio de lógicas democráticas sedimentadas no aparato político

institucional”; (3) “experimentalismo democrático”; e (4) "a produção de um repertório de

políticas públicas mais justas e legítimas", essas últimas oportunizadas pela troca de

experiências e ideologias originadas no seio da “inovação social” (CARNEIRO e BRASIL,

2011, p. 73 – tradução nossa). Sendo assim, as instituições participativas agregam elementos

de diversas correntes democráticas, desde a oportunidade de formação política e cidadã pelos

participantes até uma aprendizagem institucional sobre como se praticar melhor a democracia.

Por outro lado, de acordo com a revisão de Romão (2013), deve-se atentar para alguns

cuidados com as expectativas da implementação das IPs, com destaque para o caso brasileiro,

e outras limitações da consolidação dessas instituições. Existe, incontestavelmente, um

“contexto paradoxal em que as IPs se disseminam por todo o território nacional e fazem

inveja aos participacionistas de todo o mundo”, ao mesmo tempo em que despontam algumas

inconsistências em relação ao seu potencial de superação – sem substituí-la – da democracia

representativa. É certo que não foram poucas as expectativas criadas a partir da Constituição

Federal de 1988; a intenção de gerir de forma compartilhada as políticas públicas se enquadra

perfeitamente nisso. Agora “as IPs devem se haver com as expectativas que recaem sobre

elas, em um sentido amplo” (ROMÃO, 2013, p. 130).

Citando Wampler (2011), o autor argumenta que as IPs “funcionam como enxertos na

estrutura do Estado e da democracia representativa, uma vez que atuam como canal de ligação

de funcionários governamentais e líderes comunitários”. E, funcionando dessa forma, a

participação institucionalizada pode “forjar” ligações e alianças entre os diversos atores

sociais – “os cidadãos 'comuns', os funcionários públicos, as lideranças comunitárias, os

dirigentes sindicais e os prestadores de serviços” –, orquestrados tanto para a construção de

novas relações quanto para manutenção de relações preexistentes (WAMPLER, 2011 apud

ROMÃO, 2013, p. 135).

Feitas as apresentações da definição, natureza, formatos, potencialidades e limitações das

instituições participativas, a sequência deste item do trabalho vislumbra responder outros

questionamentos importantes, quais sejam: no que consiste a disputa teórica acerca do alcance

do arranjo ou desenho institucional participativo para a qualidade da democracia nos

processos decisórios? Sabendo que existe essa disputa teórica acerca da prerrogativa do

arranjo de participação para a qualidade da democracia, quais são então os elementos

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defensáveis de cada teoria e como isso é relevante para o objeto da pesquisa, ou seja, para a

função pública de planejar as ações do governo?

Quando consideradas as IPs, a qualidade e a efetividade da participação têm sido associadas

na literatura, dentre outros aspectos, ao desenho ou arranjo institucional participativo como

uma chave que pode favorecer ou ser determinante para a qualidade dos processos de

participação e deliberação, bem como sua efetividade (FUNG, 2006; AVRITZER, 2008,

BRASIL e CARNEIRO, 2011). No âmbito das discussões sobre efetividade deliberativa e das

avaliações do alcance efetivo da democracia em espaços institucionais – preocupações

centrais para a evolução da teoria da democracia deliberativa recente –, existem concepções

convergentes sobre como os desenhos institucionais têm potencial de tornar as instituições

mais fortemente deliberativas que outras. Essas avaliações partem do pressuposto construído

por Cohen (1997) de que “diferentes instituições (...) desempenham diferenciadamente seus

papéis deliberativos”, e por isso a importância do olhar caso a caso para o formato

institucional com que é praticada a democracia deliberativa (AVRITZER, 2011). Por outro

lado, também pode ser relevante o papel da participação da sociedade civil nas instituições

participativas, requerendo uma avaliação de como essa participação é determinante para a

consolidação de uma deliberação de sucesso.

A disputa teórica pela qualidade da democracia nas instituições participativas tem como

emblemáticas as concepções de Avritzer18

(2002, 2012) e de Fung e Wright19

(2003), sendo

que ambas tratam especialmente de experiências da democracia deliberativa pelo mundo, em

todas as esferas de governo, e subsidiam análises empíricas posteriores20. De um lado, para

Avritzer, o determinismo, se assim pode ser chamado, do arranjo de participação para a

qualidade da democracia pode ser questionado e relativizado em função da compreensão da

sociedade civil enquanto insumo para o aprimoramento da democracia. De outro, para Fung e

Wright, a forma como são desenhadas as instituições participativas pode incidir

significativamente sobre a qualidade da democracia nos processos deliberativos. Assim, em

uma via, “a sociedade civil se torna precondição para um desenho deliberativo exitoso”

18

As principais obras que organizam essa crítica são: “Democracia e o espaço público na América Latina”

(2002) e “Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política” (2012). 19

A principal referência para a crítica é a obra “Deepening Democracy: institutional innovation in empowered

participatory governance” (2003) – em português “Aprofundando a Democracia: inovação institucional na

governança participativa empoderada”. 20

As pesquisam que abordam as experiências da democracia deliberativa conduzem Archon Fung (2006) na

consolidação constrói um framework para a compreensão das possibilidades institucionais da participação e

indicadores de institutional design, ou desenho institucional, que são utilizados no modelo de análise da pesquisa

deste trabalho.

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(AVRITZER, 2011), e, em outra via, “a sociedade civil é entendida como resultado da própria

efetividade das IPs” (FUNG e WRIGHT, 2003, p. 20-22 apud AVRITZER, 2011).

Avritzer não refuta a relevância do desenho institucional para a efetividade da deliberação,

compreende sim o “design de forma participativa como um elemento institucional que

desencadeia a inovação e as relações das políticas horizontais”, e, nesse sentido, o desenho

institucional teria capacidade de gerar diferentes consequências no processo deliberativo. O

fato de enxergar o desenho como variável que impulsiona a inovação societal, todavia, não

implica em acreditar que ele seja imparcial e independente – o “desenho não é neutro”. Pelo

contrário, o desenho institucional é compreendido como uma parte dependente de interações

entre as sociedades civil e política; é o veículo, não a essência da deliberação. É o lugar onde

as interações “entre a sociedade civil e política produz resultados e cria novos padrões de ação

política” (AVRITZER, 2009, p. 65 – tradução nossa).

A análise da origem dos arranjos institucionais participativos em fatores intervenientes ao

papel da sociedade civil aponta que aqueles “emergem a partir da interação entre a inovação e

experimentação da sociedade civil”, de um lado, e de outro, a partir de “preocupações da

sociedade política com a deliberação mandatória e o acesso universal à formulação de

políticas públicas” (AVRITZER, 2009, p. 65 – tradução nossa). É reconhecido o papel da

sociedade política, governamental, na abertura do processo decisório, mas o autor pondera

que isso se dá senão a partir de uma pressão advinda pelo amadurecimento democrático, por

sua vez, atribuído ao amadurecimento da própria sociedade civil. Nessa perspectiva, a medida

que a democracia vai ter sucesso em determinado contexto não depende da qualidade de um

arranjo inexpressivamente neutro, mas de um conjunto de características da organização

social desse mesmo contexto. O autor reivindica que “a expansão de instituições participativas

pode produzir resultados diferentes dependendo do contexto” (Idem, p. 3 – tradução nossa),

sendo esse contexto influenciado pelo grau de mobilização e articulação da sociedade civil.

Considerando as limitações do desenho institucional para a capacidade de democratizar o

governo, Avritzer propõe em artigo que tece considerações sobre a variação da participação

no Brasil democrático o chamado “desenho participativo interativo”, que reconhece as

interações os cidadãos e o Estado como precondição para o sucesso dos processos

participativos. Dessa maneira, esse sucesso é atribuído “não ao desenho institucional e sim à

maneira como se articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade

política de implementar desenhos participativos” (AVRITZER, 2008, p. 47). Até mesmo a

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vontade política, sob essa visão, é compreendida como variável independente do desenho

institucional. No caso brasileiro, as instituições que emergiram nos últimos anos incorporaram

as formas culturais de participação “que originalmente haviam se desenvolvido dentro das

associações voluntárias durante o processo de democratização”, isto é, somente após a pressão

democrática da Constituinte é que se estruturaram como instituições políticas no bojo do

Estado (AVRITZER, 2009, p. 64).

Em sentido oposto, a literatura de Fung e Wright (2003) analisa uma diversidade de

experiências pelo mundo que apresentam perspectivas concretas de aprofundamento da

democracia (deepening democracy) a partir de arranjos participativos arquitetados

administrativamente e politicamente pelo Estado. As quatro experiências analisadas21 diferem

em conjuntura e permeiam variadas estruturas governamentais, áreas de políticas públicas,

níveis de desenvolvimento econômico e culturas políticas, o que relativiza a preponderância

do contexto na qualidade das práticas democráticas tal como argumentado por Avritzer. Por

outro lado, as experiências guardam similaridades que as aproximam no quesito de motivação

pela arquitetura institucional participativa; elas “têm o suficiente em comum para garantir sua

descrição enquanto instâncias originais, mas amplamente aplicável”. Fung e Wright (2003)

compreendem essa forma democrática de estruturar e expandir as instituições participativas, à

luz das experiências analisadas, como reformas de organização política e administrativa, que,

portanto, “oferecem uma variedade de projetos políticos e administrativos como alternativa

real ao aprofundamento da democracia”.

Nesse sentido, os desenhos institucionais, dito “ambiciosos”, não são apenas funcionais para a

operação da democracia, mas meios essenciais de superação ou aprimoramento das formas

institucionais democráticas convencionais com foco no compromisso de fortalecer a

capacidade de resposta e a efetividade do Estado, “ao mesmo tempo em que a torna mais justa

e participativa, deliberativa e responsável” (FUNG e WRIGHT, 2003, p. 6 – tradução nossa).

Na perspectiva de Fung e Wright, portanto, os arranjos não são meros organizadores da

política participativa, mas protagonistas de formas de aprofundamento da democracia,

inclusive fomentando a mobilização e articulação da própria sociedade civil nos ambientes

institucionalizados.

21

As experiências analisadas por Fung e Wright (2003) são as seguintes: um conselho de associações

comunitárias de bairro (“neighborhood governance councils”) na cidade de Chicago, nos Estados Unidos; um

plano de conservação de habitat de espécies ameaçadas nos Estados Unidos, em nível nacional; o orçamento

participativo da cidade de Porto Alegre, no Brasil; e reforma de governanças locais para empoderamento dos

chamados Panchayat, ou vilas, em West Bengal e Kerala na Índia.

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Ao argumentar sobre princípios e variáveis institucionais, os autores reconhecem a

importância do escopo de interações embutidas no processo participativo, mas o fazem

também afirmando que a qualidade dos arranjos participativos não somente absorve, mas

também acaba por espelhar as próprias virtudes da democracia participativa (FUNG e

WRIGHT, 2003). A diversidade de variáveis contextuais desfavoráveis que circundam os

casos analisados, e que mesmo assim produziram planos e reformas com bons resultados,

sugere que os desenhos institucionais podem resolver problemas complexos. Segundo os

autores, uma vez que contextos desfavoráveis apontam para caminhos democráticos não

virtuosos, é natural que a literatura enalteça a articulação da sociedade civil como uma

precondição do sucesso, “em que o engajamento popular aprimoraria as discussões a partir do

aumento do accountability e de capacidades ou por trazer mais informações a tona” (Idem, p.

39 – tradução nossa). Entretanto, defendem que nem sempre a solução se dá em virtude da

organização da sociedade. Em uma variedade de contextos são necessárias reformas que

promovam novas organizações políticas e administrativas e novas configurações institucionais

para fortalecer a democracia.

O desenho institucional participativo apresenta ainda outro potencial significativo, segundo a

literatura de Fung e Wright (2003), o de replicação. Tendo como base reformas institucionais

e modelos de sucesso do aprofundamento da democracia, o desenho pode se expandir em dois

sentidos: horizontal, para outras instâncias, funções públicas – por que não o planejamento? –

e regiões; e vertical, “em níveis mais altos ou baixos da vida social e institucional” (FUNG e

WRIGHT, 2003, p. 15 – tradução nossa). Isso aponta que os arranjos de participação, além do

potencial de influenciar positivamente o aprofundamento da democracia nas IPs, apresentam

oportunidades de replicação para outras esferas de interação com a sociedade civil. A

abrangência da democracia nos espaços participativos para a construção dos planos

plurianuais participativos, com enfoque no caso do PPA-P da Bahia, será apresentada na

seção de resultados, mas instiga-se a reflexão prévia de como esse planejamento participativo

pode ter um potencial de replicação horizontal e vertical, tal como citado, se confirmada a

preponderância do arranjo, em variáveis institucionais, no aprofundamento da democracia.

A disputa teórica apresentada requer uma correspondência direta às inquietações da pesquisa.

Toda a revisão apresentada oferece parâmetros para a análise do caso concreto, e espera-se

que a pesquisa seja de fato realizada à luz de cada mensagem da teoria democrática, suas

evoluções e contrapontos. Avritzer ilumina ponderações de que o desenho institucional

participativo é relevante para a efetividade do processo deliberativo, mas que o roteiro de

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articulação da sociedade civil é mais determinante, pois influencia no contexto em que são

implementadas as instituições políticas da participação social. Como será aprofundado no

Capítulo 3 deste trabalho, nem de longe se refuta o potencial agregativo do contexto para o

sucesso das IPs, tanto que esse capítulo discorre sobre o histórico de mobilização social na

Bahia de forma dialogada com a construção do arranjo de participação pelo governo. Por

outro lado, Fung e Wright vinculam o sucesso de planos e reformas democráticas mais à

arquitetura institucional de participação que às variáveis históricas de surgimento e

fortalecimento da sociedade civil. A escolha metodológica conduz a pesquisa para a avaliação

de princípios organizativos e variáveis institucionais do arranjo de participação no PPA

Participativo da Bahia segundo um modelo tridimensional22

de Fung (2006) que valoriza o

princípio da inclusão política. Sendo assim, embora a pesquisa se debruce mais na questão da

prerrogativa do arranjo ou desenho institucional participativo, o próprio modelo do autor

indica nuances do papel dos movimentos na democratização da IP.

Seção 2.3 A adoção da participação social no PPA

Esta seção tem como objetivo apresentar as características e principais momentos do processo

de adoção do componente participativo no planejamento público no Brasil, considerando que

integram a democratização da administração pública as iniciativas de planejamento

participativo, e, nesse contexto, a participação social nos instrumentos plurianuais instituídos

pela Constituição Federal de 1988. O Plano Plurianual Participativo (PPA-P) figura como

expressão da participação social no planejamento formal, e, por isso, tem um enfoque especial

nas descrições apresentadas. Supõe-se, vale destacar, que os elementos do processo de

democratização da administração pública têm potencial de agregar à função cargas de

(re)significado, de acordo com achados oriundos da exposição sobre a trajetória do

planejamento público e das razões que foram apresentadas nos “caminhos da democracia”

(todo o Capítulo 2). Assim como na seção 1.2, a exposição do caso federal é justificada

porque se trata de uma referência incorporada no processo de amadurecimento do

planejamento público em outros níveis de governo, como é especial no caso da Bahia,

22

Os três indicadores que compõem esse modelo são: seleção de participantes – se mais restrito ou aberto à

mobilização massiva; modo de comunicação e decisão; e extensão de autoridade e poder de agenda; sendo todos

eles permeados pelo princípio da inclusão social para indicar a grandeza e a intensidade da democracia.

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111

influenciando ambas a consolidação do ordenamento da programação formal da função e a

adoção da participação social.

2.3.1 O caminho do modelo de participação: do Orçamento

Participativo (OP) ao PPA Participativo (PPA-P)

Alguns autores (AVELINO e SANTOS, 2014; AMARAL, 2015) argumentam que existe uma

linha lógica de construção dos modelos participativos no processo de definição de prioridades

das ações governamentais. Essa linha origina-se no OP e caminha rumo à adoção da

participação social no planejamento formal, cuja expressão está posta nos dias atuais no rótulo

PPA-P – os dois instrumentos são significativamente chancelados pelos governos petistas. A

partir dos anos 2000, e, a participação social passou a compor as estratégias de planejamento

público durante a elaboração dos planos plurianuais, nos três níveis de governo. Além do

governo federal, na figura do PPA 2004-2007, os estados brasileiros têm adotado mecanismos

de escuta para a elaboração dos seus PPAs, sendo a Bahia uma referência nacional nessa

iniciativa. E, na visão de Amaral (2015, p. 233), “entre os motivos que concorrem para isso

estão as experiências anteriores em estados e municípios com o Orçamento Participativo (OP)

e a tônica de relação com a sociedade civil e movimentos sociais”.

O OP se caracteriza por um conjunto de estratégias governamentais voltadas para o

estreitamento do diálogo com a sociedade civil e para o fortalecimento da participação social

no processo decisório (AVELINO e SANTOS, 2014). Constitutivo do próprio nome “OP”, o

alvo dessas práticas deliberativas é de fato o orçamento público – não percorre a dimensão

estratégica. Por meio de instâncias participativas, o Estado abre a possibilidade para a

população opinar acerca da aplicação dos recursos públicos. Constitui-se em um “momento

em que a população é consultada e tem a oportunidade de colaborar com a priorização da

atuação do ente público” (p. 3), no nível do investimento. Os resultados principais do OP, em

termos de produto gerencial e administrativo, é a eleição de prioridades do orçamento e a

elaboração do projeto da LOA.

As iniciativas foram disseminadas pelo Brasil com formato e metodologias muito

heterogêneas, inclusive nos pressupostos de intermediação dos interesses da sociedade, mas

tiveram forte influência do caso emblemático do OP de Porto Alegre, iniciado em 1989 e

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considerado “como a manifestação mais conhecida da prática” (AVELINO e SANTOS,

2014). Entre 1990 e 2004, o OP de Porto Alegre colocou em prática um arranjo complexo de

escuta e deliberação, que se desdobrou em assembleias regionais, reuniões intermediárias e

fóruns permanentes de representantes no Conselho do OP (AVRITZER, 2012), possibilitando

a sustentabilidade da participação tanto em recorrência de oportunidades quanto em

adensamento de tipos de participantes.

Em diálogo com a teoria democrática, em outra perspectiva, o OP se caracteriza como uma

política participativa que proporciona um espaço de deliberação entre a sociedade civil e o

Estado, especialmente em nível local. A ideia central no quesito democrático é de inclusão de

múltiplos atores sociais, como representantes comunitários e cidadãos comuns, não

organizados, em um espaço de negociação e deliberação. O processo deliberativo ocorre em

dois momentos distintos, um de caráter participativo direto, em que há o convite à presença

massiva da comunidade, e outro de caráter representativo indireto, que abre a participação aos

delegados e conselheiros eleitos (AVRITZER, 2012).

Os resultados das instâncias de participação no que se refere à democracia são mais

abrangentes. Sobre isso, Santos (2002), em larga argumentação e análise acerca do orçamento

participativo de Porto Alegre, problematiza três questões relevantes para a democracia no

âmbito do OP, quais sejam: aprendizagem democrática; justiça redistributiva e ganhos de “co-

gestão”. A primeira questão, a aprendizagem democrática, é oriunda de um processo de

amadurecimento tanto do Estado quanto, principalmente, da sociedade civil, e acaba por

refletir uma evolução conceitual e metodológica do orçamento participativo em termos de

estrutura e desenvolvimento. Parte do amadurecimento observado da sociedade civil adveio

da transformação dada pela “participação popular de tipo não-clientelista” que, por si,

perturba a política tradicional e as estruturas de poder das comunidades. Segundo o autor,

tradicionalmente “os líderes das comunidades não só estavam socializados numa cultura

política do confronto, mas também numa cultura política do clientelismo, com base na qual

canalizavam recursos para as comunidades” (SANTOS, 2002, p. 502). Em situação de

“porosidade” democrática e deliberação, como ocorre no orçamento participativo, esse tipo de

sistema clientelista tende a ruir, positivamente.

A segunda questão relevante pontuada por Santos (2002, p. 514) é sobre as conexões entre

participação, negociação e redistribuição. Se considerada o que o autor chama de “natureza

democrática da distribuição”, “o OP pode ser considerado o embrião de uma democracia

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redistributiva”. A lógica encadeada na assertiva é de que tal natureza democrática da

distribuição ou evolui de forma weberiana, por meio da ampliação da burocracia, ou devido

ao aumento da complexidade decisória. Nitidamente, o orçamento participativo obedece à

segunda lógica, ou seja, corrobora para a evolução da redistribuição não por medidas

puramente administrativas estatais, mas pela complexificação do processo decisório. Nesse

sentido, o autor defende a seguinte hipótese de trabalho: “em sociedades internamente

diferenciadas, quanto mais forte é o vínculo entre democracia e justiça distributiva, mais

complexa tende a ser a metodologia que o garante” (Idem, p. 514). A simplificação do

processo decisório fomentado pela burocracia é, segundo essa visão, prejudicial ao vínculo

entre a democracia e a justiça redistributiva. Ao contrário disso, o OP representa um

mecanismo mais complexo de tomada de decisões, logo, com potencial maior de gerar a

citada redistribuição.

A terceira e última questão refere-se às dosagens de autonomia e poder entre os atores sociais

e os atores políticos no processo decisório. O OP rompe com um modelo de relacionamento

sempre sensível entre os participantes dos fóruns, especialmente os conselheiros e

representantes do conselho, e o Estado. Não é pequeno o desafio de conciliar as decisões

coletivas, construídas em processos deliberativos, e a “representatividade política do prefeito

inscrita na Constituição da República” (SANTOS, 2002, p. 526). Isto é, misturam-se as

oportunidades participativas do OP em instâncias de democracia representativa e deliberativa.

O autor argumenta que é possível a chamada esfera pública emergente e o governo municipal

coexistirem no processo decisório, por meio de um “contrato político” que garante que a

autonomia mútua de cada ator se transforme em “autonomia mutuamente relativa”, moldada

em um arranjo de partilha de poder. O OP, nesse sentido, se configura como um “modelo de

co-gestão, ou seja, um modelo de partilha de poder político mediante uma rede de instituições

democráticas orientadas para obter decisões por deliberação, por consenso e por

compromisso” (Idem, p. 526).

Em texto intitulado “Do orçamento participativo ao monitoramento participativo: o lugar e o

método da participação social nas escolhas estratégicas de governo”, Avelino e Santos (2014,

p. 13-14) discorrem sobre como a iniciativa do OP influenciou a expansão e a releitura do

modelo de participação a outras esferas de governo e funções da administração pública. O

governo federal implementou estratégias de ampliação da participação social na elaboração

dos planos plurianuais, “não por coincidência no mesmo período de expansão do orçamento

participativo pelos municípios brasileiros, no início da década de 2000”, promovendo a

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releitura do OP a fim de enquadrá-lo na função de planejamento no decorrer do ordenamento

também programático, não só orçamentário das ações governamentais. Dessa forma, na

medida em que o OP “ganhava fôlego em um número maior de municípios e iniciava sua

impulsão sobre alguns estados, o governo federal trazia a sociedade para debater sobre o seu

Plano Plurianual (PPA)”.

Não pode ficar de fora dessa análise, que talvez aponte para uma via mais abrangente do PPA

em relação ao OP, que o orçamento é parte integrante do sistema de planejamento (PPA, LDO

e LOA), “com base constitucional”, denotando o PPA como um “guarda-chuva” de intenções.

Assim sendo, por que então as experiências do orçamento participativo antecederam às

iniciativas dos planos plurianuais participativos? Novamente a explicação recai sobre a

preponderância das preocupações orçamentárias características da década de 90. A revisão

teórica apontou, sinteticamente, que pressionavam o governo federal à época as crises fiscais

estruturais, a necessidade de colocar as contas do país em patamares equilibrados, a

necessidade de redirecionar o Brasil para o crescimento econômico e a agenda gerencialista

da NPM imposta pelos agentes planejadores, o que reprimia o processo de redemocratização

da administração pública. Enquanto isso, nas gestões locais, municipais, “havia espaço

político suficiente para o experimentalismo e adoção de novas estratégias de legitimação das

decisões públicas”. Isso explica porque “boa parte da energia transformadora das

organizações e movimentos sociais encontrou solo mais fértil nas experiências locais de

orçamento participativo” (AVELINO e SANTOS, 2014, p. 3), além de um horizonte mais

factível (em termos operacionais) nesse nível de governo. Diante desse cenário, o governo

federal encampou estratégias participativas de planejamento a partir dos anos 2000, somente

10 anos depois, com uma abordagem diferenciada e relativa clareza de que a esfera nacional

demanda ajustes em termos de escala.

É interessante dispor neste item de algumas distinções entre o OP local e o PPA-P federal,

derivadas de características e mecanismos próprios de incorporação da participação social no

nível federal, com uma série de iniciativas particulares na definição de plano e orçamento.

São resumidas em três pontos, segundo Avelino e Santos (2014, p. 16), a saber: primeiro, a

atividade de planejamento em nível federal acontece a priori das iniciativas locais,

precedendo e direcionando processos participativos descentralizados de cunho orçamentário;

segundo, a representação no nível federal de planejamento demanda não a participação direta,

como no nível local, mas a representação institucional, como por meio dos conselhos

nacionais, movimentos sociais, entidades da sociedade civil e outros colegiados; terceiro, por

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115

fim, a estrutura estatal cuida de forma mais significativa (ou tem mais potencial para tanto) da

permanência e continuidade da estratégia participativa, instituindo espaços, fóruns e

colegiados permanentes de acompanhamento das ações governamentais. Dessa forma, o

governo federal demonstra uma capacidade de adaptação das iniciativas que são promissoras

em nível local para uma adequação à escala nacional.

2.3.2 Desencontros do planejamento governamental e

participação social: fases marcantes Este item inicia a apresentação das fases marcantes do desencontro entre planejamento

governamental e participação social na experiência brasileira recente. Pomponet (2008), Pires

et al (2014) e Amaral (2015) concordam que existiram no Brasil três intervalos de tempo com

diferentes manifestações, coincidentes e não coincidentes, de ambos os elementos,

planejamento e participação. Entre 1930 e 1980, o modelo foi “planejamento sim,

participação não”, marcado por uma noção tecnocrática de planejar. Em 1990, o modelo foi

“participação sim, planejamento não”, norteado pela “reforma do aparelho do Estado e por

uma visão que privilegiava a gestão ao planejamento”. Já a partir dos anos 2000, o modelo se

constitui como “planejamento sim e participação sim, porém ainda em desencontro”, que

registra a ascensão de um instrumento formal de planejamento, liberto da tecnocracia do

passado e com embasamento constitucional para articulação entre plano e orçamento

(AMARAL, 2015, p. 236).

A trajetória histórica da atividade de planejamento no Brasil é singular em termos de

“desenvolvimento e institucionalização de formas de participação social na produção de

políticas públicas” (PIRES et al, 2014, p. 115). Da década de 1930 até os dias atuais, o país

oscilou seus esforços de desenvolvimento em estratégias distintas de atuação governamental,

a começar pela própria escolha do tipo de papel a ser exercido pelo Estado na condução das

políticas públicas. Nesse cenário, planejamento e participação pouco coexistiram, e estiveram

presentes quase de forma alternada até o início do novo século, do que tratará o próximo item.

Entre 1930 e 1980, foi marcante a ênfase no planejamento tecnocrático em detrimento da

inclusão plural de atores sociais (PIRES et al, 2014, p. 118).

Na Era Vargas, o planejamento ascendeu como um importante mecanismo de

desenvolvimento nacional, na medida em que organizava a estratégia de transformação da

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116

estrutura produtiva, que ainda era dominada pela agricultura de exportação, para uma

estrutura voltada à industrialização. No interregno democrático que se estendeu até 1964, o

planejamento ocupou lugar de destaque na ação governamental, até mesmo incorporando

grupos executivos e conselhos setoriais na formulação e monitoramento das políticas. Sob um

modelo centralizado, entretanto, a população não foi convidada a participar das discussões e

foi predominante a noção de planejamento tecnocrático, realizado por especialistas, e

incompatível com a participação social (POMPONET, 2008; CARDOSO JR, 2011; PIRES et

al, 2014). Assim, “somente os técnicos governamentais, os grandes empresários e a classe

política eram mobilizados para discutir e propor” (POMPONET, 2008, p. 2). Esse formato de

planejamento avesso à participação social sugere que somente o ator especialista, burocrata, é

composto tecnicamente de capacidades de solucionar problemas da sociedade (SABEL, 2004

apud AMARAL, 2015).

A incompatibilidade entre a função de planejamento e a ampliação da participação social foi

acentuada quando do golpe militar que depôs o período democrático e instaurou a ditadura

militar. A partir de 1964, “não havia mais apenas o desprezo pelo envolvimento da sociedade,

mas a ameaça comunista, onipresente, que justificou os reiterados atentados aos mais

elementares princípios democráticos” (POMPONET, 2008, p. 2-3). Inclusive, a justificativa

para o golpe foi justamente a pressão popular, a partir da atuação de sindicatos e movimentos

sociais que reivindicavam a abertura de espaços de participação nas decisões políticas. Essas

iniciativas corroboraram para a deposição do então presidente João Goulart em 1º de abril de

1964, e, a partir disso, os governantes militares fortaleceram a condução da máquina pública e

das políticas “sem a preocupação de envolver a sociedade na tomada de decisões, limitando as

discussões às esferas burocráticas” (Idem, p. 3). Sendo assim, a ausência do engajamento,

diálogo e escutas sociais foi acirrada durante todo o período autoritário, assim como

priorizado e fortalecido regularmente o planejamento tecnocrático (POMPONET, 2008;

CARDOSO JR, 2011; PIRES et al, 2014).

Uma interpretação interessante sobre a ausência da participação social no citado intervalo de

tempo é apresentada por Pomponet (2008, p. 4), que encontra e organiza três razões para tal,

de natureza política, social e da própria administração pública. A primeira delas sugere que a

escuta social seria facilmente compreendida, num contexto de Guerra Fria, como uma

“ameaça comunista”, que a marca da justificativa da manutenção do poder pelos generais-

presidentes. A segunda razão, de natureza social, considera os determinismos da herança de

tradições patrimonialistas, oligárquicas e escravocratas na manutenção das correlações de

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117

força – “a classe dirigente brasileira com certeza jamais veria com simpatia a mobilização

social que almejava maior participação nas decisões políticas”. Por fim, a razão imposta pela

própria configuração da administração pública remete à valorização da qualificação técnica e

da crença positivista na tradição militar para formação de uma elite dirigente de poder com

capacidade de alavancar o desenvolvimento nacional; equipe essa que bem ocuparia gabinetes

da alta gestão, em contraposição a qualquer iniciativa de escuta social.

O segundo intervalo de tempo que marca o desencontro entre planejamento e participação é

representado pelos anos 1990. Segundo o enquadramento de Pires et al (2014), o momento foi

de “participação sim, planejamento não”, em que coexistiram práticas típicas do processo de

redemocratização da sociedade, mediante a incorporação de atores sociais e criação de novas

arenas de diálogo e escuta, e práticas gerencialistas internas à máquina pública que

sobrevalorizaram a gestão em detrimento do planejamento. Essas práticas foram combinadas

com uma agenda neoliberal orientada para a redução do papel do Estado na mediação de

relações da sociedade e para o enxugamento da máquina administrativa.

O ponto de inflexão que despertou as iniciativas de participação social foi a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que desencadeou uma série de mecanismos de perenização de

interesses sociais nas esferas nacional, estaduais e municipais. Foi observado um processo

intenso de mudança na atenção dada à participação social a partir de iniciativas como do

orçamento participativo e dos conselhos gestores de políticas públicas, sobretudo em nível

local, “alcançando a cobertura quase plena dos municípios brasileiros em áreas como saúde,

educação, assistência social, direitos da criança e do adolescente” (PIRES et al, 2014, p. 119),

entre outras. Na década de 90, foram empreendidas ações públicas para colocar em prática o

que estava posto no horizonte normativo da CF-88, em perspectiva democratizante, e também

para dar respostas aos sucessivos escândalos de corrupção que vieram à tona no governo

Collor. Em ambos os casos a solução é interveniente ao envolvimento da sociedade no

gerenciamento de recursos públicos, como é o caso emblemático do Sistema Único de Saúde

(SUS), maior sistema de saúde pública do mundo, que além de prever a participação das

comunidades atendidas em todos os níveis decisórios, ainda teve sua origem pressionada por

movimentos sociais sanitaristas atuantes (POMPONET, 2008).

À medida que emergiam iniciativas de participação, por outro lado, observou-se na mesma

década de 90 um esvaziamento da função de planejamento. A atividade planejadora foi

marcada mais por uma postura de contenção, pelos governantes, “do que para a construção de

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118

visões e metas de desenvolvimento de médio e longo prazo” (PIRES et al, 2014, p. 120). As

características básicas do processo de esvaziamento da função e consequente ascensão da

gestão já foram tratadas em seções anteriores, mas é importante destacar que houve no

contexto gerencialista e na agenda neoliberal iniciativas reformistas da máquina pública.

Colocou-se em marcha nos anos 90 a reforma administrativa, tendo o Plano Diretor de

Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE23

) como principal referência, buscando apoio na

aderência do instrumento a nível nacional e internacional. O plano em si teve êxito relativo,

mas contribuiu para o desmantelamento do planejamento público.

Alguns anos após a promulgação da CF-88, certos postulados da carta foram questionados em

contexto de crise fiscal, e o PDRAE surgiu como resposta a esses questionamentos e como

proposta de revisão da estrutura administrativa e financeira do Estado. De acordo com o texto

do plano de reforma, as promessas para os anos 90 eram de responder à crise com mais

consistência, situação essa em que seriam firmados compromissos para retomar a autonomia

financeira do Estado e ampliar sua capacidade de implementar políticas públicas, colocando

como processos inadiáveis: o ajustamento fiscal duradouro; reformas econômicas orientadas

para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a

concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional;

a reforma da previdência social; a inovação dos instrumentos de política social,

proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e

a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua ‘governança’, ou seja, sua

capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (PDRAE, 1995, p.10).

Alguns autores (BURSZTYN, 1998; PINTO, 2000; MARTINS, 2004; SANTOS, 2011),

entretanto, não veem como positivos os pressupostos da reforma empreendida no contexto da

NPM e da agenda neoliberal no Brasil. Segundo eles, o PDRAE compreendia a aferição de

um Estado de bom desempenho somente como aquele consequente de práticas articuladas de

controle dos meios. Mesmo com resultados muito limitados e com uma implementação

parcial, o plano pressionou a agenda de modernização da máquina pública centrada no

princípio da eficiência, a qual buscava preencher a administração de técnica e deixar à deriva

o desenvolvimento em outras dimensões da vida social, por minguar de conteúdo democrático

os instrumentos de planejamento e gestão. A reforma centrou esforços no controle dos

23

Como já apresentado, o PDRAE foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do

Estado, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em 21 de setembro de 1995, após ampla discussão, e

aprovado pelo então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso.

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119

recursos públicos e, na prática, colaborou para minguar a capacidade de agir do Estado, uma

vez que foram adotadas soluções questionáveis de privatizações em série, terceirização da

prestação de serviços sob a lógica do cidadão-cliente, e muitas outras medidas que não só

enxugaram a máquina pública, como diminuíram a noção de cidadania. Nesse cenário

restritivo de atuação do Estado, orientado pela a agenda neoliberal, a função de planejamento

teve baixo alcance político e social – ainda que a abertura das instâncias decisórias para a

sociedade a partir da carta constitucional estivesse em processo de amadurecimento.

2.3.3 A virada conciliatória dos anos 2000: porosidade da

ação governamental e o PPA Participativo

No contexto pós-2000 predominou o modelo de “planejamento sim e participação sim, porém

ainda em desencontro”, que representa o esforço de conciliação entre planejamento e

participação. A presença concomitante dos dois elementos demonstra reencontros recentes e

aprimoramentos na atuação do Estado, sobretudo em torno da elaboração dos planos

plurianuais em nível federal e estadual. Os dois elementos consolidados também indicam

tanto a transformação afirmativa do planejamento, no sentido de que a função voltou a ter

centralidade após uma onda de desmantelamento, quanto a ressignificação do planejamento,

em que o processo de democratização da administração pública agrega à função cargas de

(re)significado. Reflexo do segundo movimento é que a construção dos PPAs vem sendo

permeada, em alguns governos, por processos participativos, que incorporam diferentes atores

sociais na priorização e desenho de ações governamentais – alguns instrumentos são,

inclusive, chamados de “PPA Participativo”. Como reflexo do estímulo crescente à

institucionalização de espaços de participação social no planejamento público, ao longo dos

anos 2000 foram observadas no Brasil mudanças significativas na “’porosidade’ da ação

governamental às influências dos cidadãos e organizações da sociedade civil”, sendo

mensurados em cerca de 92%, na década, os programas federais com diversificadas iniciativas

de engajamento da sociedade (PIRES et al, 2014, p. 121).

No tocante ao planejamento público, após a onda gerencialista dos anos 90 o país passou a

considerar e empenhar medidas para recuperação da função esvaziada, consideradas neste

trabalho como uma aposta pela transformação afirmativa. Especialistas da área (GIMENEZ e

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120

CARDOSO JR, 2012 apud PIRES et al, 2014) argumentam que esse empenho é em parte

oriundo da própria recuperação da capacidade de crescimento econômico e social vivenciada

a partir de 2004, situação que permitiu a criação de condições e espaços para a retomada de

esforços de planejar um futuro mais promissor, de longo prazo. Como exemplos desses

esforços, têm-se o maior rigor metodológico da elaboração dos planos plurianuais (2004-2007

e 2008-2011, principalmente) e a proliferação de iniciativas de desenvolvimento de planos

setoriais, como aqueles da indústria e de infraestrutura (PIRES et al, 2014).

A partir dos anos 2000, foram dados importantes e significativos passos no quesito de

inovação do planejamento governamental no Brasil, acentuados pela ascensão de Lula à

Presidência em 2003. A disseminação e diversificação dos espaços institucionalizados de

participação social iniciadas na década de 90 foram também incorporadas na função de

planejamento, promovendo resultados de conciliação entre os dois paradigmas (AVELINO e

SANTOS, 2014; PIRES et al, 2014; AMARAL, 2015). A passagem rápida pela história

recente em relação à adoção do componente participativo demonstra um “esforço sistemático

de adoção de formas de interação com a sociedade civil em diferentes áreas de atuação do

Governo Federal” (PIRES et al, 2014, p. 121), incluídas as formas dessa interação no

processo de definição de planejamento e orçamento públicos. Afirma Abrucio (2007, p. 76),

especificamente sobre o planejamento plurianual formal, que o governo Lula “aproveitou sua

inspiração na democracia participativa para discutir mais e melhor o PPA com a sociedade,

em várias partes do Brasil, realizando um avanço no campo do Planejamento”.

O estreitamento da conexão entre o planejamento e a participação se iniciou no primeiro

mandato do então presidente, durante a elaboração do PPA 2004-2007. O plano “Brasil de

Todos: Participação e Inclusão” manteve a metodologia por programas característica do

período anterior, mas inovou com a abertura de uma grande consulta popular, contando com o

diálogo, em todo o território nacional, com entidades da sociedade civil e a promoção de

fóruns participativos - 27 Fóruns Estaduais de Participação Social no PPA. Também

promoveu a aproximação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) nas

discussões do plano. Essas e outras iniciativas de participação resultaram na criação de um

grupo de trabalho (GT) composto por representantes da sociedade civil e do governo com o

objetivo de (re)pensar coletivamente a metodologia de diálogo social (PIRES et al, 2014). De

acordo com Adelino e Santos (2014, p. 14), o PPA 2004-2007 realizou “audiências regionais

acerca do conteúdo do planejamento governamental para os quatro anos seguintes” e inovou,

quando comparado ao modelo de participação na definição do orçamento – os orçamentos

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121

participativos (OPs) – pelos conselhos, no sentido de que mobilizou também discussões

acerca do conjunto das políticas públicas (debate de conteúdo) a serem empenhadas pelo

Estado.

O processo de incorporação do componente participação no âmbito do planejamento público

foi continuado e aprimorado no PPA 2008-2011. Processos semelhantes ao ciclo anterior

foram mantidos, mas trocou-se o foco da mobilização social para os conselhos nacionais, de

modo a pautar a elaboração do plano na representação de interesses difusos e, supôs-se, na

legitimidade da escuta social. Os conselhos foram chamados a participar de debates

específicos das políticas-objeto de sua atuação, e os resultados dessa medida, ao menos no

plano da intencionalidade, deveriam ser conduzidos para a agenda do executivo federal

(AVELINO e SANTOS, 2014). No referido ciclo de elaboração, também foram

oportunizados seminários regionais e um grande evento de diálogo em Brasília, em 2007.

Ainda, já na competência do legislativo, foram promovidas discussões entre a Comissão

Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional e a

sociedade civil, com a promessa de priorizar suas sugestões no texto do PPA (PIRES et al,

2014).

Apesar da introdução da participação social nos planos e dos avanços metodológicos

apresentados do PPA 2004-2007 para o PPA 2008-2001, algumas críticas severas tecidas

sobre a condução do processo participativo podem ser citadas, que correspondem,

principalmente, às limitações na efetiva incorporação dos pleitos sociais e do impacto da

escuta na agenda pública governamental. No primeiro ciclo, alguns grupos entrevistados,

representantes da sociedade civil organizada, consideraram um verdadeiro “espetáculo da

participação” a suposta abertura proporcionada, na medida em que as propostas não foram

incorporadas no plano como esperado. As estratégias não corresponderam às expectativas de

criação de espaços de participação institucionalizados com profundidade e sustentabilidade,

tampouco orientou as discussões para um “modelo de desenvolvimento”, somente para

questões pontuais (MORONI, 2010 apud PIRES et al, 2014). O segundo caso repetiu alguns

erros e produziu outros novos. Tanto os participantes frustraram as expectativas de ter seus

pleitos considerados na concepção do PPA, quanto a atuação da citada comissão do

Congresso Nacional apropriou-se do espaço de participação para vocalizar discursos longos e

próprios, inclusive limitando a oportunidade de vocalização da sociedade (INESC, 2007 apud

PIRES et al, 2014).

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122

O ciclo de elaboração do PPA 2012-2015, por sua vez, apresentou incrementos mais

substantivos de participação no planejamento público. Por meio do chamado “Fórum

Interconselhos”, foi introduzida uma nova metodologia de “perenização” de interesses da

sociedade no texto do plano plurianual. De acordo com publicação da Secretaria Nacional de

Articulação Social (2011 apud PIRES et al, 2014, p. 125), era esperado que o fórum fosse

uma “instância de debate efetivo, qualificado, contínuo e institucionalizado sobre participação

social e planejamento público, assim como [ampliasse] a conexão entre a participação social e

expressões das escolhas estratégicas de governo, como PPA, LDO e LOA”. Com uma

contribuição inovadora na questão da discussão de políticas públicas – inclusive no cuidado

com a transversalidade dessas políticas públicas – os conselhos tiveram a oportunidade de

serem ouvidos, primeiramente, dentro da sua própria estrutura e, em seguida, em um

momento coletivo que agregou diferentes representantes eleitos. A oportunidade também foi

estendida a um conjunto de governadores e representantes de municípios, de/em todas as

regiões do Brasil, por meio de processos de diálogos regionalizados (AVELINO e SANTOS,

2014; PIRES et al, 2014).

Participaram do processo de escuta e diálogo cerca de 300 pessoas, e mais de 600 propostas

foram apresentadas, sendo 77% delas incorporadas no plano. Foi atestada de fato a

contribuição do fórum na alteração significativa do formato de diálogo com a sociedade e no

aprofundamento e aperfeiçoamento das experiências anteriores. É importante destacar que,

além desses resultados, o componente de participação ganhou centralidade também no

monitoramento expandido do PPA, contribuindo à função de planejamento em aspectos de

profundidade e sustentabilidade. Nessa perspectiva, Avelino e Santos (2014, p. 14-15)

afirmam que o “grande diferencial do Fórum Interconselhos é que a mobilização da sociedade

não se esgotou no momento da elaboração do Projeto de Lei do Plano Plurianual”, pelo

contrário, após a elaboração e aprovação em si, os participantes foram convocados mais

outras três vezes, o que pode indicar um maior grau de institucionalização de participação em

processos decisórios e em práticas governamentais rotineiras.

Naturalmente, apesar de todos os avanços e da inegável disposição do governo federal em ao

menos estreitar laços com a sociedade, o modelo participativo no planejamento formal e na

elaboração das peças plurianuais ainda está inacabado, carecendo de aprimoramento

conceitual e metodológico. Pires et al. (2014) criticam o patamar de conciliação entre

planejamento e participação no sentido do enfoque e do formato dados ao processo,

promovendo assertivas interessantes acerca da manutenção dos desencontros entre os

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123

paradigmas e limitações remanescentes, mesmo nos PPA-Ps do contexto pós-2000. Segundo

os autores (p. 121), “persistem desencontros entre a operação [dos] canais de participação e os

objetivos de construção de um planejamento de médio e longo prazo compartilhado entre o

governo e sociedade”. Existem muitas limitações persistentes responsáveis por também

persistir o prejuízo à mobilização da sociedade na construção de conteúdo dos planos

plurianuais, que são de naturezas diversas, como referentes ao tipo de arranjo participativo ou

às inalcançáveis capacidades burocráticas governamentais de implementar e gerir o PPA. Os

atores ainda “exibem baixas capacidades propositivas e de promoverem reflexões coletivas,

discussões ampliadas sobre os rumos das políticas públicas e do país”, ou insuficiência em

proporcionar a “concertação necessária para a construção de visões compartilhadas de

futuro”.

2.3.4 Participação social em contexto subnacional: o PPA

Participativo nos estados

O planejamento governamental esteve historicamente nas mãos da burocracia estatal e,

consequentemente, pouco aberto à construção coletiva participativa. Como apresentado

reiteradas vezes neste trabalho, a partir dos anos 2000 foram dados importantes passos na

abertura do planejamento governamental via adoção da participação social. E esse movimento

de aproximação de formas de participação na elaboração dos PPAs não se restringiu ao

governo federal. Como espelho do movimento central e das transformações das relações com

a sociedade civil e movimentos sociais, além das experiências exitosas de participação em

níveis locais, diversos estados brasileiros passaram a implementar, pouco a pouco, fóruns e

mecanismos de participação social na elaboração dos respectivos planos plurianuais (PIRES

et al, 2014; AMARAL, 2015). Uma das noções possíveis (AMARAL, 2015, p. 238) do

objetivo da adoção da participação social é a de aprimorar planos de governo, planos de longo

prazo e “ao menos o escopo geral de conteúdo do PPA, expresso, em geral, em suas diretrizes,

metas, programas e ações”.

As experiências estaduais de perenização do desenho das ações governamentais datam de

forma efetiva do PPA 2004-2007 e, desde então, a prática é cada vez mais recorrente. Alguns

estados, inclusive, chamam o seu plano plurianual de PPA Participativo (PPA-P), pois

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124

agregam a participação social ao planejamento como “elemento-chave” da elaboração do

conteúdo programático, compreendendo o elemento como premissa de todo o processo. Essas

experiências no nível estadual vêm se constituindo dentro de arranjos participativos

específicos e relativamente heterogêneos, expressando formatos e naturezas de participação

distintos (PIRES et al, 2014; AMARAL, 2015). Como já adiantado no Capítulo 1, as

arquiteturas institucionais em que foram moldados os sistemas estaduais de planejamento

representam estratégias distintas de sobrevivência dentro da máquina pública, em confronto

com as inúmeras iniciativas de desmantelamento da função de planejamento, e essas

estratégias refletem na forma como os governos estaduais praticam a elaboração dos planos

plurianuais (CARNEIRO, 2015).

Somada aos determinismos da trajetória de planejamento de cada contexto subnacional

estadual está a afinidade ideológica dos dirigentes com o tema da participação social. Ela vem

sendo incorporada em perspectiva voluntarista de certos governos estaduais, assim como

ocorreu em ganhos de intensidade nos governos locais ao longo do tempo. Uma vez que a

normatização de elaboração do PPA somente exige a adoção da participação social em fase de

validação do texto final, no Legislativo, por meio de audiências públicas, quando os governos

abrem a inclusão política de atores sociais também no processo de discussão programática,

esses novos canais refletem a vontade política do Executivo em ampliar a participação social

e, supõe-se, qualificar o planejamento público. Ou seja, a ausência de prescrição normativa

que obrigue os governantes a abrirem escutas sociais em fase de elaboração dos planos acaba

por sinalizar a vontade política de estreitar relações com a sociedade (CARNEIRO, 2015).

A partir então dessa vontade política e das arquiteturas institucionais inerentes a cada governo

estadual, conformam-se de forma variada os canais e instâncias de participação social na

elaboração do planejamento. São incorporados de forma heterogênea os múltiplos atores

sociais na priorização e desenho de ações governamentais. De acordo com Carneiro (2015, p.

287), a princípio, “os conselhos e conferências de política setorial instituídos nos estados

seriam uma espécie de candidato natural à viabilização dessa participação”, considerando “o

caráter também setorial que caracteriza o arranjo organizacional estruturado para a elaboração

do PPA”. Mas foram as instâncias de participação, representadas em fóruns presenciais e

virtuais, que ganharam mais ênfase no PPA participativo. Na maioria das experiências

estaduais, o governo protagoniza ambas a “realização de audiências públicas ou fóruns, de

recorte regional, e a criação de sites ou portais específicos para a interlocução com a

sociedade”, muitas vezes de forma combinada.

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125

Olhando para os casos empíricos, sistematizados pelo já citado projeto do IPEA

“Planejamento e Gestão Governamental na Esfera Estadual: uma análise comparativa dos

processos, conteúdos e sistemas de acompanhamento dos PPAs”, Pires (et al, 2014) e

Carneiro (2015) classificam, de forma diferente, mas com resultados parecidos, as

experiências estaduais na elaboração do PPA 2012-2015 entre aquelas mais ou menos

participativas.

Os primeiros autores identificam três grupos de estados – entre os dez contemplados no

projeto – que promoveram arranjos participativos para o referido ciclo do PPA em diferentes

graus de intensidade. Em um polo de maior complexidade, visando à construção de um amplo

sistema de participação integrado, estão Bahia, Rio Grande do Sul e Ceará. Já em outro polo,

se constituíram arranjos pouco abrangentes, não integrados em diferentes espaços e com a

promoção de eventos descontínuos, muitas vezes limitados às audiências públicas obrigatórias

no âmbito do Legislativo. Os estados expoentes nesse polo são Minas Gerais, Mato Grosso do

Sul, Rio Grande do Norte e Paraná. Em linha intermediária estariam Espírito Santo, São Paulo

e Rio de Janeiro. Os resultados das análises são oriundos de uma proposta de indicadores que

refletem a profundidade do arranjo de participação em que estão imersos os respectivos

planejamentos estaduais. São representados de forma sintética tal como no Quadro 01 a

seguir.

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126

Quadro 01. Classificação dos indicadores de arranjo participativo nos PPAs estaduais

por estado

Estado

Indicador de arranjo participativo na construção e debate do PPA estadual

Regionalização

da participação

Presença de

mais de um

canal de

participação

Eleição de

representantes

regionais para

deliberação na

esfera estadual

Criação de

conselho ou

fórum

exclusivo

Participação

promovida

tanto pelo

Legislativo

quanto pelo

Executivo

Bahia Alta Alta Alta Alta Alta

Rio Grande do Sul Alta Alta Alta Alta Alta

Ceará Alta Alta Média Média Alta

Espírito Santo Baixa Média Baixa Média Média

São Paulo Baixa Média Baixa Média Média

Rio de Janeiro Baixa Média Baixa Média Média

Minas Gerais Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa

Mato Grosso do Sul Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa

Rio Grande do Norte Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa

Paraná Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa

Fonte: elaboração própria; extraído das ideias de Pires et al, 2014.

Como se pode observar, somente Bahia e Rio Grande do Sul cumprem com os cinco

indicadores apontados. Todavia, como a regionalização é uma importante medida de inclusão

política, o Ceará compõe o polo de maior complexidade. A formatação dos arranjos

participativos desses estados em torno de territórios – no caso da Bahia, os “Territórios de

Identidade” – é compreendida como um esforço de integrar diferentes regiões e perspectivas,

“com vistas a não só atender o maior número de cidadãos nesses espaços, bem como

pluralizar (em termos regionais) os debates em torno da priorização e hierarquização de

propostas advindas da sociedade” (PIRES et al, 2014, p. 128). Além disso, a diversificação de

canais de participação reflete o esforço de ampliar as instâncias participativas e, por

consequência, de ampliar a inclusão de mais atores e respectivas propostas no processo de

elaboração dos planos plurianuais. Os referidos estados por fim promovem a “criação de um

conselho ou fórum temático específico para debater o PPA com participação de membros do

governo e da sociedade civil organizada, e tentativas de integração entre Legislativo e

Executivo no fomento aos espaços de participação”, apontando para um futuro de

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127

sustentabilidade das estratégias e para o desenho de metas mais aderentes aos anseios da

sociedade, inclusive em perspectiva “subestadual”.

Carneiro (2015), por sua vez, considera apenas Bahia e Rio Grande do Sul como estados que

atribuem maior centralidade política à participação social na elaboração dos PPAs, não

incluindo o Ceará no rol de estados com arranjos participativos mais consolidados e

aprofundados. Pensando em um traço contínuo de intensidade da participação, estariam Bahia

e Rio Grande do Sul em um extremo, presente, e o Paraná em outro extremo, ausente. No

PPA 2012-2015, o Paraná não apresentou avanços na inclusão política no planejamento,

sequer foi representativo o número de audiências públicas realizadas no estado, obrigatórias

pela constituição.

A tônica da participação na Bahia se dá, segundo o autor, pela “arquitetura institucional de

relativa complexidade” que consolida “como principal espaço de interlocução a realização de

plenárias nos denominados ‘territórios de identidade’ que representam as unidades regionais

de planejamento utilizadas no estado” (CARNEIRO, 2015, p. 288). Abranger o território

dessa forma tem a intencionalidade de fomentar a inclusão e incorporação das múltiplas

intervenções e propostas da sociedade na programação do PPA, ainda que sem a garantia

dessa inclusão. Já o Rio Grande do Sul é o estado “que conta com o arranjo institucional de

maior abrangência e complexidade para a interlocução com a sociedade no processo de

elaboração do PPA”, na ótica de Carneiro (2015, p. 288). A referência nacional que o RGS

impõe se expressa por meio da conformação do chamado Sistema Estadual de Participação

Popular e Cidadã, que diversifica a participação em vários canais e instrumentos, com o

objetivo de promover a participação na elaboração do planejamento e também em seu

acompanhamento, garantindo um caráter permanente de discussão, revisão e accountability. O

estado também inova com iniciativas de deliberação, ainda que imaturas.

É importante destacar no caso da Bahia, para fins deste trabalho, que o estado se encaixa entre

aquelas iniciativas de planejamento que busca empréstimo das experiências federais, enquanto

outros estados optam por trilhar caminhos constitutivos e metodológicos independentes

(PIRES et al, 2014). Assim, a Bahia tem a peculiaridade não só de expressar-se favorável à

participação, mas também de mostrar-se disposta ao alinhamento com as diretrizes do

governo federal e às oportunidades de aprimoramento metodológico abertas no reflexo de

experiências mais bem consolidadas. Sobre esse aspecto, Carneiro (2015, p. 303) reconhece

um conjunto de estados que busca “acompanhar as inovações na concepção metodológica do

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128

PPA 2012-2015 introduzidas pelo governo federal” e outro conjunto, como Minas Gerais, que

se caracteriza pela “incorporação das ferramentas do planejamento estratégico utilizadas na

iniciativa privada”. Nesse último caso, o discurso em prol da eficiência ganha centralidade e

se estabelece um paralelo de diálogo com medidas gerencialistas que focam em gestão por

resultados, no alcance de metas e na racionalização do gasto público. Normalmente as duas

visões são inconciliáveis, não porque seja impossível coexistir seus elementos constitutivos,

mas porque são produto de construções ideológicas distintas. Ainda assim, como exemplo, as

experiências recentes do PPA do Ceará demonstram essa tentativa de conciliação.

Para fechar a presente seção, é razoável compartilhar alguns achados críticos de Carneiro

(2015, p. 288) na leitura transversal das experiências estaduais no planejamento formal. A

primeira é que “quaisquer que sejam os canais adotados, o alcance da participação no tocante

à efetiva incorporação das demandas manifestadas pela sociedade na programação do PPA

revela-se, na ampla maioria dos estados pesquisados, muito restrito”. Isto é, pouco do

conteúdo discutido nas instâncias participativas tem sido efetivamente colocado nos planos, o

que é problemático do ponto de vista da efetiva perenização do planejamento público em

função da abertura do processo para a sociedade. A segunda diz respeito à natureza da

participação, sendo a maioria “meramente informativa”, no máximo consultiva. “Quando

consultiva, as sugestões e demandas constituem apenas subsídios a serem considerados na

formulação do documento, sem o compromisso formal do governo de acatá-las”, ou seja,

reforça que a abertura de escuta pode não se dar no sentido da adesão de propostas, mas em

uma via de mão única que continua a valorizar a burocracia técnica estadual na programação

governamental. Para Carneiro (2015) é possível afirmar que o componente participativo na

elaboração do PPA 2012-2015 no âmbito dos estados, “na maioria dos casos, se presta,

quando muito, à aprendizagem democrática, pouco contribuindo para tornar o conteúdo dos

documentos produzidos mais permeáveis à manifestação das preferências e interesses da

sociedade”. Espera-se que este trabalho responda de forma mais aprofundada tanto os avanços

dos arranjos participativos quanto os aspectos críticos apontados.

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129

Capítulo 3. Estudo de caso do PPA Participativo da Bahia

Nos capítulos anteriores, este trabalho apresentou e problematizou os principais conceitos e

desdobramentos do planejamento público no Brasil e da democracia e participação social.

Esses esforços iniciais contribuíram para identificar as brechas no planejamento público no

Brasil e indicar o potencial da participação social em superar os problemas destacados.

Concluídas as exposições teóricas, este capítulo apresenta o estudo de caso selecionado para a

realização da pesquisa, que é o Plano Plurianual Participativo da Bahia (PPA-P/BA). Está

organizado em quatro seções: primeiro, apresenta a delimitação da pesquisa, retomando

objetivamente os pressupostos teóricos e delimitando o recorte analítico do estudo de caso;

segundo, discorre sobre a metodologia empregada na pesquisa; terceiro, percorre o histórico

da mobilização social no Estado da Bahia, a evolução do processo de elaboração do PPA nos

últimos ciclos quadrienais e a construção do arranjo participativo; por fim, apresenta o

modelo de análise e os resultados nos indicadores da democracia no PPA-P da Bahia.

Seção 3.1 Delimitação e objetivos da pesquisa

Esta seção tem a missão de delimitar objetivamente a pesquisa e apresentar seus objetivos. O

estudo foi motivado por uma inquietação acerca do padrão de planejamento público no Brasil,

que seria reprodutor de uma série de características conservadoras da administração pública.

Partiu-se de uma ideia de que esse padrão adotaria convencionalmente ritos de planejamento

não afinados com preceitos democráticos de inclusão política e participação cidadã e

assumiria vieses equivocados nos processos decisórios, contribuindo para a elaboração de

planos nacionais esvaziados de conteúdo político, de soberania democrática e de requisitos de

legitimidade.

Diante dessa inquietação, as seções iniciais responderam às seguintes perguntas: A origem,

motivação e os ciclos marcantes da trajetória do planejamento no país (seção 1.1) afirmam

que a função foi tradicionalmente realizada em desacordo com os princípios democráticos?

Quais aspectos críticos da função do Brasil (seção 1.3) poderiam ser preenchidos de

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princípios democráticos e de sentido? Ainda, ao analisar as experiências de planejamento

recente, será que existe um cenário de transição dos aspectos críticos da função para soluções

via democratização e participação social (seção 2.3)? O estudo exploratório buscou organizar

as ideias a respeito da transformação de sentido do planejamento público, verificando o

potencial de ressignificação da função a partir da democratização da administração pública.

O Capítulo 1 abordou a problemática do planejamento tradicional desde sua origem na década

de 30, encontrando de fato um descompasso com princípios democráticos. Esse modelo de

planejamento teria se consolidado de forma burocrática, centralizadora, discricionária,

economicamente orientada e politicamente esvaziada, entre outros legados nocivos à

democratização. Além disso, a primeira linha teórica lidou com a questão do esvaziamento da

função a partir de meados da década de 80, que foi responsável por pressionar importantes

agendas de recuperação e reformulações normativas, como a própria CF-88, para tornar o

planejamento um rito de ordenamento programático formal. Essas mobilizações foram

organizadas neste trabalho sob a ótica de um processo de transformação afirmativa do

planejamento público, no sentido de que ele deve preencher lacunas na ação programática do

governo frente ao dito esvaziamento.

O Capítulo 2 deu os contornos da democracia, focando os achados no seu processo de

reinvenção a partir de instituições deliberativas e participativas, como uma política continuada

de reestruturação de relações entre Estado e sociedade. No Brasil, de forma paralela ao

processo de transformação afirmativa do planejamento, a agenda democrática impulsionada

pela carta constitucional também buscou promover um novo sentido para a função, voltado a

edificá-la em bases democráticas. Assim, as mudanças de cunho democrático foram

incorporadas na agenda de desenvolvimento do planejamento não somente para recuperá-lo

enquanto função do Estado, mas também para dotar essa função de mais sentido. Valendo-se

de vontade política e de arquiteturas institucionais de participação, a partir dos anos 2000 o

país vem intensificando a conciliação entre planejamento e participação – ainda que as

práticas participativas coexistam com sistemas mais tradicionais da administração pública e

da representação política –, o que é indicativo da constituição de um possível cenário de

transição dos aspectos críticos do planejamento para soluções via democratização.

É da seguinte forma que este trabalho organiza a concepção de ressignificação do

planejamento público: dar um novo significado e/ou um novo sentido para o planejamento,

apoiado na participação política, na inclusão social e em um projeto político que cria

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instâncias de participação no âmbito do Estado, as quais viabilizam, entre outros, rotinas de

escuta social e espaços de construção coletiva da agenda governamental. Dar um novo

significado e/ou um novo sentido para o planejamento também se refere a mitigar suas

disfunções constitutivas, limitações e problemáticas de enfoque (seção 1.3) e preencher a

função de conteúdo político, de soberania democrática e de requisitos de legitimidade.

O que se apreende dessas exposições sobre o planejamento, a democracia e a ressignificação é

que a pesquisa bibliográfica e documental já respondeu às inquietações iniciais deste estudo,

promovendo afirmações sobre o potencial de qualificação do planejamento com o processo de

democratização da administração pública e com a adoção da participação social.

Para confirmar (ou refutar) os achados teóricos, optou-se pela análise do Plano Plurianual

Participativo da Bahia (PPA-P/BA), devido à possibilidade de exploração do histórico de

mobilização social e participação à luz do caso concreto e do enquadramento em modelo de

análise que dispõe de indicadores capazes de examinar com qual grandeza e intensidade a

democracia ressignifica o planejamento público. Sendo assim, coloca-se como objetivo

central deste trabalho examinar, a partir da adoção de modelos de análise fundamentados na

teoria da democracia, em que medida o planejamento público é ressignificado pela

participação social, tendo como referência a grandeza – tamanho da área do “Cubo da

Democracia” de Fung (2006) –, e a intensidade da democracia nas instituições participativas

do PPA-P/BA.

A análise e a demonstração dos resultados em modelo trazem algumas vantagens para o

estudo, entre elas: traduzir a ressignificação do planejamento público a partir da

institucionalização da participação social em um contexto específico; promover uma

compreensão mais apurada sobre a grandeza e a intensidade da democracia possibilitada pelo

arranjo institucional participativo adotado; e indicar variedades de intensidade com que a

democracia participativa pode preencher o planejamento de significado. O modelo de análise

para o estudo do caso concreto vai permitir o posicionamento do PPA-P/BA em diferentes

intensidades de inclusão política, extensão do chamamento à participação, desenvolvimento

de preferências pelos participantes da sociedade, diluição da autoridade governamental nos

processos decisórios, empoderamento de pauta à agenda governamental, entre outras variáveis

da democracia.

Vale ressaltar que o enfoque da pesquisa está na identificação de variedades de grandeza e

intensidade de democracia na função de planejar – assim, na democratização do planejamento

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e em sua ressignificação a partir da participação social –, e não em resultados da participação

no produto-plano do PPA ou em sua implementação. Esse enfoque foi motivado por

constatações de que o planejamento é processo, uma função permanente do Estado e um

exercício essencialmente político, ainda que exija rigor formal e metodológico para evitar o

voluntarismo e a discricionariedade dos gestores públicos. Esse exercício requer

questionamentos e debates que enriquecem o conteúdo das ações programadas e tornam a

função de planejar mais complexa que um produto impresso rígido. Além disso, os atributos

da democracia não têm compromissos diretos com o produto ou efetividade na

implementação do que foi desenhado, pois a democracia é compreendida como valor que,

entre muitos outros ganhos, constrói uma soberania social e forma politicamente os

participantes das IPs para o exercício da cidadania. Por isso, o ganho de democracia não se

daria necessariamente na qualidade do produto, o plano plurianual em si, mas em fortalecer o

debate de conteúdo com uma multiplicidade de interesses e visões de mundo e perenizar o

processo decisório, dotando o planejamento de mais legitimidade.

O caso da Bahia foi selecionado tendo em vista três razões principais, a saber: primeiro,

porque a experiência do estado mostrou-se uma referência no país pelo arranjo institucional

adotado e pelos resultados alcançados, conforme destacaram alguns estudos transversais sobre

o planejamento participativo nos estados brasileiros; segundo, porque o modelo implantado

no estado fez uma releitura adaptativa e um aprimoramento da adoção do componente

participativo à luz do modelo federal, o que projetou a análise desta pesquisa em diálogo com

a experiência nacional e a permitiu dispor de mais literatura; e, por fim, porque houve uma

continuidade na gestão estadual em 2014 que corroborou para que se mantivesse no governo a

mesma equipe que vem construindo os entendimentos e a metodologia sobre o PPA

participativo, o que é fundamental para uma análise crítica contextualizada dos avanços e

retrocessos do planejamento no estado.

Procedem, neste capítulo, a descrição da metodologia utilizada para a realização da pesquisa,

o histórico de participação na Bahia e a construção do arranjo participativo no estado24

. Na

última seção, são apresentados o modelo de análise e os resultados dos indicadores

selecionados, que analisam a grandeza e a intensidade da democracia no arranjo de

participação do PPA-P baiano, valendo-se de modelo analítico fundamentado em Fung

24

O item 3.3.3 correspondente à construção do arranjo de participação já tem um aspecto analítico forte, pois

adiciona às descrições perspectivas importantes da revisão documental e da pesquisa qualitativa aos

entrevistados da SEPLAN; assim, as descrições são também apoiadas nas percepções dos gestores da secretaria.

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133

(2006), de configuração multidimensional. Motivado por uma exposição voluntária e

sinérgica dos entrevistados, o último item do capítulo apresenta, ainda, temas específicos que

têm potencial de responder às críticas do planejamento organizadas na revisão teórica.

Seção 3.2 Metodologia

Para alcançar os objetivos desta dissertação, partiu-se de uma ampla revisão teórica de ambos

os objetos centrais da pesquisa: o planejamento público; e a democracia e a participação

social. A construção argumentativa e lógica do trabalho se deu da teoria para a investigação

empírica – abordagem dedutiva (FERREIRA, 1998; LAKATOS e MARCONI, 2000) –,

promovendo contribuições às discussões de fundo acerca da democratização da administração

pública e adiantando alguns resultados do potencial de ressignificação do planejamento

público a partir da participação social.

Foi adotado o estudo de caso como modelo de procedimento, entendendo que a análise em

profundidade permite compreender como ocorre a construção da participação social, quais as

consequências empíricas das opções metodológicas (variáveis do arranjo participativo) para a

construção das instituições participativas e como se caracteriza a grandeza e a intensidade da

democracia, demonstrada em modelos, no arranjo institucional participativo em análise.

Pondera-se que não se trata de um estudo de caso convencional – em que o caso particular é

praticamente todo o trabalho e explorado até que se informe a teoria sobre os achados –, pois

neste trabalho foram impressos esforços significativos de pesquisa bibliográfica e documental,

caracterizando um estudo exploratório que, antes mesmo da análise do caso concreto, já

adianta pressupostos teóricos relevantes. O Plano Plurianual Participativo do Estado da Bahia

(PPA-P/BA) foi selecionado como objeto empírico para o estudo de caso por se caracterizar

como um instrumento que agrega tanto planejamento quanto participação social – portanto, as

duas chaves teóricas centrais – e que oportuniza a pesquisa na aplicação dos indicadores de

democracia.

A pesquisa realizada tem natureza qualitativa e é de tipo exploratório-descritivo na busca pela

caracterização do processo participativo em curso no cenário administrativo baiano. A via

exploratória desse tipo pressupõe algumas técnicas de pesquisa que serão apresentadas a

seguir, como levantamento bibliográfico e entrevistas, enquanto a via descritiva cuida de

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apresentar características de um determinado grupo social ou fenômeno específico, no caso, a

democratização da administração pública e da ressignificação do planejamento público a

partir da participação social. Ambas as vias são relevantes para a imersão analítica no estudo

de caso.

A coleta de dados foi sustentada por três técnicas de pesquisa, sobrepostas e coincidentes do

ponto de vista de cronograma de execução, que são elas: pesquisa bibliográfica, observação

direta e entrevistas/ coleta de depoimentos.

A primeira técnica foi adotada em duas diferentes perspectivas: pesquisa bibliográfica e

análise documental. A pesquisa bibliográfica apoiou-se nas assertivas de autores de referência

e multidisciplinares das áreas de administração, ciências sociais aplicadas e ciência política, e

de disciplinas correlatas e quase autônomas como planejamento público, participação social e

democracia. O trabalho teve o cuidado de identificar na literatura o suporte teórico de

referência para embasamento dos seguintes temas principais: trajetória, críticas e limitações

do planejamento público no Brasil; avanços e retrocessos oriundos da institucionalização do

PPA, juntamente com a descrição dos ciclos quadrienais de planejamento formal; modelos e

perspectivas de democracia e participação social, com ênfase nas instituições participativas

(IPs); e o caso empírico e objeto de análise da dissertação, a construção e o legado da

participação social na Bahia. A segunda perspectiva complementou essa técnica por meio da

análise da documentação direta do PPA-P baiano, ou seja, os planos propriamente ditos, assim

como outros documentos, legislações correspondentes, publicações, divulgações e notícias no

site do Governo do Estado da Bahia; a maioria dos documentos deriva das mobilizações e

produtos dos ciclos de planejamento estaduais, sobretudo dos ciclos de 2012-2015 e 2016-

2019. Nessa segunda perspectiva, a pesquisa apoiou-se principalmente nos seguintes

documentos:

PPA Participativo: registro de uma história – Caderno SEPLAN, 2012;

Relatório de Pesquisa do Estado da Bahia. Projeto Planejamento e Gestão

Governamental na Esfera Estadual: uma análise comparativa dos processos, conteúdos

e sistemas de acompanhamento dos PPAs – IPEA, 2013;

Decreto nº 16.014 de 20 de março de 2015, que dispõe sobre a elaboração do Plano

Plurianual Participativo – PPA 2016-2019 do Estado da Bahia, de 2015;

Apresentação de slides para Capacitação do Módulo de Cadastramento do FIPLAN

para o PPA 2016-2019, de 2015;

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Orientações para a construção do PPA Bahia 2016-2019, de 2015;

Caderno de orientações metodológicas para a construção do PPA Participativo Bahia

2016-2019, de 2015.

A segunda técnica adotada na pesquisa chama-se observação direta25

. Essa técnica

normalmente é utilizada de forma conjugada com outras abordagens qualitativas, de modo a

complementar as percepções coletadas em conversas com os atores do processo de

planejamento, além de permitir um olhar crítico do próprio observador para o objeto de

análise (LAKATOS e MARCONI, 1992). A observação direta somente foi viável no

desenvolvimento da pesquisa devido a uma articulação com o poder público estadual, uma

vez que os assessores da SEPLAN deram abertura à participação em alguns momentos

coletivos, nas mesas temáticas, e em mais estratégicos, como nas conversas com os diretores.

Assim, aproveitando a mobilização governamental para o processo participativo de

planejamento realizado em 2015, e relacionado ao ciclo do PPA-P 2016-2919, foi agregada

uma importante visita à estratégia metodológica de observação direta. A visita à SEPLAN foi

realizada no início de maio de 2015, enquanto eram promovidas as chamadas “mesas

temáticas” do PPA-P. Foram observadas duas mesas temáticas, em dois dias diferentes (7 e 8

de maio de 2015), com os seguintes temas estratégicos: “Tema XII. Igualdade Racional e

Identidades” e “Tema XIV. Gestão Governamental e Governança”. Os temas permitiram à

pesquisa observar comportamentos colaborativos dos representantes de diversas setoriais e

captar a mensagem estratégica de públicos de órgãos distintos e com características

particulares. Cada tema ainda possibilitou o contato com problemas e soluções,

respectivamente, das áreas-fim e das áreas-meio, que conduzem rotinas de preparação e

diálogos internos de forma diferenciada, assim como impõem diferentes níveis de

engajamento nos fóruns.

A terceira e última técnica de pesquisa foi direcionada à realização de entrevistas com

stakeholders estratégicos do órgão central de planejamento e à coleta de depoimentos com

atores participantes das mesas temáticas internas e que fazem parte da comunidade

governamental. A técnica de realizar entrevistas e coletar depoimentos consolida abordagens

ao público em caráter qualitativo e são fundamentais para a captura de percepções mais

25

De acordo com Lakatos & Marconi (1992), a observação direta, quando do tipo “intensivo”, “utiliza os

sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também

examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”.

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136

subjetivas em relação ao processo que se pretende investigar26

. As próprias divulgações da

SEPLAN, resultados da iniciativa da secretaria em estudar e avaliar a implementação do PPA-

P, já valeram-se de entrevistas com “stakeholders, dirigentes institucionais e representantes

dos movimentos sociais, que estiveram, ou ainda estão presentes na cena política e

administrativa, exercendo funções nos organismos públicos ou representativos da sociedade

civil” (BAHIA, 2012, p.11). Essas informações foram devidamente incorporadas na pesquisa

objeto da dissertação.

A pesquisa identificou a oportunidade na utilização dessa técnica o fato de estarem ainda

mobilizados, mesmo que não em sua totalidade, mas de forma considerável, todos os atores

envolvidos em ciclos participativos anteriores na nova rodada de elaboração para o ciclo de

2016-2019, em curso entre os meses de março a outubro de 2015. Na visita descrita às mesas

temáticas, que corroboraram para a observação direta, nos intervalos das discussões, também

foram mobilizadas perguntas a alguns participantes, cujas respostas serão utilizadas neste

trabalho a título de “depoimentos”. O Apêndice 1 apresenta um quadro-resumo dos seis

depoimentos coletados, com a função, o órgão que representa, o papel que o órgão

desempenha na estrutura do governo e a percepção do manifestante sobre a vinculação do

órgão com a elaboração do PPA Participativo.

De forma intercalada à observação das mesas temáticas, articuladas pela assessoria da

Superintendência de Planejamento Estratégico (SPE/SEPLAN), foram promovidas quatro

entrevistas com stakeholders estratégicos do órgão central de planejamento. As entrevistas

cobriram a percepção acerca do PPA-P de todos os diretores da SPE, nas áreas de

planejamento social (DPS), econômico (DPE) e territorial (DPT). No último caso, o mesmo

ator entrevistado responde à assessoria do secretário, interinamente à diretoria do DPT e como

secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Territorial (CODETER). Ainda, o

quarto entrevistado representa a Assessoria de Planejamento e Gestão, estrutura diretamente

ligada ao secretário e responsável pela concepção metodológica e executiva do PPA-P. O

Apêndice 2 apresenta um quadro-resumo das quatro entrevistas realizadas, especificando a

função, o órgão que o entrevistado representa, sua formação acadêmica e atuação profissional.

Os achados decorrentes das entrevistas, assim como aqueles oriundos dos depoimentos,

26 Mauro Silveira defende em sua tese de doutorado (2013) que processos investigativos como esse permitem a

compreensão dos “significados que os entrevistados atribuem às questões e situações relativas ao tema de

interesse, assim como as elaborações que eles usam para fundamentar suas opiniões e crenças. É utilizada para

recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, possibilitando ao investigador desenvolver uma ideia

sobre a maneira como eles interpretam aspectos do mundo” (SILVEIRA, 2013, 108).

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colaboram para o aprofundamento das respostas aos indicadores da pesquisa, na seção de

resultados, e foram oportunamente interpretados e transcritos para reforçar as respostas

proporcionadas pelo levantamento documental. Todos os depoimentos e entrevistas foram

gravados e as falas parcialmente transcritas.

Por fim, é importante mencionar que o trabalho deve ainda apresentar no item “3.4.1 –

Modelo de análise” alguns parâmetros utilizados pela pesquisa para abordagem ao caso

concreto, recortando, a partir da teoria, um conjunto de indicadores destinados à mensuração

da grandeza e intensidade da democracia no PPA-P da Bahia – com base em Fung (2006).

Dessa forma, fecha-se o agregado de opções metodológicas deste trabalho. Entende-se que

compreender as chaves teóricas, vivenciar a interação que permeia a comunidade

governamental nos fóruns, discutir com os mentores metodológicos as reflexões internas

acerca das experiências de participação social e captar as percepções do núcleo dirigente da

SEPLAN sobre o alcance da democracia promoveu a compreensão dos fenômenos da

participação no planejamento e uma importante conexão entre a teoria e a prática. E foram

somente alguns dos resultados alcançados com a metodologia escolhida nesta dissertação.

Seção 3.3 Participação na Bahia: histórico e construção

do arranjo participativo no estado

3.3.1 Histórico de mobilização social

A trajetória da Bahia aparece em revisões teóricas sobre a participação no Nordeste como um

caso bem particular. A referência nacional que o estado se tornou ao longo das últimas

décadas, no âmbito das instituições participativas, pouco se parece com a sua dinâmica da

democratização durante o século XX e com o histórico de participação social de suas diversas

regiões, inclusive Salvador, capital do estado. A Bahia constituiu um “padrão de

sociabilidade” – ou seja, um modelo de desenvolvimento da sociedade civil – considerado

típico de todo o Nordeste, caracterizado por três elementos básicos: oligarquias fortes, anti-

modernização e de hierarquias bem demarcadas entre indivíduos (DUARTE, 1939; LEAL,

1948; LAMBERT, 1960; HOLANDA, 1963; PANG, 1978 apud AVRITZER, 2007).

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138

O papel das oligarquias regionais é central para toda a organização política e social do estado,

contribuindo para o baixo peso político da capital de Salvador até mesmo após a retomada da

democracia no país. A partir de alianças entre os grupos oligárquicos nos anos 20, fundiram-

se grupos de origens agrárias e outros de origens urbanas que, juntos, organizaram não uma

ordem política modernizadora, mas conservadora, rejeitando um projeto transformador na

Bahia. Nesse contexto, a modernização da própria sociedade também vem tardiamente, posto

que imperava a manutenção dos status de poder; essa ordem política não deu origem a um

“novo padrão de vida cultural com consequências na dinâmica associativa e participativa

desde o final do século XIX” (AVRITZER, 2007, p. 12). A herança oligárquica somada às

imposições anti-modernizadoras constituíram uma sociedade pouco mobilizada e ativa, e que

respeitava hierarquias moldadas no bojo dos poderes regionais tradicionais.

Esse contexto muda somente em parte após a redemocratização do Brasil em 1988. O

paradigma democrático não consegue romper completamente com as estruturas oligárquicas e

com a conduta política conservadora. Tanto na prefeitura de Salvador quanto no governo

estadual a implantação de políticas públicas de participação social e de instituições

participativas sofreu resistência. Salvador contava com a presença de grupos de esquerda,

mais tradicionais, mas pouco com os movimentos urbanos que são os protagonistas de

grandes pressões pela modernização social; esses tiveram pouca expressão na capital. Ainda,

com uma “dominação política de longo prazo exercida pelo grupo ligado a Antônio Carlos

Magalhães, a Bahia acabou se tornando um estado com uma administração anti-participativa”

(MOTA, 2007 apud AVRITZER, 2007, p. 15-16). A participação social no estado da Bahia

ocorreu em regiões alternativas à capital, cujas maiores expressões de movimentos

modernizadores se deram em Vitória da Conquista e Alagoinhas, muito devido à ascensão de

grupos de esquerda ao poder – “o Partido dos Trabalhadores foi introduzindo instituições

participativas à medida em que foi elegendo os seus prefeitos” (AVRITZER, 2007, p. 16).

Em artigo com a investigação sobre estruturas de associativismo e efetividade deliberativa de

conselhos em três estados nordestinos – Bahia, Pernambuco e Ceará – o estado da Bahia

desponta como aquele que menos agrega às políticas públicas as decisões participativas e

menos fomenta políticas participativas (AVRITZER, 2007). Isso mostra uma inobservância

de princípios democráticos na atuação do governo estadual até o início do século que não

parece corresponder ao projeto constituinte, o que sugere que as transformações

democratizantes recentes no âmbito do estado da Bahia, e o nível de maturidade democrática

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139

que apresenta nas experiências de planejamento, decorrem mais do novo cenário político dos

anos pós-2000 que pela retomada da democracia em 1988.

3.3.2 Evolução da elaboração participativa do PPA no estado

As práticas de relacionamento entre Estado e sociedade por meio de esferas participativas

institucionalizadas foram sendo pouco a pouco incorporadas no processo de planejamento

público estadual, e a Bahia é hoje reconhecida por um esforço democratizante ímpar e com

amplo e efetivo histórico de participação social. Nesse contexto, o planejamento plurianual foi

se transformando em planejamento plurianual participativo nos últimos anos, e esse

movimento, por se tratar de uma iniciativa voluntária dos governos, é carregado de

significado ideológico sobre o sentido que se atribui às escutas sociais e à politização de um

processo que é tradicionalmente técnico. O Rio Grande do Sul27

tem a fama equiparada ao

estado da Bahia, mas não é objeto empírico deste trabalho, pelas razões explicadas na

delimitação da pesquisa.

Na Bahia, os primeiros sinais de imersão do componente participativo no planejamento

formal do estado foram apresentados no ciclo do PPA de 2004-2007. O estreitamento da

relação entre o governo e a sociedade na formulação de políticas públicas baianas se

desenvolveu por meio da criação de um canal de comunicação social em 2003, situação em

que foram convidados à participação do processo de elaboração do PPA atores socialmente

relevantes, representantes de conselhos, associações, entre outros. Ainda que incipiente e sem

uma divulgação ampla, com baixa democratização do processo, o novo sistema permitiu que

tais atores sociais tivessem a oportunidade de participar de discussões sobre temas que são

caros à sociedade baiana e contemplar anseios e expectativas quanto à ação governamental

naquele quadriênio (POMPONET, 2008).

27

As primeiras iniciativas participativas do Estado do Rio Grande do Sul datam de mais tempo do que no caso

baiano, e são fruto de uma “tradição” consolidada de participação social. O estado apresenta histórico notório de

engajamento da sociedade civil e de abertura à escuta social pelo governo. Os mecanismos de participação

nasceram alinhados às iniciativas de planejamento regional desde o governo de Alceu Collares, da gestão de

1991 a 1994. O Rio Grande do Sul é reconhecido pela vanguarda das iniciativas do orçamento participativo,

tendo seu despontamento e valorização encampados pelo governo entre 1992 e 2002, quando também passou a

orientar o planejamento governamental. Em curso desde 1998, a Consulta Popular, também ligada ao

planejamento orçamentário, contava com o voto direto da população para hierarquizar prioridades para o

orçamento estadual (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

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140

No ciclo seguinte, de 2008-2011 de elaboração do PPA, a Bahia apresentou uma metodologia

mais consistente e abrangente e, por consequência, caracterizou-se por um avanço

significativo em termos de participação social em relação ao ciclo de 2004-2007. O chamado

PPA-P, que coloca o componente participativo no “rótulo” do instrumento de planejamento,

inaugura um amplo processo de escuta social (POMPONET, 2008). Entre as inovadoras

medidas adotadas estão o enfoque territorial descentralizado e a formação e capacitação de

agentes multiplicadores.

O próximo e importante passo da participação popular no planejamento público se deu no

ciclo do PPA-P 2012-2015. O plano plurianual de 2012-2015 baiano está, juntamente com o

do Rio Grande do Sul, entre as maiores referências de aprimoramento e institucionalização de

democratização do planejamento público para o nível estadual28

. No caso da Bahia, é

importante lembrar que foi construída uma compatibilidade conceitual e metodológica do

PPA-P com o modelo implantado pelo Governo Federal e que essa perspectiva de

alinhamento entre os dois modelos parte de uma afinidade ideológica e político-partidária, já

que o governador e o presidente são do mesmo partido (BAHIA, 2013).

O amadurecimento do PPA-P da Bahia veio com a revisão de processos anteriores,

protagonizada pela SEPLAN, e com a aprendizagem gerada pela equipe de acompanhamento

do plano. O governo baiano manteve nos últimos anos uma unidade em termos do fomento ao

PPA-P, compreendendo o mesmo como um instrumento promissor para o desenvolvimento

social do estado. A equipe mobilizada internamente manteve o olhar cuidadoso para pontos

positivos em relação à implementação de políticas exitosas em todas as esferas de governo, e

demonstrou, tal como será apresentado nos resultados da pesquisa, um alinhamento em prol

de políticas transformadoras, com carga de ativismo social e que demarcam uma postura mais

progressista e garantista do governo.

Para o ciclo de 2016-2019, a principal promessa era de configurar o plano como “um

documento político, pactuado e utilizado estrategicamente por todas as instâncias e, seguindo

o objetivo de fortalecer a sinergia para o PPA”. As diretrizes norteadoras, expressas em

publicação de orientação são: fortalecimento da dimensão estratégica; fortalecimento da

dimensão territorial; fortalecimento como instrumento da articulação setorial; aproximação

com os planos setoriais e sistemas estaduais; e ampliação da participação social no

28

Embora o Brasil apresente inúmeras experiências bem-sucedidas de planejamento participativo no âmbito dos

municípios, as experiências estaduais se destacam. Os desafios impostos à esfera estadual são maiores, devido,

entre outras razões, à distância entre ela e a sociedade.

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planejamento (BAHIA, 2015c, p. 2). A resposta aos indicadores na seção de resultados

também deve apontar ao menos o potencial de fidelidade do plano vigente a partir de janeiro

de 2016 a essas diretrizes.

3.3.3 A construção do arranjo institucional participativo

A seção “2.3.4 Participação social em contexto subnacional: o PPA participativo nos estados”

citou uma pesquisa que foi realizada pelo IPEA em 2012 que buscou analisar experiências de

elaboração dos PPAs para o ciclo 2012-2015 em dez estados brasileiros. Os resultados dessa

pesquisa foram sistematizados e apresentados em documentos intitulados “Planejamento e

gestão governamental na esfera estadual: uma análise comparativa dos processos, conteúdos e

sistemas de acompanhamento dos PPAs”29. A partir dessa sistematização, Amaral (2015) fez

um esforço de categorizar algumas medidas de participação por meio da elaboração de uma

lista com características básicas que são julgadas essenciais para posicionar o nível de

participação social adotado pelos governos. Para os casos em que foram constatadas práticas

mais amadurecidas de participação social institucionalizada nos planejamentos plurianuais –

Bahia, Rio Grande do Sul e Ceará, tal como apresentado na seção 2.3.4 –, utilizou-se alguns

parâmetros para descrever a construção do arranjo institucional participativo (BAHIA, 2013

apud AMARAL, 2015).

Os itens que seguem apresentados neste trabalho explicam esses parâmetros e contribuem

para detalhar a construção do PPA-P da Bahia. Além do aspecto descritivo, os itens têm um

aspecto analítico forte, pois estão apoiados na revisão bibliográfica e documental e também

em alguns depoimentos com as percepções dos entrevistados.

a. Regionalização e descentralização das instâncias participativas

Esse primeiro parâmetro refere-se à iniciativa de promover a divisão estratégica dos territórios

em regiões de intervenção participativa, para fins de descentralização de fóruns participativos

29

A Bahia e o Rio Grande do Sul participaram do projeto do IPEA, e os textos correspondentes a cada estado são

as grandes referências para análise dos casos, nesta pesquisa, realizada à luz dos quadros de indicadores de

efetividade apresentados nesta seção.

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142

e organização de eventos locais. Relaciona-se ao princípio da inclusão social e à busca pela

equanimidade entre as regiões, já que estende oportunidades de participação a agentes locais

de realidades díspares em termos socioeconômicos. Por isso, quanto mais pulverizada a escuta

social, maior a chance de democratizar o processo de planejamento público.

Segundo a literatura de Amaral (2015), as estruturas de participação social tendem a tornar-se

mais efetivas quanto mais próximas à realidade local, e quanto mais conseguem contemplar a

diversidade dos territórios e a pluralidade de atores e interesses na formulação de suas

políticas e programas. Isso impõe alguns desafios importantes aos estados nacionais, e mais

ainda ao Governo Federal: por uma questão de escala, precisam aproximar as instâncias

participativas dos territórios impactados pelas suas ações; e o recorte territorial deve ser feito

conforme as distintas características socioeconômicas, aumentando as chances de

representatividade de demandas de diferentes naturezas no processo de planejamento.

A Bahia atende positivamente a esse parâmetro, e ainda evolui da divisão territorial em

aspectos socioeconômicos para a consideração de elementos culturais. A partir de 2007, como

estratégia de regionalização e descentralização, e alinhada com as diretrizes do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), a Bahia adotou 26 ”Territórios de Identidade” (TI), que

espelha na demarcação de áreas de intervenção uma relação de pertencimento dos cidadãos.

No último ciclo, os TIs foram expandidos para 27 regiões. Para a elaboração do PPA de 2008-

2011, o governo baiano provocou reformulações nas demarcações do território, cujas

principais são: adoção do ”Mapa Estratégico de Governo” como referência para a consulta

pública, enfoque territorial dos processos de planejamento (inauguração dos Territórios de

Identidade), envolvimento das secretarias na implementação do PPA-P e qualificação dos

servidores públicos estaduais para moderação das plenárias territoriais (BAHIA, 2013). Essas

reformulações demonstram também que a descentralização pode não estar somente na

abertura de escuta social, mas na consideração de toda a “comunidade governamental”, de

técnicos e gestores das secretarias e estruturas públicas regionalizadas.

Em cada território existe um colegiado, composto por metade de representantes da sociedade

civil, ligados principalmente aos movimentos sociais, e metade pelo poder público das três

esferas de governo com atuação localizada, ambos com representação institucional

reconhecida no território, segundo o documento “PPA Participativo, registro de uma história”

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(BAHIA, 2012). O entrevistado 03 30 discorre sobre o processo de articulação para

institucionalização dos colegiados territoriais como espaços legítimos de representação da

sociedade civil pública e de “auto-adesão”, principalmente para o ciclo de 2012-2015.

O entrevistado é uma figura importante na estrutura do planejamento baiano, sobretudo

quando os assuntos são a capilaridade da instituição participativa, o arranjo das chamadas

”escutas sociais” – que serão descritas e aprofundadas adiante, no item de formação de

conselho ou fórum exclusivo para a construção e debate do PPA estadual –, a mobilização

social e a representatividade nos territórios. O entrevistado 03 é assessor do secretário da

SEPLAN, atual ouvidor da mesma secretaria, à época da entrevista substituto do diretor de

planejamento territorial (DPT/SPE/SEPLAN) e ainda secretário ativo do Conselho de

Desenvolvimento Territorial (CODETER). Segundo o gestor,

em cada território tinha um grupo de trabalho, certo, que eram

umas dez pessoas mais ou menos, que era a metade da

representação dos movimentos sociais, metade da representação

do governo estadual. Esses grupos ficaram com o papel de

preparar a audiência pública – preparar no sentido de tentar fazer

debates ou setoriais, ou municipais, ou sub-regionais, onde tivesse

público e possibilidade de fazer essas reuniões31

.

Isso sinaliza a capilaridade do governo nos territórios e as estratégias de mobilização social

que são tocadas por representações localizadas.

No documento de orientações para a construção do PPA Bahia 2016-2019 (2015c), o governo

reforça a importância atribuída à divisão estratégica dos territórios nos últimos ciclos de

elaboração do PPA, afirmando que os TI “são um grande avanço para o planejamento público

na Bahia, pois revela e considera toda a diversidade existente em suas múltiplas dimensões:

cultural, ambiental, econômica e social”, e ainda de “captura o sentimento de pertencimento

da população àquela região”. Segundo o documento, é necessário “respeitar a organização

espacial que a população se sente pertencer e naturalmente estabelece seus vínculos e inter-

relações” (BAHIA, 2015c, p. 8-9), e, nesse sentido, garantir que sejam implementadas

políticas públicas mais aderentes às necessidades de cada região e mais efetivas.

30

A relação de entrevistas com a discriminação da função, órgão, formação acadêmica e atuação profissional de

cada um dos entrevistados, resguardados os nomes dos atores, está colocada no Apêndice 2 deste trabalho. 31

Todas as falas dos entrevistados e depoimentos estão colocados em itálico no texto, como forma de destacar as

contribuições dos participantes na pesquisa. O formato substitui as aspas.

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O posicionamento de todos os entrevistados é favorável à regionalização da participação

social e à distribuição dos fóruns participativos. Como exemplo, lança-se um depoimento

coletado nos intervalos das mesas temáticas, de uma técnica da Secretaria de Relações

Institucionais do Governo do Estado da Bahia (SERIN) (Depoimento 0132

):

A atuação da secretaria se vincula ao PPA participativo

exatamente porque a sociedade civil hoje demanda para o governo

políticas públicas que nós temos de atender, para dar respostas

aquelas necessidades, e nós vamos aos territórios porque lá estão

nossas referências de planejamento. O território é um espaço onde

você consegue efetivamente chegar na ponta, entender e ouvir o

que de fato o que é a necessidade daquela população, e a gente

não lida só com necessidade não, com aspirações também.

O alcance “da ponta”, por meio dos TIs, potencializa a representação da diversidade do

território baiano e da pluralidade de interesses, assim como de desejos mais subjetivos

(“aspirações”), colaborando para a democratização do plano plurianual.

b. Diversificação de canais de participação e o protagonismo do Executivo

A discussão que permeia o segundo parâmetro é de que devem compor o processo de

planejamento outras instâncias participativas que não aquelas obrigatórias, previstas em lei,

como as audiências públicas que são promovidas no âmbito do Legislativo somente para a

aprovação das ações delineadas no interior do Executivo. Embora as ações do Legislativo

sejam reconhecidamente importantes, não há um diálogo prévio mais propositivo, posto que a

sociedade somente é convidada a aprovar e validar programações prontas. Entende-se, a partir

disso, que a intensidade e a qualidade com as quais são adotados componentes participativos

no planejamento público demandam um protagonismo do Executivo na diversificação dos

canais de interação entre governo e sociedade. Como exemplos de iniciativas mais abertas,

que envolvem a participação social, têm-se: plenárias regionais e/ou estaduais, oficinas,

seminários, por meio da Internet, conselhos de políticas públicas e/ou conselhos próprios

criados para o PPA estadual em questão (AMARAL, 2015).

Ao ser posicionada entre os estados reconhecidamente mais participativos na função de

planejamento, é natural que a Bahia atenda positivamente ao parâmetro de diversificação de

32

A relação de depoimentos com a discriminação da função, órgão, papel do órgão e vinculação com o PPA

Participativo de cada um dos abordados, resguardados os nomes dos atores, está colocada no Apêndice 1 deste

trabalho. Cabe ressaltar que os depoimentos foram coletados em caráter aleatório, de acordo com oportunidade e

conveniência, de forma mais solta que as entrevistas e abordando perguntas específicas, motivada pela

observação das discussões nas mesas temáticas.

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145

canais de participação, por ter ampliado e diversificado suas instituições participativas. A

Bahia passou a adotar o componente participativo na estruturação formal de planejamento a

partir de 2003, quando da institucionalização de um canal de comunicação social. A partir dali

novos fóruns foram criados para a ampliação das escutas sociais, por intermédio de

colegiados territoriais, escritórios regionais, reuniões entre conselhos de políticas públicas e

do envolvimento da comunidade governamental mais descentralizada. Cabe ressaltar ainda

que a participação nesses fóruns foi estendida ainda a outros poderes e representantes de

outras esferas de governo, em parcerias com vereadores e prefeitos municipais (POMPONET,

2008; BAHIA, 2012; BAHIA, 2013).

Todos os entrevistados vincularam essas iniciativas a um complexo e generalizado processo

de ressignificação do planejamento público no Brasil, enfatizando a orientação democrática e

a vontade política dos governantes de esquerda como forças disparadoras de novas formas,

mais abertas, de planejar. O entrevistado 02 inicia seu relato apontando grandes

transformações no planejamento público. Ele é diretor de planejamento econômico da

Superintendência de Planejamento Estratégico (DPE/SPE/SEPLAN), servidor de carreira do

estado com ampla trajetória em estruturas sistêmicas e finalísticas no Governo da Bahia e

gestor com participação ativa na temática da estratégia governamental, internamente, no órgão

central de planejamento. Segundo ele,

com relação ao planejamento participativo, e como eu estou no

estado há muitos anos - são trinta e três anos de serviço público –,

eu pude passar pela experiência de planejamento onde havia um

centralismo do processo de planejamento. Vimos a partir da

eleição do presidente Lula para o Governo Federal o

empoderamento da sociedade civil organizada, coisa que vem

acontecendo desde o processo de retomada das eleições diretas, aí

volta a atividade sindical, volta a atividade de podermos nos

associar em grupos, volta o fortalecimento e o empoderamento de

determinados grupos sociais mais organizados.

Esses movimentos corroboram para a abertura do planejamento público, como fruto da

redemocratização, mas também com forte centralismo na figura de Lula: quando o Lula

efetivamente assume e que os movimentos sociais passam também a fazer parte do governo,

ele termina influenciando uma forma de fazer gestão pública, uma forma de fazer formulação

de políticas públicas.

Por sua vez, o entrevistado 04 faz ponderações aos avanços da democracia e cobra uma

“paciência histórica” da sociedade para que a participação social e a perenização de propostas

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e interesses das esferas regionalizadas sejam efetivas. O entrevistado é assessor do

superintendente de planejamento estratégico (SPE/SEPLAN) e possui trajetória acadêmica

estendida na Sociologia. Atua na estrutura governamental com desenvolvimento regional e

gestão de políticas públicas e, em se tratando de PPA-P, foi um importante mentor

metodológico dos avanços recentes do planejamento no Estado da Bahia. Na visão do

entrevistado, existem limites republicanos à democracia, e isso a desobriga de ser ou não

participativa:

É uma democracia, mas você pode aprofundar o caráter

participativo dela. Hoje a gente não tem uma democracia, quer

dizer, hoje a gente não tem uma participação deliberativa. São

muito poucos os conselhos que são deliberativos no estado. E,

assim, talvez, se você tiver uma paciência histórica, olhar um

pouco a história, talvez a gente tenha que amadurecer, de certa

forma no ponto de vista da participação consultiva opinadora,

para chegar no nível da deliberativa.

Com isso, nota-se que os canais de participação foram diversificados e que o governo dispôs-

se a abrir escutas sociais como forma de aprofundar a democracia existente, já dada por

estruturas representativas, mas que a democracia em si é um contínuo de aprofundamento

possível.

Os entrevistados relataram as orientações participativas da alta gestão, como uma bandeira

política fundamental para o governo recente. Houve, desde o início da gestão, um respaldo

político do então governador, Jaques Wagner (PT; gestão 2007-2014), e dos secretários de

estado. Nos primeiros PPAs com o componente participativo, foram valorizados o

chamamento amplo e a demarcação de uma nova postura dos governantes. O entrevistado 03

aponta que o primeiro [PPA] foi muito a coisa afetiva, foi muito a marca do novo governo,

que tá saindo do governo de décadas que tinha uma tradição centralizadora a um novo

governo que se reivindicava democrático. Então, o primeiro foi muito da festa, tanto que teve

até manifestação cultural. Isso reforça o protagonismo do Executivo em estreitar relações

com a sociedade como uma marca de valorização da democracia, assim como uma nova

estratégia de ação programática do governo, a parte de outras intencionalidades que poderiam

existir nesse movimento. O mesmo entrevistado ainda afirma que a disposição do Executivo

tem que se dar também no nível adequado de investimentos para o aspecto formativo das

instituições participativas: eu estou cada vez mais convencido que se gente quiser ter um

processo de participação, a gente tem que ter um investimento do governo pra preparar a

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147

sociedade, pra ela participar de algumas questões. Essa afirmativa tangencia um indicador do

framework de Fung, que será apresentado no item 3.4.2.

Embora com essa vontade política e da nova orientação para o estreitamento da relação com a

sociedade, a instituição da participação no planejamento não esteve livre de resistências. Pelo

contrário, todos os entrevistados discorreram naturalmente sobre entraves à nova orientação,

parte devido às transformações no como fazer e parte devido às inclinações ideológicas

contrárias à participação, inclusive aquela participação que pressupõe a integração das

secretarias setoriais.

Não vou dizer a você que foi fácil no primeiro momento. O

processo de fazer planejamento participativo ele requer um

aprendizado, ele requer um trabalho de persistência em algumas

coisas, porque a gente cansa de ouvir “mas eu já sei o que é

importante para a atividade econômica”. Então tem muito técnico

de secretaria, tem muito dirigente de órgão público que acha que

por ter mestrado, doutorado ou já ter trabalhado nisso há muito

tempo já conhece a realidade (Entrevistado 02).

Além disso, aspectos conjunturais influenciam na aderência das novas orientações. O

entrevistado 04, ao ser provocado sobre aspectos críticos do planejamento, afirma:

Parte [da avaliação] é desejo de como deveria ser, que é diferente

de uma análise crítica, entendeu? Do que poderia ser tem outros,

por exemplo, a força política, que tem a ver muito com o momento

que a gente vive. Existe um governo de colisões, então você tem

uma série de restrições orçamentárias que ajuda a determinados

discursos se fortalecerem, entendeu? O discurso de racionalização

de recursos... você sabe sempre quem perde nessa hora (risos).

Existem, portanto, limitações que perpassam desde a concepção de democracia – e o que ela

pode significar em termos de participação social – até conjunturas críticas de implementação

de medidas, como citado nesse último relato. Mesmo, porém, com essas ponderações, este

trabalho entende que a construção do arranjo de participação do PPA baiano atende

positivamente ao parâmetro de diversificação de canais de participação e do protagonismo do

Executivo, podendo oscilar em intensidade e qualidade.

c. Eleição de delegados e representação de interesses regionais em outras esferas

O terceiro parâmetro da construção do arranjo institucional participativo aborda a existência

de eleição de representantes regionais para deliberação na esfera estadual, situação em que se

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viabiliza a participação social em dois níveis, primeiro por intermédio de encontros regionais

e, em seguida, por um ou mais encontros estaduais. Na ocasião do fórum em nível local, são

apresentadas as regras para a eleição de representantes e seleção coletiva de atores que levam

as pautas e demandas ao nível superior de governo, tudo isso pautado em critérios de votação,

transparência e pluralidade. Segundo a visão de Amaral (2015), essa iniciativa tem os

objetivos de envolver um número maior de pessoas no processo político de construção do

PPA, contribuir pedagogicamente para a compreensão do instrumento e da política e

incentivar a pluralização de demandas.

Algumas instâncias participativas contam tradicionalmente com a eleição de delegados para a

representação de interesses locais em esferas superiores de governo, como os conselhos e

conferências. Todavia, essa prática ainda é pouco consolidada nos fóruns de planejamento

plurianual, principalmente pelo seu papel mais formativo e consultivo, e ainda por se tratar o

instrumento formal de PPA de um compromisso público do ente planejador, em suas

prerrogativas constitucionais e arranjos de competências, com as comunidades que atende. No

caso do PPA da Bahia, se trata de um compromisso específico do governo estadual com os

cidadãos atendidos pelo estado. O trânsito de ideias, demandas, reivindicações e proposições

formais da sociedade, do âmbito local para esferas superiores, entretanto, pode ser mais fluido

com a eleição de delegados, que representam os interesses regionais.

A Bahia inseriu em 2007 a prática de eleição de delegados não para o trânsito de interesses do

âmbito estadual para o nacional, mas para determinar pessoas que deveriam compor um

sistema de monitoramento e avaliação do PPA. Do ciclo de elaboração do PPA de 2008-2011

em diante, foram eleitos os delegados de cada região que representariam o Território de

Identidade no chamado Conselho de Acompanhamento do PPA (CAPPA). Esse era, à época,

inclusive, compreendido como um dos indicadores de participação popular. Isto é, a eleição

de representantes para o conselho era tida como um mecanismo de engajamento social, já que

as atividades de debate e proposição eram ainda incipientes. O próprio governo reconhece que

as atividades mais propositivas só vieram a se consolidar em 2011 com o desenvolvimento

das plenárias regionais (BAHIA, 2013).

Existe também outro órgão colegiado que se chama Conselho Estadual de Desenvolvimento

Territorial (CEDETER), instituído em 2010 no âmbito do Programa Territórios de Identidade

como fórum permanente de caráter consultivo e com a finalidade de subsidiar a elaboração de

propostas de políticas públicas e estratégias integrantes desse programa. De acordo com o

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entrevistado 03, trata-se de um conselho paritário, com 11 representações do governo estadual

e 11 representações da sociedade civil. Esse conselho, o papel dele é fazer o controle social

do PPA, lei orçamentária, e execução orçamentária. Seria acompanhar o ciclo de

planejamento do governo. Esse colegiado sim dialoga mais profundamente com questões de

representação de interesses, em comparação à atuação do CAPPA.

À época da criação do CEDETER, o governo precisou discutir a “coalizão” que operaria

ambos os sistemas de acompanhamento:

Quando criou-se o CEDETER, aí a coalizão do governo foi a

seguinte: ‘olha, não dá para você ter dois grupos fazendo a mesma

coisa (...), então não faz sentido ter o CAPPA’. Agora que voltou

dentro do CEDETER a ter uma câmara técnica com representação

só da sociedade, que tem o papel de acompanhar a execução

orçamentária.

O debate interno ao CEDETER colabora no trânsito de propostas dos territórios para o nível

central e no acompanhamento da execução orçamentária, mas, segundo o próprio gestor e

secretário ativo do conselho, ele é interveniente “vírgula” [ao planejamento público], porque

o papel dele, o caráter dele, é consultivo... então ele palpita, mas não decide.

Reconhece-se aqui que a temática que circunscreve esse parâmetro de construção do arranjo

de participação é muito superficial, primeiro porque pouco trata da eleição dos delegados em

si, mais sobre o trânsito de interesses e colegiados de acompanhamento do PPA, e, segundo,

porque o tema foi pouco documentado em publicações oficiais e acadêmicas e menos ainda

discutido pelos entrevistados. A elaboração do PPA segue uma dinâmica própria, que

distingue-se da tramitação de propostas das conferências, por exemplo, e por isso o parâmetro

parece até mesmo pouco pertinente à realidade do plano. De toda forma, os papeis do CAPPA

e do CEDETER na ação programática e também de monitoramento e avaliação, atestando

processos de eleição e de representação, atendem parcialmente o parâmetro colocado neste

item.

d. Formação de conselho ou fórum exclusivo para construção e debate do PPA

estadual

A criação de conselho ou fórum exclusivo para construção e debate do PPA estadual, último

parâmetro do modelo de Amaral (2015), além de reforçar os demais pontos, em uma

perspectiva transversal, reforça a centralidade do PPA como instrumento de planejamento e

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150

também uma vontade de governo pela imersão, no processo de elaboração, da sociedade civil

e suas demandas. O governo adota estratégias alternativas àquelas tradicionais de

planejamento público quando expande canais de participação exclusivos para a elaboração do

PPA, buscando fazer desse momento não um fim em si mesmo, tampouco limitado às

prerrogativas formais, mas uma aprendizagem que se institucionaliza, se renova e incorpora

novos atores com o tempo. Na construção do arranjo participativo, nota-se ainda que ter uma

institucionalidade exclusiva para a participação da sociedade indica um caminho para a

democratização do planejamento público.

Parte dessa motivação pela expansão de institucionalidades participativas já foi afirmada nos

itens anteriores, sobretudo no aspecto do protagonismo do Executivo na diversificação de

mecanismos participativos. O que vale ser ressaltado no caso da Bahia é o profundo avanço

metodológico e operacional apresentado no ciclo de 2012-2015, e mais ainda nos relatos do

último ciclo de 2016-2019, no que se refere às estruturas de construção e debate do PPA

estadual. Duas amplas frentes de trabalho empenham a elaboração do plano interna e

externamente, respectivamente chamadas de (a) mesas temáticas e (b) escutas sociais. Elas

mais do que respondem à criação de fóruns com exclusividade para a elaboração do plano,

avançando enquanto inovações na ressignificação do planejamento público.

No âmbito interno, foi tecida pela SEPLAN uma estrutura ainda hoje responsável por

conceber e mobilizar, de forma integrada, todo o nível técnico-operacional das secretarias de

governo em rodadas de (a) mesas temáticas. As mesas temáticas são responsáveis por garantir

a participação dos atores governamentais desde sua introdução na elaboração do PPA 2012-

2015. Na época, o objetivo do fórum, além de permitir a discussão entre as secretarias de

governo, era de contribuir na elaboração dos compromissos de cada área, bem como dos

indicadores de programas, metas e iniciativas (BAHIA, 2012). Nas orientações metodológicas

do ciclo de 2016-2019, foi estabelecida uma perspectiva transversal inovadora para o

planejamento formal, caracterizando as mesas temáticas como fóruns que põem em debate

diferentes olhares sobre as políticas públicas, ampliando a participação interna e também o

grau de cogestão na efetivação das políticas (BAHIA, 2015d).

De um ciclo para outro do PPA, muitos passos foram dados no aprimoramento das mesas

temáticas, que são oriundos da própria complexidade de atendimento gerada pela abertura da

consulta à sociedade e às iniciativas de agregar a participação social. O entrevistado 04 afirma

sobre isso que

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151

os avanços que a gente fez acabou proporcionando um nível de

necessidade de interação, de articulação dentro do governo que

nunca antes... Muito reflexo da metodologia que a gente buscou,

assim, aprofundar a transversalidade. Significa que a gente tem

que conversar mais, e isso aconteceu nas mesas agora.

Ou seja, é razoável empreender que as mesas temáticas ganharam centralidade, e até mesmo

corrigiram parte das resistências internas, ao promover a cogestão e o apoio mútuo entre as

secretarias, como forma de resolver problemas complexos e tecer políticas transversais.

A transversalidade é um tema que merece destaque e, por isso, ganhou um item especial nos

temas adicionais apresentados ao final da pesquisa. Ela foi citada por todos os entrevistados

como um dos pontos mais altos do aprimoramento do último ciclo. Segundo a visão do

entrevistado 02, é interessante

colocar numa mesma mesa, de segurança pública, a própria

secretaria de segurança pública – que envolve polícia civil, polícia

técnica, polícia militar, bombeiros militares – e eles terem que

conversar com a secretaria de proteção à mulher, a secretaria de

promoção da igualdade racial, a secretaria de justiça, de direitos

humanos, de desenvolvimento social, a secretaria de administração

do sistema prisional.

Em uma perspectiva estratégica, a mesa temática, sob a orientação da transversalidade, pode

servir para o desenho de políticas mais efetivas e correção de rumos com ações complexas:

Na hora que você coloca todas essas secretarias para discutir o aporte de compromissos que

sejam aderentes àquele tema e àquele programa, eu criei ali, uma sala de situação.

Esse viés positivo não foi percebido exclusivamente pelos agentes responsáveis pela

concepção da participação. Também foi observado pelos participantes das mesas temáticas,

público-alvo desse tipo de fórum, como é o caso do depoimento 05, extraído da coordenadora

executiva de planejamento e gestão de políticas para as mulheres da Secretaria de Políticas

para as Mulheres (SPM). Sua fala diz o seguinte: Eu acho que é um momento fundamental,

porque hoje a política, a orientação é ser transversal... a gente precisa das outras

secretarias. A secretaria da técnica abordada no depoimento se caracteriza como uma área

fim e que faz, de forma voluntária, um exercício interno de levantar prioridades. Pelo

depoimento, fica claro que eles levam a cabo as próprias diretrizes estratégicas, mas que

também valorizam a troca nos espaços oportunizados pelo PPA-P. Segundo a técnica,

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a gente pensa internamente, dentro dos nossos conhecimentos. Mas

quando a gente senta nesse momento de construir nossas diretrizes

– porque vamos ter que seguir o PPA, o nosso orçamento é

atrelado ao PPA –, sentamos com os técnicos que conhecem a

fundo aquilo que a gente imaginou. Se a gente conta com aquele

colega que é daquela atividade fim, dentro daquela secretaria e

conhece de fato, então a gente consegue alinhar que a política seja

feita de forma mais adequada possível. (...) A nossa construção

interna, que tem o nosso olhar, a gente consegue dialogar com os

profissionais, os colegas, os servidores de outros órgãos para que

isso saia da melhor forma possível.

No âmbito externo, nos 26 Territórios de Identidade (agora 27), é promovida a (b) escuta

social ampla e descentralizada, responsável por levantar propostas da sociedade. Essas, uma

vez sistematizadas pelo comitê, são devolvidas para o crivo dos gestores das áreas (BAHIA,

2013). No decreto que estabelece as bases normativas para a operacionalização da elaboração

do PPA 2016-2019 no ano de 2015 – Decreto nº 16.014 de 20 de março de 2015, Art. 4º –,

são orientadas as etapas do processo de escuta social, contemplando, concomitantemente, a

realização de reuniões com os Colegiados Territoriais dos 27 Territórios de Identidade,

reuniões com Conselhos Estaduais de Políticas Setoriais e reuniões com as instituições

representativas dos segmentos produtivos. As bases para a discussão nas reuniões, que geram

as propostas territoriais, parecem bem delineadas, pois são “oriundas de processos

participativos anteriormente realizados, especialmente as plenárias territoriais para a

elaboração do Plano de Governo Participativo – PGP” (BAHIA, 2015a, Art. 4º/§1º). Somam-

se ao PGP como pauta das reuniões os “Cenários Prospectivos para a Bahia”, planejamento

de longo prazo com projeções de cenários esperados para 2015, 2020 e 2030, e os relatórios

de monitoramento e avaliação do PPA ainda vigente em 2015. Detalhes sobre a mobilização

social, o papel esperado das esferas descentralizadas colegiadas, o trânsito de propostas dos

conselhos, entre outros temas relevantes que caracterizam a escuta social serão apresentados

nos indicadores do modelo de Fung (2006) e em temas independentes do último item.

As frentes de trabalho criadas com exclusividade para organizar e viabilizar a elaboração do

PPA atendem positivamente ao parâmetro de construção do arranjo participativo e ainda

permitem uma avaliação qualitativa dos termos dessa organização no Estado da Bahia. As

mesas temáticas e as escutas sociais compõem e fecham uma lógica de planejamento própria,

que considera tanto diretrizes estratégicas internas quanto demandas objetivas e subjetivas da

sociedade. Pode-se afirmar que o processo ininterrupto de aprimoramento metodológico

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153

dessas frentes é responsável ainda por gerar uma carga de ressignificação do planejamento em

termos mais democráticos.

Seção 3.4 Análise e resultados da democracia no PPA

da Bahia

Dando sequência ao enfoque no caso concreto do PPA Participativo da Bahia, esta seção tem

o objetivo de apresentar os resultados dos indicadores de grandeza e intensidade da

democracia a partir do framework tridimensional de Archon Fung (2006), e também os

resultados agregados desses indicadores na representação gráfica do “Cubo da Democracia”.

Os resultados contam com a exposição de achados da revisão documental e da pesquisa

qualitativa; nesse último caso, os indicadores são problematizados e respondidos na

perspectiva dos idealizadores e promotores da política participativa no Estado da Bahia, na

figura dos dirigentes do governo da SEPLAN que desenvolvem e implementam as estratégias

de participação no planejamento formal quadrienal, e de outros técnicos da comunidade

governamental. Nas entrevistas também despontaram temas relevantes que são apresentados

isoladamente ao final do trabalho, com a motivação de reforçar os achados da pesquisa,

provocar novas reflexões e responder a algumas problemáticas do planejamento público

organizadas no Capítulo 01. Esses temas foram motivados pela sinergia na exposição

voluntária dos dirigentes e técnicos do governo baiano acerca de temas afetos à

democratização do planejamento.

3.4.1 Modelo de análise

A análise do PPA Participativo da Bahia requer definir e dar transparência aos parâmetros que

serão adotados como referência na pesquisa. Estão seção organiza o modelo de análise que

será utilizado para cumprimento do objetivo central da pesquisa, ou seja, para a demonstração

da grandeza e intensidade da democracia no PPA-P da Bahia e em que medida o planejamento

público é ressignificado pela participação social.

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154

Utilizam-se essencialmente os parâmetros dispostos por Archon Fung (2006) em artigo33

sobre institutional design, ou desenho institucional, que constrói um framework para a

compreensão das possibilidades institucionais de algumas conhecidas formas de participação.

Os indicadores de Fung (2006) estão fundamentados na teoria da democracia participativa e

das instituições participativas (IPs), e vem produzindo modelos de análise para diversos tipos

de práticas de participação ao redor do mundo. Isso garante ao conjunto de indicadores um

potencial de aferir a intensidade da democracia no PPA de forma dialogada e comparativa às

análises já realizadas com outras IPs, como os orçamentos participativos, os conselhos

setoriais e planos diretores participativos (FUNG e WRIGHT, 2003; AVRITZER, 2008,

2009).

Mesmo que sem dar enfoque especial ao planejamento público, o autor aprofunda

sobremaneira os mecanismos de avaliação de potencialidades e limites da participação social

em processos decisionais diversos, o que agrega à pesquisa uma correspondência bem

estruturada entre as possibilidades institucionais das variáveis do framework com a grandeza e

a intensidade da democracia a ser mensurada nas instituições participativas voltadas à

elaboração dos planos plurianuais. Os três indicadores do framework são: seleção de

participantes – quem participa? –; modo de comunicação e decisão; e extensão da autoridade

e poder de agenda.

O primeiro deles, seleção de participantes, é estruturado em um contínuo de sete variáveis,

que caracterizam não propriamente o perfil34, mas a representatividade dos participantes nas

instituições participativas em relação à totalidade da sociedade, assim como o grau de

vinculação mais ou menos técnica com o objeto da instituição participativa – no caso do OP, o

orçamento público; no caso do PPA, o planejamento público; e assim por diante. Ambas as

perspectivas, de representatividade e de vinculação com o objeto, demonstram quão inclusiva

é essa IP, e de uma forma proporcional ao incremento da democracia. A Figura 01, abaixo,

ilustra as relações entre o indicador e a democracia.

33

O artigo tem o seguinte título: Varieties of Participation in Complex Governance – em português, Variações

da Participação em Governança Complexa. 34

Não há registro de levantamento de perfil nas experiências dos PPAs estaduais, sendo isso empreendido

somente em estruturas mais consolidadas de instituição participativa, como os conselhos de políticas públicas e

os orçamentos participativos. Também não foi empreendido neste trabalho o levantamento de informações mais

profundas dos cidadãos participantes do PPA-P da Bahia, como contagem exata e aspectos de gênero,

escolaridade, vinculação institucional, entre outras, que permitisse auferir a representatividade em relação aos

estratos da sociedade. Além da opção fundamentada pelos modelos qualitativos, houve na pesquisa

indisponibilidade de tempo, recurso e, sobretudo, oportunidade no levantamento.

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155

Figura 01. Relações do modo de seleção de participantes com a democracia

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

Os modos mais inclusivos referem-se, primeiramente, ao chamamento à esfera pública difusa,

que se caracteriza como o método mais irrestrito de seleção de público e se mobiliza para

convidar massivamente toda a sociedade à participação. O modo aberto de auto-seleção

também ocorre em chamamento amplo, porém, conta de forma mais significativa com o

voluntarismo e a disposição na participação pelos próprios cidadãos. Por esse motivo,

naturalmente já se torna um modo menos representativo do público maior, cujo desafio se

expressa no seguinte fato: “indivíduos com renda maior e mais instruídos tendem a participar

mais do que aqueles que têm menos vantagens, como fazem aqueles que têm interesses

especiais ou pontos de vista fortes” (FIORINA, 1999 apud FUNG, 2006, p. 67 – tradução

nossa).

Algumas estratégias de mobilização pouco mais restritivas buscam responder a esse desafio,

operando no recrutamento mais selecionado de subgrupos da sociedade (recrutamento

selecionado), de forma a incentivar a participação nas IPs de cidadãos menos propensos a esse

tipo de interação com o poder público, mas de algum modo interessados pela temática. Esse

recrutamento também se caracteriza pela passividade do Estado, uma vez que atua somente na

promoção de incentivos estruturais à participação. Outro modo pouco menos inclusivo, mas

mais representativo é a seleção aleatória, que se utiliza de recursos estatísticos para garantir a

representação de estratos da sociedade nos espaços deliberativos. Segundo o modelo, se trata

da melhor forma de garantir representatividade nas instituições participativas.

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156

Os modos mais exclusivos (menos inclusivos) acentuam-se a partir da participação dos

chamados “stakeholders leigos” – podendo ser interpretados como “stakeholders voluntários”

–, participantes típicos dos conselhos de políticas públicas, que apresentam denso interesse

sobre a temática discutida e se fazem presentes voluntariamente nos espaços participativos

como representantes da sociedade. Em seguida, entram em cena em alguns processos de

governança específicos os stakeholders profissionais, que são representantes de interesses

organizados, de sociedades organizadas, e burocratas estatais normalmente pagos para atuar

em situações que demandam alto conhecimento técnico. Por fim, o modo mais exclusivo de

seleção de participantes e que agrega pessoas com alto grau de vinculação técnica com o

objeto é o engajamento de representantes eleitos e administradores experts (selecionados via

concurso público) que fazem parte do corpo técnico do governo. Nesse último caso,

praticamente não se detecta qualquer intervenção social e não se identifica o componente

participativo no processo decisório.

O modo de comunicação e decisão, segundo indicador, refere-se à intensidade com a qual os

participantes interagem nos fóruns, no sentido do conhecimento, do nível de engajamento e

comprometimento e dos recursos variados que asseguram à participação. Existem seis

variáveis na composição desse indicador, sendo que três delas posicionam a participação em

um polo mais comunicativo e outras três que já caracterizam outro extremo, mais decisional,

ou seja, com mais capacidade de influência dos participantes no processo decisório. É

interessante notar que, no indicador de modo de comunicação e decisão, Fung (2006)

compreende a dimensão comunicativa como sendo mais democrática que a dimensão de

influência na decisão, argumentando que indivíduos com menos recursos (educacionais,

técnicos, políticos, financeiros, entre outros) são mais representativos da totalidade da

população – portanto as IPs são mais inclusivas – que aqueles indivíduos com maior

possibilidade e capacidade técnica e política de influenciar a tomada de decisão. A Figura 02,

abaixo, ilustra as relações entre o indicador e a democracia.

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Figura 02. Relações do modo de comunicação e decisão com a democracia

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

Na dimensão comunicativa, a primeira variável coloca o participante em uma condição de

ouvinte, como espectador do processo, em que a via de transmissão de mensagens entre os

atores nos fóruns é de mão única, do Estado para a sociedade. Nesse aspecto, os indivíduos

comuns que atendem aos fóruns, oriundos de mobilização massificada, pouco conseguem

levar a cabo algumas opiniões e reivindicações, situação agravada pela assimetria de forças

diante da presença de políticos, ativistas e outros grupos de interesses.

As duas variáveis seguintes também pertencem à dimensão comunicativa do modelo e

inserem um importante processo de aprendizagem política nas IPs, de forma a contribuir com

a exposição e formação de preferências individuais. Entretanto, de acordo com o modelo de

Fung (2006, p. 68 – tradução nossa), esse processo de aprendizagem não ocorre sem que haja

uma influência dos atores mais técnicos e políticos sobre as concepções dos participantes: “Os

mecanismos empregados nesses três primeiros modos de comunicação muitas vezes não

buscam traduzir as opiniões ou preferências dos participantes em uma visão coletiva ou

decisão”. Dessa forma, ainda que seja importante qualificar os participantes e o debate via

construção de preferências, isso tende a constranger a democracia. Há controvérsias, inclusive

pelas argumentações assumidas por este trabalho na construção teórica, sobre a relação

inversamente proporcional entre aprendizagem política e a profundidade da democracia, mas

admite-se o risco à democratização da IP quando o debate vai se tornando mais e mais

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158

qualificado do ponto de vista da negociação técnica e política, já que pode estreitar a

oportunidade dialógica e a representatividade de interesses gerais da sociedade.

Caminhando para a dimensão da influência na decisão, o modelo incorpora três variáveis que

agregam à comunicação e às decisões coletivas das IPs algumas configurações mais técnicas e

políticas. O modo mais comum é o de agregação e barganha, que busca integrar as

preferências dos participantes à decisão social (social choice) por meio do método de

mediação de interesses e conforme os respectivos recursos de influência e poder. O outro

modo é o de deliberação e negociação. Contando com maior background educacional, nesse

caso, os participantes trocam experiências e perspectivas e então deliberam para uma decisão

coletiva aquelas reivindicações que são oriundas de anseios individuais. Por fim, o último

modo decisório desse contínuo de Fung (2006) dá centralidade ao conhecimento técnico de

alguns experts burocratas e profissionais, que traçam estratégias para resolução de problemas

particulares. Trata-se, portanto, de um processo mais selecionado de tomada de decisão, com

uma perspectiva de diálogo e negociação muito limitada e de alta discricionariedade. São

atores centrais, tipicamente, agentes planejadores, reguladores, servidores públicos, agentes

políticos, entre outros.

A extensão da autoridade e poder de agenda é o terceiro indicador do framework

tridimensional de Fung (2006) e refere-se ao potencial de impacto da participação social no

desenho e implementação das políticas públicas. O indicador apresenta um contínuo com

cinco variáveis de mais ou menos potencial de impacto entre aquilo que os participantes

aconselham ou sugerem nos fóruns participativos e o que as autoridades públicas

efetivamente fazem, partindo de um ponto em que pouco se espera em termos de influência na

agenda política até o efeito de uma autoridade direta na ação programática. É necessário

esclarecer que o indicador não busca aferir o impacto propriamente, mas o potencial de

impacto da participação social na formação da agenda política, tendo como referência a

expectativa em torno do exercício da autoridade. Sendo assim, não é investigado o que

“entrou” ou “não entrou” na agenda, mas sim o tipo de exercício de autoridade empregado

pela participação social e, num plano mais normativo, até uma medida de soberania social.

A esse indicador estão associados dois importantes pressupostos do autor: primeiro, a

participação social agrega menos influência política na tomada de decisões que a autoridade

direta, entre outros fatores, pela assimetria de forças e recursos já citada; segundo, a

ampliação da participação social e a ampliação da autoridade direta estão em polos opostos no

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159

espectro. Assim como no indicador anterior, molda-se uma curiosa relação inversamente

proporcional entre o aumento do potencial de impacto nas políticas e o constrangimento da

democracia, advinda também da ênfase na inclusão social, na medida em que o aumento da

autoridade representa uma limitação à participação social. A Figura 03, abaixo, ilustra as

relações entre o indicador e a democracia.

Figura 03. Relações da extensão da autoridade e poder de agenda com a democracia

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

A primeira variável do indicador assume a baixa expectativa do participante comum em

influenciar a agenda de políticas públicas, tendo como justificativa para a participação uma

perspectiva de contribuição para uma evolução cidadã mais pessoal que coletiva, ou seja,

voltada ao benefício social (personal benefits, como é o nome da variável) de educação para a

cidadania. Essa primeira variável é interveniente à primeira dimensão comunicativa do

indicador anterior e compreende que o fórum afeta mais o participante que a política em si. A

segunda variável trata da influência comunicativa, nesse caso nos termos da eficiência

argumentativa do governo para com os ouvintes em processo de defesa de agendas e projetos

específicos. A terceira variável corresponde ao modelo mais recorrente de compartilhamento

de autoridade e poder, que são os fóruns de conselho e consulta. As discussões ocorrem nos

espaços como forma de perenizar as intenções das autoridades públicas no desenho das

políticas (FUNG, 2006).

As últimas duas variáveis do indicador e do modelo são menos recorrentes, e elas se

caracterizam por um exercício de poder direto em determinadas políticas e ações, primeiro,

em regime de relacionamento de co-governabilidade (cogoverning partnership), em que

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160

participantes se juntam aos agentes públicos e políticos para desenvolvimento das estratégias.

Segundo, e de forma mais intensa, exercem autoridade direta nas decisões públicas e alocação

de recursos. Co-governabilidade e autoridade direta são as variáveis de maior empoderamento

e de influência política, “embora não necessariamente mais desejável”, sobretudo porque

cerceiam a participação social e a manifestação da democracia (FUNG, 2006, p. 69 – tradução

nossa).

Além do resumo descritivo dos indicadores, o Quadro 02 mostra também os polos de variação

e a relação com a democracia, segundo a interpretação de Fung (2006).

Quadro 02. Quadro Analítico do Arranjo Institucional Participativo para Ampliação da

Democracia – “Cubo da Democracia” de Fung (2006)

Indicador Descrição geral35 Polos de variação Relação com a

democracia

Seleção de

participantes

(Quem

participa?)

A classificação,

posicionada em

contínuo, demonstra

quão representativo é o

público participante em

relação à população

geral e quão

familiarizado

tecnicamente com o

processo de tomada de

decisão está.

A seleção de participantes

caminha de um polo mais

inclusivo para um polo

menos inclusivo, dentro

de sete possíveis

classificações de

chamamento:

1. Esfera pública difusa;

2. Aberto à auto-seleção;

3. Recrutamento

selecionado;

4. Seleção aleatória;

5. Stakeholders leigos;

6. Stakeholders

profissionais;

7. Representantes eleitos

e Administradores

experts.

Relação

proporcional:

quanto mais

inclusiva a

participação, mais

democrática é a IP.

Modo de

comunicação e

decisão

A classificação,

posicionada em

contínuo, demonstra a

profundidade com que as

pessoas interagem na IP,

de forma mais ou menos

intensa. Entende-se por

intensidade: nível de

investimento,

O modo de comunicação e

decisão caminha de um

polo mais intenso para um

polo menos intenso,

dentro de seis possíveis

classificações:

1. Implanta técnica e

Relação

inversamente

proporcional:

quanto mais intensa

a comunicação,

menos democrática é

a IP (restrição à

democracia).

35

Descrição geral foi adaptada da revisão bibliográfica do texto de Archon Fung intitulado “Varieties of

Participation in Complex Governance” (2006), publicado na Public Administration Review.

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161

Indicador Descrição geral35 Polos de variação Relação com a

democracia

conhecimento e

compromisso exigido

dos participantes.

expertise;

2. Deliberação e

negociação;

3. Agregação e barganha;

4. Desenvolve

preferências;

5. Expressa preferências;

6. Ouvinte/ Espectador.

Extensão da

autoridade e

poder de

agenda

A classificação,

posicionada em

contínuo, demonstra o

impacto da participação

pública, no sentido da

capacidade de influência

dos participantes e do

potencial de as decisões

tomadas tornarem-se

política.

A extensão da autoridade

e poder de agenda

caminha de um polo de

mais autoridade para um

polo de menos autoridade,

dentro de cinco possíveis

classificações:

1. Autoridade direta;

2. Co-governança;

3. Conselho/ Consulta;

4. Influência

comunicativa;

5. Educação individual/

Benefício pessoal.

Relação

inversamente

proporcional:

quanto mais

autoridade

(capacidade de

influência), menos

democrática é a IP

(restrição à

democracia).

Fonte: Elaboração própria; adaptado de Fung (2006).

Os resultados dos três indicadores apresentados no Quadro 02 preenchem o framework

proposto por Fung (2006) para a compreensão das possibilidades institucionais das formas de

participação, de modo a compor a área geométrica daquilo que o autor chama de ”Cubo da

Democracia” – leia-se, a área de abrangência da democracia em uma dada instituição

participativa. Compreende-se, a partir desse modelo, que os três indicadores posicionados nos

respectivos espectros delimitam um espaço tridimensional que permite ilustrar o “tamanho” –

tamanho porque o gráfico permite uma análise visual, mas se dá no sentido da grandeza – e a

intensidade da democracia. Como exemplo, o Cubo da Democracia representado na figura 04

mostra a transformação do arranjo institucional do orçamento tradicional para o orçamento

participativo.

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162

Figura 04. Representação do Cubo da Democracia de Fung (2006) na transição do

Orçamento Tradicional para o Orçamento Participativo

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

Observa-se que a área do gráfico, representativa do “tamanho” da democracia, ampliou-se

significativamente de uma estratégia para outra, sobretudo em relação ao indicador de seleção

de participantes e de modo de comunicação e decisão. No primeiro caso, deixou-se de utilizar

o polo mais restritivo de seleção, da participação de pessoas estratégicas, técnica e

politicamente selecionadas internamente no Estado, para a utilização de um arranjo que capta

a participação de um número expressivo de cidadãos comuns, oriundos, no processo, de uma

mobilização massiva e irrestrita de participantes. Se a relação entre o tamanho do desenho

cubo e a grandeza da democracia no processo é proporcional, nota-se a ampliação

significativa da democracia após a adoção do componente participativo no planejamento

orçamentário.

Com a mesma intencionalidade, o presente trabalho ambiciona apresentar na seção de

resultados o Cubo da Democracia do PPA Participativo da Bahia, detalhando a posição de

todas as variáveis, atinentes ao caso concreto, no espectro tridimensional de Fung (2006).

Espera-se apresentar, inclusive, algumas mudanças significativas adotadas de um ciclo de

planejamento para outro, que impactam na grandeza e intensidade da democracia nos quesitos

de seleção de participantes, modo comunicativo no processo decisório e poder de influência e

agenda nas IPs.

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163

3.4.2 Resultados dos indicadores de grandeza e intensidade

da democracia

a. Seleção de participantes

Como explicado no modelo de análise, o indicador de seleção de participantes é o primeiro do

framework de Fung (2006) e busca aferir a inclusividade das instituições participativas; isso

em três perspectivas: a amplitude de mobilização social, a representatividade dos participantes

em relação ao restante da população e a vinculação mais ou menos técnica com o objeto da

instituição participativa, no caso do PPA, com o planejamento público. Combinadas, as

perspectivas indicam se a instituição participativa respeita o princípio da inclusão social,

aumentando assim o potencial de democratização da IP. Posicionada no contínuo de Fung, a

seleção de participantes caminha de um polo mais inclusivo, representado pelo chamamento à

esfera pública difusa, para o um polo menos inclusivo, representado pelo engajamento de

representantes eleitos e administradores experts no processo decisional. No referido modelo,

inclusividade e democracia estão do mesmo lado do polo, obedecendo a uma relação

proporcional.

Entende-se, neste trabalho, que o princípio da inclusão social – organizado em ampla revisão

teórica por Cunha e Almeida (2011) – corresponde a uma das bases da democratização da

administração pública, ao passo que um potencial indutor da redução de desigualdades

remanescentes na sociedade brasileira. Em sociedades cujos índices sociais demonstram

demasiada precariedade, é ainda mais importante trabalhar a inclusividade de múltiplos

interesses, necessidades e anseios nos processos decisórios. Além disso, é interveniente ao

indicador de seleção de participantes, também segundo a análise da deliberação democrática

de Cunha e Almeida (2011), a participação igualitária nas instâncias democráticas, no que se

refere tanto à oportunidade assegurada de participação quanto à oportunidade de formulação e

apresentação de ideias por todos os cidadãos. Nesse sentido, não bastaria somente incluir os

indivíduos, mas garantir que todos tenham oportunidade de falar e ser ouvidos nos fóruns.

Essas temáticas adicionais, entretanto, são somente tangenciadas neste trabalho, já que a

ênfase é explícita para a questão do arranjo institucional.

Na Bahia, em 2007, aproximadamente doze mil pessoas participaram dos momentos de

escutas sociais, sendo a maioria formada por representantes da sociedade civil organizada, e

milhares de propostas foram elaboradas pelos atores sociais em cada um dos territórios de

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164

identidade. Foram programadas 17 plenárias, mobilizadas reuniões prévias e enviados

convites a todas as entidades e segmentos sociais. Estima-se que cerca de 40 mil pessoas

tenham sido mobilizadas pelo PPA Participativo do ciclo de 2008-2011 (POMPONET, 2008).

A mobilização se deu no alcance da esfera pública difusa, que se caracteriza, segundo o

modelo de Fung, como a forma mais irrestrita e inclusiva de seleção de público, uma vez que

convida massivamente toda a sociedade à participação. Esse chamamento conta,

naturalmente, com a auto-seleção, advinda do mesmo esforço de mobilização ampla, mas que

depende também da disposição e voluntarismo dos indivíduos à participação. Assim, na

elaboração do PPA 2008-2011, a Bahia se posiciona no extremo mais inclusivo e democrático

do modelo de Fung.

Os entrevistados lembram com clareza deste momento, que marcou com ousadia a transição

no Estado da Bahia para um governo autodenominado democrático. Desde a construção do

primeiro PPA-P, em 2007, as escutas sociais “eram verdadeiras assembleias abertas a toda

sociedade” (Entrevistado 02):

A escuta do passado, do primeiro mandato do governador Wagner,

terminou sendo uma escuta mais “de livre pensar”, um

brainstorming generalizado. Isso gerou, pra você ter uma ideia, no

Excel, mais de oito mil e quinhentas linhas de propostas. Então,

começamos a ver no processo de filtrar que tinham propostas que

eram da competência da união, não eram de competência do

governo de estado, tem proposta que era de competência exclusiva

do município (...).

Em termos de representatividade, a mobilização ampla e o “livre pensar” confluem para um

modelo de IP mais inclusiva, ampliando a democracia. Por outro lado, impõem muitos e

significativos desafios à operacionalização do plano, uma vez que, segundo o entrevistado 02,

é difícil

canalizar exatamente as discussões, porque eu tenho ali o seu Zé,

dona Maria, seu Pedro... Todos têm acesso, direito, então, você

percebe que eles não estão efetivamente ainda suficientemente

maduros pra saber... Ele sabe o que ele precisa, o que ele não

sabe é como conduzir isso.

Essas falas, que são comuns aos demais entrevistados, sinalizam riscos na gestão operacional

do processo de consolidação de propostas e redações, e, por consequência, na organização da

peça final de planejamento.

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165

As nuances do chamamento amplo foram consideradas na revisão e aprimoramento da

metodologia de um ciclo para outro, sobretudo na última rodada de elaboração do PPA, em

2015. Ainda no ciclo 2012-2015, porém, o foco do aprimoramento da metodologia foi dado

no quesito de vinculação com o objeto, por meio de diversas medidas de preparação para a

temática e para o planejamento em si. É interessante notar que a aproximação do participante

com o objeto da participação, no caso o planejamento público, é compreendida como uma

oportunidade de inclusão política e de democratização da IP, não como um mecanismo de

distinção36

. As evoluções pragmáticas podem ser exemplificadas por algumas estratégias

implementadas pela SEPLAN nesse contexto. A secretaria trabalhou estratégias de

envolvimento dos agentes multiplicadores do processo, por meio de seminário de

apresentação do plano estratégico a representantes territoriais e de oficina de

instrumentalização dos grupos de trabalho para a mobilização dos municípios em torno das

plenárias territoriais. Nessas plenárias, também foram trabalhadas estratégias de qualificação

prévia do público mobilizado, buscando posicioná-lo nas regras da participação social. Ainda,

a SEPLAN procurou nesse ciclo de planejamento preparar os territórios para indicar

lideranças pontuais e representativas, que se comprometessem a organizar reuniões e escutas

em seu território de atuação.

No âmbito da mobilização social, a SEPLAN criou os chamados Grupos Territoriais de

Trabalho, os GTTs, compostos por servidores dos escritórios regionais, membros dos

conselhos setoriais de políticas públicas e do poder público local. Coube aos colegiados

territoriais reunir agentes mobilizadores e fomentadores da discussão sobre o que é o PPA e

sobre as regras de funcionamento da estrutura participativa. Segundo o gestor da Diretoria de

Planejamento Territorial (DPT), esse colegiado foi induzido a convocar o público que

julgasse que representasse a diversidade do território. Então vai um grau razoável de

subjetividade, porque passa do olhar que cada um tem sobre o seu território, do ciclo de

relações, de junções políticas (Entrevistado 03). O relato da condução da mobilização pelos

colegiados territoriais ilustra um processo de afunilamento do chamamento à esfera pública

difusa, comparativamente “à festa da democracia” no primeiro ciclo, já notado nos registros

documentais do PPA-P da Bahia. É importante reforçar que a atuação dos colegiados também

36

No próximo indicador, de modo de comunicação e decisão, ao contrário deste, os recursos informacionais

funcionam como mecanismos de distinção. Isto é, os recursos diversos que os participantes devem deter para

exercer influência no processo decisório funcionam como filtro na sociedade, tornando os fóruns menos

representativos do total da população. No âmbito da influência comunicativa, portanto, os recursos

informacionais são compreendidos no polo oposto da democracia. Já nos trabalhos de vinculação com o objeto, a

aproximação do participante com o objeto, o planejamento, é compreendida como uma oportunidade de inclusão

política e de democratização da IP, não como um mecanismo de distinção.

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é ou impulsionada ou cerceada pelo nível de organização e disposição da sociedade civil –

muito na linha do que é defendido por Avritzer (2012). O entrevistado relata que

tiveram territórios que a sociedade era mais organizada, e esse

grupo [GTT] conseguiu dar operacionalidade, e isso aqui facilitou

o trabalho da escuta, porque aí cada segmento já chegava lá pelo

menos sabendo o que queria. E tiveram outros colegiados, outros

territórios, que esse grupo não conseguiu trabalhar bem, e então

isso se refletia na dispersão de pauta, de proposta.

O governo conta, desde esse penúltimo ciclo, com a parceria de outras secretarias para a

mobilização da sociedade à participação nos fóruns participativos descentralizados. A técnica

da Secretaria de Relações Institucionais do Governo do Estado da Bahia (SERIN) discorre

sobre como a sua secretaria promove ações de engajamento do público-alvo no PPA

(Depoimento 01). Se trata de um órgão que está vinculado ao gabinete do governador; é uma

secretaria que cuida do exercício da democracia, da relação da sociedade civil com o

governo do estado. Além de atender às demandas da sociedade civil organizada e às

solicitações dos movimentos sociais, fazendo uma ponte entre o Estado e as organizações

sociais, a secretaria tem o papel de fomentar a participação de agentes apartados do organismo

participativo, desde o cidadão comum até os grupos não organizados (grupos que não estejam

numa estrutura oficial de sindicato, que ainda não tenha se estruturado, que ainda não tenha

seu CNPJ, coisas desse tipo). Sendo assim, o governo divide as iniciativas de permeabilização

das políticas de diversas formas, entre as secretarias, trazendo a sociedade para dentro da IP

com outros trabalhos que não aqueles exclusivos de desenho estrutural de mobilização social.

No processo de escuta social para o ciclo de 2012-2015, foram cadastradas mais de três mil

propostas, sendo a grande maioria delas oriunda dos representantes da sociedade civil. Quase

duas mil propostas desse universo foram validadas pela equipe da SEPLAN e direcionadas às

equipes setoriais para análise e incorporação no texto final (BAHIA, 2013). Interessam para o

indicador de inclusão os resultados da participação, notados pelos próprios técnicos do

governo. No documento intitulado “PPA Participativo: registro de uma história” (2013), o

governo estadual baiano buscou apresentar os resultados das experiências participativas,

assim como suas contribuições para a gestão pública, que são eles: “aproximação do

planejamento do Estado com a diversidade existente em cada Território de Identidade;

qualificação das ações priorizadas; democratização do planejamento; oportunidade de

participação de segmentos antes excluídos; abertura do diálogo na execução do planejamento;

e oportunidade de acompanhar a execução do planejamento” (BAHIA, 2013, p. 56 e 57).

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Essas conclusões documentais e os relatos apontam que a busca pela qualificação da

mobilização pode até ter reduzido o grau de inclusividade da IP, mas outras ações de fomento

à participação e de formação para o objeto mantém o PPA-P da Bahia no ciclo 2012-2015 no

polo mais inclusivo e democrático do modelo de Fung.

O ano de 2015 representou um ponto de inflexão metodológico para a elaboração do PPA da

Bahia em vários quesitos. O primeiro deles diz respeito à operacionalidade do plano. Devido

às dificuldades operacionais de fechamento de propostas das escutas sociais – essas que

devem ainda ser filtradas e compatibilizadas com as estratégias advindas das setoriais antes de

serem incorporadas ao plano –, e que oferecem riscos à elaboração do plano plurianual desde

os primeiros ciclos participativos, a equipe da SEPLAN buscou dar um salto qualitativo no

arranjo de participação das escutas sociais. O entrevistado 04, ao ser instigado a falar sobre as

motivações para as transformações metodológicas e também sobre a avaliação crítica disso,

afirmou o seguinte:

A gente foi percebendo – e é a avaliação que a gente tem hoje –

que trazer mais pessoas é um elemento interessante, mas a

qualidade com a qual você... Não é a qualidade de pessoas não,

mas a qualidade do produto de um momento como esse, entendeu?

(...) Por isso que esse PPA, ele buscou assim: afunilar um pouco

em relação à participação, mas não afunilar a participação,

afunilar o produto dela, entendeu? Ela foi de novo aberta, ela foi

de novo ampla, mas ela buscou ter um produto mais coeso no final,

exatamente para que ele seja insumo de elaboração dentro do

planejamento.

Diante dessa orientação metodológica, afunila-se o produto da escuta social em busca do salto

qualitativo, ainda que para isso haja a troca da mobilização massiva e indiscriminada para

organizações estratégicas, em conjunto com coletivos regionais, em torno das propostas

(produto) dos fóruns participativos.

O segundo quesito disparador da inflexão metodológica do plano se relaciona à temática da

representação. Circunscritos ao indicador de seleção de participantes foram evidenciados

alguns dilemas da representação nas instituições participativas. É unânime entre os

entrevistados o risco que a instituição participativa corre ao selecionar pessoas que sejam de

fato representativas dos Territórios de Identidade e, com isso, garantir a legitimidade do plano

formal construído coletivamente. O entrevistado 03 é muito enfático e transparente em relação

aos riscos da representação, admitindo que

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a configuração de cada público... nem sempre o público presente

na audiência reflete exatamente a configuração da sociedade. Mais

ainda: do ponto de vista da democracia, e da legitimidade, a

legitimidade pode ser questionada. Não existe nada que assegure

que aquele coletivo que esteve presente naquele dia represente de

fato [a população]... Não estou dizendo com isso que haja um tipo

de manipulação, de segundas intenções, cada um convoca de

acordo com o que enxerga, é talento seu, é do seu território.

As afirmações aprofundam o debate sobre a democracia e sua complexidade em agregar com

efetividade a pluralidade dos territórios, ao passo que conferem ao risco um caráter natural,

inerente à sociedade civil organizada e muito característico de todas as instituições

participativas, como os conselhos de políticas públicas.

Na mesma linha, o entrevistado 04 conta que cada fórum de participação tem um tipo de

coletivo formado, que não obedece a nenhuma regra específica e que espelha um organismo

dinâmico particular à região. Sob essa afirmativa, a representatividade e a legitimidade são

condições que fogem à governabilidade do Estado. A equipe pode montar

uma audiência pública, com caráter de audiência pública, com

área aberta, com convocação, em rádio, convocação em tudo,

como a gente fazia. Não significa que o povo [esteja ali

representado]. Às vezes vai o líder da associação que não

representa nada daquela comunidade, e aí vai um grupo de

pessoas... você tem a formação de uma plenária, de uma audiência,

ela tem a sua própria característica.

Isso evidencia um risco associado à composição da plenária, em termos de representação.

Risco esse que, ao invés de reforçar a necessidade de mobilização ampla da sociedade, acaba,

sob o olhar dos técnicos, por justificar a mobilização selecionada e mais restritiva da

sociedade, via representações locais mais consolidadas. No último ciclo de elaboração do

PPA-P, a equipe apostou no arranjo de mobilização social com a atuação de colegiados

territoriais que, segundo o entrevistado, ao menos caminham para um ideal de

representatividade. A gente não limitou a participação, só que a gente foi atrás dos

colegiados territoriais, então você tinha já uma estrutura montada com uma rede de contatos,

com lideranças legitimadas dentro do colegiado.

Por fim, ainda sobre a temática da representatividade, o entrevistado 02 confere um olhar

mais otimista para o arranjo institucional participativo, no sentido de que a moldagem do

arranjo pode ser determinante para mobilizar atores representativos nas instituições

participativas descentralizadas do PPA-P da Bahia. A questão da representação é uma

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preocupação muito grande que a gente tem, por isso que nós criamos aqui, e isso é muito

cuidado de perto pelos ADTs, agentes de desenvolvimento territorial, é por isso que nós

temos os colegiados territoriais, é por isso que nós estamos sempre junto com os territórios

dessas lideranças. Segundo ele, a equipe da SEPLAN tem compromisso com o

acompanhamento da atuação dos agentes mobilizadores, fazendo treinamento, capacitação,

palestras, fazendo com que os agentes de desenvolvimento territorial que moram lá, residem

nesse território, circulem pelos territórios, sejam agentes multiplicadores e sejam

verdadeiros termômetros e filtros. E complementa afirmando que os ADTs circulam entre os

representados, para que eles filtrem essas propostas, apliquem questionários, façam

entrevistas para verem se realmente esses lideres estão sendo legítimos e representativos.

Todas essas ações sugerem que o arranjo de participação, ou seja, a forma como é desenhado

o processo de mobilização, formativo e decisório, pode garantir pouco mais de

governabilidade, por parte do Estado, na representatividade e legitimidade do produto das

escutas sociais.

A Bahia vem fazendo um esforço de qualificar a mobilização dos territórios para garantir a

presença de lideranças representativas dos interesses locais. Processo semelhante é notado no

PPA federal, em que partiu-se de uma mobilização social ampla para o envolvimento dos

conselhos nacionais, no intuito, segundo a revisão teórica (AVELINO e SANTOS, 2014;

PIRES et al, 2014), de ampliar a representação de interesses difusos no plano e também a

legitimidade da escuta social. Para isso, de acordo com o contínuo de Fung (2006), o PPA-P

caminhou da esfera pública difusa para uma mobilização por recrutamento selecionado, que

objetiva o chamamento de subgrupos da sociedade por meio de incentivos estruturais à

participação. Os nichos sociais de atuação dos ADTs, escritórios regionais, colegiados

territoriais, conselhos e outros coletivos podem representar os subgrupos do recrutamento

selecionado. Esse modelo de seleção de participantes reforça uma centralidade de organização

do Estado e dá uma ênfase ao arranjo ou desenho montado para atender à IP, e nem de longe,

assume-se, descaracteriza um nível bem democrático de inclusividade na seleção de

participantes. A figura abaixo demonstra o processo de transição do modelo de seleção de

participantes adotado nos últimos ciclos.

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Figura 05. Representação do eixo de seleção de participantes no modelo de Fung (2006)

na transição entre os ciclos do PPA de 2008-2011 para o de 2016-2019

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

À luz da teoria de Fung (2006), houve um decréscimo de intensidade da democracia no

framework. Entretanto, quando observados os esforços documentados e relatados pelos

técnicos da SEPLAN de aprimorar a seleção de participantes de um ciclo do PPA para outro,

fica claro que a intencionalidade de qualificar a representação não se equipara à

intencionalidade de restringir a democracia na IP – qualificar a representação não é sinônimo

de deixar a IP menos inclusiva, ao menos não na intencionalidade. O arranjo de participação

foi sim modificado de chamamento amplo para chamamento selecionado, entre os ciclos de

2008-2011 e 2016-2019, e isso ocorreu na intencionalidade tanto para dar materialidade ao

plano quanto para melhorar a representação de interesses. Assim, os documentos e relatos

reivindicam o convencimento para sensibilidade da temática da representatividade, incitando

uma crítica indireta e, admite-se neste trabalho, plausível ao modelo, uma vez que

representatividade não é garantida exclusivamente pela quantidade de público configurado em

uma plenária. Os achados da pesquisa, para o indicador de seleção de participantes, deixaram

uma aprendizagem sobre a necessidade de promover-se um equilíbrio entre representação e

inclusão social.

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b. Modo de comunicação e decisão

O indicador de modo de comunicação e decisão é o segundo do framework de Fung (2006) e

busca aferir a intensidade com a qual os participantes interagem nos fóruns, principalmente o

quanto de conhecimento, engajamento e comprometimento empreendem durante o processo

participativo. Esse indicador possui uma métrica que caminha de um polo mais comunicativo

– e, segundo o autor, mais democrático – para outro polo oposto, mais decisional, em que os

participantes se apresentam com mais informações, tempo, disposição e outros recursos

(educacionais, técnicos, políticos e financeiros) para influir no processo decisório. Fung

apresenta esse polo como sendo menos democrático e menos representativo da sociedade

como um todo, uma vez que agrega indivíduos mais equipados e empoderados.

Os níveis de engajamento e comprometimento dos participantes são aspectos que interferem

na intensidade de interação nos fóruns e são constituídos antes mesmo de a instituição

participativa se consolidar. As representações locais, tal como são despontadas na sociedade,

a atuação de conselheiros, com os recursos educacionais, técnicos e políticos de que dispõem,

as lideranças formais e informais, com a vivência diária no embate pela formação de agendas

públicas e políticas, entre outros fatores, empurram o posicionamento da instituição

participativa mais para o polo decisional no modelo de Fung e, por consequência, menos

democrático. É importante notar que os aspectos citados, de engajamento e

comprometimento, são intervenientes ao grau de vinculação dos participantes com o objeto de

planejamento, já tratado no indicador de seleção de participantes. As diferenças baseiam-se no

fato de que, nesse último caso, vê-se o esforço de explicar o funcionamento do objeto, o

planejamento, como uma oportunidade de inclusão política, ao passo que a disposição de

recursos prévios à consolidação da IP, no caso das representações locais, conselheiros e outras

lideranças, é entendida como um mecanismo distintivo e restritivo.

À parte o grau de representatividade dessas lideranças – o quanto elas são representativas da

sociedade como um todo, tema sensível do indicador anterior –, é indiscutível a variedade e a

quantidade de recursos de que dispõem para influenciar o processo decisório, e também o

quanto isso agrega em termos de intensidade de interação nos fóruns. Sobre essa questão, a

técnica da SERIN (Depoimento 01) primeiro refuta que essas lideranças não sejam

representativas, à controvérsia dos argumentos anteriores e, em seguida, ressalta que já existe

um processo comunicativo de construção de pautas, por vezes até deliberativo, nos coletivos

de origem dessas lideranças:

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essas lideranças estão constituídas, reconhecidas e são

representativas, e não acredito muito que você tenha pessoas, de

fato, que não representam o segmento, tomando decisões

conjuntas, até porque todos os segmentos (pessoal de sindicato,

pessoal de associação, pessoal de fóruns) eles têm seus processos

de discussão interna, têm seus conflitos também, têm suas disputas

internas... e o que vai para a discussão na disputa territorial já é

consenso.

Nessa perspectiva, o processo comunicativo é influenciado tanto pelos múltiplos recursos

inerentes às representações quanto pelas pautas e propostas predefinidas, assim, o que já era

questionável em termos de potencial democratizante dos fóruns e da IP como um todo fica

ainda mais sensível quando atestadas essas mobilizações preparatórias.

No contínuo de Fung, as instituições participativas de origem das lideranças – conselhos,

associações, conferências, entre outras – se posicionam sobre as variáveis de agregação e

barganha ou até mesmo sobre as variáveis de deliberação e negociação, dependendo da

natureza do fórum, e isso posiciona a IP no polo decisional, menos democrático. Entende-se

que esse posicionamento, embora atenuado, é reproduzido no PPA-P, de forma que as

lideranças originárias exerçam influências significativas no processo decisório e no

desenvolvimento de preferências dos demais participantes, mais leigos. A atenuação ocorre

devido à inserção de outros atores sociais, representações diversas e novas pautas

reivindicatórias, o que faz as lideranças recuarem no espectro de Fung para ações

comunicativas e de agregação e barganha. Os participantes leigos, por sua vez, podem passar

de uma condição de ouvinte para uma condição de defensor das próprias preferências, devido

às oportunidades comunicativas concedidas nos fóruns, mas não sem antes serem

influenciados pelas bandeiras políticas das lideranças, cujas trajetórias lhes conferem uma

significativa assimetria de informação e de poder.

Parte do indicador do modo de comunicação e decisão pode ser respondida, no âmbito da

intensidade de interações nos fóruns, somente com esse olhar para os níveis de engajamento e

comprometimento. Em outra via, na construção do diálogo com a sociedade, no aspecto do

conhecimento, o governo baiano propôs um conjunto de ações para aprimorar habilidades

comunicativas e potencializar talentos regionais, buscando respeitar um processo de

aprendizagem mútuo – de Estado e sociedade – para a participação social. A melhoria do

produto das escutas sociais também é um fator de motivação para a qualificação do processo

comunicativo e decisional. Entre as ações empreendidas, destacam-se as iniciativas de levar

formação política e informações às comunidades dos Territórios de Identidade.

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De acordo com a análise documental, as iniciativas de mobilização para a elaboração do PPA

2012-2015 foram as primeiras a compor o rol de ações de preparação para o debate nas

escutas sociais. Como já descrito no indicador de seleção de participantes, a SEPLAN criou

uma rede local circunscrita em torno de grupos territoriais de trabalho e agentes

multiplicadores da sociedade, que foram preparados não só para mobilizar atores relevantes,

mas para também disseminar informações sobre o processo participativo e os temas

estratégicos que norteariam as discussões nas plenárias. Foram elaboradas cartilhas digitais

com orientações sobre o PPA, especificando a priori a sua própria razão de ser, histórico,

funções, contribuições, roteiro de elaboração e cronograma de escutais sociais em cada

território. Essencialmente, essas cartilhas problematizaram os temas e apresentaram as

diretrizes postas em planos de médio e de longo prazos, como o “Pensar Bahia 2023”. Em

uma perspectiva otimista, entende-se que a disposição das cartilhas e outras iniciativas de

preparação prévia das pessoas para o debate reduzem a assimetria de informação e possíveis

desigualdades na capacidade de fala dos participantes, contribuindo para uma imersão

comunicativa mais efetiva, rumo ao desenvolvimento conjunto de preferências.

Além dessas iniciativas, também contribuem para incrementar a reciprocidade da fala a

transversalidade temática e a integração entre os múltiplos fóruns participativos, iniciadas no

ciclo de 2012-2015 da Bahia e aprimoradas em 2015. Segundo o registro documental do

governo, essa metodologia foi estruturada com cuidado especial para a integração entre temas

e fóruns de modo a “criar um senso de unidade entre participantes, estabelecer parâmetros

para uma escolha informada e viabilizar o tempo mínimo necessário para a produção e

priorização de propostas” (BAHIA, 2012, p. 45). Entende-se também que, sob a

transversalidade, os participantes ganham força em pautas reivindicatórias complexas,

especializando seu discurso para atendimento integral de temas e problemas, assim como a

multiplicidade de fóruns potencializa o conhecimento sobre determinados assuntos e faz as

pautas ecoarem.

O governo baiano buscou e vem buscando, desde o primeiro ciclo de PPA-P, nas estratégias

de participação social, criar meios de informar e formar cidadãos e agentes multiplicadores,

inclusive os mediadores dos debates das plenárias regionais, esses que exercem papel

fundamental na reciprocidade da fala dos participantes e na influência comunicativa. Segundo

a especialista em políticas públicas e gestão governamental e diretora de monitoramento da

SEPLAN (Depoimento 03), a reciprocidade da fala se dá no seguinte sentido:

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Se você está conversando com uma pessoa que ignora o que você

está dizendo, não é uma conversa, não é um diálogo, é um

monólogo. (...) Aí a gente evolui pra isso, então, a gente aperfeiçoa

as escutas que acontecem, a interlocução, cria esses conselhos do

CODETER, CEDETER, tudo é criado nesse âmbito.

O contexto do seu depoimento é compreendido em uma discussão ampla sobre a influência

comunicativa entre os participantes e a preparação para o momento participativo, que

impactam sobremaneira, sob o olhar da servidora, a qualidade do produto das escutas sociais.

O ato de formar politicamente e informar o cidadão também é entendido pelos gestores e

técnicos entrevistados como uma forma de atenuar a assimetria de informação e poder nos

fóruns, como já dito, e de diminuir o grau de influência das lideranças políticas. O

entrevistado 02 argumenta sobre isso que a Bahia vem de um processo onde nós tínhamos

lideranças políticas institucionais muito fortes e ditavam muito as questões. A partir do

momento que você chega pra sociedade e diz ‘eu vim aqui agora pra ouvir o que você

precisa’, isso é uma mudança de paradigma muito radical e muito significativa. Essa abertura

deve ser acompanhada de oportunidades de transmissão de informações sobre o conteúdo das

reivindicações, uma vez que a ponta precisa também estar madura, formada ou

conscientizada suficiente pra saber o que ela precisa, o que ela quer, como é que eu posso

ajudar essa sociedade a identificar os seus gargalos e transformá-los, os seus anseios em

propostas efetivas políticas. Assim, as iniciativas do governo com fins à reciprocidade da fala

cuidam para que os participantes sejam expostos a informações que sejam capazes de

absorver, pensar e (re)construir à sua maneira.

Por esse caminho de análise, que foi tornando o olhar das entrevistas e depoimentos mais

subjetivo, o tema sobre o diálogo nos processos comunicativos e decisórios se aproximou da

discussão sobre o significado da democracia no planejamento. O movimento de informar e

formar o cidadão para participação “qualificada” nos espaços de democracia consolidados no

planejamento considera a manifestação da democracia como valor, que enriquece o debate de

conteúdo e promove a formação política de indivíduos. Essa compreensão é unânime entre os

entrevistados. O que se distingue nas falas é justamente o quanto dessa intenção do governo é

percebida na prática, ou em que medida o governo pode realmente intervir na oportunidade

comunicativa, ou na reciprocidade da fala, e o quanto pode de fato instigar as pessoas a

pensarem. Sobre isso o entrevistado 03 afirma enfaticamente:

O governo não instiga (risos). Veja bem, eu acho que não instiga.

Essa questão da participação social, ela ainda tem muito o que

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caminhar. Houve época que eu achava até que não instigava por

questões maquiavélicas e tal (risos). Hoje eu acho que não, quatro

anos transitando dentro do governo, acho que é mito da nossa

cultura, ou falta de uma cultura democrática.

Compreende-se que a preparação dos participantes, a partir dessas análises, se dá em níveis de

profundidade. O conhecimento compartilhado não deve ser tão somente aquele sobre o

funcionamento das instituições participativas, sobre o que é ou deveria ser o planejamento

público, ou no nível das diretrizes temáticas para o debate de conteúdo. Todos esses níveis são

importantes, mas a significação da democracia nas instituições participativas demanda romper

com o “mito da nossa cultura, ou falta de uma cultura democrática”. O conhecimento deve

ser construído de forma multidimensional nos fóruns de participação ou a partir dos fóruns de

participação, provocando uma aprendizagem ampla sobre a cultura democrática.

Da simples informação sobre o processo de planejamento às questões sobre o alcance da

democracia, as ações do governo induzem a um aprofundamento da dimensão comunicativa.

Ocorre um movimento do governo pela transmissão de informações e formação política aos

participantes leigos como um incentivo à progressão da atuação da sociedade nos fóruns,

passando de uma condição de ouvinte ou espectador para uma condição de aptidão para

desenvolvimento de preferências. Por isso, se por um lado a IP do PPA-P induz a participação

de diversas lideranças que devem abrir mão de parte de sua influência, por outro lado, no caso

dos participantes leigos, a IP justamente oferece uma oportunidade para que a influência

política se desenvolva, o que impõe naturalmente ao governo comprometido com a

participação social desafios de instrumentalizar essas pessoas. Sempre à luz do modelo de

Fung, apreende-se desses achados que a atenuação da assimetria de informações aprofunda a

democracia no âmbito das lideranças e, ao contrário, a instrumentalização dos participantes

leigos cerceia a democracia no âmbito da sociedade. Dessa forma, lideranças e participantes

leigos caminham no espectro de forma a confluir para o limite entre os polos comunicativo e

decisional, tal como representado no espectro a seguir.

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Figura 06. Representação do eixo de modo de comunicação e decisão no modelo de Fung

(2006) para o comportamento das lideranças e dos participantes leigos

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

Este trabalho admite o risco à democratização da IP à medida que o debate se torna mais

qualificado, mas os achados encontrados nos documentos e nas falas dos técnicos promovem

a crítica acerca da relação inversamente proporcional entre aprendizagem política e a

profundidade da democracia reivindicada pelo modelo. Os relatos dos entrevistados justificam

as ações formativas como medidas para equipar a população para a participação social, como

precondição para o diálogo mais construtivo e como garantia de materialidade da peça de

planejamento. Na intencionalidade da equipe, os incentivos não são compreendidos como

restritivos à democratização das IPs, embora sejam caracterizados dessa forma no contínuo de

Fung. Portanto, assim como no indicador anterior, parece plausível a crítica e a ponderação do

modelo.

c. Extensão da autoridade e poder de agenda

O indicador de extensão da autoridade e poder de agenda é o terceiro e último do framework

de Fung (2006) e busca aferir o potencial de impacto da participação social no desenho e

implementação das políticas públicas. O indicador tem como objetivo apontar variações de

potencial de impacto da atuação dos atores convidados à participação, enquanto debatedores e

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proponentes, e a transformação das proposições em políticas efetivas pela comunidade

governamental. O foco, todavia, no objeto tratado por este trabalho – PPA-P da Bahia –, não

está em aferir o quantitativo de propostas oriundas das escutas sociais que “entrou” no plano

plurianual ou se foram implementadas, mas o tipo de exercício de autoridade empregado pela

participação social e as expectativas de influência dos atores sociais, diretos ou

representantes, no processo de formação de agenda e elaboração do PPA. Para embasar os

achados, é importante resgatar do modelo de análise as relações do indicador com o potencial

de democratização da IP, que são inversamente proporcionais: o aumento da autoridade sobre

as decisões políticas, segundo a teoria do autor, implica em um constrangimento da

democracia, uma vez que a autoridade direta pressupõe uma limitação à participação mais

leiga nos fóruns.

A extensão da autoridade e poder de agenda é muito reflexo do perfil dos participantes –

quem participa? – e dos recursos de que dispõem esses atores para influenciar politicamente

os debates nos fóruns do PPA-P – modo de comunicação e decisão. Isso faz com que parte do

indicador já tenha sido respondido nos itens anteriores. No entanto, cabe a esse indicador a

exclusividade de posicionar no espectro de Fung os níveis de autoridade empreendidos pelos

participantes nos fóruns. Pressupõe-se, a partir da análise teórica, que o potencial de impacto

se dá pela partilha de poder e responsabilidades entre uma espécie de autoridade social,

fomentada pelo caráter participativo dos fóruns, e uma autoridade direta, composta por

gestores eleitos e técnicos do governo, no caso do plano plurianual da Bahia, atores centrais

das mesas temáticas internas. Os representantes de conselhos de políticas públicas, esferas já

institucionalizadas de partilha de poder (AVRITZER, 2008), podem se enquadrar em um

nível intermediário entre as autoridades.

O PPA-P da Bahia, nesse sentido, se caracteriza como uma instituição participativa com ares

de aconselhamento, acrescida de uma boa dose de autoridade direta do Estado, como vai

apontar os achados. A análise do caso concreto para mensuração qualitativa do potencial de

impacto da participação social considera três tipos de autoridades, despontadas tanto na

revisão documental quanto nas entrevistas, quais sejam: autoridade das organizações da

sociedade civil, autoridades governamentais e autoridades de representações de conselhos.

Vale ponderar sobre isso que, em razão de um recorte metodológico específico, esta pesquisa

não abordou participantes não articulados (participantes leigos) no processo de planejamento

participativo, o que restringe as conclusões acerca do poder de agenda da sociedade como um

todo. Ainda assim, o olhar dos gestores e técnicos permite algumas assertivas relevantes para

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se posicionar adequadamente o indicador no espectro de Fung. Ao final, a análise somente

tangencia, por meio de depoimento de uma técnica participante das mesas temáticas, a

indicação de um potencial de formação de agenda das propostas oriundas das escutas sociais.

A autoridade e o poder de agenda exercidos pela sociedade civil variam muito em função da

heterogeneidade do público constitutivo dos movimentos e organizações, e, por isso, não é

razoável apresentar generalizações em termos de alcance do impacto da participação,

tampouco em relação ao potencial democratizante da IP. O diretor interino de planejamento

territorial à época da entrevista (Entrevistado 03) mencionou que havia participado do Fórum

Interconselhos em Brasília, do PPA da União, e percebeu que existe tanto segmentos que vão

organizados, com formulação e até organização – a ponto do cara mapear como é que os

grupos de trabalho vão funcionar, para que eles estejam presentes nos grupos importantes

para eles estrategicamente –, até segmentos que estão lá perdidos. Para essas variações,

importa muito o investimento em processos formativos, já tratado em indicador anterior. O

nível de informação que os grupos possuem tem potencial de empoderá-los no processo

decisório, contribuindo para que emplaquem agendas com reivindicações próprias. Além

disso, é relevante o nível de articulação dos movimentos sociais e a trajetória de participação

social, na linha do que é defendido por Avritzer (2012).

No caso da Bahia, a importância da articulação e da trajetória de luta dos movimentos é

exemplificada pelo entrevistado 03 a partir do caso emblemático do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cuja atuação pela democratização do acesso à terra é

amplamente organizada e notória no Brasil. Segundo ele,

o MST, que é uma coisa conhecida, tem capilaridade no estado

todo. Se na primeira audiência o cara foi e aí dizem ‘vocês podem

também aportar algumas contribuições’, o cara depois já avisa pra

galera dele toda, aí na última [audiência] o cara chega lá com o

plano de ação todo pronto. Se você é um cara desarticulado, você

só vai saber na hora. Do ponto de vista estritamente formal da

democracia, você tem uma simetria das possibilidades de

participação.

Os dois relatos acima acrescentam à análise do papel dos movimentos, na perspectiva de

autoridade e poder de agenda, três aprendizagens. Primeiro, o potencial de apresentar novas

demandas varia conforme o acesso prévio à informação sobre o que e como pedir. Segundo,

um movimento social articulado como o MST tem mais oportunidade de pautar a formação da

agenda política do governo devido à capilaridade de sua atuação em todo o território, agindo

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pela disseminação e padronização das suas reivindicações de modo a potencializá-las. E, por

fim, a simetria de que conta o entrevistado contribui, na sua visão, para gerar reciprocidade de

poder entre sociedade e Estado dentro das instituições participativas. Sendo assim, a

possibilidade do exercício compartilhado de autoridade denota ao papel dos movimentos uma

importância ímpar quanto à democratização da IP.

No polo oposto da análise estão as autoridades governamentais, que tradicionalmente

possuem as prerrogativas do planejamento público, com competência direta na formação da

agenda política e desenho das políticas públicas a serem implementadas. A instituição

participativa do PPA, por todas as questões já apresentadas, foi sendo consolidada como

promessa de democratização da administração pública e de ressignificação do planejamento

ora centralizado. Nesse sentido, a autoridade governamental é diluída pela incorporação de

diversos atores da sociedade civil. Esse processo de perenização do planejamento, entretanto,

até mesmo por ser fruto de uma adesão voluntária do governo, não tem a intenção de destituir

a autoridade governamental. Os entrevistados parecem reconhecer a importância de dosagens

entre autoridade direta e autoridade social, garantindo ambos o aprofundamento democrático

e a prerrogativa do planejamento público pelo Estado. Tanto reconhecem que vêm sendo

empreendidos esforços para equilibrar as escutas sociais e mesas temáticas desde o PPA-P

2012-2015.

De acordo com o assessor de planejamento, entrevistado 04, a atividade planejadora requer

um cuidado para a implementação dos programas que nem sempre está no horizonte da

reivindicação da sociedade. Ele discorre sobre isso se valendo de uma situação hipotética,

referente à demanda por saúde:

Eu estou no interior do estado e um dos grandes problemas que eu

tenho é com saúde. Se eu fosse deliberar sobre, eu construiria um

hospital. A demanda de funcionário, equipamento, estrutura, tudo

isso eu não estou pensando, porque sou demandante, eu não sou

planejador, entendeu? Nem executor.

Sob essa perspectiva, a autoridade governamental é quem possui informações relevantes sobre

se a proposta é ou não viável e até mesmo sobre a sustentabilidade física e financeira do

programa a longo prazo. Dessa forma, também a decisão final sobre a agenda política, ou o

plano constituído a partir das escutas, seria de prerrogativa do Estado. Isso não significa

cercear as reivindicações, mas afinar a atividade planejadora: o entendimento de como se dá

um atendimento a um desejo da sociedade, isso ainda não é muito claro, aliás, não é nem um

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pouco claro, mas acho sim que os movimentos sociais estão no papel certo, o papel de

cobrar.

A autoridade governamental para a elaboração do PPA-P não é restrita ao gabinete e

diretorias de planejamento do Estado, mas também envolve as demais secretarias de governo.

Por isso, é interessante olhar para a estrutura participativa interna, como nas mesas temáticas,

em que os atores das secretarias são chamados a apresentar e negociar compromissos com

cargas de ações e responsabilidades diluídas entre as partes, no escopo de uma nova

orientação pela transversalidade. Sendo assim, pode haver uma parcela de autoridade e poder

de agenda em cada representante de secretaria nos fóruns. Dois depoimentos coletados, um de

uma técnica de área-meio (Depoimento 04) e outra de técnica de área-fim (Depoimento 05),

mostraram tipos distintos de preparação para a rodada negociativa nas mesas temáticas.

Questionada sobre a forma de preparação interna, prévia às mesas, dos compromissos, a

técnica da Fundação da Criança e do Adolescente, cuja atuação se dá no apoio às políticas

para a juventude das secretarias finalísticas, afirma que sua área passou a articular-se

internamente somente após a participação na primeira mesa temática:

Nós não tivemos esse diálogo interno, mas começamos a discutir a

partir do momento que fomos convidados para a rodada da

discussão. (...) Observamos que havia a necessidade de uma

articulação melhor interna. Tínhamos um grupo, mas muito

pequeno, então nós fizemos essa articulação, verificando quais

eram os pontos de maior importância e necessidade pra nós, e

fizemos a construção de compromissos.

Internamente na fundação os técnicos se reuniram para listar necessidades próprias, para que

fossem então inseridas em outras agendas, o que faz com que a autoridade exercida pela área-

meio se conforme, ao menos nesse caso, por meio de uma pressão para incorporação de sua

agenda em compromissos alheios.

Por sua vez, o Depoimento 05 discorre sobre preparação interna da Secretaria de Políticas

para as Mulheres – portanto, enquanto órgão propositor de compromissos essenciais da

política. Questionada sobre essa preparação, a coordenadora executiva de planejamento e

gestão de política para as mulheres afirma que foram realizadas rodadas internas prévias de

discussões com múltiplos atores (gestores, técnicos e operadores da política) para

compreensão do público-alvo, das necessidades e caminhos da política para as mulheres. O

relato dela diz:

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Desde o início do ano, nós tivemos a orientação do gabinete do

governador, já pensando o nosso PPA, na apresentação que as

secretarias fazem. Estamos pensando quais seriam as nossas

políticas para esse ano, e principalmente com foco nos quatro

próximos anos. Sentamos com nossos gestores e com a secretária,

fechamos quais seriam as prioridades, as nossas metas, as nossas

áreas, objetivos estratégicos, e são esses que a gente traçou.

As discussões internas não escapam às negociações nas mesas temáticas participativas, e

muita coisa surge com o diálogo, mas a secretaria já leva as propostas oriundas de um

processo de construção, para que reflita no PPA aquilo que estão planejando.

É interessante notar que as estruturas internas ao governo também passam por um processo de

aprendizagem para o planejamento assim como a sociedade, buscando aprofundar o

conhecimento acerca de temas e problemas e melhorando habilidades comunicativas e

negociativas. Ainda, a comunidade governamental envolvida nos fóruns – na Bahia representa

cerca de 130 mil servidores públicos – pode contribuir para caracterizar essas oportunidades

como participativas. Por isso, na mesma medida em que a participação das organizações da

sociedade civil se fixa em uma posição, no modelo de Fung, de aconselhamento e consulta,

também a autoridade estatal se posiciona dessa forma, uma vez que abre mão de parte de sua

prerrogativa institucional de propor e decidir e aposta em uma estratégia de construção

coletiva até mesmo internamente.

O último tipo de autoridade selecionado por esta pesquisa para indicar seu posicionamento no

indicador compreende os representantes de conselhos de políticas públicas, esses que se

enquadram em um nível intermediário entre as autoridades social e direta. A participação dos

conselhos nos fóruns de elaboração do PPA é prevista pela norma que dispõe sobre a

organização desse processo. Para o ciclo de 2016-2019, o Decreto nº 16.014 de 20 de março

de 2015 institucionalizou a participação dos conselhos designando um papel significativo no

processo de escuta social, sendo suas interações nos fóruns mediadas com fins à elaboração de

propostas para o plano. O Art. 4º estabeleceu que o processo de escuta fosse realizado, entre

outras etapas, por meio de reuniões com Conselhos Estaduais de Políticas Setoriais, cujas

proposições teriam como base a sistematização das propostas elaboradas nas suas respectivas

conferências temáticas. Essa organização pode ser pouco democratizante se considerado o

risco à participação leiga, e também por qualificar sobremaneira o debate, mas tem potencial

de criar uma rede de acompanhamento do PPA que extrapola o momento de sua elaboração,

além de apresentar propostas mais efetivas.

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A estrutura de aconselhamento aos moldes da sistemática estabelecida pelo decreto é

reproduzida também nos colegiados territoriais, posto que a mobilização ampla ou

selecionada, a depender do ciclo abordado, comprometeu-se em aproximar dos fóruns os

conselhos de políticas públicas municipais e outros instrumentos de partilha de poder mais

regionalizados. Segundo o documento “Registro de uma história” (BAHIA, 2012, p. 43), “os

integrantes do Conselho de Acompanhamento do PPA e dos colegiados territoriais

desempenharam papel fundamental na articulação do processo”, em três medidas, na

mobilização social, na organização das discussões prévias às plenárias envolvendo os

municípios e na formulação das propostas nas plenárias. Esses achados documentais reforçam

o modelo de partilha de poder e contribuem para o posicionamento da autoridade dos

representantes de conselhos na variável de conselho e consulta assim como as demais

autoridades apresentadas neste item. A figura abaixo demonstra as transformações e a fixação

dos três tipos de autoridade na instituição participativa do PPA-P da Bahia.

Figura 07. Representação do eixo de extensão de autoridade e poder de agenda no

modelo de Fung (2006) para as autoridades direta (governo), social e de conselhos no

PPA-P da Bahia

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

Tangenciando, por fim, a temática de formação de agenda, a técnica da Assessoria de

Planejamento e Gestão da Secretaria de Promoção da Igualdade Social (SEPROMI) discorreu

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em seu Depoimento (02) sobre os conteúdos de política pública discutidos e reivindicados nos

fóruns que ela observou serem desenrolados na prática. Ela afirma o seguinte:

algumas coisas a gente sabe que não consegue ter um retorno

imediato. Nem tudo o que a população pede, o que ela sinaliza que

precisa ou que ela deseja, nem tudo você consegue ter um retorno

imediato, mas eu vi um momento, primeiro, uma preocupação em

mudar – em determinadas coisas há necessidade da população – e,

segundo, você começa a ver a aplicabilidade daquilo.

De acordo com o depoimento, algumas propostas das escutas sociais foram de fato

incorporadas no plano e implementadas, mas esse processo requer um amadurecimento

contínuo. Assim como nos demais indicadores, o desdobramento da escuta social na agenda

política e o impacto da participação no planejamento público veem nos aspectos culturais e

nas aprendizagens democráticas alguns fatores limitantes, ainda que o depoimento aponte ao

menos um amadurecimento contínuo na interação entre Estado e sociedade.

Para o indicador de extensão da autoridade e poder de agenda este trabalho assume diferentes

tipos de autoridade nos fóruns participativos, com diferentes atuações, mas estando todas

situadas na variável de conselho e consulta no modelo de Fung. Entre as variáveis possíveis,

os fóruns de conselho e consulta são os mais recorrentes nas instituições participativas e se

caracterizam pela partilha de poder, de modo a perenizar as intenções das autoridades

públicas no desenho das políticas. O trabalho também reconhece tanto limitações quanto

potenciais das autoridades não-diretas (organizações da sociedade civil e conselhos) na

formação de agenda política, a depender, por exemplo, do nível de articulação do movimento

social, do histórico de participação e do nível de institucionalização dos conselhos. Ainda,

reconhecem-se as limitações de análise, dado que não foram abordados os participantes

leigos, o que dificulta a apreensão de resultados sobre a primeira variável do espectro –

educação individual/ benefício pessoal –, que trata de perspectivas pouco ambiciosas de

participação, em que os indivíduos atendem aos fóruns mais com o intuito de se capacitar do

que com intenções propositivas de agenda. No entanto, sabe-se, por meio dos achados

anteriores, que os participantes leigos são submetidos a processos mobilizatórios e formativos

que os empoderam para influenciar nos processos decisórios.

É necessário lembrar, pelos pressupostos do modelo, que o potencial de impacto da

participação no planejamento formal, que demanda graus mais elevados de autoridade, é

contrário ao potencial democratizante das IPs, já que o aprofundamento da democracia estaria

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vinculado à participação massiva, de leigos e cidadãos comuns. Nesse ponto, mais uma vez

este trabalho encerra a abordagem do indicador reivindicando a ponderação do modelo, uma

vez que esse sugere que a grandeza e intensidade de democracia são produtos quase

exclusivos da inclusão política, desconsiderando a trajetória de luta de movimentos, a

articulação de pautas, o empoderamento de conselhos, entre outros como requisitos para

potencializar o impacto das autoridades sociais na agenda governamental.

d. Cubo da Democracia: Resultados agregados dos indicadores de grandeza e

intensidade da democracia

O Estado da Bahia apresenta um posicionamento moderado em relação à grandeza e à

intensidade da democracia, conforme o framework de Fung (2006). Esse framework, com viés

tridimensional, se consolida como um importante mecanismo de avaliação de potencialidades

e limites da participação social nos processos decisórios ao permitir a análise de diversas

possibilidades institucionais nos arranjos das instituições participativas. Após a análise dos

resultados, tornou-se evidente como aspecto agregador para o presente trabalho que o modelo

permite a compreensão sobre as estratégias voltadas ora para a expansão da democracia ora

para a manutenção das prerrogativas governamentais, o que é bem relevante para conclusões

sobre a ressignificação do planejamento público a partir da participação social.

No caso do PPA da Bahia, como a abordagem qualitativa foi feita aos técnicos idealizadores e

coordenadores da estrutura metodológica, foi possível além de indicar no framework o arranjo

de participação adotado, compreender as motivações para expandir ou dosar a participação

social na elaboração do plano formal. A esse respeito nota-se que o posicionamento do arranjo

no espectro caracteriza a grandeza da democracia, ao passo que a compreensão das

motivações tem potencial de caracterizar a intensidade da democracia, com toda a carga de

subjetividade e ponderações que isso demanda.

O Estado da Bahia, com a institucionalização do PPA Participativo em 2007, expandiu a

participação social na elaboração do plano em relação a todas as variáveis institucionais do

modelo de Fung, assim como ampliou a democracia no planejamento em todos os indicadores

de grandeza e intensidade da democracia. Considerando especialmente os indicadores de

modo de comunicação e decisão e extensão de autoridade e poder de agenda, o PPA-P da

Bahia se caracteriza, respectivamente, pelas variáveis de agregação e barganha e conselho/

consulta. Os dois indicadores são correlatos e, a partir do esforço de apresentação de dados

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agregados, verificam-se as seguintes movimentações: as lideranças recuam na dimensão

decisória, marcantes em suas IPs de origem, para a dimensão comunicativa no fórum do PPA-

P; os participantes leigos evoluem na dimensão comunicativa, aproximando-se da dimensão

decisional, por meio de estratégias informativas e formativas; e o governo partilha seu poder

enquanto autoridade direta do planejamento com os demais participantes. Essas

movimentações fazem com que os fóruns exibam equilíbrio e convergência em um nível

intermediário de democracia, para ambos os indicadores. Por sua vez, o indicador de seleção

de participantes demonstra caracterização menos permanente, com transformações que serão

apresentadas mais adiante.

Consolidadas as três representações gráficas do posicionamento do PPA-P da Bahia no

espectro, correspondentes a cada indicador apresentado e analisado nos itens anteriores, o

“Cubo da Democracia” apresenta uma “área de democracia” moderada, mas

significativamente maior do que aquela do planejamento tradicional, cuja participação é

restrita à comunidade governamental, representada por técnicos concursados e governantes

eleitos. A figura abaixo ilustra, finalmente, os resultados agregados do modelo no espectro

tridimensional de Fung (2006), acerca da transição do planejamento público tradicional para o

primeiro ciclo participativo do PPA da Bahia, realizado em 2007.

Figura 08. Representação do Cubo da Democracia de Fung (2006) para o PPA

Participativo da Bahia de 2008-2011

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

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A partir da área do gráfico, é possível visualizar uma diferença expressiva do “tamanho” da

democracia representada entre o planejamento público tradicional e o planejamento

participativo. Da relação proporcional entre participação social e democracia no

planejamento, à luz de Fung, e a atestação disso nos achados documentais e abordagens

qualitativas no caso da Bahia, apreende-se que a participação social influi no planejamento

público a partir de três aspectos, cada um referente a um dos indicadores: primeiro, pela

abertura do processo decisório a atores da esfera pública difusa, contrariando o modelo

tradicional restrito às pessoas estratégicas, técnicas e politicamente selecionadas internamente

no governo; segundo, pelo aprimoramento da dimensão comunicativa entre governo,

lideranças e participantes leigos nos fóruns, atenuando as prerrogativas governamentais na

elaboração das peças de planejamento e capacitando a sociedade para o debate qualificado em

torno de seus pleitos e preferências; terceiro e último, pela diluição da autoridade direta do

Estado e a partilha de poder com outras autoridades sociais, tornando possível a formação de

agenda em consonância com as demandas dos múltiplos territórios e atores.

O indicador de seleção de participantes requer uma explicação específica, pois varia de um

ciclo para o outro devido a estratégias distintas de mobilização e abertura dos fóruns. O perfil

de participantes nos fóruns mudou significativamente do ciclo de planejamento de 2008-2011,

primeiro PPA participativo, até o último ciclo, das escutas sociais de 2015. Enquanto no

primeiro PPA-P o convite à participação foi massivo, a IP mais inclusiva e a condução das

proposições nos fóruns foi de “livre pensar”, em 2011 e 2015 a responsabilidade pela

mobilização foi sendo transferida a agentes multiplicadores da sociedade – GTTs, ADTs,

escritórios regionais, colegiados territoriais, conselhos setoriais de políticas públicas, entre

outros – de forma a caracterizar um chamamento selecionado do público, com uma

institucionalidade com maior grau de formalização. Nesses últimos ciclos a condução das

proposições também foi buscando qualificar o produto das escutas sociais, capacitando o

público para o debate. A figura a seguir demonstra o processo de transição no modo de

seleção de participantes nos fóruns entre os PPA-Ps 2008-2011 e 2016-2019, ilustrando a

diminuição da área do Cubo da Democracia.

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Figura 09. Representação do Cubo da Democracia de Fung (2006) para o PPA

Participativo da Bahia, na transição entre os ciclos 2008-2011 e 2016-2019

Fonte: Elaboração própria; interpretação do modelo de Fung (2006).

A redução na área do cubo demonstra a diminuição da grandeza da democracia nos fóruns do

PPA-P de um ciclo para outro, derivada de transformações no modo de seleção de

participantes. Os diretores de planejamento da SEPLAN, em contrapartida, garantem que não

houve restrições à participação, mas sim alterações nas estratégias de mobilização que foram

motivadas sobretudo pela necessidade de qualificação das diversas representações de interesse

e dos produtos das escutas sociais, isto é, das propostas geradoras da peça de planejamento. A

questão da representação é um tema sensível para os entrevistados, que são unânimes quanto à

exposição da IP a riscos de seleção de participantes que pouco representem os Territórios de

Identidade. Esse problema, além de diminuir o potencial de democratização dos fóruns, põe à

prova a legitimidade do plano formal construído coletivamente. Diante dessas constatações,

fica claro que, se por um lado as transformações no indicador de seleção de participantes

impactam negativamente a grandeza e a intensidade da democracia, segundo os pressupostos

do modelo de Fung, de outro pondera-se oportunamente que há um descompasso entre a

intencionalidade da equipe do governo nos seus esforços de democratização e o

comportamento da democracia no referido modelo.

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Conclui-se resumidamente que o framework de Fung é mesmo um caminho promissor para se

refletir e detectar variáveis e possibilidades institucionais para garantia da democracia nas

instituições participativas. Esse modelo corroborou para que a pesquisa trouxesse à tona

potencialidades e limitações da participação social nos fóruns do planejamento participativo

da Bahia, e também potencialidades e limitações do próprio modelo, que reflete justamente a

complexidade envolvida em se atestar, objetivamente, o potencial democratizante das

instituições participativas, já que as possibilidades institucionais para os arranjos de

participação social são muitas e geram efeitos positivos e negativos. Isso se agrava com o

desafio de avaliar esse potencial como forma de transformar, ressignificando, o modelo

tradicional de planejamento. Esta pesquisa afere e argumenta que as estratégias adotadas pelo

núcleo técnico de planejamento da SEPLAN da Bahia buscou um equilíbrio entre a

democratização do planejamento e a qualidade técnica do planejamento, agregando as

benesses tanto da pluralidade de interesses dos territórios quanto da expertise governamental.

3.4.3 Resultados a partir de temáticas transversais

Esta última seção do trabalho tem o objetivo de complementar a análise dos resultados por

meio da exposição de temas relevantes que têm potencial de fazer um enfrentamento às

disfunções, limitações ou problemáticas de enfoque do planejamento. Esses temas não estão

propriamente no horizonte de investigação dos indicadores de Fung (2006), mas despontaram

nas conversas com os entrevistados de forma voluntária, mesmo sem serem provocados por

roteiro semiestruturado de perguntas, o que sugere que há uma sinergia entre os participantes

da pesquisa acerca dessas temáticas específicas. Entre elas, destacaram-se a transversalidade,

o monitoramento e avaliação, a dimensão estratégica e o princípio da publicidade e

accountability. Entende-se que esses temas oxigenam as discussões sobre as limitações do

planejamento público e reforçam os achados da pesquisa acerca do potencial de

ressignificação da função a partir da participação social.

a. Participação e controle social como promotores da efetividade

Ao longo do trabalho foram provocadas reflexões sobre a carga de efetividade que poderia ser

oportunizada pela participação social. O objetivo neste item é apresentar brevemente o

entendimento dos técnicos abordados qualitativamente nas entrevistas e depoimentos no

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Estado da Bahia acerca dessa temática da promoção da efetividade. Ela foi apresentada

voluntariamente pelos entrevistados a partir de diferentes olhares, entre eles: a alteração do

conceito de entrega para o conceito de iniciativa, com vistas ao desenvolvimento de

atividades contínuas para o alcance dos objetivos finalísticos das políticas públicas, não de

objetivos intermediários; o alto custo no curto prazo que se converte em investimento a longo

prazo, pela garantia de atendimento de demandas realmente importantes para a sociedade; a

imersão do governo em um processo de autoavaliação contínua; e a vantagem da publicização

de um compromisso de governo, considerando o processo de cobrança e responsabilização

que isso positivamente gera.

No primeiro aspecto, o entrevistado 02 lançou luz voluntariamente às transformações de

concepção que vem sendo debatidas no governo e sensibilizadas nas áreas acerca do alcance

da implementação das políticas públicas para a sociedade – se são concebidas enquanto

entrega ou enquanto iniciativa. Ele afirma:

Acabamos com o conceito de entrega do PPA, nós temos o conceito

de iniciativa. ‘Ah! Mas isso não muda praticamente nada’... Isso

muda tudo! Tanto que a negociação das mesas aí foi duríssima por

conta disso, porque [é difícil] convencer uma secretaria de

segurança pública que ao entregar uma delegacia de polícia

pronta o trabalho não acabou aí, ele apenas está começando,

portanto a minha iniciativa é entregar a delegacia de polícia para

reduzir o indicador de violência, esse é meu compromisso.

A alteração do conceito muda a perspectiva dos compromissos das secretarias de entregas

pontuais para iniciativas contínuas, mais focadas nos fins das políticas públicas que nos meios

para alcançá-las, ou em objetivos intermediários. O entrevistado complementa, ainda,

afirmando: O fim é a política pública, não é o equipamento, não é o hospital, não é o plano

de saúde, não é a estrada, não é a delegacia, não é implantar batalhão novo, não é adquirir

veículo.

O mesmo entrevistado (02) discorre sobre o segundo aspecto compreendido como

interveniente às discussões sobre a efetividade do planejamento, sobre o dilema dos custos da

participação, promovendo uma reflexão sobre o viés econômico do planejamento. Ao ser

provocado a falar sobre os custos envolvidos na condução dos fóruns participativos no

processo de escuta social, notadamente maiores do que processos decisórios centralizados, o

entrevistado apresenta um contra-argumento importante:

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Esse custo maior que eu tenho durante a etapa de escuta social e

de formulação do planejamento participativo, ele é diluído ao

longo dos anos quando tenho políticas mais focadas, eu termino

tendo uma qualidade do gasto e uma racionalidade do gasto

público muito maior, porque eu estou efetivamente dando aquilo

que a sociedade precisa.

Por essa ótica, se existe um custo operacional significativamente maior ao atender a

pluralidade dos territórios e envolver uma multiplicidade de atores na função de

planejamento, ele reverte-se em investimento em políticas mais direcionadas, aumentando a

assertividade das escolhas do governo.

Como exemplo desse direcionamento estratégico das políticas ele cita:

um estado como a Bahia, que tem vinte e sete Territórios de

Identidade, é um estado que cabem vários países da Europa aqui

dentro, as distâncias são muito grandes... Então nós temos que

ouvir desde marisqueiras, à associação e micro empresa, nós

temos que ouvir o prefeito com seu secretariado, nós temos que

ouvir o sindicato rural dos trabalhadores (...).

É natural que um processo amplo e complexo de escuta como esse implique em custos

maiores, e que também requeira uma vontade política orientada para a abertura do governo.

De acordo com o entrevistado, essa orientação foi adotada pela equipe da SEPLAN, em

detrimento dos custos, motivada pela compreensão de que a participação diminui os riscos à

implementação de políticas desnecessárias ou inadequadas, garantindo mais efetividade,

porque é nessa escuta que vão saindo exatamente onde estão os gargalos, os

estrangulamentos que possam a vir a ser ações de políticas públicas.

De forma relacionada, mas sem o viés econômico, a técnica da SEPROMI (Depoimento 02)

também aborda a questão da adequação da política pública para a sociedade:

Se você trabalha para o estado, você trabalha para a sociedade, e

ninguém melhor do que a própria sociedade para saber o que ela

realmente precisa. Então o PPA participativo é uma forma da

gente trazer essas contas pra sociedade, pra gente descobrir, de

fato, se nós estamos cumprindo o nosso papel enquanto secretarias

de governo, se nós estamos adequando nossas políticas às reais

necessidades da população. (...) Muitas vezes o governo pensa uma

coisa, quando na verdade é outra.

Essa preocupação em conciliar os objetivos institucionais com necessidades iminentes da

população, e, mais ainda, em aproximar o governo de interesses mais localizados, pode ser

fomentadora da efetividade das políticas públicas. Além disso, a pauta da adequação às

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realidades locais acaba por tangenciar outros entendimentos sobre a democracia e o papel do

Estado, como é o caso das teorias que reivindicam a descentralização das políticas públicas.

Isso, no entanto, não será abordado neste trabalho.

A fala da entrevistada se conecta a outra perspectiva da promoção da efetividade a partir dos

fóruns: a autoavaliação do governo. À medida que o Estado busca descobrir se está

cumprindo seu papel e se está implementando políticas públicas em consonância com as reais

necessidades e anseios da população, entende-se que ele imerge em um processo de

autoavaliação que o permite corrigir rumos e adequar ações. A técnica avalia esse processo da

seguinte forma:

a partir do momento que você tem essa escuta, o governo precisa

parar e pensar o papel que tem feito e o que pode ser feito pra

melhorar; como está sendo feito – ‘É da forma correta? Tem tempo

suficiente pra refazer as diretrizes, aprimorar recursos, mexer

mesmo na estrutura do governo?’. Para que esse retorno para a

sociedade seja cada vez maior e melhor. (...) É um momento de

você pensar, é um momento de você fazer adaptações para que isso

beneficie cada vez mais e de uma forma mais efetiva a população,

a sociedade.

Nesse sentido, o PPA feito de forma participativa também se caracteriza como um momento

de reflexão e autocrítica, pois o governo além de ouvir também se expõe, se justifica e

aprende no coletivo.

O último aspecto interessante do ponto de vista da efetividade é a pactuação pública de um

compromisso do governo, que dispara um processo de accountability governamental. O fato

de as secretarias estaduais se comprometerem com determinadas ações, sobretudo aquelas

publicizadas a partir do PPA, mitiga eventuais descontinuidades e indica mais

sustentabilidade na concretização das ações construídas coletivamente. A diretora de

planejamento social (Entrevistado 01) explica o accountability governamental a partir do

compromisso firmado por meio da seguinte sensibilização:

‘Olha, você assinou uma convenção aqui, você é signatário, você

se comprometeu’ Então, o que é isso? Um comprometimento. É

isso que a gente trouxe pra cá, pra metodologia do PPA, é um

compromisso de estado, é um compromisso de governo. Tem

alguns responsáveis por ele, mas é um compromisso com a

sociedade.

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Essa lógica de comprometimento com a sociedade, como um pacto, amarrado no plano de

trabalho do PPA, pode ser uma peça fundamental para a garantia da implementação, e da

efetividade.

Enquanto discorria sobre sua trajetória na concepção e coordenação de políticas sociais, a

entrevistada também apontou a importância do componente participativo para a garantia da

efetividade dessas políticas. Sua frase foi marcante na pesquisa e é reproduzida aqui como

forma de reflexão final sobre a temática:

A sociedade, a participação social, ela só vai de fato fazer a

transformação, na minha opinião, da sociedade, quando a

sociedade perceber que tem condições de influenciar no processo

de execução da política pública e que a política pública não é do

governo e que o governo não é uma entidade à parte da sociedade.

Tem que ser uma entidade, um órgão, uma instituição que leve em

consideração a participação social não como uma escuta deles,

mas como um componente do processo de elaboração, de

formulação, também de transparência, controle, monitoramento,

avaliação e correção de rumos.

Essa concepção sobre a participação resume muitas das motivações pela sua adoção no

planejamento público que já foram reivindicadas em revisão teórica tanto do planejamento

quanto da democracia. No caso da Bahia, se considerada a fala da diretora, pode-se indicar o

potencial da democracia participativa na ressignificação do planejamento público,

considerando-a mais do que uma simples decisão operacional de abertura à escuta, mas como

uma base estruturante de todas as ações governamentais, que inclusive perpassa

horizontalmente outras funções, como monitoramento e avaliação.

b. Embasamento e o “fio condutor” da dimensão estratégica do PPA

Na revisão teórica do planejamento, foram apresentadas limitações à dimensão estratégica do

planejamento em si e do instrumento do PPA, em basicamente três aspectos: o horizonte

restrito de médio prazo, o engessamento técnico-orçamentário e a falta de centralidade da

peça programática. Nesse último caso, sabe-se, pela revisão teórica, que a peça do PPA é

recorrentemente negligenciada como instrumento de planejamento e ainda disputa espaço

com outros planos sem a devida coesão entre as ações e intenções. No âmbito estratégico da

Bahia, provocaram-se reformulações metodológicas voltadas à coordenação de ações do PPA-

P com planos de longo prazo e com planos setoriais de políticas públicas, além de novas

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estruturas de desenho de planejamento que visam articular três pontas, a saber, as diretrizes

estratégicas, a matriz programática e o monitoramento de indicadores. Este item objetiva

extrair dos documentos publicados sobre o PPA-P baiano o embasamento da dimensão

estratégica, assim como extrair dos técnicos entrevistados a motivação para a manutenção

dessa dimensão e para a orientação para o monitoramento e avaliação contínua do

planejamento público estadual.

No “Documento de orientações do PPA 2016-2019” foram fixados e publicizados os

conceitos adotados e pactuados no governo para cumprir com a dimensão estratégica do

plano, projetando-o como um documento técnico e político e como o principal instrumento da

gestão estratégica do estado (BAHIA, 2015c). “Dessa forma, afasta-se de uma peça técnica e

orçamentária, ou mesmo de um documento burocrático para cumprir um requisito legal de

imposição dos órgãos de controle”. Conceitualmente, a consolidação de uma base estratégica

orienta-se por “diretrizes estabelecidas no plano de governo, seguida do levantamento e

organização de informações para análise da situação atual do Estado em seus aspectos

econômico, social, ambiental e demográfico” (BAHIA, 2015c, p. 3-4). Assim, a organização

do PPA da Bahia começa antes mesmo do seu desenho propriamente, nos momentos

participativos, prospectivos ou avaliativos realizados ao longo do tempo – respectivamente,

esses momentos geram o Programa de Governo Participativo (PGP), o documento ”Cenários

Prospectivos” e os Relatórios de Monitoramento e Avaliação do PPA ainda em vigência.

A combinação desses três instrumentos subsidia o governo estadual na consolidação de uma

diretriz estratégica, com definições e objetivos para as diversas áreas e que embasam os

componentes da chamada matriz programática. Essa matriz teve sua organização alterada no

último ciclo. No PPA-P 2012-2015, os programas tinham origem em apenas uma área

temática, montados como reflexo de uma setorial específica, o que acabava por desenrolar no

processo ações isoladas de cada área. Já em 2015, as orientações metodológicas voltaram-se

para a organização transversal de programas, a partir de temas estratégicos que dão vazão à

estratégia do governo como um todo, não de uma única setorial. De acordo com o documento,

“dessa forma, deixamos de lado a Área Temática, para vincular os Programas de Governo aos

temas quais suas ações terão impacto. Tal mudança busca ainda revelar o caráter transversal

dos Programas” (BAHIA, 2015c, p. 3-4).

Além dessas, outras mudanças metodológicas significativas foram realizadas na elaboração do

PPA-P 2016-2019 da Bahia que dizem respeito à visão estratégica. Entre elas, destacam-se

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duas: o aprofundamento do uso do modelo do Governo Federal como referência norteadora e

a mudança na coordenação do planejamento formal da Superintendência de Planejamento

Orçamentário (SPO/SEPLAN) para a Superintendência de Planejamento Estratégico

(SPE/SEPLAN). Sobre o primeiro aspecto, a diretora de planejamento social (Entrevistado

01) afirma que a metodologia do Governo Federal impôs desafios ao fortalecimento da

dimensão estratégica do plano, no sentido de que o PPA não se torne apenas um plano de

execução de políticas em determinados períodos, mas que ele tenha uma dimensão que

perpasse esses quatro anos, que vá além de você fechar um ciclo e começar outro. Dessa

forma, o modelo de PPA federal não só pauta a dimensão operacional do plano baiano, mas

agrega em conceitos e reflexões sobre o uso contínuo da peça programática e a

sustentabilidade dos programas.

No segundo aspecto, o entrevistado 04 discorre sobre a construção da metodologia e as

transformações causadas pela troca da unidade coordenadora e, por consequência, da troca da

centralidade do plano de uma perspectiva orçamentária para a estratégica. Segundo ele, esse

processo não ocorreu sem resistências internas: O processo dentro da Seplan foi muito

grande. (...) Foram muitas negociações, porque o impacto que as mudanças causam, causam

impactos em diversas áreas. Foi um processo de convencimento interno mesmo, das

mudanças que eram necessárias, porque antes era a SPO que coordenava o processo. E esse

convencimento não foi realizado somente em face da mudança operacional, mas no âmbito

conceitual sobre a importância da dimensão estratégica, e da importância da integração com

as demais fases das políticas públicas para além da elaboração e execução do orçamento;

processo esse gerou uma aprendizagem relevante para a comunidade governamental

envolvida.

Existe uma aposta dos técnicos e gestores da SEPLAN para a coordenação estratégica de

produtos oriundos de momentos participativos, prospectivos e avaliativos, que se concentra

nos sistemas de monitoramento e avaliação (M&A) do planejamento público. A

superintendência que centralizou a criação do sistema de M&A em 2012, a Superintendência

de Monitoramento e Avaliação (SMA/SEPLAN), busca rotineiramente subsidiar o processo

decisório e retroalimentar o planejamento e as leis orçamentárias que cuidam de executar o

PPA. A diretora de monitoramento da SMA (Depoimento 03) descreve que

o sistema é utilizado para abrigar e consolidar informações; ele é

alimentado com informações, roda através de reuniões, [produz]

relatórios com a produção de informações para subsidiar a

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decisão – decisão desde o ponto técnico até o governador. (...)

Então a gente entrega informações pra todos os processos.

Ela lança em seu depoimento (03) o termo “fio condutor”, que consiste, primeiro, nas ações

de M&A como mecanismos integradores da gestão das políticas públicas, da formação da

agenda política, passando pela formulação, implementação, monitoramento, até a avaliação

das políticas públicas. Segundo, como um mecanismo que conecta diversos planos,

percorrendo verticalmente, de cima pra baixo, planos de longo prazo, planos de governo,

planos plurianuais, planos orçamentários e o desenrolar deles nas ações e entregas diárias. O

que existia antes da construção do fio condutor era um grande descompasso entre

planejamento de longo prazo e plano de governo. A gestora adverte que:

Eu não posso ter um planejamento de longo prazo e um plano que

o governador foi eleito, viro as costas pra isso e construo o PPA,

viro as costas para o PPA e para o plano estratégico que o

governador foi eleito e toco a gestão orçamentária, e cada gestor

dentro das secretarias fazendo o que dá na cabeça. Esse é o nosso

desafio! Tudo isso precisa estar intimamente vinculado.

E complementa ainda com frase emblemática para a dimensão estratégica: a implantação da

gestão estratégica, na nossa opinião, ela só é possível se você roda um processo de

monitoramento. Nesse sentido, coloca centralidade no processo de monitoramento e avaliação

como essencial para garantir a dimensão estratégica do planejamento.

Ainda para fins de monitoramento e avaliação, é orientada a construção de indicadores

estratégicos, que “permitem identificar e aferir aspectos relacionados ao tema estratégico e

devem ter um nível maior de agregação do que o indicador de programa” (BAHIA, 2015c, p.

3-4). O indicador de programa, como aponta o assessor de planejamento da SPE, é aquele que

responde diretamente aos compromissos e que, portanto, medem qualitativamente as ações

que são pactuadas em planejamento. A meta também é considerada um indicador, mas um

indicador operacional e quantitativo, que mede a eficiência das ações. Por sua vez, o indicador

estratégico é novidade no sistema de M&A do PPA-P da Bahia no último ciclo:

A gente criou temas, mas esses temas precisavam ser também

avaliados e monitorados... não monitorados via orçamento nem

nada, mas ter um painel de indicadores e dizer ‘olha, sobre a

geração cidadania e direitos humanos...’. A gente já vai com

números dos indicadores e quer ver como a sociedade está se

movendo. Então são indicadores mais estratégicos, que tem base

em fontes com séries mais espaçadas.

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Essa preocupação com a avaliação encerraria o ciclo “fio condutor” do M&A, com

indicadores comprometidos com um olhar de médio e longo prazos para o planejamento

governamental e com a mensuração da dimensão estratégica.

Mesmo com todas as transformações metodológicas documentadas, relatadas e observadas na

visita acerca da dimensão estratégica, é possível elencar limitações na construção da base

estratégica. O secretário ativo do CEDETER, que também coordena ações de planejamento

territorial no governo (Entrevistado 03), está mais próximo da realidade do planejamento nas

escutas sociais descentralizadas. Sua fala sugere que a distância entre a estratégia

governamental geral consolidada pelo núcleo técnico e as realidades locais impede que as

partes se conectem e gera uma discrepância em termos de estratégia. Entre outros

apontamentos nesse sentido, ele diz:

Quando a gente vai para o debate no território, a gente não leva,

por exemplo, um diagnóstico sócio-produtivo do território. Então a

gente começa o debate com a população como se estivesse vivendo

no mundo dos sonhos. Além disso, a gente não para pra fazer um

debate prévio, dizendo ‘gente, olha, o cenário macroeconômico é

restritivo, então não vamos aqui ficar levantando demandas

absurdas, porque nós sabemos de antemão que essas demandas

são inviáveis’.

O que se pode supor a partir dos relatos do entrevistado é que a dimensão estratégica do PPA

ainda é limitada no território. A definição da estratégia pode ser robusta na integração da

gestão das políticas públicas ou na conexão entre planos, do ponto de vista interno ao

governo, mas parece que as escutas sociais nos fóruns regionalizados ainda escapam ao “fio

condutor” da estratégia.

c. Importância da transversalidade na elaboração e implementação de políticas

públicas

O aspecto da transversalidade responde a muitos aspectos críticos do planejamento e foi

destaque na fala dos entrevistados. Entende-se que, como esses atores fazem parte do corpo

diretivo da SEPLAN e são no geral os protagonistas da proposta metodológica do PPA-P, é

importante mostrar os entendimentos que têm sobre a temática da transversalidade na

elaboração e implementação de políticas públicas desempenhadas pelo Estado. A Bahia

evoluiu de uma proposta de insulamento entre as diversas áreas – essa proposta é a mais

recorrente entre os modelos de planejamento, tanto tradicionais quanto participativos –, em

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que os programas são construídos a partir de uma diretriz setorial específica e executados pela

secretaria proponente. Essa proposta foi alterada no último ciclo orientada por uma

metodologia de construção transversal dos programas, que visa respeitar a diretriz estratégica

governamental geral e envolver as diversas áreas em torno de temas que dizem respeito a

políticas multidimensionais, e que, portanto, forçam a cogestão na efetivação dessas políticas.

A lógica até então predominante, de acordo com o relato da diretora de planejamento social

(Entrevistado 01), era de que em

espaços físicos coletivos e compartilhados de negociação de quem

está executando a política pública, uma secretaria A, B ou C não

se vê como parte ou parceira de uma outra, e, naquele município,

naquele bairro, tem ações ali fundamentais que cada uma faz

separadamente. E completa: a gente já tem condição de dizer que

não teve sucesso fechado cada um na sua segmentação.

Sob essa perspectiva de atuação isolada das áreas, é provável que se tenha desperdício de

recursos com ações duplicadas ou regiões totalmente descobertas, além de que diminui-se

consideravelmente o potencial de efetividade das políticas públicas desenhadas e

implementadas, considerando que a transversalidade é um ingrediente para a promoção de

políticas cujas motivações sejam mais complexas.

Se a transversalidade era um elemento inexistente no planejamento, por outra via, o

entrevistado 04 argumenta que sempre existiu na história recente uma lógica de

transversalidade que é organizada na execução orçamentária. Quando despontado o assunto

dos incrementos metodológicos concebidos para garantir a transversalidade, o assessor afirma

que há uma

percepção de que dentro do processo isso já acontecia, mas

acontecia em uma base muito frágil do ponto de vista de

planejamento, que é no orçamento. O orçamento parece ser uma

coisa muito bem planejada, mas ele é muito refém dos momentos

daquele ano, sabe? Restrição de recursos, (...) situações políticas,

tudo muda o orçamento.

Nesse sentido, o orçamento tem uma lógica particular de organizar ações orçamentárias de

setoriais diferentes e compromissos de setoriais diferentes em uma perspectiva transversal, o

que motivou os técnicos a replicarem isso no planejamento: a transversalidade está dada no

orçamento, então a gente tem que suprir ela e transversalizar no planejamento.

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Os passos da transição foram iniciados no ciclo do PPA-P da Bahia 2012-2015, mas as

resistências das setoriais impediram um avanço significativo na manifestação da

transversalidade na prática. Segundo o entrevistado 02, nós tivemos programas que foram

totalmente esvaziados, no papel está lá bonita a transversalidade, mas no PPA passado essa

transversalidade não ocorreu porque não se conseguiu colocar essa pactuação. Entende-se

que a pactuação, para além do horizonte normativo que determina a transversalidade no

planejamento, requer uma mudança de cultura dos técnicos operadores das políticas e também

uma disposição dos secretários e demais dirigentes pela interação orgânica com outras

secretarias. Nota-se que todo secretário queria o programa para chamar de ‘meu’

(Entrevistado 02).

No caso dos operadores das políticas, as resistências decorrem de diversos fatores, entre eles

destacam-se o acúmulo de tempo de serviços e o aprofundamento da experiência na

especialidade da área: tem funcionários de carreira de 20 anos, então é muito difícil dizer pra

ele ‘agora sua secretaria vai trabalhar com dez secretarias’, com três secretarias ou com

uma secretaria que seja. Então há uma resistência, ‘não, isso aqui é minha área, meu

trabalho’ (Entrevistado 01). O convencimento, nesse caso, passa pela confiança da expertise

de cada um, de que seu olhar será respeitado em detrimento do trabalho construído no

coletivo. Segundo a diretora de planejamento social, na intencionalidade do governo, o

rompimento das resistências não passa pelo rompimento da especialidade, mas na forma de

coordenar e cogestar: a gente está no momento bem privilegiado para a gente tentar romper

essas resistências, cada um fazer sua especialidade não ser destruída, cada um vai ter ao seu

lado a sua especialidade, o seu negócio (Entrevistado 01).

Já em relação aos secretários e demais dirigentes, a resistência à transversalidade pode ser

discutida como um desdobramento de aspectos políticos de divisão de poder. O entrevistado

03 afirma que:

muitas das vezes a transversalidade significa a fragmentação do

poder e compartilhamento de poder que nem sempre isso vai ao

encontro dos pactos que foram feitos, ou construção de maiorias

na assembleia e por aí vai. Como a gente vive sempre num governo

de coalizão, modelo muito particular, (...) a coalizão se repete

também dentro dos estados.

Assim, a abertura das especialidades à lógica da transversalidade implicaria naturalmente em

compartilhamento de poder; lógica essa que as secretarias não estão preparadas para lidar,

tampouco desejam.

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No último ciclo de elaboração do PPA-P, em 2015, foram lançadas novas orientações

metodológicas para a construção de programas no planejamento formal, com destaque para o

diálogo e a construção coletiva de compromissos pelas diversas secretarias nas rodadas

internas, nas mesas temáticas. O entrevistado 02 cita um exemplo da transversalidade:

‘apoiar os jovens negros que convivem em bairros com risco’: essa

aqui é da Secretaria de Segurança Pública, da Secretaria de

Desenvolvimento, de Direitos Humanos e da Secretaria da

Promoção da Igualdade Social... É um compromisso

compartilhado perfeito. As secretarias vão ter que entrar no

sistema, avaliar o compromisso e tomar um posicionamento.

Diferentemente de como era realizado no PPA passado, cuja imposição era meramente

formal, no novo PPA a sistemática construída para o planejamento condiciona ações

transversais também no decorrer da execução das políticas, dado que existe um processo de

transparência e responsabilização de quais são as secretarias que coordenam ou apoiam

determinado compromisso. Essa sistemática de coordenação por si não necessariamente

assegura que a execução respeitará o que foi planejado, mas impõe alguns ritos de

responsabilização.

Os gestores conseguem enxergar resistências remanescentes à nova lógica, mas também

defendem que a sistemática carrega de fato uma perspectiva transversal inovadora. A

entrevistada 01 vislumbra a ocorrência de uma reflexão promissora dos agentes planejadores

setoriais: ‘A gente tá tratando transversalmente com outra secretaria... Qual é a nossa

responsabilidade e que parte nós temos do sucesso ou do fracasso de determinada ação?’. A

entrevistada acredita que a lógica da transversalidade tira um pouco o foco da

responsabilização de pessoas e unidades e trazer [o foco] para a questão de governo de

estado. Dessa forma, compreende-se que diluir o poder entre as unidades governamentais

também significa diminuir a centralidade ou o protagonismo de pessoas e transferi-lo para o

governo como um corpo único. A lógica da transversalidade na amarração dos programas é

uma determinação metodológica que o governo baiano propôs que tem potencial de

reformular aspectos políticos de divisão de poder no planejamento público e em outras

funções. Além de que pode atuar com mais sucesso na resolução de problemas complexos.

As resistências são dadas, mas a gestora, assim como os demais diretores, entende que é

possível ir transformando a cultura aos poucos por meio de convencimentos e

aprimoramentos metodológicos. A exemplo da implementação da transversalidade, este

trabalho vem apontando diversas transformações metodológicas que colaboraram para saltos

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significativos de qualidade no planejamento público, o que acaba por reforçar aos poucos os

entendimentos acerca da importância do arranjo institucional para as funções da

administração pública, tal como reivindicado por Fung e Wright (2003).

d. Publicidade: caráter público dos debates e decisões

A publicidade não só foi um ponto de destaque na análise do caso da Bahia, como é também

um princípio da efetividade deliberativa, segundo a revisão teórica de Eleonora Cunha e

Débora Almeida (2011). Esse princípio se fundamenta na premissa de que devem ser

oferecidas pública e coletivamente ao público das instituições e fóruns participativos

informações sobre as razões, roteiros de elaboração e resultados do processo participativo, e

ainda de que os debates e decisões devem ter um caráter público. Questões como

accountability, transparência e controle social permeiam o princípio da publicidade no debate

dos espaços participativos e deliberativos, e isso não é diferente em processos de elaboração

do PPA que se intitulam participativos, como é o caso do PPA-P baiano.

A Bahia apostou no sistema de monitoramento e avaliação (M&A) do PPA, a partir do PPA-P

2012-2015, como forma de garantia do princípio da publicidade, uma vez que cumpre com a

exposição sistemática das práticas e resultados da participação social, tornando-se um

mecanismo interno de controle, mas com potencial de dar um caráter público aos debates e

decisões, sobretudo no nível das propostas de conteúdo. Como afirma o entrevistado 03, o

apoio do governador foi importante para a implementação de mecanismos para prestar a

devida devolutiva à sociedade: Existe uma pressão maior do novo governador, que a gente

tenha um sistema de monitoramento, primeiro para informar a sociedade, e segundo pra

servir como instrumento de aperfeiçoamento da execução, da implantação. O sistema de

M&A, como exposto em item anterior, garante o trajeto do “fio condutor”, essencial para a

gestão e para a efetividade, e ainda produz informações para serem divulgadas para a

sociedade.

Sobre a experiência do último ciclo, o relatório do IPEA expõe percepções de entrevistados

que criticaram firmemente a publicidade e transparência do ciclo 2012-2015 do processo de

planejamento plurianual. Segundo eles, não houve transparência na avaliação dos programas

contidos no PPA anterior, tampouco foram divulgadas as propostas do PPA 2012-2015. A

maior crítica nesse aspecto se deu à falta de devolutiva para a sociedade sobre as propostas

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que foram ou não incorporadas no texto final, e os porquês (BAHIA, 2013). O entrevistado 03

também conta que

na hora de dar resposta, [o processo] se perdeu também porque

como eles não tinham, não sabiam, não tinham clareza do que foi

aproveitado do PPA, o que é que foi feito e o que é que não foi

feito – e também eu acho que a gente deu um passo maior do que a

perna –, é não ter tido uma equipe estável pra principalmente

explicar o que não foi feito, o que não entrou no PPA e porque não

entrou.

O entrevistado 02, na mesma linha, comenta sobre como essa falta de organização para a

devolutiva causou instabilidade na relação com a sociedade: Como nós não conseguimos

furar o bloqueio cultural da secretaria, de entender, absolver e fazer essa devolutiva, alguns

grupos sociais organizados ficaram efetivamente incomodados, o que é perfeitamente

natural. Essa autoavaliação crítica foi repetida pelos outros gestores, o que sugere que o ciclo

anterior tenha gerado um processo de aprendizagem, tanto que houve nova proposta

metodológica em 2015.

As devolutivas requerem compromisso rigoroso e sistemático com a transparência e ainda um

compromisso com a tempestividade da devolutiva, de modo a permitir que os participantes

sejam envolvidos ao longo do processo de elaboração do PPA. Como aspecto interveniente a

esse compromisso da devolutiva, o entrevistado 03 discorre sobre o timing da transparência:

o lance pra gente voltar pra sociedade... eu acho que, se a gente

quer ter um sistema de transparência pra valer, a gente tem que

voltar isso para a sociedade antes que o PPA tramite na

Assembleia Legislativa. Porque, em tese, se algum segmento social

se sentir preterido, ele tem que ter essa informação prévia, pra ter

a possibilidade de fazer uma intervenção via Assembleia

Legislativa.

No caso do PPA-P 2012-2015, não foi obedecida a tempestividade nem dada qualquer

devolutiva.

Cientes, portanto, dessas limitações, os gestores buscaram incrementar o sistema de

elaboração do PPA-P de forma a agregar e consolidar informações ao longo do processo. Foi

adotado recentemente pelo governo baiano o Sistema Integrado de Planejamento,

Contabilidade e Finanças do Estado da Bahia (FIPLAN/BA), que “permite que em uma única

ferramenta sejam sistematizados os processos de elaboração dos instrumentos de

planejamento, de monitoramento e avaliação da execução orçamentária, assim como as ações

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de gestão orçamentária, financeira, contábil e patrimonial no âmbito da Administração

Pública Estadual” (Sítio do FIPLAN/BA, acesso em fevereiro de 2016). O entrevistado 04

descreve as vantagens do FIPLAN em algumas dimensões principais, a saber, o apoio à

metodologia, a consistência da informação, a organização e gestão do plano e o accountability

governamental. No anterior, a gente teve uma dificuldade na consistência da informação, de

formular as coisas bem estruturadas, e acabou gerando documentos que nem sempre eram

homogêneos no sentido de sua escrita e formulação. Com esse agora, dentro da SEPLAN, já

todo material de escuta vai estar carregado no sistema, enquanto as secretarias vão

formulando metas e iniciativas para também serem inseridas no sistema.

No âmbito da devolutiva para a sociedade, o FIPLAN se mostra um bom aliado do princípio

da publicidade e do accountability governamental:

Ao final do PPA, você imediatamente – na verdade até durante ele,

mas mais ao final dele – vai poder puxar um relatório onde cada

compromisso respondeu a que proposta do estado, a que proposta

da escuta. Então os retornos que a gente vai dar à sociedade, e que

a sociedade vai ter acesso, são fantásticos (Entrevistado 04).

De acordo com o entrevistado, o sistema garante uma capacidade gerencial significativa aos

dirigentes ao instituir o vínculo desde as escutas sociais até a programação e execução

orçamentária, permitindo a extração de relatórios com esses vínculos: Então você tem um

encadeamento de relações, que vai da ação orçamentária na LOA, entra no PPA, via

iniciativa, a ação se vincula à iniciativa como você vê no documento e essas iniciativas

respondem à escuta, a propostas da escuta. Vale lembrar que essa temática da vinculação

entre as etapas da ação governamental é interveniente aos achados da dimensão estratégica e

que, portanto, o FIPLAN também tem potencial de agregar ao “fio condutor” da estratégia.

Para encerrar esse item, vale-se de um depoimento sensível e bastante relevante apresentado

pela diretora de monitoramento da SMA/SEPLAN (Depoimento 03), sobre accountability,

transparência e responsabilização. Segundo ela, é preciso que o servidor público, de uma

forma geral, seja muito responsável com dados: O estado precisa passar para a sociedade,

pra dizer ‘fiz, não fiz, porque não fiz, fiz gastando isso, porque gastei isso’ (...) Então isso

tudo precisa ser comunicado, precisa comunicar isso a sociedade, pra quem está fora

administração pública. Isso tudo é responsabilização! A diretora defende que o princípio do

accountability governamental, ligado às práticas de transparência, oferece seriedade na

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execução das políticas públicas e permite um acompanhamento das ações promovidas pelo

poder público pela sociedade. E acrescenta:

A gente precisa qualificar nossa atuação como servidor público, a

gente precisa trazer responsabilidade e seriedade na execução da

política pública, porque só pega na hora que há um roubo, um

desvio, alguma coisa assim, não é? Os nossos delitos estão nas

simples omissões e irresponsabilidades, entendeu? É ser

irresponsável com dados.

Os depoimentos sugerem que o caráter público dos debates e das decisões, se ainda não está

pleno no âmbito do planejamento baiano, ao menos nota-se que está em desenvolvimento ou

amadurecimento, conceitual e operacional (dentro do sistema), como um tema que incita

bastante preocupação entre os gestores entrevistados.

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Conclusão

O planejamento público no Brasil foi tradicionalmente realizado em discordância com

preceitos democráticos de inclusão política e participação cidadã. De modo geral, as

motivações e os ciclos marcantes da sua trajetória foram economicamente orientados e

esvaziados do ponto de vista de sentido e significado político. Isso impõe sérios limites ao

planejamento quanto à diversidade de visões da sociedade incorporadas no processo decisório

e a possibilidade de discussão aberta de temas de interesse público, o que também resulta em

restrições às escolhas legítimas no ordenamento governamental. Os problemas associados à

trajetória do planejamento remetem a aspectos estruturais que a função carrega ao longo de

sua história como legados prejudiciais do modus operandi tradicional da administração

pública brasileira, incorrendo em uma função de planejar submetida às características

duradouras do patrimonialismo, burocratismo e, de forma mais acentuada a partir da Ditadura

Militar, sob o modelo autoritário-tecnocrático.

Adicionados aspectos contextuais do momento da Constituinte, ficou evidente o intento à

refundação do planejamento em bases mais democráticas e formais, apoiada principalmente

na construção e institucionalização do instrumento do Plano Plurianual (PPA), sendo também

uma aposta de transformação afirmativa do planejamento frente ao seu desmantelamento na

década de 80. A formalização do planejamento pelo PPA teve um papel importante nessa

afirmação da função, contribuindo para passar o planejamento de um rito aleatório e

discricionário para um processo sistemático de debate e entrega da programação

governamental que requer uma contínua aprendizagem metodológica e institucional. Sendo

assim, tal transformação aconteceu de fato em muitas dimensões, devolvendo timidamente o

reconhecimento que a função teve na “Era de Ouro do Planejamento” e tornando a figura do

PPA uma peça cada vez mais central no ordenamento da ação dos governos.

No entanto, as primeiras operacionalizações do PPA ocorreram na década de 90, período em

que foi marcante uma série de descontinuidades do intento constituinte na administração

pública brasileira, muito justificadas pelas crises de financiamento nacionais e pelas

investidas em soluções gerencialistas e neoliberais. Assim, mesmo tendo adquirido um caráter

formal, foi mais difícil afirmá-lo diante de um cenário cujas prerrogativas centrais da

administração pública eram atribuídas à gestão e aos planos econômicos. Além disso, o

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planejamento não precisa ser afirmado apenas do ponto de vista de ganhos de notoriedade

entre as funções da administração pública e de prerrogativas formais.

Neste trabalho, argumentou-se que o planejamento também precisa ser ressignificado, pois o

modelo tradicional apresenta disfunções constitutivas, limitações e problemáticas de enfoque,

e porque requer ganhos de significado que somente seriam conquistados se apoiados em

novas gramáticas de relacionamento entre Estado e sociedade. O trabalho informou, em

especial, a ponderação normativa acerca do sentido do desenvolvimento, que o planejamento

pode ou deveria estar direcionado a um modelo de desenvolvimento multidimensional,

preenchido de legitimidade e conteúdo e pautado pela abertura dos processos decisórios a uma

nova soberania democrática. Essa argumentação deu os primeiros contornos do potencial da

participação social como um novo paradigma agregador de (re)significados à função.

Muitos dos ingredientes da ressignificação do planejamento público foram identificados na

construção teórica da democracia. Essa construção indicou que as linhas deliberativa e

participativa da democracia são fruto de movimentos abrangentes de ruptura com modelos

dominantes de desenvolvimento – e, consequentemente, das administrações públicas mundo

afora – e que o caminho da chamada “radicalização democrática”, desse debate, provocou um

importante equilíbrio quanto à partilha de poder entre Estado e sociedade, de modo a

“perenizar” a burocracia estatal de interesses e anseios representativos dos grupos sociais e

territórios. A revisão teórica também indicou uma via de operacionalização das democracias

deliberativa e participativa, como um princípio que pode sair da prescrição e ser organizado

institucionalmente dentro de instituições participativas (IPs), cujos arranjos e desenhos

estruturantes são fundamentais para garantir materialidade à democracia e efetividade ao

planejamento em termos de processo de construção.

Todo esse percurso do estudo, apoiado em revisão bibliográfica e documental, levou às

seguintes constatações: a transformação de sentido do planejamento público não só é possível

como desejável; a ressignificação pode ser apoiada no processo de democratização da

administração pública e com a adoção da participação social; e que existe um cenário de

transição dos aspectos críticos da função para soluções via democratização e participação

social, realidade observável tanto em nível federal quanto em contextos subnacionais. Essa

transição pôde ser verificada de forma mais acentuada no Brasil no contexto pós-2000, em

que o planejamento passou a incorporar novos atores da sociedade, estimular reflexões de

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conteúdo e lançar projetos de desenvolvimento que não levam em consideração tão somente

recursos econômicos.

Coube ao trabalho então confirmar (ou refutar) esses pressupostos teóricos. Para isso, foi

realizado o estudo de caso do Plano Plurianual Participativo da Bahia (PPA-P/BA), que

percorreu o histórico de participação no estado e a construção do arranjo institucional

participativo do PPA-P/BA e, como essência, apresentou os resultados de uma modelagem de

análise capaz de demonstrar a grandeza –, ou seja, o “tamanho” da democracia nos gráficos

do modelo – e a intensidade da democracia no planejamento formal baiano. Os resultados

foram sustentados pela revisão documental dos relatos da experiência baiana e pela pesquisa

qualitativa, por meio de entrevistas e coleta de depoimentos, com os principais dirigentes da

Secretaria de Planejamento (SEPLAN/BA) e alguns técnicos e gestores da comunidade

governamental, de outras secretarias.

O Estado da Bahia apresentou um histórico de mobilização particular, tardio e com um

movimento do interior para a capital, o que indica que a construção das instituições

participativas e o nível de maturidade que o estado conquistou na história recente ganharam

densidade mais em razão das novas orientações políticas da gestão do ex-governador Jacques

Wagner (2007-2014) do que pela pressão pós-constituinte e pela retomada da democracia no

Brasil. No âmbito da construção do arranjo institucional participativo, os documentos e

relatos da pesquisa informam que o estado é uma referência em participação social no

planejamento público por atender a alguns parâmetros de modelagem e diversificação de

fóruns participativos, sendo desenhado e consolidado dentro de uma estrutura sofisticada de

participação social e com potencial de atender aos princípios de democracia deliberativa e

participativa no planejamento.

Destacam-se nos parâmetros de construção dos arranjos, primeiro, a regionalização da

participação – divisão dos “territórios de identidade” e promoção de escutas descentralizadas

–, que representa ganhos de inclusão política da pluralidade de interesses dos territórios.

Segundo, o grau significativo de diversificação de canais de participação, criados com

exclusividade para atender à função de planejamento formal, que transcende e muito o escopo

limitado das audiências públicas no âmbito do Legislativo. Isso se relaciona ao terceiro

destaque, que é o protagonismo do Executivo na abertura do planejamento público, em que a

democratização do processo é fomentada a partir da vontade política dos governantes e

secretários e marcada por uma valorização da democracia no ordenamento das ações

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programáticas do governo. Por fim, destaca-se o avanço metodológico e operacional na

elaboração dos últimos ciclos do PPA a partir da organização de duas frentes de trabalho – da

participação da própria comunidade governamental, nas mesas temáticas, e da sociedade, nas

escutas sociais –, construindo assim uma lógica de planejamento própria, que concilia

diretrizes estratégicas internas e demandas objetivas e subjetivas da sociedade.

Do ponto de vista da grandeza e da intensidade da democracia nas instituições participativas

do PPA-P/BA, o framework tridimensional adotado neste estudo, a partir do enquadramento

de Fung (2006), posicionou essas IPs em variações de possibilidades institucionais

relacionadas ao (1) modo de seleção de participantes, (2) modo de comunicação e decisão nos

fóruns e (3) extensão da autoridade e poder de agenda de lideranças e atores sociais.

Constatou-se que, com a institucionalização do PPA Participativo em 2007, o Estado da Bahia

expandiu significativamente a participação social na elaboração do plano em relação às

variáveis institucionais do modelo de Fung, ampliando a democracia no planejamento em

todos os indicadores de grandeza e intensidade da democracia e, por consequência,

conquistando patamares sem precedentes de ressignificado.

O planejamento formal baiano se constituiu como amplamente democrático no âmbito da

seleção de participantes (1), sobretudo no primeiro ciclo de elaboração do PPA-P em 2007,

contrariando o arranjo de ordenamento tradicional restrito às pessoas estratégicas, técnicas e

politicamente selecionadas internamente no governo. Mas também caminhou desse modelo

irrestrito de chamamento à esfera pública difusa – “a festa da democracia”, como afirmou um

dos entrevistados – para um chamamento aos subgrupos da sociedade, como os colegiados

territoriais, conselhos e outros coletivos que vêm agindo nos últimos ciclos como

mobilizadores da sociedade e multiplicadores de diretrizes da elaboração do plano. Essas

transformações foram motivadas, justificam os entrevistados, por dilemas de representação e

por preocupações acerca do produto extraído das escutas sociais, e podem até ter reduzido o

grau de inclusividade das IPs, de acordo com o modelo, mas buscaram arquitetar um arranjo

de participação capaz de equilibrar aspectos de mobilização, formativos e decisórios.

O PPA-P da Bahia exibe a convergência em um nível intermediário de democracia em relação

ao (2) modo de comunicação e decisão e à (3) extensão de autoridade e poder de agenda. No

primeiro caso, a investigação sobre o nível de conhecimento, engajamento e

comprometimento que os participantes empreendem nos fóruns posiciona o PPA-P/BA entre

a dimensão comunicativa e decisional, no centro do espectro. Nesses fóruns, as lideranças da

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sociedade atenuam seu poder decisório deliberativo, que é marcante em suas IPs de origem,

como nos seus respectivos conselhos de políticas públicas, e colaboram com o diálogo para a

construção coletiva. Enquanto, de outro lado, os participantes leigos são instrumentalizados,

por meio de estratégias informativas e formativas, a desenvolver preferências e evoluir da

dimensão comunicativa para a decisional. Ambas as movimentações são fomentadas pela

arquitetura institucional desenhada pelo governo na elaboração do PPA-P, aprimorando

habilidades comunicativas e potencializando talentos regionais.

Da mesma forma, no segundo caso, a investigação sobre o nível de autoridade empregado

pela participação social e as expectativas de influência dos atores sociais no processo de

formação de agenda posiciona o PPA-P/BA no centro do espectro. É caracterizado um

movimento de partilha de poder que dilui a autoridade direta exercida por gestores eleitos e

técnicos do governo na elaboração do plano, ao passo que fomenta a autoridade social das

organizações da sociedade civil (OSC) e outras representações. O desenvolvimento da

autoridade social é muito dependente da trajetória de mobilização e articulação dos

movimentos, nível de acesso prévio à informação, nível de capilaridade de atuação do

território, entre outros, mas também pode ser estimulada pelo tipo de arranjo desenhado para

abrigar as demandas dos múltiplos territórios e atores. O PPA-P/BA demonstrou um arranjo

disposto à extensão de autoridade aos conselhos e às OSCs, caracterizando a IP nas variáveis

institucionais de conselho, consulta e influência comunicativa.

Agregados esses resultados, demonstrou-se a grandeza e a intensidade da democracia do PPA-

P/BA no gráfico do chamado “Cubo da Democracia”, indicando um posicionamento

moderado nas possibilidades institucionais para a viabilização da deliberação-participação. É

evidente o ganho de democracia no planejamento plurianual em relação ao planejamento

tradicional nos últimos ciclos de ordenamento formal, mas os arranjos adotados, segundo o

modelo de Fung, não atendem plenamente aos requisitos democráticos de inclusão política.

Este trabalho vem reivindicar nesta conclusão a ponderação do modelo, valendo-se das

percepções dos participantes da pesquisa sobre os dilemas que envolvem a representação, a

profundidade da democracia e a qualidade do produto das escutas sociais. Não é simples

acomodar esses elementos pouco convergentes dentro de um projeto político deliberativo-

participativo, e dentro de um projeto que promova a ressignificação do planejamento

governamental. As áreas dos gráficos do Cubo da Democracia para cada um dos três últimos

ciclos do PPA-P/BA demonstraram de fato oscilações em estratégias ora para a expansão da

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democracia ora para a manutenção das prerrogativas governamentais, mas em todos eles

houve um rompimento com a democracia convencional, representativa, sem substituí-la,

agregando muitos dos princípios da democracia deliberativa e participativa ao planejamento

formal.

Os relatos dos dirigentes e participantes das mesas temáticas não convergem para uma

intencionalidade de restrição à democracia nos fóruns quando do estreitamento do

chamamento amplo, por exemplo, mas para um compromisso em equilibrar as propostas das

escutas sociais com a prerrogativa e expertise da comunidade governamental para o

planejamento. Também não se pode perder de vista que a formalização da função, quando os

planos tornam-se obrigatórios, exige a materialização de diretrizes governamentais e anseios

sociais em objetivos, metas e orçamento. Isso impõe aos governos a difícil tarefa de equilibrar

um esforço democrático inevitavelmente trabalhoso com a entrega de um produto-plano

adequado e aplicável. A conclusão que se chega nesse sentido é que os desenhos

institucionais, os arranjos participativos e a metodologia estruturada para atender aos esforços

de democratização são extremamente relevantes para a garantia até operacional de conciliação

entre a democracia e o planejamento, assim como para o sucesso de ambos e para que a

função seja ressignificada em bases mais democráticas.

Outras críticas ao modelo podem ser organizadas a partir das seguintes reflexões: Em um

estado com a extensão territorial da Bahia, como promover uma mobilização massiva e mais

representativa sem contar com multiplicadores locais? Participantes leigos que atendam às

plenárias sem qualquer articulação e conhecimento prévio, e sem qualquer poder de agenda,

contribuem para se configurar um fórum mais democrático? Será que os requisitos para

potencializar o impacto das autoridades sociais na agenda governamental – trajetória de luta

de movimentos, articulação de pautas, empoderamento de conselhos, entre outros – são

mesmo anti-democratizantes? As respostas para essas perguntas são bastante complexas, e por

isso não são respondidas neste trabalho. Para esse propósito seria necessário até problematizar

como se operacionaliza o conceito de democracia, comparando a experiência com outros

estados ou investigando o caso também sob o ponto de vista dos participantes dos fóruns –

enfoques esses que podem ser adotados em futuras pesquisas. Todavia, mesmo sem

responder, as reflexões parecem oxigenar as limitações do modelo de Fung, que reivindica

que quaisquer ingredientes de qualificação das escutas sociais adicionados ao arranjo de

participação são compreendidos como inversamente proporcionais à grandeza e intensidade

de democracia, considerando essas como produtos exclusivos da inclusão política.

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APÊNDICE 1 – Quadro-resumo dos depoimentos coletados

Ref. Nº Função do(a)

entrevistado(a) Órgão Papel do órgão Vinculação com o PPA Participativo

Depoimento 01 Função técnica

SERIN - Secretaria de

Relações Institucionais

(vinculada ao gabinete

do governador)

Cuida do exercício da democracia, da

relação da sociedade civil com o governo,

do atendimento de solicitações de

movimentos sociais, de organizações sociais

e mesmo de grupos não organizados.

Vincula-se ao PPA participativo porque

a sociedade civil hoje demanda para o

governo, por meio desta secretaria,

políticas públicas que devem ser

atendidas. Secretaria também participou

integralmente da mobilização de

lideranças, do diálogo com os

colegiados territoriais.

Depoimento 02

Técnica/ Ex-

Seplan

(momento de

mudança de

governo e

participação no

primeiro PPA-

P)

SEPROMI - Secretaria

de Promoção da

Igualdade Social/ APG -

Assessoria de

Planejamento e Gestão

APG dá apoio ao gabinete, trabalha com

planejamento estratégico e com a parte

orçamentária da secretaria. SEPROMI não é

uma área finalística, é uma secretaria de

articulação, muito mais política, que

trabalha preparando e intermediando aquilo

que vai voltar como um serviço, como um

bem para o cidadão.

Órgão de apoio às áreas finalísticas, que

participa de todas as mesas temáticas e

identifica quais metas pode apoiar.

Desde o PPA 2012-2015 houve a

orientação para a transversalidade. A

SEPROMI é uma secretaria que se

vincula a muitas questões finalísticas

(igualdade racial, religiosidade, direitos

humanos).

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Ref. Nº Função do(a)

entrevistado(a) Órgão Papel do órgão Vinculação com o PPA Participativo

Depoimento 03

EPPGG

(carreira) e

diretora de

monitoramento

SEPLAN - Secretaria do

Planejamento/ SMA -

Superintendência de

Monitoramento e

Avaliação

Superintendência que centralizou a criação

do sistema de M&A em 2012, visando

subsidiar o processo decisório e

retroalimentar o planejamento e

principalmente as leis orçamentárias que

dão conta de executar o PPA. Coordenam o

"fio condutor" do planejamento: LP, plano

de governo, PPA e gestão orçamentária.

Órgão responsável pelo monitoramento

e avaliação do PPA, informando a

gestão central para tomada de decisão e

dando publicidade à sociedade

(inclusive para conselhos).

Depoimento 04 Função técnica

SJDHDS - Secretaria de

Justiça, Direitos

Humanos e

Desenvolvimento

Social/ FUNDAC -

Fundação da Criança e

do Adolescente

Secretaria meio, não questionada sobre a

atuação particular, somente como

participante do processo de construção do

PPA via mesas temáticas.

Participantes das mesas temáticas

enquanto órgão de apoio aos

compromissos das finalísticas.

Levantaram a priori as necessidades de

maior importância da área para tentar

inserir nos compromissos dos demais

órgãos.

Depoimento 05

Coordenadora

executiva de

planejamento e

gestão de

política para as

mulheres

SPM - Secretaria de

Políticas para as

Mulheres

Secretaria finalística, não questionada sobre

a atuação particular, somente como

participante do processo de construção do

PPA via mesas temáticas.

Participantes das mesas temáticas

enquanto órgão propositor de

compromissos essenciais da política.

Rodadas internas prévias de discussões

com gestores, técnicos e operadores da

política para compreensão do público-

alvo, das necessidades e caminhos da

política para as mulheres.

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Ref. Nº Função do(a)

entrevistado(a) Órgão Papel do órgão Vinculação com o PPA Participativo

Depoimento 06 Função técnica

TCE - Tribunal de

Contas do Estado/

Órgão de Controle

Externo vinculado à

Assembleia Legislativa

Órgão de Controle Externo, vinculado à

Assembleia Legislativa, não questionado

sobre a atuação, somente como participante

do processo de construção do PPA via

mesas temáticas.

Órgão em processo de aprendizagem

para desenvolver o próprio PPA,

buscando adequar a linguagem do seu

planejamento no órgão com o

planejamento do estado. Participou das

mesas para aprimorar a própria

metodologia de construção do PPA.

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221

APÊNDICE 2 – Quadro-resumo das entrevistas

realizadas

Ref. Nº Função do(a)

entrevistado(a) Órgão

Formação acadêmica e atuação

profissional

Entrevista 01

Diretora de

Planejamento

Social

SEPLAN -

Secretaria do

Planejamento/ SPE

- Superintendência

de Planejamento

Estratégico/

Diretoria de

Planejamento

Social (DPS)

Graduação em Economia, mestre

em Sociologia. Trabalhou com

participação social nas Nações

Unidas. Experiência com

políticas sociais, monitoramento

e avaliação de políticas públicas

e participação social atrelada às

teorias econômicas e às análises

macro econômicas. Atuação na

amarração, negociação e

fechamento da metodologia

participativa na SEPLAN. Nas

Nações Unidas, "fora do

governo", atuou com a

transversalidade temática, na

interlocução com secretarias de

direitos humanos, lei da criança e

adolescente, saúde, educação.

Entrevista 02

Diretor de

planejamento

econômico

SEPLAN -

Secretaria do

Planejamento/ SPE

- Superintendência

de Planejamento

Estratégico/

Diretoria de

Planejamento

Econômico (DPE)

Graduação em Geografia e

Administração de Empresas.

Servidor de carreira do estado.

Mais de 30 anos de serviço

público. Já percorreu diversas

áreas e tem experiência tanto nas

sistêmicas (com destaque para o

planejamento) quando nas

finalísticas: indústria e comércio,

agriculturas, ciência e tecnologia,

planejamento, entre outras.

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Ref. Nº Função do(a)

entrevistado(a) Órgão

Formação acadêmica e atuação

profissional

Entrevista 03

Assessor do

secretário da

SEPLAN/

Ouvidor da

SEPLAN/

Substituto do

diretor de

planejamento

territorial/

Secretário ativo

do conselho de

desenvolvimento

territorial

(CODETER)

SEPLAN -

Secretaria do

Planejamento/ SPE

- Superintendência

de Planejamento

Estratégico/

Diretoria de

Planejamento

Territorial (DPT)

Ampla trajetória política de base,

integrante do movimento sindical

e militante político. Ex-dirigente

do Sindicato dos eletricitários da

Bahia (Sinergia Bahia) e carreira

de 20 anos na COELBA. Ex-

presidente regional da CUT/BA e

ex-coordenador financeiro da

Escola Nordeste da CUT. Já foi

assessor parlamentar de deputado

do Partido dos Trabalhadores.

Possui carreira no Estado há

alguns anos, desempenhando

assessorias estratégicas e

coordenando ações de

democratização dos territórios.

Entrevista 04

Assessor do

superintendente

de planejamento

estratégico (Dr.

Ranieri)

SEPLAN -

Secretaria do

Planejamento/ SPE

- Superintendência

de Planejamento

Estratégico

Graduado em Ciências Sociais

pela UFBA, mestre em

Sociologia pela UFBA.

Trajetória na academia com a

temática agrária e de cultura.

Desde que entrou para o governo,

a atuação voltou-se para o

desenvolvimento regional e

gestão de políticas públicas.

Mentor metodológico e grande

responsável (reconhecido

internamente, pelas equipes)

pelos avanços do planejamento.