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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ SONIA CAROLINA SOSA A RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

SONIA CAROLINA SOSA

A RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

CURITIBA

2015

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SONIA CAROLINA SOSA

A RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio de Lima Júnior

CURITIBA

2015

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TERMO DE APROVAÇÃO SONIA CAROLINA SOSA

A RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,____ de______________ de 2015.

__________________________________

Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Universidade Tuiuti do Paraná

Coordenador do Núcleo de Monografias

Orientador: Professor Marcos Aurélio de Lima Júnior

Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas

Professor:

Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas

Professor:

Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas

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Dedicatória

Dedico este trabalho a minha mãe

Jandira, aos meus filhos Bruno e Vinícius,

ao meu namorado Etis, a minha irmã

Glaucia, meu irmão Victor e as minhas

amigas Nayara, Nicole, Lorena e Dra.

Vera.

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Resumo

A presente pesquisa explora a aplicação da teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. O estudo desse tema se mostra relevante, vez que é crescente a incidência de demandas dessa natureza. Esta monografia objetiva, sem a pretensão de esgotar o assunto, averiguar as possibilidades de imputação do dever de reparar eventuais danos decorrentes da aniquilação de uma chance. Para tanto, buscou-se análise da doutrina especializada, bem como pesquisa na jurisprudência pátria a fim de constatar sob quais fundamentos tem se decidido pela ocorrência ou não do dano. Através da pesquisa desenvolvida, concluiu-se que chance séria e real integra o patrimônio da pessoa e, uma vez retirada, dá ensejo à obrigação de reparar. Palavras-chave: responsabilidade civil. perda de uma chance. nexo causal. dever de indenizar.

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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

CAPÍTULO I - RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................................. 9

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA .................................................................................. 9

1.2. PRESUPOSTOS FORMAIS ............................................................................ 14

1.2.1. Dano ................................................................................................................ 14

1.2.2. Nexo de causalidade ....................................................................................... 16

1.2.3. Culpa ............................................................................................................... 18

CAPÍTULOII – A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ...................................... 23

2.1. BREVE INTRÓITO .......................................................................................... 23

2.2. IMPORTANTES ASPECTOS DO INSTITUTO................................................. 25

2.3. NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE ................................... 26

2.4. DA PROVA DO LIAME CAUSAL ..................................................................... 29

CAPÍTULO III – A RESPONSABILIDADE CIVIL DE ALGUNS PROFISSIONAIS À

LUZ DO INSTITUTO ................................................................................................. 31

3.1. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA ............................................................. 31

3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO ................................................ 32

CAPÍTULO IV – FUNDAMENTOS ADOTADOS NA JURISPRUDÊNCIA PARA

APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. .................................... 34

4.1. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS ........................................ 34

CONCLUSÕES ......................................................................................................... 42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 44

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa foi elaborada, com a finalidade de apurar como vem

sendo aplicada a teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro,

visto tratar-se de instituto cujo enfrentamento ainda mostra-se acanhado.

O trabalho é inaugurado com uma breve explanação sobre a evolução

histórica do diploma da responsabilidade civil, demonstrando seu dinamismo ao

adequar-se ao tempo e condições sociais vigentes para abrandar as consequências

do dano perpetrado.

Assim, verifica-se que na constância da justiça privada prevalecia a vingança,

exercida pela vítima do dano conforme suas forças, livre de qualquer ingerência por

parte do Estado. Costume que fora consagrado como regra com a superveniência

da Lei de Talião.

Aliás, como demonstrado no primeiro capítulo, somente com a constatação

de que os danos, ainda que perpetrados somente contra particulares, atingiam a

ordem pública, passou o Estado a intervir efetivamente para manter a harmonia,

tendo como marco desse avanço a Lei das XII Tábuas.

De grande importância é o princípio insculpido no Código Napoleônico, em

seu artigo 1382, o qual norteou as modernas codificações, oportunizando à vítima de

um dano exigir reparação sempre que presente a culpa. Inclusive, é possível denotar

na pesquisa que segue o quanto o Código Civil Brasileiro de 1916 é inspirado na

codificação francesa. Também é possível extrair uma noção das consideráveis

consagradas no atual Código Civil.

Mais adiante, trata-se brevemente dos pressupostos da responsabilidade

civil, no intuito de fixar uma noção, útil à leitura deste trabalho, de cada um: dano,

nexo causal e culpa.

Segue-se então, o capítulo que versa sobre a teoria da perda de uma

chance, contemplando sucintamente sua evolução desde os primeiros estudos

realizados na França, os quais concluíram pela existência de um dano diverso do

resultado final.

De fato, a mencionada teoria nasceu da necessidade de o Direito abarcar a

reparação dos danos surgidos por conta das transformações sociais, principalmente

em virtude da industrialização e massificação.

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A absorção dessa teoria também é objeto de estudo da presente monografia

que, por meio de pesquisa em doutrina especializada, retrata como vem sendo

assimilado o novel instituto, sobremaneira pelas cortes nacionais.

É possível ainda, tomar conhecimento de importantes aspectos que

permeiam o instituto, dentre eles, a seriedade indissociável à chance em que se

funda o pleito reparatório.

Mesmo se tratando de tema que enseja longos debates com múltiplos

posicionamentos, a pesquisa delineou, ainda que de maneira concisa, a respeito do

embasamento legal e natureza jurídica da teoria da perda de uma chance.

Na sequência, assinala relevantes considerações acerca da aplicação da

responsabilidade pela chance perdida à luz da atuação do profissional médico,

assim como feito em relação ao advogado.

No capítulo que encerra o presente trabalho, verifica-se uma abordagem de

alguns casos julgados de acordo com a teoria em debate, permitindo averiguar,

ainda que por amostragem, como vem sendo enfrentada pelos tribunais a aplicação

da teoria da perda de uma chance.

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CAPÍTULO I - RESPONSABILIDADE CIVIL

O conceito de responsabilidade civil não é eminentemente jurídico, posto

que também mostra-se objeto da Moral e é considerado nos planos da Religião e

das Regras de Trato Social. De tal forma, pode-se concluir, seguramente, que a

ideia de dever é inerente ao seu conceito, bastando para tanto lembrar que ao

responsável é atribuído o dever de vigilância. Essa pessoa está sujeita às

consequências de eventual descumprimento do dever, sendo certo que lhe cabe

arcar com as consequentes indenizações (NADER, 2009, p. 6).

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Para compreender e denotar a importância da responsabilidade civil, uma

breve visita a sua evolução histórica se mostra pertinente. A pacificação social,

orientadora do direito, é também a fonte inspiradora da ideia de reparação do dano

injusto. A evolução do diploma da responsabilidade civil revela isso, pois que seu

dinamismo busca acompanhar as transformações de forma que persista o instituto

em seu objetivo de trazer novamente o equilíbrio então abalado pelo dano,

considerado na sua concepção de acordo com o tempo e as condições sociais

vigentes.

Além disso, na gênese dos tempos o dano era separado do direito, tal como

tido hoje, vigorando então a justiça privada, pela qual a reação contra a mácula

perpetrada era nitidamente selvagem, no entanto, tomada por todos como solução

natural e espontânea. A vingança era lançada pelo lesado conforme as próprias

forças, despojada de qualquer intervenção do poder estatal. O consuetudinário

convolou-se em regra jurídica, a Lei de Talião consagrou a justiça privada, ou seja, a

reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente,

quem com ferro fere, com ferro será ferido” (DINIZ, 2007, p. 10).

Após esse estágio, sucedeu o da composição, pela qual a represália é

substituída por uma tarifação, a critério do ofendido, do dano praticado. Nesse

particular, Rizzardo leciona:

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Para cada ofensa vinha convencionada uma pena, ou uma retribuição. Responsabiliza-se o ofensor por seus atos, assinalando Orlando Soares que “o princípio da responsabilização do autor da injúria, injustiça, lesão, ofensa ou dano, aparece nos mais antigos textos legais, dentre os babilônios, gregos, romanos e astecas (RIZZARDO, 2011, p. 29).

Mais adiante na mesma lição, denota-se típico molde de quadro de

compensações, sistema idêntico àquele adotado pela Lei das XII Tábuas:

Vinha a previsão da reparação, prossegue o mesmo autor, exemplificando com o Código de Hamurabi: “Se seu escravo roubasse um boi, uma ovelha, um asno, um porco ou uma barca, caso pertencesse a um deus ou palácio, deveria pagar até trinta vezes mais; se pertencesse a um cidadão livre, dentre as classes dos proprietários, soldados, pastores e outros, restituiria até dez vezes mais. Se o ladrão não tivesse com que restituir, seria morto” (RIZZARDO, 2011, p. 29).

Somente quando se verificou que os danos aos particulares atingiam,

também, a ordem pública que a autoridade estatal tanto buscava manter, que

passou está a intervir para fixar a composição e regulamentar os conflitos privados.

Ainda que sem estabelecer princípio orientador da responsabilidade, concebeu-se,

então, a Lei das XII Tábuas.

Daí em diante, o Estado monopolizou a função punitiva, alvorecendo a ação

indenizatória, cujos fundamentos para reparação do dano eram encontrados na Lei

Aquilia, sobre a qual Aguiar Dias pontifica:

O conteúdo da Lei Aquilia se distribuía por três capítulos. O primeiro tratava da morte a escravos ou animais, das espécies dos que pastam em rebanhos. O segundo regulava a quitação por parte do adstipuladorcom prejuízo do credor estipulante. Regia casos de danos muito peculiares, que não interessa pormenorizar, salvo para, atentos à advertência de Chironi, assinalar que a pena irrogada contra a ilícita disposição praticada pelo adstipulados, em relação ao crédito alheio, traduz o fato de já então se considerar o direito de crédito como coisa. O terceiro e último capítulo da Lei Aquilia ocupava-se do damnum injuria datum, que tinha alcance mais amplo, compreendendo as lesões a escravos ou animais e destruição ou deterioração de coisas corpóreas (DIAS, 2006, p. 28).

Estabeleceu-se uma forma de reparar o dano com o pagamento de pecúnia,

passando a responder o ofensor com seu patrimônio, lhe sendo oportunizada

isenção da obrigação de reparar na hipótese de não ter agido com culpa.

Tal diploma representou grande marco na responsabilidade civil, alcançando

ampla afetação e utilizado como solução geral para elidir conflitos; ao considerar o

ato ilícito uma figura autônoma, desenhou a moderna concepção da

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responsabilidade extracontratual. Até mesmo o princípio pelo qual se pune a culpa

pelos danos perpetrados, concebido pelo ordenamento romano, foi extraído do

escólio da Lex Aquilia, a qual prescinde a relação obrigacional preexistente

(VENOSA, 2003, p. 18).

Esse empirismo característico do direito romano somente deu lugar à razão

quando da evolução concebida pela Escola de Direito Natural, nos Séculos XVII e

XVIII, representada pela criação dos estatutos da conduta social. A partir daí, a

atividade do legislador se desenvolvia à luz da dignidade humana.

No Código Napoleão se verifica a teoria da responsabilidade civil presente

nas modernas codificações. Isso se deve ao princípio esculpido em seu art. 1382, o

qual determina que “Todo ato, qualquer que seja, de homem que causar dano a

outrem obriga aquele por culpa do qual ele veio a acontecer a repará-lo”. Esse

acolhimento de um critério abstrato e genérico em detrimento da casuística confere

à responsabilidade civil um sentindo sobremaneira amplo (NADER, 2009, p 47-48).

Consagrou-se a oportunidade do ofendido de exigir reparação sempre que

houvesse culpa, ainda que parca, em homenagem ao princípio aquiliano in lege

Aquiliaet levíssima culpa venit, é dizer, a culpa, ainda que branda, obriga o malfeitor

a reparar. Com o Século XIX já se encaminhando para seu término, as idealizações

de feição social, incutidas por conta das opressões de toda sorte impelidas ao

homem pela Revolução Industrial, contribuíram sobremaneira para aprofundar as

reflexões acerca da teoria da responsabilidade civil objetiva.

E se desenvolveu a responsabilidade que prescinde a culpa no intuito de

abrandar os efeitos negativos que trouxe a predominância do capitalismo. De fato,

os trabalhadores estavam mais protegidos contra as explorações e injustiças de

qualquer sorte, às quais eram constantemente submetidos (DINIZ, 2007, p. 12).

Antes mesmo do advento do Código Civil brasileiro de 1916, vigoravam em

nosso ordenamento jurídico as Ordenações Filipinas, ainda que exíguas na

abrangência dos fatos, pois remontava ao Direito Romano e Direito Canônico, além

de se utilizar subsidiariamente dos costumes.

Sua grande particularidade é que contemplava apenas a responsabilidade

extracontratual subjetiva. E ainda, previa a apuração dos danos por árbitros e

prezava por uma reparação abrangente. À mesma medida, privilegiava o retorno ao

statu quo ante e, na impossibilidade da reparação natural, dispunha que a

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indenização deveria ser acrescida do valor de estima, desde que não superasse o

dobro da cifra da coisa.

No Esboço de Teixeira de Freitas, a ilicitude do ato imprescindia de

preexistente vedação legal, conforme verberava seu art. 823: “A nenhum ato ilícito

será aplicável qualquer pena ou sanção deste Código, se não houver disposição em

lei que a tenha imposto”.

Ainda no concernente ao ilícito, se fosse além de civil, também penal, sua

nomenclatura seria crime ou delito; seria ofensa se puramente civil. Uma terceira

subespécie foi então criada: faltas. Bastava ser o ato proibido pelo Códex,

independentemente de ser delito, mas sem dispensar prévia repúdia. Nitidamente se

constatava no conceito de falta a denominada responsabilidade negocial, pois assim

eram hipóteses de sua ocorrência o descumprimento de obrigação, o cumprimento

irregular e o intempestivo cumprimento (NADER, 2009, p. 52).

Teixeira de Freitas foi também, precursor no Brasil do instituto

modernamente nominado de lucros cessantes. De fato, ampliou a noção de dano

para abarcar o lucro que se deixou de obter, pela figura tida como perdas e

interesses.

Forte na premissa insculpida pelo art. 1.382 do Código Napoleônico, o

Código Civil de 1916 consignou a respeito da responsabilidade extracontratual ao

definir ato ilícito, tendo como elementos o suposto ou hipótese a conduta por ação

ou omissão; prejuízo a outrem ou violação de direito; dolo, imprudência ou

negligência do agente. O dever de reparar o dano estava positivado como

disposição ou consequência. De mais a mais, o Código Beviláqua afastou a ilicitude

do ato praticado em legítima defesa ou exercício regular de um direito reconhecido

(art. 160, caput), e na mesma norma pôs fim a antijuricidade da conduta danosa a

algum bem material, desde que cometida, estritamente, com a finalidade de

rechaçar perigo iminente e sem exceder-se os limites (Ibidem, p. 52-53).

Entretanto, a codificação bevilaquiana não contemplou a temática do dano

moral, muito menos a possibilidade de sua cumulação com danos patrimoniais,

questão que mais adiante, instigaria os debates doutrinários e jurisprudenciais.

Igualmente, não estava positivada explicitamente a figura do abuso de direito, a qual

os doutrinadores admitiram sua presença pela interpretação do art. 160 do Códex,

pelo qual o exercício regular de um direito reconhecido tinha o condão de excluir a

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ilicitude da conduta, logo, o exercício irregular atuaria em sentido inverso, ficando

caracterizado o ato ilícito, passível de reparação (Ibidem, p. 53).

Após praticamente meio século desde o surgimento da codificação

Beviláqua, firme em suas premissas, o civilista Caio Mario da Silva apresentou o

Projeto do Código das Obrigações. Esse diploma, muito embora não tenha sido

convertido em lei, trouxe importantes afinamentos ao código então vigente.

Condicionou o dever de reparação à culpa do agente, consagrando a

responsabilidade subjetiva; admitiu a teoria objetiva, nos casos expressamente

previstos em lei; definitivamente, reconheceu a ilicitude da conduta executada no

abuso de direito; e de maior destaque, assentou o dano moral, dispondo em seu art.

856 que “O dano ainda que simplesmente moral será também ressarcido.”

O brilhante jurista também assinalou a responsabilidade dos menores

relativamente incapazes, cujos bens responderiam pelos prejuízos por estes

causados e seus tutores responderiam subsidiariamente, caso falhassem na

vigilância; quanto aos absolutamente incapazes, somente teriam seu patrimônio

afetado caso não coubesse aos responsáveis o dever de reparar os danos ou estes

não possuíssem meios para suportar eventual condenação, hipótese em que a

reparação, a cargo do incapaz, seria fixada com parcimônia pelo julgador.(Ibidem, p.

53-54).

Deveras inovador, consolidou excludentes da obrigação de reparar, a saber:

legítima defesa; e prejuízo causado para o fim de perigo iminente ou em virtude da

força maior, com possibilidade de exceções previstas em lei para esta hipótese. Por

derradeiro, idealizou a responsabilidade do credor que exigisse dívida incerta ou já

paga, parcialmente ou não; contemplou a responsabilidade por fato de outrem e a

insubmissa à culpa do agente; como assim dispôs acerca da liquidação das

obrigações reparatórias.

A atual codificação brasileira, em vigor desde janeiro de 2003, representou

notório avanço no concernente ao animus do ofensor, ao passo que adotou a teoria

do risco criado, a qual somente era admitida nas hipóteses expressas em lei. À vista

disso, o art. 927 do CCB/2002 estabeleceu a responsabilidade sem culpa “quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem.” É afirmar: além dos casos elencados no texto

legal, independe da prova de culpa do ofensor toda vez que decorre o dano de uma

atividade de risco, como bem diz Gonçalves:

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Nos últimos tempos ganhou terreno a chamada teoria do risco, que, sem substituir a teoria da culpa, cobre muitas hipóteses em que o apelo às concepções tradicionais se revela insuficiente para a proteção da vítima. A responsabilidade é encarada sob o aspecto objetivo: o operário, vítima de acidente de trabalho, tem sempre direito à indenização, haja ou não culpa do patrão ou do incidentado. O patrão indeniza, não porque tenha culpa, mas porque é o dono da maquinaria ou dos instrumentos de trabalho que provocaram o infortúnio. Na teoria do risco se subsume a ideia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade (GONÇALVES, 2014, p. 48, 49).

É o quanto basta para concluir que o instituto sofreu intensas mutações e

aperfeiçoamentos, de modo a adaptar-se às circunstâncias de cada estágio da

sociedade e manter o respeito aos pares, em observância aos três princípios

basilares concebidos no Direito romano: honestere vivere, alterum non laedere e

suum cuique tribuere (viver honestamente, sem prejudicar a ninguém e dar a cada

um o que lhe é devido).

1.2. PRESUPOSTOS FORMAIS

1.2.1. Dano

É o elemento nuclear da responsabilidade civil pois, que ausente o dano,

não há que se falar em ato passível de gerar dever de reparação. É caracterizado o

damnum quando presente lesão a qualquer bem, seja de ordem material ou moral,

sendo certo que não importa sua extensão para que ao causador seja imputada a

obrigação reparatória. Entretanto, é imprescindível que seja o dano injusto, aliás,

como assevera o art. 188 do CCB/2002, eventuais lesões colimadas para a legítima

defesa, o exercício regular de um direito ou para dissipar premente ameaça, desde

que observados os limites indispensáveis, não serão cotados de ilícitos.

Contrariamente ao que se verifica no direito penal, nem sempre exige um

resultado danoso para declarar a punibilidade do agente, na ordem civil é a

amplitude do dano que ditará a dimensão da indenização. Deveras, o art. 944 do

Código Civil vigente preconiza que “a indenização mede-se pela extensão do dano”

(STOCO, 2011, p. 151).

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É afirmar: para que surja a responsabilidade civil, deve haver uma lesão

patrimonial ou moral, a ser reparada. A responsabilidade civil (contratual ou

aquiliana) pode até ser imputada sem o elemento culpa (objetiva), mas se não

verificado o dano, considerado sua pedra fundamental, não há que se falar em

responsabilização, simplesmente porque não há qualquer prejuízo, seja de ordem

moral ou material, a ser reparado.

Na modalidade contratual, decorre o prejuízo do descumprimento daquilo

que se convencionou contratualmente. Existindo o nexo obrigacional entre dois ou

mais sujeitos, o prejuízo ocasionado ao credor, ou seja, o avilte a essa obrigação,

caracteriza o dano contratual. Se de natureza extracontratual, cujo fundamento se

encontra na culpa aquiliana, representa a inobservância de um dever legal, às

normas que orientam o agir humano. É o detrimento à uma regra jurídica, a qualquer

direito de outrem ou infrações cujo efeito incida negativamente sobre a pessoa

(RIZZARDO, 2011, p. 17).

O dano eminentemente patrimonial se consolida pela lesão a um interesse

econômico. É a mácula a qualquer bem material, de natureza econômica e capaz de

ser usufruído. Essa categoria de dano implica na diminuição de patrimônio atual.

Pode ser que reflitam em relação ao futuro, reduzindo ou impedindo o crescimento

das riquezas do ofendido. Quando atingido o patrimônio atual, denomina-se dano

emergente; na hipótese de os efeitos impactarem na dissipação de uma vantagem,

privando o ofendido de obter um proveito econômico, tem-se o lucro cessante.

Mas a ideia de dano não é circunscrita tão somente ao acervo material da

pessoa. O Código Civil também põe a salvo o patrimônio ideal, vez que o art. 186

assim dispõe; “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito” [grifo meu].

Consiste o dano moral na mácula a esfera personalíssima da pessoa, cujo

conteúdo não é passível de se reduzir a dinheiro. Como bem alega Gonçalves,

citando Orlando Gomes:

A expressão “dano moral” deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial (GONÇALVES, 2009, p. 359).

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Daí se afirmar que a indenização decorrente de danos morais não tem o

condão de reparar pois, não há possibilidade de a vítima voltar a estado anterior a

lesão perpetrada. Tem sim, a indenização finalidade de ministrar à vítima uma

compensação pela dor sofrida e de reprimir condutas danosas.

Por fim, impende consignar que o dano em qualquer modalidade, repercute

à coletividade, ainda que afete inicialmente uma só pessoa. É que a vida social não

comporta qualquer distinção tocante a repercussão individual ou coletiva do dano,

visto que aquele dirigido ao particular aflige o equilíbrio social. Não há que concordar

que somente o ato danoso de natureza penal atinge a sociedade. Basta notar que o

indivíduo é integrante de uma sociedade, sendo este considerado cada vez mais em

função da coletividade. Ademais, a legislação estabelece a igualdade, denotando

que o equilíbrio é o interesse precípuo da sociedade (GAGLIANO, 2009, p. 38).

1.2.2. Nexo de causalidade

De igual importância, a relação de causa e efeito entre a conduta perpetrada

e o dano causado é imprescindível à caracterização do ato ilícito, sem a qual não há

que se cogitar imputação de responsabilidade civil reparatória. Se o dano não

exsurge da conduta adotada, inexistirá, pois, ato ilícito. É a exegese do art. 186 do

CCB/2002 ao apregoar “causar dano a outrem”.

É conveniente distinguir imputabilidade e causalidade. Aquela é formada

pela noção de se atribuir a alguém a responsabilidade por um dano, seja praticado

por ele ou não. Está trata de averiguar que a conduta imputada a alguém foi a causa

sem a qual o dano não teria sucedido. É dizer, causa é o ato sem o qual o dano não

teria ocorrido. A imputabilidade considera o elemento subjetivo da conduta,

enquanto a causalidade ostenta natureza objetiva, preocupando-se em apurar a

ligação entre a ação ou omissão e o prejuízo (NADER, 2009, P. 106).

É tema que denota extrema complexidade, conquanto apurar a causa de um

dano é condição essencial para que se possa concluir pela responsabilidade. Nesse

particular, o exemplo dado por Nader é pertinente:

Se um paciente, após submeter-se à determinada cirurgia, torna-se incapaz para suas atividades físicas habituais, não quer dizer que a culpa, forçosamente, seja do profissional que o operou. Caso se comprove que o paciente foi o único culpado, devido à inobservância dos cuidados que lhe foram recomendados, não haverá responsabilidade civil. Igualmente, se o

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cirurgião provar que a lesão decorreu de caso fortuito ou força maior. Pode, todavia, o dano físico advir da concorrência de causas: imperícia do cirurgião e imprudência do paciente, caso em que o valor da indenização a ser imposta ao profissional será reduzida. Neste caso, o juiz decidirá por equidade, levando em conta o grau de ambas as culpas, atendendo ao disposto no art. 945 do Código Civil (NADER, 2009, p. 106).

A propósito, há que se considerarem as causas excludentes da

responsabilidade civil. Se cabalmente comprovadas poderão culminar na

exoneração do ofensor, retirando do ofendido o direito de exigir reparação pelo dano

sofrido. Quando verificada a culpa exclusiva da vítima, cabe somente a ela suportar

as consequências do ato danoso, porquanto o agente causador apenas figurou no

evento danoso, sem concorrer com culpa.

Na hipótese de culpa concorrente, pode incidir na apuração da

responsabilidade, dentre vários critérios, o da gravidade da culpa do ofensor e do

ofendido, extraindo a extensão da indenização do cotejo entre a culpa com que agiu

a vítima para a ocorrência do dano e a do agente lesante.

Também se exclui a responsabilidade civil quando presente a culpa comum,

ou seja, vítima e ofensor causam o mesmo dano, reciprocamente, neutralizando,

pois, a responsabilidade de ambos, desde que haja paridade no grau de culpa.

Do mesmo modo, se o dano atribuído a determinada pessoa foi em verdade,

causado por culpa de terceiro, sobre este devem recair os efeitos da

responsabilização, e aquele, se não responde pelo terceiro nas hipóteses legais,

deverá ser exonerado de qualquer culpa.

Igualmente, é causa excludente de responsabilidade o evento que se dá por

força maior ou caso fortuito. Caracterizam-se pela verificação do requisito objetivo,

que se traduz pela inevitabilidade do evento, e do objetivo, consistente na

inexistência de culpa na provocação do ato danoso. Importante destacar que nem

sempre o caso fortuito e a força maior excluirão a responsabilidade, visto que na

obrigação de dar coisa incerta não poderá o devedor furtar-se sob a alegação de

deterioração ou perda por caso fortuito ou força maior.

Ademais, é possível se convencionar, na relação contratual, a exclusão de

responsabilidade mediante a nominada clausula de não indenizar. Traduz-se na

concordância entre os contraentes que uma das partes não será responsabilizada

pelo dano oriundo do inadimplemento ou adimplemento inadequado do contrato. É

em virtude dessa estipulação consensual que desaparece, não o nexo causal, mas

sim a responsabilização do agente. Entretanto, para sua eficácia, deve haver, em

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favor do contratante, vantagem correspondente à renúncia (DINIZ, 2007, p. 110-

116).

Seja a responsabilidade objetiva ou subjetiva, cabe a vítima demonstrar, por

meio de elementos probatórios, o nexo de causa e efeito entre a conduta e o dano,

não sendo suficiente a definição da autoria da conduta comissiva ou omissiva e da

culpa do agente ou hipótese de risco. A produção da indigitada prova é ônus da

parte interessada na reparação do prejuízo experimentado. Mesmo nos casos de

responder o agente por ato de outrem (filhos incapazes, curatelados, empregados),

ou fato originado de animal ou coisa sob sua guarda, cabe a vítima provar o liame

causal, ficando exonerada tão somente de demonstrar a culpa do agente lesante.

Por fim, impende salientar que a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro é

a da interrupção do nexo causal.

E prossegue na defesa da indigitada teoria, citando doutrina especializada

no assunto:

CARLOS ROBERTO GONÇALVES, seguindo a mesma linha de pensamento, é contundente ao afirmar que: “Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403; e das várias escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se reporta à consequência necessária” (GAGLIANO, 2009, p. 93).

Quer parecer pois, a teoria do dano direto e imediato, a eleita pela legislação

civil brasileira, seja pela expressa dicção do art. 403 do Codex, seja pelo forte

posicionamento doutrinário.

1.2.3. Culpa

É a culpa um dos pressupostos da responsabilidade civil, consoante se

infere do art. 186 do CCB/2002 que a ação ou omissão do agente seja voluntária, ou

que haja, pelo menos, negligência ou imprudência.

Logo, para que surja a obrigatoriedade de reparação, se faz necessário, de

regra, que tenha laborado o autor do dano com culpa, seja no seu aspecto omissivo,

por imprudência ou por negligência. É dizer, insuficiente que haja apenas o avilte a

um direito, a conduta ilícita ou a infração à uma norma jurídica, para ensejar

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responsabilidade civil, requerendo, para tal, que tenha agido com culpa (DINIZ, p.

39-40).

E a atuação com culpa se traduz na reprovação do direito que recai sobre o

agente. Entretanto, somente cabe censura ou reprovação na hipótese que,

analisadas as circunstâncias fáticas, se podia exigir dele conduta diversa daquela

adotada.

Trata-se de elemento de nada simples definição, como bem assenta Arnaldo

Rizzardo:

É difícil definir a culpa. Os maiores mestres temem dar um conceito, como sucedeu com Ripert, que abertamente o declara e sustenta nem existir uma definição legal. E Savatier, outro grande francês, parte da ideia do dever para caracterizá-la. A culpa (faute, palavra que os franceses não deram um significado exato, e que é tida igualmente como ´falta´) “é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e violada, é involuntária, constitui culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase delito” (RIZZARDO, 2011, p. 1).

Destarte, a convicção para reprovar a culpa pode revestir-se de variável

intensidade, eis que corresponde à clássica divisão da culpa em dolo e negligência

(imprudência ou imperícia). Sob qualquer aspecto, é dado concluir que a culpa

decorre da inobservância de um dever diligência, ou seja, dever de prever a ilicitude

de certas condutas e optar por atitudes de forma a evitar a violação ao direito de

outrem (GONÇALVES, 2009, p. 297).

Disso defluem os três elementos formadores da culpa: i-voluntariedade do

comportamento do agente: para se vislumbrar a culpabilidade, deve ser o

comportamento puramente voluntário. Em havendo a vontade do agente

vocacionada para a consecução do resultado, está evidente o dolo, situação de

maior gravidade. Entretanto, sendo o caso de recalcitrância em observar um dever

de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia), precede o dano uma conduta

desgarrada da vontade.II - previsibilidade: não estará formada a culpa se o dano

causado não era previsível, além da necessária vedação legal. Logo, se não

presente a previsibilidade, certo que inexiste culpa, até porque, em se tratando de

caso fortuito, ocorrerá a desoneração do agente da obrigação de reparar, excludente

da relação causal que é.iii- violação de um dever de cuidado: também caracteriza a

culpa a violação de uma obrigação de cuidado que, sendo deliberada, será agravada

a conduta face à presença do dolo (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 36-38).

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Para se apurar a imputabilidade, deve o agente perpetrador do ato danoso

ter atuado consciente e livremente, além de gozar de capacidade de discernimento.

Noutro vértice se apresentam as hipóteses que afastam a imputabilidade.

Dentre elas, a situação dos menores de 18 anos, cujos atos por estes praticados

não implicarão em culpa, cabendo ao seu responsável suportar a responsabilidade

objetiva decorrente do dever de vigilância e cuidado (DINIZ, 2007, p. 46).

Igualmente, será inimputável aquele que no regular exercício de um direito,

eis que não se trata de avilte ao ordenamento jurídico, conquanto seja o exercício

desgarrado de abusos ou excessos que possam prejudicar o direito de outrem

(Ibidem, p. 48).

Pode ser classificada pela natureza do dever violado, podendo ser

contratual, mediante o descumprimento das obrigações pactuadas, ou

extracontratual (aquiliana), quando um preceito geral de direito é afrontado. Sob o

prisma do escalonamento, pode ser a culpa leve, quando a atenção ordinária

poderia evitar o prejuízo; levíssima, se requerer atenção mais acurada; ou, grave

quando não se presume aquilo que é factível ao homem médio. Por outro lado, sua

apreciação, no caso posto a apreciação judicial, examinando a imprudência ou

negligência do agente, cenário em que se considerará culpa in concreto; ou, se

decidindo pela leitura da conduta cotejando com a do homem médio (ou o padrão de

conduta esperado / admitido), ter-se-á a culpa in abstracto, sendo esta a que exige

aos pares que sejam medianamente diligentes e prudentes, para o fim de não

exporem uns aos outros aos riscos de amargar danos perfeitamente evitáveis. Por

derradeiro, a classificação que analisa o conteúdo da conduta culposa verifica a falta

de atenção ou cautela em relação à pessoa ou coisa sob guarda (in custodiendo); a

falta de cautela na escolha de pessoa a quem é confiada executar um ato ou serviço

(in elligendo); ou, a falha no cumprimento do dever de diligenciar a fiscalização para

que nada abale a segurança de alguém (in vigilando) (Ibidem,p. 43-45).

A responsabilidade civil encontra sua gênese na culpa, é a premissa da tese

de que toda obrigação se origina da culpa, impondo-se a responsabilidade subjetiva,

tal qual impera no direito alemão. Pela teoria apontada, só recai a obrigação de

responder, sob o enfoque da culpa, àquele que praticou o ato ilícito que poderia ser

evitado, pois que não se cogita responsabilizar alguém quando inexiste a pretensão

e nem se poderia prever, tendo agido com cautela, o prejuízo causado. Logo, não se

pode, desastrosamente, apontar a obrigação de indenizar em todo acontecido

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furtando-se de perquirir a culpa do lesado, com esteio no liame causal entre o fato e

o resultado. No sentido amplo, nasce o ato ilícito da culpa do indivíduo que,

intencionalmente ou não, por comissão ou omissão, ou ainda, por descuido ou

imprudência, violou direito ou causou revés a outrem (RIZZARDO, 2011, pg. 24/25).

Contudo, há circunstâncias em que o acontecimento danoso não encontra

amparo em uma conduta ilícita do agente. Por conta do cotidiano, hodiernamente

complexo, surgem diversas situações sem necessariamente, se verificar o

comportamento da pessoa. Há, ainda, conjecturas em que o elemento culpa é tão

pífio que chega a passar sem ser notado.

Por isso tudo, surgiu a tese que defende a obrigação de reparar com a

simples verificação do dano, referendada posteriormente pelo legislador, forte no art.

927 da Lei Substantiva Civil, que preconiza: “haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem”.

Assim ministra Maria Helena Diniz:

Como em certos casos a teoria da culpa, que funda a responsabilidade civil na culpa, caracterizada como uma violação de um dever contratual ou extracontratual, não oferece solução satisfatória, devido, p. ex., aos progressos técnicos, que trouxeram um grande aumento de acidentes, a corrente objetivista desvinculou o dever de reparação do dano da idéia de culpa, baseando-o na atividade lícita ou no risco com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificuldade da prova da culpa, a obtenção de meios para reparar os danos experimentados. Assim, o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei independentemente de culpa e mesmo sem a necessidade de apelo ao recurso da presunção. O dever ressarcitório, estabelecido, estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se houve ou não um erro de conduta (DINIZ, 2007, p. 50).

Deflui da leitura do art. 927 do CCB/2002 que além da responsabilidade civil

decorrente do ilícito ou do abuso de direito, cujos fundamentos estão escorados na

ideia de culpa (art. 186 e 187 do mesmo Diploma), é dado ao julgador também

reconhecer a responsabilidade civil do lesante sem perquirir a culpa, ou seja, incorre

na responsabilidade civil objetiva, se o caso amoldar-se às hipóteses preconizadas

no dispositivo, a saber, nos casos especificados em lei e quando a atividade

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normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem (GAGLIANO, 2009, p. 137).

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CAPÍTULOII – A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

2.1. BREVE INTRÓITO

Esculpido na França (perte d´une chance), esse instituto tem se

demonstrado como nova vertente da responsabilidade civil, visto que consubstancia

a possibilidade de exigir indenização por conta da aniquilação da chance de se

conquistar algo ou repelir algum prejuízo.

Nesse país se verificou, inicialmente, a maior dedicação doutrinária e

jurisprudencial no tocante a temática da perda de uma chance. Em virtude dos

estudos desenvolvidos na França, passou-se a defender a existência de um dano

diferente do resultado final, qual seja, o da perda da chance, divorciado do dano que

decorreria do resultado final (SAVI, 2006, p. 3).

A doutrina debruçou-se, então, a desenvolver uma teoria específica para tais

situações, no intuito de defender a concessão de indenização pela perda da

possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem

perdida. Isto é, distinguiu-se o resultado perdido da possibilidade (chance) de

consegui-lo. Teve início assim a teoria da responsabilidade civil por perda de uma

chance (Ibidem, p. 3).

Antes disso, o Direito ignorava o dano decorrente da perda de uma

oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, visto que não era

possível afirmar, com certeza, que sem o ato lesivo a benesse seria atingida. Ou

seja, ignorava o dano diverso da perda da vantagem, consistente na perda da

oportunidade de se obter aquela vantagem (SAVI, 2006, p. 2).

Inobstante, a dinamicidade do cotidiano hodierno projetou luzes na

necessidade de se reparar danos que possuem causas intangíveis, fazendo com

que fatos como quebra de expectativa ou confiança, avilte à privacidade, estresse

emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda de escolha fossem

considerados plenamente reparáveis. Face essa perspectiva de modificação e

evolução na aplicação da responsabilidade civil, é, a teoria da perda de uma chance,

o campo de observação mais fértil e sofisticado para uma nova análise dos

requisitos clássicos da responsabilidade civil (SILVA, 2013, p. 7).

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Assim, igualmente como se deu na fundação da relativização da culpa,

quando da concepção da teoria do risco que resultou na responsabilidade civil

objetiva, a teoria da perda de uma chance surge em decorrência das transformações

da sociedade, cada vez mais industrializada e massificada. Dessa forma, é nítida a

necessidade de se ampliar a reparação dos danos para alcançar também aqueles

intangíveis, ou seja, ir para além do limite da reparação dos danos diretos.

Tal como o próprio diploma da responsabilidade civil, a perda de uma

chance é tema deveras polêmico e instigador de debates doutrinários, sobremaneira

por conta de sua natureza jurídica, carente ainda, no ordenamento jurídico pátrio, de

uma definição concreta, o que deixa a cargo da doutrina e da jurisprudência

defender a mais adequada segundo cada entendimento: dano emergente, lucro

cessante, ou dano moral (SAVI, 2006, p. 44).

Nasce em contraposição à premissa de que aquilo que nunca aconteceu não

poderá ser objeto de certeza, logo, não poderá ensejar pleito reparatório. É que os

tribunais costumavam exigir, para apreciação da perda de uma chance, prova cabal

de que a vítima teria conquistado o resultado, não tivesse ocorrido o fato que,

alegadamente, interrompeu a trajetória.

A aplicação da teoria da perda de uma chance passa ao largo de ser uma

questão pacífica em nosso ordenamento jurídico, entretanto, passou a ser admitida,

ainda que muito introvertidamente, para conceder indenização àquele de quem foi

retirada, por conduta danosa, a real probabilidade de auferir um proveito ou afastar

um revés.

Nessa senda é a proveitosa lição de Cavalieri Filho:

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda [grifo não original] (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 81).

Importante salientar que a indenização não se volta para o lucro perdido,

pois esse não é certo, mas sim para a oportunidade de se conseguir essa

vantagem. Sendo existente a chance de alguém obter determinado lucro, é certo

que, uma vez privado dessa chance, ocorreu o dano, daí ser imperiosa sua

reparação. Aliás, dada a aleatoriedade de uma “chance”, jamais se saberá qual seria

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o prejuízo repelido ou a vantagem auferida, pois a perda interrompeu o curso até

sua superveniência.

Portanto, se verifica a perda de uma chance na conduta praticada por

outrem que venha e tolher a possibilidade de se alcançar uma benesse ou a dissipar

a oportunidade de se repelir a ocorrência de um evento danoso.

2.2. IMPORTANTES ASPECTOS DO INSTITUTO

Paira sobre a teoria da perda de uma chance, e talvez seja esse o maior

óbice à sua ampla aplicação em nosso ordenamento jurídico, a incerteza quanto ao

atingimento ou não da vantagem que se alega. É praticamente impossível apurar se

o resultado seria alcançado caso inexistisse a conduta danosa, trata-se de autentica

prova diabólica.

De rigor pontuar que, para ser reparável a perda de uma chance, não se

pode tratar de mera esperança, possibilidades eventuais ou hipotéticas. Necessário,

pois, estar presente a seriedade da chance, é dizer, somente chances reais são

passíveis de indenização.

Merece a chance uma análise objetiva, separando-a das esperanças

carregadas de subjetividade: um paciente, que sofre de um câncer incurável, pode,

ainda assim, nutrir esperanças de viver; entretanto, na ótica científica, inexiste

qualquer chance apreciável de cura. Diferentemente, se o câncer está em fase

inicial, com tratamento disponível, e o médico, por negligência, não realiza os

exames ou os interpreta equivocadamente, estará configurada a perda de uma

chance, consubstanciada na aniquilação da sobrevida do paciente, cientificamente

comprovável, sendo certo que se pode alcançar vários anos ou, até mesmo, extirpar

o câncer (MARTINS-COSTA, 2009, pág. 541).

Dito isso, é possível afirmar que é a chance perdida, passível de ser

reparada, aquela expectativa subsistente, séria e real, de se alcançar uma benesse

ou evitar a ocorrência de um prejuízo, cuja frustração se deu pela conduta que

retirou essa chance, à qual estaria, na hipótese, integrando o acervo patrimonial da

vítima. Noutro vértice, é crucial ter em mente, conforme destacado no tópico anterior,

que a obrigação de indenizar, sendo verificada no caso concreto, decorre da

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possibilidade retirada (perdida), e não do dano perpetrado pela perda, mormente em

virtude da incerteza que inspira.

Importante frisar, a chance perdida é consubstanciada num dano

independente do resultado final. Se a indenização do dano consistente na vitória

perdida (advogado que perde o prazo recursal, por exemplo) não é plausível, visto a

incerteza que lhe recai é, por outro lado, inexorável reconhecer a existência de uma

oportunidade, antes da ocorrência do fato danoso. É por conta dessa privação da

chance de vitória (êxito, no exemplo do advogado faltoso) que poderá, a depender

do caso em exame, existir dano passível de indenização (SAVI, 2006, p. 3).

Em suma, é praticamente impossível a prova de que a conquista seria

alcançada ou o prejuízo seria evitado sem a ocorrência da conduta lesiva. Por isso,

o instituto aqui debatido privilegia a reparação pela oportunidade perdida, não pelo

resultado que se alcançaria. No entanto, essa chance deve ser séria e real, sendo

certo que simples quimeras não reclamam reparação. Entende a doutrina

especializada que, somente quando superado 50% da probabilidade de se auferir a

vantagem esperada, estarão presentes os requisitos realidade e seriedade da

chance, dando azo ao pleito indenizatório.

2.3. NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE

O instituto em debate não possui fundamento explícito positivado em nosso

ordenamento jurídico. Entretanto, a doutrina se esmerou em defender a ampla

possibilidade de se indenizar a perda da expectativa séria e real de obter um ganho

ou afastar um prejuízo. Bem assim defende Savi, invocando a cláusula geral de

responsabilidade civil:

(...) assim como os Códigos Civis francês e italiano, o Código Civil Brasileiro estabeleceu uma cláusula geral de responsabilidade civil, em que prevê a indenização de qualquer espécie de dano sofrido pela vítima, inclusive o decorrente da perda de uma chance que, como visto, em determinados casos concretos preencherá os demais requisitos exigidos para o surgimento do dever de indenizar. Não obstante isso, as alterações inseridas nos arts. 948 e 949 acabaram com qualquer dúvida, apesar de a nosso sentir infundadas, acerca da possibilidade de serem indenizados todos os danos sofridos pelas vítimas, ainda que não estejam enumerados pelo legislador (SAVI, 2006, p. 86).

Ainda, a Carta Magna, ao erigir a dignidade da pessoa humana ao patamar

de princípio basilar da República (art. 1º, III da CF/88) e fixar como objetivo

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fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,

absorveu para si o Princípio da reparação integral dos danos.

Ora, é sabido que a Constituição da República é norma ápice e de

inexorável observação na atividade de interpretar a lei infraconstitucional. Assim

sendo, é mister reconhecer a necessidade de indenização dos casos em que é

retirado de alguém uma oportunidade em virtude da conduta de outrem. Do

contrário, estar-se-ia diante de avilte a força normativa da Constituição Federal que

determina, consoante já exposto, que deve ser a reparação justa, portanto, deve ser

eficaz e integral (SAVI, 2006, p. 87-88).

Importante ressaltar, igualmente, que as chances perdidas ostentam um

caráter autônomo, que distingue, extreme de dúvidas, o dano representado pela

supressão do processo aleatório no qual se encontrava a vítima (oportunidade

perdida), do prejuízo desenhado pela perda da vantagem esperada, também

denominado dano final. Essa vantagem esperada seria o benefício amealhado pela

vítima caso o curso não fosse interrompido e seu final resultasse em algo positivo

(álea).

Destarte, a conduta que desalijou a vítima da oportunidade séria e real é

suficiente para embasar pleito reparatório, visto que a oportunidade poderia ter

aferição pecuniária e, portanto, integrava o patrimônio do ofendido (SILVA, 2013, p.

19-20).

Inobstante, ainda há dissenso com relação à qual categoria de dano, dentre

aquelas fixadas no direito positivo, pertence a teoria da perda de uma chance.

Relegando a análise jurisprudencial para capítulo próprio dessa pesquisa, abrimos

espaço para abranger a classificação do instituto da perda de uma chance na

doutrina.

Como dito anteriormente, verifica-se manifestações doutrinárias que

concluem pelo enquadramento desse instituto como dano moral, lucros cessantes

ou danos emergentes. Há ainda, quem defenda a existência de uma terceira espécie

de dano, situado no limiar entre lucro cessante e dano emergente, cabendo a

graduação entre um extremo e outro, de acordo com a espécie analisada de forma

equânime. Essa corrente atribui às chances perdidas, destarte, uma natureza

jurídica sui generis (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 84).

Ainda nessa senda, o supratranscrito doutrinador argumenta que a teoria da

perda de uma chance “guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a

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doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado,

dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter

uma situação futura melhor” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 81).

De outro lado, Savi defende que o dano decorrente da perda de uma chance

não há que ser considerando exclusivamente moral, entretanto, a chance perdida

pode gerar duas espécies de danos distintas. De fato, assim conclui em sua obra:

Como em diversas outras hipóteses mais comuns e recorrentes no direito brasileiro, um fato ofensor que ocasione a perda de uma chance para a vítima poderá ser considerado fato gerador de duas espécies de danos distintas. Imagine-se, por exemplo, o caso de um “concursando” aprovado no provão e em todas as provas específicas, mas que se vê ilegitimamente excluído da prova oral pela comissão organizadora do concurso. A vítima, alegando que a atitude ilícita daquela comissão fez com que ela perdesse a chance de fazer a prova oral e, consequentemente, de ser aprovada no concurso do qual participava, poderá requerer a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais emergentes (perda da chance) e por danos morais (a frustração decorrente do ato ilícito) (SAVI, 2006, p. 53).

Destarte, pode sim a chance perdida representar um plus para a fixação do

dano moral, mas jamais ser classificado o dano decorrente da perda de uma chance

como eminentemente moral.

Entretanto, a corrente doutrinária que, a nosso ver, parece ser a mais

acertada, reconhece a chance aniquilada como dano emergente. É nesse sentido

que advoga Adriano de Culpis (1966, apud por Savi):

A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não d e um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da possibilidade de vitória que restou frustrada (SAVI, 2006, p. 11).

Tendo em vista que a perda de uma chance representa um dano presente,

pois que se perde no mesmo momento em que perpetrado o evento danoso,

considerá-la um dano emergente suprime a dificuldade em se provar a certeza

dessa espécie de dano.

Demais disso, o entendimento doutrinário a respeito da reparabilidade da

perda de uma chance foi objeto de estudo na V Jornada de Direito Civil, passada em

novembro do ano de 2011, que aprovou o enunciado nº 444, in verbis:

Art. 927: A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza

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jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.

Vale salientar, sendo a chance ou oportunidade um bem que integra o

acervo da vítima, sua perda implica em resultado danoso, dando lugar à indenização

indenizado, desde que a chance analisada esteja revestida de seriedade e

plausibilidade, estreme de qualquer mera expectativa.

Assim sendo, cumpre registrar que não há que se falar, sobre o tema em

estudo, em lucros cessantes, a uma porque a chance perdida não é

consubstanciada no êxito futuro, mas sim na atual oportunidade de se alcançar a

vitória ou afastar um revés; a duas, porque somente quando presente a

possibilidade de se produzir prova cabal de que sobreviria a vitória, é possível

indenizar a título de lucros cessantes, que seriam, a propósito, quantificados com

espeque em ganhos anteriormente auferidos.

2.4. DA PROVA DO LIAME CAUSAL

Conforme já tratado no início desta monografia, é imprescindível a apuração

do nexo causal à imputabilidade do dever de indenizar. Segundo art. 186 do Código

Civil Brasileiro, se o “dano” não decorre da conduta adotada, não há que se falar em

ato ilícito.

Portanto, não é suficiente que tenha o agente praticado uma conduta ilícita,

muito menos que a vítima tenha experimentado um dano. É pois, necessário que

esse dano tenha sido causado por conduta ilícita do agente ofensor, permitindo a

averiguação da relação causa e efeito entre ambos.

É dizer, se o dano sofrido não decorrer da conduta ilícita, inexiste a

possibilidade de responsabilizar o autor do fato dito danoso. Daí a

imprescindibilidade de se verificar o nexo de causalidade, com o fito de saber

quando um determinado resultado é imputável a um agente; qual a relação entre o

dano e a conduta é necessária para se conferir que está é causa daquele

(CAVALIERI FILHO, 2012, p. 49).

É notória a problemática da dificuldade em se identificar o nexo causal na

teoria da perda de uma chance, principalmente se considerada a divergência que

gira em torno da natureza jurídica do instituto em estudo. Nesse diapasão, Silva

afirma que:

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Alguns autores associam o aparecimento da responsabilidade pela perda de Uma chance à utilização menos ortodoxa do nexo de causalidade, ora se forma de causalidade parcial, ora em forma de presunção de causalidade, nos moldes da responsabilidade coletiva ou grupal. Outra corrente ainda mais numerosa acredita que a teoria da perda de uma chance constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável, mantendo a aplicação ortodoxa do nexo causal (SILVA, 2013, p.7).

É impecável a conclusão de Rafael Peteffi da Silva (2013, p. 76) ao afirmar

que predomina na doutrina, o entendimento de que a teoria da responsabilidade pela

perda de uma chance, dispensa a noção alternativa de nexo causal para ser

validada. Sustenta que basta uma ampliação do que se entende por danos

indenizáveis para a aplicação da indigitada teoria nos diversos ordenamentos

jurídicos.

Em remate, consigna o mencionado jurista que é suficiente à caracterização

do dano passível de ser reparado a simples interrupção do processo aleatório em

que se encontrava a vítima. Ainda, que “as chances perdidas seriam passíveis de

aferição pecuniária, exatamente como ocorreria com o roubo de um bilhete de loteria

antes do resultado do sorteio” (SILVA, p. 76-77).

Isto é, a interrupção do processo aleatório é suficiente ao ensejar a

obrigação reparatório em virtude da chance perdida.

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CAPÍTULO III – A RESPONSABILIDADE CIVIL DE ALGUNS PROFISSIONAIS À

LUZ DO INSTITUTO

3.1. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

Sabidamente, a responsabilidade civil médica é de natureza contratual.

Desse modo, em tese, é possível se falar em inadimplemento obrigacional na

hipótese de não se obter a cura do doente. Entretanto, a responsabilidade médica

não tem o condão de presumir a culpa, visto que o profissional não se compromete a

curar, mas sim diligenciar de acordo com os dogmas atinentes ao seu mister.

Destarte, o fato de não sobrevir a cura apetecida não implica no imediato

reconhecimento de inexecução de uma obrigação, isso porque tais profissionais

assumem obrigação de meio e não de resultado. Assim sendo, a obrigação do

médico consiste no tratamento zeloso do paciente, sempre de maneira atenciosa,

utilizando-se de recursos propícios, sem obrigar-se, contudo, a curar o doente

(GONÇALVES, 2014, p. 336). “Então, serão civilmente responsabilizados somente

quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência ou

imperícia” (Ibidem, p. 337).

À luz da teoria da perda de uma chance, temos que a conduta,

frequentemente omissiva, do profissional médico não causa a doença ou a morte do

paciente, faz sim com que este perca a possibilidade de curar a moléstia ou a

chance de sobreviver. Ainda que culposa, a omissão médica não é a causa do dano,

tão somente retirar do paciente a possibilidade, dando, na espécie, lugar a aplicação

da responsabilidade pela chance perdida. Diferentemente, se o erro médico for o

provocador aborigedo fato danoso, tem-se o dano causado diretamente pelo

profissional, hipótese em que não há que se falar em perda de uma chance

(CAVALIERI FILHO, 2012, p. 86).

Por seu turno, Sergio Savi, assim se manifesta:

Suponha que um doente tem a possibilidade de sarar sob a condição de que o médico o trate corretamente e que reste provado que o erro médico fez com que o paciente perdesse aquela probabilidade. Neste caso, o erro médico é considerado causal. Contudo, tal erro não causa a doença, mas tão somente faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada (SAVI, 2006, p. 24-25).

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Logo, é de concluir que na hipótese de ceifada a chance de sobrevivência ou

de cura, restará configurado o liame causal entre dano e culpa, esta

consubstanciada na conduta do médico que não propiciou ao adoentado a

oportunidade de reestabelecer sua integridade.

Ademais, segundo ensina com notória sensatez, Nehemias Domingos de

Melo (2013, p. 198), a teoria da perda de uma chance, aplicada na apuração do erro

médico, é construção doutrinária e jurisprudencial que suaviza o encargo probatório

da vítima de conduta acanhada.

3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

A constituição da República elenca, no capítulo que trata das funções

essenciais à justiça, em seu artigo 133, a advocacia como função indispensável à

administração da justiça, pondo a salvo os atos e manifestações do advogado no

exercício de seu mister, desde que circunscritos aos limites legais.

Na dicção da lei infraconstitucional, “o advogado deve proceder de forma

que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da

advocacia” (art. 31, caput, da Lei 8.906,1994).

Igualmente ao que se verifica na medicina, a atividade advocatícia tem

natureza jurídica contratual, vez que o mandatário obriga-se a laborar fazendo uso

de todos os meios disponíveis para salvaguardar os interesses do mandante.

Não muito raro, a atuação desjeitosa de alguns causídicos acaba por

macular a confiança a eles atribuída pelo cliente quando da constituição como

procurador seu. Essa atuação inadequada é objeto de vários julgados, vejamos uma

amostragem:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. EXERCÍCIO DO MANDATO. PERDA DE UMA CHANCE. - Advogado contratado patrocinar a defesa do cliente em ação executiva. Cliente que forneceu documentação ao patrono, pretendendo ver defendida a alegação de que já quitara a dívida exequenda. Comprovada a atuação inadequada e culposa do profissional contratado. Neste processo indenizatório, advogado, não houve comprovação da tese de defesa de que as alegações do cliente seriam inverossímeis e pouco defensáveis. Prova dos autos que leva à conclusão diversa. Prática de erros técnicos insuperáveis durante o patrocínio da defesa do cliente, que conduziram à completa e irrecuperável perda da chance de exercer defesa naquela ação executiva. Dever de indenizar configurado. - Reformada a sentença, resta prejudicado o pedido da parte ré de majoração da verba honorária sucumbencial que lhe havia sido arbitrada.

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APELO PROVIDO, RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. (Grifo meu) (TJ-RS - AC: 70053375655 RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Data de Julgamento: 27/06/2013, Décima Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/07/2013).

Tratou-se de pleito indenizatório tirado em desfavor do advogado contratado

para defender os interesses do Autor em ação de indenização contra si movida.

Segundo verbera, o causídico contratado cometeu diversos erros durante o

processo de execução, de modo que o executado acabou por pagar nota

promissória que já estava quitada, possuindo, inclusive, segundo sua narrativa,

prova documental do adimplemento da obrigação.

O magistrado de primeiro grau julgou improcedente a demanda. Entretanto,

o Tribunal gaúcho reformou a decisão, conforme gizou em seu voto o Relator:

[...] houve a perda da chance do cliente de apresentar defesa de mérito naquela execução patrocinada pelo réu. Essa perda de uma chance foi ocasionada por uma série de erros técnicos praticados pelo advogado réu. Esses erros técnicos são inequivocamente decorrentes de imperícia e/ou desídia do réu, que manejou incidentes inadequados e intempestivos (como os Embargos do Devedor). É dizer, houve a concretização da perda de uma chance por erro técnico, praticado com culpa pelo advogado. Destarte, configurado de modo inequívoco o dever de indenizar.

Na quantificação do dano, se considerou a premissa do instituto, de que a

chance (perdida) jamais pode alcançar o valor do bem perdido. Desse modo, levou

em consideração o prejuízo final experimentado pelo apelante para fixar a

indenização pela chance perdida à razão de 75% (setenta e cinco por cento) do

valor que pagou, indevidamente, na execução.

Portanto, muito embora o compromisso assumido pelo advogado perante

seu constituinte configura atividade de meio, e não de resultado, obriga-se o

contratado não a desempenhar uma atuação exitosa na demanda, mas sim a atuar

com extrema atenção e zelo na salvaguarda dos interesses de seu cliente.

Logo, a atuação fulminada por impropriedades técnicas, mormente em se

tratando de erros inescusáveis, que venha a retirar a oportunidade da parte de obter

o êxito, gera ao advogado desidioso dever de indenizar seu constituinte pela chance

perdida.

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CAPÍTULO IV – FUNDAMENTOS ADOTADOS NA JURISPRUDÊNCIA PARA

APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE.

4.1. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

A pesquisa jurisprudencial se mostra importante para a compreensão de

qualquer instituto do Direito. O modo como vem sendo aplicada pelos tribunais

determinada teoria é sintomático de sua aceitação no ordenamento jurídico. Sem

olvidar a importância da produção e debate doutrinário, de nada adiantaria a teoria,

ainda que erudita e muito bem fundamentada, que não venha a ser útil aos fatos

sociais.

Dito isso, a presente pesquisa passa a analisar, ainda que por amostragem,

a absorção e aplicação da teoria da perda de uma chance em nossos pretórios. O

primeiro caso trata de um agravo interno no qual o Tribunal do Rio de Janeiro

decidiu pela inaplicabilidade da teoria da perda de uma chance, em razão da falta de

seu pressuposto mais essencial: chance real. Vejamos a ementa:

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. PRETENSÃO DO AGRAVANTE QUE SE ENCONTRA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE SOBRE O TEMA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE RESTOU ASSIM EMENTADA: "APELAÇÃO CÍVEL. EXTRAVIO DE SEDEX RECEBIDO POR PREPOSTO DO CONDOMÍNIO ONDE RESIDE O AUTOR. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. Comprovado o ato ilícito consistente na conduta culposa do preposto do Condomínio ante o extravio da correspondência dirigida ao autor, cinge-se a controvérsia em determinar se a situação é suficiente para a caracterização do dano moral. Nem todo ilícito enseja a indenização por dano moral. É imprescindível que o ato seja capaz de se propagar para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de forma significante. Autor que embasou o seu pedido indenizatório na Teoria da Perda de uma Chance. Há que se analisar a potencialidade da perda, porquanto a teoria invocada tem por pressuposto a constatação da existência de uma chance real de obtenção de um benefício que teria sido neutralizada por uma conduta ilícita. No caso concreto, embora evidente a negligência, o autor sequer tinha conhecimento do conteúdo da correspondência extraviada, não sendo possível indenizar uma perda meramente hipotética. Precedentes do STJ. Súmula 75 TJRJ. RECURSO PROVIDO NOS TERMOS DO ART. 557 § 1º-A DO CPC". Agravante que não trouxe qualquer argumento novo capaz de ilidir os fundamentos da decisão agravada. DESPROVIMENTO DO RECURSO (TJ-RJ, Relator: DES. JORGE LUIZ HABIB, Data de Julgamento: 02/07/2013, DÉCIMA OITAVA CAMARA CIVEL).

Na ação indenizatória, alegou o autor que lhe foi encaminhada uma

correspondência via Sedex, cujo conteúdo era desconhecido pelo destinatário, tendo

sido extraviada por funcionário do condomínio onde mora. O magistrado de primeiro

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grau deu procedência ao pleito, fundado na teoria da perda de uma chance, para

condenar o Condomínio ao pagamento de indenização por danos morais na monta

de R$ 3000,00 (três mil reais).

Irresignado, o Réu apelou. O Desembargador Relator fundamentou sua

decisão afirmando que, muito embora presente o ato ilícito, consubstanciado na

conduta culposa do preposto do Apelado, nem todo ilícito enseja a indenização por

dano moral. Entretanto, bem asseverou o julgador que embora evidente a

negligência, o autor sequer tinha conhecimento do conteúdo da

correspondência extraviada, não sendo possível indenizar uma perda meramente

hipotética [grifo meu].

Portanto, é de se notar que primeiramente, muito embora o pedido do autor

se fundou na teoria da perda de uma chance, em primeira instância sobreveio

condenação por danos morais, evidenciando a divergência com relação à natureza

jurídica do instituto, conforme tratado anteriormente nessa pesquisa; noutro vértice,

resplandece a clareza do entendimento do julgador de segundo grau, conquanto

manteve o entendimento esposado no acórdão que decidiu a apelação, qual seja, de

que inexistindo chance real, como ficou provado no caso, não há que se falar em

indenização pela oportunidade perdida.

Noutro caso, onde se vê nitidamente a interrupção de um processo aleatório,

sendo possível vislumbrar a seriedade da chance perdida, o julgamento de apelação

cível assim restou ementado:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - PEDIDO DE REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO QUE RECONHECEU ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UFS - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - RESPONSABILIDADE DO BANCO PELO PAGAMENTO DE BOLETO QUANDO AS INFORMAÇÕES FOREM CORRETAMENTE PRESTADAS PELOS CLIENTES - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE - APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - JUIZO DE PROBABILIDADE DE UM RESULTADO ÚLTIL - QUANTUM MAJORADO. I - Embora o Banco recorrente não tenha fundamentado o pedido de reapreciação da preliminar de ilegitimidade passiva da UFS - Universidade Federal de Sergipe, reconhecida pelo juízo originário, esta Eg. Corte de Justiça a examina de ofício por ser matéria de ordem pública, mas no sentido de negar-lhe provimento. II - Verifica-se, na hipótese, a responsabilidade objetiva da instituição financeira, prevista no artigo 14, caput, do CDC. III - Adota-se ao caso posto em lide a teoria da perda de uma chance, pela qual não há que analisar a concretude do dano, mas de um fato que deixou de ocorrer por ter sido interrompido pela ação ou omissão de um agente. Precedentes do TJSE e STJ.

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IV - O importe indenizatório deve atender aos critérios de prudência, proporcionalidade e razoabilidade. Quantum majorado para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada requerente. V - Recursos conhecidos, sendo parcialmente provido o apelo das autoras e improvido o do Banco. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 2010205235, ARAUA, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. RICARDO MÚCIO SANTANA DE ABREU LIMA, RELATOR, Julgado em 06/09/2010).

As Apelantes, três vestibulandas, recorreram ao judiciário buscando

indenização por conta da conduta do Banco que, ao receber a taxa de inscrição no

vestibular da Universidade Federal de Sergipe, não procedeu ao correto

processamento das informações do recolhimento, de modo que ficaram impedidas

de participarem do certame, diga-se de passagem, promovido naquela única

oportunidade, por meio de uma iniciativa do governo estadual, na cidade onde

residem, restando bastante incertas quanto à nova oportunidade de prestarem a

prova sem precisar deslocar-se a outro município, quem sabe, não teriam condições

para tanto.

O juízo a quo deu procedência ao pedido, condenado o Banco Réu ao

pagamento de indenização, também fixada a título de danos morais, na quantia de

R$ 1.540,00 (hum mil, quinhentos e quarenta reais) em favor de cada autora,

justificando o valor diminuto no fato de que houve, segundo entendeu o magistrado,

pequeno grau de culpa das Autoras ao não confirmarem seus pedidos de inscrição.

Da sentença apelaram ambas as partes. As Autoras, afirmando que a

responsabilidade por verificar o número da guia de recolhimento é integralmente da

instituição financeiro; O Banco Réu, que a guia fora preenchida pelas Autoras, e que

estas não confirmaram as respectivas inscrições no certame, conforme determina o

item 19 do edital que regulamentou o vestibular.

Entretanto, o Tribunal rechaçou as alegações do apelado, pois o recibo de

compensação entregue às Autoras continha número divergente da guia por elas

gerada, restando evidente a conduta ilícita por parte do Banco.

Principalmente, reconheceu a ampla aplicação da teoria da perda de uma

chance no caso em exame, não pelo simples fato de que as autoras foram

impedidas de prestar vestibular, porque poderiam prestar em outra oportunidade,

mas, sobretudo, da oportunidade de que seria dado às mesmas de prestarem uma

faculdade de forma gratuita, em seu município, sem qualquer tipo de ônus, vez que

são de família de baixa renda e não têm condições de cursar uma universidade

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particular.

Desse modo, ficou claro que a conduta do banco privou às pretensas

acadêmicas de obter a apetecida admissão ao curso superior em instituição federal,

que lhes permitirá estudar sem desembolsar elevadas quantias em dinheiro.

Interessantes são as ponderações proferidas pelo relator no que toca à

fixação da verba indenizatória, sendo extremamente zeloso ao asseverar que deve

ser feito tendo em mente um critério de probabilidade. Infere-se do voto que:

[...] deve-se fazer uma avaliação da álea da chance de alcançar o resultado no momento em que ocorreu o fato, tendo em vista que esta chance possui um valor pecuniário, mesmo que seja difícil a sua quantificação, vez que é o valor econômico desta chance que deverá ser indenizado (sem grifo no original).

De mais a mais, é reconhecida a chance como bem integrante do patrimônio

das vítimas, isto é, o valor patrimonial da chance de vitória por si só considerada

(SAVI, 2006, p.11) está explicitado nos dizeres do Relator que proferiu, com

impecável acerto, o voto acima transcrito. Destarte, à unanimidade, o colegiado deu

provimento parcial ao recurso manejado pelas Autoras / vítimas, majorando o

quantum indenizatório para R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada.

Neste outro caso julgado pelo Tribunal de Justiça Paranaense, cuidou-se de

responsabilidade civil médica por conta da negligência com que atuou o profissional

no tratamento de paciente canceroso. Eis a ementa:

APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ­ ERRO MÉDICO ­ PACIENTE QUE FOI A ÓBITO ­ SENTENÇA SINGULAR QUE JULGOU PROCEDENTE, FUNDAMENTANDO NA NEGLIGÊNCIA MÉDICA E NA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ­ INCONFORMISMO REALIZADO. ALEGAÇÃO PRELIMINAR DE JULGAMENTO EXTRAPETITA ­ INOCORRÊNCIA ­ LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO ­ MÉRITO ­ DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ­ RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - ART. 14, § 4º, DO CDC ­ ATO MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL TANTO COM O PROCEDIMENTO REALIZADO COMO COM O DEVER DE DILIGÊNCIA DE UM MÉDICO ­ NEGLIGÊNCIA MÉDICA COMPROVADA ­ AUSÊNCIA DE EXAME LABORATORIAL EM PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER ­ COMPLICAÇÕES POSTERIORES QUE LEVARAM A VÍTIMA A ÓBITO ­ APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ­ CHANCES OBJETIVAS E SÉRIAS PERDIDAS ­ DANOS MORAIS ­ CONFIGURAÇÃO ­ DANO IN RE IPSA ­ PRESCINDÍVEL PROVA QUANTO À OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO ­ MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 50.000,00) ­ DE OFÍCIO FIXAR A CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DA SENTENÇA PELA MÉDIA INPC E IGP/DI ­ SÚMULA 362 DO STJ ­ JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS DA DATA DA CITAÇÃO ­ RESPONSABILIDADE

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CONTRATUAL ­ RECURSO DESPROVIDO POR UNANIMIDADE. 1. "Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu art. 14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz ali que:" A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa ". (in Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 2."A alegada culpa, na modalidade de negligência, do médico apelante é principalmente por ter dispensado à filha da apelada a adequado diagnóstico e os cuidados e providências que a situação exigia. Frisa-se, que a conduta culposa do apelante foi a causadora do hiato no atendimento adequado da paciente, o que criou ou agravou o quadro clínico da mesma". 3."Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum". (in Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 4."Não vale dizer que a vítima/paciente morreria de qualquer modo em razão da agressividade da doença. A teoria da perda de uma chance não descarta a possibilidade de o evento morte decorrer exclusivamente da doença; ao contrário, trabalha com essa possibilidade, mas sem perder de vista a probabilidade de cura, atuando, a teoria, nas hipóteses em que há dúvidas a respeito da causa adequada do dano. Ela envolve chances perdidas, e apenas isso. É suficiente que existam chances sérias de cura ou de uma sobrevida menos sofrida, perdidas em razão da culpa do médico". 5."Ao lado de critérios gerais como a incomensurabilidade do dano moral, o atendimento à vítima, à minoração do seu sofrimento, o contexto econômico do País etc., a doutrina recomenda o exame: (i) da conduta reprovável, (ii) da intensidade e duração do sofrimento; (iii) a capacidade econômica do ofensor e (iv) as condições pessoais do ofendido". (TJ-PR 8178449 PR 817844-9 (Acórdão), Relator: José Laurindo de Souza Netto, Data de Julgamento: 08/03/2012, 8ª Câmara Cível).

Há que se frisar que, muito embora o mau que acometia vítima trata-se de

doença grave, no mais das vezes, incurável, ainda existe possibilidade, mesmo que

muito baixas, de cura ou ao menos, de uma sobrevida que não se sabe ao certo o

quanto perdurará.

No caso ementado, a apelante deduziu em juízo pedido de indenização por

danos morais decorrentes da morte de sua filha. Os erros cometidos pelos

profissionais médicos (Réus) que a atenderam consistem no diagnóstico e

ministração de medicamento diametralmente oposto ao real quadro clínico da

paciente; e na demora em prestar atendimento adequado. Tudo isso fulminou no

óbito da paciente.

A peculiaridade desse pesaroso caso reside no fato de que um dos Réus

arguiu, em sede de apelação, preliminar de julgamento extra petita, verberando que,

muito embora a Autora não tenha sequer mencionado a teoria na exordial, a decisão

proferida pelo magistrado de primeiro grau baseou-se tão somente na perda de uma

chance.

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Prontamente, o julgador ad quem rechaçou essa ilação, afirmando que a

negligência no diagnóstico ordinário, que atribuiu crise de pânico à criança com

quadro clínico de câncer há dois anos e meio, limitou as possibilidades de cura

retirando a chance de sobrevivência. Além do que, ressaltou o Desembargador, se

deve observar o princípio do livre convencimento motivado do magistrado, o qual lhe

confere liberdade para decidir, embasado nos elementos existentes no processo,

desse que motivado nesse material cognitivo.

O Desembargador Relator José Laurindo de Souza Netto assim se posiciona

quanto à chance perdida:

(...) e essas chances existiam no caso em julgamento. Ou seja: tinha a vítima chances de sobreviver, de cura, ou ao menos de uma sobrevida menos sofrida, mais digna, se tomadas algumas medidas embora tardiamente após a recidiva. As chances não eram mínimas, mas boas e, por isso, sérias. Não vale dizer que a vítima/paciente morreria de qualquer modo em razão da agressividade da doença. A teoria da perda de uma chance não descarta a possibilidade do evento morte decorrer exclusivamente da doença; ao contrário, trabalha com essa possibilidade, mas sem perder de vista a probabilidade de cura, atuando, a teoria, nas hipóteses em que há dúvidas a respeito da causa adequada do dano. Ela envolve chances perdidas, e apenas isso. É suficiente que existam chances sérias de cura ou de uma sobrevida menos sofrida, perdidas em razão da culpa do médico. Não se trata de dano hipotético, pois embora" a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa (grifo não original).

Portanto, restou sedimentado que as chances existiam, eram sérias e reais,

seja de cura ou de uma sobrevida. Logo, em razão da conduta inadequada dos

profissionais que atenderam a vítima, o Tribunal decidiu por manter a sentença

proferida na primeira instância, que obriga a indenizar a mãe da vítima, a título de

danos morais, na quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

No julgamento da apelação nº 4013792-48.2013.8.26.0405 o Tribunal de

Justiça de São Paulo, o voto locucionado pelo Desembargador Relator Francisco

Loureiro reconhece o direito da apelante à indenização pelos danos experimentados,

com fulcro na teoria da perda de uma chance, o faz situando perfeitamente na esfera

dos danos patrimoniais e distinguindo a chance perdida dos lucros cessantes. O

recentíssimo acórdão restou assim ementado:

AÇÃO INDENIZATÓRIA Restrição indevida do nome da autora no banco de dados de um dos requeridos levou o outro réu a recusar a abertura de conta-salário à demandante, impedindo-a de obter vaga de emprego para a qual já fora selecionada Consumidora por equiparação Responsabilidade objetiva dos bancos réus Ocorrência de fortuito interno, que se incorpora ao

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risco da atividade Perda de uma chance que deve ser indenizada Necessária distinção entre lucros cessantes e perda de uma chance Mensuração econômica da chance perdida permite fixar a indenização por danos materiais em R$ 12.000,00 Danos morais também caracterizados Frustração à legítima expectativa da autora de que seria empregada Indenização estabelecida em R$ 10.000,00 Ação procedente Recurso provido. (TJ-SP - APL: 40137924820138260405 SP 4013792-48.2013.8.26.0405, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 24/03/2015, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2015).

De fato, cuidou-se de pleito indenizatório articulado após perceber a autora

que existia em contra si restrição fundada em cartão de crédito que nunca contratou,

impedindo-a de abrir conta salário em outro banco, o que lhe ocasionou a perda da

vaga de emprego para qual fora selecionada.

O juiz sentenciante de primeiro julgou improcedente o pedido, sob o

fundamento de que a autora não logrou êxito em comprovar a existência de

negativação em seu nome. Em sede de apelação, no entanto, o Desembargador

reformou a sentença para condenar o Banco Réu ao pagamento de danos materiais,

com fundamento na teoria da perda de uma chance, tendo em vista que ficou a

autora impedida de celebrar contrato de trabalho para assumir vaga que já havia

conquistado por meio de seleção.

Asseverou o Relator que:

[...] a perda de uma chance se situa no plano dos danos emergentes, uma vez que a chance propriamente dita já integra o patrimônio do lesado à época do evento danoso, de modo que o dano é certo. Por outro lado, os lucros cessantes configuram dano provável, indemonstrável, que deve ser aferido por meio do que ordinariamente acontece, isto é, com base no transcurso normal das coisas. Não há, pois, como admitir a confusão entre as duas figuras. [...] A simples perda de uma chance, como obter uma promoção, ganhar um concurso, etc., normalmente não é indenizável. Somente se indeniza quando a chance perdida tiver algum valor, do qual a vítima se privou, dentro de um critério de razoabilidade e plausibilidade, como, por exemplo, deixar de adquirir um imóvel por culpado tabelião, ou de ganhar um processo por falha do advogado.

Então, considerando que a autora demonstrou documentalmente que já havia

sido selecionada para a vaga de emprego, cujo contrato não fora celebrado tão

somente em virtude da negativa do banco em abrir a conta salário, por conta de

suposta restrição no cadastro interno do Banco Réu, o Tribunal considerou que a

chance perdida já integrava o patrimônio da vítima, tendo portanto, valor econômico

mensurável.

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Em remate, como não existia nos autos informações objetivas para fixação do

quantum indenizatório, tais como o cargo para o qual fora selecionada a Apelante e

sua qualificação profissional, o magistrado de segundo grau baseou-se na média

salarial do país e no tempo em que a autora possivelmente permaneceria no

emprego para fixar em R$ 12.000,00 (doze mil reais).

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CONCLUSÕES

De tudo que aqui se expôs, é possível concluir que a teoria da perda de uma

chance, concebida principalmente graças ao labor doutrinário francês, sobreveio em

virtude da necessidade premente de tutelar um dano que é perfeitamente passível

de distinguir do resultado final.

Aliás, sem o advento da referida teoria, continuaria sendo ignorado o dano

que decorre da chance perdida, sob o fundamento de que não é possível ter certeza

de que a vantagem esperada sobreviria.

Não havia mais como manter a eficácia do diploma da responsabilidade civil

sem ampliar a reparação dos danos para tutelar, também, aqueles diversos dos

danos diretos. É afirmação que deflui da frenética transformação social concebida,

em grande parte, por conta da industrialização.

Surgiu, então, a teoria da perda de uma chance, com vistas a oportunizar o

pleito indenizatório à vítima que teve um processo aleatório interrompido por conduta

ilícita. Assimila-se, também, que mera expectativa não pode ser alçada à categoria

de chance perdida. É indiscutível que deve ser a chance séria e real para dar ensejo

à obrigação de reparar, excluindo-se as esperanças carregadas de subjetividade.

Ademais, não se pode imaginar que obrigatoriedade de indenizar decorre do

dano final ocasionado pela perda. Em verdade, o que deve ser objeto de reparação

é a chance ceifada, é dizer, indeniza-se pela oportunidade retirada, e não pela

vantagem que se esperava auferir.

Até porque, seria surreal falar em indenizar com base na vitória que se

esperava, pois não há como ter certeza de que esta seria alcançada ou que um

prejuízo seria evitado. Por outro lado, a oportunidade é de fácil constatação,

bastando para tanto analisar o processo aleatório em curso.

Quanto à natureza jurídica do instituto, a pesquisa filiou-se à corrente

doutrinária que o situa na categoria de danos emergentes, pois a chance perdida

consubstancia um dano presente, pois retira aquilo que já integra o patrimônio da

vítima.

No tocante ao nexo de causalidade, vale registrar que para caracterizar o

dano basta a interrupção do processo aleatório em que se encontrava a vítima.

Em relação à perda de uma chance de cura ou sobrevivência, verificou-se

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que a conduta nefasta do médico não é a causadora da morte ou da patologia,

sendo certo que a atuação omissiva retira do paciente a oportunidade de se curar,

de sobreviver ou, ainda de lograr uma sobrevida, a depender da espécie de mau que

o acomete.

Igualmente ao profissional médico, o advogado assume obrigação de utilizar

todos os meios disponíveis para resguardar os direitos de seu constituinte, não se

obriga a alcançar o êxito, mas sim a laborar de maneira diligente e esmerada para

tanto.

No entanto, a atuação desiquilibrada do advogado, principalmente se

carregada de impropriedades técnicas, que venha a causar prejuízos ao cliente, seja

em razão da perda de um prazo para recorrer ou da interposição de medida judicial

inadequada, impõe ao procurador desidioso a obrigação de indenizar pela retirada

da chance séria e real se obter êxito.

Também conclui-se que, no âmbito jurisprudencial, vem sendo assimilada

gradativamente a teoria da perda de uma chance. Ainda que, na maioria das vezes,

as indenizações são concedidas a título de danos morais, se denota que os

julgadores estão atentos aos requisitos indissociáveis à procedência do pleito

reparatório, notadamente no que tange à exigência de ser a chance séria e real.

Em remate, é evidência nos julgados colacionados o reconhecimento da

chance como bem integrante do patrimônio do ofendido. Por assim ser, possui um

valor econômico, logo a conduta ilícita que retira essa oportunidade acarreta ao

ofensor a obrigação de reparar, não em virtude do que se deixou de conquistar, mas

sim pela retirada da chance.

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