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A Representatividade do Índio... Barbosa et alii. .. Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 95 A REPRESENTATIVIDADE DO ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO UM OLHAR SOBRE UMA COLEÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n18p95 Raile Cabral Barbosa 1 Francineide Henrique de Vasconcelos 2 Djalma Andrade de Melo 3 Oriel Pinto Tenório 4 Acauam Silvério de Oliveira 5 Resumo: A cultura indígena às vezes é vista como uma representatividade primitiva dos povos nativos, conforme aponta Pimentel (2012). Desse modo, estudos relacionados a importância da valorização da cultura indígena tornam-se imprescindíveis para ampliar as investigações relacionadas a essa temática na escola. A partir disso, pretende-se analisar como a figura do índio é retratada no livro didático de língua portuguesa. Portanto, utiliza-se a coleção de CEREJA e COCHAR (2015) utilizada na comunidade escolar do município de Bom Conselho-PE como objeto de estudo para verificação de dados. Ao final desse trabalho consegue-se perceber uma representação mínima da etnia indígena nos livros de Português apresentados pela coleção, o que nos leva a concluir que essa falta de uma maior representatividade do índio 1 Graduanda do curso de Letras Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do curso de Letras Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 3 Graduando do curso de Letras Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 4 Graduanda do curso de Letras Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 5 Professor Doutor da Universidade de Pernambuco Campus Garanhuns

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A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.

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Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 95

A REPRESENTATIVIDADE DO ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO

UM OLHAR SOBRE UMA COLEÇÃO DE LÍNGUA

PORTUGUESA

d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n18p95

Raile Cabral Barbosa1

Francineide Henrique de Vasconcelos2

Djalma Andrade de Melo 3

Oriel Pinto Tenório4

Acauam Silvério de Oliveira5

Resumo: A cultura indígena às vezes é vista como uma

representatividade primitiva dos povos nativos, conforme aponta

Pimentel (2012). Desse modo, estudos relacionados a importância da

valorização da cultura indígena tornam-se imprescindíveis para ampliar

as investigações relacionadas a essa temática na escola. A partir disso,

pretende-se analisar como a figura do índio é retratada no livro didático

de língua portuguesa. Portanto, utiliza-se a coleção de CEREJA e

COCHAR (2015) utilizada na comunidade escolar do município de Bom

Conselho-PE como objeto de estudo para verificação de dados. Ao final

desse trabalho consegue-se perceber uma representação mínima da etnia

indígena nos livros de Português apresentados pela coleção, o que nos

leva a concluir que essa falta de uma maior representatividade do índio

1 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade

de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade

de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 3 Graduando do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade

de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 4 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade

de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 5Professor Doutor da Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns

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nos livros didáticos é um dos fatores a partir dos quais construímos a sua

imagem distorcida, o que nos faz perceber que a representatividade da

figura indígena ainda não se tornou objeto de estudo crítico-reflexivo.

Dessa maneira, o índio continua marginalizado socialmente até no livro

didático de língua portuguesa.

Palavras-chave: Índio. Livro. Escola.

ABSTRACT: Indigenous culture is sometimes seen as a primitive

representation of native peoples, as Pimentel (2012) points out. In this

way, studies related to the importance of the valorization of the

indigenous culture become essential to expand the investigations related

to this theme in the school. From this, we intend to analyze how the

Indian figure is portrayed in the Portuguese language textbook.

Therefore, the collection of CEREJA and COCHAR (2015) used in the

school community of the municipality of Bom Conselho-PE is used as

object of study to verify data. At the end of this work it is possible to

perceive a minimal representation of the indigenous ethnicity in the

Portuguese books presented by the collection, which leads us to conclude

that this lack of a greater representativeness of the Indian in textbooks is

one of the factors from which we construct the its distorted image, which

makes us realize that the representativeness of the indigenous figure has

not yet become the object of critical-reflective study. In this way, the

Indian continues to be socially marginalized even in the Portuguese

language textbook.

Keywords: Indian. Book. School.

A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.

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Introdução

Nem sempre a questão da cultura indígena foi/é bem trabalhada

nas escolas brasileiras, como realmente deveria ser. Muitas vezes, os

conteúdos e sequências didáticas se encarregam de trabalhar essa

temática de maneira equivocada e maquiada, o que acarreta no

ocultamento dos fatos ocorridos na história dos povos indígenas,

propiciando assim a criação de uma imagem do índio em alguns aspectos

equivocada, prejudicando a formação dos estudantes inseridos no

contexto escolar. Menezes (2014, p. 2), afirma que:

É muito raro, fora de um ambiente de

especialistas na questão indígena, conversar

sobre os índios e não ter que responder a

perguntas como: “Eles andam pelados? Eles

falam tupi?”. A formulação dessas questões nos

remete novamente àquela imagem do índio com

cocar, arco e flecha na mão, similar ao modo

como são retratados nos livros didáticos. São

perguntas, muitas vezes ingênuas e sempre

curiosas em se aproximar dos índios, mas que

confirmam a eficiência da nossa educação

escolar em fazer a manutenção desse imaginário

que trata de um índio genérico, estereotipado,

refletindo a ausência de um estudo sobre a

diversidade étnica e a contemporaneidade dos

povos indígenas no Brasil.

A partir disso, percebe-se que mesmo em um período

contemporâneo ainda existem ideologias e ideias equivocadas a respeito

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da cultura indígena e do índio em suas peculiaridades culturais. A própria

escola contribui para essa visão ao cultivar uma imagem do índio como

“selvagens” e “primitivos”, esquecendo-se de considerá-los como

integrantes contemporâneos da nossa sociedade, em alguns casos.

Nesse cenário, temos uma história que representa os povos

indígenas apenas como figurantes do ato da colonização sem levar em

consideração os seus costumes, crenças e valores. As escolas assim

tornam-se um espaço especifico para a (des)construção de conhecimento,

e informações esclarecidas com relação as especificidades advindas da

cultura indígena.

Com a Lei nº 11.645/08 assim sancionada abriu-se o espaço para

que houvesse a necessária representação e construção sociocultural e

histórica dos povos indígenas. Porém, as maneiras pelas quais muitas

escolas abordam a representatividade do índio é ainda bastante

homogênea, os alunos em muitos casos criam um conceito de que os

índios vivem todos da mesma forma, compartilhando a mesma cultura,

partilhando das mesmas crenças e hábitos; contudo sabemos que a

realidade não é essa. Para Menezes (2014), o surgimento dessa lei

implanta uma nova forma de relacionamento do índio com o Estado e

com a sociedade como um todo, oferecendo assim, um novo modo de

pensar das futuras gerações a respeito da imagem dos povos indígenas,

reconhecendo os valores dos mesmos.

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Diante de todo esse contexto vivido ao longo do tempo chega-se

a conclusão de que é preciso pregar uma política igualitária e justa com

relação aos povos indígenas, integrantes importantes da nossa sociedade.

É necessário analisar e avaliar o modo como as escolas estão trabalhando

e quais políticas sociais e ideologias estão sendo usadas na instrução dos

estudantes no que diz respeito à cultura indígena. É necessário que o

indivíduo em formação se depare com a realidade desses povos e

compreenda todos os aspectos da cultura desses, para que só assim possa-

se formar cidadãos conscientes e conscientizadores do papel e

importância, como também do respeito que se deve ter para com os povos

indígenas.

Reflexões acerca da Lei 11645/2008

A lei 11645/2008 surge com o objetivo de instaurar a

obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena no ensino

fundamental e médio, no setor público e privado, considerando o fato de

que a cultura indígena foi historicamente marginalizada na educação e

história brasileira, conforme afirmam Martins e Soares (2015).

Essa Lei busca constituir-se como um mecanismo de combate ao

preconceito, à discriminação étnico-racial, e a invisibilidade a qual os

povos negros e indígenas foram submetidos, possibilitando reflexões

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Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 100

mais profundas acerca da diversidade cultural que compõe o país, como

afirmam BERGAMASCHI e GOMES (2012); NEVES (2009).

A busca por um reconhecimento dos negros e indígenas como

sujeitos que fizeram e fazem parte da construção social de nossa história

e também da economia do país, desencadeou várias campanhas como

também propiciou o desenvolvimento de projetos de leis. Tudo acontece

devido a uma notável marginalização desses povos, uma vez que desde a

época da colonização temos no Brasil uma história de exploração onde o

colonizador impõe sua cultura e se apropria bruscamente do espaço físico

sem permitir que os verdadeiros “donos da terra”, os indígenas, possam

ter voz e vez. A partir disso, o índio sempre teve que lutar tanto pelo

território quanto pela afirmação de sua identidade negada historicamente

por uma sociedade mercantilista e exploradora. Por conseguinte, a lei

11.645/08 é considerada o marco de uma das grandes conquistas dos

direitos sociais dos negros e indígenas. É o que aponta o parágrafo 1 do

artigo 26-A da Lei 11.645/08:

§ 1º O conteúdo programático a que se

refere este artigo incluirá diversos aspectos

da história e da cultura que caracterizam a

formação da população brasileira, a partir

desses dois grupos étnicos, tais como o

estudo da história da África e dos africanos,

a luta dos negros e dos povos indígenas no

Brasil, a cultura negra e indígena brasileira

e o negro e o índio na formação da

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sociedade nacional, resgatando as suas

contribuições nas áreas social, econômica e

política, pertinentes à história do Brasil.

(BRASIL, 2008.).

É comum perceber que em algumas escolas não existem

mudanças significativas em relação ao ensino da temática indígena, já

que, a maioria dos profissionais não estão capacitados para trabalhar tais

temáticas e por isso acabam perpetuando a imagem marginalizada e

folclórica que a cultura indígena recebe do senso comum. Quando a

temática é trabalhada geralmente incorpora uma metodologia bem

arcaica, através de pesquisas sem análise ou reflexão ou ainda por meio

de práticas de pintura que não condizem com a realidade e cultura

indígena. Isso acaba inviabilizando a devida representação da figura dos

povos indígenas, uma vez que nessa atividade não há reconhecimento e

preparo dos alunos na compreensão e valorização dessa cultura. Tudo

isso acontece, principalmente, devido a falta de formação continuada dos

professores que desde sua formação acadêmica não são estimulados a

refletir sobre a temática étnico-racial, a não ser nos cursos de licenciatura

em história, que em sua grade curricular exige essa formação. Na

obrigatoriedade da Lei 11.645/08 também não aparece a formação de

professores com relação ao estudo da didática e ao desenvolvimento de

atividades pertinentes em sala de aula como uma exigência da mesma lei,

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constando somente a obrigatoriedade da inserção do trabalho reflexivo

com relação à figura indígena na grade curricular de ensino.

Análise Da Coleção De Língua Portuguesa - Cereja E Cochar (2015)

O Livro Didático (LD) é uma das principais ferramentas para o

desenvolvimento das atividades em sala de aula. Em alguns casos, é o

único auxílio disponibilizado ao professor para que ele consiga ensinar

seu conteúdo com o mínimo de eficiência e qualidade. O LD é ainda um

recurso de letramento social, uma vez que permite o encontro do

estudante com as mais diversas culturas, religiões, crendices e com uma

ampla gama de gêneros textuais. Tudo isso faz com o estudante tenha

uma visão abrangente da constituição das diversas comunidades sociais

difundidas pelo mundo.

Com relação a aprovação e aquisição das coleções de livro didático

temos O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) que

funciona como um órgão do governo federal destinado especificamente

a disposição de recursos para atendimento à educação básica. É por meio

desse programa que os livros didáticos são adquiridos pelas escolas da

rede pública de ensino depois de serem aprovados e selecionados

conforme critérios de avaliação do MEC (Ministério da Educação e

Cultura).

Considerando a importância do LD para o processo de ensino-

aprendizagem dos nossos estudantes resolvemos avaliar a coleção de

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Cereja e Cochar (2015) da comunidade escolar do município de Bom

Conselho-PE, situado no agreste meridional com a finalidade de

investigar como a coleção do ensino fundamental II que compreende as

etapas de ensino do sexto ao nono ano do município constroem a figura

indígena em seu material didático.

Os critérios de avalição do Livro Didático inferidos pelo MEC

para adequação do material didático seguem noções de caráter comum e

específico. Esses critérios comuns determinam: o respeito e a efetivação

das determinações de todos os documentos destinados ao ensino

fundamental (legislações, diretrizes, normas), a observância dos

princípios éticos na construção da cidadania, a coerência e adequação na

abordagem teórico-metodológica, além de outras noções de igual

importância.

Os critérios específicos de análise e aprovação do LD, por sua

vez, são relativos ao conhecimento e efetivação linguística e dizem

respeito: a natureza do material didático, ao trabalho com a produção

escrita e com a oralidade, além é claro, da observância das

especificidades do Manual do Professor que deve seguir regulamentações

particulares para que este não seja somente a mera cópia do livro do aluno

com o acréscimo de respostas.

A partir disso, entendemos que é importante a propagação de

livros que estejam desvinculados de preconceitos sociais e que

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promovam a disseminação de um material que organize o conhecimento

através de uma perspectiva contextualizada e atual. Isto é, que permita o

encontro do professor e do aluno com todos os avanços científicos

obtidos recentemente através de pesquisa e análise de forma desvinculada

de preconceitos sociais. Vejamos a seguir algumas considerações sobre a

coleção.

Figura 1

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A figura 1 traz uma abordagem da língua e de suas variedades. É

a partir dela que se introduz a questão das várias línguas que circulam

pelo mundo todo. Analisando essa coletânea do sexto ano do ensino

fundamental foi encontrado apenas um caso da representação indígena, e

esse muito restrito, já que se localiza atrelado a outros fenômenos que se

destacam, como a variação linguística. É preciso perceber então que a

compreensão de uma língua difere da percepção de uma variação dessa

mesma língua ou ainda de um dialeto. A “língua do índio”, por assim

dizer representa um idioma e não apenas um dialeto e menos ainda uma

variação da Língua Portuguesa.

Nisso o livro sabe diferenciar bem, uma vez que na figura 2, há

um texto de apoio apontando a extinção das línguas ao longo do tempo e

entre essas extinções encontramos justamente línguas indígenas. É só

nessa passagem, com relação à língua que o índio é de certa forma

mencionado no livro. Mais uma vez é constatada a falta da abordagem da

cultura indígena nos manuais de língua portuguesa do ensino

fundamental. De acordo com os dados oficiais da FUNAI, conforme o

último Censo Demográfico datado do ano de 2010, temos no Brasil a

quantidade de 274 línguas indígenas além da afirmação no próprio site

da confirmação de um percentual de 17,5% de indígenas que não falam

o idioma oficial do território brasileiro, a Língua Portuguesa. Essa

extinção possivelmente deve-se ao fato de a língua e linguagem indígena

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ter sido sempre avaliada a partir de um olhar etnocêntrico oriundo de uma

cultura colonizadora que historicamente tentou apagar todas as

características daqueles que não estavam dentro de seus padrões. É

evidente que a oficialização da Língua Portuguesa é uma questão

capitalista e burocrática, mas isso não significa necessariamente o

apagamento de outras línguas. No entanto, o que percebemos é o

Figura 2

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silenciamento de uma língua que deixa de aparecer por parecer

incivilizada para o colonizador que não tem interesse nenhum em

aprendê-la ou perpetua-la.

De acordo com o exame do livro didático do oitavo ano do ensino

fundamental, ocorre mais um caso de defasagem quanto a presença do

índio. Na figua 3, estão representadas as diversidades culturais do nosso

país. O índio é representado por uma mulher que tem um cocar na mão,

cabe destacar o modo como ela é exibida, a mesma é moderna e se veste

nos padrões da atualidade, o que acaba por determinar sua cultura e etnia

é o fato de possuir o cocar as mãos e alguns colares ao pescoço. Uma

didática eficente na desconstrução desses ideiais distorcidos seria o

estudo de documentários que troxessem a própria fala dos povos

indigenas, ou ainda por meio de visitas as aldeias mais próximas se assim

houver a possibilidade desse encontro. Assim, atividades que viabilizam

a fala e a perspectiva indigena sobre a realidade social são as mais

pertinententes para o estudo e reflexão em sala de aula.

Figura 3. Livro do 8° ano - Representação de etnias.

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Figura 3

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A figura 4, aborda uma atividade sobre as etnias e na primeira

alternativa dessa página se pede para localizar uma índia na imagem e

descrever o modo como ela é representada. Bem como trabalha com as

características das diferentes etnias e ainda ressalta que a sociedade

brasileira é formada por três etnias, o índio, o branco europeu e pelo

negro.

Figura 5. Livro do 9° ano - A concordância na construção do texto. Texto base: Papo de índio.

Figura 4

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Ao analisar a coleção do nono ano do ensino fundamental de

Cereja e Cochar (2015), percebe-se certa carência no que tange a

presença da temática indígena no livro didático. Ao examinar a coleção

não houve o encontro de uma abordagem mais específica ou mesmo uma

parte dedicada à cultura indígena no material.

Como é possível notar na figura 5, tem-se a representação da

imagem do índio, porém não se trata aqui de falar ou apresentar algo

Figura 5

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sobre sua cultura, mas sua figura é utilizada apenas como complemento

do texto “Papo de Índio”, que tem como finalidade trabalhar o conteúdo

- Concordância Verbal, apresentando pequenos “erros” de concordância

como sendo uma marca do dialeto dos povos indígenas, o índio é usado

como representante das marcas linguísticas utilizadas pelos falantes no

dia a dia. Nesse caso, o indígena só aparece como um artifício para se

trabalhar determinada temática no material didático. Assim, podemos

entender qualquer tipo de discriminação com relação à língua indígena

como a configuração de um preconceito linguístico que segundo Scherre

(2008, p. 12) é “o julgamento depreciativo, desrespeitoso, jocoso e

consequentemente humilhante da fala do outro ou da própria fala”. Além

disso, a língua indígena sempre foi avaliada a partir de uma cultura

etnocêntrica que a despreza, pois conforme. Os PCN´s (1998, p. 82) de

Língua Portuguesa:

A discriminação de algumas variedades linguísticas,

tratadas de modo preconceituoso e anticientífico, expressa

os próprios conflitos existentes no interior da sociedade.

Por isso mesmo, o preconceito linguístico, como qualquer

outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos

grupos sociais e deve ser combatido com vigor e energia.

Então, percebe-se que a atribuição do título “papo de índio” com

o estudo da concordância verbal e nominal mostra ao aluno uma visão de

índio que não conhece a língua padrão e que faz uso somente da

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variedade não padrão língua, o que não condiz com a realidade social

atual.

Já a figura 6, cabe destacar a resolução do exercício sobre o texto

“Papo de índio”, realizando reflexões sobre determinadas práticas

linguísticas que pecam quanto a sua concordância. O quarto quesito traz

toda uma reflexão a respeito dessas práticas, se elas pertencem aos povos

indígenas ou se é uma questão da variedade não padrão da língua

portuguesa. Ainda nessa questão, é feita uma espécie de assimilação ou

metáfora entre as situações vívidas pelos povos indígenas em momentos

Figura 6

A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.

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Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 113

da história, já que trata do processo de colonização e da dominação desse

povo para abordar o “índio”, personagem do texto, como devorador e

dominador do colonizador, devido a seus equívocos quanto à

concordância verbal. Dessa forma, fica claro o não direcionamento na

coleção sobre a cultura indígena e seus aspectos.

Diante disso, pode-se inferir a variação linguística não como um

problema ou déficit, mas como um fenômeno natural apresentado por

toda e qualquer língua, uma vez que até o falante mais culto de um idioma

apresenta variações em sua fala conforme os diferentes contextos

comunicativos. Para Gnerre (1998, p. 4), “uma variedade linguística

“vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como

reflexo de poder e autoridade que eles têm nas relações econômicas e

sociais.” Isso nos faz pensar porque determinadas formas linguísticas são

elogiadas ou estigmatizadas conforme o poder social que exercem em sua

comunidade de fala.

No livro do 9° ano de Língua Portuguesa da coleção analisada

temos a “linguagem do índio” trabalhada através de um poema de Chacal

(1982) intitulado com o nome “Papo de índio”. Esse poema está inserido

no estudo da concordância textual e pretende, portanto, discutir os

aspectos relacionados a concordância nominal e verbal.

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Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 114

A aparição da figura do índio exatamente nesse trecho nos leva a

refletir porque o “papo de índio” seria pertinente para iniciar a discussão

acerca da concordância no texto, e para além disso nos leva ao

questionamento de como foi e de como é a linguagem do índio na

sociedade.

É notório que durante toda a discussão da coleção de Cereja e

Cochar (2015) a representatividade do índio é mínima, uma vez que não

há um texto especificamente escolhido e/ou selecionado para discutir e

refletir sobre essa etnia na sociedade, ou mesmo no mundo material em

que o estudante está inserido. Assim, o alunado não consegue despertar

o olhar de maneira crítica e real com relação à etnia indígena

considerando o fato de que o livro didático não tem essa reflexão como

um de seus objetivos.

Portanto, ao avaliar todos esses volumes da coleção de Cereja e

Cochar (2015), a conclusão que se chega é surpreendente, de certa forma,

pois é perceptível a carência da presença da cultura indígena em todos

os volumes. A cultura indígena é parte da constituição da sociedade

brasileira e tem grande mérito em ser abordada, além de ser importante

na constituição do entendimento da figura do índio para o alunado

contemporâneo, visando desconstruir determinadas imagens equivocadas

a respeito desses povos que merecem todo respeito e admiração de todos

aqueles que fazem parte da sociedade como um todo

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Considerações finais

Nota-se através desse trabalho acerca da coleção analisada que os

livros não dão conta de abordar a figura do índio de uma forma que rompa

com os preconceitos existentes, o que percebe-se é uma manutenção da

figura folclórica, distante e silenciada. Não vimos abordagens que

relatassem a visão dos próprios índios sobre a história dos seus povos,

não se tem uma representação de escritores, poetas, pintores indígenas.

A coletânea não possibilita uma reflexão sobre a atual situação desses

povos, entendendo a pluralidade dos mesmos, para que os usuários do

material didático também compreendam que alguns povos vivem como

seus antepassados e outros são modernos. É necessário que os órgãos

selecionadores desses livros busquem de fato se adequar aos critérios

postos pela lei 11.645/08 e dessa forma possam efetuar o processo

seletivo de escolha dos livros, sabendo que muitos estudiosos, inclusive,

indígenas estão produzindo conhecimento para desmistificar o que se

tinha construído em relação aos povos indígenas, compreendemos que

seria relevante a participação dessas pessoas para dar um suporte na

escolha de tais materiais.

REFERÊNCIAS

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A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.

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Disponível

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A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.

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Revista Diálogos – N.° 18 – Set. / Out. – 2017 117

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SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle – Variação

linguística, mídia e preconceito. São Paulo. Parábola, 2005.

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reform. São Paulo: Saraiva, 2015.

________. Português: linguagens, 7. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,

2015.

________. Português: linguagens, 8. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,

2015.

________. Português: linguagens, 9. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,

2015.