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1 A REPRESENTAÇÃO DA RELIGIOSIDADE NO CONTO “A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA” DE GUIMARÃES ROSA 1 Núbia de Souza Silva 2 Resumo: O presente artigo realiza uma reflexão sobre a relação entre teologia e literatura na temática da religiosidade presente no conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” de João Guimarães Rosa. O conto faz parte do livro Sagarana, em que Guimarães Rosa procura mostrar um trabalho de comparações com textos bíblicos e que veicula uma série de argumentos religiosos que até então eram tratados de forma distinta entre a literatura e a teologia. Nessa perspectiva, este trabalho propõe, também, um estudo sobre a teopoética, campo de estudo que tenta fazer uma relação inter e intratextual entre religião e literatura, procurando quebrar paradigmas existenciais quanto à natureza do homem e tudo que lhe diz respeito em seu comportamento com relação a Deus, ao próprio homem e o mundo no qual vive, deixando evidente um possível diálogo entre teologia e literatura. Palavras-chaves: Teopoética, religiosidade, conto, literatura. Abstract: The present article brings a study about the relation between theology and literature inserted in the religiosity thematic in the short story A hora e a vez de Augusto Matraga” by João Guimarães Rosa. The story is a piece of the book Sagarana, where Guimarães Rosa compares texts from the bible and relates many religious arguments, that until that moment, used to be treated in a different point of view from the literature. In this perspective, this article proposes, a study about theopoetic, which is a field that studies the inter and intra-textual relations between religion and literature, searching to abolish existents paradigms related to the human being nature and everything that is associated to their behavior in relation to God, to the humanity and to the world where human live, showing up that is possible occur connection between theology and literature. Keywords: Theopoetic, religiosity, short story, literature. 1. INTRODUÇÃO Durante décadas, os estudos dos escritos bíblicos foram foco de indagações pela crítica literária, deixando claro que a Bíblia, assim como outros livros, é objeto de interpretação. Diante disso, o discurso teológico há muito ignora a literatura, discutindo 1 Artigo desenvolvido como requisito parcial e obrigatório para obtenção do grau de Licenciado em Letras, sob orientação do professor Dr. Marcos Vinícius Scheffel, a ser defendido como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sob a coordenação da professora Elis Regina, do Curso de Letras do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente da Universidade Federal do Amazonas. 2 Acadêmica finalista do curso de Letras: Línguas e Literatura Portuguesa e Língua Literatura Inglesa, do IEAA/ UFAM.

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A REPRESENTAÇÃO DA RELIGIOSIDADE NO CONTO “A HORA E A VEZ DE

AUGUSTO MATRAGA” DE GUIMARÃES ROSA1

Núbia de Souza Silva2

Resumo: O presente artigo realiza uma reflexão sobre a relação entre teologia e literatura

na temática da religiosidade presente no conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” de

João Guimarães Rosa. O conto faz parte do livro Sagarana, em que Guimarães Rosa

procura mostrar um trabalho de comparações com textos bíblicos e que veicula uma série

de argumentos religiosos que até então eram tratados de forma distinta entre a literatura e a

teologia. Nessa perspectiva, este trabalho propõe, também, um estudo sobre a teopoética,

campo de estudo que tenta fazer uma relação inter e intratextual entre religião e literatura,

procurando quebrar paradigmas existenciais quanto à natureza do homem e tudo que lhe

diz respeito em seu comportamento com relação a Deus, ao próprio homem e o mundo no

qual vive, deixando evidente um possível diálogo entre teologia e literatura.

Palavras-chaves: Teopoética, religiosidade, conto, literatura.

Abstract: The present article brings a study about the relation between theology and

literature inserted in the religiosity thematic in the short story “A hora e a vez de Augusto

Matraga” by João Guimarães Rosa. The story is a piece of the book Sagarana, where

Guimarães Rosa compares texts from the bible and relates many religious arguments, that

until that moment, used to be treated in a different point of view from the literature. In this

perspective, this article proposes, a study about theopoetic, which is a field that studies the

inter and intra-textual relations between religion and literature, searching to abolish

existents paradigms related to the human being nature and everything that is associated to

their behavior in relation to God, to the humanity and to the world where human live,

showing up that is possible occur connection between theology and literature.

Keywords: Theopoetic, religiosity, short story, literature.

1. INTRODUÇÃO

Durante décadas, os estudos dos escritos bíblicos foram foco de indagações pela

crítica literária, deixando claro que a Bíblia, assim como outros livros, é objeto de

interpretação. Diante disso, o discurso teológico há muito ignora a literatura, discutindo

1 Artigo desenvolvido como requisito parcial e obrigatório para obtenção do grau de Licenciado em Letras,

sob orientação do professor Dr. Marcos Vinícius Scheffel, a ser defendido como Trabalho de Conclusão de

Curso (TCC), sob a coordenação da professora Elis Regina, do Curso de Letras do Instituto de Educação,

Agricultura e Ambiente da Universidade Federal do Amazonas. 2 Acadêmica finalista do curso de Letras: Línguas e Literatura Portuguesa e Língua Literatura Inglesa, do

IEAA/ UFAM.

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sempre de modo particular as questões que envolvem a religião, dando lugar somente a

filosofia para tais questionamentos.

Porém, a partir do século XX, algumas correntes literárias tentam problematizar

essa questão da religiosidade em comum acordo tanto com a teologia quanto com a

filosofia e não descartando a experiência de dialogar com ambas as ciências. Da mesma

forma acontece com a teologia, pois alguns teólogos passaram a perceber o valor que a

literatura possui através do cenário intelectual dos autores que ousaram escrever sob os

pressupostos bíblicos, travando assim, um rico e fecundo diálogo.

Com base nesses dados, este artigo evidencia o estudo da teopoética que relativiza

as ciências da teologia com a literatura em meio a uma questão interdisciplinar diante do

tema da religião. Tal estudo busca dialogar com os argumentos bíblicos presentes no conto

“A hora e a vez de Augusto Matraga”, tanto na visão teocêntrica quanto na visão literária,

problematizando a questão da religiosidade na vida do ser humano.

Dentro dessa perspectiva, a obra analisada “A hora e a vez de Augusto Matraga”,

de João Guimarães Rosa, nos abre um leque de inúmeras possibilidades de diálogo, de

leituras e releituras sobre o universo religioso e mítico, filosófico e teológico, na visão da

teopoética. É uma análise de cunho comparativo, pois utilizam-se passagens retiradas da

Bíblia, também do manual da Igreja (Catecismo da Igreja Católica), para dialogar com a

narrativa em questão, demarcando assim, a confluência do universo trágico com o cristão,

pois a presente história se aproxima muito das histórias dos santos da tradição cristã.

Dessa maneira, este trabalho tem por objetivo ressaltar que a teoria literária e a

religião não estão impossibilitadas de serem estudadas juntas no ponto de vista da

teopoética. Que apesar de serem ciências que elevam seus estudos de modo particular, são

teorias que podem trabalhar em comum acordo os aspectos culturais, políticos, ideológicos,

sociais e religiosos dentro do contexto da natureza humana.

Esse trabalho é de caráter bibliográfico qualitativo, no qual abordaremos

conceitos de religiosidade e literatura, com base nos teóricos Barcellos (2000), Catecismo

da Igreja Católica (1999), Ferraz (2006), Kuschel (1999), Manzatto (1994), Paz (1982),

entre outros.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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A chegada das companhias Jesuítas com os colonizadores europeus marcou o

início de aculturação dos nativos que viviam nas terras brasileiras no ano de 1500. As

novidades trazidas com estes colonos voltavam-se quase que restritamente para a questão

da fé e religião, novidade essa que foi muito explorada para conversão dos indígenas ao

catolicismo, tendo como argumentos textos religiosos que exploravam, sobretudo, um

conflito existente entre Deus e o Diabo. Nessa questão, Deus era o ser criador que fazia

todas as maravilhas do mundo, enquanto o Diabo era o ser destruidor, que arruinava a vida

do mundo e das pessoas. Em se tratando desse processo de imposição da fé, Maristela

Andrade (2002, p. 60) diz que:

A instalação do sistema colonial português com seu projeto salvacionista que se

concretizou através de alguns empreendimentos fundantes no primeiro século, a

começar pela catequese e a criação das irmandades religiosas, usados como

instrumentos de evangelização, o catolicismo foi introduzido nas populações

nativas, colonos e escravos.

Dessa forma, os religiosos jesuítas encontraram fortes aliados, no caso os

“indígenas”, que seriam facilmente manipulados, pois, como as opiniões dos nativos não

eram levadas em consideração, muitos se tornavam incapazes de saberem quais eram as

verdadeiras intenções dos religiosos com aqueles movimentos colonizadores.

Contudo, a questão da religiosidade no cenário histórico literário brasileiro

continua sendo adotada até os dias de hoje. Maristela Andrade (2002) fala que “a fase

contemporânea traz de volta a dimensão emocional da fé associada a uma exteriorização e

teatralidade da experiência religiosa”. Pode-se afirmar que a questão religiosa na literatura

se faz presente em cada movimento, porém com temáticas renovadas e distintas. Para Karl

Josef Kuschel (1999):

formam-se nos escritores formas próprias de ser religioso, das quais as categorias

clássicas não conseguem dar conta. Nem as categorias de integração a uma Igreja

ou religião, nem as categorias da crítica moderna à religião são adequadas para

apreender esse processo de fusão.

A referência a textos literários e religiosos, mesmo sendo contextos distintos

(como o literário), apontam para uma essência em comum. Esses textos são responsáveis

por revelar ao homem um entendimento a respeito do seu eu, de modo que suas origens e

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pensamentos possam mostrar diversas realidades a respeito de sua personalidade. Diante da

colocação, Octávio Paz (1982, p.189) ressalta que:

A palavra poética e a palavra religiosa se confundem ao longo da história. Mas a

revelação religiosa não constitui – pelo menos na medida em que é palavra – o

ato original, e sim sua interpretação. Em contrapartida, a poesia é revelação de

nossa condição e, por isso mesmo, criação do homem pela imagem. A revelação

é criação. A linguagem poética revela a condição paradoxal do homem, sua

‘outridade’, e assim o leva a realizar aquilo que ele é. Não são as sagradas

escrituras das religiões que constroem o homem, pois se apoiam na palavra

poética. O ato pelo qual o homem se funda e se revela a si mesmo é a poesia.

Ou seja, tanto na poesia como nas narrativas que tratam de temas religiosos, é

verificado que o “homem” convive com as dualidades existenciais em sua vida: céu e terra,

paraíso e inferno, vida e morte, entre muitas outras. Não há como o homem viver sem se

importar com tais questões, pois haverá sempre algo para se duvidar, desacreditar e

questionar. No caso do envolvimento da literatura e religião, muito mais são as questões.

Sob este aspecto, é comum encontrarmos nas histórias das críticas literárias

argumentos da religião criticando a literatura e vice-versa. Isso, porém, até o fim do século

XX e início do século XXI não deixou de existir, mas passaram a ter uma relação menos

agressiva quanto ao existencialismo do homem. Hoje, por exemplo, ler um livro que

contém elementos religiosos pode ser, além de entretenimento, uma possibilidade de

análise, pois o discurso de que exista um ser (Deus), acima de qualquer coisa instiga o

conhecimento de um Deus bíblico e um Deus fictício.

Nessa direção, a teopoética passa a ser entendida como uma mediação entre essas

duas ciências fazendo com que os autores (literatos e teólogos) sejam lidos, compreendidos

e respeitados dentro de suas respectivas ciências. Para Tillich (2004), as vias de acesso

para o sagrado se dão através das maneiras profanas dentro das manifestações culturais.

A manifestação desse solo (o realmente real) e abismo do ser e do sentido cria o

que a moderna Teologia chama de “experiência do numinoso” [...] A mesma

experiência ocorre em conexão com a impressão que algumas pessoas, eventos

históricos ou naturais, objetos, palavras, retratos, tons, sonhos produzem na alma

humana, criando um sentimento do Sagrado [...] Nessas experiências, a religião

vive a divina profundidade de nossa existência [...]. (2004, p.14)

Assim, estabelece-se um diálogo entre a religião e a ficção, trazendo à tona o

mistério da existência humana. Viabiliza-se o embate da profundidade das obras literárias

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com os materiais teológicos, descobrindo, assim, o poder que cada uma possui com relação

à religião.

Ao longo dos séculos, muito se tem falado que a teologia serve como mediadora

dos estudos de Deus na área da filosofia e que sempre se ignorou a literatura como parceira

de suas teorias. Porém, há mais de trinta anos, essa questão vem mudando porque alguns

teólogos perceberam que teologia e literatura devem dialogar de forma respeitosa

contribuindo para diversas teorias a serem questionadas. Em meio a essa questão, Hervé

Rousseau (1976, p.7) assinalou:

A Teologia teria a função não só de refletir sobre os “lugares” tradicionais, mas

também de refletir a experiência vivida atual, dar-lhe expressão e torná-la

inteligível. Daí se estabelecer uma relação entre a teologia e a literatura,

enquanto esta é antes de tudo a expressão de uma experiência vivida, mesmo que

seja através do imaginário. Se o teólogo encontra um lugar privilegiado nesta

experiência, não representa então a literatura, por sua vez, um lugar teológico

essencial enquanto está mais capacitada que a teologia dialética a exprimir a

experiência cristã?

Percebe-se, então, o quanto essas duas áreas devem envolver-se num sistema

interdisciplinar, pois ambas podem servir de reforço ou de descoberta para vários assuntos

relacionados à religião, a Deus e a cultura de um modo geral. Com base nessa pequena

introdução, partimos para a explicação do que vem a ser a teopoética, seguindo uma linha

de estudo que visa envolver teologia e literatura. Assim, Salma Ferraz afirma:

Quando falamos em teopoética – estudos comparados entre teologia e literatura –

podemos pensar que se trata de estudos pertinentes somente à personagem Deus.

Mas o discurso crítico-literário, a reflexão teológica e literária desse ramo de

estudo é extensivo a toda a Bíblia – Velho e Novo Testamentos e a todos os

personagens bíblicos. (2006, p. 236)

Ou seja, a Bíblia sempre esteve na mira da literatura em termos de leitura e

pesquisa por haver um grande teor narrativo instigante para os historiadores, pois os

mesmos buscam desvendar as reflexões dos personagens bíblicos através de seus escritos:

Desde que a pesquisa histórica descobriu o caráter literário dos escritos bíblicos,

esse problema se tornou cada vez mais consciente no pensamento popular e

teológico. Mostrou-se que o Antigo e o Novo Testamento em seus trechos

narrativos ligam elementos históricos, lendários e mitológicos, e que em grande

parte é impossível separar esses elementos com segurança suficiente. (TILLICH,

2002, p. 57)

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Portanto, o que se pode resumir sobre a teopoética é o fato de ela permear a

relação entre a teologia e a literatura de maneira consciente sobre o que cada uma

representa. Se a literatura faz-se independente da teologia, ela vai poder ser vista como

uma ciência pagã ou até mesmo ateia, pois a literatura não confirma nenhuma religião,

nenhuma crença e que pode negar a Deus. Mas o que vai importar no envolvimento dessas

duas ciências é mostrar a possibilidade de ver o homem a partir do seu ambiente, de suas

escolhas, suas ânsias e seus medos e também da sua necessidade de estar próximo ao Ser

superior, mesmo que negue a sua existência.

Então, dentro deste contexto, o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de

Guimarães Rosa, possibilita este estudo sobre a teopoética, pois além de ser uma narrativa

de cunho fictício, é também uma narrativa que dialoga com mitos cristãos, com o

imaginário religioso e com rituais litúrgicos que envolvem o personagem em seu estado

transcendente, experimentando um tipo de redenção por causa de sua vida cheia de

“pecados”.

Nesse aspecto, Guimarães Rosa vai ressaltar o que muitas vezes trabalhou em

suas obras, “a religiosidade” de um povo, de uma região que viveu intensamente sua

religião no cenário do sertão brasileiro. A região do sertão nordestino e a região do sertão

mineiro são áreas em que Guimarães Rosa se ateve bastante, pois tratam-se de duas regiões

fortemente influenciadas pela religião que apresentou ou apresenta uma ligação estreita

com o sobrenatural. Ali tudo se mistura, seja no misticismo, nas religiões oficiais, nas

crendices e superstições, o sertanejo sempre demonstrou a grande capacidade de conciliar

suas atitudes diante dos valores terrenos e espirituais.

Assim, é diante desse cenário específico regionalista que a explosão do religioso

se baseia numa visão empírica de mundo e que a obra roseana então supera o regionalismo

que se praticava anteriormente passando agora para uma universalidade da região. Ou seja,

surge uma nova literatura fortemente peculiar e transformada, merecendo um tratamento

universalizante diante do tema religioso.

3. O TEMA DA RELIGIÃO NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA

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O tema da religião sempre esteve presente nas obras de Guimarães Rosa. Vários

contos de Rosa dialogam com questões religiosas e míticas como “A menina de lá”, “A

terceira margem do rio” (ambos do livro Primeiras Estórias), “Páramo” (Estas Estórias),

“A vela ao Diabo” e “Presepe” (Tutaméia), “O burrinho Pedrês”, “A hora e a vez de

Augusto Matraga” (contos presentes em Sagarana) e principalmente sua obra mais

completa que é Grande Sertão: Veredas, ápice do embate dualista entre o bem e o mal na

questão religiosa e mítica.

Esse aproveitamento dos temas religiosos e míticos fez com que vários críticos

procurassem entender esse interesse de Guimarães Rosa pelos temas da religião. Em Caos

e Cosmos: Leituras de Guimarães Rosa (1976), Suzi Frankl Sperber apresenta um trabalho

feito a partir de uma pesquisa na biblioteca de Guimarães Rosa, que consistiu no

fichamento de trechos sublinhados, anotados ou marcados pelo próprio autor de mais de

mil livros de sua biblioteca pessoal. Segundo ela, a partir desse levantamento, pode-se

perceber alguns eixos de interesse de Guimarães Rosa: medicina (pouco); história e artes

plásticas (visitas a museus); geografia, literatura; leituras espirituais e filosóficas. Sendo os

três últimos de maior interesse. A pesquisa identificou as edições do Novo Testamento

encontradas na biblioteca de Guimarães Rosa, demonstrando ainda mais o aspecto

religioso descritos em suas obras:

Guimarães Rosa leu tanto o Novo Testamento como o velho Testamento. Porém,

o que parece ter chamado mais sua atenção é o Novo Testamento – e no novo

Testamento os Evangelhos. Os trechos sublinhados, ainda que apresentem

observações marginais de cunho abstrato, têm algo de ingênuo tanto na forma

parabólica do texto, como na simplicidade da constatação roseana. É uma

constatação isenta de crítica, ou dúvida filosófica. A aceitação é tão plena, que a

única observação marginal crítica exige a ampliação absoluta da obediência

religiosa. (SPERBER, 1976, p. 40)

Mais adiante, Sperber afirma que Guimarães Rosa utilizou várias fontes sobre

religião destacando: hinduísmo, judaísmo e leituras mais atentas dos Evangelhos e de toda

a Bíblia, culminando assim na escrita de suas obras, pois elas abordam de maneira mais

profunda a questão da religiosidade, em que se destaca os contos do livro Sagarana e o

romance Grande Sertão: Veredas.

É sabido que nas leituras e nas análises das obras de Guimarães Rosa sempre

identificamos trechos ou citações bíblicas. Não feitas diretamente, mas, por analogia, o que

nos permite certos questionamentos sobre esse recurso. Ainda não se sabe exatamente qual

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o real motivo que levou Guimarães Rosa a dar tanto valor ao tema da religião em suas

obras. Sperber argumenta que: “Seria confortável podermos concluir, daí, que a leitura dos

Evangelhos foi, juntamente com um dos aspectos do esoterismo, motivadora de logos na

obra e, por extensão, no homem Guimarães Rosa” (1976, p.45).

Observa-se, assim, que o esoterismo fascinava Rosa, o inexplicável, o

sobrenatural, o misticismo que rondava o sertão e toda sua gente, as crendices e rezas de

um povo que vivia uma fé em um ser misterioso e que o autor mineiro buscou interpretar,

interagir com aquela realidade de uma região voltada para a religião. Sperber conclui,

então, que “Guimarães Rosa partiu de uma imitação do real para transcendê-lo. O real

existiu na ação, pelas palavras e foi transcendido na ação, pelas palavras” (1976, p. 155).

Ademais, Guimarães Rosa, com toda a sua admiração pelo sincretismo religioso,

sabia que no meio do povo sertanejo existia uma imensa capacidade de conciliação nas

atitudes dos valores terrenos e espirituais. Sabia que, mesmo em meio àquela mistura de

religiões oficiais com misticismos, superstições e idolatria, o sertanejo vivia em harmonia

com todas elas, respeitando a escolha de cada um. Também pode-se dizer que a região do

sertão, mesmo marcada pela violência, constitui uma simbiose religiosa que resulta no

encontro de devotos e místicos aos quais Guimarães Rosa foi capaz de projetar em suas

obras todos os valores dessa sociedade rural de maneira jamais vista por outras sociedades.

Sendo assim, o tema religioso perpassa muitas obras de Guimarães Rosa e, no

caso deste trabalho, o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” serve para demonstrar

um pouco desse universo contido no seu livro Sagarana, que mostra toda a influência,

intuição e conhecimento da cultura popular sertaneja em meio à religião.

4. “A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA”: O ENCONTRO DE DOIS

UNIVERSOS

Em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, o protagonista viverá três fases para

conseguir alcançar sua salvação. É uma história de conversão, que permite acompanhar

a trajetória do personagem central, indo de vilão a herói da narrativa.

Nhô Augusto é um fazendeiro mulherengo e briguento, que gosta de farras,

jogos e caças. Mantém pose de rico, no entanto, já está cheio de dívidas, sem crédito

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com os amigos e devendo aos seus capangas. Sua esposa Dionorá não suporta seu

descaso para com ela e a filha Mimita, de dez anos, e acaba por deixá-lo por outro, seu

Ovídio Moura. Na noite em que descobre que foi abandonado pela esposa, Augusto vê-

se frente a outro problema: seus capangas o abandonam parar ir trabalhar para seu rival,

o Major Consilva. Ele vai tirar satisfações, mas é extremamente surrado, marcado a

ferro e só não morre pelas mãos de seus ex-empregados porque se joga do barranco. É

salvo por um casal de pretos que passam a cuidar dele às escondidas. Ao longo de sua

recuperação, sofre, arrepende-se e, penitenciado por um padre, procura seguir uma vida

mais regrada, voltada para ajudar os outros e se redimir de seus pecados.

Vive anos se penitenciando, esperando chegar a sua hora e sua vez. Muda-se

para outro lugar, onde ninguém o conhece e passa a trabalhar muito. Certo dia aparece

um famoso jagunço, muito temido em toda a região, Joãozinho Bem-Bem e seu bando.

Nhô Augusto o acolhe muito bem em sua casa e sente-se tentado quando Joãozinho o

convida para fazer parte do bando. Mas Nhô Augusto recusa. Certo dia, Nhô Augusto

resolve sair. Andando sem rumo, chega a um lugarejo chamado Rala-Coco, onde

reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando. Joãozinho Bem-Bem está preste a matar

uma família por conta de querer vingar a morte de um de seus capangas. Nhô Augusto

tenta interferir em favor da família ameaçada, mas Joãzinho não quer aceitar. Vendo

que não consegue fazer Joãozinho Bem-Bem mudar de ideia, Augusto Matraga

enfrenta-o numa luta corporal, em que ambos acabam mortalmente feridos.

Iniciando a análise dessa narrativa, observa-se que as fases vividas por Nhô

Augusto acontecem na idade adulta, mostrando sua trajetória de vida desde sua postura

como um rico coronel a uma postura transformada diante de uma história mítica e

religiosa. Para melhor compreensão no que diz respeito a essa religiosidade, é

necessário começar explicar os motivos de Augusto Matraga, no início do conto, ser

conhecido por “Nhô Augusto”, pois, nesse conto, a questão dos nomes é muito

significante para as etapas que o personagem viverá.

Na primeira fase, “Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves.

Augusto Estêves, filho do Coronel Afonsão Estêves, das Pindaíbas e do Saco-da

Embira”, (ROSA, 2001, p. 363), homem que possui status herdado do pai, casado e que

tem uma filha. Em seguida, conhecido por Nhô Augusto, é mostrado um homem sem

escrúpulos, mandão, detentor de um certo vestígio de coronelismo, tido como o

valentão da região do Córrego do Murici:

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E, aí, de repente, houve um deslocamento de gentes, e Nhô Augusto, alteado,

peito largo, vestido de luto, pisando pé dos outros e com os braços em tenso,

angulando os cotovelos, varou a frente da massa, se encarou com a Sariema, e

pôs-lhe o dedo no queixo. Depois, com voz de meio-dia, berrou para o leiloeiro

Tião:

— Cinquenta mil-réis! (ROSA, 2001, p. 364)

É assim que Augusto é apresentado no início da narrativa, com vários adjetivos,

mostrando como era seu aspecto de senhor temido. Tendo em vista essas características da

vida inicial de Augusto, nota-se a negatividade que este personagem apresenta, pois ele

tem uma atitude leviana diante de um cenário religioso, tendo em vista o arraial de uma

santa. Aparentemente, sua religiosidade está camuflada, pois, mesmo sendo um homem

sem detença, ele participa do evento promovido pela igreja (arraial da Virgem Nossa

Senhora das Dores), mostrando de um jeito meio torto seu caráter religioso: “nessa

noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das

Dores do Córrego do Murici” (2001, p. 363). Ele participa desse leilão de maneira a querer

impor sua autoridade e mostrar que pode mais que os outros, enquanto que o seu gesto

religioso fica somente na aparência. Isso acontece quando Tião, o leiloeiro, está pedindo

para o povo respeitar as coisas santas, mas as pessoas não lhe obedecem, então Nhô

Augusto, com ar imponente, pede para o povo se acalmar para deixar Tião continuar o

leilão: “Sino e santo não é pagode, povo! Vou no certo... Abre, abre, deixa o Tião passar!”.

Outro gesto que indica um aparente respeito pelas coisas religiosas é quando Nhô Augusto,

depois de arrematar a Sariema, passa em frente da igreja e faz o sinal da cruz: “Nhô

Augusto parou, tirando o chapéu e fazendo o em-nome-do padre, para saudar a porta da

igreja.” (2001, p. 367).

O nome “Nhô Augusto” não provém somente da abreviação de “senhor”, o título

demonstra o poder, a personalidade, o caráter e a conduta de um homem de vida social

reconhecido assim na maior parte da narrativa. Destaca-se pela sua imponência e pelo seu

comportamento de homem rico, como mostra a citação acima na hora do leilão, mas

também se mostra um homem arrogante, de conduta pouco cristã na hora em que despreza

a mulher leiloada:“— Qual é?! Você tem perna de Manuel-fonseca, uma fina e outra seca!

E está que é só osso, peixe cozido sem tempero... Capim p’ mim, com uma assombração

dessas!... Vá-se embora, frango d’água! Some daqui”! (2001, p. 367). Age como se a moça

fosse uma mercadoria estragada, somente para mostrar que podia comprá-la e dispor dela

como bem entendesse.

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Guimarães Rosa motiva o leitor a interpretar essa questão dos nomes, como é

comum no interior do sertão, por meio de atos como conhecer o lugar de origem e

conhecer alguém por ser filho de alguém importante. É sabido também que esse tipo de

interpretação pode representar o tipo da cultura judaica, ou seja, — já traçando um paralelo

com a Bíblia com o tema da religiosidade — “Jesus Cristo”, era conhecido por “Jesus de

Nazaré”, por causa do local de nascimento e também onde passou sua infância e

adolescência. Ou ainda, por ser “filho de Deus”, de acordo com a história da gravidez de

Maria. Acontece algo de modo parecido com Augusto Matraga, conhecido por ter uma

origem de um lugar conhecido e por ser filho de alguém importante. Em outro momento,

sendo “Augusto”, também um nome muito significativo, pois remete à forma de tratamento

dada aos antigos reis de Roma, Augustus, sendo alguém “que merece respeito, reverência”,

pelo poder de mando que tem sobre um povo.

No início do conto, a questão religiosa já aponta como Augusto dá mais valor às

coisas materiais do que às espirituais. A religiosidade até aqui está, em parte, ligada à vida

social de Augusto e não necessariamente ligada ao seu ser interior, ao seu íntimo. Nesse

contexto, o presente trabalho estabelece um paralelo que liga algumas figuras religiosas

que tiveram uma vida ligada às coisas materiais e que depois passaram a uma vida de

renúncia a essas coisas, voltando-se à religião, como é o caso de Santo Agostinho, São

Francisco — que é o que mais se aproxima de Augusto — e também de algumas figuras

bíblicas, como Paulo de Tarso, Jó, dentre outros.

Desse modo, o presente artigo apresenta uma amostra de como a esfera religiosa

pode ser trabalhada do ponto de vista tanto literário quanto teológico, partindo da análise

da narrativa em questão, em que aponta-se a relação frequente que Guimarães Rosa

estabelece com textos bíblicos em suas obras, demonstrando assim seu caráter religioso e

literário, como afirma Sperber, “Guimarães Rosa trabalha com noções difusas do Velho e

do Novo testamento na cultura, igualmente difusa, do livro, da narrativa. Ao citar um texto

bíblico, evoca na memória do leitor toda uma herança cultural” (1976, p. 50). Essa citação

reforça não só a ideia de que Guimarães Rosa utiliza a Bíblia como instrumento de

interpretação literária, como também mostra o conteúdo deste artigo em abordar a temática

da religiosidade nas duas ciências mais questionadoras a respeito do homem e sua relação

com Deus e o mundo. Da sua natureza com tudo que envolve seu comportamento, suas

atitudes, seus medos e principalmente a sua existência.

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Retomando a análise e tendo feito essas primeiras comparações, passa-se agora

para o momento de decadência da vida de Nhô Augusto, pois é também na primeira parte

da narrativa que acontece o declínio social:

Agora com a morte do Coronel Afonsão, tudo piorara, ainda mais. Nem pensar.

Mas estúrdio, estouvado e sem regra, estava ficando Nhô Augusto. E com

dívidas enormes, política do lado que perde, falta de crédito, as terras no

desmando, as fazendas escritas por paga, e tudo de fazer ânsia por diante, sem

portas, como parede branca. (2001, p. 369)

Nhô Augusto parecia não se importar com isso e continuava a posar de homem

rico e temido pelo povo, pois ainda possuía a imagem de homem com o domínio sobre

tudo e sobre todos. Porém, seu fiel capanga “Quim Recardeiro” tenta lhe abrir os olhos

sobre a sua decadência e o quanto Nhô Augusto já havia perdido em fortuna e prestígio:

Mal em mim não veja, meu patrão Nhô Augusto, mas todos no lugar estão

falando que o senhor não possui mais nada, que perdeu suas fazendas e riquezas,

e que vai ficar pobre, no já-já... E estão conversando, o Major mais outros

grandes, querendo pegar o senhor à traição. Estão espalhando... – o senhor dê o

perdão p’r’a minha boca que eu só falo o que é preciso – estão dizendo que o

senhor nunca respeitou filha dos outros nem mulher casada, e mais que é que

nem cobra má, que quem vê tem de matar por obrigação... (ROSA, 2001, p.373).

Comparando com a história de Jó, notamos o seguinte: diferente do que aconteceu

com Jó, Nhô Augusto perdeu tudo, por apresentar falhas com todos que faziam parte de

sua vida, como por exemplo, os seus desmandos como patrão, seu desleixo de marido e por

ser um homem que administrou muito mal os bens herdados de seu pai.

No que diz respeito à Jó, é importante frisar que ele perdeu seus bens, mulher e

filhos por causa da interferência do Diabo em sua vida a consentimento de Deus, pois Jó

era um homem temente a Deus. E o Diabo, para por o amor e a fé de Jó a prova, diz ao

Senhor que se ele perdesse tudo na sua vida, este iria deixar de adorá-lo. Assim: “O Senhor

disse-lhe: ‘Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e

reto, teme a Deus e afasta-se do mal’” (Jó 2, 8).

Com isso, Jó é descrito como possuidor de uma religiosidade grandiosa que

mesmo estando à prova de seu amor e fé a Deus, não blasfema e não nega o seu Deus em

meio às suas tribulações. Ao contrário do que acontece com Nhô Augusto, não que ele

fosse um servo de Deus passando por provações como Jó, mas porque ele fica sem nada,

por puro desleixo e arrogância. E assim inicia a trajetória de falência, de queda de Augusto

– “a casa estava caindo”:

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Antes de ir atrás de Dionóra e seu amante, ele [Augusto] resolve ir tirar

satisfação com seus ex-capangas na fazendo do Major, onde quase foi morto de

tanto apanhar, sendo antes do golpe final marcado a ferro. Porém, Nhô Augusto

se atira num despenhadeiro. O corpo rolou, lá em baixo, nas moitas, se sumindo.

(2001, p. 376)

Encerra-se assim, a primeira fase da vida de Augusto, marcada pela humilhação,

pela surra violenta dada pelos seus capangas abrindo a imagem da violência presente no

conto, fator este que entra em contraste com o tema religioso.

Começa, então, a segunda parte da narrativa. A imagem da decadência de Nhô

Augusto ultrapassa a questão física com a denotação do corpo rolando. Com isso, é

demonstrada a questão da sua vida social e da sua moral passando para um plano espiritual,

em que sua religiosidade ascende pelo o que vem pela frente. Augusto Matraga sobrevive

extraordinariamente às atrocidades cometidas pelos seus ex-capangas:

[Augusto] tinha as pernas metidas em toscas talas de taboca e acomodadas em

regos de telhas, porque a esquerda estava partida em dois lugares, e a direita num

só, mas com ferida aberta. As moscas esvoaçavam e pousavam, e o corpo todo

lhe doía, com costelas também partidas, e mais um braço, e um sofrimento de

machucaduras e cortes, e a queimadura da marca do ferro, como se o seu pobre

corpo tivesse ficado imenso. (2001, p. 377)

A imagem do corpo todo ferido e marcado de Augusto se assemelha também com

o de Jó, que ficou com o corpo coberto por chagas, onde o demônio lhe causou todo um

sofrimento para que ele blasfemasse contra Deus. É possível também comparar, na versão

religiosa com a vida de São Francisco, que segundo Walnice Galvão, “São Francisco

torna-se um homem andrajoso, imundo, coberto de ferimentos; terá moléstia nos olhos que

o deixará quase cego, pois de seus olhos purga uma matéria sanguinolenta, e como terapia

lhe aplicarão ferro em brasa nas têmporas e morrerá estigmatizado.” (GALVÃO, 1978, p.

63).

Outra questão que remete aos escritos bíblicos é a ajuda que o casal de pretos dá

a Augusto, demonstrando assim a parábola do “bom samaritano” (Lc 10,30-35), em que

pessoas anônimas prestam ajuda sem se importarem com quem são. Ou seja, são pessoas

que agem de maneira extremamente cristã para salvarem um desconhecido.

Augusto, ajudado pelo casal de pretos, vai passar por uma experiência de

remissão dos pecados, tomando consciência de sua situação nesse momento. Começa então

o período de transformação de Augusto, marcado por choros e desabafos, sentindo-se

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desolado, impotente, inseguro. Agora, a única coisa que lhe resta fazer, é tentar conseguir o

perdão de seus pecados. Sendo aconselhado por um padre para esta conversão, vai se

pautar em fazer tudo que seja útil para alcançar sua salvação. Note-se agora que aparece a

figura do padre, um representante religioso, que na cultura católica é tido como um

conselheiro, aquele a quem os cristãos recorrem para se aconselhar. Augusto, diante desse

ícone religioso, vai se orientar através do que o padre diz:

Pois agora, por diante, cada dia de Deus você deve trabalhar por três, e

ajudar os outros, sempre que puder. Modere esse mau gênio: faça de

conta que ele é um poldro bravo, e que você é mais mandante do que ele.

[...] Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina

com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E

você ainda pode ter um pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora

e a sua vez: você há de ter a sua. (2001, p. 380)

Assim, tendo em mente a frase: “Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de

ter a sua”, Augusto vai atrás de se redimir, fazendo tudo que o padre o aconselhou. Nesse

momento, podemos explicar essa frase sob dois aspectos: primeiro, por ser parte do título

do conto, “A hora e a vez de Augusto Matraga”. Hora e vez de quê? Pode-se perguntar o

leitor. Há inúmeras hipóteses, no decorrer da narrativa, que podem nos levar a querer

responder de imediato a essa questão. Por exemplo, no início do conto, pensa-se que

chegou a hora de Matraga pagar suas contas, pagar por seus erros, por suas maldades, pelo

desamor com sua esposa, enfim, pagar por tudo de ruim que ele fez. Seja através de um

castigo ou mesmo com a morte.

No segundo momento, podemos imaginar que chegou sua vez de se redimir de

todas as faltas cometidas, dentro de um plano espiritual. Ou quando ele pensa que vai

morrer depois da surra dada por seus capangas. Ou mesmo se no caso ele fosse querer se

vingar das traições que sofreu. Porém, tudo isso só é entendido no final do conto.

O outro aspecto para explicar essa frase é compararmos novamente com o texto

bíblico no livro de “Eclesiastes” que diz: “Tudo tem seu tempo e ocasião, todas as tarefas

sob o sol: Tempo de nascer, tempo de morrer; tempo de plantar, tempo de arrancar; tempo

de matar, tempo de sanar; tempo de derrubar, tempo de construir; tempo de chorar, tempo

de rir;” (Ecl. 3, 1-4). A hora de Augusto Matraga só chega quando realmente é o tempo,

pois de acordo com a citação anterior, tudo tem seu tempo e lugar, tudo acontece no seu

devido tempo.

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É sabido que, no início do conto, a questão da violência está presente na vida de

Augusto e, quando chega essa fase de penitência, parece que começa uma luta para que ele

se desvencilhe dos atos violentos cometidos no passado. Quando o padre lhe ordena que

modere seu gênio, Augusto trava uma luta interna em sua vida para apaziguar seu

comportamento. Nota-se, então, que ao perder sua posição social, ele já não é mais

superior a ninguém, por isso nesse momento, ao encontrar-se sozinho, sua única luta agora,

é consigo mesmo e a religião agirá com um único objetivo: impedir que ele volte a sua

vida de desmando e violência, sendo essa dualidade analisada no final do conto.

Com isso, é chegada a hora de mudar e, nessa perspectiva, Augusto não quer ficar

em Murici. Não quer ser reconhecido e nem lembrar do que havia sido e feito. É como se

ele quisesse ficar no anonimato e para isso ele parte para “Tombador”, o único lugar que

lhe restou.

Quando está se recuperando, é como se a narrativa se tornasse um pouco lenta. É

como se o narrador quisesse que o leitor participasse também do processo gradativo de

recuperação de Augusto. O leitor fica na expectativa do que vai acontecer com Augusto

depois que se curar, mas essa expectativa se torna um pouco frustrante, pois ele se volta

para uma vida religiosa, cheia de penitência e também cheia de arrependimento.

Entregue sua vida para Deus, e faça penitência. Sua vida foi entortada no

verde, mas não fique triste, de modo nenhum, porque a tristeza é aboio de

chamar o demônio, e o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de

sua algibeira, desde que você esteja na graça de Deus, que ele não

regateia a nenhum coração contrito!

— Fé eu tenho, fé eu peço, Padre...

— Você nunca trabalhou, não é? Pois, agora, por diante, cada dia

de Deus você deve trabalhar por três, e ajudar os outros, sempre que

puder. [...] Peça a Deus assim, com esta jaculatória: “Jesus, manso e

humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso...” (2001, p.

380)

Essa jaculatória ensinada pelo padre corresponde a uma oração ao sagrado

Coração de Jesus que, segundo a tradição católica, é uma oração que resigna o fiel a se

penitenciar. Em lugarejos, cidades pequenas e principalmente em regiões sertanejas, esse

tipo de oração é comandada por mulheres, seguindo uma tradição em que as beatas se

reúnem para rezar. Augusto participava dessas rezas “de tardinha fazendo parte com as

velhas corocas que rezavam o terço ou os meses dos santos” (2001, p. 382).

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Então Augusto procura seguir os conselhos do Padre e muda completamente sua

vida. É nesse momento que Augusto dá início à busca por uma nova identidade, à busca

pelo que ele acredita ser a sua redenção, trazendo para junto de si as lembranças de sua avó

que lhe ensinara um pouco de reza quando ainda era menino e também com a novidade de

conviver com gente simples (o casal de pretos) que acreditam em um Deus salvador:

E voltou a recordar todas as rezas aprendidas na meninice, com a avó.

Todas e muitas mais, mesmo as mais bobas de tanta deformação e

mistura: as que o preto engrolava, ao lavar-lhe com creolina a ferida da

perna, e as que a preta murmurava, benzendo a cuia d’àgua, ao lhe dar de

beber. (2001, p. 380)

Essa era a única coisa boa que ocorreu na vida de Augusto na sua infância. Ele

tinha princípios religiosos em sua vida e que através de sua avó, ele aprendeu um pouco

sobre religião. Entretanto, o narrador, ao contar um pouco do passado de Augusto, acaba

por expor ao leitor um dado importante:

Mãe do Nhô Augusto morreu, com ele ainda pequeno... Teu sogro era um

leso, não era p’ra chefe de família... Um tio era criminoso... Quem criou

Nhô Augusto foi a avó... Queria o menino p’ra padre... Rezar, rezar, o

tempo todo, santimônia e ladainha... (2001, p. 370)

É como se o personagem tivesse sofrido um trauma no passado e que até então o

seu comportamento, suas atitudes e sua personalidade de mau caráter, do ponto de vista da

religião, supostamente teriam tido grande influência, justificando assim o lado ruim de sua

vida. Mas agora, no momento de reflexão, de sofrimento, vem à tona o seu lado religioso

que estava obscuro durante a vida que levava.

Dentro dessa narrativa percebemos o misto de teorias envolvendo a natureza

humana, contrapondo o sentido do existencialismo do homem na terra. O comportamento

do homem diante de certas situações deixa dúvidas quanto ao sentido da vida. Neste conto,

por exemplo, acontece um abandono do realismo ingênuo e o ingresso do realismo

ontológico dialogando com a Bíblia sobre as atitudes do homem em momentos que

expressam sua natureza:

E somente essas coisas o ocupavam, porque para ele, féria feita, a vida já

se acabara, e só esperava era a salvação da sua alma e a misericórdia de

Deus Nosso Senhor. Nunca mais seria gente! O corpo estava estragado,

por dentro, e mais ainda a ideia. E tomara um tão grande horror às suas

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maldades e aos seus malfeitos passados que nem podia se lembrar; e só

mesmo rezando. (2001, p. 380)

E é assim que Augusto vai demonstrando a mudança de uma vida mundana para

uma vida cheia de experiência religiosa, na qual as evidências dessa transformação só

acontecem a partir do momento em que este se encontra num estado deplorável. É uma

transformação que vai acontecendo de maneira gradativa na narrativa:

Trabalhava que nem um afadigado por dinheiro, mas, no feito, não tinha

nenhuma ganância e nem se importava com acrescentes: o que vivia era

querendo ajudar os outros. Capinava para si e para os vizinhos do seu

fogo, no querer de repartir, dando de amor o que possuísse. E só pedia,

pois, serviço para fazer, e pouca ou nenhuma conversa. (2001, p. 382)

Em suma, Augusto parecia estar vivendo sua fase de purgatório, pois queria a

todo custo redimir-se de seus pecados e parecia não haver outro jeito a não ser trabalhar

muito para ajudar o próximo, pois só assim é que conseguiria sua absolvição. Segundo o

Catecismo da Igreja Católica (1998, p. 290):

A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos, que é

completamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a

doutrina da fé relativa ao Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e

de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição da

Igreja que fala de um fogo purificador: No que concerne a certas faltas

leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo

o que afirma aquele que é a Verdade, dizendo, que, se alguém tiver

pronunciado uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será

perdoada nem no presente século nem no século futuro (Mt 12, 32). Desta

afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no

século presente, ao passo que outras, no século futuro.

Augusto cometeu muitos pecados e estava arrependido, por isso ganhou uma

chance para se redimir trabalhando em função dos outros, purificando seu espírito para

poder alcançar a graça desejada e sabia o quanto isso era necessário, porque dentro dos

preceitos religiosos, é preciso se purgar dos pecados para poder obter o perdão e assim

entrar no reino de Deus.

É em Tombador que ele consegue refletir sobre tudo que lhe acontecera, ficando

numa solidão que marca essa purgação de maneira trabalhosa e cheia de penitência que ele

próprio se impõe para alcançar a salvação. Então, na visão da Igreja:

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A penitência é uma reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma

conversão para Deus de todo o coração, uma ruptura com o pecado, uma

aversão ao mal e repugnância às más obras que cometemos. Ao mesmo

tempo, é o desejo e a resolução de mudar de vida com a presença da

misericórdia divina e a confiança na ajuda de sua graça. Esta conversão

do coração vem acompanhada de uma dor profunda e uma tristeza

salutares, chamadas pelos Padres de “animi cruciatus (aflição do

espírito)”, “compunctio cordis (arrependimento do coração). (CIC, 1998,

p. 394)

Augusto vive essa tristeza, mas consegue suportá-la, pois está se adaptando a uma

nova vida. Uma vida sem mulheres, sem bebidas, sem maldades e que, apesar de tudo,

tenta não lembrar de sua vida passada e que naquele lugar encontrou a paz para seu corpo e

seu espírito.

Também o local onde Augusto se encontra agora tem sua significação e, de

acordo com o dicionário Houaiss, “tombador” quer dizer “Regionalismo: Nordeste do

Brasil e Goiás: terreno alto, em declive, ger. pedregoso”. A partir dessa significação,

podemos analisar essa terra em que se encontra nosso protagonista de maneira a querer

interpretar sua vida de penitente. Além disso, “tombador” pode fazer alusão ao verbo

“tombar”, que significa descer, baixar, declinar. No conto, pode-se analisar esse termo de

uma queda, um tombo muito grande, pois Augusto cai, sofre com a dura caminhada e sob o

calor do sol forte, trabalha como um condenado, sentindo uma angústia terrível dentro do

seu peito, como se nada pudesse sanar.

Essa fase de purgação se faz necessária no conto para mostrar que Augusto obteve

uma chance de se redimir de suas faltas, pois, de acordo com a religião cristã, do jeito que

ele vinha levando a vida, seu destino era ir para o “inferno”, lugar designado para aqueles

que cometem pecados.

O inferno na vida de Augusto aparece no momento em que ele está apanhando. É

a fase infernal em meio aos espancamentos e terminando quando ele rola barranco abaixo.

O precipício representa sua ida ao inferno por alguns instantes, mas ele vence a morte

conseguindo assim uma segunda chance e ficando na fase de purgatório.

Portanto, Augusto teve a oportunidade de levar uma vida comum, talvez simples

se seguisse os ensinamentos da avó, porque ele teve uma educação cristã. Mas tomou um

caminho oposto e agora se vê em meio a um sofrimento que parece não ter fim e luta pelo

perdão, procurando fazer o que o Padre lhe aconselhou e tentando não voltar à velha vida.

Para se redimir, Augusto precisa aprender com os próprios sofrimentos: “— Você, em toda

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a sua vida, não tem feito senão pecados graves, e Deus mandou estes sofrimentos só para

um pecador poder ter a ideia do que o fogo do inferno é!...” (2001, p. 385).

Guimarães Rosa revela uma visão ampla da existência ligada a um materialismo

religioso que tende a se fundir numa única realidade que é a Natureza. O homem está

propenso para os opostos: bem e mal, divino e demoníaco, céu e inferno, etc. O

protagonista vive o dilema de natureza humana.

Continuando a análise, o narrador apresenta agora as tentações e os riscos que

rondam Augusto Matraga. Isso acontece quando Tião da Thereza, um velho conhecido de

Matraga aparece em Tombador e relata tudo o que acontecera depois da suposta morte de

Nhô Augusto, vindo à tona toda a sua vida do passado. Além de toda a fase de recuperação

e abstinência, no caso do conto, a falta de se praticar maldade, acontecem também as

“tentações”, ou melhor dizendo, a vontade de fazer tudo o que fazia antes, uma espécie de

recaída e há também a vontade de lutar para não cair em tentação. Conforme nos diz o

Catecismo da Igreja Católica:

“Não cair em tentação” envolve uma decisão do coração: “Onde está o

teu tesouro, aí estará também teu coração... Ninguém pode servir a dois

senhores” (Mt 6, 21-24). [...] As tentações que vos acometeram tiveram

medida humana. Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima de

vossas forças. Mas, com a tentação, Ele vos dará os meios de sair dela e a

força para suportar. (1 Cor 10, 13). (1998, p. 730).

Aparentemente, essa questão da tentação de Matraga está relacionada também às

tentações que Cristo sofreu no deserto. Ele foi tentado pelo Diabo, no momento que estava

passando fome depois de quarenta dias orando. Foi um teste em que Jesus venceu e

permaneceu mais forte e poderoso concentrando-se mais na sua missão aqui na terra. O

mesmo ocorre com Augusto. Ele relutou contra o desejo de fazer os malfeitos, de voltar a

sua vida de pecado conseguindo assim se manter sereno e paciente lembrando-se da

jaculatória do padre. Diz Augusto:

Assim, sim, que era bom fazer penitência, com a tentação estimulando,

com o rasto no terreno conquistado, com o perigo e tudo. Nem pensou

mais em morte, nem em ir para o céu; e mesmo a lembrança de sua

desdita e reveses parou de atormentá-lo, como a fome depois do almoço

cheio. Bastava-lhe rezar e aguentar firme, com o diabo ali perto,

subjugando e apanhando de rijo, que era um prazer. (2001, p. 399)

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Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa trabalha a mítica popular entre

Deus e o diabo com mais minúcia do que em Sagarana (livro escrito antes de GSV). O que

nos leva a pensar que Guimarães Rosa sempre esteve a par das regiões que compõem o

sertão brasileiro e que elevam esse tipo de crença, trabalhando assim em suas narrativas a

interpretação pessoal, mítica e religiosa do ser humano e seus problemas. Cito uma fala de

Riobaldo que diz:

O que não é de Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando

não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente

sabendo que ele existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um

sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer um Céu é porque

quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo ver. (ROSA

1986, p. 48)

A figura do diabo não está somente ligada ao ser propriamente dito, mas dentro de

um contexto que liga as atitudes do ser humano, em ações que na cultura popular

apresentam o mau comportamento do homem como sendo coisas do diabo. Na presente

narrativa, identificamos a imagem da serpente associada as atitudes más de Augusto e, na

concepção cristã, o mal entrou no mundo através do diabo transformado numa serpente.

Nesse sentido, vê-se a simbologia também no conto de Rosa: primeiro quando Quim lhe

informou da situação de seus capangas: “o senhor é que nem cobra má, que quem vê tem

de matar por obrigação” (2001, p. 373). Depois na fala da preta quando encontra Matraga,

ela o compara com uma cobra: “Deus que me perdoe, — resmungou a preta — mas este

homem deve de ser muito ruim feito cascavel barreada em buraco” (2001, p. 377). Por fim,

o mal é representado quando Augusto mata Joãozinho Bem-Bem, dando a ideia de liquidar

com a maldade existente dentro do homem: “A lâmina de Nhô Augusto talhara de baixo

para cima, do púbis à boca do estômago, e um mundo de cobras sangrentas saltou para o ar

livre” (2001, p. 411).

Sendo assim, o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” trata a religiosidade

criando analogias no decorrer da narrativa, comparando com textos bíblicos cada etapa que

o protagonista passa para se converter. Entre elas está a etapa de vencer as tentações e se

livrar das maldades que o cercam.

Augusto agora sente que algo vai mudar em sua vida novamente. O narrador

destaca as mudanças no aspecto da natureza, identificando o clima, a revoada de pássaros,

a lua cheia, as primeiras chuvas... Tudo mudando para melhor. Então, Augusto sente-se

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bem e até sorri. É como se ele estivesse de bem consigo mesmo ou como ele mesmo diz:

“— Deus está tirando o saco das minhas costas, mãe Quitéria! Agora eu sei que ele está se

lembrando de mim...” (2001, p. 388)

Segundo Willi Bolle, “a escrita rosiana da história envolve determinados

procedimentos técnicos, mas também uma filosofia da história, da qual fazem parte as

figuras metafísicas de Deus e do Diabo e, com isso a dimensão da redenção da culpa e da

salvação”. (2004, p. 386). Ou seja, no conto, a presença dessas duas figuras representa o

bem e o mal na vida de Augusto. Ele, porém, só reconhece isso após se encontrar num

momento crítico de sua vida, o que supostamente é comum em pessoas que acreditam que

possam ser salvas depois de terem cometidos muitos erros que tenham ofendido a Deus.

Nesse momento crítico, as referências sobre pecado recaem sobre Augusto através

do seu comportamento e ações cometidas de maneira “errada” e somente quando ele está

em penitência reconhece que deve lutar para se redimir, depois de passar por uma

experiência marcada por um sofrimento muito intenso.

Do ponto de vista teológico, o “sofrimento” é um fator causador de mudança de

comportamento e atitude do ser humano. É atribuído a uma cosmovisão, ou seja, à maneira

como o homem vê a vida e o mundo. Contudo, a alteração dessa visão se dá quando a

estrutura da vida do homem é abalada. No caso de Augusto, o sofrimento abalou

completamente sua vida, desestruturando-a de maneira que ele tenta a conversão como

meio de se libertar tanto do sofrimento quanto da vida de pecado.

Ainda sobre a questão das tentações é significativo o episódio da chegada a

Tombador do bando de Joãozinho Bem-Bem, cangaceiro famoso e violento, temido por

todos que o conhecem. Augusto o reconhece e se encanta quando se depara com as armas.

Mais uma vez, o passado volta a lhe tentar:

— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...

— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na

pitangueira...

— Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se

errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em

gatilho... (2001, p. 395)

Augusto ainda sabe do que é capaz com uma arma na mão, ele se entristece, mas

não se deixa levar pela emoção, e continua a ser cordial com seus convidados. É notável

que esse tipo de situação aconteça justamente na hora em que a pessoa está em processo de

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remissão, testando assim o controle sobre suas vontades e para tanto, saber se livrar das

tentações, firmando o propósito a que se submeteu. Joãozinho Bem-Bem reconhece que

Augusto não aparenta ser o que ele está vendo. Desconfia que Augusto possa ter sido

alguém como ele no passado, convidando-o assim para fazer parte do seu bando.

O paralelo que traçamos aqui é a questão da violência em contraponto com a

religião, representada tanto no exterior dos dois personagens quanto no interior de cada

um. Augusto, quando iniciou o processo de conversão, decidiu pelo caminho que julgou

ser do bem, tentando livrar-se de tudo que pudesse arrastá-lo para o caminho do mal. Para

tanto, vale lembrar que Augusto era o valentão da região, jagunço briguento que praticava

perversidade por pura diversão. Quando recebe o convite de Joãozinho Bem-Bem, a sua

luta é interior, pois a vontade de voltar a ser o que era é grande, porque no fundo ele era

um jagunço e sabia como se comportar como tal. O desejo de violência aparece, mas é

controlado pelo lado religioso, observando assim a mudança ocorrida no personagem, pois

não precisava mais fugir de seus velhos hábitos e Augusto receia comprometer o plano de

conversão, pois temia que Deus pudesse castigá-lo muito mais.

Mas, qual, aí era que se perdia, mesmo, que Deus o castigava com mão

mais dura...

E só então foi que ele soube de que jeito estava pegado à sua

penitência, e entendeu que essa história de se navegar com religião, e de

querer tirar sua alma da boca do demônio, era a mesma coisa que entrar

num brejão, que, para frente, para trás e para os lados, é sempre

dificultoso e atola sempre mais. (ROSA, 2001, p.397).

Augusto reconhece, então, qual caminho deve seguir tendo em vista a sua

recuperação e o temor de errar, pois do ponto de vista cristão:

Instigado pelo Maligno, desde o início da história o homem abusou da

própria liberdade. Sucumbiu à tentação e praticou o mal. Conserva o

desejo do bem, mas sua natureza traz a ferida do pecado original. Tornou-

se inclinado ao mal e sujeito ao erro: O homem está dividido em si

mesmo. Por esta razão, toda a vida humana, individual e coletiva,

apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e

as trevas. (CIC, 1998, p. 467)

Contudo, dentro do contexto do bem contra o mal está Joãozinho Bem-Bem, que

até o próprio nome o torna um personagem antagônico, pois apesar de ter o “bem” no seu

nome, seu comportamento se fecha para o “mal”, representando, também, o mal na vida de

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Augusto. Os dois personagens representam a valorização dessas duas ordens que regem o

interior do ser humano, pois há certa cordialidade entre ambos, um respeito mútuo que

demonstram que o bem e o mal possivelmente são aceitos com certa igualdade e somente o

homem pode fazer sua escolha de qual caminho seguir.

A última fase de Augusto se reflete nas últimas mudanças em sua vida. Com isso,

mais uma vez a troca dos nomes é significativa. Walnice Galvão (1978), em seu livro

“Mitológica Rosiana”, explica que o último nome “Matraga” só aparece em dois momento

do conto: no início e no final, fechando assim o ciclo de sua vida, assinalando também o

título da narrativa: “A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Ainda, segundo Galvão, o significado de “Matraga” pode vir da palavra francesa

matraque que significa porrete. Um brinquedo ou instrumento religioso que faz barulho e

que segundo o dicionário Houaiss, significa uma “peça de madeira com uma plaqueta ou

argola que se agita barulhentamente em torno de um eixo, us. esp. como instrumento

litúrgico em substituição da sineta durante a quinta-feira e sexta-feira da Semana Santa;

malho”. Um outro significado: “arma de fogo, esp. Metralhadora”. Também é possível

comparar o nome “Matraga”, com as figuras das “maitacas” muito presente na narrativa

nas passagens que falam da paisagem por onde Augusto passa.

Todas essas definições sobre o sobrenome resultam da transformação da vida pela

qual passou Augusto. Assim como na Bíblia, essa mudança é muito significativa,

implicando numa transformação ou renascimento diferenciando do que já existia, passando

a ser um nome mítico. Por exemplo, Saulo se torna Paulo após sua conversão; Simão que

se torna Cefas significando Pedro; e no meio religioso e não bíblico temos, João que se

torna Francisco; Fernando que se torna Antônio, entre outros.

É assim que a terceira fase se caracteriza pela mudança em todos os aspectos: no

nome de Augusto, no clima e também novamente no lugar. Quando Augusto parte, o

narrador revela ao leitor a paisagem que compõe o percurso do caminho por onde o

personagem vai passando. Transmite uma sensação, uma espécie de presságio do que está

por vir. A imagem dos “três coqueiros subindo a linha da montanha para se recortarem

num fundo alaranjado, onde, na descida do sol, muitas nuvens pegam fogo” (2001, p. 401),

lembram, no texto bíblico, as três cruzes no monte “Gólgota”, lugar da crucificação de

Cristo.

Outro elemento que dá a sensação de presságio é o “jumento” que Rodolpho

Merêncio lhe empresta e que mãe Quitéria faz Augusto aceitar lembrando ser “um

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animalzinho assim meio sagrado, muito misturado às passagens da vida de Jesus” (2001, p.

401). O jumento, no texto bíblico, representa a entrada de Cristo em Jerusalém – cena que

antecede sua crucificação.

Enfim, toda essa caminhada e tudo que nela acontece, o narrador passa para o

leitor como se fosse o anúncio do destino de Augusto. O jumento que conduz Augusto

decide quais os caminhos que ele deve seguir, levando-o assim para o encontro do acaso.

Nesse embate, a narrativa caminha para o desfecho entre o bem e o mal na vida de

Augusto, que acontece de maneira muito circunstancial, pois ao defender a família de um

desconhecido, ele consegue — através da luta corporal com Joãozinho Bem-Bem — a

absolvição de seus pecados. Paradoxalmente, ele realiza o bem através do mal. Em outras

palavras, Matraga usa de violência para conseguir redimir-se de seus erros. É o que nos diz

Antonio Candido:

A oportunidade, “a hora e vez” de Nhô Augusto, consiste em fazer o

bem, e com isto assegurar a salvação da alma, por meio da violência

destruidora, do ato de jagunço matador, que ele reprimia duramente até

então, com medo de perdê-la. (CANDIDO, 1970, p. 152)

Essa citação ajuda na compreensão de que Matraga literalmente mata e morre

fazendo a coisa certa, de maneira sofrida e experimental, pois ele precisou passar por uma

vida de sofrimentos para poder alcançar o perdão de seus pecados. Esse último ato de

Matraga também relembra e reflete o discurso cristão quanto ao sacrifício de Cristo que

derramou seu sangue pela humanidade. Também no Evangelho de São João que diz:

“Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Na visão

de Walnice Galvão, Matraga é um “santo guerreiro” porque é como um guerreiro que ele

conquista sua salvação, é guerreando como um jagunço, como um líder guerreiro que

consegue sua absolvição. Como ele mesmo diz na narrativa: “— Eu vou p’ra o céu, e vou

mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’ra o céu eu vou, nem que

seja a porrete!...” (2001, p. 381).

Assim, é importante destacar que esse conto se relaciona e se assemelha com

várias passagens da Bíblia, não somente pelo fato de possuir um tema cristão (a conversão

de um pecador), mas também pelo grande teor de ficção em desvendar mistérios,

reconhecer mitos, refletir sobre a natureza humana e relacionar com a religião. Tudo isso

contribui para explicitar a existência da interdisciplinaridade entre a teologia e a literatura,

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fazendo paralelos e ao mesmo tempo dialogando com temas distintos, mas interligados de

um a maneira ou de outra.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo propôs analisar o diálogo entre a teologia e a literatura no conto “A

hora e a vez de Augusto Matraga”, último conto do livro Sagarana de João Guimarães

Rosa, sob a visão da teopoética.

Apresentou-se a temática da religião como forma de intertextualizar a visão

teocêntrica com a visão literária, isto é, apresentar a relação entre os textos bíblicos e os

literários, mostrando assim a possibilidade de uma comunicação plausível tanto na

literatura quanto na teologia.

Neste trabalho, foi possível notar que Guimarães Rosa sempre utilizou textos

bíblicos em suas obras e, no conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, desenvolve um

núcleo de conflitos e reações que o ser humano possui quanto à questão existencialista,

tendo como base o sofrimento que acaba por causar uma mudança na perspectiva de vida,

conceitos e atitudes do homem diante de um obstáculo.

Na narrativa roseana, Augusto Matraga mudou seu comportamento depois que

passou por uma série de sofrimentos causados por ele mesmo, devido ao estilo de vida que

levava. Quando perdeu seu poder e tornou-se um homem pobre, voltou-se para “Deus” a

fim de dar um novo sentido para sua vida. Nesse embate, podemos analisar essa mudança

de Matraga sob a própria cosmovisão, isto é, a forma de como alguém vê a vida e o

mundo, que só se altera quando acontece algo muito intenso.

Esse comportamento do ser humano, esse voltar-se para as coisas de Deus no

momento em que as coisas dão erradas, sempre foi um assunto que a religião tentou tratar

de forma distinta das outras ciências. No caso dos estudos literários, é a teopoética que

vem tentar conciliar essas questões entre religião e literatura, mostrando que um diálogo

entre as duas ciências pode existir de forma positiva para ambos os campos do

conhecimento humano.

Assim, conforme uma análise teopoética, percebe-se que a religião não só pode,

mas deve conter aspectos intelectuais e que a literatura pode utilizar a religião como um

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instrumento cultural e social, mesmo não confessando uma crença. O que vai importar,

nessa relação, é a possibilidade de ver o homem a partir de suas lutas, suas escolhas,

conquistas e temores próximo ao transcendente, ou seja, indo além dos seus limites, sob

um aspecto que une Deus, o homem e o mundo.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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