a relação entre população e desenvolvimento 15 anos após a conferência do cairo

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A relação entre população e desenvolvimento 15 anos após a Conferência do Cairo Eduardo L. G. Rios-Neto Quinze anos após a Conferência Internacional de População e Desen- volvimento (CIPD) realizada no Cairo, em 1994, cabe analisar as teorias eco- nômicas que lidam com a relação entre população e economia, bem como a evolução do conceito de desenvolvimento econômico. Esta análise permite o entendimento das mudanças de paradigmas sobre a questão populacional, co- locando o “controlismo” ou “neo-malthusianismo” numa perspectiva histórica, fato que mostrará o anacronismo da visão daqueles que insistem em rotular como “neo-malthusianos” os pesquisadores que tratam objetivamente a relação entre população e desenvolvimento econômico, mostrando eventuais benefícios da redução na taxa de crescimento populacional. Embora a revisão tenha um caráter eminentemente teórico, sua relevância decorre da grande aversão que demógrafos brasileiros e não economistas possuem acerca da temática. Ligada à evolução da relação entre população e desenvolvimento, há tam- bém a discussão sobre a limitação do conceito de renda per capita, que é uma medida estritamente econômica de bem-estar da população. Ainda no campo estritamente econômico, existem avanços, com a incorporação da mensuração

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A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do CairoEduardo L. G. Rios-NetoQuinzeanosapsaConfernciaInternacionaldePopulaoeDesen-volvimento (CIPD) realizada no Cairo, em 1994, cabe analisar as teorias eco-nmicasquelidamcomarelaoentrepopulaoeeconomia,bemcomoa evoluodoconceitodedesenvolvimentoeconmico.Estaanlisepermiteo entendimento das mudanas de paradigmas sobre a questo populacional, co-locandoo controlismoou neo-malthusianismonumaperspectivahistrica, fatoquemostraroanacronismodavisodaquelesqueinsistememrotular como neo-malthusianos os pesquisadores que tratam objetivamente a relao entre populao e desenvolvimento econmico, mostrando eventuais benefcios dareduonataxadecrescimentopopulacional.Emboraarevisotenhaum cartereminentementeterico,suarelevnciadecorredagrandeaversoque demgrafos brasileiros e no economistas possuem acerca da temtica.Ligada evoluo da relao entre populao e desenvolvimento, h tam-bm a discusso sobre a limitao do conceito de rendaper capita, que uma medida estritamente econmica de bem-estar da populao. Ainda no campo estritamenteeconmico,existemavanos,comaincorporaodamensurao A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 14dapobrezaabsoluta(populaoabaixodalinhadepobreza)edadesigualda-dederenda.Amudanadoconceitoestritamenteeconmicoparaumoutro multidimensionalemaisamplodebem-estardapopulaotrazimplicaes importantes para a anlise das consequncias da CIPD em Cairo, alm de ou-tras conferncias internacionais, culminando com o estabelecimento das metas do milnio.O objetivo desse texto analisar a gnese e a evoluo dos modelos econ-micos que estudam a relao entre populao e economia, com o desdobramento para a temtica do desenvolvimento econmico, culminando com a discusso da denio de bem-estar da populao, que tem implicaes no estabelecimento das chamadas metas do milnio. guisa de concluso, colocado em perspec-tiva o desenvolvimento econmico stricto sensu, relacionado com as polticas p-blicas sociais e os objetivos de bem-estar da sociedade. O desao que se coloca para o futuro integrar a perspectiva econmica com as modernas concepes multidimensionais de bem-estar da populao.Iniciamosestetrabalhocomumaanlisedarelaoentrepopulaoe economia,numcontextoqueantecedeodesenvolvimentoeconmicono modelo malthusiano , incorporando sua moderna contextualizao dentro de um arcabouo unicado das teorias econmicas do crescimento econmico. A aplicaodestearcabouounicado,paraexplicararevoluoindustrialnos pases desenvolvidos e a posterior grande divergncia de renda entre os pases, fundamental para o entendimento da modelagem econmica que incorpora o componente populacional. Esse arcabouo pode tambm ser considerado uma viso do desenvolvimento econmico. O campo de desenvolvimento econmico brevemente revisado e colocado em perspectiva. Alguns dos modelos analisa-dos apresentam um pessimismo inerente no que tange o papel do crescimento populacional,garantindoarationaleparaoquedemgrafosnoeconomistas chamavam de neo-malthusianismo. Aanlisedaevoluodosmodelos,tantonaperspectivadoarcabouo unicadodosmodelosdecrescimentoeconmicocomonopasseiosobreas formulaesdedesenvolvimentoeconmico,pretendermostrarqueodeter-minismo pessimista do crescimento populacional deixa de existir, muito embora haja ainda a possibilidade de que o impacto econmico do crescimento popula-cional seja negativo. Neste contexto, deixa de existir a possibilidade de se rotular uma abordagem como sendo controlista, pura e simplesmente por ela mostrar 15 Rios-Neto, E.L.G.queareduonocrescimentopopulacionalpodeserfavorvelaodesenvolvi-mento, pois esta relao negativa entre crescimento populacional e econmico deixa de ser determinista.Uma breve reviso do debate no mbito da demograa econmica mos-trarquearelaoentrepopulaoeeconomiapassoudepessimistadops-guerra ao nal dos anos 1970 para quase neutra na dcada de 1980, voltando a ser relevante no nal dos anos 1990, no contexto do bnus demogrco e das transfernciasintergeracionais.Finalmente,revisamosaanlisemaisamplae menos economicista dos objetivos de bem-estar, que viabiliza o surgimento de novas concepes de desenvolvimento e de uma contextualizao dos objetivos do milnio. A concluso procura estabelecer uma ligao entre a viso mais eco-nmica e a perspectiva mais ampla do desenvolvimento humano.Pareceria que uma crtica ao foco do trabalho, que centrado na relao entre crescimento populacional e econmico, seria bem fundamentada, particu-larmente levando-se em conta o conhecido efeito da transio demogrca so-bre a estrutura etria. Dois fatos justicam esta opo pelo foco no crescimento populacional e da renda per capita: em primeiro lugar, o desao dos efeitos da estrutura etria sobre o crescimento econmico (tema que abordamos em outro trabalho); e em segundo, o fato de o debate sobre a relao central entre cresci-mento populacional e econmico estar longe de ser superado, sendo crucial para oentendimentodarelaoentrecrescimentoeconmicoedesenvolvimento sustentvel. A era e o modelo malthusianoOmodelomalthusianotradicionalmenteconhecidopelosdemgrafos porsuautilidadenaanlisedaeconomiapr-industrial,nocontextodade-mograa histrica. Neste sentido, sua aplicao era historicamente delimitada. Trata-seummodelopessimista,umavezqueprevumimpactonegativodo crescimentopopulacionalsobrearenda(salrioreal)dapopulao,nopode ser chamado, stricto sensu, de controlista, pois o controle populacional no pe-rodopr-industrialerasocialedecorriadaoperaodosxequespreventivos (natalidade via nupcialidade) e positivos (mortalidade). Um dos corolrios mais importantes do modelo malthusiano a lei de ferro dos salrios, que resulta numa armadilha malthusiana da pobreza, na medida em que todo e qualquer A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 16progresso tcnico exgeno alteraria o nvel de vida da populao apenas tem-porariamente,nocurtoprazo,jquenolongoprazoapopulaocrescere reduzir os salrios ao nvel de subsistncia previamente existente e o tamanho populacional ser maior devido a uma maior capacidade de carga da sociedade, mas o nvel de bem-estar da sociedade ser o mesmo. O maior teste da superio-ridade tecnolgica de uma sociedade durante a era malthusiana dava-se pela su-perioridade populacional desta sociedade, uma vez que o tamanho populacional erasustentadoporseunveltecnolgico. Terraetrabalhoconstituamosdois fatores de produo predominantes na tecnologia desta era.At pouco tempo atrs, o modelo malthusiano servia de ilustrao cls-sica para a armadilha da pobreza. Uma economia malthusiana estava sempre fadada a utuar secularmente em torno de um salrio de subsistncia constante. O desenvolvimento econmico, como no caso pioneiro da revoluo industrial, tinha de ser explicado por uma espcie de choque exgeno (big push), levando superao do modelo com o crescimento da renda mdia e da produtividade. Recentemente,umanovalinhadehistoriograaeconmica(CLARK,2007) radicaliza o modelo malthusiano e tenta explicar a revoluo industrial a partir dascontradiesinternasdaeconomiamalthusiana.Alis,economistasparti-drios da formulao de um arcabouo unicado para o modelo de crescimento econmico tambm buscam explicaes para a revoluo industrial.Na verso de Clark (2007), a armadilha malthusiana superada interna-mente por um processo de seletividade observado na Inglaterra. A evidncia da demograa histrica mostra que os mais ricos (a base de origem da classe mdia inglesa) apresentam maior fecundidade e menor mortalidade, sendo que a re-produo secular desta dinmica malthusiana gera um processo de mobilidade descendente na sociedade inglesa. O sucesso reprodutivo e a massicao desta classe mdia via mobilidade descendente provocam um aumento da escolarida-de (elevao na taxa de alfabetizao) e uma queda na violncia inglesa. Estas pequenas mudanas que se acumularam por cerca de 200 anos, conjuntamente mudana de valores e preferncia para a poupana, ajudam a explicar o cresci-mento econmico contnuo superior ao crescimento populacional, fato caracte-rstico da revoluo industrial observada na Inglaterra no nal do sculo XVIII. Na denio de um arcabouo econmico unicado para a teoria de cres-cimento econmico, Galor e Weil (1999) e Galor (2005) denem trs perodos: a poca malthusiana; o regime de crescimento ps-malthusiano; e o regime mo-17 Rios-Neto, E.L.G.derno de crescimento econmico sustentado. A poca malthusiana teria domi-nadopraticamentetodasassociedadesatarevoluoindustrial,marcoque delimita a transio para o regime de crescimento ps-malthusiano. Uma das explicaes sobre esta transio dada por Gregory Clark, conforme menciona-do anteriormente; outras explicaes alternativas so discutidas a seguir, assim como as explicaes para transio do regime ps-malthusiano para o regime moderno de crescimento.O regime de crescimento ps-malthusianoA marca registrada do regime ps-malthusiano a combinao do cres-cimento econmico com o crescimento populacional. A conjuno destes dois fenmenos por um longo perodo de tempo era uma impossibilidade na poca malthusiana, pois a armadilha da pobreza ou lei de ferro dos salrios traria os salrios de volta ao nvel de subsistncia. Algo de novo estava acontecendo neste perododaexperinciaeuropeiaocidentaldosculoXIX,principalmentena Inglaterra. Ronald Lee (1980) j havia modelado este perodo a partir de uma espcie de modelo malthusiano dinamizado, em que o conceito chave no era maisosalriodesubsistnciacoerentecomocrescimentopopulacionalnulo, mas sim o crescimento populacional que manteria o salrio constante a partir de uma estimada taxa de absoro, determinada pelo ritmo anual de progresso tcnico. O crescimento populacional ainda era afetado positivamente pela renda neste perodo, mas o aumento da renda era maior do que o crescimento popula-cional, consequentemente, elevando a renda per capita. Como visto anteriormente, Clark (2007) justicaria a conjuno do cres-cimento populacional com o aumento da renda, caractersticos deste regime, pe-las contradies internas engendradas dentro do prprio modelo malthusiano. Outras explicaes so avanadas no contexto do arcabouo unicado da teoria do crescimento. Na viso unicada de Galor e Weil (1999 e 2000), a interao entre pro-gressotecnolgicoetamanhopopulacionalfoifundamental,sendoqueoau-mentodadensidadepopulacionalnoperodoimediatamenteanteriorrevo-luoindustrialteriafavorecidoumaaceleraoeposteriorcontinuidadedo crescimentonoritmodeprogressotecnolgico.Ocapitalhumanonoteria jogado papel essencial nesta revoluo industrial. Outros modelos tambm bus-cam explicar esta superao da poca malthusiana. A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 18A abordagem tecnolgica de Hansen e Prescott (2002) sugere uma tran-siodeMalthusaSolow.Aeconomiapossuiriaumbemeduastecnologias umamalthusiana(comterraetrabalho)eoutrasolowniana(comcapitale trabalho). O progresso tecnolgico determina uma mudana na direo da eco-nomiasolowniana,emquearendapercapitaaumentaproporcionalmenteao crescimento da relao capital/trabalho. Um dos problemas desta viso a falta deexplicaoparaaorigemdoprogressotecnolgico,queanalogrande causador das mudanas sugeridas pelo modelo. Boucekkine,delaCroixePeeters(2008)tentamexplicitaropapeldo progresso tecnolgico, do declnio da mortalidade e da densidade populacional sobre a escolaridade e o crescimento econmico observado na Inglaterra duran-te o perodo da revoluo industrial. O modelo sugere que uma maior densidade populacional favorece um aumento no nvel de escolaridade da populao, o que promoveatransiodeumsetortradicionaldaeconomiaparaumsetormo-derno. J o declnio da mortalidade foi menos importante do que os dois outros fatores, pelo menos no caso ingls. Sem querer ser exaustivo na reviso da litera-tura sobre a revoluo industrial, mencionamos esses autores para mostrar que humapreocupaoemcompatibilizarateoriaeconmicacomasmudanas histricas observadas.O regime moderno de crescimento econmico sustentadoGaloreWeil(1999e2000)tambmbuscamumaexplicaounicada paraatransioentreesteregimeps-malthusianoeoregimemodernode crescimento econmico. O progresso tecnolgico apresentava um vis de quali-cao que justicava uma demanda por capital humano. J o aumento na renda per capita durante este perodo induzia uma crescente demanda por qualidade em detrimento da quantidade dos lhos, o que justicaria uma queda na fecun-didade.Estaseriaadinmicainternadatransiodemogrca,sendoabase da transio para o regime moderno de crescimento sustentado, que se carac-teriza por altas taxas de progresso tcnico, elevado crescimento na acumulao de capital humano e queda no crescimento populacional como decorrncia da transio demogrca. Os autores descartam a hiptese de declnio na taxa de mortalidade infanto-juvenil e aumento na renda per capita como principais de-terminantes da transio demogrca. Para eles, o fator essencial nesta transio 19 Rios-Neto, E.L.G.demogrca seria o aumento na demanda por capital humano, o que reforado por alguns mecanismos: reduo do trabalho infantil; aumento exgeno da es-perana de vida ao nascer; e mudanas na instituio do casamento. Os autores discutem pelo menos duas hipteses alternativas para explicar o incio da tran-sio demogrca: a de reduo no hiato salarial por gnero; e a de segurana na velhice. A reduo no hiato salarial tida pelos autores como compatvel e complementar ao aumento da demanda por capital humano.Uma linha interessante para explicar a transio demogrca gerada pela acumulaodecapitalhumanodesenvolvidaporRodrigoSoares(2005).O aumento exgeno na expectativa de vida ao nascer induz uma elevao na esco-laridade, decorrente do investimento em capital humano, que suciente para gerar uma queda na fecundidade compatvel com a transio demogrca. Estas mudanas exgenas na sade, que caracterizam um deslocamento da chamada curva de Preston, servem para explicar as transies demogrcas que viabili-zam a mudana na direo do crescimento econmico sustentado.Damesmaformaqueacidenteshistricos,ageograaouaculturaex-plicariam a diferena temporal para a sada do regime malthusiano na direo do crescimento ps-malthusiano; uma srie de fatores tambm explicaria o re-tardamento na concluso da transio demogrca de alguns pases, adiando a transio denitiva para a fase de moderno crescimento sustentado.Lies a partir do arcabouo unifcado do crescimento econmicoA histria do crescimento econmico mundial surpreendente, uma vez que at meados do sculo XVIII a desigualdade entre a renda per capita mundial dos pases era bastante baixa. O advento da ruptura da poca malthusiana via-bilizou um crescimento contnuo na renda per capita, intensicado mais ainda com a era do moderno crescimento sustentado. A consequncia deste processo um substancial aumento na desigualdade e disperso da renda per capita entre os pases. Esta grande divergncia contradiz as expectativas tericas acerca de uma convergncia absoluta de renda, fato que sugeriria uma aproximao da renda per capita da economia de todas as naes no longo prazo. A vantagem do arcabouo unicado colocar o crescimento econmico deformaintegradacomaperspectivahistrica,assumindoumateoriaeco-nmica convencional e procurando fundamentos racionais microeconmicos A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 20paraastransformaes.Nopretendemosdefenderestearcabouo,inclu-mosseuresumonestetrabalhoapenasparacolocaremperspectivaalguns problemasclssicosdodesenvolvimentoeconmico,queacabamexplicando algumasabordagensqueserochamadasdecontrolistas(ouperspectiva neo-malthusiana).Trspontosdoarcabouounicadosofundamentaisparaesclarecero debate histrico, tanto no que tange o neo-malthusianismo quanto no caso de debates datados sobre desenvolvimento econmico. Em primeiro lugar, o papel dapopulaobastantedistintonasduastransiesparaastrsetapas.Na superao da era malthusiana, o papel do crescimento populacional positivo, sendo aspecto-chave para induzir o progresso tecnolgico. Na transio da era ps-malthusianaparaomodernocrescimentosustentado,precisoquehaja uma queda no crescimento populacional, mas esta queda advm principalmente deumatransiodemogrcaendgenaaomodelo,comnfasenademanda por formao de capital humano. Isto completamente diferente de se propor ocontrolepopulacionalcomoinstrumentodeinduodatransioparao crescimento econmico sustentado. A teoria no garante esta transio por uma mera manipulao exgena do crescimento populacional. Em segundo lugar, o modelo de Solow chave para o arcabouo integrado, mas apresentado numa verso completamente dinamizada, em que o progresso tcnico joga papel cru-cial.NomodelotradicionaldeSolow,apoupanaeoinvestimentoeramas nicas alternativas possveis para se aumentar a relao capital/trabalho, sendo a reduo do crescimento populacional uma prescrio tradicional controlista paraoaumentodestarelao,prescrioquefoimuitopopularentreoseco-nomistas tradicionais dos anos 1950 at a dcada de 1970. Em terceiro lugar, o arcabouo unicado representa uma crtica teoria de convergncia absoluta de renda, derivada do modelo de Solow tradicional, em que a existncia de uma tecnologia nica sugere que os pases apresentaro crescimento nulo da renda per capita quando estiverem em equilbrio de longo prazo (steady state). Assim, o crescimento econmico ser tanto maior quanto menos desenvolvidas forem aeconomiaeasuarendamdia.Estacrticaconvergnciaabsolutaviabili-zaaformulaodeumaconvergnciacondicional,quepodesercondicional eformadaporpasesvinculadosaostrsregimeseconmicosrevisadospelo arcabouo.Umaconvergnciacondicionalcompatvelcomumadivergncia global para o conjunto de pases. 21 Rios-Neto, E.L.G.O modelo tradicional de Solow, a perspectiva neo-malthusiana e o desenvolvimentoOmodelodeHarrod-Domarservedebaseparaosmodelosdecresci-mento que inuenciam a cultura de desenvolvimento do ps-guerra, no sculo passado, mas foi o modelo de Solow que tornou esta base denitiva. A base do modelodeSolowinuenteatnoarcabouounicadodiscutidoanterior-mente, mas, na sua verso original, as possibilidades de crescimento econmico vinham exclusivamente da acumulao dos fatores de produo (capital e tra-balho). Nesse sentido, o aumento na propenso mdia a poupar da sociedade e a reduo na taxa de crescimento populacional eram as duas nicas alternativas para se gerar um crescimento na renda per capita. Estaabaseparaocontrolismoouneo-malthusianismo,poisama-nipulaoexgenadataxadecrescimentopopulacionalviriaprecisamentepelo controlepopulacional,porintermdiodoplanejamentofamiliar.Ummodelo clssico da demograa econmica, o modelo Coale-Hoover (1958), simulou ce-nrios demo-econmicos para os casos do Mxico e da ndia, tendo por base uma verso do modelo de Harrod-Domar. A simulao mostrou que o controle da fecundidade nos dois pases causaria uma trajetria de renda per capita bem mais favorvel no cenrio de fecundidade baixa do que no de fecundidade alta. Justia seja feita ao modelo de Coale-Hoover, a despeito de sua prescrio temporal, este foi o primeiro modelo demo-econmico macro do ps-guerra, incorporando ex-plicitamente a interao entre estrutura etria e macroeconomia. O contraste do modelo de Solow com o arcabouo unicado no ocorre apenas porque, neste ltimo, o crescimento populacional pode afetar o aumento da renda em diferentes direes. Os dois modelos coincidem quando o foco a transio para o crescimento moderno sustentado, em que, para o arcabouo unicado, fundamental a queda na taxa de fecundidade decorrente da transi-o demogrca. A diferena est principalmente no fato de que, no arcabou-o unicado, a transio demogrca resulta da dinmica econmica, havendo, nestecaso,poucoespaoparaoexercciodepolticascontrolistasadhocde manipulao exgena da taxa de crescimento populacional. OmodelodeSoloweoutrosdapocaestocentradosnaacumulao de fatores para gerar o crescimento econmico. Tanto o controle populacional quanto o investimento (poupana) so cruciais para determinar o crescimento A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 22econmico. neste contexto que os modelos de crescimento econmico fun-damentam estratgias de desenvolvimento econmico para viabilizar a acumu-lao de capital. A teoria dos estgios do crescimento econmico de Rostow (1960) uma das primeiras teorias convencionais de desenvolvimento econmico, com foco no take o a partir da poupana e do investimento. Um hiato nanceiro pode-ria ocorrer como resultado do enorme esforo de investimento necessrio para viabilizarodesenvolvimento,emvezdaestabilizaoemumestgioinferior do crescimento econmico. Numa linha mais estruturalista, o modelo dual de Lewis(1954)baseia-seemdoissetores,sendoqueaofertailimitadademo deobranosetortradicionalviabilizaaacumulaodecapitalnecessriapara o desenvolvimento econmico. Os salrios na indstria so constantes e o in-vestimentodolucroauferidonasindstriasresponsvelpelaacumulaode capital. O modelo de Lewis no controlista, mas, de acordo com a cultura dapoca,tambmprivilegiaoinvestimentocomomecanismodealavancado desenvolvimento econmico. Este o perodo de ouro das formulaes sobre desenvolvimento econ-mico, com o surgimento do estruturalismo cepalino justicando um esforo do Estado para viabilizar o processo de industrializao por substituio de impor-taes. Teoriasdedependnciainternacionalededesenvolvimentodesiguale combinado tambm foram formuladas no perodo. Um ponto central da maio-ria das formulaes mais estruturalistas do desenvolvimento econmico o foco na industrializao e acumulao de capital, sem a menor sinalizao para o fato de que o crescimento populacional seria um eventual fator negativo ao processo. A questo populacional entrava mais como um fator ligado ao excesso estrutural demodeobra,eventualmentecomamigraorural/urbanaalimentandoo debate sobre marginalidade urbana. De qualquer forma, cabe lembrar que este era um debate que via a heterogeneidade estrutural como algo muito mais fun-cional acumulao de capital do que algo como uma barreira ao desenvolvi-mento econmico. Portanto, nesta poca, um economista estruturalista no era compatvel com um economista controlista, seus modelos de desenvolvimento econmico eram completamente distintos. Em seus comentrios sobre esse trabalho, Paulo Paiva lamentou a pouca nfase na distino entre crescimento econmico e mudana econmica, sendo a ltima mais associada ao conceito clssico de desenvolvimento econmico. A 23 Rios-Neto, E.L.G.crtica faz sentido no contexto histrico do campo de desenvolvimento econ-mico, mas, neste trabalho, o foco em crescimento econmico visa privilegiar o conceito de renda per capita e seu crescimento, no contexto do debate de longo prazo. Alm disso, as teorias de desenvolvimento que se baseiam no paradigma das mudanas (setoriais, regionais, de regimes de comrcio exterior, estruturais, etc.)somaisdatadashistoricamenteentreops-guerraeosanos1970,um perodo em que o conceito de excedente estrutural de mo de obra levava a um certodesprezopelopapeldocrescimentopopulacional.Maisrecentemente,a nova geograa econmica retoma o papel das mudanas estruturais, mas mesmo a o crescimento populacional no central. De fato, a experincia das trs primeiras dcadas do ps-guerra no Brasil, Mxicoeemalgunsoutrospaseslatino-americanosmostraquehouveuma combinao duradoura entre crescimento populacional e industrializao, urba-nizao e aumento da renda per capita. O contraste entre o modelo de Solow e os modelos estruturalistas de desenvolvimento econmico mostrava que ambos concordavam com o papel central do investimento para gerar o desenvolvimen-toeconmico.Poroutrolado,umavisofavoreciaocontrolismo,enquanto a outra via o crescimento populacional como algo potencialmente funcional acumulao de capital, mesmo aumentando a marginalidade urbana. Areduodocrescimentopopulacionaleravistacomoumaestratgia reformista que visava inviabilizar uma mobilizao social transformadora nestas sociedades, mobilizao esta que era desejada pelos estruturalistas. Neste con-texto, ca perfeitamente compreensvel a tenaz resistncia dos demgrafos no economistasaosmodelosneo-malthusianos.Populaoedesenvolvimento signicavam coisas totalmente diferentes para estas duas linhas: controlismo, para a linha econmica mais tradicional; e industrializao por substituio de importaes, na formulao estruturalista. A questo da pobreza e desigualdade era ignorada pelo modelo de Solow, enquanto na abordagem estruturalista era estudada, mas vista como funcional num quadro de heterogeneidade estrutural comexcessodemodeobra.Navisoestruturalistaestesproblemasseriam resolvidoscomocrescimentosustentadoeduradouro,poisaintegraodos mercados de trabalho anteriormente segmentados acabaria ocorrendo.Este embate terico coincide com a realizao, em Bucareste, da Confe-rncia Mundial de Populao de 1974. O slogan desenvolvimento o melhor contraceptivo reete bem as disputas de populao e desenvolvimento da po-A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 24ca. Os anos 1980 reetem mudanas tanto no campo das teorias sobre desenvol-vimento econmico como na avaliao da relao entre populao e economia.1 Questionamentos nos campos do desenvolvimento econmico e da relao entre populao e economiaOsanos1980demarcaramgrandestransformaestantonocampodo desenvolvimento econmico como na anlise da relao entre populao e eco-nomia. Este o perodo que antecede imediatamente o surgimento do chamado Consenso de Washington de 19882 e perdura por mais de uma dcada. Nodesenvolvimentoeconmico,ofracassodasexperinciasestrutura-listas latino-americanas e o sucesso dos chamados tigres asiticos favorecem umacrticaintervenodoEstadonaeconomiaeaomodelodeindustria-lizaoporsubstituiodeimportaeseumincentivoeconomiaabertas exportaes. A estabilidade macroeconmica, a disciplina scal, a privatizao e a abertura comercial so as marcas registradas do Consenso de Washington. A experincia bem-sucedida dos tigres asiticos tambm proporcionou umanfasecrescentenopapeldocapitalhumanoparaestimularodesen-volvimentoeconmicodassociedades.ReformulaesdomodelodeSolow buscam incorporar a educao como um fator de produo indicativo da qua-lidade do trabalho. A despeito do inegvel papel positivo da educao, sua in-corporao no arcabouo de Solow no capaz de explicar a grande disperso de renda per capita entre os pases, deixando claro que a educao no pode ser considerada uma panaceia para o desenvolvimento econmico. A experincia africanadops-guerramostraqueumsubstancialaumentonaescolaridade da populao no foi acompanhado pelo crescimento na renda per capita dos pases deste continente.Os estudos que tratam especicamente da relao entre populao e eco-nomiaassumemumaposturacticanoperodo.NancyBirdsall(1988)con-1 As vrias Conferncias Mundiais de Populao so analisadas neste trabalho tendo em vista a evoluo do debate acadmico.Paiva e Wajnman (2005) elaboraram em detalhe o papel do contexto econmico na nfase dos temas das vrias Conferncias de Populao. 2 Paulo Paiva lamentou o contedo excessivamente ideolgico conferido pela literatura crtica ao Consenso deWashington.Paraele,oConsensodeWashingtoneraapenasumaagendadeajustesmacro,scal, monetrio, e de livre comrcio para a Amrica Latina, sendo injustamente qualicado como o vilo neoliberal. Embora o ponto tenha o seu mrito, o fato que a literatura social equaciona o Consenso de Washington como um marcador temporal para uma era conservadora. 25 Rios-Neto, E.L.G.trasta trs vises: pessimista, otimista e revisionista. A postura revisionista retratada parcialmente no Relatrio do Banco Mundial de 1984 e, principalmen-te,norelatriodoNationalResearchCouncildaNationalAcademyofSciences, publicado em 1986. A linha mestra destes relatrios armava que o crescimento populacionaltendiaaterimpactosnegativosnasociedade,masissonopo-dia ser generalizado, ocorrendo geralmente por decincias de mercado ou de mecanismosinstitucionais.Atemticatambmcomeouamudar,comuma avaliao das implicaes do crescimento populacional no s sobre a renda per capita, mas tambm sobre a exausto dos recursos renovveis e no-renovveis, meioambiente,sade,educao,distribuioderenda,foradetrabalho,ur-banizao,entreoutrosaspectos.Estaavaliaodosimpactosdocrescimento numa perspectiva multidimensional era uma novidade que se tornou cada vez mais importante a partir dos anos 1990.Acrticamaioraocontrolismoerasimplesmentedebaseemprica. Aevidnciaeconomtricamostravaquearelaoentreoaumentodarenda percapitaeocrescimentopopulacionalerasimplesmentenula.Osdadosba-seavam-se na evidncia dos pases nos anos 1970 e incio da dcada de 1980. Esta crticaempricaao controlismofoidevastadoraparaosdefensoresde uma interveno na taxa de crescimento populacional. Este momento histrico seconjugacomaeraconservadoradeReagane Tatcher,detalformaquea ConfernciaMundialdePopulaorealizadaem1984,naCidadedoMxi-co,foipouco controlista,emboraissotenhaocorridoporrazestotalmente conservadoras e de cunho fundamentalista religioso, que se aliava a uma viso neoliberal de liberdade do mercado. O crescimento da renda per capita: mais uma reviso de SolowUmalinhadepesquisatambmempricafoidesenvolvidaapartirdas estimativas do crescimento da renda per capita entre os pases, por meio da men-surao dos fatores de produo. Um primeiro avano nesta linha foi reconhecer queocapitalhumanodeveriaserconsideradoumfatordeproduo,aspecto cadavezmaisenfatizadopelaliteratura.Anfasenaeducaocomoinstru-mento de desenvolvimento econmico foi exaltada mesmo no contexto de mo-delos que no tratavam especicamente da anlise da acumulao de fatores. O importante que, no contexto da literatura da contabilidade de fatores, mesmo A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 26comaincorporaodocapitalhumanoeminteraocomocapitalfsicoeo trabalho, ainda restava um substancial componente residual associado ao cresci-mento da renda monetria. Este componente residual passou a ser identicado com a produtividade, sendo causado pelo progresso tcnico e/ou pelo diferente nvel de ecincia no uso dos insumos entre as sociedades. Os estudos empricos mostram uma correlao positiva entre o papel do crescimentodosfatoresdeproduoeopapeldoaumentodaprodutividade. A partir deste perodo e de forma crescente, as modernas teorias de desenvol-vimentoeconmico(outeoriaseconmicasdocrescimento)tmfocadoseus estudosnaanlisedosdeterminantesdocrescimentodaprodutividade.Esta literaturamenosdiretamenterelacionadaquestopopulacional,mascabe ressaltar um aspecto: a relevncia do componente de produtividade total dos fa-tores serve para minorar o papel do crescimento populacional como gerador de um impacto negativo sobre a renda, conforme previsto no arcabouo de Solow. Na realidade, tanto a acumulao dos fatores (populao e capital) de pro-duoquantoaprodutividadetotalsodeterminantesprximosdarendaper capitae,porissomesmo,elestendemaserendgenos.Aliteraturamoderna dedesenvolvimentoeconmicoenfatizaopapeldefatoresexgenos,comoa geograa e as utuaes climticas, e de fatores intermedirios, como abertura comercial, qualidade das instituies (durao de um Estado-nao, durao do regime democrtico, nvel de violncia, etc.), cultura, entre outros fatores. Oquestionamentosobreemquemedidaageograadelimitaodestino das regies discutido neste contexto. A releitura das consequncias econmi-cas da colonizao europeia no mundo importante para este debate. H aque-les que associam as condies geogrcas adversas com a prevalncia de doenas tropicais que levam alta mortalidade e a uma baixa performance econmica (GALLUP; SACHS, 1998). Bloom e Sachs (1998) sugerem que o combate s doenastropicaisvisandooaumentonaexpectativadevidaaonasceruma poltica voltada para o crescimento econmico de longo prazo destas naes. Um dos trabalhos fundamentais na nova formulao de desenvolvimento econmico o de Acemoglu, Johnson e Robinson (2001). Os autores associam as condies climticas ao tipo de colonizao, mas alertam que este componen-te exgeno s afeta a performance econmica por meio da sua mediao com a qualidade das instituies desenvolvidas no pas. As condies climticas tropi-cais e temperadas afetam a mortalidade, sendo que o diferencial de mortalidade 27 Rios-Neto, E.L.G.seria fundamental para determinar as diferenas entre as colnias de explorao e as de povoamento. Por outro lado, o tipo de colonizao afetava a qualidade das instituies e estas o crescimento econmico. Nesse modelo, o foco principal deve ser a qualidade das instituies, fator mais importante do que o combate s doenas tropicais. Este tipo de debate importante para a discusso sobre as metas do milnio, que faremos mais adiante no trabalho. Na perspectiva mais ampla do desenvolvimento econmico, o debate te-rico sobre o papel de instituies apresenta mais casos, alm deste sobre geo-graaeinstituies,conformealertadoanteriormente,taiscomo:opapeldo direito de propriedade na inovao tecnolgica; o papel das restries de crdito eassimetriasdeinformaononanciamentododesenvolvimento;entreou-tros.Estessochamadosfatoresintermedirioseumaanlisedelesfogeaos objetivos deste trabalho.3A armadilha da pobreza: indo alm da armadilha da pobreza malthusianaNoarcabouounicadodostrsregimesdecrescimentohumaexpli-caoparaaconvergnciacondicionalderendapercapitaobservadaentreos pases, em vez da convergncia de renda prevista pelo modelo de Solow. A ar-madilha malthusiana a armadilha da pobreza no nvel de subsistncia, expli-candoumaconvergnciadecunhotradicionalentreospasescomeconomia malthusiana.Almdaarmadilhamalthusiana,quedependedaoperaodo mecanismodemogrcodecrescimento(mortalidadeefecundidade),outras teoriassobreo crculoviciosodapobreza tambm proliferaram na literatura modernadodesenvolvimentoeconmico.Apobrezaseriaacausadaprpria pobreza, gerando um mecanismo de autoperpetuao. A ideia bsica consi-derar a condio de pobreza como uma condio de equilbrio, num contexto de modelos de multiequilbrio. Tal condio impedia uma convergncia global e demandava um choque exgeno para que estes pases escapassem da condio de pobreza em que eles se encontravam presos. 3PauloPaivatambmsentiufaltadeumamelhordiscussosobreopapelinstitucionaldomercadode trabalho. O ponto justo, mas h duas explicaes para esta omisso. Em primeiro lugar, a teoria que enfatiza o papel do mercado de trabalho a teoria estrutural, neste caso a segmentao pode decorrer parcialmente do crescimento populacional e da urbanizao, mas estes aspectos so tomados como dados nos estudos. Um segundo contexto em que o mercado de trabalho central est ligado aos efeitos da estrutura etria sobre os rendimentos, mas o papel da estrutura etria no enfatizado neste trabalho. A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 28Um caso clssico de armadilha da pobreza ocorre quando os custos iniciais de instalao para uma nova atividade econmica ou para gerao de condies mnimas de infraestrutura so muito elevados. Se houver alguma indivisibilida-de de capital, fazendo com que o produto s seja positivo quando o estoque de capital for maior do que um valor mnimo, ento haver mais de um equilbrio, um deles com nvel de produo muito baixo. Outro caso refere-se a duas possibilidades: baixos nveis de poupana ou de produtividade em pases que possuem baixo nvel de renda. No modelo te-rico, seria necessrio um impulso externo (um choque) para tirar os pases desta armadilha. Kraay e Raddatz (2005) discutem simulaes sobre estas duas possi-bilidades e concluem que elas so pouco plausveis. O tema armadilha da pobreza pode ser aplicado a vrias reas da econo-mia. Uma poltica protecionista para indstrias nascentes pode servir de quebra exgenaparaaquelasindstriasquenosocapazesdevingarporfaltade experincia. Um exemplo disso o caso de limites de tamanho do mercado e tamanho da diviso do trabalho que so positivamente correlacionados e favo-recem uma armadilha. A restrio de crdito por causa da ausncia de um bom colateralafetatantoempresasparaoinvestimentoemcapitalfsicoquanto famlias para o investimento em capital humano, sendo outra fonte potencial de armadilha. Neste caso, uma reforma que distribua ativos para a populao pobre (titulaourbana,reformaagrria),oudemicrocrdito,podeserconsiderada uma reforma que viabiliza a sada desta armadilha. Kraay e Raddatz (2005) so crticos armadilha da pobreza, no contexto das teorias de crescimento econ-mico, mas ressaltam que h uma tendncia de desenvolvimento de modelos mi-cro de armadilha da pobreza. Embora estes modelos micro sejam consistentes, para eles a sua integrao micro/macro no trivial. Sachs (2005) responsvel por um dos mais inuentes trabalhos recentes sobre a armadilha da pobreza; inuente por causa de suas implicaes para as polticas.Oautorlistaoitocategoriasdeproblemasquefazemcomqueuma economia seja estagnada. O primeiro a pobreza extrema em si mesma, cau-sandoumaarmadilhadotipodasmencionadasanteriormente,dealtocusto deiniciaodeumaatividade,debaixapoupana,entreoutras.Umsegundo problema a geograa fsica do pas, ausncia de portos, terras frteis, condies climticas favorveis, etc. Tambm entram nesta categoria as condies negati-vas de sade devido s doenas tropicais, como malria, dengue, entre outras. O 29 Rios-Neto, E.L.G.autor sugere que os problemas colocados pela geograa fsica dos pases podem ser enfrentados com um alto nvel de investimento fsico e gesto de conserva-o dos recursos naturais. A armadilha scal um terceiro problema: o governo pode no ter os recursos necessrios para pagamento da infraestrutura deman-dada para gerao do crescimento econmico. Afaltaderecursosscaispodevirdeumapequenabasetributria,do nveldecorrupodogoverno,oudadvidaacumuladapelogoverno.Afalta deumaboa governanaumquartoproblemaquepodelevarestagnao. Governanaentendidacomoacapacidadedosgovernosemconduzirum ambiente favorvel aos investimentos, excluindo a possibilidade de propinas ou corrupo, mantendo o sistema judicial em funcionamento e denindo correta-mente o sistema de propriedades. Um quinto problema decorre da operao de barreiras culturais. O papel limitado da mulher na sociedade ou a discriminao a grupos minoritrios tnicos ou religiosos so exemplos de prticas que refor-am a pobreza. Cumpre destacar que, no caso das mulheres, Sachs j sugere uma armadilha da pobreza do tipo de alta fecundidade. Um sexto problema refere-se s barreiras tarifrias impostas por pases estrangeiros poderosos, que tambm podem levar estagnao. Um stimo problema levantado por Sachs a ausn-cia de inovao e de difuso de tecnologia, fato importante no contexto da lite-ratura sobre crescimento econmico, mas que foge aos objetivos deste trabalho. Finalmente, o oitavo problema que pode levar estagnao do crescimen-to o que Sachs chama de armadilha demogrca da pobreza. O autor comea mencionando a transio demogrca e o fato de que a fecundidade diminuiu em um grande nmero de pases, citando inclusive a recente espetacular queda da fecundidade no Ir. Segundo ele, a armadilha demogrca ocorre quando as famlias pobres decidem ter muitos lhos, o que acaba afetando negativamente a deciso de investimentos em sade, nutrio e educao de cada uma destas crianas.Esteproblemaagravadoquandohumadiscriminaodegnero, contra as meninas e em favor dos meninos. Omodelo(BMT)deBecker,MurphyeTamura(1990)mostracomo umaeconomiasubdesenvolvidapodecairnumcrculoviciosodealtafecun-didade e baixo investimento em capital humano. Seguindo esta linha, Hemmi (2003)derivaummodelodemultiequilbrio,emqueoprimeiroequilbrio umaarmadilhadealtafecundidadeebaixoinvestimentoemcapitalhumano, reetidonomodelopelabaixaqualidadedasescolas.NomodeloBMTesta A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 30armadilha da pobreza demogrca um caso especial que pode ser visto como uma armadilha malthusiana, discutida no incio do trabalho, porque a relao entrerendaefecundidadepositivanaausnciadeinvestimentosemcapital humano. Como a alta fecundidade entendida como algo deletrio na anlise deste ponto de equilbrio, o demgrafo no economista poderia considerar que esta abordagem controlista, mas, no caso, a alta fecundidade o resultado de uma alta demanda por lhos. O ponto principal da ruptura do mecanismo no umsimplescontroledafecundidadeexgeno,comoseriapropostoporum controlista, mas algo que estimule a formao de capital humano nesta famlia presa na armadilha malthusiana. Basu e Van (1998) e Basu (1999) discutem o chamado luxure axiom, que liga o trabalho infantil pobreza. O efeito renda puro faz com que o trabalho infantil seja utilizado no caso das famlias pobres, fato que limita a acumulao de capital humano entre estas crianas, reforando uma armadilha de baixo in-vestimento em capital humano. No caso do trabalho infantil, h uma literatura que questiona a evidncia negativa entre renda e trabalho infantil, mostrando quealgunschoquespositivosderendapodemaumentarotrabalhoinfantil. Basu,DaseDutta(2007)discutemestahiptesedoU-invertidonarelao entre trabalho infantil e renda, sugerindo que o aparente paradoxo de questio-namento da relao entre renda e trabalho infantil decorre das imperfeies do mercado de trabalho e da no incorporao deste componente na anlise em-prica. Kruger, Soares e Berthelon (2007) tambm mostram, no caso brasileiro, com uma combinao de bases de dados que permitem a identicao econo-mtrica do modelo terico, que o paradoxo da relao entre trabalho infantil e renda no existe. Ele s encontrado pela literatura porque no h uma iden-ticao precisa do efeito renda puro e do custo de oportunidade do trabalho. Se as preocupaes do trade o entre quantidade e qualidade da armadi-lha demogrca discutida anteriormente e o luxury axiom so legtimas e se h evidncias de que estes mecanismos operam em condies de extrema pobreza, entoparecequeaquesto-chaveemambososcasosestimularaacumula-o de capital humano entre as crianas de famlias pobres, via educao, mas tambmviasadeenutrio.Osmecanismosdeintervenopodemserv-rios, sendo as polticas de transferncia de renda condicionada, como o caso do Programa Bolsa Famlia no Brasil, apenas uma possibilidade. Seria complicado considerarumapolticadestanaturezasimplesmentecomoalgo controlista. 31 Rios-Neto, E.L.G.Segundo Galiani (2007), as famlias pobres podem estar presas em uma arma-dilha de baixo nvel de ativos ou de capacidades, excluindo-as da participao econmica e social. Assim, os esforos de reduo de pobreza no longo prazo deveriam fornecer incentivos para aquisio destes ativos e capacidades. Se, por um lado, as implicaes e os mecanismos de uma possvel armadi-lha da pobreza demogrca e de capital humano so identicados no nvel mi-cro, tanto a alta fecundidade quanto para o trabalho infantil, por outro, a noo macro de uma armadilha da pobreza para os pases pobres, que defendida por Sachs, criticada por Easterly (2002). Sendo um dos maiores crticos do mode-lo big push de ajuda externa, Easterly (2005) mostra que este modelo depende da existncia de uma armadilha da pobreza em pases de renda baixa, assim como da observao de um take o processo de crescimento duradouro na renda per capita, a partir de uma situao inicial de crescimento nulo. Este take o seria causado por algum tipo de ajuda externa. O teste emprico da armadilha da pobreza dever ser realizado entre os pases mais pobres e a sua existncia implica um crescimento mais baixo destes pases, almdocrescimentonulodarendapercapita.Umaanliseempricadoautor mostrou que o crescimento dos pases mais pobres foi, de fato, mais baixo, mas no em todos os perodos, enquanto a hiptese do crescimento estacionrio da renda per capita entre os pases mais pobres foi rejeitada. Alm de rejeitar que os pases pobres estejam em uma armadilha macro da pobreza, Easterly critica a nfase exagerada na ajuda externa nanceira, para o preenchimento do hiato nanceiro do desenvolvimento econmico. Para ele o problema da pobreza menos da bus-ca de uma soluo tcnica e mais da qualidade das instituies existentes. Alm disso,oautorargumentaquenohevidnciaempricaarespeitodoimpacto positivo da ajuda nanceira externa sobre o crescimento econmico. Odebatemacrosobreaexistnciadeumaarmadilhadapobrezaeo papel da ajuda econmica externa parece no levar a uma concluso denitiva. certo que a viso de que a ajuda externa pode ser um big push para a sada da pobreza ajudou o contexto econmico para a formulao das chamadas metas do milnio. Por outro lado, certo tambm que estas grandes metas podem ser criticadas por favorecerem a desateno a aspectos centrais do desenvolvimento, comoopapeldasinstituies,edemodicaestpicasesetoriais,comoas campanhas de vacinao, os investimentos de sade, os programas de transfe-rncia condicionada de renda, entre outros aspectos enfatizados por Easterly. A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 32Da renda per capita e seu crescimento pobreza e desigualdadeA literatura sobre crescimento econmico com seus desdobramentos no desenvolvimentoeconmicoutilizaarendapercapitacomoprincipalvarivel dependente.Aabstraodasmedidasdepobrezaedesigualdadenestesmo-delossempresuscitouumacrticadaquelesespecialistasemdesenvolvimento que so mais preocupados com questes estruturais. O modelo mais tradicional relacionandocrescimentoeconmicocomdesigualdadeeraomodelodeU invertido da curva de desigualdade durante o processo de desenvolvimento eco-nmico, a famosa curva de Kuznets. A desigualdade aumentaria na fase inicial do take o do desenvolvimento, em que o segmento poupador seria o mais rico, masvoltariaacairposteriormente.Quandoomodelodeindustrializaopor substituio de importaes comeou a ser questionado, a experincia do leste asitico mostrava que a igualdade de ativos, por exemplo, a reforma agrria, po-dia ser uma condio favorvel para o desenvolvimento, principalmente quando ocapitalhumanopassaaserentendidocomoelemento-chavenesteprocesso de desenvolvimento. Nesse caso, a reduo na desigualdade de renda seria quase uma condio necessria para o desenvolvimento. Como no debate sobre a rela-o entre crescimento populacional e renda per capita, a experincia mais recente desapareceu com a correlao entre crescimento e desigualdade, em alguns casos at fez com que a relao tivesse o formato em U, ao invs de U invertido. Como o caso nestes estudos macro, a questo da causalidade sempre mais difcil de ser respondida. Arelaoentrepobreza,desigualdadeecrescimentoeconmicoim-portante,poisseocrescimentofortotalmenteindependentedapobrezaeda desigualdade,entoseriapossvelcombaterapobrezaeadesigualdadeinde-pendentemente do crescimento econmico. Nesse sentido, devemos mencionar brevemente um debate sobre a relao entre crescimento econmico e pobreza. A questo central seria se o crescimento econmico favorece os pobres, ou, em outras palavras, se o crescimento econmico pr-pobre. Um trabalho frequen-temente citado na literatura o de Dollar e Kraay (2002), sugerindo que o cres-cimento econmico pr-pobre. Os autores estimam o impacto do crescimento da renda per capita sobre o crescimento da renda per capita do segmento dentro do primeiro quintil de renda em 92 pases, com 285 observaes em intervalos quinquenais.Asestimativasapresentamaltacorrelaopositivaentreasduas 33 Rios-Neto, E.L.G.variveis,sugerindoqueocrescimentoeconmicofavorvelaospobres,no sentidodereduzirapobrezaabsoluta.Humdebatesobreaevidnciaeco-nomtrica encontrada, principalmente por ser referir a um grande nmero de pases que podem apresentar relaes totalmente diferentes. White e Anderson (2001) utilizam uma medida alternativa de crescimen-to favorvel aos pobres: o incremento da renda dos pobres relativo ao incremen-to da renda da sociedade, o que dene uma redistribuio relativa favorvel aos pobres. Segundo os resultados encontrados pelos autores, o crescimento econ-mico impacta negativamente a parcela de renda do segmento 40% mais pobre dos pases.Bourguignon (2003 e 2004) sustenta que as relaes entre pobreza/cres-cimento e pobreza/desigualdade so aritmticas. A questo central na estratgia de crescimento conhecer a relao entre crescimento e desigualdade, pois este ser o parmetro importante para fechar o tringulo. As consequncias distri-butivasdocrescimentoeconmicosocomplexas.Aaritmticadestarelao decorre do fato de que a incidncia de pobreza absoluta depende tanto da mu-dana na renda mdia (efeito crescimento), quando a distribuio constante, como da mudana na distribuio da renda (efeito distributivo), quando a renda mdiaconstante.Formalmente,amudananataxadepobrezafunodo crescimento da renda, da distribuio de renda original e da mudana na dis-tribuio de renda. Em suma, para se reduzir a pobreza importante levar em conta tanto o crescimento econmico quanto a distribuio de renda. A elasti-cidade de reduo da pobreza em funo do crescimento econmico depende positivamente do nvel de renda do pas e negativamente do nvel de desigual-dade de renda. Assim, pases mais pobres e igualitrios reduzem a pobreza mais rapidamentecomocrescimento,enquantoaquelesderendaintermediriae maior desigualdade de renda diminuem a pobreza de forma mais acelerada com mudanasnadesigualdadederenda.Oautorargumentaqueumapolticade distribuio de renda no curto prazo gera um duplo dividendo na reduo da pobreza, ao diminuir a pobreza contempornea e a pobreza futura por potencia-lizar o efeito do crescimento econmico.Se a relao entre distribuio de renda e crescimento pode ser positiva, afetando tambm a reduo futura no nvel de pobreza, a prescrio sobre qual seria a poltica distributiva mais adequada est longe de existir. Nesse sentido, todaadiscussosobreincentivosequalidadedasinstituiesreferidasante-A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 34riormente,emdiferentescontextos,continuaextremamenteimportantepara odesenvolvimento.Bourguignonargumentaqueumaredistribuioderenda baseada na taxao de renda poderia gerar uma srie de incentivos adversos e prejudicar o crescimento futuro, sendo totalmente diferente de uma redistribui-o nos ativos (riqueza) da sociedade. A redistribuio de ativos poderia mini-mizar o papel negativo das restries de crdito e, juntamente com a mudana na distribuio de renda, consolidar o crescimento econmico futuro. Polticasdeinvestimentoeminfraestruturaeemmelhoriainstitucional (marcojurdico,respeitosleis,baixacorrupo,etc.)possuemclarosefeitos tanto no crescimento quanto na redistribuio de renda. Outras polticas como aprivatizaodeserviospblicoseareduonaregulaodemercadode trabalho podem ter efeitos positivos no crescimento e mais controversos na de-sigualdade de renda. As polticas pblicas voltadas para a criao de uma rede de proteo social possuem um evidente carter de redistribuio de renda no curto prazo, e argumenta-se que podem ter um efeito positivo no crescimento da renda no longo prazo. No caso das polticas distributivas de longo prazo, cla-ramente os investimentos em educao e sade so cada vez mais mencionados como as alternativas mais saudveis. Nocasodaeducao,aevidnciaempricasugerequeestaencontra-se longe de ser uma panaceia tanto para viabilizar o crescimento econmico quan-to para melhorar a distribuio de renda. H casos de aumentos da cobertura escolar em pases africanos, sem a observao do equivalente take o da econo-mia. Tambm possvel imaginar uma melhoria educacional com etapa inter-mediria de piora na distribuio de renda, sobretudo se o prmio escolaridade nomercadodetrabalhoapresentarno-linearidadesnoquetangeonvelde escolaridade. bvio que a qualidade da educao uma dimenso importante aserconsideradanaavaliaodoimpactodaeducaosobreocrescimento econmico. Do ponto de vista das polticas educacionais, h que se considerar tanto o lado da oferta escolar quanto o da demanda por educao (o papel das famliasedosincentivos,programasdetransfernciacondicionadaderenda como o Bolsa Famlia). Na sade, a famosa curva de Preston, que retratava a relao entre renda (varivelindependente)eexpectativadevidaaonascer(variveldependente), erautilizadaparamostraropesorelativodoefeitodarendanamelhoriadas condiesdesade,nocasododeslocamentonacurva,emcontrastecomo 35 Rios-Neto, E.L.G.pesodasmelhoriasexgenasnasade(vacinao,novosremdios,sadep-blica, etc.), no caso do deslocamento da curva. No debate mais recente do de-senvolvimento econmico, como mencionado anteriormente numa referncia a Soares (2005), a nfase precisamente no deslocamento da curva de Preston, como uma explicao para a transio demogrca no contexto do arcabouo unicado de crescimento econmico. No caso do desenvolvimento econmico em geral, particularmente com nfase na frica, a curva de Preston tem seu eixoinvertido,easpolticasdemelhorianaexpectativadevidaaonascerso vistas, luz das novas teorias de desenvolvimento, como instrumentos exgenos indutores da acumulao de capital humano e, consequentemente, da distribui-o de renda e do crescimento econmico sustentado.Bloom e Canning (2006) tambm discutem a curva de Preston mostran-do que h grande controvrsia sobre o impacto do nvel de renda na sade. H vrios exemplos histricos de pases onde a mortalidade caiu a despeito do baixo nvel de renda, bem como evidncias para o papel independente do sistema de sade. J no caso do impacto da sade de uma populao sobre a sua riqueza, existem pelo menos quatro mecanismos que podem operar. Primeiro, a queda da mortalidade e os ganhos de expectativa de vida afetam a renda por seu papel na educao, de forma que o nmero maior de anos vividos aumenta o retorno do investimento educacional. Segundo, a melhoria no estado de sade da popu-lao adulta aumenta a produtividade, reduzindo os dias de inatividade devido a doenas. Terceiro, o maior nmero de anos vividos aumenta a poupana e o investimento, uma vez que h um incentivo de crescimento da poupana para omaiorperododevignciadaaposentadorianavelhice.Quarto,aquedada mortalidade causa mudanas transitrias e permanentes na estrutura etria dos pases, viabilizando o chamado bnus ou dividendo demogrco. Esta queda da mortalidade deve-se a melhorias nas condies sanitrias, introduo de anti-biticos e DDT. A grande nfase na educao e sade no nvel macro como determinan-tesdocrescimentodarendaeofococadavezmaiornaracionalidademicro dosagentesondeasdecisesfamiliaressobrefecundidade,educao,sadee nutriosocentraisrecolocamademograanocentrododebatemoderno sobre populao e desenvolvimento. Este debate economicista e tende a res-saltaropotencialdarelaoentrequantidadeequalidadedoslhos,mas,na nossa opinio, est longe de representar um retorno ao neo-malthusianismo e A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 36controlismo do passado. claro que sempre haver interpretaes ingnuas e maniquestas que deixaro transparecer algo parecido com o antigo controlis-mo, mas isto est longe de ser o que se deduz da lgica dos modelos discutidos. Alm da renda monetria: a multidimensionalidade do bem-estarSe os debates a respeito de desenvolvimento econmico e de populao e crescimento econmico evoluram com o tempo, o mesmo ocorreu com a medi-da do objetivo nal do desenvolvimento. A renda monetria per capita a base damaioriadosmodeloseconmicosanteriormentediscutidos,masdesdeos anos 1970 outras dimenses comeam a ser enfatizadas, com o Banco Mundial eoutrosorganismosinternacionaisdestacandoaestratgiadasatisfaodas necessidades bsicas (basic needs). Enfatiza-se a proviso pblica de necessida-desbsicasno-monetrias,comoeducao,sade,guapotvel,saneamento bsico, eletricidade, entre outros. J na dcada de 1980, o trabalho de Amartya Sen amplia a discusso para o conceito de capacidades (capabilities). O ndice de Desenvolvimento Humano apresentado pela PNUD, agncia da ONU, foi elaborado com base no trabalho de Sen. Nos anos 1990, a multidimensionalida-de da mensurao da pobreza radicalizou-se mais ainda, incorporando o papel dasociedadeciviledandoformaaoconceitodevoz(voice)formuladopor Hirschman em trabalho clssico desenvolvido muito antes.O conceito de desenvolvimento humano comea a se diferenciar da viso tradicional de desenvolvimento econmico, fazendo com que o objetivo de re-duo da pobreza monetria seja complementado pela considerao de outros aspectos, como a satisfao das necessidades bsicas e a viabilizao das capaci-dades individuais. A pobreza que discutimos no item anterior, que se relaciona com a distribuio e o crescimento, a pobreza monetria, um conceito preciso mas limitado, segundo esta nova perspectiva. A ampliao das dimenses hu-manasimplicaumamaiorabrangnciaaoscustosdeumamenorprecisoe comparabilidade. Um ponto importante levantado pelos economistas em prol da ortodoxia da renda per capita refere-se ao fato que a esta diretamente associada teoria do crescimento econmico, conforme discutido anteriormente, alm de ser po-sitivamente correlacionada com boa parte das outras dimenses humanas, ex-pectativa de vida ao nascer, educao, entre outras. Cabe destacar que a relao 37 Rios-Neto, E.L.G.positiva, mas normalmente no linear com concavidade voltada para baixo. As-sim, a desigualdade de renda entre os pases tende a ser menor quando medida em termos de IDH do que quando medida em termos de renda monetria. Em outras palavras, pelo menos no que concerne divergncia de renda, a substitui-o da renda monetria pelo IDH ou outras medidas multidimensionais reduz a disparidade entre os pases. O hiato de renda entre os pases maior do que o hiato de IDH. Inspirado na linha de Amartya Sen, o conceito de capacidades incorpo-ratantoapossibilidadedeescolhadosativosnecessriosaodesenvolvimento quanto a capacidade de desempenho da pessoa (functioning). Na linguagem da literaturadeequidade,istodecorredaigualdadedeoportunidadesedacapa-cidade de gerar resultados diferentes mas meritocrticos, quer dizer, obtidos a partirdecritriosdeigualdade.Estessoresultadosnoafetadospelaobser-vao de prticas discriminatrias ou geradoras de quase-rendas. A medida de pobreza em termos de capacidade bastante ampla, enquanto a destituio de determinados bens e servios mais especca, sendo medida a partir da ideia de satisfao das necessidades bsicas. McGregor(2006)trabalhacomumconceitoamplodebem-estar (wellbeingemvezdewelfare),nocontextodeumapesquisaamplananciada pelo Conselho Econmico e Social de Pesquisa britnico. O bem-estar reete os recursos que a pessoa tem a seu dispor, o que pode ser desempenhado e con-quistado com estes recursos em termos das necessidades e objetivos individuais, alm da satisfao das necessidades subjetivas e aspiraes pessoais. Gough, Ian, McGregor, e Cameld (2006) qualicam este conceito mais amplodebem-estar,citadoaquiapenasparamostrarque,nadcadaatual,a evoluo conceitual continua. Trs desaos estruturam o arcabouo desenvolvi-do pelos autores. O primeiro reete tendncias j descritas, com a passagem da pobrezamonetriaparaodesenvolvimentohumano,desaoiniciadononal do sculo passado, mas chegando a um conceito mais amplo ainda em termos de bem-estar, sendo um conceito que abriga tanto o bem-estar objetivo quan-to o subjetivo. Seguindo Martha Nussbaum (2000), o conceito incorpora mais aspectosnoeconmicosaodesenvolvimentohumano,comoaexpressoda imaginao e emoes. O segundo desao incorporar os recursos disponveis e a agncia em termos de um arcabouo de vida (parecido com a antiga estratgia desobrevivncialatino-americanadosanos1970).Osrecursosmencionados A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 38pelos autores no so apenas os econmicos, diferentemente da simples posse de ativos enfatizada pelos economistas, mas tambm recursos sociais, que aju-dam a sobrevivncia na condio de vulnerabilidade. As relaes sociais entre os agentes e o contexto cultural fazem parte deste contexto de recursos, podendo agir como meio e m. Cinco categorias de recursos so identicadas: material, humano, social, cultural e ambiental. O terceiro desao incorporar o conceito debem-estarsubjetivoedequalidadedevida.Estatendnciajeranotada mesmo entre os economistas, com a ampliao dos estudos utilizando os surveys sobre felicidade (happiness).O conceito de necessidades bsicas (basic needs) revisado por Gough et al. (2006), desde o seu lanamento pela OIT no programa de ao em 1978 at a sua implementao como ideia fora das aes do Banco Mundial. J na dcada de 1980 o conceito comeou a perder a sua fora, devido no s onda neolibe-ral que comeava a despontar at culminar com o Consenso de Washington, mastambmporqueosmovimentossociaisquecomeavamaseorganizaro consideravamautoritrio,porserformuladodecimaparabaixo.Numponto bastanteinteressanteparaaexegesedarelaoentrepopulaoedesenvolvi-mento, os autores mostram que os conceitos-chave das necessidades bsicas fo-ramressuscitados,primeiro,pelaConfernciadeDesenvolvimentoSocialem Copenhague, 1995, e, depois, pela Declarao do Milnio em setembro de 2000, culminandocomoestabelecimentodasmetasdomilnio,querevivemvrias necessidadesbsicas,comosobrevivncia(mortalidadeinfantil),sade(HIV/Aidsemalria),combatefomeepobreza,educaobsica,entreoutras.A situao de pobreza observada em vrios pases, a despeito do crescimento eco-nmico, a situao de pobreza da frica, o m da guerra fria e a inuncia do trabalho de Sen so mencionados como razo para a retomada desta temtica das necessidades bsicas.Riscos, direitos e necessidadesMunro(2007)argumentaqueasjusticativasparaacriaodeumes-tado de bem-estar ou mesmo para a instalao de uma rede de proteo social costumam vir de trs fontes: primeiro, a falncia do mercado para cobrir todas as formas de risco existentes na vida; segundo, pelos direitos humanos princi-palmentenosseusaspectossociaiseeconmicos;e,terceiro,pelasdoutrinas 39 Rios-Neto, E.L.G.denecessidades,queenfatizamaimportnciamoraldeseeliminaroualiviar apobreza.Estastrsjusticativascostumamcorreremparalelo,poissofor-muladascombaseemmatrizestericascompletamentedistintas.Asteorias de risco foram importantes para o surgimento de vrias polticas no moderno estado de bem-estar e gozam de prestgio entre os economistas. A perspectiva dos direitos muito importante na esfera das conferncias internacionais, prin-cipalmente no mbito das Naes Unidas e particularmente aquelas que tratam dodesenvolvimentohumanoedasbarreirasparaalcan-lo.Asorganizaes no-governamentais so agentes importantes na implementao desta perspec-tiva,particularmentenadefesa(advocacy)destesdireitos.Japerspectivadas necessidades foi importante na fundamentao das metas do milnio, conforme mencionado anteriormente. Segundo o autor, as pessoas envolvidas com a pro-teo social e o combate pobreza devem entender as reas de suporte mtuo easreasdecontradiodestastrsperspectivas,visandoaproteocontra ataques conservadores poltica social. NicholasBarr(1992e1998,apudMUNRO,2007)destacaquealista tradicionaldefalhasquecostumamjusticaraintervenodoEstado(bens pblicos, externalidades, mercados incompletos, informao imperfeita, concor-rnciaimperfeita,etc.)poucotilparaexplicarosurgimentodomoderno estado de bem-estar. A principal razo para a proviso pblica de servios como sade,educaoeseguridadesocialpossuiobjetivosdeecincia,principal-mente associados falha de informao (e assimetria), que poderiam deixar a populaosemproteoacertosriscosnoseguradospelomercado.Muitos dos riscos no cobertos decorrem do problema de agente-principal tratado pela economia. A falta de colateral e assimetria na informao explica, por exemplo, a ausncia do mercado de crdito para educao fora do setor pblico. Os pro-gramasdecrditoeducativogeralmenteoperamcomfundosgovernamentais. Munrocomentaquequasenohrefernciasadireitosnaliteratura,embora estes sejam aceitos como julgamento de valor. H uma aceitao do combate pobreza como objetivo, uma pobreza medida em termos de renda monetria. OsdireitossociaiseeconmicostomamformacomaDeclaraoUni-versaldosDireitosHumanospelaONU,em1948.Apartirda,aobrigao do Estado de prover proteo social aos seus cidados tornou-se uma questo de direitos humanos. Munro sugere trs tradies dentro da escola dos direitos humanos: lei natural; leis internacionais de direitos humanos; e uma teoria de A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 40necessidades humanas como base dos direitos humanos. A lei natural refere-se a questes de dignidade humana e remete tradio judaico-crist. O direito vida est presente desde os dez mandamentos, o mesmo ocorrendo com a ideia de que todos os homens foram criados iguais. Os preceitos constitucionais e a lei internacional, incluindo a Declarao Universal dos Direitos Humanos, cor-respondem segunda tradio. Direitos se distinguem da caridade, tornando-se obrigaes legais. Atualmente, a arena internacional objeto de disputa nesta esfera, principalmente no que tange a denio e raticao de novos direitos, especialmente com a resistncia de grupos de pases, o que ocorre, por exemplo, na esfera de gnero, direitos sexuais e reprodutivos e na migrao internacional. Estes aspectos possuem grande implicao na questo contempornea de popu-lao e desenvolvimento. J a tradio dos direitos com base nas necessidades humanas difere das duas anteriores, considerando os direitos humanos parte de uma losoa moral. Hcertasnecessidadesbsicasquesodireitos,condionecessriaparaque qualquer pessoa se torne um agente moral, independentemente de haver alguma lei ou f a este respeito. O direito a abrigo, nutrio, educao bsica, tratamento de sade, entre outros, no deveria depender de uma formalizao legal. Um dos pontos mais conitantes na questo dos direitos refere-se aos custos decorrentes da sua implementao: os direitos so soberanos em relao economia, mas sua implementao muitas vezes depende da restrio oramentria do Estado. O debate entre focalizao e universalizao de algumas polticas sociais pode ser entendido no contexto deste conito. A tradio das necessidades bsicas, alm do seu fundamento para a abor-dagem dos direitos, tambm serve para justicar a proteo social. A escola de necessidadesbsicas,discutidaanteriormente,representaaprimeiracrticaao conceito de renda econmica monetria como medida de bem-estar. A base -losca do modelo das necessidades bsicas fundamenta-se na psicologia social deMaslow,quefaladeumahierarquiadevalores.DudleySeers(1969,apud Munro, 2007) foi um dos pioneiros na crtica renda monetria per capita, su-gerindo a considerao de outras dimenses tambm importantes. Para Seers, era possvel obter crescimento econmico sem nenhuma melhoria e at mesmo com deteriorao das coisas mais importantes para a qualidade da vida humana. Segundo Munro, a questo da proteo social deveria ser um objetivo pblico. A satisfao das necessidades bsicas era defendida por argumentos morais ( um 41 Rios-Neto, E.L.G.bem em si mesmo), instrumentais (os gastos com sade, educao, saneamen-to bsico, entre outros, so vistos como investimentos) e polticos (a satisfao das necessidades bsicas beneciaria pobres e ricos numa sociedade). Segundo Munro, a escola das necessidades bsicas trata a proteo social como algo re-sidual, o que uma falha nesta linha, principalmente no que tange o papel das polticas pblicas. CIPD em Cairo e as metas do milnioAConfernciaInternacionaldePopulaoeDesenvolvimento(CIPD) realizadanoCairo,em1994,opontoderefernciabsicadestadiscusso, tendoemvistaaimplementaocontextualizadadarelaoentrepopulao edesenvolvimento.Entretanto,comodiscutiremosaseguir,difcilsepararo processo ps-CIPD da formulao das metas do milnio e da interao entre estes dois componentes. Nossa anlise mais geral associada s metas do milnio baseia-seprimordialmenteemdoisautores:Loewe(2008)eHulme(2007), que concordam em classicar o ambiente global no qual a CIPD faz parte, nos anos 1990, como parte de um ciclo de conferncias internacionais iniciado com a Conferncia Mundial para as Crianas (World Summit for Children), realizada em Nova Iorque, em 1990. Aindanestecontexto,osautoresenfatizamapublicaodoRelatrio deDesenvolvimentoHumanodaagnciaPNUDdasNaesUnidas,tambm em 1990, que questiona o automatismo do crescimento econmico na gerao do desenvolvimento humano, criando o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH). O incio da dcada de 1990 marca o m da era do Consenso de Wa-shington no contexto das agncias internacionais. No s o conceito de renda monetria era questionado, sendo substitudo pelo conceito de desenvolvimen-to humano, conforme discutido anteriormente, mas tambm questionava-se a ideiadequeocrescimentoeconmicoerasucienteparareduzirapobreza. Estenovocontextomarcaoinciodeumaeraquevaiinuenciaraprimeira dcadadosculoXXI,equeLoewechamainicialmentedeeraps-consenso de Washington.Neste contexto, Hulme (2007) considera a CIPD fator de extrema impor-tncia para o processo de evoluo que leva elaborao das metas do milnio. H uma clara distino entre a CIPD e as conferncias populacionais anterio-A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 42res,comumdescolamentodasquestesdecontrolepopulacionalviaplane-jamentofamiliarparaumaagendafocadanosdireitossexuaisereprodutivos, estabelecendometasparareduodamortalidadeinfanto-juvenilematerna, assim como garantindo o direito ao acesso a servios de sade reprodutiva. Esta foi provavelmente a conferncia internacional dos anos 1990 onde ocorreu um debate mais aquecido entre representantes governamentais, tcnicos e ativistas sociais.Asnegociaesdebastidoresdemarcavamumclaroembateentreos defensoresdosdireitossexuaisereprodutivosevertentesreligiosastantono campo islmico quanto do Vaticano e de grupos cristos conservadores.No campo dos princpios, o documento (Plano de Ao PoA) da CIPD (UNFPA, 2004) refora os direitos das mulheres como inalienveis, integrais e parte dos direitos humanos, garantindo a capacidade para controlar sua prpria reproduo e a igualdade das mulheres na participao em todas as esferas da vida (civil, cultura, econmica, poltica e social). Os servios de sade em geral e de sade reprodutiva em particular devem ser de acesso universal e para am-bos os sexos. A noo de desenvolvimento sustentvel, incluindo a perspectiva daequidadeedasustentabilidadeentregeraes,tambmexplicitadacomo princpio. O desenvolvimento deve ser sustentado e sustentvel, o primeiro con-ceito sendo explicitamente associado com economia e crescimento, e o segundo incluindo a dimenso ambiental e a disponibilidade de recursos naturais. Ainda so reforados princpios que garantem o direito universal educao e a prio-ridade mxima para o bem-estar das crianas.No terceiro captulo do PoA estabelece-se que o componente populacio-nal deve ser integrado s estratgias de desenvolvimento sustentado e susten-tvel dos pases. O objetivo garantir a qualidade de vida de todas as pessoas e erradicao da pobreza, com particular ateno melhoria das condies so-cioeconmicas da mulher pobre. A erradicao da pobreza deve ser integrada questo ambiental, para que a sustentabilidade do desenvolvimento seja garan-tida. O quarto captulo trata da igualdade de gnero e do empoderamento das mulheres, garantindo seu completo envolvimento em todas as esferas da vida. O quinto captulo trata da garantia de que as polticas pblicas daro suporte e proteo s famlias, na sua multiplicidade de arranjos, em especial no caso das famlias em condies de vulnerabilidade.O sexto captulo o mais importante para a temtica deste trabalho, abor-dando o crescimento e a estrutura populacional. Mesmo no tendo uma postura 43 Rios-Neto, E.L.G.controlista, o captulo estabelece de incio que a transio demogrca deveria ser facilitada, sempre que houvesse um desequilbrio entre as taxas demogr-cas e os objetivos econmicos, sociais e ambientais. A estabilizao da populao mundial considerada importante para a viabilizao de um desenvolvimento sustentadoesustentvel.Nocampodaestruturaetria,ocaptulomenciona explicitamente a prioridade para o segmento de crianas e jovens, notadamente a garantia do direito educao e a realizao completa de suas capacidades, em especial no que tange o casamento precoce e a gravidez na adolescncia. Ainda no que se refere estrutura etria, o captulo trata da viabilizao da qualidade de vida do idoso, do desenvolvimento de um sistema de sade e de seguridade social para o idoso, incluindo a promoo de suporte informal e familiar para oidoso.Ocaptulocontempla,tambm,aspopulaesindgenaseaspessoas portadoras de decincias. OsdemaiscaptulosdoPoAtratamdetemasrelevantesparaaquesto do desenvolvimento,4 mas foge aos nossos objetivos discuti-los detalhadamente neste trabalho. A temtica do captulo 8, sobre sade, morbidade e mortalidade, importante em si mesma, adquirindo, de acordo com a reviso da literatura em desenvolvimento realizada neste trabalho, papel crucial tambm como varivel exgenafomentadoradodesenvolvimentoeconmico,notadamentenocaso daqueles pases em estgio inicial da transio demogrca. A temtica do cap-tulo 9, sobre urbanizao e migrao interna, foi revisada no encontro anual da CPD (Comisso de Populao e Desenvolvimento) das Naes Unidas, realiza-do em 2008, recolocando a temtica urbana de forma provocativa, no sentido de que os aspectos positivos da urbanizao so destacados. A temtica do captulo 10, sobre migrao internacional, vem adquirindo importante notoriedade por causa tanto do envelhecimento populacional nos pases desenvolvidos, quanto do aumento da xenofobia em relao aos migrantes internacionais, bem como pelo crescente papel das remessas internacionais, entre outros fatores. Este tema tem sido objeto de vrias reunies especcas internacionais e justicaria em si um documento detalhado. A questo sobre populao, desenvolvimento e edu-4 Os temas dos demais captulos so: captulo 7 direitos reprodutivos e sade reprodutiva; captulo 8 sade, morbidade e mortalidade;captulo 9 distribuio populacional, urbanizao e migrao interna;captulo 10 migrao internacional;captulo 11 populao, desenvolvimento e educao; captulo 12 tecnologia, pesquisa e desenvolvimento;captulo 13 ao nacional;captulo 14 cooperao internacional;captulo 15 parecerias com o setor no-governamental;captulo 16 acompanhamento da conferncia.A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 44cao,tratadanocaptulo11,tambmmereceriaumestudoespecco,assim como a promoo do acesso a uma educao de qualidade para toda a popula-o. Alis, no contexto de uma agncia internacional especializada, no mbito do PoA, um foco importante a questo da educao sexual nas escolas e, cada vezmaisimportante,atemticadatransioparaavidaadulta,tendocomo cenrio a trajetria escolar.Atemticadosdireitosreprodutivosedasadereprodutiva,tratadano captulo 7, tambm no ser discutida detalhadamente nesse documento, mas merece uma distino especial. Este foi o tema mais debatido na CIPD, mu-dandototalmenteaperspectivadarelaoentreplanejamentofamiliar(visto comocontrolepopulacionalanteriormente),populaoedesenvolvimento.A temtica dos direitos reprodutivos, da sade sexual e reprodutiva tornou-se um eixo articulador central no campo populacional, com foco importante nas rela-es de gnero. A resistncia poltica de setores conservadores, principalmente no campo religioso, alm do papel ativo da sociedade civil e organizaes no-governamentais, confere ao tema uma complexidade nica.O ciclo de conferncias internacionais continuou aps a CIPD em 1994, sendo que o ano de 1995 atingiu o pice, com duas conferncias internacionais importantes: a conferncia mundial sobre o desenvolvimento social realizada em Copenhague; e a conferncia mundial sobre as mulheres realizada em Pequim. Opicedesteprocessodosanos1990ocorreunaconfernciadomil-nio,nocontextoda55AssembleiaGeraldasNaesUnidas,realizadaem setembro de 2000 (LOEWE, 2008). Segundo Loewe, esta conferncia reete umamudanadeparadigmaquepodeserresumidoemseisideias-fora,das quais mencionamos quatro importantes para este trabalho. Primeiro, a criao deumnovoconsensodedesenvolvimentoparasecontraporaoConsensode Washington. Segundo, a mudana de foco para o desenvolvimento humano sus-tentvel, em vez do foco exclusivo no crescimento econmico. A pobreza no vista mais com nfase somente na renda monetria, incluindo as dimenses de capital humano (sade e educao), direitos polticos (participao, direitos civis, transparncia administrativa, sistemas jurdicos, etc.) e administrao dos riscos (com foco na proteo social). O adjetivo sustentvel anexado ao desen-volvimento humano reete a importncia da preocupao ambiental. Terceiro, humaorientaovoltadapararesultados,oqueimplicaoestabelecimento de metas mensurveis, congurando as chamadas metas do milnio. Quarto, o 45 Rios-Neto, E.L.G.papel crescente jogado pela sociedade civil como ator na poltica de desenvol-vimento, inclusive com a crescente participao de organizaes no-governa-mentais nas conferncias internacionais.J Hulme (2007) v duas ideias-fora guiando o estabelecimento das me-tas do milnio: o desenvolvimento humano e a administrao por resultados. O foconodesenvolvimentohumanojfoidiscutidoanteriormente,devendo-se apenas destacar a crtica nfase no crescimento da renda monetria per capita e a prioridade para a questo da pobreza, principalmente na proviso de servios que viabilizam as capacidades (segurana alimentar, sade e educao). O foco naadministraoporresultadoscontribuiparamedioemonitoramentode quo adequadamente os objetivos esto sendo atingidos.Loewe(2008)tambmlistaproblemascomasmetasdomilnio.Para o autor, o conceito de desenvolvimento expresso nas metas do milnio cou aqum da base conceitual do desenvolvimento humano, anteriormente revisa-da de acordo com a inuncia do conceito de capacidades de Sen, incluindo aspectosnomateriaisdapobreza.Aprivaopoltica,socialeavulnerabi-lidadesodimensesignoradasnasmetas.Almdisso,osindicadoresde-senvolvidosapartirdasmetasestabelecidascaptamoladoquantitativodo desenvolvimento, mas subestimam os aspectos qualitativos. Um ponto crtico extremamente importante levantado pelo autor trata da negligncia das cau-salidades mltiplas. Para ele, um dos aspectos positivos das conferncias dos anos 1990 foi mostrar a dependncia mtua entre pobreza, educao, sade, entreoutrosaspectos.Aseparaodasmetasindividualmentepodecausar uma abordagem mecanicista de interveno, ignorando a importncia do ar-cabouo integrado. Hulme (2007) faz uma interessante anlise processual das aes que leva-ram a transio das conferncias internacionais, realizadas nos anos 1990, para o desenvolvimento das metas internacionais de desenvolvimento no mbito da ONU, at se chegar na preparao do documento We the Peoples: the Role of the United Nations in the 21st Century, que foi apresentado na Assembleia Geral da ONU em 2000. O foco principal do documento era na erradicao da pobreza humana,masapresentavacontedodiferentedodocumentopreparatrioin-terno da ONU (Shaping the 21st Century). A anlise de contedo efetuada por Hulmeidenticareasperdedoraseganhadorasemtermosdemudanasnas metas quando da transio entre os documentos. A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 46Asgrandesreasperdedorasforam:igualdadedegneroeempode-ramentodamulher(osobjetivosnoestavamincludosnodocumentoex-plicitamente,voltandodepoisnasmetas);sadereprodutiva(foiomitidano documento, a despeito da sua importncia na CIPD, devido presso exercida pelos grupos derrotados no Cairo); e o setor de sade em geral (as metas de re-duo da mortalidade infantil e infanto-juvenil, assim como as de mortalidade materna,haviamdesaparecido.OautordestacaqueHIV/Aidsfoiogrande ganhador nessa rea, parecendo ser o nico problema de sade). As reas ga-nhadoras foram: crescimento econmico (o tema recebeu uma ateno muito maiordoquevinhasendodadanasconfernciasinternacionais);tecnologia (provavelmente por causa da novidade da poca, no que tange informtica e incluso digital); as metas para os pases desenvolvidos; meio-ambiente (ana-lisado detalhadamente e recomendando a raticao do protocolo de Kyoto); enfasenosproblemasafricanos(justicveldepoisdeduasdcadasper-didas).Acomparaodosdoisdocumentosprecedeoestabelecimentodas metas do milnio na Millennium Declaration, sendo que Hulme (2007) analisa tambmatransioatoestabelecimentodasmetas,quereeteumacoor-denao da ONU com outros organismos internacionais, como a OCDE e o Banco Mundial. As negociaes nesta transio foram enormes, com todos os tipos de presses e interesses.O processo de negociao descrito detalhadamente por Hulme (2007). A rea que perdeu mais foi a de sade reprodutiva, apesar de ser um objetivo ex-plcito e central para o desenvolvimento humano. Uma soluo de compromisso foi alcanada com o estabelecimento de uma meta para reduo da mortalidade materna. A perda em sade reprodutiva foi balanceada por um ganho na rea de igualdade de gnero e empoderamento da mulher, que foi mantida como meta e teve o nmero de indicadores ampliado. Para o autor, a ambivalncia da posi-o dos EUA no processo e o carter dinmico que estas negociaes possuem zeram com que pases menos poderosos jogassem um papel mais importante, e que interesses religiosos conservadores sobre sade reprodutiva tivessem poder de veto maior do que na CIPD. Este processo poltico mostrou que o arcabou-o conceitual, discutido anteriormente em termos tanto econmicos como do desenvolvimento humano das capacidades, ca vulnervel a presses durante o processo, com a retirada e incluso de componentes fundamentais para o desen-volvimento humano. 47 Rios-Neto, E.L.G.J em outubro de 2007 foi includa uma meta (a 5b) referente ao acesso universal sade reprodutiva at 2015, incluindo dimenses como a prevalncia contraceptiva, a taxa de fecundidade na adolescncia, pelo menos quatro visitas de pr-natal e a reduo da necessidade insatisfeita por contracepo. Em ou-tras palavras, houve um movimento das foras do Cairo suciente para reverter parcialmente a tendncia conservadora anteriormente descrita.Nocampododebateeconmico,asmetasdomilniosototalmente compatveis com a viso ambiciosa de combate pobreza defendida por Sachs (2005) e criticada por Easterly (2002 e 2005). Para Easterly, as metas so muito genricas e de difcil monitoramento. O autor sugere histrias de sucesso mais localizadas, que deveriam ser mais enfatizadas por exemplo, o papel da OMS (Organizao Mundial da Sade) na erradicao da varola, na reduo dos ver-mes e lombrigas e nas campanhas de vacinao que ocorrem em vrias regies. Ele menciona tambm a experincia de programas de transferncia condiciona-da de renda, como o Progresa do Mxico e o Bolsa Famlia, entre outros. Segun-do o autor, os projetos especcos podem ser monitorados e avaliados, enquanto metas gerais no se adaptam a este propsito. Novos debates ps-Cairo: a volta da economia e o dividendo demogrfcoConforme revisamos anteriormente, no perodo da conferncia mundial de populao do Mxico, em 1984, os estudos econmicos no mostravam um impacto negativo do crescimento populacional sobre o crescimento da renda per capitamonetria.OsestudosdiscutidosemPopulationmatters(BIRDSALL; KELLEY; SINDING, 2001) sucedem por mais de cinco anos a CIPD, prece-dendo em pouco a publicao das metas do milnio. Os estudos micro e ma-cro que so apresentados nos captulos do livro procuram mostrar que h mais evidncias de um impacto positivo da queda da fecundidade sobre as variveis econmicas,comorenda percapita,doqueocontrrio.Nasestimativascons-tantes no livro existem mais evidncias de resultados negativos do crescimento populacional sobre o crescimento da renda per capita do que nos resultados da dcada anterior, o que se deve, pelo menos em parte, a melhores especicaes economtricas dos modelos (KELLEY; SCHMIDT, 2001). A grande novidade nas estimativas economtricas macro que a decom-posiodocrescimentopopulacionalnos seuscomponentesdefecundidadee A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 48mortalidademostraimpactossignicativosesemsinalcontrrio,oqueseria de se esperar caso o impacto do incremento populacional sobre o aumento da renda per capita fosse nulo. A relao negativa entre fecundidade e crescimento darendapercapitaindicaoefeitoimediatodafecundidadesobreaestrutura etriadeperodo,enquantooimpactonegativodamortalidade(positivoda expectativa de vida ao nascer) sobre a renda indica um efeito de sade sobre a produtividadeeconmica.Arazoentrepopulaoadulta(emidadeativa)e populao total tambm afeta positivamente o crescimento da renda per capita. Emsuma,asestimativasgeradasapartirdosanos1990,portanto,em grande medida, ps-Cairo, representadas aqui pelos captulos do livro Popula-tionmatters,mostramresultadosmaiscontundentesassociadosaumimpacto negativo do crescimento populacional sobre o aumento da renda. Estes resulta-dos podem decorrer de sries histricas maiores, de melhoria nas especicaes domodeloapartirdeavanosnosmodelosdecrescimentoeconmico,mas tambm pela incluso de variveis de estrutura etria, o que aponta para uma medida do chamado primeiro dividendo demogrco, determinado pela que-da na razo de dependncia da populao. OtrabalhodeHeadeyeHodge(2009)quasedenitivonestaquesto, pois no s revisa a literatura sobre a relao entre aumento populacional e cres-cimentoeconmico,mastambmfazuma meta-anlisedasestimativasexis-tentesnaliteratura.Estenoocontextoapropriadoparadiscutirmosame-todologiade meta-anliseempregadapelosautores,masosmesmosutilizam 471 regresses originais obtidas na base de dados de pesquisa (ECONLIT), por intermdiodousodaspalavras-chaverelevantes.Foramentradososdadosdo impacto estimado do crescimento populacional sobre o crescimento econmico, o erro padro de estimativa, a estatstica t obtida, o tipo de medida demogrca utilizada para medir o impacto, as variveis de controle, se os dados eram painel ou transversais, os pases que entraram na amostra e caractersticas da amostra. Os autores testaram uma srie de hipteses, que so enunciadas a seguir, com os respectivos resultados obtidos: a primeira hiptese era de que o padro etrio do crescimento popu-lacionalafetavaoimpactonocrescimentoeconmico.Oimpactodo crescimentopopulacionaltotalnofoiestatisticamentesignicante, mas o impacto do crescimento da populao adulta positivo e signi-cante,enquantoodapopulaojovemnegativoesignicante.Os autores sugerem que o efeito da populao jovem tende a ser maior; 49 Rios-Neto, E.L.G.a segunda hiptese era de que o crescimento populacional apresentava um efeito mais adverso (mais negativo ou menos positivo), no caso em que a disponibilidade de terras fosse escassa. Os resultados foram amb-guos, sugerindo que o efeito da densidade populacional interagida com o crescimento populacional heterogneo. a terceira hiptese sugeria que o impacto do crescimento populacional sobre o crescimento econmico seria mais positivo ou menos negativo se a regresso controlasse pela taxa de investimento. O resultado foi de pequena magnitude, mesmo quando capturado;a quarta hiptese sugeria que a associao parcial entre o crescimento populacionaleocrescimentoeconmicoseriamaispositiva,oume-nosnegativa,seosgastoseducacionaisentrassemcomocontrolena regresso.Oresultadofoicontrrio,comumdecrscimopequenono caso do crescimento da populao jovem, mas houve um aumento no da populao adulta. Este resultado indica que h um retorno defasado nos investimentos educacionais; aquintahiptesesugeriaqueosefeitosdocrescimentopopulacional sobre o crescimento econmico seriam maiores se variveis de sade e educao estivessem excludas do modelo, pois estas podem afetar a fe-cundidade e promover o crescimento econmico. Os resultados obtidos neste teste foram ambguos e pouco informativos para a teoria; asextahiptesesugeriaqueaassociaoparcialentreocrescimento populacional e o crescimento econmico seria mais positiva ou menos negativa se os controles pela qualidade de polticas (governana) e das instituies estivessem includos no modelo. Os resultados obtidos nes-te teste no corroboraram a hiptese; a stima hiptese era de que o efeito do crescimento populacional so-bre o crescimento econmico seria mais adverso (negativo) a partir de 1980. Este resultado foi o mais robusto de todo exerccio, sugerindo que a adversidade do crescimento populacional sobre o crescimento econ-mico tem aumentado com o tempo;a oitava hiptese era de que o efeito do crescimento populacional sobre o crescimento econmico mais adverso nos pases em desenvolvimen-to.Ahiptesenofoiconrmadapelosdadoseosresultadosforam ambguos; a nona hiptese sugeria que diferenas em mtodos economtricos ex-plicam a diversidade dos resultados, mas sem ter uma direo determi-nada. Os resultados no conrmaram esta hiptese.A relao entre populao e desenvolvimento 15 anos aps a Conferncia do Cairo 50A meta-anlise de Headey e Hodge (2009) e os testes de hiptese descri-tos sugerem que os efeitos diretos da transio demogrca sobre o crescimento econmico dependem da temporalidade. O aumento na fecundidade apresenta um efeito adverso no curto prazo e um efeito positivo num intervalo mais longo. Os resultados sugerem que o efeito negativo do crescimento populacional cou mais forte a partir dos anos 1980. O efeito negativo mais importante decorre darazodedependnciajovem,enquantooimpactopositivodocrescimento da populao adulta menos robusto, dependendo dos controles sobre variveis como instituies, polticas, educao e sade.Seestesresultadospodemsergeneralizados,elesqualicamoefeitodo chamadodividendodemogrco,que,nasuavisomaisclssica,estrelacio-nado ao crescimento da populao adulta em idade de trabalhar (PIA). Preci-samente este o resultado mais ambguo da meta-anlise de Headey e Hodge (2009). O dividendo demogrco decorrente da mudana na razo de depen-dnciainfantilmaisnatradiodeCoaleeHoover(1958),quandoreete melhorias educacionais, mas como neste caso o efeito no direto sobre a renda, talvez o termo janela de oportunidades seja mais apropriado. J no que se refere ao impacto sobre o crescimento da renda via reduo na razo de dependncia, o resultado parece seguir mais a tradio de Le (1969), no mencionado pelos autores, que sugere um efeito direto da razo de dependncia infantil sobre o crescimento da renda por intermdio da poupana. Sejasobaformadosestudosdeimpactodocrescimentopopulacional sobre o crescimento da renda per capita, seja pela forma do efeito do dividendo demogrco(diretosobrearendaouindiretosobreaeducao,quemenos preciso), o fato que os estudos econmicos ganharam fora novamente no in-cio do sculo. Isto no quer dizer que surgiu uma nova onda controlista, nem que o tema do desenvolvimento humano foi superado ou abandonado. Novos debates ps-Cairo: populao e polticas pblicasA partir tanto dos objetivos da CIPD quanto da formulao das metas do milnio, alm do objetivo mais amplo de desenvolvimento humano, uma srie de iniciativas no campo das polticas pblicas foi se desenvolvendo. No vamos tratar deste tema detalhadamente, pois foge aos objetivos do trabalho, mas cabe ressaltar a importncia das polticas assistenciais dentro do desenvolvimento de 51 Rios-Neto, E.L.G.uma rede de proteo social para os pobres. Nesse sentido, as transferncias de renda no-contributivas, voltadas para a populao pobre, condicionadas (Pro-gressa, Bolsa Famlia, etc.) ou no condicionadas (