a reforma do estado ea concepção francesa do serviço público

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  • Revista do Servio PblicoRSP

    ENAP

    Ano 47Volume 120

    Nmero 3Set-Dez 1996

    Crise e reforma do Estado:uma questo de cidadania evalorizao do servidor Caio Mrcio Marini Ferreira

    A reforma do Estado ea concepo francesa doservio pblico Jacques Chevallier

    Meritocracia brasileira:o que desempenho no Brasil?A Lvia Barbosa

    Modernizando a administraopblica na Amrica Latina: problemascomuns sem solues fceis Geoffrey Shepherd e Sofia Valencia

    Os controlesGAetano D'Auria

  • Revista do Servio PblicoAno 47

    Volume 120Nmero 3

    Set-Dez 1996

    RSP

    ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica

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    Conselho editorialRegina Silvia Pacheco presidenteEdson de Oliveira NunesEvelyn LevyMarcus FaroMaria Rita G. Loureiro DurandTnia FischerVera Lcia Petrucci

    Colaboradores (pareceristas ativos):Alexandrina Sobreira; Antonio Augusto Junho Anastasia; Antnio Carlos MoraesLessa; Caio Mrcio Marini Ferreira; Carlos Manuel Pedroso Neves Cristo; DiogoLordelo; Elizabeth Barros; rica Mssimo Machado; Ernesto Jeger; FernandoAbrucio; Jacques Veloso; Jos Geraldo Piquet Carneiro; Jos Luiz Pagnussat; JosMendes; Ladislau Dowbor; Luiz Aureliano Gama de Andrade; Marcel Burzstyn;Marcelo Brito; Marco Aurlio Nogueira; Marcus Andr Melo; Maria das GraasRua; Maria Helena de Castro Santos; Maristela Andr; Paulo Modesto; PauloRoberto Haddad; Paulo Roberto Motta; Philippe Faucher; Rgis de Castro Andrade;Sheila Maria Reis Ribeiro; Slvia Velho; Sonia Amorim; Tnia Mezzomo; TerezaCristina Silva Cotta.

    EditoraVera Lcia Petrucci

    Coordenao editorialNorma Guimares Azeredo

    Projeto grficoFrancisco Incio Homem de Melo

    Editorao eletrnicaAccio Valrio da Silva ReisMaria Marta da Rocha Vasconcelos

    Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica ENAPDiretoria de Pesquisa e DifusoSAIS rea 2-A70610-900 Braslia DFTelefones: (061) 245 5086 e (061) 245 7878, ramal 210 Fax: (061) 245 2894

    ENAP, 1981

    Tiragem: 1.500 exemplaresAssinatura anual: R$ 24,00

    (trs edies) Exemplar avulso: R$ 8,00

    Revista do Servio Pblico/Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica vol. 1, n. 1 (nov. 1937) vol. 120, n 3 (set-dez/1996). Braslia: ENAP, 1937quadrimestralISSN:0034/9240

    De 1937 a 1974, periodicidade irregular, editada pelo DASP. Publicada no Rio deJaneiro at 1959. Interrompida de 1975 a 1981. De 1981 a 1988, publicada trimes-tralmente. Em 1989, periodicidade quadrimestral. Interrompida de 1989 a 1993.

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    Sumrio

    Crise e reforma do Estado: uma questo de 5cidadania e valorizao do servidorCaio Mrcio Marini Ferreira

    A reforma do Estado e a concepo francesa 35 do servio pblico

    Jacques Chevallier

    Meritocracia brasileira: o que desempenho 59 no Brasil?

    Lvia Barbosa

    Modernizando a administrao pblica na 103Amrica Latina: problemas comunssem solues fceisGeoffrey Shepherd e Sofia Valencia

    Os controles 129Gaetano D'Auria

    Revista doServioPblico

    Ano 47Volume 120Nmero 3S e t - D e z1996

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    Crise e reforma doEstado: uma questo decidadania e valorizao

    do servidor

    Caio Mrcio Marini Ferreira

    1. A Crise do Estado:Governabilidade e Governana

    Dois componentes so fundamentais quando se trata deimplementar programas de mudana na administrao pblica: agovernabilidade e a governana. O primeiro diz respeito scondies de legitimidade de um determinado governo paraempreender as transformaes necessrias, enquanto que o segundoest relacionado a sua capacidade de implement-las. Essacapacidade abrange tanto condies tcnicas/administrativas, quantofinanceiras.

    Durante muito tempo, a crise do Estado na Amrica Latina e,em particular, no Brasil se caracterizou, fundamentalmente, por umacrise de governabilidade, dado que os processos de escolha e seleodos governantes careciam de legitimidade, por seu carter nemsempre democrtico de implementao. Nesse contexto, a questocentral colocada era a da inviabilidade de proceder s reformasestruturais por falta de credibilidade e, por conseguinte, decomprometimento da sociedade com o conjunto de mudanas aimplementar. Esse estgio, ainda que no completamente superadona regio, apresenta sinais positivos de evoluo, a partir dosavanos nos processos de democratizao, que tomam ares deirreversibilidade, aumentando a confiana na hiptese de superaoda crise. Na verdade, a questo da governabilidade assume outraperspectiva, dado que a legitimidade assegurada por processos

    Revista doServioPblico

    Ano 47Volume 120Nmero 3Set-Dez 1996

    Caio MrcioMarini Ferreira Diretor daSecretaria daReforma doEstado doMinistrio daAdministraoFederal eReforma doEstado

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    eleitorais democrticos nem sempre se traduz em condies efetivasde implementar reformas estruturais que, muitas vezes, dependemde complicados processos de negociao entre poderes, notadamentenos regimes presidencialistas. Entretanto, ainda que garantida agovernabilidade, esta no suficiente para produzir a mudana, oque coloca em relevo a necessidade de ampliar a governana, comoingrediente determinante da estratgia de enfrentamento da crise,a partir de duas manifestaes centrais: a crise financeira e a crisede desempenho.

    A primeira responde pela incapacidade do Estado contempo-rneo de gerao de poupana pblica positiva, que lhe permitarealizar os investimentos sociais e de infra- estrutura necessrios,j que o custeio da mquina compromete a maior parte daarrecadao (BRESSER PEREIRA, 1996).

    A segunda se caracteriza pela baixa qualidade na prestaodos servios pblicos, gerando insatisfao por parte da sociedadepelo no atendimento de seus requerimentos bsicos. Ainda queesta situao no deva ser generalizada para toda a administraopblica, o dficit de desempenho vem se agravando e gerando, comoconseqncia, deteriorao da imagem do servio pblico perantea sociedade.

    Desta forma, o desafio de reformar o Estado est circunscritono contexto de mudana social, poltica e econmica que caracterizao momento atual. Essa enorme tarefa de transformao impe aoEstado a necessidade de rever seus papis, funes e mecanismosde funcionamento, mas isso no suficiente. O momento detransformao impe, da mesma forma, novas exigncias sociedadecomo um todo, incluindo a seus diversos segmentos. O objetivo comum e trata, fundamentalmente, de encontrar alternativas desuperao das desigualdades, ampliando o espao de incluso navida social, poltica e econmica na direo do desenvolvimento, apartir da internalizao dos conceitos de cidadania e equidade. Isso,certamente, obrigar adoo de abordagens no convencionaisna construo da estratgia de enfrentamento da crise, o que passa,seguramente, pela construo e fortalecimento de mecanismos deparceria Estado-Sociedade. Isoladamente, as foras direcionadaspara a mudana perdem vitalidade e objetividade. Portanto, necessrio consolidar alianas que assegurem sinergia, a partir daampliao da conscincia de cidadania e da proposio de soluescriativas e inovadoras que garantam legitimidade e viabilidade stransformaes exigidas pela sociedade.

    Este cenrio d um carter emergente necessidade dereformar o Estado e, mais particularmente, o seu aparato adminis-

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    trativo, a partir de trs movimentos centrais: o primeiro voltado paraa dimenso financeira da crise, enquanto que o segundo e o terceiroorientados para a superao da crise de desempenho. So eles:

    a busca permanente de aumento da eficincia da mquinapblica, por intermdio da racionalizao e incremento deprodutividade (fazer mais com menos);

    a melhoria contnua da qualidade na prestao dosservios pblicos, visando atender aos requerimentos da sociedadeno que diz respeito satisfao das demandas sociais bsicas(fazer melhor);

    o resgate da esfera pblica como instrumento de expres-so da cidadania e frum de aprendizado social (fazer o que deveser feito).

    2. O esgotamento do paradigma burocrtico

    KLIKSBERG (1987) faz um balano de trinta anos de reformasadministrativas na Amrica Latina, apontando elementos positivose negativos nesses processos. Como positivos destaca: o desen-volvimento de alta sensibilidade sobre a necessidade de reformajunto opinio pblica; o estabelecimento de instituiesespecializadas de pesquisa e capacitao sobre o tema; e a formaode profissionais latino-americanos que representem respeitvelmassa crtica no campo da reforma administrativa. No obstante,esses movimentos de reforma no concretizaram os reais objetivosde transformao pretendidos. Em seguida, Kliksberg procuraanalisar as razes desse insucesso, que no deve ser imputado falta de apoio poltico ou econmico, como muitos insistem, mas necessidade de reviso da base conceitual de fundamentao dosprocessos de mudana na administrao pblica. Dentre essespontos merecem destaque: a natureza da mudana administrativa,que enfatizou reformas globais e mudana formalista da ordemjurdica e institucional tendo produzido, como conseqncia, simplesredesenhos de organogramas, normas e legislao. Emcontraposio, a tendncia dominante recomenda o realismoadministrativo, que consiste na adoo de uma estratgia seletiva,baseada na atuao sobre pontos de estrangulamento e avanossucessivos. Outro aspecto o da dicotomia entre poltica eadministrao, que parte do pressuposto da existncia de umadireo poltica, eleita pela populao, e um aparato administrativoque a executa, que, se no cumpre o determinado, o faz por uma

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    questo meramente tcnica, exigindo, como medida corretiva, amodernizao desse aparato. Na verdade, essa abordagemdesconsidera a existncia de trs tipos de grupos que determinamos movimentos das organizaes: os grupos intraburocrticos depresso, os grupos externos organizao e os usurios dosservios. Alm desses, o autor assinala a necessidade de revisodos modelos obsoletos de percepo da realidade, tanto na ticados formuladores de polticas, quanto na dos planejadores ereformadores do Estado; tambm destaca a pobreza dopensamento estratgico, que prioriza a introduo de metodologiasde simplificao antes de uma anlise global da efetivanecessidade da realizao da atividade, tendo como conseqnciao risco de se fazer melhor o que no precisa ser feito. Finalmente,aponta o problema da poltica de pessoal meramente logstica,baseada no estabelecimento de controles ao invs de privilegiar aintroduo de mecanismos voltados para a motivao e participaodos funcionrios.

    Assim, a realizao dos objetivos da reforma do aparelho doEstado passa, necessariamente, pelo questionamento da suficinciado paradigma burocrtico vigente.

    O modelo de administrao pblica burocrtica surge com apreocupao de combater os excessos do modelo patrimonialista,caracterizado pela confuso entre o interesse pblico e o privado: oEstado, nessa viso, era quase que uma extenso da famlia real etinha como atribuio fundamental administrar os bens da realeza.As conseqncias inevitveis dessa abordagem foram: corrupo,clientelismo, fisiologismo etc. No sentido de combater essa lgicaingrata do patrimonialismo, o socilogo alemo Max Weber analisao modelo burocrtico como forma de desenvolvimento da sociedadecapitalista, a partir de suas reflexes sobre as formas de expressoda autoridade, definindo os atributos da organizao racional-legal.Esses atributos esto voltados para a garantia da funcionalidade: aimpessoalidade, a formalizao, a diviso do trabalho, ahierarquizao e a competncia tcnica baseada no mrito. SegundoGUERREIRO RAMOS (1966: 254), Weber foi quem, pela primeira vez,conferiu burocracia o significado de elemento caracterstico desistemas sociais relativamente avanados, a partir da seguintedefinio: agrupamento social que rege o princpio da competnciadefinida mediante regras, estatutos, regulamentos, da documentao,da hierarquia funcional, da especializao profissional, dapermanncia obrigatria do servidor na repartio durantedeterminado perodo de tempo, e da subordinao do exerccio doscargos a normas abstratas.

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    Nesse sentido, a implementao dos princpios do modeloburocrtico cumpriu com propriedade o papel de frear a lgicapatrimonialista e foi determinante tanto na administrao pblica,quanto na de empresas, onde tambm foi importante mecanismo deprofissionalizao das empresas familiares.

    Entretanto, ainda que o modelo no tenha sido integralmenteimplementado, a sua adoo passou a ser questionada. Valemencionar que a crtica ao modelo burocrtico no nova, nemoriginal. Todas tm em comum certa reverncia e reconhecimentoao criterioso e consistente modelo, concebido por Weber. No ob-stante, foi observado que tanto o excesso na aplicao das categoriastraz imperfeies administrao, quanto a ausncia destas mesmascategorias pode conduzir a situaes anrquicas. Esta, em essncia, a crtica de MERTON (1957), quando fala da disfuncionalidade daburocracia, ao examinar as suas conseqncias imprevistas. JAMITAI ETIZIONI (1967) considera exagerada a distino entre astrs formas de autoridade e de estrutura social: a tradicional, justi-ficada pelo conformismo, a carismtica, baseada no personalismodo lder e a burocrtica (a legtima), fundamentada nas categoriasda organizao racional-legal antes mencionadas. Segundo ele,existem tipos mistos dependendo das circunstncias e caractersticasdo momento vivido pela organizao, alm do que pode-se passarde uma estrutura mais burocrtica para uma mais carismtica edepois voltar a ela. Por fim, THOMPSON (1967), ao se referir buropatologia, insinua que um apego quase cerimonial rotina eaos mtodos habituais contribui para a resistncia mudana.

    Estas referncias histricas foram recuperadas com o intuitode introduzir uma nova dimenso crtica ao modelo burocrtico,dada por uma drstica transformao de contexto. Durante muitotempo, vivemos num ambiente caracterizado por poucas mudanasou por mudanas razoavelmente estruturadas e previsveis. Nessecontexto, dominado por certo determinismo e linearidade, a premissaque condicionou a gesto, tanto pblica quanto privada, se caracte-rizava pela lgica em que o futuro era uma mera extenso dopassado, ou o passado explicava o futuro. Nesse sentido, o problemada gesto reduzia-se a, simplesmente, olhar para trs, descobrir asleis de formao das variveis relevantes da organizao, construirum modelo explicativo para as mesmas e projetar o futuro. Valedestacar que esta ainda a lgica determinante dos processos deoramentao de boa parte das instituies pblicas. Nesta situao,baseada numa razovel estabilidade, o modelo burocrtico atendia

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    s necessidades, j que seus princpios eram compatveis com ocontexto.

    Entretanto, esta no a situao atual. Vivemos hoje numambiente caracterizado por um ritmo acelerado de transformaes(a mudana a norma) e, alm disto, pela imprevisibilidade comrelao s mudanas. Nesta perspectiva, o rigor no cumprimentodo ritual burocrtico dificulta o alcance dos objetivos institucionais.A velha lgica perde suficincia como embasamento dos processosde gesto: o sucesso no passado no garante o xito no futuro. Onovo recurso estratgico, diferenciador das organizaes de sucesso, a capacidade de reao veloz frente mudana. As organizaes,para sobreviver nesse contexto, precisam desenvolver a capacidadede anteviso e, alm disto, necessitam de agilidade e flexibilidadepara adaptar-se s novas condies e demandas externas.

    3. A experincia internacional recente

    3.1. O modelo gerencial

    A necessidade de rediscutir o papel e as formas de funciona-mento do Estado, com vistas ao atendimento dos requerimentosatuais, vem motivando o debate acerca das reformas no cenriointernacional. Os desafios de implementar programas voltados parao aumento da eficincia e melhoria da qualidade dos serviosparecem ser a tendncia dominante, ganhando a denominaogenrica de gerencialismo na administrao pblica.

    Conforme ABRUCIO (1996), observa-se uma invaso dessesconceitos no setor pblico dos Estados Unidos e Gr-Bretanha, apartir da eleio dos governos conservadores, tendo como nfaseinicial programas de reduo de custos. Abrucio tambm apresentauma classificao do modelo gerencial, a partir dos seus principaisobjetivos, relao com a sociedade e segundo a ordem cronolgicade criao. Assim, o primeiro movimento, que foi denominadogerencialismo puro, tinha como objetivo bsico a preocupao coma eficincia, economia e produtividade, pretendendo sensibilizar,desta forma, os contribuintes de impostos. Em seguida, surge omovimento do New Public Management, que incorpora a idia daefetividade e da busca da melhoria da qualidade dos servios, naperspectiva dos clientes/usurios destes servios. Finalmente, omodelo evolui para a viso do Public Service Oriented, baseadona noo de eqidade, resgate do conceito de esfera pblica e

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    ampliao do dever social de prestao de contas (accountabil-ity). Essa nova viso, ainda que no completamente delimitadaconceitualmente, introduz duas importantes inovaes: uma nocampo da descentralizao, valorizando-a como meio deimplementao de polticas pblicas, e outra, a partir da mudanado conceito de cidado, que evolui de uma referncia individualde mero consumidor de servios no segundo modelo para umaconotao mais coletiva, incluindo seus deveres e direitos.

    3.2. O caso norte-americano

    A experincia recente norte-americana ganhou espao nabibliografia tcnica internacional, a partir do livro de OSBORNE &GAEBLER, Reinventando o Governo (1994). Nele, os autoresexploram a idia do governo empreendedor, inspirados na formulaooriginal do economista francs Jean Baptiste Say: empreendedor aquele que transfere recursos de setores menos produtivos parasetores mais produtivos. Assim, reinventar significa adequao era da informao, desenvolvimento da capacidade criativa einovadora para enfrentar as limitaes impostas pela forte culturaburocrtica dominante. Este novo modelo, denominado governoempresarial/empreendedor, se fundamenta em um conjunto de dezprincpios voltados para a viabilizao de um novo paradigma paraa administrao pblica. Os principais so os seguintes:

    Governo catalisador, a partir da redefinio do papel dogoverno, de provedor direto para promotor (...navegar, no remar);

    Governo competitivo, que destaca as vantagens dacompetio (a questo no pblico versus privado, mas competioversus monoplio);

    Governo da comunidade, que transfere responsabilidadesda burocracia para o cidado;

    Governo orientado por misses e resultados, que muda oenfoque em regras e procedimentos para misses e resultados;

    Governo voltado para clientes, que destaca o papelpreponderante do governo de servir aos cidados com qualidade eenfatizando o controle social.

    Osborne transformou-se em importante assessor do vice-presidente Al Gore na conduo da reestruturao da administraopblica norte-americana, que teve como objetivos a melhoria daqualidade e a racionalizao dos gastos. O registro maissignificativo desta experincia est num relatrio apresentado porAl Gore ao Presidente Clinton, em setembro de 1993: o The Na-tional Performance Review. Neste documento so identificados

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    os principais obstculos implementao dos princpios doReinventando o Governo , com destaque para o excessivomonoplio estatal, alto grau de burocratizao, a falta de incentivospara o sucesso e a impunidade nos casos de fracasso, alm daausncia de mecanismos que encorajem processos criativosvoltados para a inovao. Toda a mquina est concentrada noscontroles burocrticos: No mundo altamente politizado de Wash-ington, o maior risco no que um programa tenha um baixodesempenho, mas que surja um escndalo. Finalmente, o Relatrioaponta para algumas solues, enfatizando a necessidade deestudar os casos de sucesso. Por anos, o governo tem estudadoos fracassos e os fracassos tm persistido. No Relatrio sopropostas: a reduo significativa da burocratizao, liberando asorganizaes para cumprir as suas misses; a focalizao noconsumidor; a delegao de poder aos empregados; e aracionalizao.

    3.3. O caso ingls

    A marca registrada da administrao pblica inglesa dadapela ntida separao entre administrao e poltica, que tem comoobjetivo garantir a neutralidade e proteo contra as alternnciasde poder. Esta separao garante, em tese, duas impossibilidades:de funcionrios participarem da vida poltica e de polticos tiraremproveito dos cargos administrativos, com exceo dos cargosdiplomticos, alta direo e direo de estatais. A progressofuncional dentro da carreira decorre, fundamentalmente, do tempode servio e de processos sistemticos de avaliao, realizados pelossuperiores hierrquicos.

    O processo de renovao da administrao pblica inglesatem como marco o relatrio Fulton, elaborado em 1968. PLOWDEN(1984), destaca o ataque ao culto do funcionrio generalista: oadministrador capaz de cobrir todas as reas, cuja capacidade eramais poltica do que tcnica, e cuja falta de interesse na gernciaconstitua importante fator do fraco desempenho do governo cen-tral (e, assim, conseqentemente, do pas). A recomendao organi-zacional bsica do relatrio era a criao de um novo Departamentode Servio Civil, retirando do Tesouro a responsabilidade deadministrar o servio civil. Esta medida simbolizava a novaimportncia dada ao Departamento e sinalizava um novo estilo deadministrao. Outras recomendaes foram a de criao de umanova Escola Superior de Administrao Civil, completa eindependente, e a eliminao de divises existentes dentro do Servio.

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    Esse perodo, final dos anos 60, incio dos 70, foi marcado porsignificativas reestruturaes, baseadas nos princpios de eficincia(criao de unidades maiores, capazes de desenvolver e manteraperfeioadas as estruturas gerenciais), abrangncia (a ordenaoda miscelnea confusa e desnorteante de jurisdies divididas esuperpostas, que haviam crescido no decorrer dos anos), e autonomiamunicipal (criando maiores e mais eficientes unidades locais,reduzindo a interveno central).

    Entretanto, no perodo Thatcher que ocorre a mais pro-funda reforma da administrao inglesa, num contexto caracterizadopelo alto custo da mquina pblica e pela baixa eficincia naqualidade dos servios prestados.

    O processo de mudana foi, inicialmente, implementado semmuita preocupao com formulaes estratgicas; havia muitadeterminao e vontade poltica para a ao de transformao. Oprimeiro movimento foi o de reduzir os quadros e extinguir otradicional Ministrio da Funo Pblica. A orientao geral erater definio clara da finalidade de cada rgo e seu custo. Osegundo movimento foi o da privatizao, algo ainda poucoexperimentado internacionalmente, naquele momento. O terceiro,foi o da busca da melhoria da qualidade no servio pblico eaumento da eficincia (fazer mais com menos). Foi criada umapequena unidade central de coordenao (Efficiency Unit), comos objetivos de desenvolver a conscincia de custos (value formoney) e incentivar a competitividade. A metodologia empregadafoi a da avaliao (scrutiny), que consistia no exame rigoroso defunes, processos e atividades, a partir da identificao deproblemas, e na implementao de um plano de ao de curtoprazo, em reas-piloto pr-selecionadas. No perodo de 1979 a1992, foram realizadas mais de 300 avaliaes, gerando umareduo de custos de, aproximadamente, dois bilhes de libras. Oquarto movimento foi o do Next Step Program, que deu origem aoprocesso de criao das Agncias Executivas. A idia centralconsistia em separar as funes de formulao das de execuodas polticas pblicas. Os Ministrios so responsveis pelaformulao das polticas, ficando a implementao a cargo dasAgncias, que, a partir dos compromissos de resultados assumidos,passam a gozar de flexibilidade administrativa, principalmente nasreas de gesto de pessoal e gesto financeira. O Next Step Pro-gram estabelece as regras do jogo e orienta o processo. A relaodo Ministrio com a Agncia est baseada na figura de umcontrato, denominado Framework Document, que tem a seguinteestrutura:

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    Apresentao, normalmente assinada pelo Ministro, contendouma viso global da instituio.

    Introduo, contendo dados bsicos de identificao daAgncia, como ano de criao, finalidade e recursos globais.

    Planejamento Estratgico, com a definio de misso, viso,valores, metas e indicadores de desempenho.

    Responsabilizao (accountability), contendo as definiesde responsabilidade e graus de prestao de contas de cada nvelenvolvido no processo (Ministro, Secretrio Permanente, DiretorGeral, Membros do Parlamento etc).

    Planejamento, finanas e servios de suporte, com adescrio e detalhamento do plano, atribuies e delegaes para ocumprimento dos resultados.

    Pessoal, contendo definies relativas gerncia e pagamentos.Reviso, com as regras de ajustes e variaes do contrato.Delegao financeira, contendo limites de delegao por

    rubrica (grandes nmeros) para o Diretor Geral.Finalmente, merece destaque a implementao do programa

    de melhoria dos padres de prestao dos servios pblicos, deno-minado Citizens Charter, baseado no incentivo competitividade,com remunerao atrelada ao desempenho. O programa pressupea elaborao de um estatuto, onde se estabelecem padres bsicosde desempenho na prestao de servios pblicos (por exemplo,nos centros de sade, os horrios so marcados com antecednciae padres de atendimento so estabelecidos). Alm disso, osresultados alcanados tm ampla divulgao e so realizadasauditorias para avaliar a performance na prestao dos servios.

    3.4. O caso francs

    O princpio fundamental que orienta o servio pblico francs o de assegurar o interesse geral, garantindo aos cidadoscondies de igualdade, adotando, para essa finalidade, um modeloque enfatiza o carter estatizante e centralizador.

    CROZIER (1989) comenta o salto fantstico dado pela sociedadefrancesa, a partir de 1945, assinalando o papel de contrapesoexercido pelo Estado visando a assegurar a estabilidade de umveleiro que anda muito rpido. Hoje, com a modernidade que asociedade obteve (triplicao do nvel de vida, duplicao daproduo industrial) esta armadura se rompe por todo lado, e oEstado que cada vez mais bloqueia o desenvolvimento. Em seguida,CROZIER (1989: 55-61) analisa o significado do Estado francesa,destacando o papel das relaes humanas como expresso das

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    prticas administrativas como determinante desta filosofiaestatizante: ele est por toda parte, intervm em tudo, invade asociedade em todos os seus aspectos. Como conseqncia desseenfoque de manter o interesse geral a qualquer preo, o Estado francesa fortalece a lgica burocrtica, privilegiando os controles,mais particularmente os controles de conformidade: isso no muitograve em um mundo que se transforma lentamente, mas se tornainsuportvel em um mundo que se transforma rapidamente, onde ainovao desempenha um papel cada vez mais decisivo. Num tommais otimista, Crozier conclui essa reflexo apontando um cenriofavorvel mudana, a partir das seguintes tendncias: a) a evoluoda cultura francesa conduz a maiores exigncias de simplicidadenas relaes sociais, encontros mais diretos, livres das barreiras doformalismo; b) renasce o esprito empreendedor, baseado na idiade autonomia e menor dependncia de ajudas ou autorizaesexternas para a realizao das atividades: c) a fora do movimentoda qualidade e sua real possibilidade de utilizao na funo pblicafrancesa; e d) a irreversibilidade dos processos de abertura para oexterior e aumento de competitividade.

    Nesse contexto de transio em direo a um modelo menosestatizante e centralizador, a experincia francesa recente apresentauma evoluo bastante peculiar, que merece ser apreciada. Odocumento base da reforma do Estado do atual governo (Notatcnica MARE/cooperao francesa 1996), definiu os seguintesobjetivos prioritrios:

    Definir o papel do Estado, focalizando os aspectos depossibilidades de parceria com o setor privado, adaptao modernidade e concorrncia, descentralizao de competnciaspara as administraes territoriais e integrao com a UnioEuropia;

    Focalizar o cidado, enfatizando os novos princpios desimplicidade, qualidade, acessibilidade, rapidez, transparncia,mediao, participao e responsabilidade, a serem acrescentadosaos princpios clssicos da neutralidade, igualdade e continuidade;

    Reformar o Estado central, a quem devem caber asfunes de regulao entendidas como: previso, anlise,formulao de polticas, legislao e avaliao;

    Delegar responsabilidades, racionalizar o aparelho doEstado, renovando as relaes entre o Estado central e osexecutores;

    Renovar a gesto dos recursos humanos, reduzindo onmero de carreiras, aperfeioando a avaliao individual e os

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    critrios de remunerao, dotando o funcionrio de polivalncia ecapacidade de adaptao profissional;

    Renovar a gesto oramentria, por intermdio da fixaode prioridades, melhoria dos sistemas de informao, discusso dosoramentos futuros com base nos resultados de exerccios findos,criao de quadro oramentrio plurianual, controle e gestooramentrios.

    O processo de modernizao tem enfatizado a transfernciade atividades para os nveis locais, mediante desconcentrao, quesignifica repassar a prestao de servios para as projees regionaisda administrao central, e da descentralizao, que transferefunes do poder central para os departamentos ou governos locais.A descentralizao, alm de territorial, pode ser tambm funcional,por meio da transferncia de atividades aos estabelecimentos pblicos(algo similar s nossas autarquias), ou mesmo pela concesso aosetor privado. Estes movimentos visam a reduzir o nvel central,delegando a prestao dos servios aos nveis locais e fortalecendoo papel regulador. Outra tendncia a da contratualizao dasatividades dos rgos pblicos (projetos de servio/centro deresponsabilidade), apoiadas por um sistema de informaes e deavaliao. A desconcentrao e a descentralizao visam aproximardo usurio a execuo ou centro de deciso, enquanto que os projetosde servio/centro de responsabilidade visam dotar a administraopblica de maior eficincia e eficcia nos servios e melhoratendimento ao usurio. Os centros de responsabilidade so rgosvinculados a ministrios, geralmente direes, que tm porcompetncia a execuo de determinados servios - diretamenteao pblico ou a outros rgos da administrao, caracterizando-sepela associao do pessoal envolvido na busca da eficincia eeficcia, pela gesto rigorosa e pela determinao de resultadosmensurveis e qualificveis, dentro de um padro de desempenho,segundo as especificaes dos projetos de servio. Para tanto, osrgos passam a gozar de algumas flexibilidades regulamentares eo desempenho pode ser premiado com bonificaes aosfuncionrios. Os resultados tm sido positivos e h um interessecrescente em aumentar a experincia. A adoo dos centros deresponsabilidade em um dado ministrio formalizada por umaconveno firmada entre os ministros da Economia e Oramento,da Funo Pblica e do ministrio interessado. A constituio deum centro se d quando se atribui tal condio a um rgosubordinado ao ministrio em questo, mediante a assinatura de umcontrato, normalmente de trs anos, estabelecendo compromissose flexibilidades.

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    4. A experincia brasileira

    4.1. Antecedentes

    A primeira experincia concreta de reforma administrativano Brasil ocorre na dcada de 30, no governo de Getlio Vargas. Apreocupao central era a da introduo do modelo burocrtico, decorte weberiano, na administrao pblica brasileira para enfrentara expanso patrimonialista vigente. L. MARTINS (1995) analisa esseperodo, comentando as trs diretrizes propostas por MaurcioNabuco, importante diplomata brasileiro, encarregado de estudar oassunto, junto com Luis Simes Lopes: definio de critriosprofissionais para ingresso no servio pblico, desenvolvimento decarreiras e estabelecimento de regras de promoo baseadas nomrito. Dentro deste esprito criado o DASP Departamento deAdministrao do Servio Pblico, que assume as funes deimplementar essas diretrizes, de supervisionar a administraopblica e de formar os administradores pblicos do primeiro escalo,alm de fixar o oramento nacional. O resultado objetivo, aindasegundo Martins, foi o estabelecimento de um duplo padro: os al-tos administradores seguiram essas normas e tornaram-se a melhorburocracia estatal da Amrica Latina; os escales inferiores(incluindo os rgos da rea social) foram deixados ao critrioclientelista de recrutamento e manipulao populista dos recursospblicos. Com o tempo, o DASP cristaliza sua atuao, tomandoares de super-instituo, afirmando os princpios de centralizao ehierarquia.

    Embora continue cumprindo o seu papel de profissionalizaodo servio pblico, o Departamento comea a apresentar osprimeiros sinais de disfuncionalidade. Surge a famosa expresso: necessrio fugir das raias do DASP. BRESSER PEREIRA (1996)observa que, j em 1938, temos um primeiro sinal da administraopblica gerencial, com a criao da primeira autarquia, a partir daidia de descentralizao na prestao de servios pblicos para aadministrao indireta, que estaria liberada de obedecer a certosrequisitos burocrticos da administrao direta. Entretanto, con-tinua Bresser, a primeira tentativa real de reforma gerencial naadministrao pblica brasileira ir ocorrer em 1967, com o Decreto-Lei 200, sob o comando de Amaral Peixoto e inspirao de HlioBeltro, com o ntido objetivo de enfrentar as limitaes do modeloburocrtico. O referido instrumento legal, que continha aspiraesdescentralizadoras bastante significativas, preconizava o

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    fortalecimento da administrao indireta por intermdio dadescentralizao e da autonomia das autarquias, fundaes eempresas estatais, como forma de agilizar a atuao do Estado.Entretanto, cometeu o equvoco de no repensar os mecanismos decontrole, enfraquecendo, desta forma, o ncleo central do aparelhoestatal responsvel pela formulao das polticas pblicas. Istopermitiu tanto a realizao de experincias exitosas no campo dagesto pblica, quanto usos indevidos das flexibilidades e autonomias,desvirtuando o objetivo proposto. Tanto assim que, em 1988, quandoda promulgao da nova Constituio brasileira, que, sem dvida,representou um avano significativo no campo da participao popu-lar e incorporao do valor da cidadania, houve um importanteretrocesso no captulo da administrao pblica, de tal sorte que,hoje, no h rigorosamente diferena significativa entre asadministraes direta e indireta do ponto de vista dos graus deliberdade. Alm disto, o que mais grave, perdeu-se a cultura degerenciamento por resultados, talvez pela ausncia destasflexibilidades a partir do argumento da inviabilidade de realizar osobjetivos por falta de autonomia para gerir os meios e recursosnecessrios. A lgica prevalecente, infelizmente, baseada numacerta impunidade, j que fazer tudo, ou seja cumprir com os objetivos,d no mesmo que fazer nada.

    4.2. A reforma de 1995

    4.2.1. Prembulo

    A partir de 1995, o governo Fernando Henrique Cardosoestabelece uma nova estratgia para a reforma da administraopblica brasileira integrada a um processo mais abrangente dereforma do Estado. A sinalizao evidente desta prioridade dadaquando da transformao da ento SAF Secretaria da Admi-nistrao Federal num novo ministrio, que, alm das funes tra-dicionais de gesto da funo pblica, assume o papel decoordenador do processo de reforma do aparelho do Estado. Estenovo ministrio, denominado MARE Ministrio da AdministraoFederal e Reforma do Estado passa a funcionar desde o primeiromomento de instalao deste governo, a partir de janeiro de 1995.Tambm instalada a Cmara da Reforma do Estado, instnciainterministerial deliberativa sobre planos e projetos de implementaoda reforma, alm de um Conselho da Reforma do Estado, integrado

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    por representantes da sociedade civil, com atribuies de assessorara Cmara nesta matria.

    O primeiro semestre de 1995 foi dedicado ao desenho daestratgia, a partir da elaborao da verso preliminar do PlanoDiretor da Reforma do Aparelho do Estado, que foi submetido apreciao da Cmara quando da reunio de sua instaurao, emjunho, em sesso coordenada pelo Presidente da Repblica. Emseguida, iniciou-se um processo de discusso do referido documentovisando ao seu aperfeioamento, sendo o mesmo aprovado pelaCmara em meados de outubro.

    4.2.2. O plano diretor e aadministrao pblica gerencial

    O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995),representa, na verdade, um esforo de sistematizao da estratgiade enfrentamento dos principais problemas da administrao pblicabrasileira, num contexto que determinado, por um lado, pelapresena de uma forte cultura burocrtica e, por outro, pela existnciade prticas ainda patrimonialistas. Essa estratgia visa, ao mesmotempo, criar condies para a superao desses problemas,assegurando ganhos de eficincia no aparelho do Estado e aumentosna qualidade dos servios prestados sociedade. Em sntese, o quese pretende implantar o modelo de administrao pblica gerencial,baseado na adoo dos seguintes princpios:

    Focalizao da ao do Estado no cidado, o quesignifica o resgate da esfera pblica como instrumento do exerccioda cidadania. O Estado deve ser entendido como o frum onde ocidado exerce a cidadania, portanto todo e qualquer esforo dereforma deve ter como objetivos melhorar a qualidade da prestaodo servio pblico na perspectiva de quem o usa e possibilitar oaprendizado social de cidadania;

    Reorientao dos mecanismos de controle pararesultados, o que significa evoluir de uma lgica baseada tosomente no controle da legalidade e do cumprimento do ritoburocrtico para uma nova abordagem centrada no alcance deobjetivos. Os mecanismos de controle, na perspectiva burocrticaatual representam um entrave ao eficiente e inovadora, ao invsde ajudar representam um obstculo ao. Na medida do possveldever acontecer uma evoluo natural dos controles a priori paracontroles a posteriori baseados em indicadores de resultados;

    Flexibilidade administrativa, que permita a instituiese pessoas alcanarem seus objetivos. No se trata de outorgar

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    autonomia pela autonomia, mas sim a necessria para o alcancedos resultados. Isto exigir a delimitao dos espaos de atuaoda mquina pblica, a partir do fortalecimento dos papis deformulao de polticas e regulao, gerando, como conseqncia,um tratamento sob medida da questo, j que o grau de flexibilidadedepende da natureza da atividade a ser exercida. Hoje, notadamentena administrao indireta, ocorre uma realidade no mnimo curiosa,a da autonomia invertida: as instituies so bastante autnomaspara decidirem sobre os seus fins, mas quase nada no que diz respeitoaos meios;

    Controle social, o que quer dizer desenhar mecanismosde prestao social de contas e avaliao de desempenho prximosda ao. Se o objetivo o resgate da cidadania e a reorientaopara resultados, este controle no pode se limitar apenas dimensointerna, com base em quem presta o servio. Tem que ser naperspectiva de quem usa ou se beneficia da prestao dos serviospblicos;

    Valorizao do servidor, que representa, na verdade, ancora do processo de construo coletiva do novo paradigma,orientado para o cidado e realizado pelo conjunto dos servidoresde forma participativa. Implantar o modelo de administrao pblicagerencial no significa mudar sistemas, organizaes e legislao;muito mais do que isso, significa criar as condies objetivas dedesenvolvimento das pessoas que conduziro e realizaro asreformas. Nesse sentido, valorizar o servidor quer dizer estimularsua capacidade empreendedora, sua criatividade, destacando oesprito pblico de sua misso e o seu comportamento tico visandoo resgate da auto-estima e o estabelecimento de relaesprofissionais de trabalho.

    No se trata simplesmente da aplicao direta de princpiosda administrao de empresas na gesto pblica; nem tampouco deabandonar as categorias da burocracia clssica por completo. Oimportante fazer as apropriaes e adaptaes necessrias nosentido de dotar a administrao pblica de um modelo que,efetivamente, a ajude cumprir com suas finalidades. Em comple-mento, o plano diretor aprofunda, na conceituao do modeloproposto:

    A administrao pblica gerencial inspira-se na administraode empresas, mas no pode ser confundida com esta ltima.Enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que osclientes fazem livremente na compra de seus produtos e servios, areceita do Estado deriva de impostos, ou seja, de contribuies obri-gatrias, sem contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a

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    administrao das empresas, a sociedade por meios polticoseleitos controla a administrao pblica. Enquanto a administra-o de empresas est voltada para o lucro privado, para a maximi-zao dos interesses dos acionistas, esperando-se que, atravs domercado, o interesse coletivo seja atendido, a administrao pblicagerencial est explcita e diretamente voltada para o interesse pblico.

    Neste ltimo ponto, como em muitos outros (profissionalismo,impessoalidade), a administrao pblica gerencial no se diferenciada administrao pblica burocrtica. Na burocracia pblica clssicaexiste uma noo muito clara e forte do interesse pblico. Adiferena, porm, est no entendimento do significado do interessepblico, que no pode ser confundido com o interesse do prprioEstado. Para a administrao pblica burocrtica, o interesse pblico freqentemente identificado com a afirmao do poder do Estado.Ao atuarem sob este princpio, os administradores pblicos terminampor direcionar uma parte substancial das atividades e dos recursosdo Estado para o atendimento das necessidades da prpriaburocracia, identificada com o poder do Estado. O contedo daspolticas pblicas relegado a um segundo plano. A administraopblica gerencial nega essa viso do interesse pblico, relacionandoo interesse pblico com o interesse da coletividade e no com o doaparato do Estado (Plano Diretor da Reforma do Aparelho doEstado, 1995).

    4.2.3. O redesenho institucional proposto

    Para implementar a administrao pblica gerencial foinecessria a proposio de um modelo conceitual que melhorexplicasse o funcionamento do aparelho do Estado. Obviamente, aopo de construo de um modelo traz implicitamente oinconveniente da imperfeio: um modelo sempre umasimplificao da realidade, mas a alternativa no utilizao domodelo induziria a optar-se por uma estratgia com um grau degeneralidade tal que, certamente, no geraria contestaes mas,tambm no atacaria os problemas com a especificidade requerida.Assim, a proposta de reforma do aparelho do Estado supe osseguintes quatro setores:

    Ncleo estratgico, entendido como o setor do Estadoque edita leis, formula polticas e busca assegurar o seu cumprimento. representado pelo Legislativo, Judicirio e, no Executivo, pelacpula que decide sobre a formulao de polticas;

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    Atividades exclusivas, que so aquelas atividadesindelegveis e para o seu exerccio necessrio o uso do poder deEstado, como por exemplo, a polcia, as foras armadas, afiscalizao, a regulamentao, o fomento;

    Servios no-exclusivos, que so aqueles relativosnormalmente prestao de servios de alta relevncia ou os queenvolvem economias externas e no podem ser adequadamenterecompensados no mercado atravs da cobrana dos servios. Almdisto, a prestao desses servios no implica a utilizao do poderde Estado, e so, por exemplo as universidades, os hospitais, oscentros de pesquisas, os museus;

    Produo de bens e servios para o mercado ,representado pelo setor de infra-estrutura, onde atuam as estatais,e que apresenta tendncia de privatizao.

    Esta classificao permite a reflexo sobre trs aspectos funda-mentais relacionados necessidade de reforma do aparelho do Estado.

    A primeira diz respeito forma de administrao maisadequada para cada um dos setores antes mencionados. Para oncleo estratgico, por suas caractersticas mais estveis ligadass condies adequadas para a formulao de polticas, o modeloburacrtico com avanos na direo do modelo gerencial pareceser a forma mais recomendada. A idia de carreiras, concursospblicos mais rgidos e estabilidade do servidor parece adequada realidade e dinmica do setor. J para os demais, recomenda-se autilizao do modelo de administrao pblica gerencial.

    A segunda reflexo est relacionada forma de propriedademais adequada para a realizao eficaz dos objetivos de cada setor.Esta, certamente, uma discusso polmica, interessante e poucoaprofundada na realidade brasileira. Normalmente, quando se discutesobre formas de propriedade, a discusso se limita aos dois extremosda questo: privada ou estatal. Quanto ao ncleo estratgico e osetor de atividades exclusivas, a propriedade deve ser estatal,enquanto que, para o setor de produo para o mercado, a tendncianatural a da propriedade privada. J no setor de servios no-exclusivos a histria diferente. H um terceiro setor poucoconsiderado quando desta discusso: a esfera pblica no-estatal,que se apresenta como uma alternativa bastante vivel para estesetor. Ela composta de organizaes voltadas para a prestao doservio pblico, portanto organizaes sem fins lucrativos, mas queno pertencem ao aparelho do Estado. BRESSER PERREIRA (1996:27-28) explora este conceito a partir da diviso clssica do Direitoentre Direito Pblico e Privado, onde o Direito Pblico foiidentificado com o Direto Estatal e o Privado foi entendido como

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    englobando as instituies no-estatais sem fins lucrativos, que, naverdade, so pblicas. Observa que:

    O reconhecimento de um espao pblico no-estataltornou-se particularmente importante em um momento em quese aprofundou a dicotomia Estado-setor privado, levandomuitos a imaginar que a nica alternativa propriedade estatal a privada. A privatizao uma alternativa adequada quandoa instituio pode gerar todas as receitas da venda de seusprodutos e servios, e o mercado tem condies de assumir acoordenao de suas atividades. Quando isto no acontece,est aberto o espao para o pblico no-estatal. Por outrolado, no momento em que a crise do Estado exige o reexamedas relaes Estado-Sociedade, o espao pblico no-estatalpode ter um papel de intermediao ou poder facilitar oaparecimento de formas de controle social direto e de parceria,que abrem novas perspectivas para a democracia.

    Finalmente, a terceira reflexo est orientada para o escopoinstitucional mais adequado, tendo em vista o modelo conceitualproposto. Assim, para o ncleo estratgico mantm-se a estruturasimilar ao que hoje se denomina administrao direta. Para o setor deatividades exclusivas, o modelo institucional proposto o de agnciasexecutivas, que representam um esforo de recuperao do conceitooriginal de autarquia e fundao, perdido com a Constituio de 1988,naturalmente ajustado nova realidade do controle por resultado.Para o setor de servios no-exclusivos o modelo o das organizaessociais, que so entidades pblicas no-estatais que tm autorizaodo parlamento para participar do oramento pblico. Finalmente, parao setor de produo para o mercado a alternativa institucional maisadequada a de empresa, pblica, estatal ou privada. Vale ressaltar,que em todos os casos, Agncias, Organizaes Sociais ou Empresas,a relao com o ncleo estratgico ser formalizada por meio decontratos de gesto a partir do estabelecimento de compromissos deresultados e a contrapartida de recursos e autonomias necessrios.

    4.2.4. A estratgia

    A reforma do Estado, mais do que um conjunto de intenes, um processo complexo e permanente, que requer, para o seu plenodesenvolvimento, objetividade, persistncia e construo de umaestratgia que permita enfrentar conflitos e ambigidades. Numcontexto determinado por profundas transformaes, nem sempre

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    previsveis, torna-se fundamental criar as condies que garantama irreversibilidade dos processos de mudana.

    Assim, realizar a reforma do aparelho do Estado, implica, naverdade, em realizar trs grandes reformas, ou, em outras palavras,realizar a reforma a partir de trs dimenses estratgicas bsicas:

    A dimenso institucional-legal, que tem por objetivo o aperfei-oamento de todo o sistema jurdico-legal vigente que represente obst-culos implementao do modelo de administrao pblica gerencial.Isto implica a necessidade de operacionalizar alteraes de ordem cons-titucional na legislao corrente, nas normas e procedimentos em geral.

    A segunda diz respeito dimenso cultural, que visa substituira cultura burocrtica dominante pela gerencial. O Plano Diretorassinala: os indivduos so vistos como essencialmente egostas eaticos, de forma que s o controle a priori, passo a passo, dosprocessos administrativos permitir a proteo da coisa pblica. Amudana para uma cultura gerencial uma mudana de qualidade.No se parte para o oposto, para uma confiana ingnua nahumanidade. O que se pretende apenas dar um voto de confianaprovisrio aos administradores, e controlar a posteriori os resultados.

    A terceira dimenso, muito prxima da segunda, a da gesto,onde efetivamente se processa e se implementa a reforma. Consistebasicamente da introduo de novos princpios e tcnicas deadministrao voltados para a melhoria do desempenho das instituiespblicas. Isto pressupe dois movimentos centrais de modernizao: oprimeiro, numa perspectiva global, a partir da implementao de umprograma de qualidade e participao, que inclui a reestruturaoestratgica, estabelecimento de compromissos de resultados edesenvolvimento de recursos humanos; e o segundo, numa perspectivamais localizada, a partir da seleo de unidades-piloto de experimentao,que tem por objetivo transformar as atuais organizaes dos setores deatividades exclusivas e no-exclusivas de Estado respectivamente emAgncias Executivas e Organizaes Sociais, incluindo a reestruturaoe capacitao necessrias para a assinatura de contratos de gesto.

    Estas dimenses, embora guardem certa independncia, nolimite se complementam. Naturalmente possvel avanar nadireo das mudanas cultural e de gesto, ainda que mantido ostatus atual da legislao vigente. Mas at certo ponto: a verdadeirareforma implica a realizao integral das trs dimensesenunciadas, ou seja, no se realiza a reforma do aparelho do Estadoa partir de uma s perspectiva do problema. Em outras palavras,e tendo outra vez CROZIER (1989: 62-63) como referncia, no sefaz reforma por decreto: as medidas legislativas e executivas tm

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    sua importncia, s vezes decisiva, mas no dessa maneira quese transforma um conjunto institucional. A diferena estar noshomens e na organizao feita por eles. Convm, portanto, influirsobre os homens e sobre o conjunto institucional que elesconstituem.

    5. O futuro da gesto pblica: impactos do modeloda administrao pblica gerencial

    5.1. Mudando atravs das pessoas

    Antes de discutir os impactos do modelo da administrao pbli-ca gerencial nos sistemas bsicos de gesto, necessrio discutir,ainda que simplificadamente, as tendncias de transformao dospapis e formas de atuao do Estado a partir das experinciasnacional e internacional recentes.

    Uma primeira tendncia parece ser a de concentrao dasaes do Estado naquelas funes tpicas, visando suprir comqualidade as demandas sociais bsicas. Outra, diz respeito a suamaneira tradicional de atuao, onde parece irreversvel a tendnciade evoluo de um papel meramente executor do atendimento dasdemandas sociais para o de promotor. Parece existir uma certaconfuso quando se trata do verdadeiro papel do Estado no campoda prestao dos servios sociais. Uma coisa imaginar que seupapel o de atender a estas demandas, outra entender que seupapel o de garantir que estas demandas sejam atendidas. O exameda experincia recente parece indicar que as reformasempreendidas, tanto no contexto nacional, quanto no internacional,no so reformas voltadas simplesmente para a melhoria dacapacidade de execuo do Estado; elas tm como objetivo centralampliar as capacidades de garantia da prestao dos servios. Emtese, para o cidado deveria ser transparente esta questo, que de arranjo interno do aparato estatal. Fazer diretamente, no mbitocentral ou local, ou fazer indiretamente atravs de parcerias comorganizaes no-governamentais, ou ainda atravs do setor privadono a questo central. O importante fazer, e fazer garantindoqualidade, quantidade e eqidade na prestao destes servios. Estadiscusso indica uma expanso do espao pblico no-estatal efortalecimento do aparelho do Estado como formulador e reguladordas polticas pblicas. Na prtica, entretanto, a indefinioinstitucional, tpica desse momento de transio, leva o Estado a

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    assumir papis e funes nem sempre compatveis com ascaractersticas desejveis, da mesma forma que induz asuperposio de atuao ou, ainda, omisso em reas estratgicas.O ideal seria concluir a discusso sobre os papis e funes doEstado que a sociedade deseja para, em seguida, iniciar o movimentode mudana, promovendo os ajustes necessrios. Entretanto, nemsempre possvel seguir esse caminho, porque a discusso sobrepapis uma discusso sem fim e porque a emergncia da criseexige ao. Assim, a realidade impe uma estratgia onde,simultaneamente, se pensa sobre o futuro e se age sobre o dia-a-dia. Como conseqncia, surgem ambigidades e conflitos queprecisam ser administrados.

    Nesse sentido, torna-se necessrio traduzir os impactos dessanova abordagem aos sistemas de apoio gesto pblica, como oplanejamento governamental, o oramento, a gesto financeira, amodernizao administrativa e a gesto de pessoal. Hoje, predominauma lgica bastante centralizadora e rgida nesse campo, comoresposta crise fiscal do Estado e incapacidade real deestabelecimento de prioridades, dada a ausncia de polticas pblicasconsistentes. Como esto cada vez mais escassos os recursos,administra-se na boca do caixa a partir do contingenciamento ede cortes lineares, atendendo somente o emergencial. Essa prtica,ainda que compreendida situacionalmente, no se sustenta, porqueretira do administrador a responsabilidade do resultado final. Comono h minimamente autonomia sobre os meios (no se podecontratar, promover, demitir, comprar, gerir as finanas), no seresponsabiliza pelos resultados. Reverter essa situao significareconstruir a capacidade analtica do Estado a partir da delimitaoclara e objetiva de seus novos papis e do redesenho de sistemasde apoio compatveis com esse cenrio. preciso:

    resgatar, em outras bases, a cultura de planejamentoperdida;

    evoluir de um oramento, hoje considerado como pea defico, para: a) um instrumento gerencial, vinculado ao planejamentoe flexvel, e b) um instrumento de viabilizao do controle social (ooramento participativo);

    conceber uma nova sistemtica de gesto financeira queassegure a disponibilidade de recursos de forma coerente com oscompromissos de resultados;

    construir uma conscincia de custos na administraopblica que permita avanar na busca da eficincia;

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    modernizar as estruturas organizacionais, que devem serleves, flexveis, descentralizadas, horizontais, reduzindo nveishierrquicos;

    repensar o controle; e, fundamentalmente, construir uma poltica de recursos

    humanos que assegure e delimite o espao do novo servidor dopblico.

    Implementar processos de transformao organizacional tem,no desenvolvimento das pessoas seu fator chave de sucesso,representa a ncora deste processo: eu no mudo as organizaes,mudo as pessoas, que promovem processos de mudanaorganizacional. Neste sentido, dois aspectos so fundamentais. Oprimeiro, j discutido anteriormente, trata da organizao orientadapor misses. Se no houver uma clara e objetiva declarao demisso, e um alto grau de compartilhamento junto s pessoas, nohaver condies favorveis para implementar a mudana. Outroaspecto relevante o da delegao de poderes e competncia paraimplement-las (empowerment). necessrio aumentar o poderde deciso das equipes e indivduos no sentido de viabilizar a ao,naturalmente tendo como contrapartida a responsabilizao porresultados. Como conseqncia, ser necessrio realizar um amploprograma de sensibilizao, buscando assegurar o comprometimentodas pessoas, alm da capacitao dos quadros para a nova realidadeda administrao pblica.

    Essa nova realidade exigir uma nova gerncia. Mais do quegerncia, liderana, pois o novo contexto caracterizado por profundastransformaes, vai demandar habilidades de negociao eadministrao de conflitos. SENGE (1990), discutindo a nova visode liderana nas organizaes, destaca trs funes bsicas dodirigente: a) o dirigente como projetista, enfatizando que para oexerccio de seu papel de liderana fundamental sua atuao desdea etapa de projeto da organizao; b) o dirigente como guia,rompendo com a viso tradicional que separa, nas organizaes, ospensadores dos executores, transformando o dirigente no orientadordos diversos objetivos da sua equipe; c) o dirigente como professor,responsvel pela promoo das condies de aprendizagem,ajudando as pessoas no desenvolvimento de suas habilidades.

    Finalmente, no campo da avaliao do desempenho dosrecursos humanos, ser fundamental proceder a modificaessignificativas. No faz mais sentido aquela avaliao tradicionalfocada no desempenho individual. Esta postura induz competioselvagem que em nada ajuda o desenvolvimento das organizaes.Neste campo a tendncia tem sido a de vincular o desempenho

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    mais s equipes que ao indivduo, num esprito muito mais decooperao que de competio.

    5.2. Uma nova viso do planejamento

    Num ambiente caracterizado por profundas transformaese pela imprevisibilidade das mudanas, o planejamento assume papeldeterminante. Mas certamente no se trata do planejamento queestamos acostumados a fazer. Muda o conceito e muda o mtodo.Aquela velha lgica determinista e linear, coerente com um contextode estabilidade, quase imutvel, d lugar a um processo maisdinmico e gil baseado na adoo de uma postura estratgica aoinvs do simples cumprimento de ritos metodolgicos. Antes erapossvel imaginar processos, quase rituais, em que as organizaes,diante de um problema, idealizavam a soluo em dois momentos:um do planejamento e outro da operao. Para isto, isolavam-se dasua realidade, desligavam o mundo real por algum tempo e produziamum belo documento com misses, anlises de ambiente, objetivos,metas, indicadores, programaes, oramentos e, depois de algunsmeses, religavam o mundo para implementar o plano salvador.Certamente este plano enfrentaria uma realidade completamentedistinta da imaginada na etapa de formulao. Hoje, mais do quepreciosismos metodolgicos, a organizao moderna necessita deprontido. Perde o sentido a eterna discusso se o processo deveorientar-se de cima para baixo ou de baixo para cima, o relevanteest em conseguir faz-lo de fora para dentro. O mtodo, se preciso, o planefazendo, e para isto fundamental desenvolver duascapacidades: a de anteviso e de adaptao, simultaneamente!Neste contexto, as organizaes orientadas por vises fazem adiferena. Ter uma bela e inspiradora viso e compartilh-la dentroda organizao, no significa adivinhar o futuro, significa sim,constru-lo. Uma viso tem fora, mais do que isto tem poder, podesubstituir o lder nos seus impedimentos, funcionando comoorientadora das aes institucionais.

    Sobre os enfoques alternativos ao planejamento convencional,voltados para a realidade do setor pblico, convm examinar aimportante contribuio do economista chileno Carlos Matus contidano livro Poltica, Planejamento e Governo e o artigo do indianoRavi Ramamurti, Planejamento Estratgico em EmpresasDependentes de Governo.

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    5.3. Repensando o controle

    A implementao do modelo de administrao pblicagerencial induz a duas importantes reorientaes nos sistemastradicionais de controle: uma de foco, outra de forma. Algumasiniciativas j apontam nesta direo, mas outras precisam serrapidamente realizadas.

    A primeira das reorientaes trata especificamente danecessidade de fazer evoluir o controle voltado ao cumprimento dorito burocrtico, na direo do controle por resultados. Hoje, semrisco de cometer exageros, pode-se afirmar que o controle, quandoexiste, est preocupado, to somente, com a legalidade da aoadministrativa: o bom administrador o que cumpre o rito, o manual,o que segue a cartilha, e no o que atinge os objetivos. Recentementea imprensa noticiou que um prefeito recebeu recursos para construirduas escolas e fez trs e por isto est sendo questionado. Se tivessefeito uma , mas seguido rigorosamente o rito, nada aconteceria.Claro que no se est propondo o descumprimento dos dispositivoslegais vigentes, mas, certamente, algo precisa ser feito, incluindo arevises na legislao, no sentido de garantir um controle mais efetivodos resultados. Alm disto, necessrio recuperar a cultura perdidade planejamento, desenvolver novos mtodos e introduzir novosvalores voltados para o controle de resultados. Neste sentido, autilizao de instrumentos, como o contrato de gesto, por exemplo,pode ajudar a realizar este importante desafio. Vale destacar que aquesto no se limita a simplesmente introduzir este instrumento,mais do que isto o objetivo o de implementar uma nova filosofiade controle baseada na avaliao dos resultados.

    A segunda reorientao est voltada para os meios derealizao do controle, se interno ou externo. Quando se abordaesta questo, duas dimenses do problema vm tona: o controleda eficincia e o da efetividade. O primeiro est centrado na anliseda relao insumo/produto: quo eficiente a organizao naalocao dos insumos para a obteno dos produtos? Outra questo saber qual o verdadeiro impacto dos produtos junto aos usuriosdos servios prestados pela organizao? O que mudou, na realidadecom os produtos gerados? Esta segunda dimenso coloca anecessidade de encontrar caminhos que viabilizem o controle so-cial, aproximando, cada vez mais, a prestao dos servios aosnveis locais de governo e explorando o espao pblico no-estatal,o que permite uma realizao mais direta do controle por parte doscidados-usurios dos servios prestados.

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    Algumas experincias apontam a tendncia nessa direo.No Brasil, a experincia do SUS Sistema nico de Sade,baseado na integrao de esforos das esferas de governo naprestao de servios na rea de sade pblica, sob a superviso deconselhos comunitrios; a proposta de fortalecimento do espaopblico no- estatal por intermdio da implantao das organizaessociais cujo conselho de administrao contar com a participaomajoritria de representantes da sociedade civil que usam os serviosda organizao; a experincia da adoo do oramento participativopor parte de algumas administraes locais brasileiras, como PortoAlegre e Braslia; a experincia de atendimento ao cidado SAC,realizado pelo governo do estado da Bahia a partir da integrao daprestao do servio ao pblico envolvendo as diversas esferas degoverno em locais de grande concentrao populacional com elevadopadro de atendimento e avaliao permanente por parte dos usurios.Em Portugal, o INFOCID, experincia baseada na disponibilizaode informaes ao cidado em quiosques, a partir de um sistemaglobal e integrado, utilizando tecnologia multimdia. Na Gr-Bretanha,o programa de melhoria da qualidade na prestao dos serviospblicos (Citizens Charter), onde so estabelecidos padres deatendimento e mecanismos de avaliao sobre a performance dosservios prestados populao. Nos EUA, a experincia realizadapor algumas administraes locais, de distribuio de vales educa-cionais para a comunidade, transferindo para o cidado a decisosobre a escolha da escola mais adequada para matricular seusdependentes.

    Assim, repensar o controle uma responsabilidade coletiva.Envolve a sociedade a partir do desenvolvimento permanente doconceito de cidadania. Envolve, tambm, toda a administrao pblicaque precisa se preparar para essa nova realidade. Nesse sentidotorna-se fundamental construir uma nova viso do controle a partirda capacitao dos quadros tcnicos e gerenciais, tanto no ncleoestratgico quanto nas instituies executoras das polticas pblicasvisando a adequao aos novos requerimentos. No caso brasileirovale destacar os esforos pioneiros de antecipao que vm sendopromovidos pela Secretaria Federal de Controle, rgo do Ministrioda Fazenda, e pelo Tribunal de Contas da Unio no sentido deacompanhar as tendncias e implementar programas de aperfeioa-mento contnuo de mtodos e sistemtica de atuao, alm dosinvestimentos realizados no campo do desenvolvimento dos seusrecursos humanos.

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    6. Construindo a aliana estratgica necessria: guisa de concluso

    Realizar um processo de transformao, que envolva mudanade cultura e atitudes no tarefa trivial. Ao contrrio, requer habi-lidade e liderana para a conduo do processo, que certamenteacontecer num contexto caracterizado por resistncias e ambi-gidades. Toda mudana cria um clima de instabilidade, o que natural, diante do novo, que supe um custo inicial de aprendizado.Tambm, inevitavelmente associada a um processo detransformao, est a possibilidade de ganhos e perdas, naperspectiva dos atores envolvidos no processo.

    No sentido de enfrentar os obstculos naturais, nesse contextode mudana, torna-se fundamental estabelecer uma estratgia queviabilize o processo, por intermdio de mecanismos que neutralizemas ameaas e potencializem as oportunidades. Peter Senge, em AQuinta Disciplina, enfatiza que o sucesso de uma organizao estdiretamente relacionado sua capacidade de aprender: as melhoresorganizaes do futuro sero aquelas que descobriro comodespertar o empenho e a capacidade de aprender das pessoas emtodos os nveis da organizao. Isso significa muito mais do queobter informao. Em palestra para o programa Leadership andMastery, compilada por RAY e RINZLER (1993), Senge afirma:aprender tem muito pouco a ver com informar-se. Em essncia,aprender consiste em melhorar a capacidade. Aprender criar econstruir a possibilidade para fazermos aquilo que antes nopodamos. O aprendizado est intimamente relacionado com a ao,o que no acontece com a absoro de informao. Uma das razespelas quais o aprendizado tradicional to aborrecido esta: aabsoro de informaes aborrecidssima, passiva demais. J overdadeiro aprendizado est sempre no corpo, liga-se ao.

    Assim, fundamental explicitar com bastante objetividade osresultados pretendidos com a mudana e as conseqncias positivase negativas, visando a ampliar o espao de adeso. Normalmenteassocia-se risco mudana, mas, muitas vezes o risco maior estem no mudar!

    Nos processos de transformao organizacional, tanto no mbitoda administrao de empresas, quanto no da administrao pblica,dois so os elementos-chave, que funcionam como sujeito e objeto damudana: quem presta o servio e quem dele se beneficia . Amudana ser sempre conduzida pelas pessoas que prestam o serviopara as pessoas que usam o servio. No caso da administrao pblica,

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    essa abordagem motiva a discusso da necessidade de construode uma importante aliana estratgica entre servidores e cidados nadireo de um objetivo comum, qual seja, o de (re)construir um Estadoque permita ao cidado o exerccio pleno da cidadania, por intermdiode servidores do pblico. O que nos remete origem deste artigo, jque a governabilidade necessria para garantir a legitimidade dadapelo cidado, que elege seus representantes, e a governana, quesignifica a construo das capacidades de governar, dada pelosservidores, que prestam o servio ao pblico.

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    ResumoResumenAbstract

    Crise e reforma do Estado: uma questo de cidadania e valorizao do servidorCaio Mrcio Marini Ferreira

    O artigo discute a evoluo recente da problemtica da crise do Estado a partirdos trs movimentos voltados para a sua superao: a busca da eficincia, a melhoriada qualidade e o resgate da esfera pblica como instrumento do exerccio dacidadania. Em seguida so analisadas as limitaes impostas pelo modelo burocrticode administrao pblica e apresentadas as experincias recentes de reforma nosEUA, Gr-Bretanha, Frana e Brasil. So tambm avaliados os impactos do novomodelo de gesto pblica nas reas de planejamento, controle e desenvolvimentode pessoal. Finalmente o artigo discute o contexto de mudana e transformao doEstado destacando a necessidade de vincular os conceitos de governabilidade egovernana aos de cidadania e valorizao do servidor pblico.

    Crisis y reforma del Estado: Una cuestin de ciudadana y valorizacin delfuncionario pblico

    Caio Mrcio Marini Ferreira

    El artculo debate la evolucin reciente de la problemtica de la crisis delEstado a partir de los tres movimientos dirigidos hacia su superacin: la bsquedade la eficiencia, la mejora de la calidad y el rescate de la esfera pblica comoinstrumento de ejercicio de la ciudadana. A continuacin, se analizan las limitacionesimpuestas por el estndar burocrtico de administracin pblica y se presentanlos experimentos recientes de reforma en los EE.UU., Gran Bretaa, Francia yBrasil. Tambin se evalan los impactos del nuevo modelo de gestin pblica enlas reas de planificacin, control y desarrollo de personal. Finalmente, el artculotrata del contexto de cambio y transformacin del Estado resaltando la necesidadde vincular a los conceptos de gobernabilidad y Gobierno a los de ciudadana yvalorizacin del funcionario pblico.

    State crisis and reform: a question of citizenship and civil servant meritrecognition.

    Caio Mrcio Marini Ferreira

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    A reforma do Estado e aconcepo francesado servio pblico

    Jacques Chevallier

    Gostaramos de tentar avaliar, nesta oportunidade, os efeitosda reforma do Estado e dos servios pblicos divulgada pelacircular do dia 26 de julho de 1995 sobre a concepo tradicionaldo servio pblico.

    1) Esta confrontao , primeira vista, problemtica. Porquefoi contruda no curso da evoluo histrica, a concepo francesado servio pblico repousa, na realidade, sobre a combinao e afuso de trs dimenses: funcional, axiolgica e jurdica:1 ela secaracteriza pela extenso da esfera da gesto pblica, pelaespecificidade dos valores que governam seu funcionamento e pelaparticularidade das regras jurdicas que a ela se aplicam; ora, areforma do Estado no atinge nenhum destes aspectos. Ela novisa resolver o sensvel problema da delimitao da rea de aodos servios pblicos. verdade que a circular do dia 26 de julhode 19952 fizera desta delimitao seu primeiro objeto prioritrio.Tratava-se de tornar claras as funes do Estado e a rea de aodos servios pblicos, notadamente definindo, domnio por domnio,a fronteira entre as funes que pertencem s pessoas pblicas eaquelas que podem remontar a protagonistas privados; mas esteobjetivo desapareceu do documento de trabalho,3 cujas diretrizesdeterminaram a abertura, em maro de 1996, de uma extensacomposio entre as diferentes pessoas envolvidas nesta supressoque, sem dvida, resultou dos movimentos sociais que agitaram osetor pblico, em dezembro de 1995. A reforma do Estado no tem

    Revista doServioPblico

    Ano 47Volume 120Nmero 3Set-Dez 1996

    Jacques Chevallier professor daUniversidade deParis II,Panthon Assas.

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    mais a ambio de promover uma nova axiologia aplicvel ao pblico,mas antes pretende aprofundar e ampliar as referncias tradicionais;tambm no modifica a prpria essncia do regime administrativo,mesmo se ela pretende inverter a regra segundo a qual o silncio daadministrao provoca uma deciso implcita de recusa.

    Ainda mais explicitamente, o documento de trabalho indicaque no se trata nem de modificar o estatuto da funo pblica,nem de atacar os princpios do servio pblico. A reforma doEstado pretende, ao contrrio, ser fiel aos princpios fundamentaisda nossa tradio republicana: na Frana, o Estado identificar-se-ia, com efeito, Repblica, e este Estado Republicano,responsvel pela coeso social da nao, pela igualdade de acessode todos aos grandes servios pblicos, pelo respeito ao direito, peladefesa dos interesses da Frana no mundo, no poderia ser postoem causa; tratar-se-ia apenas, ento, de adaptar os serviospblicos s exigncias do mundo moderno. A continuidade emrelao circular Rocard de 23 de fevereiro de 1989,4 segundo aqual os servios pblicos deveriam ser capazes de assegurar ocumprimento das funes primordiais do Estado, ou seja, a defesados valores republicanos, a defesa do interesse geral e a promoodo progresso econmico e social, , neste aspecto, surpreendente.

    2) Convm, no entanto, ir alm desta primeira apreciao. Porum lado porque a reforma do Estado no pode ser dissociada dosmovimentos paralelos de reforma que afetam alguns servios pblicos,particularmente sob a presso das diretrizes europias: a reformadas telecomunicaes que foi adotada em junho de 1996 um bomexemplo disto; a reforma do Estado intervm num contexto no qualos servios pblicos so constrangidos a um processo de redefinioque destri seus modos de organizao e de funcionamento, o queno deixa de lhe conferir um colorido singular. Por outro lado, porqueela mesma atinge alguns aspecto talvez menos visveis mas nomenos essenciais da concepo francesa do servio pblico: aforaos elementos anteriormente evocados, esta concepo implica, comefeito, em uma certa viso da relao entre a administrao e asociedade, do exerccio do poder no interior do Estado (hierarquia) eda arquitetura administrativa (unidade), que precisamente a metada reforma do Estado; tambm o impacto do movimento em cursosobre o servio pblico no poderia ser subestimado.

    a) Sob este aspecto, a reforma do Estado apresenta-se,aparentemente, como representante da poltica de modernizaoadministrativa que foi desenvolvida na Frana, como em outros pasesocidentais, a partir do incio dos anos oitenta.5 Pondo em questo asestruturas axiolgicas e prticas sobre as quais repousava a ao

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    pblica, a crise do Estado-provedor provocou, com efeito, a retomadado reformismo administrativo: esta retomada foi expressa de inciopelo surgimento de novas temticas (produtividade, avaliao, no-vas tecnologias, inovao, transparncia...); em seguida, estasdiversas dimenses foram integradas a uma problemtica global dereforma sustentada pela idia de modernizao. Diversas variantesdesta poltica foram sucessivamente elaboradas: o caminho daqualidade, asseverado pelo governo Chirac em 1986, visavamelhorar as performances dos servios pblicos, inspirando-seacentuadamente em mtodos de gesto privada; a renovao doservio pblico, expedida pelo governo Rocard em 1989, apoiava-se em funcionrios institudos como motores de mudana e sobre odesenvolvimento do dilogo social nos servios; quanto reformado Estado, conduzida pelo governo Jupp em 1995, ela coloca emprimeiro plano o administrado melhor servir os cidados aparececomo o objetivo primeiro de uma reforma que visa situar o usuriono centro da administrao, o cidado no corao do serviopblico. A ordem das prioridades , ento, evolutiva; mas, almdestas diferenas, perfilam-se fortes elementos de continuidade:trata-se ainda de buscar uma maior eficcia administrativa,atenuando-se a rigidez interna e externa inerente concepotradicional do servio pblico, fortemente marcada pela racionalidadeburocrtica.

    Este reformismo no exclusivo da Frana: em toda parte asadministraes pblicas confrontaram-se com os mesmos desafiose foram foradas a adaptar seus modos de organizao e de ao;6se estas polticas variam em funo dos contextos nacionais e dosequilbrios partidrios, elas se caracterizam por uma convergnciaevidente de inspirao e envolvem implicaes idnticas(abrandamento dos mtodos de gesto, responsabilizao dosdirigentes, melhoria do servio prestado aos usurios).

    b) No deveramos, todavia, ir to longe nesta via, sob o riscode resvalar num esquema determinista (haveria uma nica trajetriade reforma) e um pouco fatalista (a sucesso dos rumos dasreformas testemunharia, ao mesmo tempo, a amplitude dasresistncias e a dificuldade de fazer as coisas evolurem). Aspolticas de modernizao administrativa no so uma simplesrepetio literal de um processo recorrente: cada uma delas deveser considerada na sua singularidade: ademais, elas contribuem paraa reformulao do problema da reforma administrativa, uma vezque o conduzem em novas direes. Se, ento, a reforma do Estadose situa no prolongamento das polticas precedentes demodernizao, em especial da renovao do servio pblico, isto

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    no significa que ela no apresente elementos prprios, que devemser postos em evidncia.

    Uma das dificuldades da anlise provm do carter bastanteheterogneo de uma reforma cujos objetivos se situam em nveismuito diferentes, mais do que da necessidade de se detalhar asmltiplas medidas pontuais,7 relativas, por exemplo, simplificaoe qualidade, ou de se interessar pelas reformas setoriais, visandomelhor organizar a ao pblica numa srie de reas como a sade,a cultura, o ensino superior ou a pesquisa; ns nos deteremos sorientaes de conjunto, que testemunham inflexes no negligen-civeis no que concerne conduo da mudana (I), relaoadministrativa (II), ao estatuto dos agentes (III) e arquiteturaadministrativa (IV). Uma questo permanece colocada, questo queconstitui, sem dvida, o ponto cego da reforma, a saber, qual vem aser o lugar do servio pblico na economia e na sociedade, o queser conveniente evocar na concluso.

    I A conduo da mudana

    A maneira de se conduzir o processo de mudana adminis-trativa no constitui um simples problema de mtodo ou de estratgiade reforma: ela constitui, na realidade, o revelador da lgica quepreside a construo do servio pblico. por este motivo que oestilo autoritrio, que por muito tempo prevaleceu na Frana emmatria de reforma administrativa, era indissocivel da concepotradicional do estatuto dos funcionrios: os funcionrios eram tidoscomo sujeitados, no dispondo, enquanto tal, de um direito deconsiderao, fiscalizao e controle das regras que comandam ofuncionamento administrativo;8 e, desde ento, sofrem o impactodas reformas decididas sem sua participao e na verdade con-tra eles na medida em que a problemtica clssica da reformaadministrativa era, durante a terceira Repblica, do tipo deflacionista.Desde os anos oitenta, uma nova viso da modernizao adminis-trativa foi apresentada: claro que esta modernizao no pode serlevada a cabo sem a adeso e a participao ativa dos agentes; eladeve ocorrer com, e mesmo pelos agentes. Este novo estilo con-sensual de reforma mostra que os funcionrios perderam a condiode sujeitados para tornar-se protagonistas, devendo estar totalmenteenvolvidos nas grandes decises concernentes ao servio pblico.H, assim, congruncia entre o estilo de reforma adotado (autoritrio/consensual) e a prpria concepo do que o servio pblico.

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    O processo em curso caracterizado por alguns elementossignificativos.

    1) De incio, a existncia de uma vigorosa fora poltica. Isto, a bem dizer, uma caracterstica geral das polticas de modernizaoadministrativa que surgiram a partir dos anos oitenta no mundoocidental (por exemplo, o programa Next Steps no Reino Unido em1988, o programa Reform 88 nos Estados Unidos no governoReagan, ou ainda o projeto Reinventar o Estado no governoClinton): em todos estes casos, o que se elaborou foi um programaglobal de reforma, resultado do trabalho de especialistas, elevado condio de prioridade da ao governamental. Do mesmo modo,na Frana, a poltica da renovao do servio pblico, fortementeinspirada pelos trabalhos da associao Servios pblicos econcebida em estreita relao com os trabalhos da comissoEficcia do Estado, foi promovida pelo governo Rocard condiode grande canteiro de obras da ao governamental; e sua aplicaoconcreta foi garantida pela organizao de um trabalhointerministerial contnuo e de uma conduo administrativaassegurada pela Direo Geral da Administrao e da FunoPblica (DGAFP).

    A reforma do Estado foi ainda mais longe no sentido de umvoluntarismo, em funo da definio de um calendrio e doestabelecimento de estruturas ad hoc encarregadas de assegurar oacompanhamento. Um calendrio: a circular do primeiro-ministrode 26 de julho de 1995, definindo as orientaes de conjunto foiseguida, no dia 14 de setembro, de um seminrio governamental,durante o qual foram examinadas as notas estratgicas que osministros haviam sido encarregados de redigir e determinar osprincipais eixos de um plano trienal de reforma; aps a elaborao,em maro de 1996, do documento de trabalho preparatrio colocadoem discusso, a verso definitiva foi concluda no fim de junho.9Estruturas ad hoc: um decreto de 13 de setembro de 199510 criou,com durao de trs anos, um comit interministerial e tambmuma comisso encarregada de elaborar todas as propostas dereforma, coordenar a preparao das decises governamentais ezelar por sua execuo. A criao destas estruturas especializadasencarregadas de conduzir a reforma cria, evidentemente, problemasde distribuio das atribuies com as estruturas existentes, emespecial com a DGAFP.

    Este voluntarismo faz lembrar a abordagem top-down clssicaque, por muito tempo, dominou, em se tratando de reformaadministrativa; ele tambm evoca a configurao tradicional dasrelaes entre o poder poltico e a administrao, na qual a

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    administrao transformada em bode expiatrio e alvo dasreformas determinadas pelos governantes; esta configurao estevemuito presente no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde a polticade modernizao foi includa no rol das ofensivas contra aadministrao, tendo surgido de uma verdadeira campanha dedifamao dos funcionrios. As condies nas quais a reforma doEstado foi anunciada (em julho), e a insistncia do novo Presidenteda Repblica em asseverar a necessidade do restabelecimento doleadership poltico11 sobre a administrao, prenunciava umareativao do estilo autoritrio de reforma; mas o movimento socialde dezembro de 1995 produziu um reajuste e o retorno a um modelomais consensual, ao preo de se ultrapassar os prazos fixados noincio para a elaborao da reforma.12

    2) Seguindo esta reorientao, um processo de concertaodesenvolveu-se em torno dos eixos da reforma: o documento detrabalho elaborado em maro serviu de base a um vasto debate nasreparties, mas tambm com os sindicatos e, mais amplamentecom os eleitos, associaes e especialistas; o objetivo destaconcertao era permitir validar e tornar mais pontuais osdiagnsticos, enriquecer as proposies, escolher solues maisadequadas, refletir a respeito dos meios de execut-las.13

    Por este vis, os sindicatos de funcionrios foram reintegrados,in extremis, em um processo de reforma do qual haviam sido, aocontrrio do que tinha se passado na renovao do servio pblico,14excludos no incio; e a negociao com eles deve continuar no planoda execuo. Estas flutuaes mostram que a posio dos sindicatosde funcionrios das estruturas administrativas continua ambgua eque o problema de seu envolvimento no processo de modernizaoem curso permanece. Pelo menos quatro posies so possveis aeste respeito: ou a modernizao se efetua contra os sindicatos, cujainfluncia se pretende diminuir, utilizando-se especificamente todosos recursos do gerenciamento participativo;15 ou ela decidida semeles, partindo do postulado de que so, por essncia, hostis mudana;ou, ainda, ela conduzida com a participao deles, buscando integr-los ao movimento; inversamente, a idia de uma modernizaoconduzida pelos sindicatos de funcionrios corresponde a uma visoultrapassada do sindicalismo que figurava, no incio do sculo, nocentro da doutrina dita sindicalismo integral. A oscilao da reformado Estado entre a excluso e o envolvimento dos sindicatos testemunhauma dificuldade persistente em avaliar corretamente o fato sindicalna funo pblica; e, neste caso, para que os sindicatos fossemintegrados ao processo em curso, tornou-se necessrio manifestarsua existncia por meio de aes diretas nas ruas.

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    Inversamente, e mesmo que a circular de 26 de julho de 1995advertisse ser a fora ativa dos agentes pblicos no empreendi-mento da reforma uma condio indispensvel para o sucesso, osprprios funcionrios foram, neste momento, muito pouco envolvidosna reforma do Estado, enquanto que a renovao do serviopblico havia feito deles os personagens principais das evoluesa serem executadas. Sem dvida a recusa e a execuo dareforma do Estado devem, segundo o documento de trabalho, serassunto da competncia de todos, um chamamento feito mobilizao dos agentes: trata-se de fazer com que cadafuncionrio assuma o risco da responsabilidade; mas este anseiopermanece, presentemente, como mera boa inteno, enquantono se definem as condies e o modo de se efetuar esteenvolvimento.

    3) Um interesse em racionalizar o processo de mudanaaparece, enfim, atravs de duas novas idias.

    A primeira a avaliao. Esta via se aplica, de imediato, aopassado: a primeira ambio do documento de trabalho era avaliaras aes de modernizao introduzidas ao longo dos ltimos anos providncia que j fora adotada aps o ano de 1993, com ainstalao da comisso Srieyx encarregada de realizar um balanodos projetos de servio na administrao;16 no se trata mais depretender fazer do passado uma tabula rasa, mas de partir do quej foi feito. A generalizao totalidade dos serviosdescentralizados dos modos de gesto dos crditos defuncionamento, experimentados nos quadros dos centros deresponsabilidade, a traduo concreta deste mtodo. Mas a idiade avaliao diz respeito tambm s novas aes que serolanadas, funo que adquire, deste ento, apoio na comisso paraa reforma do Estado.

    A segunda a experimentao. No h dvidas de que areforma do Estado privilegia a via top-down em relao bottom-up, muito apreciada nos anos oitenta, momento em que as polticasde modernizao apoiavam-se freqentemente sobre as iniciativastomadas, quer na periferia do aparelho (especialmente nos serviosdescentralizados), quer por administraes inovadoras (equipamento,telecomunicaes), num esforo de extenso e generalizao:17todavia, no plano da execuo, busca-se modificar pouco a pouco osmtodos de trabalho, os procedimentos, as organizaes, justamenteatravs da experimentao; e os fundos para a reforma do Estadoso chamados a contribuir no financiamento destas inovaes.

    A conduo do processo de mudana confirma, ento, a evo-luo que ocorreu, desde os anos oitenta, nas representaes do ser-

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    vio pblico e na definio dos protagonistas envolvidos na moder-nizao administrativa. A inflexo estratgica que se produziu apsdezembro demonstra claramente que os funcionrios e suas organi-zaes tornaram-se os personagens principais deste processo, sem aadeso e o envolvimento dos quais toda reforma corre o risco defracassar.

    II A relao administrativa

    Com a relao administrativa ns nos encontramos no pontocentral daquilo que constitui a especificidade do servio pblico:enquanto as organizaes privadas so introvertidas, quer dizer,constituem o seu prprio fim, as organizaes pblicas so, por suaparte, extrovertidas, isto , colocadas a servio de interesses queas ultrapassam, de modo que toda reforma administrativa visa, destaforma, a uma melhor satisfao do administrado, restando, porm,um equvoco quanto a se saber se o administrado se refere aosusurios ou ao pblico em geral.18

    Este objetivo estava presente em diversos programas demodernizao executados desde os anos oitenta, porm de maneiravarivel. A poltica da quali