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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE QUÍMICA EDUARDO ANDRADE GOMES ESTUDO DA INFERÊNCIA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA DO TERMO ENERGIA A PARTIR DA TRADUÇÃO INTERLINGUAL EM AULAS DE TERMOQUÍMICA COM ESTUDANTES SURDOS VIÇOSA MINAS GERAIS 2015

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Page 1: Monografia-Gomes EA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS

DEPARTAMENTO DE QUÍMICA

EDUARDO ANDRADE GOMES

ESTUDO DA INFERÊNCIA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA DO TERMO ENERGIA A

PARTIR DA TRADUÇÃO INTERLINGUAL EM AULAS DE TERMOQUÍMICA

COM ESTUDANTES SURDOS

VIÇOSA – MINAS GERAIS

2015

Page 2: Monografia-Gomes EA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS

DEPARTAMENTO DE QUÍMICA

EDUARDO ANDRADE GOMES

ESTUDO DA INFERÊNCIA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA DO TERMO ENERGIA A

PARTIR DA TRADUÇÃO INTERLINGUAL EM AULAS DE TERMOQUÍMICA

COM ESTUDANTES SURDOS

Monografia apresentada ao Departamento de Química

da Universidade Federal de Viçosa, como parte das

exigências para a conclusão do Curso de Licenciatura

em Química.

ORIENTADOR: Prof. Ms. Charley Pereira Soares

VIÇOSA – MINAS GERAIS

2015

Page 3: Monografia-Gomes EA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS

DEPARTAMENTO DE QUÍMICA

EDUARDO ANDRADE GOMES

ESTUDO DA INFERÊNCIA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA DO TERMO ENERGIA A

PARTIR DA TRADUÇÃO INTERLINGUAL EM AULAS DE TERMOQUÍMICA

COM ESTUDANTES SURDOS

Monografia aprovada em 01 de Julho de 2015.

____________________________________ __________________________________

Profa. Aparecida de Fátima Andrade da Silva Profa. Michelle Nave Valadão

Departamento de Química – UFV Departamento de Letras – UFV

Avaliadora do Trabalho Avaliadora do Trabalho

_________________________________ _________________________________

Prof. Charley Pereira Soares Prof. Vinícius Catão de Assis Souza

Departamento de Letras – UFV Departamento de Química – UFV

Orientador do Trabalho Coordenador da Disciplina

Page 4: Monografia-Gomes EA

AGRADECIMENTOS

À Deus pela vida e por guiar meus passos e escolhas.

À minha mãe Mara, e demais familiares por sempre acreditarem em meu potencial e

contribuírem de alguma forma para que eu alcançasse meus objetivos.

Aos meus amigos que mesmo de longe, sempre torceram e apostaram que esse

trabalho e todas as outras atividades realizadas poderiam ser concluídas com êxito.

Aos meus amigos de curso e de UFV pela presença e intensa parceria ao longo de toda

jornada chamada Química. Pelos muitos desafios que foram enfrentados e também pelos

excelentes momentos de distração vividos.

Aos meus amigos surdos e intérpretes por compartilharem grandes encontros e me

incentivarem a ser uma melhor pessoa e um melhor profissional para atuar em prol dos

surdos. Em particular, à intérprete Carla Rejane por ter sido minha voz e as mãos dos

avaliadores durante toda apresentação da monografia.

À escola que abriu as portas para que os dados desse trabalho pudessem ser coletados.

Exclusivamente às estudantes surdas, ao intérprete e ao professor por terem aceitado

prontamente em participar.

Aos professores, colaboradores e estudantes dos projetos PIBID, EAMES e Surdo

Cidadão no qual participei ao longo da graduação, dando-me possibilidade de desenvolver

atividades e adquirir conhecimento. De modo muito especial, os estudantes surdos por

despertarem em mim desde o dia 12 de março de 2013 a grande motivação em viajar,

conhecer e me hospedar nesse mundo tal fascinante que é o de vocês.

Ao Departamento de Letras da UFV pelo respeito e suporte em relação ao meu

trabalho como monitor, tradutor e intérprete de Libras desempenhado durante um tempo.

Ressalto as professoras Ana Luisa Gediel e Michelle Valadão por ter me apresentado a essa

língua, e ao acolhimento e dedicação nos projetos sobre educação de surdos, respectivamente.

Ao meu amigo e professor Vinícius Catão pelas valiosas conversas e por me ajudar a

vislumbrar o mundo da Educação Química, contribuindo para que eu acreditasse que é

possível desempenhar um bom trabalho em sala de aula, além de inúmeras parcerias em

trabalhos acadêmicos, me ensinando os passos para tornar um professor pesquisador. Em

específico, o grande apoio e aprendizado no projeto das aulas de Ciências/Químicas para

estudantes surdos, o livro do Oliver Sacks sobre surdos, as correções nas configurações de

Page 5: Monografia-Gomes EA

mão quando eu estava iniciando o aprendizado da Libras, as discussões sobre inclusão. Enfim,

sempre me incentivando a conhecer o novo e a ampliar os horizontes.

Ao meu amigo e orientador Charley Soares por aceitar embarcar comigo nesse

trabalho e principalmente pelo primeiro sinal ensinado: EMAIL, pelo meu sinal pessoal, pela

confiança e generosidade em compartilhar seus conhecimentos sobre a Língua de Sinais e

linguística da mesma. Ainda, por ser meu referencial como surdo, permitindo que eu

conhecesse nuances da cultura surda, evoluísse cada vez mais na língua e ter contribuído, e

muito, para me tornar um bom tradutor e intérprete de Libras, sempre acreditando no meu

trabalho, sobretudo ao confiar por diversas vezes à minha voz sua sinalização.

À todos vocês, MUITO OBRIGADO!

Page 6: Monografia-Gomes EA

"A língua é a chave para o coração de um povo. Se perdemos a

chave, perdemos o povo. Se guardamos a chave em lugar seguro,

como um tesouro, abriremos as portas para riquezas incalculáveis,

riquezas que jamais poderiam ser imaginadas do outro lado da

porta."

Eva Engholm

Page 7: Monografia-Gomes EA

RESUMO

GOMES, Eduardo Andrade. ESTUDO DA INFERÊNCIA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA

DO TERMO ENERGIA A PARTIR DA TRADUÇÃO INTERLINGUAL EM UMA AULA

DE TERMOQUÍMICA COM ESTUDANTES SURDOS. Monografia de conclusão de Curso

de Licenciatura em Química. Universidade Federal de Viçosa, Julho de 2015. Orientador:

Prof. Charley Pereira Soares.

A Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida como segunda língua oficial do país e primeira

da comunidade surda a partir da Lei 10.436/02 e regulamentada pelo decreto 5.626/05 no qual

instituía a formação e capacitação de profissionais a atuar em prol da acessibilidade dos

surdos. Um desses profissionais é o tradutor e intérprete de Língua de Sinais, cujo trabalho é

fundamentalmente baseado na mediação entre duas línguas. Contudo, o ato de ouvir ou ver

determinada língua, exige que esse profissional esteja atento ao tema que está sendo discutido

e aos termos apresentados, uma vez que palavras ou sinais podem possuir significados

diferentes conforme o contexto em que estão inseridos, sobretudo, por determinadas áreas

possuir uma linguagem específica. Assim, é indicado que esse profissional realize uma

inferência semântica-pragmática das ideias expostas pelo comunicador para garantir uma

melhor atuação. Nesse sentido, com intuito de analisar esse tipo inferência por esse

profissional, foram filmadas quatro aulas de Química de uma turma da 2ª série do E. M. que

possuía duas estudantes surdas e um intérprete de Libras – Língua Portuguesa, abordando a

temática Termoquímica em uma escola pública da cidade de Teixeiras (MG). Após essas

filmagens que contou com duas câmeras dispostas na sala, uma focando o professor e outra

focando as duas estudantes surdas e o intérprete, foi feita a transcrição em glosas de todo o

processo comunicativo envolvido e realizado um Estudo de Caso com o propósito de entender

a sinalização em Libras para o termo Energia, já que esse além de ser um conceito abstrato

integrante de uma linguagem específica da Química, não apresenta um sinal convencionado

na Libras. Após a análise, percebeu-se a dificuldade do intérprete em estabelecer uma

inferência semântica-pragmática em relação a esse termo, ou seja, por não possuir

conhecimento específico sobre o tema da aula, ele sinalizava como se estivesse se referindo a

energia elétrica. Sendo assim, esse trabalho revela a importância do profissional intérprete ter

clareza quanto ao contexto em que está imerso, porém como na sala de aula ele atua em todas

as áreas do conhecimento, se mostra necessário receber um apoio do professor no que se

refere aos conceitos a serem trabalhados, para que tenha maior segurança ao sinalizar

determinado assunto.

Page 8: Monografia-Gomes EA

Palavras chaves: Energia, Inferência semântica-pragmática, Intérprete de Libras-Língua

Portuguesa.

ABSTRACT

GOMES, Eduardo Andrade. THE SEMANTIC-PRAGMATIC’S RESEARCH INFERENCE

THE TERM ENERGY FROM THE TRANSLATION TERMOCHEMISTRY’S CLASS

WITH DEAF STUDENTS. Monograph of completion of Chemistry Course. Federal

University of Viçosa, July 2015. Teacher: Charley Pereira Soares.

The Brazilian Sign Language was recognized as a second official language of the country and

first in the deaf community from the Law 10.436/02 and regulated by Decree 5.626/05

instituted the training of professionals to act for the sake of accessibility of the deaf. One of

these professionals is the translator and interpreter of sign language, whose work is

fundamentally based on mediation between two languages. However, the act of hearing or

seeing certain language requires that the professional is aware of the issue being discussed

and the terms presented, as words or signs may have different meanings depending on the

context in which they work in, especially by certain areas have a specific language. Thus, it is

indicated that the provider performs a semantic-pragmatic inference from the ideas exposed

by the communicator to ensure better performance. In this sense, aiming to analyze this type

inference for this professional were filmed four chemical classes of a class of the 2nd series of

high school who had two deaf students and an interpreter of Libras - Portuguese, addressing

the issue Thermochemistry in a public school Teixeiras City (MG). After these shooting that

had two cameras arranged in the room, focusing on the teacher and the other focusing on the

two deaf students and the interpreter, was made in the transcription glosses of all involved

communication process and will perform a case study in order to understand the signs on

Libras for the term energy, since this besides being an abstract concept member of a specific

language of chemistry, does not present an agreed sign on Libras. After the analysis, we

realized the difficulty of the interpreter to establish a semantic-pragmatic inference regarding

this term, so, has no specific knowledge about the topic of the lesson, he signaled as if

referring to electricity. Thus, this work shows the importance of the professional interpreter to

be right about the context in which it is immersed, but in the classroom as it acts in all areas

of knowledge, it appears necessary to receive a teacher's support with regard to the concepts

to be worked out, so you have greater security to express certain subject.

Page 9: Monografia-Gomes EA

Key words: Energy, semantic-pragmatic inference, Interpreter Libras-Portuguese.

Page 10: Monografia-Gomes EA

10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................11

1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................... 13

1.2 OBJETIVO GERAL ....................................................................................................... 14

1.3 OBJETIVO ESPECÍFICO .............................................................................................. 14

1.4 QUESTÃO DE PESQUISA ........................................................................................... 14

2 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................................15

2.1 A LÍNGUA DE SINAIS E SUA ABORDAGEM SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA ..... 15

2.2 O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS: COMPETÊNCIAS E

HABILIDADES ................................................................................................................... 22

2.3 LINGUAGEM QUÍMICA E SEUS DESAFIOS PARA COMPREENSÃO ................. 27

3 METODOLOGIA..................................................................................................................32

3.1 AMOSTRA E COLETA DE DADOS ........................................................................... 32

3.2 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................... 34

3.2.1 OBSERVAÇÃO GERAL ........................................................................................ 34

3.2.2 OBSERVAÇÃO ESPECÍFICA ............................................................................... 35

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO...........................................................................................45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................48

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................49

ANEXO 1..................................................................................................................................53

APÊNDICE I.............................................................................................................................54

APÊNDICE II...........................................................................................................................54

APÊNDICE III..........................................................................................................................55

Page 11: Monografia-Gomes EA

11

1 INTRODUÇÃO

A política educacional inclusiva para pessoas com necessidades especiais que é

difundida hoje no país foi estimulada, sobretudo por discussões e reuniões nacionais e

internacionais, gerando leis e documentos que garantiriam o direito a todos pela educação

como a Constituição Brasileira (BRASIL,1988), a Declaração de Salamanca (UNESCO,

1994) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). No entanto, ainda

existem muitas arestas que precisam ser lapidadas para alcançar de fato essa inclusão nas

escolas, entendendo que todos são diferentes e carecem ser respeitados em sua singularidade.

A inclusão dos estudantes surdos precisa ser melhor (re)pensada, pois apresentam uma

particularidade linguística e cultural, sendo direito deles a utilização da Língua Brasileira de

Sinais (Libras) para se comunicar e expressar. É considerada uma língua por possuir itens

lexicais1, aspectos fonológicos

2, morfológicos

3, sintáticos

4, semânticos

5 e pragmáticos

6 bem

definidos (QUADROS & KARNOPP, 2004). Diante disso, pela Lei nº 10.436/02 e o Decreto

nº 5.626/05 (BRASIL, 2002), a Libras foi reconhecida e regulamentada como primeira língua

da comunidade surda brasileira e segunda língua dos demais cidadãos brasileiros e, para os

surdos, a Língua Portuguesa em modalidade escrita é sua segunda língua. Nesse mesmo

decreto, se prevê a contratação e formação de profissionais para atuarem na educação dos

surdos como professores e instrutores de Libras, tradutores e intérpretes, além da inserção da

disciplina de Libras nos cursos de formação superior em todas as licenciaturas e

Fonoaudiologia.

Sendo assim, a grande maioria dos estudantes surdos está hoje em salas de aula

comuns de escolas regulares como prediz as políticas inclusivas do Brasil. Todavia, para que

tenham igualdade linguística em relação aos ouvintes, tais políticas preveem a inserção dos

intérpretes de Língua de Sinais (ILS) nesse ambiente educacional (QUADROS, 2004).

1 São palavras nas línguas orais-auditivas e sinais nas Línguas de Sinais que permitem as pessoas se

expressarem. 2 Estudo das unidades mínimas da Língua de Sinais (configuração de mão, localização, movimento, orientação

da palma da mão e expressões não manuais) que não têm significado isoladamente, mas se combinam para

constituir um sinal. 3 Estudo da estrutura interna dos sinais e dos processos de formação de novos sinais, numa perspectiva de

derivação e flexão, tendo como base o morfema, que é a unidade mínima com significado. 4 Estudo da disposição espacial dos sinais na elaboração de sentenças na Língua de Sinais. A forma mais comum

é SVO (sujeito-verbo-objeto), porém também existe as formas SOV (sujeito-objeto-verbo) e OSV (objeto-

sujeito-verbo) dependendo da informação que se quer transmitir. 5 Estudo do significado e/ou conceito dos sinais.

6 Estudo das situações ao utilizar determinados sinais em determinados contextos.

Page 12: Monografia-Gomes EA

12

Sabendo disso, muitos são os que creem que com a chegada desse profissional na sala

de aula, todos os problemas e dificuldades em relação ao trabalho com os surdos estarão

solucionados (LACERDA, 2009). É evidente que esse pensamento não se concretizará, pois a

sala de aula é um espaço vivo, dinâmico e, principalmente, regido pelos professores, sendo

eles os principais responsáveis pela construção do conhecimento com seus estudantes, sejam

ouvintes ou surdos.

Além disso, o intérprete não possui formação em todas as áreas do conhecimento na

qual precisa atuar, havendo em muitas situações grandes lacunas e dificuldade para

desempenhar seu trabalho. A Química é um exemplo disso, pois além de ser uma ciência

extremamente abstrata, que apresenta uma linguagem científica específica, ainda não existem

muitas terminologias em sinais (SILVEIRA & SOUSA, 2010). Para tentar amenizar essa

questão, é importante que haja uma parceria entre o intérprete e o professor regente da turma,

pois como o docente possui formação na área específica, ele pode contribuir para elucidar

eventuais dúvidas do ILS em relação aos conteúdos. Caso isso não aconteça, os maiores

prejudicados serão os estudantes surdos, pois esses estarão sujeitos a não terem acesso ao

conhecimento de modo coerente, assim como os estudantes ouvintes têm.

Esclarecer os questionamentos dos intérpretes em relação aos conteúdos e conceitos da

Química é fundamental, pois assim como na Língua Portuguesa existem palavras que

apresentam conceitos distintos em contextos diferentes, na Língua de Sinais ocorre o mesmo.

Como o trabalho desse profissional é mediar a comunicação de uma língua a outra, ele precisa

estar atento ao contexto que está sendo discutido determinado assunto e assim, ser capaz de

escolher e reconhecer um sinal adequado àquela situação para que o público alvo, no caso os

surdos, tenham de fato acesso a todas informações. É importante lembrar que esse processo

não se dá em palavra por palavra, pois como a Língua Portuguesa e a Língua de Sinais são

diferentes, muitas vezes não existe tradução direta de uma palavra a um sinal e vice versa,

sendo necessário levar em conta a situação em que está imerso o significado desses termos.

Desse modo, o referencial teórico dessa monografia está dividido em três partes que

abordarão aspectos desde a concepção de um signo linguístico até seu estudo e relação de

significado em dimensão de uso e contexto; o papel e competências dos intérpretes de Língua

de Sinais e as dificuldades dos mesmos em lidar com a linguagem química, especificamente

com o conceito Energia. Em seguida, será feito um estudo da inferência semântica-pragmática

realizada pelo intérprete de Libras-Língua Portuguesa do conceito de Energia, a partir de um

Estudo de Casos.

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13

1.1 JUSTIFICATIVA

Na área do ensino de Ciências/Química e educação dos surdos, existem diversos

estudos como os de Benite et al (2008), Silveira e Sousa (2010), Pereira, Benite e Benite

(2011), Queiroz e Benite (2011), Oliveira, Melo e Benite (2012), Benite, Castro e Benite

(2013), Pereira, Benite e Benite (2013) e Benite, Benite e Vilela-Ribeiro (2015) que discutem

a formação de professores de Química na perspectiva da inclusão dos surdos, além da

dificuldade do intérprete educacional em atuar no campo científico pela falta de sinais

específicos ou apoio do professor para com ele. Entretanto, ainda não há estudos que

estabeleçam uma interface entre a linguagem química, o intérprete de Língua de Sinais e

aspectos linguísticos.

Pensar em trabalhos desse caráter é importante, por considerar que o significado dos

termos em sentenças ou enunciados ditos na sala de aula ou em qualquer outro espaço, não

podem ser assistidos sob um único ângulo, sendo necessário estudá-los, observá-los e

entendê-los para além do que é dito ou sinalizado, configurando-se como uma inferência

semântica-pragmática (ARAÚJO, 2007; CANÇADO, 2013). Admitindo essa visão mais

ampla, tem-se a possibilidade de compreender e reconhecer o que determinada palavra ou

sinal significa no contexto em questão. Essa consciência é primordial, especialmente, para os

intérpretes de pares linguísticos, como Libras-Língua Portuguesa, por atuarem em diversos

contextos e ambientes mediando a comunicação de uma língua a outra, acima de tudo, quando

não possuem formação na área específica em que atuam, como é o caso da interpretação nas

aulas de Química.

Desse modo, análises dessa natureza podem trazer contribuições para um melhor

trabalho dos profissionais intérpretes e do próprio professor, já que ele seria um grande

parceiro em auxiliar o ILS quanto aos termos e conceitos científicos.

Page 14: Monografia-Gomes EA

14

1.2 OBJETIVO GERAL

Analisar por meio de inferências semânticas-pragmáticas o sinal realizado pelo

intérprete educacional para representar o termo Energia em quatro aulas de Química

referentes à temática Termoquímica.

1.3 OBJETIVO ESPECÍFICO

Identificar os sinais realizados pelo intérprete educacional para representar o termo

Energia na temática Termoquímica em quatro aulas sobre Termoquímica com estudantes

surdos.

1.4 QUESTÃO DE PESQUISA

Como os sinais realizados pelo intérprete educacional para representar o termo

Energia no estudo da Termoquímica estabeleceriam uma relação semântica-pragmática na

aula de Química?

Page 15: Monografia-Gomes EA

15

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A LÍNGUA DE SINAIS E SUA ABORDAGEM SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA

Ao longo de toda história, o surdos tiveram momentos de grandes sofrimentos e

perturbações, sobretudo, no que diz respeito ao seu modo de comunicar, já que lhes foi

imposto pela comunidade ouvinte durante muito tempo, a língua oral como meio de alcançar

tal feito. Entretanto, ao se debruçar em pesquisas sobre educação de surdos, Kelman (2005)

destaca o trabalho de Bartollo della Marca d’Ancona no século XIV como um dos primeiros

registros que poderia ser considerado o uso da Língua de Sinais como forma de instruir esses

sujeitos e assim demonstrar que são pessoas tão capazes quanto os ouvintes. Posteriormente,

houve relatos de novas ações sobre essa educação e a sua forma de comunicação como o uso

de uma espécie de alfabeto manual pelo espanhol Juan Pablo Bonet em 1620 e os sinais

metódicos7 do abade Charles Michel L’Epée em 1750. Ainda, cabe apontar que um momento

marcante da história dos surdos foi um congresso realizado em Milão em 1880, no qual se

instituiu a eles a aquisição da língua oral, na perspectiva de igualá-los aos ouvintes,

especialmente do ponto de vista linguístico. Após esse período considerado de recessão em

relação ao uso das Línguas de Sinais, os surdos puderam novamente começar a se expressar

por elas.

Essas línguas passaram a ser compreendidas como naturais no momento que se

percebeu a possibilidade de averiguá-las através de seus princípios fundamentais. Segundo

Leite (2013), o primeiro linguista a realizar esse tipo de análise foi o americano William

Stokoe na década de 1960. Ele demonstrou primeiramente, por meio da Língua de Sinais

Americana (ASL), que os sinais dessas línguas também apresentam parâmetros fonológicos,

fazendo uso de um número finito de elementos mínimos. No caso, esses elementos seriam as

configurações de mão8, movimento

9 e ponto de articulação

10, sendo que essas unidades se

7 Esses sinais metódicos seriam uma maneira de combinar a Língua de Sinais com a Língua oral Francesa, por

acreditarem que a Língua de Sinais não possuía gramática própria. 8 Formas que as mãos se dispõem para realização dos sinais. Nascimento (2009) em sua tese sobre

representações lexicais da Libras, mostra 75 configurações de mão (CM) catalogadas e comprovadas

oficialmente . Ao fim do trabalho, em Apêndice I, está um quadro com essas CM e outro quadro com 61

configurações de mão apresentadas por Pimenta e Quadros (2006) em um dos seus materiais didáticos de Cursos

de Libras. Como não existe um padrão designando que determinada CM será enumerada como 1 ou 2, se faz

necessário destacar qual referência está se baseando. 9 Formas e direções que contribuem para dinamismo dos sinais, como movimento circular, semi-circular, arco,

retilíneo horizontal, vertical, diagonal, entre outros. Ver Apêndice III. 10

Local onde os sinais são realizados, como alguma parte do corpo ou no espaço neutro.

Page 16: Monografia-Gomes EA

16

combinavam para formação de um número ilimitado de sinais de forma produtiva11

e

econômica12

, permitindo a expressão de tudo que as pessoas surdas pensam e necessitam.

Ainda segundo Leite (2013), a partir de Stokoe, surgiram novos trabalhos e novas

constatações em relação às Línguas de Sinais, como os de Robin Battinson em 1974, que

incluiu a orientação da mão13

como mais um parâmetro fonológico, por existir pares mínimos

em sinais que apresentam mudança de significado apenas na produção de diferentes

orientações da palma da mão; os trabalhos de Edward Klima e Ursulla Bellugi em 1979,

demonstrando que os sinais eram convencionados e arbitrários e que a gramática das Línguas

de Sinais, de natureza visual e espacial era tão sofisticada como as línguas orais; e ainda, os

estudos de Scott Liddell em 1980 ao evidenciar as expressões faciais14

também como itens

lexicais e compor os parâmetros fonológicos (QUADROS, 2006).

A seguir, na Figura 01, tem-se o sinal em Língua Brasileira de Sinais para a palavra

Química, destacando15

cada um desses parâmetros.

Figura 01: Sinal em Libras para Química.

11

Quando há a formação de novos sinais a partir de sinais já estabelecidos. Por exemplo, o sinal IGREJA se

constituiu como sinal CASA + CRUZ, se configurando como um processo morfológico de formação de sinais

compostos por justaposição. Entretanto, vale dizer que atualmente o sinal IGREJA é visto como um único sinal. 12

Quando existem dois sinais diferentes, que apresentam significados distintos, mas a única alteração entre eles

é um dos parâmetros fonológicos. Por exemplo, os sinais APRENDER e SÁBADO possuem diferença apenas na

localização, sendo um realizado na testa e outro na boca, respectivamente. Enquanto isso, outros parâmetros

como configuração de mão e movimento são os mesmos. 13

Direcionalidade da mão na realização dos sinais. 14

Formas de expressão para além das mãos, contribuindo para dar significado aos sinais realizados. 15

Nesse sinal a CM é a número 68, baseando-se no quadro de Nascimento (2009) que está em Apêndice I. O

movimento é alternado (Apêndice III), representado pelas setas vermelhas e as mãos em sombra. O ponto de

articulação é o espaço neutro a frente do corpo e a orientação da palma da mão é para dentro.

Page 17: Monografia-Gomes EA

17

Assim, a partir desses parâmetros fonológicos, a Língua de Sinais constituída em

modalidade espaço-visual, tem seu estatuto linguístico reconhecido, apresentando também

aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos, não sendo menos ou mais

complexa que as línguas orais-auditiva, mas diferente (GESSER, 2009). Embora já exista

comprovação científica que a Língua de Sinais se configura como uma língua, grande parte

das pessoas pensam que essa se constitui apenas por gestos, mímicas ou pantomimas.

É pertinente assinalar que ela não se baseia apenas em gestos, porém tanto o gesto

como a língua fazem parte do mesmo sistema cognitivo (MCCLEARY & VIOTTI, 2011).

Segundo Santana (2007), apesar da gestualidade ter perfil de significação e caráter simbólico,

o sentido de um gesto não pode ser constatado previamente, mas é construído por meio dos

processos de comunicação e interação e por isso, suscetível a variadas interpretações. Embora

se reconheça as semelhanças de caráter cognitivo e simbólico entre o gesto e a língua, existe

importantes diferenças linguísticas, uma vez que o gesto não possui traços minimamente

referenciados em questões fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas.

O gesto na carência da língua atribui ao surdo o papel de interlocutor em um diálogo.

Desse modo, ao usar gestos como forma de significação, esse sujeito consegue atuar no

mundo simbolicamente, mesmo quando não se apropria por completo de uma língua. Mas o

fato é que, como aponta Santana (2007, p.90) “sem uma língua, não conseguimos demonstrar

grande parte do que percebemos, sabemos, reconhecemos, sentimos”. Destarte, a maneira de

se expressar, reduz-se a pequenas declarações formadas por expressões e gestos isolados.

De acordo com o linguista suíço Ferdinand de Saussure, a língua é um apanhado de

convenções aceitas por um determinado grupo social, que convencionada, permite estabelecer

relações cognitivas. Quando há o compartilhamento da língua pelos membros desse grupo ou

comunidade, ela se torna um acontecimento social e até mesmo concreto. Nesse caso,

concreto é pelo fato de possibilitar a comunicação entre as pessoas, pois a língua não é

concreta, pelo contrário, ela envolve pontos como sons, notações acústicas, gestos, notações

visuais e significados, que se unindo formam o chamado signo linguístico (SAUSSURE,

2012).

Aos olhos desse autor, o signo é composto por duas faces indissociáveis denominadas

de significante e significado, apresentando uma natureza dicotômica, em que o significante é

entendido como os gestos e as imagens visuais, no caso das Línguas de Sinais, e o significado

é entendido como o conceito que tal signo representa (SAUSSURE, 2012). Por outro lado, o

signo não consiste em mera soma de significante e significado, mas sim uma efetiva relação

para constituição do mesmo.

Page 18: Monografia-Gomes EA

18

Posterior à Saussure, vieram outros estudiosos que tentaram avançar o estudo em

relação ao signo linguístico dando a ele novas concepções. Como exemplo, tem-se Roland

Barthes que entende o signo como a relação entre o plano da expressão (significante) e o

plano do conteúdo (significado). Esse autor difundiu seus estudos no âmbito da Semiologia,

ciência na qual se estuda os signos.

Contudo, muitos questionamentos foram levantados sobre essa ciência e a linguística,

percebendo-se que os signos possuem um papel muito mais amplo, não se restringindo apenas

à linguagem verbal, mas qualquer outra forma de expressão como as imagens, esculturas,

gestos. Sabendo disso, é importante compreender qual a essência do significado e significante

para se ter a ideia do signo.

Ainda segundo Saussure (2012), o significado indica um conceito que possui sua

natureza psíquica, isto é, o significado do termo cadeira não é o objeto cadeira em si, mas sua

imagem psíquica que o representa. Em outras palavras, o significado não é a “coisa/objeto”,

mas sua representação. Todavia, Barthes (1991) discute que nem sempre haverá apenas um

único termo para representar o conceito, mas poderá haver enunciados que evidenciarão a

mesma ideia. Nessa mesma linha, Volli (2007, p.33) baseado em Prieto, estudioso da teoria

dos signos de Saussure, complementa que o significado é como um “conjunto de possíveis

conteúdos mentais singulares”, ou seja, dependendo da situação, o signo pode apresentar um

sentido específico, sendo o significado o grupo de todos os possíveis sentidos que o signo

pode ter.

Em relação ao significante, Saussure (2012) o vê como uma representação física, uma

imagem acústica, sons, gestos, já que aspectos da fala estarão impressos no significante como

o timbre de voz, a pronúncia, a prosódia. Na Língua de Sinais é constatado as mesmas

proeminências pelo modo de sinalizar, seja rapidamente ou lentamente. Mesmo com essas

peculiaridades singulares em um ato comunicativo, reconhecemos a mesma palavra ou sinal,

pois constatamos aspectos estáveis, baseados em códigos e convenções, não sendo então

individuais, mas coletivos (VOLLI, 2007). Em contrapartida, essas questões não incidem

sobre o significado em si.

Seguindo essa linha de raciocínio, Barthes (1991) chama atenção para o significante

como sendo um mediador do significado, pois se acredita que é por meio do significante que

se terá acesso ao significado, potencializando a ideia do signo. Dessa forma, o signo pode ser

uma construção social e cultural, assim como é a língua.

Embora se saiba que o significante e o significado são aspectos inerentes ao signo,

ainda não se pode afirmar que há a constituição plena do mesmo. Isso porque, de acordo com

Page 19: Monografia-Gomes EA

19

Barthes (1991), existe um processo que irá vincular o significante e o significado chamado

significação.

Ao se refletir sobre esse processo, é preciso recorrer à definição de signo linguístico de

Saussure quando ele aponta para a arbitrariedade existente entre o significante e o significado.

Isso quer dizer que quase nunca há uma relação direta e evidente entre o significante

(imagem/som/gesto) e o significado (conceito). Como exemplo tem-se a palavra água, que

não possui uma relação óbvia entre a fonética/imagem/gesto e o conceito da mesma, tanto na

Língua Portuguesa como na Língua Brasileira de Sinais. Assim, os processos de significação

para constituição plena de um signo será a associação entre o som/gesto/imagem e sua

representação psíquica que será reconhecida e legitimada pelo uso coletivo, ou seja,

independente da arbitrariedade entre o significante e significado do termo água na Língua

Portuguesa e na Libras, esse é conhecido socialmente (BARTHES, 1991). Em alguns casos,

existe certa motivação entre as partes do signo para sua significação, como o caso das

onomatopeias na Língua Portuguesa e alguns sinais icônicos na Língua de Sinais.

Essa questão sobre a compreensão dos signos é inserida, sobretudo, no escopo da

semântica, que é uma área da Linguística que possui como objeto de estudo o significado dos

termos e expressões. Contudo, mesmo existindo essa definição, diversos autores trazem à tona

seus anseios ao se questionarem o que de fato é o significado16

(MARQUES, 1990;

OLIVEIRA, 2001; TAMBA, 2006; MULLER & VIOTTI, 2007; OLIVEIRA, 2008;

HENRIQUES, 2011; CANÇADO, 2013).

Essa questão sobre o significado é pensada desde a Grécia Antiga, quando filósofos

buscavam compreender o conhecimento humano (OLIVEIRA, 2008). Todavia, até hoje não

há uma única e específica definição, uma vez que áreas como antropologia e psicologia

também fazem uso desse termo. Além disso, dentro da própria semântica linguística existem

subdivisões que dialogam com o que acreditam ser o significado. Como exemplo, tem-se a

semântica lexical17

, formal18

entre outras.

Adotando esse caminho em tentar esclarecer o que seria a semântica ou suas vertentes,

Tamba (2006, p.10) traz em seu livro três definições proferidas por Lyons, Guiraud e Lerat,

respectivamente. A primeira delas é “A semântica é o estudo do sentido”, a segunda “A

semântica é o estudo do sentido das palavras” e a terceira “A semântica é o estudo do sentido

16

Nesse momento, o significado toma uma proporção maior no sentido de significação, não sendo apenas uma

das faces do signo proposta por Saussure. 17

Estuda o significado de um léxico específico, ou seja, analisa o significado isolado de determinado termo. 18

Estuda o significado do termo baseado em condições de verdade. Por exemplo, na sentença “A neve é

branca”, existe uma condição de verdade, pelo fato de todos saberem que a neve realmente é branca. Contudo,

nem sempre essa condição de verdade está tão explícita na própria sentença.

Page 20: Monografia-Gomes EA

20

das palavras, das frases e dos enunciados”. Ao analisar criteriosamente cada uma das

possíveis definições, é interessante salientar que a primeira ao mesmo tempo em que tenta

abarcar, resvala em sua imprecisão, isto é, coloca o sentido como algo vago e intuitivo, pois

nada é excluído e nada é descrito como um aspecto de significação. Já na segunda definição,

sentido está claramente limitado e destinado, ou seja, o único foco é o léxico. Em

contrapartida, a terceira definição traz ao sentido um aspecto de análise triplo, em que os itens

lexicais, a estrutura gramatical e a estrutura discursiva são importantes para sua compreensão.

Com essa terceira definição apresentada, abre-se um novo horizonte para tentar

compreender a semântica além do significado pré-estabelecido. Isso porque, como a língua é

construída socialmente por seus usuários, sempre estará atrelada a um ato comunicativo, seja

por meio de textos19

ou até mesmo processos de tradução. Dessa forma, o estudo do

significado não se restringe apenas a palavras/sinais20

, sentenças21

, mas sim ao seu uso,

contexto e efeitos intencionais, dando relevância para aspectos que extrapolam as estruturas

gramaticais (MARQUES, 1990; CANÇADO, 2013).

Sendo assim, pode-se avançar a busca para o entendimento do significado dos termos

pela pragmática, nome atribuído pelo filósofo Charles Morris, cujo interesse se refere em

representar de maneira mais ampla a relação dos signos com seus interpretantes (LEVINSON,

2007). Essa relação irá englobar todo o processo extralinguístico, que pode se remeter ao

espaço, tempo, sintonia entre interlocutores existente em qualquer análise, sendo responsável

pela significação em acontecimentos interativos da linguagem. Por isso, não é apropriado

pensar na pragmática como se fosse pura e independente de qualquer outro campo de

pesquisa. Da mesma forma que a semântica não estuda o significado de forma isolada, é

imprescindível favorecer o diálogo entre ambas as áreas, trazendo contribuições importantes

para a elucidação e assimilação de todo processo comunicativo, permitindo que elas

estabeleçam interfaces linguísticas (CAMPOS, 2007). Como exemplo, Vanin (2009) coloca

que existem sentenças ou palavras/sinais iguais que expressam proposições diferentes e

sentenças ou palavras/sinais diferentes que expressam a mesma proposição. Assim, o que

19

Entende-se texto não apenas como algo escrito, padronizado, mas como um ato comunicativo, capaz de

manifestar qualquer ideia, seja através da linguagem escrita ou falada/sinalizada. 20

No decorrer do trabalho, sempre que esse termo aparecer, será para indicar que todas as considerações feitas

para as palavras das línguas orais-auditivas são equivalentes para os sinais das Línguas de Sinais e vice versa. 21

Ao longo de todo trabalho aparecerá os termos sentenças e enunciações. Por meio de Levinson (2007),

assume-se aqui sentenças como expressões definidas a partir de regras fonológicas, morfológicas, sintáticas e

semânticas, referindo-se exclusivamente a frases ou orações. Já o termo enunciações traz uma carga mais geral,

pois é uma espécie de conjunto de sentenças em um dado contexto. Apesar de essa ser uma definição ainda

muito simplória, atenderá bem ao objetivo do presente trabalho.

Page 21: Monografia-Gomes EA

21

possibilitará o discernimento dessas proposições são os fatores extralinguísticos na

perspectiva da pragmática.

Nesse sentido, um dos pontos cruciais que possibilita relacionar a semântica e a

pragmática é o contexto. Segundo Levinson (2007, p.5-6) o contexto engloba “as identidades

dos participantes, parâmetros temporais e espaciais do acontecimento discursivo, as crenças,

o conhecimento e as intenções dos participantes do acontecimento discursivo”. No entanto,

essa não é a única possibilidade de entendimento de contexto, pois pode lidar com

enunciações feitas por inúmeras pessoas em inúmeras línguas, o que o torna algo inesgotável

e com vasta possibilidade de explorá-lo.

Desse modo, por volta de 1975 Grice apresentou ao mundo um sistema capaz de tratar

as complexas questões que abrangem o problema e/ou dificuldade da significação na

linguagem natural, tentando descrever e explicitar os efeitos de sentido que vão além do que é

simplesmente dito, em que o receptor tem a capacidade de entender a mensagem do

comunicador não apenas por simples sentenças ou termos. Assim, segundo Armengaud

(2006), Grice propõe para esse entendimento dois tipos de implicatura. Entende-se como

implicatura exatamente o que a pragmática pretende, explicar funções significativas por meio

de fatos linguísticos, que são as situações e contextos, e não apenas estruturas isoladas

(ARAÚJO, 2007; LEVINSON, 2007).

Para Grice, as implicaturas podem ser convencionais ou conversacionais, em que a

convencional está geralmente fixa ao significado usual dos termos, enquanto a implicatura

conversacional, não se mantém presa a esse tipo de significado, mas determina-o a partir de

questões vivenciadas no ato comunicativo (ARMENGAUD, 2006; LEVINSON, 2007). Esse

autor esclarece que os interlocutores compartilham a mensagem em um discurso, ou seja,

existe uma espécie de relação cooperativa entre eles, para que as informações possam ser

comunicadas da maneira mais coerente possível, pois se o comunicador diz A e o receptor

responde B, haverá conflitos de ideias em busca de um entendimento admissível, sendo

importante reconhecer as intenções e inferências presentes no contexto da mensagem.

Corroborando com essas ideias:

“[...]às vezes, o indivíduo infere uma interpretação que lhe parece a mais

plausível, mas que não é a única possível. A comunicação inferencial é bem

sucedida quando o falante pretende que seus ouvintes reconheçam a intenção

para informá-los sobre sua situação e os ouvintes, por sua vez, tentam

reconhecer o que o falante pretende informar. A comunicação,

consequentemente, não ocorre quando os ouvintes reconhecem o significado

Page 22: Monografia-Gomes EA

22

linguístico do enunciado, mas quando eles inferem o significado do falante

através dele. Pode-se dizer, então, que o significado linguístico é proveniente

da intenção do falante e dos processos mentais”. (VANIN, 2009; p.14)

Assim, na sala de aula com estudantes surdos, uma das formas de evidenciar essas

constatações propostas pela autora anteriormente, é na relação entre o professor e o intérprete.

Isso porque, o professor será o comunicador que irá discutir os mais variados conceitos de

suas respectivas disciplinas, enquanto o intérprete também será, necessariamente, um receptor

dessas informações, já que mediará informações de diversas naturezas entre duas línguas.

Entretanto, ao receber essas mensagens, e transpor para a língua dos estudantes surdos, ele

não pode se manter fixo apenas ao significado linguístico, ou seja, ficar preso apenas às

palavras ditas pelo professor, mas é importante estar atento ao tema em que está imerso para

que possa fazer inferências adequadas ao escolher determinados sinais nesse processo.

Na sessão seguinte, será apresentado mais especificamente como é o trabalho dos

intérpretes e sua atuação no espaço escolar.

2.2 O TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS: COMPETÊNCIAS E

HABILIDADES

Os tradutores e intérpretes de Língua de Sinais fazem parte da história da humanidade

por sempre ter existido surdos e ser necessário que alguém intermediasse as informações de

uma língua a outra, sendo essa função desempenhada muitas vezes por amigos e familiares

desses sujeitos em um ato voluntário. A ideia do ILS como voluntário cresceu,

principalmente, devido a um número razoável de ouvintes filhos de pais surdos que dominam

a Língua de Sinais, os chamados CODA22

. Por conhecerem bem ambas as línguas, desde

pequenos auxiliam os pais nas mais variadas situações, sem ter remuneração para isso. Essa

atuação praticamente invisível perante a sociedade ocorreu em diversos países, mas com o

passar do tempo foi ganhando mais espaço, visibilidade, reconhecimento e profissionalização.

No Brasil não é diferente, pois a literatura revela que a atuação dos tradutores e

intérpretes de Língua de Sinais iniciou-se em trabalho voluntário, sobretudo no âmbito

religioso nos fins da década de 1980, pelo fato de nesses espaços os surdos se sentirem

22

CODA é uma sigla usada mundialmente que significa “Children of Deaf Adults”. Essa nomenclatura é

destinada a filhos ouvintes de pais surdos usuários da Língua de Sinais. Entretanto, apenas conhecer a Língua de

Sinais não garante ou determina que um CODA ou qualquer outra pessoa seja um profissional intérprete, como

será visto mais adiante.

Page 23: Monografia-Gomes EA

23

acolhidos e respeitados quanto a sua singularidade linguística e cultural, visto que grande

parte deles é proveniente de famílias ouvintes que não conhecem e/ou utilizam a Língua de

Sinais como meio de comunicação (ROSA, 2008). A partir da maior mobilização social e

política da comunidade surda nos anos de 1990, a Federação Nacional de Educação e

Integração dos Surdos (FENEIS) começou a instituir centros de tradutores e intérpretes em

seus escritórios locais, o que vinha a contribuir com a formação dessas pessoas (QUADROS,

2004). Assim, esse ofício acabou tomando maior proporção e respeito principalmente a partir

da Lei da Libras em 2002 em que a Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida nacionalmente

como a primeira língua da comunidade surda e o Decreto nº 5.626/05, que prevê a contratação

e formação dos tradutores e intérpretes como uma das formas de permitir acessibilidade aos

surdos. Posteriormente, a profissão foi legitimada e regulamentada pela Lei nº 12.319 de 01

de setembro de 2010 (BRASIL, 2010).

Sobre a tradução e interpretação, Lacerda (2009) aponta que são ações tecnicamente

diferentes, pois a atividade da tradução se concentra na mediação entre línguas, em que pelo

menos uma delas esteja em modalidade escrita, enquanto a interpretação se concentra na

mediação de uma língua a outra através de relações estabelecidas entre as pessoas. Contudo, a

interpretação também é compreendida, no sentido mais amplo, como um processo de

tradução, se tratando da transposição de uma informação (oral, sinalizada) em uma língua

para outra.

Além disso, para Jakobson (1975 apud Pereira, 2008) existem diferenças conceituais

sobre a tradução, podendo ser vistos sobre três aspectos: intralingual, ou seja, se realiza na

própria língua, quando há um novo arranjo entre os termos, como no caso da paráfrase. Outro

aspecto da tradução é a intersemiótica, que se realiza quando termos não-verbais são

transpostos para linguagem verbal e vice versa. Um exemplo, é a tradução de uma obra de

arte que está expressa em um sistema de signos visuais, para linguagem verbal. Por fim,

Jakobson destaca a tradução interlingual, que é a mais utilizada, por lidar com duas línguas

diferentes, em que há a mediação de informações via oral, gestual ou escrita entre essas

línguas, por exemplo Língua Portuguesa - Língua Brasileira de Sinais.

De acordo com Quadros (2004), esses processos de tradução e interpretação podem

ocorrer de forma simultânea ou consecutiva. Na interpretação simultânea, tem-se a mediação

em tempo real, ou seja, a pessoa necessita ver ou ouvir o discurso que é feito na língua fonte

(LF)23

e imediatamente transpor para a língua alvo (LA)24

. Já na interpretação consecutiva, a

23

Língua no qual parte o discurso.

Page 24: Monografia-Gomes EA

24

pessoa vê ou ouvi o discurso na LF, organiza as informações e em seguida, transpõe para a

outra língua, no caso a língua alvo.

Ao considerar os processos descritos acima, a todo o momento mencionou-se a

mediação entre línguas. Portanto, é evidente que um profissional tradutor e intérprete

necessita ser fluente nas línguas em questão, configurando-se, a princípio, como um sujeito

bilíngue25

. Entretanto, é extremamente importante ponderar que o fato de uma pessoa ser

bilíngue e possuir competências comunicativas em determinadas línguas, não significa que a

mesma também terá competência tradutória, uma vez que tal ação demanda investimento,

conhecimento, estudo26

, prática, habilidade e dedicação. Além disso, como esse profissional

está lidando com pelo menos uma língua que, em muitos casos, não é sua primeira língua,

também é importante que ele se mantenha atualizado sobre as diversas variações e mudanças

linguísticas que ocorrem ao longo do tempo, e tentar, sempre que possível, manter contato

com os usuários nativos dessas línguas. No caso da Língua de Sinais, é interessante os

intérpretes estarem em contato constante com a comunidade surda fluente em Libras, pois a

convivência com esses sujeitos trará subsídios ao profissional, permitindo muito mais

sensibilidade em sua atuação, sobretudo por essa língua se constituir em um canal

completamente distinto do canal oral-auditivo dos ouvintes. Em suma, para os intérpretes, a

fonte de trabalho e inspiração é a Língua de Sinais e os surdos, e fazendo uma analogia, se

esses profissionais não beberem dessa água, sempre estarão, pelo menos um pouco,

desidratados.

Ainda sobre as competências, Robertz (1992 apud Quadros, 2004, p.73-74) destaca

algumas que podem ser consideradas fundamentais para uma boa atuação do ILS:

1- Competência linguística – habilidade de entender o objeto da linguagem

usada em todas as suas nuanças e expressá-las corretamente, fluentemente e

claramente a mesma informação na língua alvo, ter habilidade para distinguir

as ideias secundárias e determinar os elos que determinam a coesão do

discurso.

2- Competência para transferência – Essa competência envolve habilidade

para compreender a articulação do significado no discurso da língua fonte,

habilidade para interpretar o significado da língua fonte para a língua alvo,

sem distorções, adições ou omissão, sem influência da língua fonte para a

língua alvo.

24

Língua para qual será feita a tradução ou interpretação. 25

A definição mais modesta para pessoa bilíngue é apenas ser fluente em duas línguas. Para alguns autores como

Silva (2008), essa concepção vai além, pois acreditam que para ser bilíngue, a pessoa precisa estar em contato

contínuo com essas línguas e ainda possuir conhecimento profundo sobre ambas as culturas. 26

Existem cursos tecnólogos de tradução e interpretação e cursos de graduação em Letras-Libras bacharelado

que pode contribuir para formar e capacitar essas pessoas. Caso queiram se especializar, existem pós-graduações

lato sensu na área e ainda pós-graduação stricto sensu em estudos da tradução e interpretação.

Page 25: Monografia-Gomes EA

25

3- Competência metodológica – habilidade em usar diferentes modos de

interpretação, para encontrar o item lexical e a terminologia adequada

avaliando e usando-os com bom senso e para recordar itens lexicais e

terminologias.

4- Competência na área- conhecimento requerido para compreender o

conteúdo de uma mensagem que está sendo interpretada.

5- Competência bicultural- conhecimento das crenças, valores,

experiências e comportamentos dos utentes da língua fonte e da língua alvo.

6- Competência técnica – habilidade para posicionar-se apropriadamente

para interpretar.

Atribuindo novos significados às competências listadas, é importante compreender que

o ato de interpretar em Língua de Sinais, envolve sérias questões físicas, cognitivas,

linguísticas, culturais e sociais. Questões físicas, pois essa língua se dá pela manifestação do

corpo no espaço através dos sinais realizados, e nesse caso, a atuação do ILS será válida

quando estiver presente fisicamente e visivelmente para os surdos (QUADROS & SOUZA,

2008). Questões cognitivas e linguísticas, pois quando ele recebe as mensagens concebidas na

língua fonte, que apresenta determinada estrutura linguística, não irá traduzir palavra por

palavra, pelo contrário, necessita ter uma clara e rápida compreensão, principalmente, de

aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua alvo, para que consiga de forma

pertinente aproximar tal informação da mensagem na LF (BERNARDINO, 2000;

QUADROS, 2004; DASCAL, 2007). Essa transposição é conhecida por Rodrigues (2013)

como “semelhança interpretativa”, em que o intérprete ao ouvir ou ver determinados

enunciados na língua fonte, deverá fazer escolhas, muitas vezes individuais, para alcançar a

língua alvo de modo coerente, estando ciente que escolhas sempre ocasionarão ganhos ou

perdas (WEININGER, 2014). Sobre essas escolhas, Lacerda (2010, p.147) alerta que o

intérprete “faz escolhas não para colocar suas impressões, mas suas impressões são

fundamentais nas escolhas de sentido que faz para verter de uma língua a outra com a maior

fidedignidade27

possível”.

Por fim, as questões culturais e sociais também são importantes, pois como esse

profissional está mediando uma relação comunicativa entre línguas, essas vão além de regras

linguísticas, pois caso contrário, por mais que a essência da mensagem na língua fonte seja

27

Ao referir-se a fidedignidade, não se espera que o intérprete seja uma máquina tradutora, muito pelo contrário,

entende-se que ele é um agente não-passivo dos mais variados contextos no qual está imerso para realizar seu

trabalho. Contudo, é importante considerar que no momento que assume tal papel, ele precisa manter uma

postura ética e imparcial, isto é, não tem o direito e nem dever de expressar suas opiniões pessoais sobre o que

está sendo falado, sinalizado ou escrito por outra pessoa na qual ele está traduzindo ou interpretando. É

necessário que mantenha e respeite a opinião da pessoa da forma mais clara e concisa possível, reconhecendo

que essa é a sua responsabilidade enquanto ILS.

Page 26: Monografia-Gomes EA

26

traduzida e/ou interpretada para língua alvo, ela ainda estará vazia de sentido. Logo, percebe-

se que o ato de interpretar abrange questões altamente complexas (QUADROS, 2004).

Todas essas questões discutidas são inerentes a qualquer espaço de atuação que o

intérprete venha trabalhar, seja em eventos, congressos, palestras, hospitais, reuniões, entre

outros. Entretanto, umas das áreas em que mais se tem visto a presença do ILS é a educação,

desde o ensino fundamental I até a pós-graduação. Para atuação nessa área, o profissional tem

recebido o nome de intérprete educacional (QUADROS, 2004; KELMAN, 2005; LACERDA,

2009). Essa crescente demanda se deve a maior inserção dos surdos nesse espaço, a partir das

políticas de inclusão que garantem o seu acesso linguístico. Todavia, grande parte desses

locais não estão preparados para recebê-los, o que pode provocar grandes transtornos para

eles, e consequentemente, influenciar também a atuação dos intérpretes.

No ambiente educacional, muitos são os que acreditam que com a chegada desse

profissional na sala de aula, todos os problemas e dificuldades em relação ao trabalho com os

surdos estarão solucionados (LACERDA, 2009). É evidente que esse pensamento não se

concretizará, pois a sala de aula é um espaço vivo, dinâmico e, principalmente, regido pelos

professores, sendo eles os principais responsáveis pela construção do conhecimento com

todos seus estudantes. Entretanto, alguns ainda pensam que o ILS é o professor28

dos

estudantes surdos, ou até mesmo tutor, delegando a esse profissional toda responsabilidade

pelo (in)sucesso dos estudantes surdos. Isso é perigoso, pois ele assume algo que não é de sua

alçada, o que pode comprometer até mesmo sua verdadeira função.

Assim, o papel do intérprete na sala de aula é garantir igualdade linguística nesse

espaço, sendo o principal mediador entre os estudantes surdos, os estudantes ouvintes, o

professor e o conhecimento discutido em sala de aula, conforme ilustrado no esquema:

28

No estado de Minas Gerais, o termo “professor-intérprete’’, é usado para identificar o profissional intérprete

no momento de pagamento do salário, já que ainda não existe um cargo intitulado “Tradutor e Intérprete de

Libras – Língua Portuguesa”. Assim, eles recebem o mesmo salário dos professores, porém possuem carga

horária de 25 horas em sala de aula, já que acompanham os estudantes surdos em todas as aulas durante toda a

semana. Já os professores possuem carga horária em sala de aula de 16 horas. Outro ponto a ser destacado, é que

autores como Quadros (2004) utilizam o termo “professor-intérprete” para se referir ao profissional que em um

turno trabalha como professor e em outro turno trabalha como intérprete, não havendo qualquer tipo de transtorno ou confusão em relação a sua atuação, uma vez que trabalha em duas funções em horários e turnos

diferentes. Vale frisar que, segundo a autora, essa medida em oferecer cursos de Libras e tentar promover

aptidão e competência para interpretação aos professores, foi uma das medidas emergenciais adotadas pelo MEC

no momento em que a Lei 10.436/02 e decreto 5.626/05 entraram em vigor e obrigatoriedade.

Page 27: Monografia-Gomes EA

27

Figura 02: Esquema da mediação do intérprete entre as esferas existentes na sala de aula.

Esse trabalho não é fácil, pois o profissional intérprete está inserido em um local plural

que envolve vários interlocutores (LACERDA, 2010). Além disso, ressalta-se como também

interlocutor desse espaço o conhecimento, mesmo sendo parte do discurso que o docente

articula em sala de aula, pelo fato de ser um ponto extremamente importante e causar

inquietações, principalmente, devido à especificidade de cada área.

O conhecimento específico de determinada disciplina abordado pelo professor confere

ao ILS um grande desafio, sobretudo por conter termos e questões que podem não ser do

domínio do intérprete, exigindo maior habilidade em seu trabalho. Nesse sentido, na próxima

sessão será discutido alguns aspectos dessa questão, especialmente no âmbito da Química e

suas linguagens.

2.3 LINGUAGEM QUÍMICA E SEUS DESAFIOS PARA COMPREENSÃO

A escola é um espaço capaz de promover interlocuções entre as pessoas ali presentes,

além de abrigar um conjunto de conteúdos nas mais variadas áreas do conhecimento que

necessitam ser apresentados de forma contextualizada, permitindo que esse conhecimento

possa fazer parte da vida de todos, não ficando apenas limitados aos livros ou avaliações

escolares (WIRZBICKI & ZANON, 2012).

Contudo, segundo Carvalho (2004), cada uma dessas áreas apresenta uma linguagem

própria, que é resultado de processos de construção de ideias ao longo da história. Muitas

vezes essa linguagem é distante dos estudantes e de qualquer outra pessoa que não possui

Page 28: Monografia-Gomes EA

28

formação específica na área em questão, sendo uma barreira que precisa ser transposta para

que os indivíduos consigam compreender as nuances dos conteúdos e terem possibilidade de

construir o conhecimento.

Sabe-se que a Química é uma ciência que estuda a natureza e suas transformações,

transcorrendo em ações praticadas e vivenciadas por todos diariamente, desde o ato de

respirar até os mais modernos produtos de consumo. Então, tendo a Química também uma

linguagem específica, Chassot (2004) destaca dois aspectos que evidenciam tal constatação, a

universalidade e aplicabilidade. Segundo o autor, a universalidade se dá admitindo questões

particulares de representações, como fórmulas e símbolos em determinados conteúdos de

reações químicas e termodinâmica, por ser algo convencionado pela comunidade científica

mundial29

.

Assim, se faz possível um entendimento, mesmo que geral, sobre o que um texto

escrito em outra língua oral quer dizer em relação a alguns conteúdos da Química. Esse

aspecto seria uma vantagem pelo fato de haver uma comunicação e entendimento desses

assuntos em qualquer parte do mundo. Todavia, a desvantagem é que essa compreensão

provavelmente se dará apenas entre pares, pois as demais pessoas que não possuem um

conhecimento em relação a essa linguagem científica não teria clareza a essas informações e

quanto menos clareza sobre esses conceitos, maior possiblidade de compreensão equivocada

ou maior chance de imposição de ideias pelos que a dominam.

Por outro lado, a aplicabilidade da linguagem química está ligada à sua utilidade, ou

seja, é o momento em que as pessoas conseguem fazer a leitura de diversos fenômenos da

natureza e aquilo passa a fazer sentido para si por ser algo inerente ao seu contexto de vida

social ou cultural.

Mesmo considerando os aspectos levantados anteriormente sobre a linguagem

química, há de se convir que essa exibe uma estrutura hermética, fechada e muito mais densa

e robusta se comparada à linguagem usada pelas pessoas informalmente. Assim, se a

linguagem científica não for melhor explanada em sala de aula pelos professores, os

estudantes não conseguirão significá-la, já que é baseada em leis, teorias e princípios

específicos. De acordo com Benite, Benite e Vilela-Ribeiro (2015), os termos utilizados nessa

área podem ter um significado dentro do contexto informal, enquanto apresentam significado

diferenciado em contexto científico. Um exemplo disso é o termo Energia, que possui ampla

29

Pode-se remeter a International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) que é um órgão mundial

responsável pelo desenvolvimento de padrões para a denominação de regras da área e compostos químicos.

Maiores informações no site: www.iupac.org.

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29

aplicação em diversas esferas, como energia provenientes dos alimentos, energia elétrica,

energia térmica, energia solar, energia eólica, energia química.

Especificamente, a energia química é baseada na energia das ligações químicas

estabelecidas entre os átomos, se manifestando quando ocorrem rupturas dessas ou formação

de novas ligações para originar um novo composto. Todas as moléculas possuem um valor

particular para essa energia. Sabendo disso, esse assunto é trabalhado no ensino médio dentro

da temática Termoquímica, que segundo Russel (1994), alude ao estudo das transferências de

calor que ocorrem durante as transformações químicas e algumas transformações físicas.

Porém, esse é um tema que possui alto grau de abstração e gera conflitos conceituais na

grande maioria dos estudantes, conforme indica os estudos de Amaral e Mortimer (2001),

Assis e Teixeira (2003) e Souza e Justi (2010), onde o calor e energia eram tidos como algo

material (ideia substancialista), apresentavam formas de movimentos (ideia mecanicista) ou

ainda, características animistas.

Desse modo, para tentar amenizar concepções alternativas e acomodar os conceitos

cotidianos aos conceitos científicos, o professor necessita (re)pensar metodologias e

estratégias capazes de favorecer a construção do conhecimento com todos os estudantes,

permitindo que conheçam e entendam essa linguagem tão particular que a Química possui.

Uma das maneiras seria o uso de metodologia visual e recursos multimodais como imagens,

modelos, experimentos, materiais concretos, gráficos, diagramas, vídeos, animações, sempre

articulados ao seu discurso, isto é, enquanto o professor explica o conteúdo em sala de aula,

ele promove uma interação coerente entre o que diz com esses recursos, trazendo aos

estudantes uma ideia mais clara sobre determinado assunto (GOMES & SOUZA, 2013). Caso

esses recursos não estejam em consonância com os conceitos discutidos, esses estudantes

ficarão enraizados apenas no mundo concreto, não permitindo que alcancem o pensamento

abstrato após a maturação das ideias (SACKS, 2010). Esse tipo de estratégia favorece os

estudantes ouvintes e principalmente os estudantes surdos, que possuem uma forte percepção

pelo canal visual, uma vez que a própria Língua de Sinais se realiza nessa modalidade.

Em vista disso, se há estudantes surdos, provavelmente haverá intérpretes de Libras –

Língua Portuguesa presente na sala de aula, e esses, na maioria das vezes, não possuirão

formação acadêmica em Química e, portanto, também irão esbarrar na dificuldade em

entender a linguagem científica e poderão não conseguir abstrair as ideias com clareza dentro

daquele contexto para realizar a interpretação. Assim, o professor não pode menosprezar essa

situação e esse profissional, sendo importante lhe dar respaldo teórico sobre o assunto a ser

trabalhado em sala de aula, sanando as eventuais dúvidas que surgirem. No entanto, é notório

Page 30: Monografia-Gomes EA

30

que em muitos casos isso não acontece por diversos fatores como falta de tempo do professor

por trabalhar em várias escolas, pela não elaboração dos planos de aula por já estar

acostumado a lecionar o mesmo assunto na mesma série por vários anos, a falta de

informação referente ao trabalho do intérprete por pensar que ele é o professor do estudante

surdo ou está ali para vigiá-lo em sala de aula, falta de apoio e conscientização da própria

gestão escolar (direção, supervisão) que muitas vezes também não entendem o papel do ILS

naquele local, falta de investimento e capacitação para os professores conhecerem melhor o

trabalho com estudantes surdos, entre muitas outras questões. Diante desses fatos, um dos

pontos cruciais seria disponibilizar ao ILS o plano de aula, ou mesmo dizer a ele qual o tema

das aulas da semana, pois assim ele também pode estudar e buscar informações a respeito do

assunto e em algum momento, mesmo que seja no intervalo, tirar dúvidas que teve ao ler o

material. Essa atitude do intérprete em buscar, pesquisar sobre o assunto quando lhe é

fornecido também é importante, pois muitos agem dessa forma quando irão interpretar algum

evento, palestra ou qualquer outra situação quando não possuem formação na área em

particular. Assim, na sala de aula não pode ser diferente.

Outro ponto que merece destaque é a falta de terminologias específicas em sinais, o

que pode comprometer o trabalho dos intérpretes e o acesso dos estudantes surdos à

linguagem científica (SILVEIRA & SOUSA, 2010). De fato esse é um complicador, que pode

ser visto como uma dificuldade capaz de ser superada e não como uma condição de

estagnação. Devido a essa falta de terminologias, muitas pessoas acreditam que a Língua de

Sinais é uma língua limitada, pobre, que não permite aos surdos conhecerem e

compreenderem qualquer assunto. Tem-se aqui um grande equívoco, pois conforme já

mencionado, essa é uma língua capaz de explanar assuntos dos mais variados, desde simples

diálogos entre amigos, familiares, até os mais abstratos e complexos como poemas,

nanotecnologia, astrofísica, etc. Um dos motivos pelos quais ainda não existem terminologias

em sinais, seja na área da Química ou em outras áreas, deve-se ao período que as Línguas de

Sinais foram proibidas e não ensinadas aos surdos, dificultando o acesso deles ao ensino

superior e consequentemente a não criação e catalogação de sinais específicos. Atualmente,

devido à difusão do curso Letras-Libras e do maior envolvimento dos surdos no cenário

universitário, já existem muitos sinais-termos para área da linguística.

Posto isso, não se pode atribuir à falta de terminologia como a única limitação que

impede os estudantes surdos de se apropriarem de conceitos químicos. Isso porque, ao pensar

em uma sala de aula apenas com estudantes ouvintes, quando o professor apresentar o

conteúdo, há de se concordar que vários estudantes não compreendem a Química, mesmo

Page 31: Monografia-Gomes EA

31

existindo, nesse caso, todas as terminologias em Língua Portuguesa. Assim, a falta de um

sinal específico para essas terminologias em Libras, não é a única dificuldade para a

aprendizagem dos estudantes surdos.

Uma forma de amenizar tal situação e possibilitar aos intérpretes estratégias para

sinalizar esses termos, poderia ser o uso da datilologia, ou seja, do alfabeto manual30

da

Língua de Sinais (QUADROS; KARNOPP, 2004), o uso de classificadores que é uma forma

de linguagem capaz de representar ideias nessa língua, mesmo quando não existe um sinal

específico (BERNARDINO, 2012), ou ainda, os estudantes surdos e o intérprete criarem e/ou

convencionarem um sinal para suprir a sua falta. Nesse caso, entendendo que é apenas uma

convenção de um pequeno grupo, ou seja, o sinal convencionado ali não é o sinal específico

para o termo.

Essas táticas poderão ser usadas com eficácia quando o ILS (re)conhecer o que está

sendo discutido pelo professor e assim, sinalizar algo dentro do contexto abordado, não

ficando refém do significado que um termo pode possuir, mas levando em conta a abordagem

pragmática que está por trás dele.

30

Esse alfabeto manual é representado pelas configurações de mão da Libras, oriundo de um empréstimo

linguístico do alfabeto da Língua Portuguesa. Contudo, admitindo uma visão mais ampla a esse respeito, de

acordo com Nascimento (2009), esses empréstimos podem ser por transliteração pragmática, que consiste na

datilologia de forma provisória, ou seja, utiliza-se o alfabeto manual porque ainda não existe um sinal específico

para tal termo. Um exemplo seria as pessoas ou cidades que ainda não possuem um sinal. Outro tipo é a

transliteração lexicalizada, isto é, quando existe um sinal já convencionado na Libras, mas esse é datilológico.

Alguns exemplos seriam os sinais D-I-A (dia), P-A-I (pai), N-U-N-U (nunca).

Page 32: Monografia-Gomes EA

32

3 METODOLOGIA

A pesquisa qualitativa tem o intuito de tentar entender, de forma mais aprofundada,

alguns pontos a partir da amostra que se tem, sendo seu maior objetivo produzir novas

informações capazes de contribuir para a elucidação de específica questão, não sendo

necessário se preocupar em quantificar valores em larga ou baixa escala (SILVEIRA &

CÓRDOVA, 2009). Para Minayo (2001), essas novas informações serão produzidas através

de ações como descrever, compreender e explicar, visto que a investigação terá um foco

muito bem definido, possibilitando encontrar respostas para a questão proposta.

Nesse sentido, ainda de acordo com Silveira e Córdova (2009), uma das possibilidades

de pesquisa que permite a construção de hipóteses e essa busca pelo conhecimento mais

aprofundado de determinado assunto, se dá pela natureza exploratória por essa levar a um

caminho ainda não esgotado.

3.1 AMOSTRA E COLETA DE DADOS

Para realização dessa pesquisa, optou-se por uma escola estadual da cidade de

Teixeiras (MG) que atende a política de inclusão proposta pelo Ministério da Educação,

havendo duas estudantes surdas em seu corpo discente e um intérprete de Libras-Língua

Portuguesa em seu quadro de funcionários. Essa escolha se deu pelo fato de não existir muitos

estudantes surdos cursando o Ensino Médio que dominem a Língua de Sinais e escolas que

possuam intérprete em sala de aula na cidade de Viçosa.

Como essas estudantes estavam cursando a segunda série do Ensino Médio31

,

pretendeu-se analisar uma sequência de aulas sobre a temática Termoquímica, por ser um

assunto com alto grau de abstração e provocar conflitos conceituais na grande maioria dos

estudantes, conforme já discutido na sessão anterior.

Dessa maneira, no fim de outubro e início de novembro de 2014, essa temática foi

abordada em quatro aulas de Química, e todas foram filmadas utilizando duas câmeras, sendo

uma fixada ao fundo da sala voltada para a atuação e movimentação do professor nesse

espaço, enquanto outra câmera esteve fixada em uma lateral da sala, de modo a focalizar as

duas estudantes surdas e o intérprete que estavam ao lado oposto. Cabe ressaltar que em todas

31

Nessa turma, havia trinta e cinco estudantes, sendo que desse número, duas estudantes eram surdas.

Page 33: Monografia-Gomes EA

33

as aulas de Química filmadas, as estudantes surdas sentaram-se juntas acatando a solicitação

do professor e o intérprete ficava à sua frente. A seguir, na Figura 03 tem-se a disposição da

referida sala de aula.

Figura 03: Esquema adaptado da estrutura da sala de aula, a partir da imagem:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=1371

Entretanto, essas filmagens só foram possíveis a partir do momento que as estudantes

surdas32

, o intérprete e o professor assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido

(Anexo I). Além disso, cerca de duas semanas antes do professor começar a trabalhar essa

temática, o autor deste trabalho conversou com toda a turma explicando a proposta e realizou

algumas filmagens-teste a fim de que todos ali presentes pudessem ir se acostumando com as

câmeras para agirem com naturalidade no momento que começasse a discutir a temática

Termoquímica. Apesar das filmagens envolverem esses quatro participantes, o foco da

análise foi o intérprete educacional. Ainda, é válido ressaltar que o autor desse trabalho esteve

32

Essas estudantes já são maiores de idade, com dezenove e vinte anos, por isso não foi necessário que os pais

ou responsáveis assinassem o termo de consentimento.

Page 34: Monografia-Gomes EA

34

presente no fundo da sala de aula acompanhando todas as filmagens e anotando algumas

observações que se julgaram pertinentes em determinados momentos.

3.2 ANÁLISE DOS DADOS

Após a coleta dos dados, todas as filmagens foram transcritas para que se tivesse uma

visão mais ampla sobre tudo o que ocorreu, sobretudo em relação às enunciações dos

envolvidos, sendo possível também estimar alguns pontos por meio das anotações realizadas

pelo pesquisador durante as aulas.

Para analisar os dados, o método utilizado foi o Estudo de Casos, que consiste segundo

Gil (2007 apud Silveira & Córdova, 2009), em um estudo de um sistema definido, tentando

inferir o que há de importante em uma situação específica, apresentando-o e discutindo-o sem

interferir em tal processo. Nessa mesma linha, André (2005) coloca que essa análise se dá por

se ter um sistema concreto, contextualizado, que irá dialogar com os interesses e objetivos do

pesquisador. Entretanto, por ser uma análise específica, não é recomendado generalizações a

partir dos resultados encontrados. Sendo assim, nessa análise, será apresentada uma descrição

geral de como se deu as aulas filmadas e em seguida, uma descrição específica sobre o tema

proposto nesse trabalho.

3.2.1 OBSERVAÇÃO GERAL

Conforme mencionado, para melhor compreender os contextos de análise, acredita-se

ser necessário realizar um breve relato que evidencie as dinâmicas observadas das quatro

aulas filmadas. A seguir, tem-se a descrição de cada uma delas.

Aula 01: Esta foi a primeira aula sobre Termoquímica em que o professor iniciou o

tema apresentando o termo Energia a partir do valor calórico dos alimentos, aproveitando para

mostrar as medidas de calor, as relações entre calorias e Joule e o calor envolvido nas reações

químicas. A aula foi baseada em dois livros em volume único, Química de Antônio Sardella e

Química de João Urbesco e Edgard Salvador, em que o docente lia e ditava o que acreditava

ser importante para que os estudantes anotassem. No caso das estudantes surdas, ele solicitou

que as mesmas sentassem em dupla e copiassem do livro o que ele ditava aos demais. Como

essas estudantes copiavam o conteúdo do livro e não houve momento para explanações, o

Page 35: Monografia-Gomes EA

35

intérprete apenas se manteve sentado à frente delas. Essa aula teve duração de trinta e sete

minutos e quinze segundos.

Aula 02: O docente continuou a ditar o conteúdo sobre calor envolvido nas reações

químicas para chegar aos processos exotérmicos, endotérmicos e entalpia, solicitando que as

estudantes surdas copiassem do livro de Sardella. Os exemplos das reações (formação da água

e síntese do óxido de nitrogênio) foram colocados no quadro para explicar esses processos.

Nesse momento, o intérprete levantou-se e posicionou-se ao lado do professor no quadro e à

frente das estudantes surdas para realizar a interpretação. Após a explicação, o professor se

voltou para as estudantes perguntando se haviam entendido. Em alguns momentos, as

estudantes surdas questionaram o professor lhe direcionando algumas dúvidas e o próprio

intérprete também aproveitou o momento para retirar suas dúvidas particulares sobre o

conteúdo. Essa aula teve duração de trinta e seis minutos e nove segundos.

Aula 03: Esta foi uma aula de exercícios, pelo fato da avaliação estar se aproximando.

O professor entregou a todos os estudantes uma lista com seis questões retiradas do livro

Urbesco & Salvador. Feito isso, ele se sentou ao lado do intérprete e auxiliou as estudantes

surdas na resolução das atividades. A primeira questão gerou muitas dúvidas por parte delas,

pois solicitava, a partir de um determinado esquema, o nome das mudanças de estado físico e

a identificação dos processos endotérmicos. Na segunda questão, foi apresentado cinco

gráficos sobre transformação da água, perguntando quais estavam corretas. A maior

dificuldade por parte das estudantes surdas e do próprio intérprete nessa questão se deu em

relação aos termos Energia e Calor. Nesse momento, o professor explicou a eles alguns

pontos que diferenciam tais palavras. Essa aula teve duração de quarenta e três minutos e

cinquenta e quatro segundos.

Aula 04: Nessa aula, o professor abordou os fatores que influenciam na variação de

entalpia (ΔH), sendo o último tópico a ser trabalhado por ele com os estudantes dentro dessa

temática. Baseando sua aula no livro de Sardella, ele ditou o conteúdo à turma e solicitou que

uma das estudantes surdas copiasse do livro. As reações químicas foram colocadas no quadro

para explicação. Na referida aula, uma das estudantes surdas e o intérprete não

compareceram. Assim, a estudante que esteve presente na aula apenas copiou e observou, não

conseguindo ter acesso às informações enunciadas pelo professor. Por isso, essa aula com

duração de trinta e dois minutos e treze segundos, não será sistematizada na análise dos dados.

Page 36: Monografia-Gomes EA

36

3.2.2 OBSERVAÇÃO ESPECÍFICA

Aqui será apresentado algumas transcrições das falas dos envolvidos nas filmagens

durante as aulas, acompanhada da imagem do sinal realizado para o termo Energia. Nessas

transcrições, nos momentos em que o ILS estiver no processo interpretativo, ou seja,

mediando a comunicação do professor e as estudantes surdas, esses enunciados estarão em

glosas33

. Quando não estiver, significa enunciações feitas por ele mesmo. No caso das

estudantes surdas, todos enunciados estarão em glosas. Além disso, para transcrição das falas

em Libras, foi preciso respeitar sua estrutura sintática espacial, isto é, representar como as

sentenças e os sinais são arranjados no espaço, de modo que a relações construídas entre eles

pudessem engendrar diversos papéis gramaticais. Assim, as próprias expressões não manuais,

além de parâmetros fonológicos, também possuíam ação gramatical.

Sabendo disso, baseado em Quadros e Karnopp (2004), para representar o início e o

fim de todas as sentenças em glosas, foi usada a notação (< >). Para identificar que foi feito

datilologia pelo intérprete ou pelas estudantes surdas, a palavra foi escrita em letra por letra,

separadas por hifens. Quando dois sinais foram realizados ao mesmo tempo, usou-se entre as

palavras a notação (-). Para retratar que em determinado momento foi realizada uma pergunta,

ou seja, existiu uma “marca interrogativa”, foi usada a notação (< >qu). Para evidenciar que

houve uma pergunta, porém a resposta seria apenas sim ou não, essa “marca interrogativa”

teve a notação (< >sn). Para revelar expressões que indicavam algo negativo, foi usada a

“marca de negação” com notação (< >n). Para denotar expressões com “marcas de

construção em foco”, quer dizer, com expressões positivas, usou-se a notação (< >mc). Para

expor momentos que houve “marcas de construção de tópicos”, ou seja, elevação da

sobrancelha foi usada a notação (< >t). Nos momentos que houve “marcas de concordância

verbal” que se baseiam na direção do olhar seja para as pessoas envolvidas, e os verbos

sinalizados, foi usada a notação (< >do). Por fim, para reproduzir as pessoas envolvidas,

evidenciando qual ação de determinada pessoa ou objeto a partir dos verbos realizados, foi

usada a notação (< >a ou < >b), dependendo de quantas referências existirem. Contudo, cabe

ressaltar que além das glosas, as transcrições de Língua de Sinais também podem ser feitas

pelo programa ELAN34

.

33

É uma maneira de representar/transcrever os termos realizados na Língua de Sinais em palavras da língua oral,

formatadas em caixa alta. 34

ELAN é a sigla para o programa Eudico Language Annotator, desenvolvido pelo Max Planck Institute of

Psycholinguistics da Holanda que permite a descrição por imagens detalhadas de cada sinal realizado,

Page 37: Monografia-Gomes EA

37

Para identificar cada um dos envolvidos nas filmagens, foi utilizada uma configuração

de mão35

escolhida aleatoriamente, conforme é descrito no Quadro 01:

CONFIGURAÇÃO DE MÃO PESSOA ENVOLVIDA NA

FILMAGEM

ESTUDANTE SURDA 1

ESTUDANTE SURDA 2

INTÉRPRETE DE LIBRAS-

LÍNGUA PORTUGUESA

PROFESSOR DE QUÍMICA

Quadro 01: Relação da configuração de mão usada para representar cada um dos envolvidos na

filmagem.

Na aula 01, como as estudantes surdas apenas copiaram o conteúdo do livro, o

intérprete não sinalizou.

favorecendo sua transcrição. Aqui não foi utilizado essa análise, pois demandaria um tempo maior para a

transcrição de todas as aulas. Além do mais, a transcrição em glosas atende o objetivo desse trabalho. 35

As configurações de mão (CM) utilizadas foram retiradas do quadro apresentado por Pimenta e Quadros

(2006). Optou-se por elas, por estarem em cores vivas e mais nítidas.

Page 38: Monografia-Gomes EA

38

Na aula 02, destaca-se como relevante os seguintes momentos:

(06:30 - 07:02)

: “Vamos pegar aí um exemplo mais simples, do dia a dia. Quando você está

cozinhando, por exemplo, o feijão. Você está adicionando uma certa energia com o

cozimento? Porque se você deixar na água sozinho lá, não vai resolver. Então, é evidente que

não vai formar uma nova substância, mas é só para você ter uma ideia, de que por que vai

cozinhar o feijão, porque você adicionou uma certa energia .. psiu...”

: “<EXEMPLO>t <CASA COZINHAR FEIJÃO ENERGIA NADA ÁGUA DENTRO

PANELA-FOGO PANELA-ACENDER FEIJÃO COZINHAR> <POR QUÊ>qu <ANTES

VOCÊ PANELA-ACENDER PANELA-FOGO ENERGIA ÁGUA FEIJÃO QUENTE>

<ENTENDER>sn

(07:54 - 08:23)

: “O que seria essa Energia no caso?”

: “Seria energia, uma temperatura, calor envolvido na reação.”

: “<EXEMPLO MELHOR LEMBRAR EXPLICAR EXEMPLO>”

: “Sol?”

: “<CALOR SOL>”

Page 39: Monografia-Gomes EA

39

: “Não, não é sol necessariamente, mas pode ser também se questão ambiental.

Certinho?”

: “<SOL>t <NÃO>n CAPAZ EXEMPLO CALOR <SOL>do MAR SOL É ENERGIA

MISTURAR ELEMENTOS <CHUVA>do CAPAZ”

(08:23 – 08:28)

: “Certo? Mais alguma dúvida?”

: “<CERTO>mc”

: “<MAIS-MENOS>”

: “Mais ou Menos”

: “Nós vamos caminhar e você vai entender”

: “<CAMINHAR ENTENDER>”

: “<S-I> <ENTENDER-NÃO>n <PERGUNTAR POR FAVOR>”

: “<ÓTIMO>”

Page 40: Monografia-Gomes EA

40

Na aula 03, têm-se como relevantes os seguintes momentos:

(35:53 -38:58 )

: “Aqui, é Exotérmico.”

: “<EXO> <LIBERAR>”

: “<CALOR>qu <ENERGIA>”

: “<LIBERAR CERTO>qu <EXO>t <LIBERAR>”

: “<SIM>mc”

: “<CERTO DECORAR 1 CERTO AGORA 2>”

: “Então, é liberando energia?”

: “Se ela liberou energia, diminuiu?”

: “<LIBERAR ENERGIA DIMINUIR>”

: “Olha só esse aqui liberando energia.”

: “<LIBERARa>do”

: “<TER-NÃO>n”

Page 41: Monografia-Gomes EA

41

: “Se ela liberou , energia diminuiu”

: “<LIBERAR-DIMINUIR> <ESSA DOIS DIMINUIUR CERTO>”

: “Oh, vou perguntar para ela também 1 está certo?”

: “<SIM>mc”

: “<POR QUE>qu <PERGUNTAR VOCÊS 1 E 2><POR QUE>qu <EXPLICAR>

: “<SABER-NÃO>n”

: “Não sabe se a 2 também”

: “<S-I DIMINUIR DOIS CERTO>”

: “Então, a número 2 está certa. Por quê?”

: “<ENERGIA>”

: “Energia”

: “Mas energia”

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42

: “<LIBERAR ENERGIA CALOR LIBERAR IGUAL DIMINUIR <ENTENDER>qu

<UM LIBERAR DOIS D-I-M-I-N-U-I>”

: “Presta atenção”

: “<aINTERAÇÃOb>do

: “ <1 CERTO>

: “<ERRADO>

: “<POR QUE>qu” <PERGUNTAR VOCÊ ERRADO><POR QUE>qu”

: “< ENTENDER-NÃO>n”

: “ Ela (a2) não entendeu”

“< ESSE AQUI ERRADO> <TOMADA-ELETRICIDADE>qu”

: “Energia elétrica?”

: “Não.”

: “ < ENERGIA>n <C-A-L-O-R ENERGIA> IGUAL LIBERAR-DIMINUIR LEMBRAR

1 LIBERAR-DIMINUIR> 2 DIMINUIR>qu”

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43

: “Ela disse que sou eu que fiz confusão”

: “<EXPLICAR VOCÊ b>”

: “ < EXPLICAR QUALQUER>”

: “< VOCÊ FALAR ERRADO> ”

: “<ENERGIA C-A-L-O-R ELE EXPLICAR PASSADO CONTEXTO EXPLICAR

CONCEITO ENERGIA C-A-L-O-R PROCESSO TRÊS JUNTOS>”

(39:00-40:02 )

: “<C-A-L-O-R ENERGIA IGUAL> <ENTENDERb>qu”

: “Porque segundo ela (A2) eu não sabia que calor e energia é a mesma coisa.. não é

energia elétrica, é outra.”

: “<ENERGIA BOM NÃO>”

: “Esse sinal de energia”

: “QUENTE”

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44

: “Ah, mais um, quente, calor, energia, na física, tem temperatura também, nossa,

muitos”

: “ < QUENTE C-A-L-O-R ENERGIA FÍSICA TEMPERATURA TAMBÉM> <

NOSSA MUITOS>t”

Na Figura 04, é apresentado o sinal realizado para o termo Energia em todas essas

situações transcritas. Na próxima sessão, será discutida a relação desse sinal usado dentro do

contexto da aula, por um estudo sobre as inferências semânticas-pragmáticas.

Figura 04: Sinal realizado para o termo Energia durante as aulas filmadas.

Page 45: Monografia-Gomes EA

45

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como já relatado no tópico anterior, as aulas filmadas foram descritas de forma geral e

específica, na qual foi exposta a transcrição de alguns processos comunicativos em que o

professor explicava o conteúdo de Termoquímica e o ILS transpunha em Libras para as

estudantes surdas. Agora, será discutido como o sinal usado para o termo Energia pode ser

visto a partir de um estudo semântico-pragmático.

Essa apreciação é apropriada, pois é indispensável reconhecer que a Química possui

uma linguagem científica com estrutura própria e muitas vezes desconhecida para a grande

maioria das pessoas que não possuem formação nessas áreas, o que pode levar ao não

entendimento claro (BENITE, BENITE & VILELA-RIBEIRO, 2015). A Termoquímica é um

exemplo por se tratar de assuntos abstratos como Energia, Calor, processos endotérmicos,

exotérmicos.

Nada obstante, em muitos casos o próprio intérprete de Língua de Sinais que está

inserido na sala de aula para permitir acesso linguístico aos surdos, poderá sentir dificuldade e

perceber suas limitações quando estiver diante de informações não muito claras ou que não

fazem parte do seu conhecimento. Isso pode ocorrer pelo fato de a grande maioria desses

profissionais não possuírem formação acadêmica ou até mesmo técnica na área da Química.

Essa situação é evidenciada no período (07:54 - 08:23) da aula 02, quando o ILS interrompe

o professor com a seguinte fala: “O que seria essa Energia no caso? Sol?”. Essa interrupção

acontece, pois em todos os momentos as interpretações são de forma simultânea, ou seja, é

feita ao mesmo tempo em que o professor explica o conteúdo.

Contudo, por mais que sejam esclarecidas dúvidas pontuais, na maioria das vezes, o

profissional intérprete ainda continua sem estar ciente do que a aula está se tratando de fato.

No período de (06:30 - 07:02) também da aula 02, o professor tenta mostrar aos estudantes

um exemplo cotidiano da energia envolvida no processo de cozimento do feijão. Na

interpretação, a informação é colocada aos estudantes surdos pelos excertos “<PANELA-

FOGO PANELA-ACENDER FEIJÃO COZINHAR>” e “<PANELA-ACENDER PANELA-

FOGO ENERGIA>”.

Essa situação revela o não entendimento do ILS sobre qual energia está sendo tratada,

uma vez que ela já é evidenciada no cozimento do feijão, ao aquecer o sistema. Assim, não

seria necessário o uso de qualquer sinal para energia, por já estar subentendida em

Page 46: Monografia-Gomes EA

46

<PANELA-FOGO>. Mesmo assim, utilizou-se o sinal ENERGIA36

, que é adequado para

representar energia elétrica, já que faz menção a corrente elétrica, que diz respeito ao

movimento de cargas. Porém, nas referidas aulas, a intenção é tratar a energia das ligações

químicas estabelecidas entre os átomos.

Dessa forma, percebe-se que um dos maiores desafios dos intérpretes é compreender

termos específicos da área que irá atuar, principalmente por alguns possuírem sentidos

diferentes em contextos distintos. Então, para o termo Energia, não adianta pensar apenas em

seu significado isolado, pois o seu entendimento irá variar de acordo com o contexto em que

está inserido, abrindo as portas para uma compreensão semântica-pragmática, ou seja, é

importante se atentar para questões que vão além das palavras isoladas, mas compreender em

qual situação estão sendo aplicadas (ARAÚJO, 2007; VANIN, 2009). Ainda, Levinson

(2007) acrescenta que para realmente compreender uma enunciação, é importante fazer

inferências que conectarão o que é dito ao que foi dito anteriormente e ao contexto em uso,

conforme sugere a implicatura conversacional de Grice.

Todavia, nem sempre o intérprete conseguirá estabelecer de forma natural essa

relação, ou mesmo inferir sobre o que é explanado nas aulas e qual conjuntura teórica está

enquadrado. Para favorecer esse processo de inferências, ele precisa conhecer o assunto

previamente, isto é, relacionar o conhecimento linguístico semântico-pragmático e a

totalidade e o conhecimento de mundo, no caso, a linguagem química.

Desse modo, o professor precisa auxiliá-lo enviando-lhe o plano de aula e sanando

suas dúvidas, ou ao menos dizer qual o tema a ser trabalhado, para que então ele possa

procurar informações a respeito. Sabe-se que por questões de tempo e falta de orientações

essa parceria acaba se enfraquecendo ou até mesmo não existindo.

Além disso, esse profissional está mediando a comunicação entre a Língua Portuguesa

e a Língua Brasileira de Sinais, onde nem sempre haverá uma palavra com um sinal

correspondente e vice versa, já que ambas as línguas possuem estruturas linguísticas

diferenciadas (GESSER, 2009). Para conseguir estabelecer uma interlocução coerente entre

essas línguas e atingir uma “semelhança interpretativa” como proposta por Rodrigues

(2013), o intérprete necessita das competências apontadas por Robertz (1992 apud Quadros

2004). Dentre essas competências, pode-se destacar a linguística, por possuir domínio da

língua fonte e língua alvo, competência de transferência para realizar de forma cabível as

conexões de ideias, por uma tradução literal que irá respeitar estruturas sintáticas, semânticas

36

Nesse momento, sempre que esse termo ENERGIA, em letras maiúsculas surgir, será para representar o sinal

da Figura 04.

Page 47: Monografia-Gomes EA

47

e pragmáticas da língua alvo e não tradução signo por signo, além de competências de área

específica para que conheça e tenha noção do assunto que está sendo tratado na língua fonte e

a competência metodológica, em que o ILS irá se preocupar em articular táticas quando não

conhecer determinados signos na Língua de Sinais.

Diante disso, novamente, as aulas de Química serão um desafio para que o intérprete

coloque em prática suas competências metodológicas, pelo fato de ainda existir poucas

terminologias em sinais. Assim, ele precisará pensar em estratégias como uso de

classificadores, datilologia, ou convencionar um sinal com os estudantes surdos naquele

momento, tudo para tentar suprir a inexistência de um sinal na língua alvo, ou a falta de

conhecimento em relação ao signo da língua fonte e permitir a esses estudantes acesso a todas

as informações. Porém, para que ele consiga alcançar esse objetivo com êxito, necessita

conhecer o contexto no qual está inserido e se preocupar com os significados que as palavras

podem admitir. Caso isso não ocorra, os estudantes surdos podem não compreender o que está

sendo tratado, o que provocará conflitos conceituais como os evidenciados no período (35:53

-38:58) da aula 03, pelos excertos “< ESSE AQUI ERRADO> <TOMADA-

ELETRICIDADE>qu”, e “<ENERGIA BOM NÃO>” em que uma das estudantes questiona

o sinal ENERGIA utilizado. Provavelmente isso ocorreu, pois após tantas informações

recebidas, ela percebeu que havia algo estranho com o contexto que está sendo trabalhado e

com o sinal inadequado que foi utilizado para o termo energia. Essa situação gera certo

desconforto para o próprio intérprete, pois os estudantes surdos ao constatarem essas

desconexões entre o assunto e o termo usado, podem pensar que o ILS está despreparado para

atuar, conforme é exposto nos excerto “< EXPLICAR QUALQUER>” e “< VOCÊ FALAR

ERRADO>” em que as duas estudantes surdas das aulas filmadas questionam o intérprete

sobre o sinal ENERGIA.

Page 48: Monografia-Gomes EA

48

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A semântica e a pragmática são duas áreas de estudo da Linguística, que mesmo

apresentando definições distintas, necessitam dialogar para compreensão do significado de

determinados termos, não desprezando o contexto e o processo comunicativo no qual estão

inseridos (CANÇADO, 2013; LEVINSON, 2007).

Ao considerar a sala de aula como um espaço vivo, encontra-se nela diversos

processos comunicativos, inclusive, o que se refere à atuação do intérprete de Língua de

Sinais, já que ele irá mediar a comunicação da Língua Portuguesa para Libras e vice versa,

entre o professor, estudantes surdos, estudantes ouvintes e o conhecimento. A relação entre o

professor e o intérprete merece atenção, pois o professor é o regente da turma e quem possui o

conhecimento sobre determinado assunto a ser trabalhado, enquanto o ILS possui o domínio

de ambas as línguas e competências para desempenhar esse papel (QUADROS, 2004).

Entretanto, muitas vezes como o intérprete precisa atuar em forma simultânea, ou seja,

sinalizar ao mesmo tempo em que o professor fala, ele pode não perceber o que está sendo

dito e fazer o primeiro sinal que vem em sua mente em relação ao termo que ouviu. Essa

posição precisa ser revista, já que termos específicos podem assumir sentidos diferentes em

contextos distintos. Em outras palavras, ao ouvir determinado signo, ele carece fazer uma

inferência semântica-pragmática de modo a compreender qual o significado daquela palavra

no contexto em que ele está imerso. Isso pode acontecer nas aulas de Termoquímica em que o

termo Energia se refere a energia entre os átomos nas ligações químicas e não ao termo

energia elétrica.

Todavia, para tentar não incorrer nesse equívoco, é importante que o professor dê

respaldo teórico ao intérprete, mesmo que seja apenas lhe dizendo qual o tema a ser

trabalhado na aula, para que ele possa recorrer a outras fontes de pesquisa e estudo e tentar

compreender o assunto. Isso pode dar maior segurança e conforto a esse profissional para que

os sinais escolhidos ou estratégias usadas, quando não houver um sinal definido, sejam

coerentes com o contexto de aula e possam permitir aos estudantes surdos acesso ao

conhecimento da mesma forma que os estudantes ouvintes têm.

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49

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Page 53: Monografia-Gomes EA

53

ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a) participante da pesquisa ou responsável legal,

Venho por meio desta, convidá-lo(a) a participar de uma pesquisa que faz parte do

projeto de monografia desenvolvido pelo licenciando do curso de Química da Universidade

Federal de Viçosa, Eduardo Andrade Gomes, sob orientação do professor Charley Pereira

Soares.

Essa pesquisa tem o objetivo de analisar como as interações em sala de aula

estabelecidas entre as estudantes surdas, o professor de Química e o tradutor/intérprete de

Libras, contribuem para a construção e significação do conhecimento científico pelas

estudantes, além de identificar os sinais usados nesse processo de ensino e aprendizagem.

Para isso, o material analisado nessa pesquisa será as filmagens registras durante as aulas.

Para tanto, os seguintes aspectos serão respeitados:

a) Liberdade de se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase

da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;

b) Garantia de sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa;

c) Participação voluntária na pesquisa, sem ônus algum para o participante.

Nesses termos, declaro ter sido informado e concordo em participar, como

voluntário(a), fornecendo informações para o projeto de pesquisa acima descrito ao aceitar as

filmagens durante as aulas.

Teixeiras, _____ de setembro de 2014.

_____________________________________________

Assinatura para a obtenção do consentimento

Licenciando responsável pela pesquisa: Eduardo Andrade Gomes

E-mail: [email protected]

Telefone: (31) 8577-5216

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APÊNDICE I

Fonte: Quadro de CMs da Libras, por Nascimento (2009)

APÊNDICE II

Fonte: Quadro de CMs da Libras, por Pimenta e Quadros (2006, p.63)

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APÊNDICE III

Fonte: Quadro de Movimentos da Libras, por Nascimento (2009)