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A reclamação graciosa e a impugnação judicial: convergências e divergências
Introdução
O contribuinte dispõe de um conjunto de meios de defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos que o legislador português tem vindo a reforçar no
âmbito do procedimento e processo tributário. Para prevenir e evitar ações ou omissões
da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) suscetíveis de lesar os direitos e interesses
legítimos dos contribuintes, estes podem recorrer, nomeadamente, à reclamação graciosa
e à impugnação judicial.
A reclamação graciosa é um importante instrumento de proteção dos direitos e
interesses dos contribuintes, destinado a reapreciar os atos praticadas pela AT,
independentemente do valor da causa e das questões jurídicas suscitadas. Não existe no
procedimento administrativo o chamado efeito de caso julgado, que carateriza a fase
judicial. Contudo, este meio procedimental não dispensa o contribuinte do pagamento do
tributo, sob pena de a AT recorrer ao processo de execução fiscal.
Pode dar-se o caso de o contribuinte lançar mão, ao mesmo tempo, de meios
procedimentais e processuais que tenham por objeto a apreciação da legalidade do ato
tributário. Neste caso, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) proíbe
a dedução da reclamação graciosa quando já tiver sido instaurada impugnação judicial
com o mesmo fundamento, dando prevalência ao processo judicial.
Os fundamentos para interposição da reclamação graciosa são os mesmos
aplicáveis à impugnação judicial. Tal significa que o contribuinte pode apresentar a
reclamação graciosa e, antes da sua decisão ou da formação do indeferimento tácito, pode
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impugnar diretamente o ato de liquidação, desde que o faça durante o prazo previsto para
a impugnação, não esperando que seja proferida a respetiva decisão administrativa.
Contudo, em alguns casos, a lei exige que, antes de recorrer à via judicial, o
contribuinte tenha que necessariamente apresentar uma reclamação graciosa. Há, assim,
situações em que é necessário esgotar primeiramente a via administrativa antes de deduzir
a impugnação judicial. A existência desta reclamação necessária justifica-se pela
necessidade de filtrar certos atos previamente à via judicial. Nos casos em que a lei exige
a reclamação necessária, o contribuinte não pode optar diretamente pela via da judicial.
Perante estas questões, importa analisar os requisitos e fundamentos da
reclamação graciosa e da impugnação judicial, a articulação entre um e outro meio, os
casos em que a reclamação graciosa é ou não indispensável para o exercício da
impugnação judicial. No caso de recurso em simultâneo aos dois instrumentos, o
legislador deu prevalência ao processo judicial em detrimento do procedimento de
reclamação graciosa. A reclamação graciosa deve cessar os seus efeitos para que possa
prosseguir a apreciação da legalidade tributária no âmbito do processo judicial.
Mas, muitas vezes, perante estes dois meios, o contribuinte terá de decidir entre
um e outro, o que obriga a que tenha, previamente à decisão, um conhecimento suficiente
sobre os factos e as questões de Direito que possam contribuir na sua decisão para a opção
entre os dois tipos de instrumento. O contribuinte deve ser informado de todos os meios
de que dispõe e ter conhecimentos suficientes para a tomada de decisão. A falta de
informação e de conhecimento pode ser prejudicial para o contribuinte. Daí a necessidade
de rever aqui, neste trabalho, a articulação entre a reclamação gracioso e a impugnação
judicial e sobretudo os casos da reclamação graciosa necessária.
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Deste modo, iremos proceder a uma análise de cada um destes dois meios de
defesa e analisar a articulação entre um e outro. Não pretendemos obviamente fazer uma
abordagem exaustiva destes dois meios de defesa, mas ver, na sua generalidade, as
principais questões em torno destes dois instrumentos, tendo em vista uma melhor
articulação entre eles.
1. Procedimento de reclamação graciosa
1.1. Considerações gerais
A reclamação graciosa é um meio impugnatório através do qual o sujeito passivo
(o contribuinte, o substituto ou o responsável tributário) requer a anulação (total ou
parcial) de um ato tributário, com fundamento em qualquer ilegalidade – art.º 68.º do
CPPT –, incluindo-se os casos de inexistência ou de nulidade de atos tributários. Este
meio impugnatório tem em vista a reapreciação do ato tributário pela própria entidade
que o praticou e pode ser apresentada independentemente do valor da causa e de suscitar
ou não questões de Direito1.
O procedimento de reclamação graciosa é, segundo o art.º 69.º, alínea a) do CPPT,
de natureza simples e relativamente célere, uma vez que dispensa formalidades essenciais
– alínea b), bem como limita os meios probatórios à prova documental – cfr. alínea e) da
mesma disposição. De acordo com o art.º 69.º, alínea b) do CPPT, nenhuma das
formalidades essenciais exigidas no art.º 102.º do Código do Procedimento
Administrativo (CPA) para a apresentação da reclamação graciosa deverá ser considerada
essencial. Quanto aos meios de prova, a reclamação graciosa encontra-se limitada à prova
documental, ao contrário da impugnação judicial que inclui, para além dos meios gerais
1 Caso se suscitem questões de Direito perante a AT, estas deverão ser apresentadas por um mandatário
tributário, que poderá ser um advogado, um advogado-estagiário ou um solicitador (cfr. art.º 5.º, n.º 2 do
CPPT).
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de prova, a prova testemunhal e a prova pericial. Por isso, se o contribuinte necessitar de
apresentar meios de prova distintos da prova documental deverá optar pela apresentação
da impugnação judicial em vez da reclamação judicial.
Ainda em termos distintivos, não existe, na fase do procedimento administrativo
o chamado efeito de caso julgado [na terminologia da alínea c) do art.º 69.º do CPPT, não
existe “caso decidido ou resolvido”]2, que seria aplicável numa fase judicial (ou de
processo), o que significa que a decisão pode ser objeto de recurso hierárquico, de
impugnação judicial ou de recurso para o tribunal arbitral.
A reclamação graciosa tem também a particularidade de estar isenta de custas,
pois na fase administrativa as custas não são devidas (salvo se a pretensão do contribuinte
estiver destituída de qualquer fundamento, caso em que o reclamante fica obrigado a um
agravamento à coleta correspondente a 5% do valor em causa, uma vez que tal é entendido
como “litigância de má fé” – cfr. art.º 77.º, n.º 1 do CPPT e art.º 456.º, n.º 2 do Código de
Processo Civil – CPC)3, contrariamente à fase judicial em que são exigidas custas
judiciais – cfr. alínea d) do art.º 69.º do CPPT – e a constituição de mandatário judicial
nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1ª
instância (€10.000), bem como nos processos da competência do Tribunal Central
Administrativo (TCA) e do Supremo Tribunal Administrativo – STA (cfr. art.º 6.º, n.º 1
do CPPT).
De referir ainda que, de acordo com a alínea f) do art.º 69.º do CPPT, a reclamação
graciosa não apresenta caráter suspensivo da liquidação, exceto quando seja prestada
garantia adequada, nos termos do art.º 199.º do CPPT. Tal significa que o contribuinte
2 SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado,
vol. I, Áreas Editora, p. 633-636. 3 A finalidade deste agravamento à coleta é dissuadir os interessados de deduzirem reclamações graciosas
sem qualquer fundamento.
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deve proceder ao pagamento do tributo, sob pena de entrar em execução fiscal. A
inexistência de efeito suspensivo faz com que a administração possa dar execução ao ato
objeto de reclamação. A instauração da reclamação graciosa é causa interruptiva do prazo
de prescrição da obrigação tributária (cfr. art.º 49.°, n.° 1 da LGT), interrompendo
também o prazo para a interposição da impugnação judicial, uma vez que é possível
utilizar este meio processual após o indeferimento da primeira (cfr. art.º 102.º, n.º 2 do
CPPT).
Regra geral, a reclamação graciosa é facultativa, mas há situações em que é
necessária para deduzir a impugnação judicial, a saber: erro na autoliquidação (art.º 131.º
do CPPT); erro na retenção na fonte (art.º 132.º do CPPT); erro nos pagamentos por conta
(art.º 133.º do CPPT); erro em matéria de classificação pautal, origem ou valor aduaneiro
das mercadorias (art.º 133.º-A do CPPT); e erro na quantificação da matéria tributável ou
nos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos (art.º 117.° do CPPT).
1.2. Fundamentos da reclamação graciosa
A reclamação graciosa é admitida para todo o tipo de atos tributários que lesem
direitos ou interesses dos contribuintes4. Pode dar-se o caso de o contribuinte lançar mão,
ao mesmo tempo, de meios procedimentais e processuais que tenham por objeto a
apreciação da legalidade do ato tributário. O n.º 2 do art.º 68.º do CPPT proíbe a dedução
da reclamação graciosa quando já tiver sido instaurada impugnação judicial com o mesmo
fundamento – cfr. n.ºs 3 e 4 do art.º 111.º do CPPT. A lei dá prevalência ao processo
judicial, quer a reclamação graciosa tenha sido apresentada antes ou na pendência da
4 O órgão competente para decidir a reclamação graciosa é o superior hierárquico do que praticou o ato
reclamado, o que nos leva a considerar que a reclamação graciosa acaba por desempenhar um papel
semelhante ao do recurso hierárquico.
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impugnação judicial: (a) no caso de ter sido apresentada uma reclamação graciosa antes
da impugnação judicial sobre a ilegalidade do mesmo ato tributário, tal procedimento
cessa com a apresentação da impugnação, independentemente dos fundamentos neles
invocados (art.º 111.º, n.º 3 do CPPT); (b) no caso de a reclamação graciosa ter sido
apresentada na pendência da impugnação judicial, a reclamação deve ser recusada devido
à prevalência do processo judicial sobre o procedimento tributário.
A reclamação graciosa pode ter por fundamento qualquer ilegalidade do ato de
liquidação ou qualquer vício procedimental que ocorra previamente à decisão final. Os
fundamentos para interposição da reclamação graciosa seguem o estabelecido no art.º 99.º
do CPPT, isto é, são os mesmos aplicáveis à impugnação judicial (cfr. art.º 70.º do CPPT),
a saber5:
(i) a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores
patrimoniais e outros factos tributários (vícios materiais) [art.º 99.°, alínea a) do CPPT]:
a errónea qualificação refere-se a situações de errada qualificação jurídica dos factos
tributários (por exemplo, no caso de um gasto ter sido qualificado erradamente como
despesa), sendo que a errónea quantificação está relacionada com o cálculo do imposto
(por exemplo, no caso da aplicação de uma taxa que não corresponde à taxa legalmente
prevista);
(ii) a incompetência [art.º 99.º, alínea b) do CPPT]: reporta-se à violação dos
poderes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em que uma entidade viola as normas
de atribuição de competência. Este vício ocorre quando a liquidação do imposto incumbe
ao órgão periférico regional e não ao órgão periférico local; (iii) ausência ou vício da
fundamentação legalmente exigida [art.º 99.°, alínea c) do CPPT]; (iv) preterição de
5 ROCHA, Joaquim Freitas, (2014). Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, p.
230-232.
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outras formalidades legais [art.º 99.°, alínea d) do CPPT]: diz respeito a situações relativas
a outras questões legais suscetíveis de comprometer a legalidade do ato final, tal como
sucedem no caso de preterição do direito de audição, previsto no art.º 60.º da LGT. A
preterição do direito de audição é suscetível de gerar a anulabilidade do ato (vício formal
– preterição de formalidade essencial)6.
Da reclamação graciosa pode resultar um deferimento ou indeferimento expresso
ou tácito. No caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação graciosa, o
contribuinte pode interpor uma impugnação judicial, nos termos do art.º 102.º do CPPT,
sendo o prazo-regra para a interposição da impugnação judicial de 3 meses a contar dos
factos previstos no art.º 102.°, n.° l do CPPT, salvo prazos especiais fixados em alguma
outra norma7.
1.3.Tramitação da reclamação graciosa
A reclamação graciosa é apresentada junto do órgão periférico local da área do
domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, que procederá
à instrução do procedimento, no prazo não superior a 90 dias, a partir dos elementos de
que dispõe [cfr. art.º 73.°, n.° 2 e art.º 69.°, alínea e), ambos do CPPT].
6 Como se trata de uma enumeração não exaustiva, podem existir outros fundamentos que não estão aqui
enumerados, designadamente a duplicação da coleta, a falta de notificação da liquidação, a inexistência do
facto tributário, a caducidade do direito à liquidação, etc. 7 Como, por exemplo, art.º 131.°, n.º l do CPPT (reclamação de erro na autoliquidação, em que o prazo de
impugnação é de 2 anos); art.º 132.°, n.º 3 do CPPT (reclamação de erro na retenção na fonte, em que o
prazo de impugnação é de 2 anos); art.º 133.°, n.° 2 do CPPT (pagamento por conta indevido, em que o
prazo de impugnação é de 30 dias); art.º 133.º, n.º 3 do CPPT (indeferimento expresso da reclamação, sendo
o prazo de impugnação de 30 dias); art.º 133.º, n.º 4 do CPPT (reclamação tacitamente deferida, sendo o
prazo de impugnação de 90 dias); art.º 134.º, n.º 1 do CPPT (atos de fixação dos valores patrimoniais, sendo
neste caso o prazo de 90 dias); art.º 134.º, n.º 3 do CPPT (quando o contribuinte tenha solicitado a correção
do VPT constante na inscrição matricial, sendo neste caso o prazo de 30 dias); art. 143.º, n.º 1 do CPPT
(atos de apreensão de bens praticados pela administração tributária, em que o prazo é de 15 dias) e art.
144.º, n.º 1 do CPPT (providências cautelares adotadas pela administração tributária, em que o prazo é de
15 dias).
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Na fase da instrução, juntam-se ao processo todos os elementos de que os serviços
disponham e outros que os serviços possam vir a obter após a realização de diligências
complementares indispensáveis à obtenção de prova complementar e consequente
descoberta da verdade material [art.ºs 73.º, n.º 2 e 69.º, alínea e), ambos do CPPT]8.
Antes da decisão, a AT deve notificar o contribuinte do projeto de decisão sobre
o qual apresentará os argumentos e novos elementos que considera pertinentes, para que
este possa exercer o seu direito de audição, oralmente ou por escrito, num prazo não
inferior a 15, nem superior a 25 dias [cfr. art.º 60.º, n.º 1, alínea b) e n.º 6 da LGT].
O órgão decisor pode deferir ou indeferir expressamente o pedido do contribuinte.
O deferimento expresso pode resultar na anulação total ou parcial do ato tributário, com
eficácia ex tunc, com vista a repor a situação anterior, prevendo-se a possibilidade do
direito a juros indemnizatórios no caso de erro imputável à AT. O indeferimento expresso,
por seu turno, visa a manutenção dos efeitos do ato tributário no ordenamento jurídico.
Se o órgão competente não se pronunciar sobre a reclamação no prazo de quatro
meses a partir da data de entrada nos serviços, esta presume-se indeferida tacitamente
para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial (art.º
57.º, n.º 5 da LGT, bem como art.ºs 76.º, n.º 1 e 106.º do CPPT). Pode ainda admitir-se a
possibilidade de uma impugnação antes do decurso do prazo de formação do
indeferimento tácito. Deste modo, depois de apresentar a reclamação graciosa e antes da
sua decisão ou da formação do indeferimento tácito, o contribuinte pode impugnar
diretamente o ato de liquidação, desde que o faça durante o prazo previsto para a
impugnação. O TCA e o STA têm vindo a admitir esta possibilidade “antes de estar
8 Caso o órgão periférico local disponha já de todos os elementos necessários para a tomada de decisão,
está dispensado da fase de instrução (n.º 3 do art.º 73.º do CPPT) e o processo segue de imediato para a
decisão final.
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expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no citado princípio de
que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados, desde que
já esteja praticado o ato que é objeto de impugnação”9. Restringir essa possibilidade
resultaria numa limitação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Quanto à entidade competente para a tomada de decisão, esta cabe ao dirigente do
órgão periférico regional da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos
bens ou da liquidação do imposto. Não existindo órgão periférico regional, a competência
recai sobre o dirigente máximo do serviço (cfr. n.º 1 do art.º 75.º do CPPT). Em caso de
dúvida sobre o órgão competente, será competente o órgão do domicílio fiscal do sujeito
passivo – n.º 4 do art.º 61.º da LGT10.
Proferida a decisão, sendo indeferida a reclamação graciosa, poderá haver lugar a
impugnação judicial da mesma no prazo de três meses a contar da notificação do ato [art.º
102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT] (indeferimento expresso); ou no prazo de três meses a
contar da presunção de indeferimento tácito [art.º 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT].
1.4.Casos de reclamações graciosas necessárias previamente à via judicial
Em alguns casos, a lei exige que, antes do recurso à via judicial, o contribuinte
tenha que necessariamente apresentar uma reclamação graciosa. Esta reclamação
necessária justifica-se pela necessidade de filtrar certos atos e esgotar primeiramente a
via administrativa antes de deduzir a impugnação judicial, a saber11: (i) erro na
9 Acórdão do TCA Sul, 3/03/2016, processo n.º 09266/16; acórdão do STA, 28/10/2009, processo n.º
0595/09. 10 Ressalve-se que as regras estabelecidas no art.º 75.º do CPPT não se aplicam à reclamação graciosa com
fundamento em erro na classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias – cfr. n.º 5 do art.º
75.º do CPPT. 11 CARVALHO, Cláudio, (2008). “As reclamações prévias em matéria tributária”, in Scientia Iuridica,
Tomo LVII, n.º 314, Braga, p. 285 e ss.
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autoliquidação (art.º 131.º do CPPT)12; (ii) erro na retenção na fonte (art.º 132.º do
CPPT)13; (iii) erro nos pagamentos por conta (art.º 133.º do CPPT)14; (iv) erro em matéria
de classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias (art.º 133.º-A do
CPPT)15; (v) erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação
dos métodos indiretos (art.º 117.° do CPPT)16. Estas hipóteses configuram reclamações
graciosas prévias necessárias (no sentido de obrigatórias) relativamente ao recurso à via
judicial. Para além de recorrer à reclamação graciosa, Serena Cabrita Neto e Carla Castelo
Trindade admitem a possibilidade de o sujeito passivo recorrer previamente ao pedido de
revisão oficiosa previsto no art. 78.º da LGT17. Esta “filtragem administrativa” justifica-
se “quando estão em causa atos que são da autoria do próprio sujeito passivo e nos quais
a AT ainda não teve qualquer intervenção”18.
2. O processo de impugnação judicial
2.1.Fundamentos
12 Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação
graciosa, dirigida ao dirigente máximo do órgão periférico regional, no prazo de dois anos após a
apresentação da declaração (art.º 131.º, n.º 1 do CPPT). 13 Tratando-se de erro na retenção na fonte, resultante de entrega de imposto superior ao retido, o substituto
deve reclamar graciosamente e só após o indeferimento de tal reclamação é que poderá impugnar
judicialmente no prazo de dois anos a contar do termo do ano em que foi efetuado o pagamento indevido,
de acordo com o art.º 132.º, n.º 3 do CPPT. 14 No caso de erro nos pagamentos por conta do imposto devido a final, a reclamação torna-se necessária,
segundo o disposto no art.º 133.º do CPPT. Decorridos 90 dias após a apresentação da reclamação sem que
tenha sido deferida, considera-se esta tacitamente deferida (n.º 4 do art.º 133.º do CPPT). 15 Este prévio esgotamento da via administrativa aplica-se sempre que o contribuinte pretenda contestar a
legalidade dos atos de liquidação dos impostos especiais sobre o consumo, com fundamento na
classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias. 16 Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação judicial é obrigatoriamente precedida de
reclamação graciosa a apresentar no prazo de 2 anos, a contar do termo do prazo legal para a entrega da
declaração – n.º 2 do art.º 140.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS). 17 NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, (2017). Contencioso Tributário – Procedimento,
princípios e garantias, Vol. I, Almedina, p. 552. 18 Ibidem, p. 550. ROCHA, Joaquim Freitas, (2014). Lições de Procedimento e Processo Tributário,
Coimbra Editora, p. 225-228.
11
O processo de impugnação judicial tem como fundamento qualquer ilegalidade
que afete a validade ou existência do ato tributário impugnado19. Através da impugnação
pretende-se anular os seguintes atos tributários e os atos administrativos em matéria
tributária (cfr. n.º 1 do art.º 97.º do CPPT): (a) atos de liquidação dos tributos, incluindo
os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta –
alínea a); (b) atos de fixação da matéria tributável – alínea b); (c) atos administrativos em
matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação – alínea
d); (d) atos de agravamento à coleta – alínea e); (e) atos de fixação de valores patrimoniais
– alínea f).
O processo de impugnação judicial tem em vista a impugnação de atos destinados
direta ou indiretamente à liquidação de tributos, bem como a impugnação de atos
procedimentais, interlocutórios e preparatórios que afetem o ato tributário subsequente20.
A impugnação judicial tem como fundamento os vícios do ato impugnado suscetíveis de
gerar a anulação do ato. Tal como já foi referido, estes fundamentos são os mesmos
aplicáveis à reclamação graciosa – cfr. art.ºs 99.º e 70.º, n.º 1 do CPPT, os quais consistem
em: (i) errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais
e outros factos tributários [art.º 99.°, alínea a) do CPPT]; (ii) incompetência [art.º 99.°,
alínea b) do CPPT]; (iii) ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida [art.º
99.°, alínea c) do CPPT]; e (iv) preterição de outras formalidades legais [art.º 99.°, alínea
d) do CPPT]21.
19 MARTINS, Jesuíno Alcântara e ALVES, José Costa, (2015). Procedimento e Processo Tributário: uma
perspectiva prática, Almedina, p. 107; SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de
Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. II, Áreas Editora, p. 107-108; MORAIS, Rui Duarte,
(2012). Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, p. 287. 20 SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado,
Ed. Áreas, vol. II, p. 108. 21 Os vícios do ato impugnado são fundamento da sua anulabilidade, sendo nulos aqueles que ofendem o
conteúdo essencial de um direito fundamental – art.º 161.º, n.º 2, al. d) do CPA.
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De entre os vários tipos de vícios suscetíveis de gerar a anulabilidade do ato,
destaca-se o erro na qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores
patrimoniais e outros factos tributários – alínea a) do art.º 99.º do CPPT. O impugnante
pode realizar certas diligências para a demonstração de tal erro, através, nomeadamente,
de avaliações e peritagens – art.ºs 116.º e 117.º, n.º 2 do CPPT.
Quanto às situações de incompetência – alínea b) do art.º 99.º do CPPT –, este
vício ocorre quando a entidade que praticou o ato não é aquela a quem a lei atribui tal
competência (cfr. art.º 10.º do CPPT e art.º 61.º da LGT). O órgão territorial ou
materialmente incompetente é obrigado a enviar as peças do procedimento para o órgão
competente no prazo de 48 horas após a declaração de incompetência, tal como resulta
do disposto no n.º 2 do art. 61.º da LGT. No caso de delegação ou subdelegação de
poderes inexistente ou ilegal, o ato será afeto de vício de incompetência, sendo suscetível
de anulabilidade nos termos do art.º 163.º do CPA ou de nulidade, nos termos do art.º
161.º, n.º 2, al. a) e b) do CPA.
Em relação à ausência ou vício de fundamentação – alínea c) do art.º 99.º do CPPT
–, o art.º 268.º, n.º 3 da CRP e o disposto no art.º 77.º, n.º 1 da LGT indicam que todas as
decisões, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, devem ser fundamentadas, isto é,
devem conter as razões de facto e de Direito que justifiquem a tomada de decisão. A
fundamentação abrange, quer o dever de motivação (isto é, a exposição dos motivos e das
razões), quer o dever de justificação (ou seja, a indicação dos pressupostos de facto e de
Direito que suportam a decisão). A fundamentação deve ser efetuada de uma forma
oficiosa, completa, clara, atual e expressa. Na falta destes requisitos, podemos estar
perante fundamentações incompletas, obscuras ou abstratamente remissivas22. Nestes
22 Para maiores desenvolvimentos, cfr. ROCHA, Joaquim Freitas, (2008). Lições de Procedimento e
Processo Tributário, Coimbra Editora, 2.ª Edição, p. 104.
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casos, o ato tributário em causa padece de vício da fundamentação legalmente exigida, o
que consubstancia um vício de forma, no entender de Lopes de Sousa23. No que se refere
à preterição das formalidades legais – alínea d) do art.º 99.º do CPPT –, consideram-se
aqui os restantes vícios de forma, nomeadamente a não observância dos requisitos
procedimentais e formais ou a falta de notificações legalmente exigíveis, como seja a falta
de notificação para o exercício do direito de audição prévia, previsto no art.º 60.º da LGT.
Trata-se de formalidades essenciais cuja violação é suscetível de gerar a anulabilidade do
ato.
De referir, por último, que é possível discutir a legalidade do ato de liquidação em
processos que não sejam de impugnação judicial, tal como acontece no caso previsto na
alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, em que se prevê a possibilidade de discussão da
legalidade em sede de oposição à execução fiscal, nos casos em que a lei não assegure
meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.
2.2.Efeitos e requisitos da impugnação judicial
A petição deve conter a identificação do ato impugnado e da entidade que o
praticou, o pedido de anulação do ato, a causa de pedir (ou seja, os vícios invocados para
obter a invalidade do ato), a exposição dos factos e das razões de direito que fundamentam
o pedido e, por último, a indicação do valor da causa (cfr. art.º 97.º-A do CPPT, sobre os
critérios tendentes à fixação do valor) – art.º 108.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT24 25. A petição
inicial será considerada inepta (art.º 186.º, n.º 1 do CPC) se faltar ou se for ininteligível a
23 Neste sentido, cfr. SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário
Anotado e Comentado, vol. II, Áreas Editora, p. 116. 24 No caso de uma impugnação de um ato de liquidação, o valor da causa corresponde ao valor que se
pretende anular, isto é, ao valor da própria liquidação (al. a) do n.º 1 do art. 97-A do CPPT). Quando seja
impugnado o ato de fixação da matéria coletável, o valor da causa corresponde ao valor contestado (al. b)
do n.º 1 do art.º 97.º-A do CPPT), isto é, ao valor do imposto correspondente à matéria tributável contestada. 25 Juntamente com a petição, o impugnante deve apresentar os documentos de que dispõe, arrolar
testemunhas e requerer as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes, de acordo com
o art.º 108.º, n.º 3 do CPPT.
14
indicação do pedido ou da causa de pedir; se o pedido estiver em contradição com a causa
de pedir; ou se se cumularem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis
(art.º 186.º, n.º 2 do CPC). A ineptidão da petição inicial constitui nulidade insanável, nos
termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 98.º do CPPT.
Na petição inicial, o impugnante poderá requerer a prestação de garantia, junto da
AT, como forma de obter a suspensão da execução fiscal (art.ºs 103.º, n.º 4 e 169.º, n.º 2,
ambos do CPPT). Compete ao órgão da AT fixar o valor e a natureza da garantia. Além
disso, o impugnante pode requerer na petição inicial a condenação da AT ao pagamento
de juros indemnizatórios e à indemnização pelos encargos decorrentes de prestação de
garantia indevida (art.º 171.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT).
A impugnação judicial, tal como a reclamação graciosa, não tem qualquer efeito
suspensivo da liquidação, salvo se, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia
adequada no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, nos termos
do n.º 4 do art.º 103.º do CPPT e dos n.ºs 1 a 6 e 10 do art.º 199.º do CPPT26.
2.3.Conhecimento e contestação à petição inicial
Após a petição inicial apresentada pelo contribuinte, o juiz notifica o representante
da Fazenda Pública para, no prazo de 90 dias, contestar ou solicitar a produção de prova
adicional (cfr. art.º 110.°, n.° 1 do CPPT). A contestação constitui uma manifestação do
princípio do contraditório em processo judicial tributário.
26 Relativamente aos requisitos formais e substanciais da petição inicial, prescreve o art.º 108.º do CPPT
que a petição inicial deverá ser redigida de forma articulada, elaborada em triplicado e dirigida ao juiz do
tribunal competente. Esta pode ser apresentada ao tribunal por meios eletrónicos ou em suporte papel, sendo
neste último caso apresentada junto dos serviços da AT.
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Recebida a petição, o representante da Fazenda Pública pode, na sua contestação,
obstar-se à pretensão do impugnante, nos termos do art.º 573.º do CPC, alegando causas
impeditivas, modificativas ou extintivas do direito invocado pelo impugnante – cfr. art.º
571.º, n.º 2 do CPC. A falta de contestação dos factos por parte do representante da
Fazenda Pública não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante,
contrariamente ao decorrente do CPC (cfr. art.º 110.°, n.° 6 do CPPT), devendo a falta de
contestação ser livremente apreciada pelo juiz, como decorre do art.º 110.º, n.º 7 do CPPT.
Depois da contestação por parte do representante da Fazenda Pública ou decorrido
o prazo para apresentação da mesma, o juiz pode conhecer logo o pedido após vista ao
Ministério Público se a questão for apenas de Direito ou, sendo também de facto, se o
processo fornecer os elementos necessários – art.º 113.º, n.º 1 do CPPT. No caso de o
processo conter deficiências ou irregularidades sanáveis, deverá o juiz promover a sua
sanação, convidando o impugnante a suprir essas deficiências, através de despacho de
aperfeiçoamento – n.º 2 do art.º 110.º do CPPT. Se o impugnante não sanar as
deficiências, tal petição deverá ser indeferida por vício de nulidade – cfr. art.º 195.º do
CPC.
Uma vez levado ao conhecimento do órgão periférico regional da AT, o ato
impugnado pode ser revogado, total ou parcialmente, dentro do prazo previsto no art.º
111.º, n.º 1 do CPPT (ou seja, no prazo de 30 dias a contar do pedido), caso o valor da
causa não seja superior ao valor da alçada do tribunal tributário de primeira instância, isto
é, €5.000, tal como decorre do art.º 112.º, n.º 1 do CPPT (cfr. art.º 44.º, n.º 1 da Lei n.º
62/2013, de 26 de agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário). Todavia, se esse
valor for excedido, a revogação compete ao dirigente máximo do serviço, segundo o n.º
2 do art.º 112.º do CPPT. A revogação em causa destina-se a fazer cessar os efeitos do
ato tributário.
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Depois de conhecida a posição da Fazenda Pública ou decorrido o respetivo prazo,
e após vista ao Ministério Público, o juiz conhecerá logo o pedido caso a questão seja
apenas de direito, ou sendo a questão também de facto, o juiz poderá igualmente conhecer
imediatamente o pedido, se dispuser dos elementos necessários que permitam a decisão
– cfr. n.º 1 do art.º 113.º do CPPT. Este conhecimento é obrigatório, quer no caso de
questões de direito, quer estando em causa questões de facto. Se o juiz não puder conhecer
logo do pedido, ordenará as diligências de produção de prova que considere necessárias,
nos termos dos art.ºs 114.º a 119.º do CPPT27.
2.4.Da instrução às alegações e vista do Ministério Público
Na fase da instrução, se a questão a apreciar for apenas de direito ou, sendo
também de facto, o processo fornecer os elementos essenciais à decisão, será ordenada
vista ao Ministério Público para se pronunciar expressamente sobre as questões de
legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras no âmbito das suas
competências. Após vista do Ministério Público, o juiz conhecerá logo do pedido (n.º 1
do art.º 113.º do CPPT). Se o processo não fornecer os elementos necessários ou se o juiz
entender que é necessária a realização de outras diligências probatórias, seguir-se-á a fase
da instrução com vista à descoberta da verdade material, cujas provas devem ser
produzidas no respetivo tribunal – cfr. art.º 114.º do CPPT.
Na fase da instrução são carreados para o processo os elementos de prova
indispensáveis para a tomada de decisão por parte do juiz (v. g., documentos,
depoimentos, inspeções, etc.), sendo admitidos os meios gerais de prova. De acordo com
27 Caso o representante da Fazenda Pública suscite alguma questão que obste ao conhecimento do pedido,
o impugnante será ouvido, salvo nas situações de manifesta desnecessidade – n.º 2 do art.º 113.º do CPPT.
17
o art.º 341.º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos
(princípio do inquisitório).
O juiz não se encontra limitado ao material probatório apresentado pelas partes,
segundo o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (cfr. art.ºs 99.º,
n.º 1 da LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT), podendo realizar ou dispensar a realização de
diligências de prova, sendo tal decisão suscetível de recurso jurisdicional (cfr. art.º 285.º
do CPPT). Se persistir alguma dúvida acerca da existência ou da quantificação da matéria
de facto, o n.º 1 do art.º 100.º do CPPT determina que esta deverá beneficiar o
contribuinte, devendo o ato impugnado ser anulado. Esta regra não vale se, nos casos de
avaliação indireta da matéria coletável, o fundamento da aplicação dos métodos indiretos
“consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade
ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou
destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais” (n.º 2 do art.º 100.º
do CPPT). É aqui o próprio contribuinte a causar a impossibilidade de produção de prova
sobre os factos por ele declarados.
Finda a produção de prova, quer as provas tenham sido requeridas ou não pelas
partes, é ordenada a notificação dos interessados para apresentarem, por escrito, as
alegações dentro do prazo fixado pelo juiz, o qual não será superior a 30 dias (art.º 120.º
do CPPT). Decorrido o prazo para a apresentação das alegações, e antes de proferida a
sentença, o juiz dá vista do processo ao Ministério Público para, se entender, se
pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade suscitadas (n.º 1 do art.º 121.º
do CPPT). E caso o Ministério Público suscite uma questão que obste ao conhecimento
do pedido, serão ouvidos o impugnante e o representante da Fazenda Pública (n.º 2 do
art.º 121.º do CPPT).
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Terminada a instrução, o interessado é notificado para alegar por escrito no prazo
fixado pelo juiz, não superior a 30 dias. As alegações visam separar os factos
considerados provados dos não provados, de modo a que o juiz possa julgar a matéria de
facto (art.º 120.º do CPPT). Nas alegações, as partes fazem uma apreciação crítica das
provas produzidas e pronunciam-se acerca das questões jurídicas28 29. As alegações
escritas são facultativas, podendo o processo prosseguir independentemente da sua
apresentação, conforme resulta do art.º 121.º do CPPT. As alegações encerram a fase da
discussão em primeira instância, não sendo depois permitida a produção de mais provas
pelos particulares, à exceção daquelas que o juiz pode requerer30.
Após as alegações e antes da sentença, o juiz dá a chamada “vista” ao Ministério
Público, enquanto defensor da legalidade e do interesse público (art.º 121.º do CPPT),
para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido
suscitadas no processo ou suscitar outras no âmbito das suas competências processuais.
2.5.Sentença e seus efeitos
Após a vista do Ministério Público, os autos são conclusos para que juiz profira a
sentença no prazo de 20 dias – art.º 21.º, alínea b) do CPPT –, desde que não existam
factos que obstem à produção da sentença, como no caso de pendência de causas
prejudiciais, em que se requer a suspensão da instância (cfr. art.º 272.º do CPC), não
podendo, no geral, o processo exceder a duração de 2 anos desde a sua instauração até à
28 SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado,
vol. II, Áreas Editora, p. 295-296; ROCHA, Joaquim Freitas, (2014). Lições de Procedimento e Processo
Tributário, Coimbra Editora, p. 307; NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, (2017).
Contencioso Tributário – Processo, Arbitragem e Execução, Vol. II, Almedina, p. 268-269. 29 Nas alegações, apenas é admissível a apreciação crítica da prova produzida na fase da instrução e a
discussão das questões jurídicas suscitadas na petição ou na contestação do representante da Fazenda
Pública, de acordo com o previsto no art.º 260.º do CPC. Nesta fase, não há lugar a audiência de discussão
e julgamento, nem a alegações orais das partes, conforme prescreve o art.º 604.º do CPC. 30 Juntamente com as alegações escritas poderão ser apresentados documentos, cuja junção deverá ser
notificada à parte contrária – cfr. art.º 427.º do CPC.
19
data da prolação da sentença (art.º 96.º, n.º 2 do CPPT), sob pena de eventual
responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça e
por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 22.º da CRP.
O juiz não pode conhecer de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar
em objeto ou em quantia superior ao que tiver sido pedido (art.º 123.º do CPPT). Apenas
pode apreciar as pretensões formuladas pelas partes e os elementos inerentes ao pedido
ou à causa de pedir. Também o juiz não tem que decidir se conviria melhor às partes um
outro tipo de pedido ou se o pedido em causa poderia basear-se numa outra causa de
pedir31.
É suscetível de gerar a nulidade da sentença o vício de incompetência absoluta (ou
seja, a violação das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia – art.º
16.º do CPPT), bem como as seguintes nulidades (cfr. art.º 125.º, n.º 1 do CPPT): (i) falta
de assinatura do juiz; (ii) não especificação dos fundamentos de facto e de Direito da
decisão; (iii) oposição dos fundamentos com a decisão; (iv) falta de pronúncia do juiz
acerca de questões sobre as quais deva pronunciar-se; (v) pronúncia acerca de questões
que o juiz não deva conhecer (excesso de pronúncia).
Os poderes de cognição do tribunal estão limitados às questões suscitadas pelas
partes. A falta de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso, que não tenham
sido suscitadas pelas partes, não tem como consequência a nulidade da sentença mas sim
um erro de julgamento32. Também, se o juiz não realizar uma determinada diligência
31 O juiz não pode exceder os seus poderes de cognição, sob pena de nulidade da sentença por excesso de
pronúncia – art.º 125.º, n.º 1 do CPPT. Esta regra veda ao juiz conhecer questões que não deva apreciar. A
sentença deve também estabelecer uma ordem de conhecimento dos vícios que conduza à anulação ou
declaração de nulidade do ato impugnado. Esta ordem de conhecimento dos vícios, determinada pelo art.º
124.º do CPPT, destina-se a assegurar a tutela dos direitos e interesses do impugnante e impedir atos lesivos
de direitos e interesses, resultantes de vícios de forma, de falta de fundamentação e de preterição de
formalidades essenciais. 32 Acórdão do TCA, processo n.º 07004/13, de 12 de dezembro de 2013.
20
processual ou não avaliar as provas produzidas, tal não terá por efeito a nulidade da
sentença por omissão de pronúncia. A verdade é que o juiz não tem que se pronunciar
sobre toda a matéria de facto, mas apenas deve selecionar a matéria de facto mais
relevante.
Quanto aos efeitos da sentença, esta produz efeitos em função da procedência
(total ou parcial) ou da improcedência da pretensão do sujeito passivo. No caso de decisão
favorável ao interessado, a AT deve tomar as providências adequadas para que a decisão
do tribunal produza os seus efeitos: (i) a AT deve reconstituir a legalidade do ato ou a
situação objeto de litígio, procedendo, designadamente, à restituição da quantia que ao
contribuinte foi indevidamente retida, à prática do ato tributário legalmente devido em
substituição do ato objeto de impugnação judicial, à revisão dos atos tributários que se
encontrem numa relação de prejudicialidade ou dependência com os atos tributários
objeto de decisão arbitral, à prática do ato de extinção, total ou parcial, do processo de
execução fiscal; (ii) a AT deve pagar juros indemnizatórios ao contribuinte, pelo
pagamento da dívida em valor superior ao devido, compensando-o por esse motivo (cfr.
art.º 43.°, n.° 1 da LGT).
O prazo de execução espontânea da sentença varia consoante estejam em causa
sentenças que condenem a AT à prestação de factos ou à entrega de coisas (em que o
prazo máximo é de 90 dias) ou ao pagamento de quantias certas (em que o prazo máximo
é de 30 dias), respetivamente art.ºs 162.º e 170.º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA). Se a AT não adotar tais comportamentos, o contribuinte pode
lançar mão do meio processual acessório de execução de julgados para garantir a
21
execução integral da sentença por parte da AT quando esta não adotar todos os
comportamentos necessários à reconstituição da legalidade33.
3. Articulação entre a impugnação judicial e a reclamação graciosa
Pode acontecer que a reclamação graciosa seja apresentada em simultâneo com a
impugnação judicial e com base nos mesmos fundamentos. Quando tal se verifica, deve
ser dado prevalência ao processo judicial, conforme determina o art.º 68.º, n.º 2 do CPPT,
que manda prosseguir o processo de impugnação judicial em vez do procedimento de
reclamação graciosa.
O que significa que caso o contribuinte apresente uma reclamação graciosa na
pendência de impugnação judicial, a reclamação não é apreciada pela AT, sendo esta
apensa ao processo de impugnação judicial34, cabendo então ao Tribunal apreciar as
questões suscitadas na reclamação e na impugnação – cfr. art.º 111.º, n.º 4 do CPPT. Esta
regra não se aplicam à reclamação graciosa que tenha como fundamento em erro na
classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias – cfr. n.º 7 do art.º 73.º
do CPPT, encontrando-se esta última regulada nos artigos 77.º-A e 77.º-B do CPPT.
Porém, caso se verifique fundamento para a cumulação de pedidos (art.º 71.º do
CPPT) ou para a coligação de reclamantes (art.º 72.º do CPPT), os interessados poderão
requerer a apensação do seu pedido à reclamação apresentada em primeiro lugar, desde
que (i) o procedimento se encontre na mesma fase; (ii) não exista prejuízo para a
celeridade da decisão; (iii) se verifique uma identidade do tributo (entenda-se aqui a
33 No termo do prazo de execução espontânea da decisão, o contribuinte pode ainda reclamar, no prazo de
30 dias, junto do órgão periférico regional da AT, do não pagamento de juros indemnizatórios, conforme
previsto no art.º 61.º, n.º 7 da LGT. 34 NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, (2017). Contencioso Tributário – Procedimento,
princípios e garantias, Vol. I, Almedina, p. 537.
22
identidade da natureza do tributo); (iv) exista uma identidade do órgão competente para
a decisão; e (v) haja identidade dos fundamentos de facto e de Direito invocados – art.º
74.º do CPPT.
Contudo, se o procedimento de reclamação graciosa for apresentado depois de o
processo de impugnação judicial ter dado entrada no Tribunal e com os mesmos
fundamentos que os da impugnação, a reclamação graciosa deve cessar os seus efeitos
para que possa prosseguir a apreciação da legalidade tributária no âmbito do processo
judicial.
Agora, se na pendência do processo de impugnação judicial for apresentada uma
reclamação graciosa baseada noutros fundamentos que não o da impugnação judicial, a
reclamação será apensa ao processo judicial para que o juiz tenha conhecimento de todos
os fundamentos apresentados relativos ao pedido, o que terá por efeito alargar a causa de
pedir do processo de impugnação judicial (cfr. n.º 4 do art.º 111.º do CPPT).
Se, porém, antes da impugnação judicial tiver sido apresentada uma reclamação
graciosa com base nos mesmos fundamentos ou em fundamentos distintos, o
procedimento deve ser apenso ao processo de impugnação judicial, por razões de
economia processual, devendo as questões suscitadas no âmbito do procedimento de
reclamação integrar a causa de pedir do processo de impugnação judicial (cfr. n.º 3 do
art.º 111.º do CPPT).
Nos casos em que a impugnação judicial seja obrigatoriamente precedida de uma
ação administrativa, o sujeito passivo deve primeiro esgotar a via administrativa
(“reclamação graciosa necessária”) antes de seguir a via judicial, devendo a impugnação
ser obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, caso contrário o sujeito passivo
não poderá lançar mão deste meio impugnatório.
23
Conclusão
Nas garantias que decorrem do procedimento e do processo tributário, a
reclamação graciosa e a impugnação judicial são, de todos os meios procedimentos e
processuais, aqueles que melhor asseguraram a defesa dos direitos e interesses dos
contribuintes. A reclamação graciosa apresenta-se como um importante meio de defesa
destinado a prevenir e evitar ações ou omissões da administração fiscal, mas não tem o
chamado efeito de caso julgado, que caracteriza a fase judicial e que garante neste aspeto
uma maior tutela efetiva dos direitos e interesses dos contribuintes.
A reclamação graciosa e a impugnação judicial têm por fundamento qualquer
ilegalidade do ato tributário ou de ato de liquidação, sendo os fundamentos para a
interposição da reclamação graciosa os mesmos aplicáveis à impugnação judicial, o que
significa que importa bem distinguir um do outro para tentar garantir uma perfeita
articulação entre os dois. O contribuinte pode, assim, entrar com uma reclamação graciosa
ou optar pela via da impugnação contenciosa do ato tributário impugnado, bem como
pode apresentar uma reclamação graciosa e não esperar que seja proferida a respetiva
decisão administrativa e seguir logo para a via judicial. Neste caso, a lei acaba por dar
prevalência ao processo judicial, quer a reclamação graciosa tenha sido apresentada antes
ou na pendência da impugnação judicial, obrigando o contribuinte a seguir
necessariamente a via judicial.
É precisamente este tipo de relação que importa delimitar, sobretudo naqueles
casos em que, antes de recorrer à via judicial, o contribuinte tenha que necessariamente
apresentar uma reclamação graciosa. Terá então o contribuinte que esgotar primeiramente
a via administrativa antes de deduzir a impugnação judicial. A prévia interposição da
24
reclamação necessária justifica-se pela necessidade de filtrar certos atos antes da via
judicial. Só nos casos em que a lei não exige a reclamação necessária é que o contribuinte
pode optar diretamente pela via da judicial.
Perante estas questões, o contribuinte deve estar suficientemente informado antes
de decidir entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial, o que obriga a que tenha,
previamente à decisão de optar por um ou outro, um conhecimento de todos os factos e
das questões de Direito que possam influenciar a sua decisão de optar por um ou outro
tipo de mecanismo. Acontece que o contribuinte nem sempre dispõe de todos os
elementos ou os conhecimentos necessários, sobretudo do ponto de vista jurídico, para a
tomada de decisão, sobretudo porque a lei estabelece os mesmos fundamentos para uma
e outra. Esta falta de distinção pode ser prejudicial para o contribuinte se não for
devidamente aconselhado. Daí a necessidade de rever os fundamentos de uma e outra, a
articulação entre estes dois meios de defesa e sobretudo os casos em que a reclamação
graciosa é estritamente necessária.
Bibliografia
CARVALHO, Cláudio, (2008). “As reclamações prévias em matéria tributária”,
in Scientia Iuridica, Tomo LVII, n.º 314.
MARTINS, Jesuíno Alcântara e ALVES, José Costa, (2015). Procedimento e
Processo Tributário: uma perspectiva prática, Almedina.
MORAIS, Rui Duarte, (2012). Manual de Procedimento e Processo Tributário,
Almedina.
NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, (2017). Contencioso
Tributário – Procedimento, princípios e garantias, Vol. I, Almedina.
25
NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, (2017). Contencioso
Tributário – Processo, Arbitragem e Execução, Vol. II, Almedina.
ROCHA, Joaquim Freitas, (2014). Lições de Procedimento e Processo Tributário,
Coimbra Editora.
SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário
Anotado e Comentado, vol. I, Áreas Editora.
SOUSA, Jorge Lopes, (2011). Código de Procedimento e de Processo Tributário
Anotado e Comentado, vol. II, Áreas Editora.