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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL - TURMA 10
A RECEPÇÃO DAS IDEIAS PENAIS PELO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO: UMA BREVE ABORDAGEM A PARTIR DO CÓDIGO PENAL DE 1940.
MARCO AURÉLIO DA SILVA MOSER
Florianópolis, fevereiro de 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL - TURMA 10
A RECEPÇÃO DAS IDEIAS PENAIS PELO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO: UMA BREVE ABORDAGEM A PARTIR DO CÓDIGO PENAL DE 1940.
MARCO AURÉLIO DA SILVA MOSER
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e
Processual Penal. Orientador: Professor Doutor Francisco Bissoli Filho
Florianópolis, fevereiro de 2010.
AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus irmãos, César Augusto e Júlio César, a Gisele Palma, pela amizade e incentivo inestimáveis e ao meu orientador,
Francisco Bissoli Filho, pela paciência e motivação, imprescindíveis à conclusão deste
trabalho.
DEDICATÓRIA
Aos meus queridos pais, Dálcio (in memoriam) e Evanilda, meus exemplos maiores de força,
coragem, amor e dedicação.
4
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e
Processual Penal e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do
mesmo.
Florianópolis, fevereiro de 2010.
Marco Aurélio da Silva Moser Aluno
5
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito
Penal e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada
pelo aluno Marco Aurélio da Silva Moser, sob o título “A recepção das ideias
penais pelo ordenamento jurídico brasileiro: uma breve abordagem a partir do
Código Penal de 1940”, foi submetida em Fevereiro de 2010 à avaliação pelo
Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de Especialização em Direito
Penal e Processual Penal, e aprovada.
Florianópolis, fevereiro de 2010.
Prof. Dr. Francisco Bissoli Filho Orientador
Profa. MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e
Processual Penal
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................... III
ABSTRACT ....................................................................................... IV
INTRODUÇÃO ................................................................................... 5
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 7
AS PRINCIPAIS IDEIAS PENAIS ...................................................... 7 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................7 1.2 ESCOLA CLÁSSICA........................................................................................7 1.3 ESCOLA POSITIVA........................................................................................16 1.4 ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA.......................................................................24 1.5 O LABELLING APPROACH...........................................................................26 1.6 A CRIMINOLOGIA CRÍTICA...........................................................................30
CAPÍTULO 2.......................................................................................33
O CÓDIGO PENAL DE 1940 E SUAS PRINCIPAIS REFORMAS....33 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..........................................................................33 2.2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA.....................33 2.2.1 PERÍODO COLONIAL..................................................................................33 2.2.2 PERÍODO IMPERIAL....................................................................................35 2.2.3 PERÍODO REPUBLICANO - CÓDIGO PENAL DE 1890.............................39
2.3 AS PRINCIPAIS REFORMAS IMPLANTADAS PELO CÓDIGO PENAL DE 1940.......................................................................................................................43 2.3.1 OS PROJETOS ANTERIORES AO CÓDIGO PENAL DE 1940...................43 2.3.2 O CÓDIGO PENAL DE 1940 E A SUA REFORMA DE 1984.......................44
CAPÍTULO 3.......................................................................................54
AS IDEIAS QUE INFLUENCIARAM A REFORMA PENAL DE 1984, A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS.........................................................................................54 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..........................................................................54 3.2 A REFORMA PENAL DE 1984.......................................................................54 3.2.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA REFORMA PENAL DE 1984.......................54 3.2.2 AS IDEIAS QUE INFLUENCIARAM A REFORMA PENAL DE 1984...........55
3.3 A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.................................................................59 3.3.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS................59
2
3.3.2 AS IDEIAS QUE INFLUENCIARAM A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.....60
3.4 A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS............................................67 3.4.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.............................................................................................................67 3.4.2 AS IDÉIAS QUE INFLUENCIARAM A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.............................................................................................................67
CONCLUSÃO................................................................................... 76
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 82
3
RESUMO
A Escola Clássica, de Beccaria, e seus ideais oriundos do
Iluminismo e do Liberalismo foram marcos históricos na reforma do direito penal,
humanizando e racionalizando as penas impostas. A Escola Positiva, como
contrapartida, combateu o liberalismo dos clássicos, concebendo o direito penal
como ciência empírica, dadas as influências do Evolucionismo. Lombroso e a
teoria determinista do criminoso nato, Ferri e a Sociologia Criminal, Garófalo e o
conceito de “temibilidade”, foram os principais expoentes. Outras escolas se
desenvolveram a partir daí, entre elas a Moderna Escola Alemã, de Franz von
Liszt, a Técnico-Jurídica de Arturo Rocco, entre outras. A teoria do etiquetamento
ou Labelling Approach, da Nova Escola de Chicago, definiu novo paradigma no
estudo da criminalidade, qual seja, do estudo das causas do delito e do
delinquente, passou-se a analisar o próprio processo de criminalização, de
seleção e etiquetamento de certos agentes e certas condutas. A Criminologia
Crítica é herdeira da Nova Escola de Chicago, adicionando um componente
sócio-econômico ao estudo do processo de criminalização. Os ordenamentos
penais brasileiros sofreram influência das ideias penais abordadas, sendo
considerável a influência da Escola Clássica e de seus postulados no Código
Criminal de 1830, no Código de 1890; a Escola Positiva influenciou
consideravelmente o Código Penal de 1940, adicionando os antecedentes e o
sistema do duplo binário, exemplos de uma concepção restritiva de garantias. A
Reforma da Parte Geral de 1984, ao contrário, teve como base ideológica a
intervenção mínima do direito penal e os Direitos Humanos; tal orientação seria
abandonada com a promulgação da Lei dos Crimes Hediondos, em 1990, que
endureceu as penas impostas e ignorou garantias constitucionais. Há a retomada,
porém, de uma ideologia liberal no direito penal, com a promulgação da Lei dos
Juizados Especiais Criminais, em 1995.
Palavras-chave: Direito Penal. História do Direito.
Criminologia. Escolas Penais. Reformas Penais. Códigos Penais do Brasil.
III
4
ABSTRACT
The Classical School, of Beccaria, and its ideals derived from
the Enlightenment, were the historical mark in the reform of the penal laws
worldwide, humanizing and rationalizing the way the penalties were imposed. The
Positivist School, in the other way, fought the liberalism of the Classical School,
conceiving the criminal justice as a science, adopting the empirism as its method,
deriving its influencies from the Evolucionism. Lombroso and his theory of the
natural born criminal man, Ferri and his Criminal Sociology, Garófalo and his
concept of “temibility”, were its main authors. Other schools developed from those
two Schools, like the Modern German School, of Franz von Liszt, the Neoclassical
School of Arturo Rocco, among others. The Labelling Approach, from the Chicago
School, defined a new model in the study of the criminality, which is, it changed its
focus, from the study of the causes of the crimes and the criminal person, to the
very own process of criminalization, the labelling of certain people and conducts.
The Critical Criminology is the heir of the School of Chicago, adding a new
component: the economy and the social classes as important factors in the
process of criminalization. The brazilian penal codes suffered from the influence of
the criminal ideas studied before, notably from the policies of the Classical School
in the 1830’s and 1890’s brazilian penal codes. The Positivist School influenced
considerably the 1940’s penal code, adding the antecedents and the “duplo
binário” system, examples of the restriction of the guaranties. The 1984’s Reform,
au contraire, had as its ideological basis, the principle of minimum intervention of
the penal system, along with the Human Rights; such orientation would be
abandoned with the “Hideous Crimes” Law, in 1990, which hardened the penalties
and ignored some very important constitutional guaranties. There is a retake,
however, of a liberal ideology within the criminal justice, with the Special Criminal
Benches Law, in 1995.
Keywords: Penal Law. History of the Criminal Justice.
Criminology. Criminal Schools. Penal Law Reforms. Brazil’s Penal Codes.
IV
5
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto discorrer sobre a
recepção das principais ideias penais pelo ordenamento penal brasileiro a partir
do Código Penal de 1940, especialmente na Reforma da Parte Geral de 1984, na
Lei dos Crimes Hediondos e na Lei dos Juizados Especiais Criminais.
O objetivo, portanto, é demonstrar a influência das principais
ideias penais, como as da Escola Clássica, as da Escola Positiva, da Técnico-
Jurídica, da Escola Moderna Alemã, da Nova Escola de Chicago e da
Criminologia Crítica, em especial, nos Códigos Penais de 1940, na Reforma de
1984, na Lei dos Crimes Hediondos e na Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando das
principais ideias penais, sua evolução histórica, seus principais autores e seus
postulados.
No Capítulo 2, tratar-se-á, num primeiro momento, da
evolução histórica dos ordenamentos penais aplicados no Brasil e da influência
nestes sentida das ideias penais apresentadas no primeiro capítulo, partindo do
período Colonial, passando pelo Império e o primeiro Código Penal brasileiro
(Código Criminal de 1830), o período republicano e o Código de 1890, culminando
com o Código Penal de 1940 e a Reforma de 1984.
No Capítulo 3, tratar-se-á da Reforma Penal de 1984, suas
principais inovações e as ideias penais que a influenciaram, procedendo da
mesma forma com relação à Lei dos Crimes Hediondos e à Lei dos Juizados
Especiais Criminais.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Conclusões, nas quais são apresentados pontos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a influência das
principais ideias penais nos ordenamentos jurídicos penais de nosso país, sejam
codificados ou não.
6
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
a) que os operadores jurídicos deveriam procurar estudar as
origens históricas do ordenamento jurídico penal brasileiro para uma melhor
compreensão da dogmática penal e seus postulados;
b) que a ideologia dominante, no que se refere ao atual
sistema penal, tem suas raízes nas primeiras escolas penais surgidas na Europa,
devendo-se, pois, compreender seus paradigmas utlizando-se uma abordagem
crítica, desarmando as pretensões do sistema penal de ser infalível e garantidor
da “ordem pública”.
Quanto à metodologia empregada foi utilizado o Método
Dedutivo. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as Técnicas da
Documentação Indireta - Pesquisa Bibliográfica e do Fichamento.
7
CAPÍTULO 1
AS PRINCIPAIS IDEIAS PENAIS
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Abordaremos dentro deste capítulo as principais ideias
penais que influenciaram (e ainda influenciam) o pensamento criminológico e
dogmático penal, em nosso país e no mundo, começando pelas escolas
criminológicas tradicionais – a Escola Clássica, a Positiva e a Técnico-Jurídica –,
as quais marcaram o início da sistematização do estudo acerca do crime, do
criminoso e da pena, passando pela teoria do Labelling Approach e concluindo
com a Criminologia Crítica.
1.2 ESCOLA CLÁSSICA
A Escola Clássica surgiu em meados do século XVIII, no
bojo do Iluminismo, em período de transição do Feudalismo e do Absolutismo
para o Capitalismo e o Liberalismo europeu, desenvolvendo-se a medida que
estes novos sistemas político e econômico consolidavam-se na Europa.
Sua ideologia refere-se, em linhas gerais, à limitação do
direito de punir do Estado, dando-se ênfase às liberdades individuais contra as
arbitrariedades estatais, tão comuns no Antigo Regime medievo, tendo na lei
positivada a garantia maior contra qualquer excesso estatal. Para Moacyr
Benedicto de Souza,
são conhecidas pela denominação de Escola Clássica, aliás dada pelos positivistas que a combateram, diversas correntes filosófico-jurídicas, que, a partir de CESARE BECCARIA com seu “Dei delitti e delle pene”, publicado em 1764, iniciavam o movimento contra a situação a que chegara a Justiça penal na fase medieval e nos séculos seguintes, caracterizada pela crueldade, a opressão e a violência. As idéias liberalistas começaram a marcar posições e duas doutrinas – o jusnaturalismo de GRÓCIO e o contratualismo de ROUSSEAU – se destacaram para marcar os rumos da nova política criminal. Essa foi a primeira fase da Escola Clássica: essencialmente teórica, basicamente filosófica. O seu segundo período se inicia com a publicação do livro de
8
CARMIGNANI “Elementa Juris criminalis”, em 1823, o qual, ao depois, iria formar em suas aulas de Pisa aquele que seria o expoente máximo de sua escola, o grande FRANCISCO CARRARA. Essa é a fase prática do classicismo penal.1
Para Francisco Bissoli Filho, a obra “Dos delitos e das
penas”, de concepção político-filosófica, transformou Cesare Bonesana, o
Marquês Di Beccaria (1738-1794) no maior expoente da Escola Clássica, sendo
que a referida obra apresentaria duas dimensões críticas: “uma negativa e outra
positiva do antigo regime de justiça penal”.2
Segundo ele,
a dimensão “negativa” ressalta incerteza do Direito e pela insegurança individual do antigo regime. Por outro lado, Beccaria permitiu a reconstrução de um discurso “positivo” ao propalar “a formulação programática dos pressupostos do Direito Penal e Processual Penal, no marco de uma concepção liberal do Estado e do Direito, nas teorias do contrato social, da divisão de poderes, da humanidade das penas e no princípio utilitarista da máxima felicidade para o maior número de pessoas”.3
Beccaria advoga a defesa das teorias do contrato social, de
cunho iluminista, logo na introdução de sua famosa obra, quando dispõe que os
homens,
fatigados de viverem apenas em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de a manter tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais segurança. A soma dessas partes de liberdade, assim sacrificadas ao bem geral, constituiu a soberania na nação; e o encarregado pelas leis como depositário dessas liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o soberano do povo.
[...]
Assim sendo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em por no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante.
A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que deste
1 SOUZA, Moacyr Benedicto de. A influência da escola positiva no direito penal brasileiro.
São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1982, p. 12. 2 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 30. 3 ANDRADE, 1997, p. 49, apud BISSOLI FILHO, Francisco. op. cit., p. 30.
9
fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo.4
Foi destacado, segundo Vieira, principalmente, o caráter
utilitário e preventivo da pena, sendo que, apesar de entender Beccaria que o
crime tem raízes profundas na natureza humana, raízes estas que não podem ser
tolhidas pelas leis, pode o legislador tentar “neutralizar as tendências malfazejas,
procurando tornar menos influentes determinadas causas próximas ou remotas do
delito”.5
No dizer de Vieira,
Beccaria sustentava que o mais relevante não é, em si, a gravidade ou o peso das penas e sim a rapidez (imediatidade) com que são aplicadas; não são tão importantes o rigor ou a severidade do castigo quanto a sua certeza ou infalibilidade: todos saibam e comprovem, inclusive o infrator potencial, que o cometimento do crime implica inevitável e pronta imposição do castigo; que a pena não é um risco futuro e incerto, mas um mal próximo e certo, inexorável, porquanto a que realmente intimida é a que se executa – e se executa prontamente, de maneira certa e implacável. A sanção, em si (e não o rigor excessivo), é, pois, preventiva, útil e eficaz, mas imediata e sem os excessos em voga.6
Michel Foucault, em sua clássica obra “Vigiar e Punir”,
comenta a transição entre o Antigo Regime Absolutista, excessivamente brutal,
tanto na cominação, como na execução pública das penas, para o período
Iluminista, mais brando e menos espetaculoso na execução penal, mas
supostamente inexorável na aplicação da pena:
A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias conseqüências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. O fato de ela matar ou ferir já não é mais a glorificação de sua força, mas um elemento intrínseco a ela que ela é obrigada a tolerar e muito lhe custa impor.
As caracterizações da infâmia são redistribuídas: no castigo-espetáculo um horror confuso nascia do patíbulo; ele envolvia ao mesmo tempo o carrasco e o condenado: e se por um lado sempre estava a ponto de
4 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus, 1995, p. 14-15. 5 VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Noções de criminologia. Florianópolis: Ledix, 1997, p. 21. 6 Ibid., p. 22.
10
transformar em piedade ou em glória a vergonha infligida ao supliciado, por outro lado, ele fazia redundar geralmente em infâmia a violência legal do executor. Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinqüente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros e sob a marca do sigilo. É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir.7
Como exemplo das penas aplicadas no Antigo Regime, de
forma espetaculosa, extremamente brutal e na maior parte das vezes de forma
arbitrária e injusta, citamos as Ordenações Filipinas, promulgadas em começo do
século XVII e aplicadas pelo Reino de Portugal em todas as suas colônias, entre
elas o Brasil.
Nas palavras de Aníbal Bruno,
Baseada na intimidação pelo terror, como era comum naqueles tempos, distinguiam-se as Filipinas pela dureza das punições, pela freqüência com que era aplicável a pena de morte e pela maneira de executá-la, morte por enforcamento, morte pelo fogo até ser o corpo reduzido a pó, morte cruel precedida de tormentos cuja crueldade ficava ao arbítrio do juiz; mutilações, marca de fogo, açoites abundantemente aplicados, confiscações de bens. Do seu rigor e crueldade pode-se julgar pela freqüência com que nela se repete o horrendo estribilho do morra por ello. A pena de morte era, por assim dizer, a punição normal dos crimes.
[...]
A esse quadro se juntava o horrível emprego de torturas para obter confissões, ao arbítrio do juiz, a infâmia transmitida aos descendentes no crime de lesa-majestade, que podia consistir até no fato de alguém, em desprezo do rei, quebrar ou derrubar alguma imagem de sua semelhança, ou armas reais, postas por sua honra ou memória. A pena, então, era a morte cruel, com os horrores que acompanhavam esse gênero de execuções.
[...]
Eram assim as legislações penais naqueles primeiros anos do século XVII, algumas pondo ainda maiores excessos em acentuar esse seu carácter de instrumento de terror na luta contra o crime.8
7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 13. 8 BRUNO, Aníbal apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 60.
11
É nesse contexto, pois, que surge a já referida obra clássica
de Beccaria, de cunho mais político e filosófico do que jurídico, mas não menos
importante, inspirando mudanças substanciais nas legislações penais européias.
Logo, na lição de Pierangeli e Zaffaroni,
Beccaria não foi propriamente um cientista, já que sua obra foi essencialmente política. Ele escreveu, ainda muito jovem, uma pequena obra que tem muito mais de discurso político que de estudo científico, intitulada ‘Dos delitos e das penas’. Apesar disso, este livro de tão reduzidas dimensões foi sumamente oportuno e seus resultados foram altamente benéficos.
[...]
A obra de Beccaria foi rapidamente traduzida para várias línguas, e influenciou as reformas penais dos déspotas ilustrados de seu tempo. Voltaire dedicou a ela um importante comentário, consagrando-a na França. Homem do Iluminismo, Voltaire havia assumido a defesa post mortem de um protestante francês, Juan Calas, acusado de assassinar seu filho, por querer converter-se ao catolicismo, pelo que foi condenado ao suplício da roda. Dois anos depois da execução de Calas, Voltaire obteve sua declaração de inocência, o que na época provocou um escândalo. Nesse momento, chegou à França a obra de Beccaria, e Voltaire não perdeu a ocasião de difundi-la. Como resultado desta prédica, foram desaparecendo as penas atrozes da legislação, ao menos formalmente.9
Como bem resume Francisco Bissoli Filho,
O poder de punir, em Beccaria (1994, p. 18-9), concebido como de origem contratual, traz em si três conseqüências. A primeira é o princípio da legalidade, ou seja, de que apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e de que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador; a segunda, diz que é necessário as leis serem gerais e escritas em linguagem comum e tão clara que, prescindindo de qualquer interpretação, submetam rigorosamente o juiz, gerando, assim, a necessária igualdade, certeza e segurança jurídica; a terceira, por fim, é que a pena deve ser útil, ou seja, prevenir o delito, devendo ser proporcional ao delito e menos cruel ao corpo do culpado.10
Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach (1775-1833),
filósofo e jurista alemão, foi um autor “clássico” que, assim como Beccaria,
inspirou-se fortemente no Liberalismo para formular sua teoria da pena. Foi o
autor do Código da Baviera, de 1813, ordenamento penal este que veio a
9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 270-71. 10 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 30.
12
influenciar, dentre outros, o Código Criminal brasileiro de 1830. É atribuída a ele a
construção da expressão latina “nullum crimen nulla poena sine lege”, que
constitui o princípio da legalidade.11
Zaffaroni e Pierangeli assim dispõem sobre sua contribuição
no âmbito do direito penal:
O aspecto mais divulgado do pensamento de Feuerbach não foi aquilo até aqui apontado, mas sua teoria da pena. Embora suas concepções jusfilosóficas sejam de extraordinária importância, no campo penal, Feuerbach é o fundador da ciência penal alemã contemporânea. De início, manteve uma série polêmica com Grolman, que no seu tempo, sustentava a teoria da defesa social – como o faria Romagnosi, na Itália – e a quem responde demonstrando acabadamente que confundia direito de segurança e direito de defesa, que pareciam distinguir-se apenas pelo indivíduo nas teses de Grolman (o direito de segurança exercido pelo Estado e o de defesa pelo particular). Posteriormente, publica sua mais importante obra teórica penal: “Revisão dos princípios e conceitos fundamentais do direito penal vigente” (1799 e 1801). Para Feuerbach, conforme se expõe neste trabalho, a pena é aplicada em razão de um fato consumado e passado, e tem por objeto conter todos os cidadãos para que não cometam delitos, isto é, almeja coagi-los psicologicamente. Daí que não só seja necessária uma cominação, mas também a execução, e que a conexão do mal com o delito deva ser feita por uma lei, de forma a não lesar direitos de ninguém, pois a ameaça abstrata opera quando tenham sido lesados direitos e cria a certeza de que a pena se seguirá ao delito. Para que a pena atue como coação psicológica, é necessário – segundo Feuerbach – que seja uma pena certa e não indefinida. (grifo do autor)12
O italiano Giandomenico Romagnosi (1761-1835) foi outro
dos expoentes da Escola Clássica, tendo como obras mais importantes a “Genesi
del diritto penale” (1791) e “Filosofia del diritto” (1825), nas quais expõe sua
filosofia jurídica de teor jusnaturalista, com restrições à tese do contrato social,
desenvolvendo uma concepção do direito penal voltado para a defesa social.
Para Alessandro Baratta, a filosofia do direito e da sociedade
elaborada por Romagnosi,
[..] afirma a natureza originariamente social do homem e nega o conceito abstrato de uma independência natural, à qual o indivíduo renunciaria por meio do contrato para entrar no estado social: a verdadeira independência natural do homem pode-se entender somente como superação da natural dependência humana da natureza através do
11 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. 12 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 267-268.
13
estado social, que permite aos homens conservar mais adequadamente a própria existência e realizar a própria racionalidade. As leis desta ordem social são leis da natureza que o homem pode reconhecer mediante a razão.
O princípio essencial do direito natural é, para Romagnosi, a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade. Deste princípio derivam as três relações ético-jurídicas fundamentais: o direito e dever de cada um de conservar a própria existência, o dever recíproco dos homens de não atentar contra sua existência, o direito de cada um de não ser ofendido por outro.13
Segundo Artemio Zanon,
É dele a observação de que à spinta criminale, ou seja, ao impulso delinqüencial, é necessário opor-se a controspinta penale – o contra-impulso punitivo: logo, a pena há de ser na proporção da infração, esta avaliada pela vontade do agente. Assim, só a necessidade de defesa justifica a pena e como “... um sacrifício indispensável para a salvação comum”, sendo necessário sempre prevenir antes do que reprimir.14
Outro influente autor foi o napolitano Gaetano Filangieri
(1752-1788), cuja obra “Scienza della Legislazione”, segundo Zaffaroni et al,
“sofreu profunda influência de Locke e Beccaria, bem como inspirou legisladores
e projetistas espanhóis e portugueses e, portanto, a primeira codificação penal
latino-americana”.15
Giovanni Carmignani (1768-1847) é reconhecido, por
Zaffaroni et al, como “nítido expoente da etapa fundacional do direito penal
liberal”16 e teve como obra máxima seu “Elementa juris criminalis”, de 1809.
Zaffaroni et al sintetizam dessa forma a contribuição de Carmignani:
Seu grande mérito consistiu em haver tentado criar, com seriedade, um sistema de direito penal derivado da razão: a anarquia legislativa italiana e a falta de uma constituição ou de um código político garantidor, ao estilo norte-americano, obrigavam-no a procurar os limites para o poder punitivo na razão. A partir dessa premissa dedutiva, construiu um sistema de direito penal, arvorado desse modo em ponte indispensável para incorporar ao discurso jurídico os princípios liberais expostos nos trabalhos de política criminal ou de crítica, tal como o fizera Beccaria.
13 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Tradução: Juarez Cirino dos Santos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 34-35. 14 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 121. 15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 539. 16 Ibid., p. 536.
14
[...]
Em suma, sua metodologia não deixava de ser dogmática, ainda que com uma nítida particularidade: o direito penal liberal requer um quadro liberal, ou seja, uma constituição; ante a ausência, o primitivismo ou estágio rudimentar desse instrumento, a intencionalidade política liberal de Carmignani na construção do sistema levava-o a procurá-lo na razão e a pretender deduzi-lo desta. Por esse motivo, ele pode ser considerado o mais direto antecedente do direito penal de garantias emoldurado no direito constitucional e no direito internacional, pois se viu impelido a construí-lo carente de um quadro normativo de hierarquia superior. (grifo do autor)17
Francesco Carrara (1805-1888), expoente da “Escola
Toscana”, junto com seu predecessor Carmignani (ambos foram professores em
Pisa), foi responsável pela construção jurídica coerente da moderna ciência do
direito penal italiano, sintetizando harmonicamente as expressões filosóficas
precendentes (Iluminismo, Racionalismo e Jusnaturalismo) no direito penal.18
Segundo Bissoli, “se em Beccaria encontramos os
pressupostos filosóficos e ideológicos da ciência penal, em Carrara está o apogeu
da ‘construção sistemática da razão’”,19 representando, pois, a concepção jurídica
propriamente dita da ciência penal, ainda que filosoficamente embasada.
Por certo, é imprescindível para o mestre italiano as matizes
filosóficas jusnaturalistas e racionalistas, sem as quais sua visão rigorosamente
jurídica do delito não teria sido concebida. Para Baratta, “quando Carrara fala de
direito, não se refere às mutáveis legislações positivas, senão a ‘uma lei que é
absoluta, porque constituída pela única ordem possível para a humanidade,
segundo as previsões e a vontade do Criador’”.20
Carrara expõe que
[...] o delito é um ente jurídico, porque a sua essência deve forçosamente consistir na violação de um direito. Mas o direito é congênito ao homem,
17 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 536-537. 18 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 35-36. 19 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 31. 20 BARATTA, op. cit., p. 36.
15
porque lhe foi dado por Deus, desde o momento de sua criação, para que possa cumprir os seus deveres nesta vida; deve, pois, o direito ter existência e critérios anteriores às inclinações dos legisladores terrenos: critérios absolutos, constantes e independentes dos seus caprichos e da utilidade avidamente anelada por eles. Assim, como primeiro postulado, a ciência do direito criminal vem a ser reconhecida como uma ordem racional que emana da lei moral-jurídica, e preexistente a todas as leis humanas, tendo autoridade sobre os próprios legisladores.21
Há a esfera moral, de cunho teórico, e a esfera jurídica, de
cunho prático, sendo que “para a primeira, o fundamento lógico é dado pela
verdade, pela natureza das coisas, da qual, segundo Carrara, deriva a própria
ordem, imutável, da matéria tratada; para a segunda, em troca, tal fundamento é
dado pela autoridade da lei positiva”.22
Destaca Bissoli que, em Carrara,
[...] a “responsabilidade penal” está fundada na responsabilidade moral derivada do livre-arbítrio e, por isso, a imputabilidade, assim entendida como a capacidade de entender o valor ético-social da ação e de determinar-se para a própria ação, constitui um elemento fundamental e a distinção entre imputáveis e ininputáveis. A “pena”, por sua vez, é a retribuição pelo mal causado; é um justo e proporcionado castigo que a sociedade inflige ao culpado, que o merece, em vista da falta que livre e conscientemente cometeu.23
Logo, como características principais da chamada Escola
Clássica, temos que esta se concentrava na figura do delito, entendido este como
violação do direito (o crime é definido pelo direito), executado pelo agente
imputável por sua livre e espontânea vontade, e também do pacto social,
inspirado pelo Liberalismo clássico.
Baratta explica que, na Escola Clássica, o Estado, cujo
arcabouço jurídico penal (direito penal e execução da pena) não tem como foco
principal o agente que comete o crime, mas sim, o próprio delito, defende a
sociedade e o pacto social originário utilizando-se da certeza da aplicação da
pena, como prevenção e contramotivação endereçada a toda sociedade, em
21 CARRARA, Francesco apud BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 31. 22 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 36. 23 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 32.
16
detrimento dos espetáculos brutais e desproporcionais ao delito cometido,
comuns no Antigo Regime.24
Frederico Abrahão de Oliveira sintetiza que, para os autores
da Escola Clássica, “a pena não se destina a anular um fato nocivo já cometido,
mas, antes, impedir que o culpado continue a delinqüir, bem ainda desviar que os
demais indivíduos delinquam”.25
Baratta conclui que, “os limites da cominação e da aplicação
da sanção penal, assim como as modalidades de exercício punitivo do Estado,
eram assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio de
legalidade”.26
1.3 ESCOLA POSITIVA
A Escola Positiva surge na década de setenta do século XIX,
em momento histórico marcado pela influência ideológica do socialismo nascente
e sua concepção de Estado interventor da ordem econômica e social, assim como
pelo Positivismo científico e o Evolucionismo de Darwin.
Baratta fala desta escola como “a primeira fase de
desenvolvimento da criminologia, entendida como disciplina autônoma”,
abarcando as teorias desenvolvidas na Europa entre o final do século XIX e o
começo do século XX, inspiradas pela filosofia e pela sociologia do positivismo
naturalista27.
Há neste momento, no campo penal, uma espécie de reação
aos postulados dos autores clássicos, postos em cheque com a acusação de não
24 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 31. 25 OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Manual de criminologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1992, p. 21. 26 BARATTA, op. cit., p. 31. 27 Ibid., p. 32.
17
terem cumprido a promessa de redução da criminalidade; é criticado o
individualismo e a doutrina do livre-arbítrio.28
Para os autores da Escola Positiva, entre os quais
destacam-se os italianos Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garófalo, a
defesa dos direitos individuais, consagrados no período liberal clássico, de
inspiração iluminista e que nortearam os autores da Escola Clássica, deve dar
espaço à defesa dos direitos sociais, supostamente negligenciados no período
anterior.
A obra considerada inaugural desta escola é “O homem
delinquente”, publicada, pela primeira vez, no ano de 1876 e de autoria do médico
italiano Cesare Lombroso, o qual atuava como legista em penitenciárias do sul da
Itália.
Segundo Pierre Grapin, o episódio que instigou Lombroso a
elaborar sua polêmica teoria ocorreu em 1870 e foi o dissecamento do crânio de
um famoso criminoso da época, Villella, surpreendendo-se o médico com uma
série de “anomalias” em sua formação craniana, com aspectos, segundo ele,
presentes em certos animais.29
Desde aquele momento Lombroso multiplicou seus trabalhos neste sentido, dissecou cerca de quatrocentos cadáveres de criminosos, observou mais de seis mil delinquentes vivos, em busca do que ele chamava de marcas da criminalidade. A ideia fundamental era simples (talvez simples demais e ele mesmo a retocou gradualmente): todo indivíduo que apresentava estas marcas ou estigmas, era um ressurgimento do homem primitivo, um selvagem entre os civilizados, ou seja, uma espécie de monstro híbrido, meio homem e meio fera, no que alguns traços regressivos o remontavam a um distante e sombrio passado, a épocas obscuras e selvagens, nas quais o homem recém saira do mundo animal.
Aqui se percebe a influência, apressadamente assimilada, das ideias evolucionistas de Darwin, que começavam a se disseminar. Numa mesma ordem de ideias, Lombroso considerava que todo homem que apresentava traços femininos, ou toda mulher com aspectos masculinos,
28 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 34. 29 GRAPIN, Pierre. La antropología criminal. Barcelona: Oikos-Tau, 1973.
18
sendo seres mal diferenciados, por essa mesma causa deveriam ter inclinação para o crime.30 (tradução nossa).
Nesta obra, pois, advoga Lombroso a tese antropológica do
atavismo, do criminoso nato, no que tange ao comportamento criminoso de certo
grupo de indivíduos que, segundo ele, já nasceriam pré-dispostos ao cometimento
de delitos, inaugurando o que hoje se conhece por “direito penal do autor”, em
detrimento do “direito penal do ato”, defendido pela Escola Clássica, a qual
mantinha seu foco no ato delituoso e não no agente.
Para Francisco Muñoz Conde,
O Direito Penal do autor se baseia em determinadas qualidades da pessoa, pelas quais esta pessoa, na maioria das vezes, não é absolutamente responsável e as quais, em todo caso, não podem ser precisadas e formuladas com toda nitidez nos tipos penais. Assim, p. ex., é muito fácil descrever em um tipo penal os atos constitutivos de um homicídio ou de um furto, mas é impossível determinar com a mesma precisão as qualidades de um “homicida” ou de um “ladrão”.31
Para Orlando Soares,
Incontestavelmente, Lombroso teve o mérito de contribuir para a sistematização científica da Antropologia Criminal, com o que desviou a atenção do fato criminoso – até então a preocupação máxima dos criminalistas – abrindo caminho para o surgimento da Escola Positiva, em oposição à Escola Clássica.32
30 “Desde aquel momento Lombroso multiplicó los trabajos orientados en este sentido, diseccionó cerca de cuatrocientos cadáveres de criminales, observó a más de seis mil delincuentes vivos, en busca de lo que él llamaba los estigmas de la criminalidad. La idea fundamental era simple (quizá demasiado, y él mismo la retocó gradualmente): todo individuo que presentara estos estigmas, era un resurgimiento del hombre primitivo, un salvage entre los civilizados, o sea, una especie de monstruo híbrido, medio hombre y medio bestia, em el que algunos trazos regresivos los remontaban a un lejano y sombrío pasado, a épocas oscuras y salvages, em las que el hombre apenas sobresalía del mundo animal. Ahí se entrevé la influencia, apresuradamente asimilada, de las ideas evolucionistas de Darwin, que empezaban a extenderse. En el mismo orden de ideas, Lombroso consideraba que todo hombre que presentara rasgos femeninos, o toda mujer viriloide, siendo seres mal diferenciados, por su misma causa deberían tener inclinación al crimen”. GRAPIN, Pierre. La antropología criminal. Barcelona: Oikos-Tau, 1973, p. 27. 31 MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 10. 32 SOARES, Orlando. Criminologia. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 74.
19
Segundo Medeiros Vieira, “Lombroso aventou a hipótese de
que certos indivíduos já nascem com predisposição para a delinqüência, sendo tal
disposição prévia revelada por sua figura física”.33
Ante as características fisionômicas seria possível conhecer o indivíduo capaz de delinqüir. Tratava-se do chamado criminoso nato. Nem todos os criminosos seriam natos, mas o verdadeiro o é, proclamava Lombroso. Passou-se, então, a admitir, em princípio, que a teoria lombrosiana era explicável pelo atavismo. O criminoso nato seria atavicamente delinqüente, ou seja, por hereditariedade, porquanto possuindo características comportamentais relativas a tempos anteriores àquele em que vivia, regressava, mentalmente, aos seus ancestrais. Assim, para Lombroso, o atavismo seria a herança mediata, um retorno a operar-se no processo hereditário do indivíduo. (grifo do autor)34
Se Lombroso ressaltou os fatores antropológicos do
criminoso nato, seu discípulo Enrico Ferri (1856-1929) destacou os aspectos
sociológicos. Considerado o expositor mais polêmico, mas também o mais claro
da chamada Escola Positiva, foi professor universitário, advogado e político
militante do Partido Socialista dos Trabalhadores italiano.
Teve como obra mais importante o livro “Sociologia
Criminale”, publicada com esse nome em 1891 e anteriormente em 1884 com o
título “Nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale”.35
Segundo Antonio García-Pablos de Molina,
O delito, para Ferri, não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual (o que contraria a tese antropológica de Lombroso), senão – como qualquer outro acontecimento natural ou social – resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais.
Distinguiu, assim, fatores antropológicos ou individuais (constituição orgânica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil etc.), fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura etc.) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo etc.).
Entende, pois, que a criminalidade é um fenômeno social como outros, que se rege por sua própria dinâmica, de modo que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos, e a classe deles, em uma determinada sociedade e em um momento concreto, se contasse com
33 VIERA, João Alfredo Medeiros. Noções de criminologia. Florianópolis: Ledix, 1997, p. 24. 34 Ibid., loc. cit. 35 Ibid., p. 25.
20
todos os fatores individuais, físicos e sociais antes citados e fosse capaz de quantificar a incidência de cada um deles.36
O homem, pois, para Ferri, ou se adapta à vida em
sociedade, sendo assim considerado “normal”, ou reage de forma anormal,
instigado mais por fatores endógenos, mas também pelos exógenos, cometendo
um delito quando da transgressão às normas de conduta social, tornando-se um
delinquente, sob o prisma jurídico.37
É de Ferri a teoria dos “substitutivos penais”, através da qual
sugere um programa político-criminal de luta e prevenção do crime, prescindindo,
inclusive, do ordenamento jurídico penal.
Segundo García-Pablos de Molina,
Sua tese é a seguinte: o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e etiologia específica, na qual predominam os fatores “sociais”. Em conseqüência, a luta e a prevenção do delito devem ser concretizados por meio de uma ação realista e científica dos poderes públicos que se antecipe a ele e que incida com eficácia nos fatores (especialmente nos fatores sociais) criminógenos que o produzem, nas mais diversas esferas (econômica, política, científica, legislativa, religiosa, familiar, educativa, administrativa etc.), neutralizando-os.
A pena, conforme Ferri, seria, por si só, ineficaz, se não vem precedida ou acompanhada das oportunas reformas econômicas, sociais etc., orientadas por uma análise científica e etiológica do delito. Por isso é que ele propugnava, como instrumento de luta contra o delito, não o Direito Penal convencional, senão uma Sociologia Criminal integrada, cujos pilares seriam a Psicologia Positiva, a Antropologia Criminal e a Estatística Social 38.
Há em sua teoria uma continuação das ideias defendidas
por Lombroso, com uma ênfase ainda maior no determinismo e na consequente
negação do livre-arbítrio, no que tange à ação delinquencial, gerando ainda mais
polêmica nos meios penais da época.
36 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 155. 37 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998. 38 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, op.cit., p. 155-156.
21
Ressaltados os aspectos biológicos (herança), físicos (clima)
e sociais (habitat) como fatores preponderantes na ação delituosa, estabeleceu
Ferri, por consequência, a “Lei da Saturação Criminal”, pela qual
[...] da mesma maneira que em um certo líquido à tal temperatura ocorrerá a diluição de alguma quantidade de seu todo, sem uma molécula a mais ou a menos, assim também, em determinadas condições sociais, serão produzidos determinados delitos, nem um a mais ou a menos.39
Ferri, portanto, aprofundou as teorias deterministas de
Lombroso, de certa forma radicalizando-as, tornando-se ferrenho inimigo da teoria
do livre-arbítrio do agente, de concepção clássica; o termo “Escola Clássica”,
aliás, foi por ele cunhado, atribuindo a todos os penalistas do período liberal
clássico, capitaneados por Beccaria, ou que não se adequassem a suas ideias
deterministas, a alcunha de “clássicos”40.
Leonídio Ribeiro, citado por Newton e Valter Fernandes,
acrescenta que “outro erro é atribuir a Lombroso a autoria da expressão vulgar
criminoso nato; esta classificação não está em sua obra; ela se deve ao seu
discípulo Enrico Ferri”41.
O último autor a compor a tríade da Escola Positiva italiana é
Raffaele Garófalo (1851-1934), magistrado de orientação política conservadora,
responsável por apresentar uma versão moderada dos postulados positivistas e
por ter sido o criador do termo Criminologia, como sendo a ciência da
criminalidade, do delito e da pena42.
Em sua obra “Criminologia: Estudo sobre o delito e a
repressão penal”, de 1885, segundo Bissoli Filho, Garófalo desenvolve o conceito
de “delito natural”, de inspiração darwiniana, sendo que naquele “aparece sempre
39 FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 83. 40 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 41 FERNANDES, N.; FERNANDES, V., op. cit., p. 84. 42 Ibid., p. 85.
22
a lesão de algum daqueles sentimentos mais profundamente radicados no espírito
humano e que, no seu conjunto, formam o que se chama ‘senso moral’”43.
O senso moral seria formado, em síntese, por dois
sentimentos altruístas, o de “piedade” (o qual impede atos que causem dor física
e moral em outrem) e o de “probidade” (respeito à propriedade alheia),
constituindo, pois, o delito natural na ofensa a estes dois sentimentos, que
constituiriam a base e o patrimônio moral indispensável de todos os indivíduos,
em qualquer sociedade e em qualquer momento44.
No entendimento de García-Pablos de Molina, a
caracterização da criminalidade, em Garófalo, não prescinde da teoria
lombrosiana, ainda que conceda alguma importância aos fatores sociais e ao fato
criminoso em si, e não somente ao agente.
Segundo esse autor,
O característico da teoria de Garófalo é a fundamentação do comportamento e do tipo criminoso em uma suposta anomalia – não patológica – psíquica ou moral. Trata-se de um déficit na esfera moral da personalidade do indivíduo, de base orgânica, endógena, de uma mutação psíquica (porém não de uma enfermidade mental), transmissível por via hereditária e com conotações atávicas e degenerativas. (grifo do autor)45
Para Francisco Bissoli Filho, a criminologia de Garófalo “deu
consistência à ideologia da defesa social, propugnando por princípios que
transformam o crime e o criminoso em um mal a ser combatido e extirpado do
convívio social”46.
Logo, o conceito de periculosidade, por ele chamado de
“temibilidade”, é especialmente destacado, no que diz respeito ao tratamento
dado a quem comete atos delituosos, sendo, em suas palavras, “a perversidade
43 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 35. 44 Ibid., p. 36. 45 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 159. 46 BISSOLI FILHO, op. cit., p. 37.
23
constante e ativa do delinqüente e a quantidade do mal previsto que se deve
temer por parte do mesmo delinqüente”47.
Como bem resume Francisco Bissoli Filho,
Ao contrário do classicismo, o positivismo viu no homem criminoso o protagonista de suas investigações, tendo-o como um ser anômalo, do qual depreendeu os estigmas da criminalidade. Até então o indivíduo, tido apenas como detentor do livre-arbítrio, não tinha merecido a devida atenção das Ciências Criminais. Assim, o positivismo criminológico deteve-se mais nos estudos acerca do homem criminoso, precisamente nas teorias da tipologia e da periculosidade criminal.48
Em suma, constata-se como pontos divergentes nos
postulados formulados pelos autores “clássicos” e os pertencentes à Escola
Positiva: a) o delito, sob a égide positivista, passou a ser considerado uma
realidade fenomênica, um fato humano e social, e não somente um conceito
abstrato, formal e exclusivamente jurídico; b) a responsabilidade penal fundada
não na vontade livre do homem, como dispõem os “clássicos”, mas sim na lei
como expressão da vontade da sociedade, em detrimento do indivíduo,
atendendo-se, acima de tudo, à finalidade preventiva da pena, como instrumento
da defesa social e de acordo com o grau de periculosidade inata do delinquente
(princípio da individualização da sanção penal); c) mudança de paradigma
metodológico, do dedutivo ou lógico-abstrato utilizado pelos autores “clássicos”,
com foco no delito, para o indutivo ou etiológico, próprio das ciências naturais,
com a promessa dos positivistas de explicar o fenômeno criminal a partir do
estudo de suas causas, em especial, do “criminoso nato”49.
Assim resume Molina as diferenças básicas conceituais do
Antigo Regime, da Escola Clássica e da Escola Positiva:
A imagem do homem como ser racional, igual e livre, a teoria do pacto social, como fundamento da sociedade civil e do poder, assim como a concepção utilitária do castigo, não desprovida de apoio ético, constituem os três sólidos pilares do pensamento clássico. A Escola
47 GARÓFALO, Raffaele apud SOUZA, Moacyr Benedicto de. A influência da escola positiva no direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1982, p. 20. 48 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 42. 49 BISSOLI FILHO, op. cit., p 39-40.
24
Clássica simboliza o trânsito do pensamento mágico, sobrenatural, ao pensamento abstrato, do mesmo modo que o positivismo representará a passagem ulterior para o mundo naturalístico e concreto.50
Cabe ainda ressaltar a existência das Escolas Ecléticas,
como a Terza Scuola italiana, que teve como principais representantes Alimena,
Carnevale e Impallomeni, a Moderna Escola Alemã, ou Escola de Marburgo, que
teve como principal expoente Franz von Liszt e a Escola da Defesa Social, de
Grammatica e Prins e a Nova Defesa Social, de Marc Ancel, as duas últimas
escolas tendo como foco principal a política criminal. Estas escolas, segundo
Molina, “pretendem harmonizar os postulados do positivismo com os dogmas
clássicos, tanto no plano metodológico como no ideológico”.51
Não contêm nenhuma teoria criminológica (etiologia) original (valem-se da conhecida fórmula de combinar a predisposição individual e o meio ambiente), porém interessam porque abordam problemas essenciais para a reflexão criminológica. Assim, por exemplo: o livre arbítrio, finalidade do castigo e da Administração Penal, relação entre disciplinas empíricas e disciplinas normativas, conflito entre as exigências formais e garantias do indivíduo e as da defesa da ordem social (Direito Penal e Política Criminal), funções e limites da luta e prevenção ao crime etc.52
1.4 ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA
Como forma de conciliar os postulados das Escolas Clássica
e Positiva, surge esta escola, também denominada de Neoclássica, durante a
primeira década do século XX. Da primeira adotou o princípio da responsabilidade
moral, distinguindo entre delinquentes “imputáveis” e “não imputáveis”; dos
positivistas, adotou as premissas acerca da gênese natural da criminalidade,
utilizando-se de dados da Antropologia e da Sociologia Criminal.53
Para alguns autores, explica Vieira, a Escola Técnico-
Jurídica surge como reação à excessiva interdisciplinariedade, quase uma 50 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 135. 51 Ibid., p. 164. 52 Ibid., loc. cit. 53 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 42.
25
intromissão, no direito penal, por parte da Filosofia, da Sociologia, da
Antropologia, entre outras, deixando, “desde logo, transparecer especial aversão
às indagações filosóficas e ao jusnaturalismo”54.
Teve como expoente máximo o jurista italiano Arturo Rocco,
o qual destaca que a Ciência Penal tem como objeto principal de estudo,
utilizando-se de um método técnico-jurídico, as leis penais e a consequente
relação jurídica que delas advém, levando-se em conta o “delito” e a “pena”, como
fatos humanos, sociais e políticos.
Francisco Bissoli Filho sintetiza da seguinte forma o
pensamento de Rocco acerca da Ciência Penal e de seu método técnico-jurídico:
Rocco defende que essa Ciência trata, necessariamente, de um estudo técnico-jurídico, posto que no conhecimento científico do direito não se dispõe de “meios” diferentes dos que oferece a técnica jurídica, motivo pelo qual preconiza, para o estudo do Direito Penal, o método técnico-jurídico; mas isto não quer dizer que o estudioso do Direito Penal não deva assumir de vez em quando o papel do antropólogo, do psicólogo e do sociólogo; nem se quer que neste estudo técnico do Direito não se possa ou não se deva seguir o método positivo e experimental. Distinção nao é separação e muito menos divórcio científico. É precisamente por este aspecto do método que deve seguir-se na investigação técnica do Direito, pelo que a Ciência do Direito Penal – que por natureza é exclusivamente jurídica e está dirigida a estudar o delito e a pena como objetos de normas jurídicas – se vincula intimamente com a Ciência que trata do delito como fenômeno natural, isto é, com a Antropologia Criminal, e com a que trata do delito e da sanção enquanto fenômenos sociais, a saber, a Sociologia Criminal.
Assim, o Direito Penal Positivo, único dado da realidade, passa a constituir o objeto da Ciência do Direito Penal, que tem por tarefa a elaboração técnico-jurídica deste Direito, buscando proporcionar não somente o conhecimento empírico, mas também o científico àqueles que são chamados, por sua missão na vida social, a interpretar e a aplicar o Direito como operadores jurídicos55.
De forma geral, pode-se sintetizar que, para a Escola
Técnico-Jurídica, o delito é relação jurídica, porém com conteúdo individual e
social, tendo a pena seu caráter retributivo (reação e consequência do crime) e
preventivo, geral e especial, aplicável aos imputáveis; para os ininputáveis, por
influência da Escola Positiva, será imposta a medida de segurança. Aceitam, por 54 VIERA, João Alfredo Medeiros. Noções de criminologia. Florianópolis: Ledix, 1997, p. 32. 55 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 43.
26
influência da Escola Clássica, o princípio da responsabilidade moral (livre arbítrio)
do agente, utilizam-se do já mencionado método técnico-jurídico e refutam
completamente a filosofia na esfera penal56.
1.5 O LABELLING APPROACH
O Labelling Approach ou teoria do “etiquetamento” foi
produto da chamada “Nova Escola de Chicago”, surgida em fins da década de 50
e começo da de 60, nos Estados Unidos, sendo considerada o berço da moderna
Sociologia americana.
Caracterizou-se a Escola de Chicago por um forte empirismo
e finalidade pragmática, empregando a observação direta em todas as
investigações, destas originando teses que oferecessem um diagnóstico confiável
sobre os urgentes problemas sociais surgidos nos Estados Unidos daquele
período, como resultado do descrédito com o Estado e seu discurso oficial,
agravados pela ameaça nuclear constante decorrente da Guerra Fria e da
eclosão da Guerra do Vietnã57.
Para García-Pablos de Molina,
A temática preferida pela Escola de Chicago foi a que poderíamos denominar a “sociologia da grande cidade”, a análise do desenvolvimento urbano, da civilização industrial e, correlativamente, a morfologia da criminalidade nesse novo meio. Atenta ao impacto da mudança social, especialmente evidente nas grandes cidades norte-americanas [industrialização, (i)migração, conflitos culturais etc.] e interessada pelos grupos e culturas minoritários, conflitivos, soube aprofundar-se no coração da grande urbe, conhecer e compreender “desde dentro” o mundo dos desviados, suas formas de vida e cosmovisões, analisando os mecanismos de aprendizagem e transmissão das referidas culturas “desviadas”58.
56 PRADO, Luiz Régis; BITENCOURT, Cezar Roberto apud BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 43-44. 57 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 58 Ibid., p. 244.
27
A teoria do Labelling Approach ou do “Etiquetamento”, como
“teoria do conflito”, ou seja, teoria que concebe a sociedade “como uma
pluralidade de grupos com normas culturais diferentes, com sistemas de normas
em colisão”, segundo Zaffaroni e Pierangeli,
[...] inverte o posicionamento positivista, afirmando que o criminoso é simplesmente aquele que se tem definido como tal, sendo esta definição produto de uma interação entre aquele que tem o poder de etiquetar (“teoria do etiquetamento” ou labelling theory) e aquele que sofre o etiquetamento, o que acontece através de um processo de interação, de etiquetamento ou de criminalização. (grifo do autor)59
Para Bissoli Filho, essa teoria “constitui-se numa das
correntes desconstrutoras do moderno sistema penal”, mudando o paradigma
criminológico, antes concentrado na criminalidade, agora no processo de
criminalização60.
Segundo Bissoli,
As teorias do homem criminoso, que partem do pressuposto da existência, em certas pessoas, de tendências ao crime, ou de características ou condições que as tornam mais ou menos perigosas, na verdade também são questionadas à luz do labelling approach, à medida que, segundo este enfoque, a existência do criminoso depende da seleção prévia das agências de criminalização (polícia, Ministério Público e Poder Judiciário), sem a qual “o criminoso” não será conhecido. Os estudos realizados pela Escola Positiva, que concluíram pela existência de classes específicas de criminosos (tipologia criminal), bem como pela periculosidade do delinqüente, tiveram como objeto indivíduos já selecionados, etiquetados, estigmatizados e estereotipados pelo sistema. Assim, os dados sobre os quais se debruçaram os positivistas nos seus estudos eram dados incertos, que não refletiram a realidade.61
O processo de criminalização, segundo Baratta, é abordado,
na teoria do etiquetamento, utilizando-se do enfoque dado por duas correntes da
sociologia americana, quais sejam, o “interacionismo simbólico”, inspirado na
psicologia social de George H. Mead, e a “etnometodologia”, inspirada pela
sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. Segundo essas duas correntes, o
59 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 318 e 319. 60 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 44. 61 Ibid., p. 204.
28
estudo da realidade social é o estudo dos processos de tipificação, os quais
conferem um significado às interações entre os indivíduos que compõem a
sociedade, significados estes que se afastam das situações concretas; a
sociedade, pois, não é uma realidade que se possa conhecer objetivamente, dado
ser o produto de uma construção social, não estanque e mutável62.
O sociológo americano Howard Becker, em sua obra
“Outsiders”, publicada originalmente em 1963, expõe os efeitos da estigmatização
na formação do status social de desviante, mostrando “que a mais importante
conseqüência da aplicação de sanções consiste em uma decisiva mudança da
identidade social do indivíduo; uma mudança que ocorre logo no momento em
que é introduzido no status de desviante”63.
Becker assim sustenta, acerca do “desvio” e do “desviante”:
Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conseqüência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal.
Como o desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não podem supor que estão lidando com uma categoria homogênea quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra. Além disso, não podem supor que a categoria daqueles rotulados conterá todos os que realmente infringiram uma regra, porque muitos infratores podem escapar à detecção e assim deixar de ser incluídos na população de “desviantes” que estudam. À medida que a categoria carece de homogeneidade e deixa de incluir todos os casos que lhe pertencem, não é sensato esperar encontrar fatores comuns de personalidade ou situação de vida que expliquem o suposto desvio. (grifo do autor)64
Alessandro Baratta menciona Edwin M. Lemert como
responsável pela distinção entre delinquência “primária” e delinquência
“secundária”, na perspectiva da reação social.
62 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. 63 BECKER, Howard apud BARATTA, op. cit., p. 89. 64 BECKER, Howard. Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 21-22.
29
Para Baratta,
Lemert desenvolve particularmente esta distinção, de modo a mostrar como a reação social ou a punição de um primeiro comportamento desviante tem, freqüentemente, a função de um “commitment to deviance”, gerando, através de uma mudança da identidade social do indivíduo assim estigmatizado, uma tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu65.
Vera Pereira Andrade sintetiza que as indagações
formuladas pela teoria do labelling approach em torno de seu objeto, o processo
de criminalização, resultaram em três pontos explicativos:
1) investigação do impacto da atribuição do status de criminoso na identidade do desviante (desvio secundário e carreiras criminais); 2) processo de atribuição do status criminal (seleção ou criminalização secundária); 3) processo de definição da conduta desviada (criminalização primária).66
Zaffaroni et al estabelecem a criminalização primária e a
secundária como etapas do processo seletivo de criminalização; a primária “é o
ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a
punição de certas pessoas”, enquanto a secundária é a efetiva “ação punitiva
exercida sobre pessoas concretas”, pelas agências policiais e judiciais67.
Em suma, conclui Molina que “não se pode compreender o
crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou
seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas”68.
Delito e reação social são expressões interdependentes, recíprocas e inseparáveis. A desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de interação social, processos estes altamente seletivos e discriminatórios.
O labelling approach, em conseqüência, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade.
65 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 89. 66 ANDRADE, Vera Regina Pereira de apud BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 50. 67 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 43. 68 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 291.
30
[...]
Por isso, o interesse da investigação se desloca do desviado e do seu meio para aquelas pessoas ou instituições que lhe definem como desviado, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e o funcionamento do controle social ou a gênese da norma e não os déficits e carências do indivíduo, que outra coisa não é senão vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma de controle69.
1.6 A CRIMINOLOGIA CRÍTICA
Esta corrente surge em meados da década de 70, em países
capitalistas avançados, como a Alemanha e a Itália, sendo uma espécie de
continuação da teoria do Labelling Approach, por reconhecer a definitiva quebra
do paradigma etiológico por essa corrente, com a proposição do novo paradigma
da reação social, com a mudança do foco do delito e do delinquente (objetos tanto
da escola clássica, como da positiva), para o processo de criminalização.
No dizer de Alessandro Baratta,
Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é [...] um “bem negativo”, distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos.70
Seus autores, inspirados fortemente no Socialismo Marxista,
criticam a teoria do etiquetamento, sendo que, para eles,
A teoria descreveria os mecanismos de criminalização e de estigmatização, mas não explicaria a realidade social nem o significado do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização – justificando, portanto, a crítica de parecer a outra cara da ideologia oficial.
69 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 292. 70 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, 2. ed., p. 161.
31
[...]
O paradigma do conflito, fascinado com fenômenos de aparente separação entre propriedade e poder, e de burocratização da indústria e do Estado, situaria o conflito nas relações de poder, e não nas relações de propriedade. (grifo do autor)71
Esta concepção materialista do desvio, dos comportamentos
socialmente negativos e da criminalização, em estreita relação com a sociedade
capitalista e suas contradições e desigualdades, seria o “salto qualitativo” da
Criminologia Crítica em relação às teorias formuladas anteriormente.
Juarez Cirino dos Santos, em prefácio à obra “Criminologia
crítica e crítica do direito penal”, de Alessandro Baratta, este um dos principais
expoentes da Criminologia Crítica, sustenta que esta corrente de pensamento
teria tido melhor êxito ao explicar a contradição entre a igualdade formal do sujeito
jurídico e a desigualdade real de indivíduos concretos, com reais chances de
serem selecionados pelo sistema penal.
O progresso da criminologia crítica estaria na passagem da descrição para a interpretação dessa desigualdade, mostrando a relação dos mecanismos seletivos do processo de criminalização com a estrutura e as leis de desenvolvimento da formação econômico-social.
Assim, a seleção legal de bens e comportamentos lesivos instituiria desigualdades simétricas: de um lado, garante privilégios das classes superiores com a proteção de seus interesses e imunização de seus comportamentos lesivos, ligados à acumulação capitalista; de outro, promove a criminalização das classes inferiores, selecionando comportamentos próprios desses segmentos sociais em tipos penais.
O processo de criminalização, condicionado pela posição de classe do autor e influenciado pela situação deste no mercado de trabalho (desocupação, subocupação) e por defeitos de socialização (família, escola), concentraria as chances de criminalização no subproletariado e nos marginalizados sociais, em geral (grifo do autor)72.
Francisco Bissoli Filho, citando o colombiano Emiro Huertas,
enumera as seguintes propostas de discussão da Criminologia Crítica:
71 SANTOS, Juarez Cirino dos. Anatomia de uma criminologia crítica. Prefácio a BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 13. 72 SANTOS, op. cit., p. 15.
32
1) Máxima redução do âmbito de ação do sistema penal; 2) Máxima redução do uso da privação da liberdade; 3) Reforço das garantias individuais frente à atividade punitiva estatal; 4) Democratização e humanização do sistema penal; 5) Vinculação a outros movimentos progressistas; e 6) Legitimação pública da perspectiva crítica e seu projeto73.
Concluída a perspectiva histórica das principais ideias
penais, suas características e autores principais, abordar-se-á, no capítulo
seguinte, o Código Penal brasileiro de 1940 e suas posteriores reformas e em que
medida as ideias penais ora apresentadas influenciaram seus dispositivos.
73 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 53.
33
CAPÍTULO 2
O CÓDIGO PENAL DE 1940 E SUAS PRINCIPAIS REFORMAS
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente Capítulo tem o propósito de abordar a influência
das principais ideias penais, apresentadas no primeiro capítulo, notadamente as
Escolas Clássica e Positiva, na gênese do Código Penal brasileiro de 1940, com
suas posteriores reformas, partindo de um breve histórico das legislações penais
anteriores àquela, a demonstrar a continuidade presente no Código de 1940,
desde as Ordenações portuguesas, passando pelo Código Imperial de 1830, o
republicano de 1890 e a Consolidação de 1932.
2.2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
2.2.1 PERÍODO COLONIAL
Entre as três Ordenações do Reino português, quais sejam,
as Ordenações Afonsinas (século XV), as Manuelinas (século XVI) e as Filipinas
(século XVII), somente esta última foi aplicada em solo brasileiro.
Além das Ordenações, segundo Zaffaroni, vigiam também,
paralelamente ao seu Livro V, um direito penal doméstico privado, a ser aplicado
pelos donatários e, posteriormente, com a lenta instalação da estrutura judiciária
no Brasil colônia, “uma profusão de normas penais, dispersas por alvarás,
regimentos, decretos, cartas-régias e mesmo assentos da Casa da Suplicação
[...].” 74
Zaffaroni et al explicam que,
Diversamente das Afonsinas, que não existiram para o Brasil, e das Manuelinas, que não passaram de referência burocrática, casual e
74 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 419.
34
distante em face das práticas penais concretas acima noticiadas, as Ordenações Filipinas constituíram o eixo da programação criminalizante de nossa etapa colonial tardia, sem embargo da subsistência paralela do direito penal doméstico que o escravismo necessariamente implica. A vigência das Filipinas, em matéria penal, avançou mesmo alguns anos sobre o próprio estado nacional brasileiro, até a promulgação do código criminal de 1830, com os limites e alterações decorrentes da nova ordem constitucional e de algumas leis penais editadas naquele período;
[...]
A matéria penal concentrava-se no Livro V, que reproduzia, com as alterações intercorrentes, a mesma estrutura básica das Afonsinas; pode-se contudo afirmar que à ferocidade dos textos não correspondia uma implacável aplicação judicial massiva, que em todo caso será maior no século XVIII do que nos antecedentes. 75
Seu nome, segundo Pierangelli, advém do monarca
espanhol Filipe II, que após reunificar os reinos da Espanha e de Portugal, em
1581, torna-se Filipe I de Portugal; as ordenações, no entanto, somente entraram
em vigor em 1603, já no reinado de Filipe II (III de Espanha).76
Explicam Zaffaroni et al que, em que pese a vigência das
Ordenações, mais especificamente, o Livro V, que cuidava da matéria penal, em
razão da demora da metrópole em implantar as burocracias estatais no Brasil
colônia e pela própria tradição ibérica de imiscuir a esfera pública com a privada,
acompanhado de um direito penal doméstico aplicado aos escravos e a herança
feudal do regime de capitanias hereditárias, a aplicação e execução da pena aos
condenados era exercida pelos próprios donatários, na maioria das vezes de
maneira arbitrária.77
De uma forma ou de outra, o processo criminalizante
seletivo já se faz presente na origem da aplicação do direito penal em nosso país.
Como dispõe Zanon,
Pode-se afirmar, sem embargos, que o Livro V, foi o primeiro estatuto penal no solo pátrio sob “civilização”. Dentre outras normas, nele constava: aos negros e aos índios era aplicado o regime da escravidão; a semi-escravidão era imposta aos portugueses e judeus que na Colônia cumpriam pena de banimento; a penas desumanas eram submetidos os
62 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 417-418. 76 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 77 ZAFFARONI et al, op. cit., passim.
35
que sofreram o degredo. De outro lado, a pena era aplicada de acordo com a ‘classe’ da pessoa: aos homens comuns, o povo, impunham-se os rigores da lei, enquanto que fidalgos, nobres e aristocratas gozavam de considerável isenção.78
Francisco de Assis Toledo assim resume o teor do Livro V
das Ordenações Filipinas:
As Ordenações Filipinas refletiam o espírito então dominante, que não distinguia o direito da moral e da religião. Tanto é assim que logo nos primeiros títulos do famigerado Livro V tem início a previsão de penas para hereges e apóstatas, que arrenegam ou blasfemam de Deus ou dos santos, para feiticeiros, para os que benzem cães etc. A palavra “pecado” abunda no texto dos tipos penais e até em título, como ocorre com o de n. XIII, in verbis: “Dos que commetem pecado de sodomia, e com alimárias”. A pena criminal, extremamente rigorosa, freqüentemente a de morte, era utilizada para os atentados contra o rei e o Estado, para repressão do pecado, dos desvios de normas éticas e, por fim, dos atos que produziam danos.79
Pierangeli comenta a execução de Tiradentes, como
exemplo emblemático da aplicação do Livro V das Ordenações Filipinas no Brasil
colônia:
Também no Brasil encontramos exemplos da extrema crueldade dessa legislação. Tiradentes, acusado e condenado de crime de lesa-majestade, foi enforcado, esquartejado, sendo os seus membros fincados em postes colocados à beira das estradas nas cercanias de Vila Rica, com slogans destinados a advertir ao povo sobre a gravidade dos atos de conspiração contra o monarca (na época, D. Maria, a Louca). As inscrições diziam que ninguém poderia trair a rainha, porque as próprias aves do céu se encarregariam de lhe transmitir o pensamento do traidor. Ainda quanto a Tiradentes, impôs-se a pena de infâmia até à sua quarta geração.80
2.2.2 PERÍODO IMPERIAL
Após a proclamação da independência do Brasil, em 4 de
março de 1823, por D. Pedro I, inspirada nos ideais liberais iluministas, elaborou a
Assembléia Constituinte o texto constitucional que foi outorgado pelo imperador,
em março de 1824.
78 ZANON, Artemio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 152. 79 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 56. 80 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 59.
36
Na nova carta constitucional, a primeira do Brasil como
nação independente, estabeleceu em seu artigo 179 várias regras a serem
observadas pelo legislador, quando da elaboração de um código penal brasileiro,
que viesse a substituir as anacrônicas Ordenações.
Pierangeli assim discorre sobre o referido artigo 179:
No seu art. 179, a Constituição de 1824 estabeleceu regras e princípios que reafirmavam a sua concepção liberal, que efetivamente norteava figura ímpar, e muitas vezes contraditória, do Imperador. Assim, de se destacar: Item II – “Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública”, onde se apresentava claramente as idéias de Jeremias Bentham, para quem os sistemas legislativos deveriam orientar-se pela utilidade, enquanto o item III fixava o princípio da irretroatividade da lei, que constitui uma das mais preciosas garantias dos direitos humanos de liberdade.
Além desses dispositivos, outros de extrema importância foram explicitados: item XII – “A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”; item XIX – “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”; item XX – “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réo se transmittirá aos parentes em qualquer gráo, que seja”; inciso XXI – “As Cadêas serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circunstancias, e natureza dos seus crimes”.
Era, pois, sob a ótica das idéias iluministas que provinham de outras plagas, e que aqui se encontravam presentes, inclusive no espírito do Imperador, que as introduziu na Carta que outorgou, que deveria se alicerçar a primeira codificação penal brasileira, a qual deveria ser fundada “nas sólidas bases da Justiça e da Equidade” (item XVIII). Por conseguinte, o nosso Código Criminal de 1830, que tanto encantou a cultura jurídico-política de sua época, tinha suas linhas mestras fixadas na Constituição.81
Logo, foi sancionado, em 16 de dezembro de 1830, o Código
Criminal do Império do Brasil, originário do projeto de Bernardo de Vasconcellos.
Citando Basileu Garcia, sobre este jurista, dispõe Pierangeli:
De formação ideológica liberal, conquanto adaptado às concepções escravocratas aqui vigentes na época, era o autor formado em direito por Coimbra, onde fora aluno de Pascoal de Mello Freire, ressoando “perante ele as pregações liberais desse mestre, que recebera o influxo da obra de Beccaria. Se por outras várias formas não se explicasse, aí
81 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 66.
37
teríamos justificada a repercussão do individualismo no Código do Império”.82
Importante ressaltar a figura de Mello Freire, jurisconsulto
português e professor na Universidade de Coimbra, tendo sido autor de um
projeto de código penal apresentado à Coroa portuguesa em 1786 e que
reformaria as Ordenações, mas que, por ser avançado demais para a época, não
vingou.
Pierangeli assim o descreve:
Forjado nas mais puras concepções iluministas, Mello Freire sofreu extrema influência de Beccaria, Filangieri, Grócio, Pufendorf, Montesquieu, Voltaire, Püttman, Paulo Rizzi, Felipe Maria Renazzi, Blackstone, Servant, Bentham, entre outros, muitos dos quais vêm citados na apresentação do seu Projeto de Código Criminal, onde ele dá uma clara idéia da sua formação cultural e da tendência iluminista que orientava o seu trabalho e a sua obra, em geral.83
O momento histórico em que foi elaborado e promulgado o
Código Criminal de 1830, qual seja, logo após a independência do Brasil,
portanto, em período de transição e adaptação, com perturbações de ordem
política, social e econômica, reflete as contradições presentes em seu bojo, entre
a ideologia liberal (e anti-escravista) que o inspirou e o sistema político e
econômico ainda atrelado ao antigo regime escravista que, de certa forma, o
“desvirtuou”. Nas palavras de Zaffaroni et al, citando Caio Prado Jr., Emília Vioti
da Costa e Roberto Schwarcz:
Quando se assenta a poeira dos tensos episódios que assinalam a independência, ascende ao poder do novo estado “a classe mais diretamente interessada na conservação do regime: os proprietários rurais, que se tornam sob o império a força política e socialmente dominadora”. Paralelamente à decadência do nordeste, a cultura do café no sudeste faz este produto ultrapassar o açúcar e o algodão nas exportações e concentra geograficamente riqueza e poder político, prorrogando a demanda de mão-de-obra escrava. A queda nos preços internacionais do açúcar e do algodão e a crise financeira agravada pelo deficit fiscal – tratado com volumosas emissões de papel-moeda – produzem insatisfações que se materializarão em inúmeras sedições: a partir de 1831 os cabanos no Pará, a setembrada de 1832 em Pernambuco, a revolução farroupilha de 1835 no sul (mesmo ano de uma revolta de escravos na Bahia, sobre a qual retornaremos), a
82 GARCIA, Basileu apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 66. 83 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 68.
38
sabinada também na Bahia em 1837, a balaiada no Maranhão em 1839, a revolução praieira em Pernambuco em 1848, São Paulo e Minas Gerais em 1842, Alagoas em 1844...
A Constituição de 1824 mantivera a escravidão, sob a fórmula circunloquial de garantir “o direito de propriedade em toda a sua plenitude”. A contradição entre a condição escrava e o discurso liberal era irredutível: como disse Emília Vioti da Costa, “a escravidão constituía o limite do liberalismo no Brasil”, frisando Roberto Schwarcz que “as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis”.(grifo do autor)84
Pierangeli aponta algumas falhas no Código Criminal de
1830, citando Magalhães Noronha:
É evidente que essa legislação possuía defeitos, como, aliás, já vaticinara a Comissão nomeada pela Câmara, ao ofertar o seu parecer parcialmente transcrito. Não definia a culpa, mencionando apenas o dolo (arts. 2º e 3º), conquanto no art. 6º a ela se referisse, capitulando logo mais adiante crimes culposos (arts. 125 e 153), olvidou o homicídio e as lesões corporais culposas. Essa omissão só veio a ser suprida através da Lei 2.033, de 1871. Contudo, é de se ressaltar que o silêncio do Código, na época em que veio a lume, pouco ou nada significava, pois a importância dos crimes culposos só surgiu com o advento das máquinas, com os meios de transporte e da evolução da indústria, quando, então, situações perigosas passaram a se apresentar e reclamar o que hoje denominamos cumprimento do dever objetivo de cuidado.
Também estaria a merecer críticas por ter sucumbido às idéias predominantes na época, em que se valorizava a pena de morte, principalmente como meio de submissão do braço escravo, sobre o qual repousava, em grande parte, a nossa incipiente economia. Com isso espalhou-se a desigualdade no tratamento entre homens, mas, é bem verdade, o escravo era apenas rês que pertencia ao seu senhor. Tudo isso, embora a Constituição consagrasse o princípio da igualdade de todos perante a lei (“A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue” – art. 179, item XIII).85
Reconhece-se, entretanto, o aspecto vanguardista do
Estatuto penal de 1830, se comparado a outros vigentes à época, vindo inclusive
a influenciar o Código penal espanhol de 1848 e, por consequência, vários
códigos latino-americanos. O liberalismo do Código de 1830, em que pese as
concessões feitas aos escravocratas, foi tido como responsável pelo aumento da
criminalidade e, nas palavras de Assis Toledo, “não tardou o surgimento de uma
84 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 423-424. 85 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 71.
39
reação antiliberal que, durante a vigência do novo estatuto, logrou editar algumas
leis de cunho retrógrado, principalmente contra escravos”.86
Roberto Lyra, citado por Pierangeli, enumera as seguintes
inovações:
1.º) no esboço da indeterminação relativa e de individualização da pena, contemplando, já, os motivos de crime, só meio século depois testado na Holanda e, depois, na Itália e na Noruega;
2.º) na fórmula da cumplicidade (co-delinqüência como agravante) com traços do que viria a ser teoria positiva a respeito;
3.º) na revisão da circunstância atenuante da menoridade, desconhecida, até então, das legislações francesa, napolitana e adotada muito tempo após;
4.º) no arbítrio judicial no julgamento dos menores de 14 anos;
5.º) na responsabilidade sucessiva nos crimes por meio da imprensa antes da lei belga, e, portanto, esse sistema é brasileiro e não belga, como é conhecido;
6.º) a indenização do dano ex delicto como instituto de direito público, também antevisão positivista;
7.º) na imprescritibilidade da condenação.87
Pierangeli cita como principal inovação presente no Código
Criminal de 1830 a adoção do sistema do dia-multa, em seu artigo 55, que muitos
autores nacionais, segundo ele erroneamente, denominam de “sistema
escandinavo”.88
2.2.3 PERÍODO REPUBLICANO – CÓDIGO PENAL DE 1890
Segundo Pierangeli, posteriormente à abolição da
escravatura, dada pela promulgação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, foi
formada comissão para examinar anteprojeto de um novo código criminal, em
86 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 59. 87 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 71-72. 88 Ibid., passim.
40
face da nova realidade social, tendo como relator o Conselheiro João Baptista
Pereira.
Proclamada a República em novembro de 1889,
interromperam-se os trabalhos de feitura do novo código, vindo, porém, a ser
retomado pelo próprio João Baptista Pereira, a convite de Campos Salles,
Ministro da Justiça do governo provisório; Baptista Pereira terminou o trabalho em
três meses, promulgando a República seu primeiro código penal em outubro de
1890.89
O Código foi duramente criticado à época, muitos atribuindo
suas eventuais falhas à forma célere pela qual foi feito.
Zaffaroni e Pierangeli atribuem as críticas dirigidas ao
Código de 1890 mais à matriz ideológica de cunho liberal-clássico, utilizada pelo
relator Baptista Pereira, um monarquista avesso ao Positivismo filosófico, que
tanto influenciou os ideais republicanos:
O Código de 1890 foi sumamente criticado, mas cremos que essas críticas não possuem tanto fundamento como se tem apregoado. Freqüentemente refere-se a ele como possuidor de um texto arcaico e defeituoso, e essa afirmação não tem sido objeto de uma revisão séria. Muitas dessas críticas exsurgem mais como fruto da vaidade e da incompreensão. Não obstante as críticas, o primeiro código penal republicano possuía um texto liberal, clássico, que simplificou o sistema de penas do Código anterior, ponto que, para seu tempo, significou um sensível avanço sobre o texto do código imperial, inspirado que foi nos melhores modelos disponíveis (é notória a influência do código italiano de Zanardelli, de 1889 e do holandês, de 1881). Apresenta, também, um significativo paralelo com outro texto, de semelhante inspiração, que é o código venezuelano.90
E concluem os autores, referindo-se ao choque entre os
postulados do liberalismo clássico, inspiradores do código republicano, com os da
Escola Positiva e sua criminologia, recém chegadas ao nosso país:
É óbvio que a República nasceu sob o signo ideológico do positivismo, e o Código Baptista Pereira não correspondia a essa ideologia. Isto explica as críticas de que foi alvo, particularmente quando chegaram ao Brasil as influências de Ferri e de toda a escola criminológica italiana.
89 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 74. 90 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 219.
41
Obviamente, as tendências elitistas e racistas não poderiam ver no código de 1890, algo diferente do que a materialização do liberalismo que elas satanizavam. Justifica-se, dessarte, a crítica sobre ser “o pior de todos os códigos conhecidos” (João Monteiro).91
Houve posteriores tentativas de mudar o referido código,
entre as quais o projeto apresentado por João Vieira de Araújo, que não vingou,
recordando Zaffaroni e Pierangeli que, “com Vieira de Araújo, ingressa
abertamente no Brasil o positivismo italiano, dado que explica claramente a sua
animosidade para com o texto ‘clássico’ do código de 1890”.92
Zaffaroni et al citam como outro fator do desprestígio do
Código Criminal de 1890, seu “fracasso” em criminalizar os alvos sociais da
recém-fundada República, o que foi feito através da edição de farta legislação
extravagante, as quais culminariam na Consolidação das Leis Penais, de 1932,
elaborada por Vicente Piragibe:
Uma boa prova dessa deficiência – muito mais política do que técnica – do código de 1890 está no fato de que a criminalização daqueles alvos sociais – imigrantes indesejáveis, anarquistas, prostitutas e cáftens etc. – foi empreendida através de leis extravagantes, ou de leis que alteravam o texto original do código. [...]
Essas leis extravagantes, contudo, não despertam na literatura críticas similares àquelas dirigidas ao velho código. Talvez a natureza ideológica de tais críticas seja similar à daquelas que, nos dias que correm, queixam-se do CP 1940, reformado em 1985, como “legislação antiquada”, em descompasso com “novas realidades”, mas silenciam sobre a chamada lei dos crimes hediondos e correlatas.93
No que diz respeito aos chamados “alvos sociais” principais
da primeira república e a influência da Antropologia criminal de Lombroso nas
críticas dos penalistas da época, sustentam Zaffaroni et al:
No discurso deste novo sistema penal, a inferioridade jurídica do escravismo será substituída por uma inferioridade biológica; enquanto a primeira, a despeito de fundamentos legitimantes importados do evolucionismo, podia reconhecer-se como mera decisão de poder, a segunda necessita de uma demonstração científica. Neste sentido, poderíamos afirmar que o racismo tem uma explicável permanência no discurso penalístico republicano, que se abebera nas fontes do positivismo criminológico italiano e francês para realizar as duas funções assinaladas por Foucault: permitir um corte na população administrada, e
91ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 219. 92Ibid., p. 220. 93 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 446.
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ressaltar que a neutralização dos inferiores “é o que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura” (grifo do autor).94
Zaffaroni et al citam como constantes no Código de 1890,
entre outras, a divisão bipartida (crime e contravenção) no seu artigo 2º, o
princípio da legalidade, a proibição do emprego da analogia, estipulava o princípio
da retroatividade benigna, a responsabilidade penal subjetiva e pessoal, apesar
de reconhecer a responsabilidade objetiva do mandante de um crime por
quaisquer outros que o executor vier a executar, a distinção de autoria e
cumplicidade; a responsabilidade sucessiva nos crimes de imprensa seria
descartada nesse Código, tendo sido retomada somente em 1923. A
inimputabilidade era absoluta até os nove anos de idade e relativa dos nove aos
quatorze anos, para os casos em que a “criança/agente” agisse “sem
discernimento”.95
Com relação às penas, para Zaffaroni et al, embora o código
proclamasse não haver penas infamantes, estas far-se-iam presentes na prática:
Embora a privação da liberdade, com seu cardápio técnico de regimes, assumisse uma posição central no discurso de autoridades e juristas, na prática do sistema penal se dava algo semelhante ao que Faoro percebeu na economia: “a herança mercantilista envolve, controla e tritura os desígnios dos estadistas”, ou seja, a intervenção corporal – visível na deportação sistemática de imigrantes e capoeiras, nos açoites aplicados em tombadilhos da Armada, na chacina de Canudos, nas sevícias que os revoltosos da Vacina sofriam antes de, postos a ferro no porão de um paquete, serem despejados no Acre – a intervenção corporal não deixa o proscênio do controle social penal.96
Manteve-se vigente o Código de 1890 por razoável tempo,
ao lado, porém, de numerosas leis penais extravagantes, que foram sendo
promulgadas com o intuito de “aparar as arestas” supostamente deixadas por
aquele ordenamento. Esse “imbróglio” de leis penais, cuja consulta “tornou-se
tarefa extremamente árdua, mesmo para os profissionais do direito”97, foi
devidamente organizado pelo desembargador Vicente Piragibe, no ano de 1932.
Pierangeli, citando passagem de Nelson Hungria, assim dispõe sobre o trabalho
94 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 442-443. 95 Ibid., passim. 96 Ibid., p. 448. 97 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 76.
43
do referido desembargador, que deu origem à Consolidação das Leis Penais de
1932:
O desembargador Vicente Piragibe, em 1932, executou trabalho de grande mérito e de larga expressão, sobre o qual Nélson Hungria assim se manifestou: “Com paciência beneditina e habilidade de um mosaista, Piragibe coligira e entrosara no código de 90, sem quebrar-lhe a armação, toda a vasta e fragmentária legislação penal anterior”.
Desse percuciente trabalho resultou a Consolidação das Leis Penais, que foi oficializada pelo Governo pelo Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932, e cuja vigência só viria a ser interrompida definitivamente com o advento do Código Penal de 1940.98
2.3 AS PRINCIPAIS REFORMAS IMPLANTADAS PELO CÓDIGO PENAL DE
1940
Antes de abordarmos diretamente o Código Penal de 1940,
cabe fazer breve histórico dos projetos anteriores que culminaram naquele
código.
2.3.1 OS PROJETOS ANTERIORES AO CÓDIGO PENAL DE 1940
Segundo Zaffaroni e Pierangeli, em 1913, materializa-se o
projeto de Galdino Siqueira, o qual trouxe a figura da pena complementar,
punindo o reincidente perigoso e que podia perdurar até o triplo da pena imposta,
não ultrapassando quinze anos; alterou a parte especial no que tange aos bens
jurídicos protegidos, iniciando com os crimes contra as pessoas, diferentemente
do que ocorria no código vigente. Não chegou, porém, a ser considerado pelo
parlamento à época.99
Os dois projetos do desembargador Sá Pereira, o de 1927
(parte geral) e o de 1928 (completo), resultaram num terceiro, o de 1935, revisado
por comissão presidida pelo próprio autor; aprovado pela Câmara dos Deputados,
teve seu trâmite interrompido em razão do golpe de Estado de 1937. Apresenta
98 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 76. 99 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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influência do código suíço e do código italiano de 1930 (Código Rocco), “incluindo
a habitualidade automática e as medidas pós-delituosas, receptando
limitadamente as idéias de periculosidade criminal”.100
O projeto de Alcântara Machado, professor da Faculdade de
Direito de São Paulo, surge no “Estado Novo” após ter sido descartado o projeto
de Sá Pereira, em meio a pesadas críticas, apresentadas na Conferência
Brasileira de Criminologia do Rio de Janeiro, em 1936. O projeto apresentado por
Alcântara Machado continha somente a parte geral e a Exposição de Motivos,
sendo também fartamente influenciado pelo código Rocco.101
2.3.2 O CÓDIGO PENAL DE 1940 E A SUA REFORMA DE 1984
Do Projeto Alcântara Machado surge, então, o Código Penal
de 1940, após ter sido submetido a uma comissão revisora composta por Nelson
Hungria, Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e Vieira Braga, com a colaboração de
Antônio José da Costa e Silva. A comissão, presidida pelo Ministro da Justiça
Francisco Campos, apresenta o projeto definitivo em novembro de 1940, vindo a
ser sancionado em dezembro do mesmo ano, entrando em vigor em janeiro de
1942.102
Zaffaroni et al analisam, utilizando-se de uma abordagem da
Criminologia crítica, a influência na elaboração do Código Penal de 1940 e na sua
longa vigência, do momento histórico, no que tange às mudanças econômicas
pelas quais passou o Estado brasileiro no começo do século XX, de um Estado
eminentemente agrário, marcado pelo coronelismo (e seu “direito penal” paralelo),
que, de forma tardia, passa a industrializar-se, ao mesmo tempo em que
incorpora o modelo do bem-estar social, centralizando o poder, inclusive de punir,
nas mãos do Estado.103
100 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 221. 101 Ibid., passim. 102 Ibid., passim. 103 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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A história do código de 1940 e do sistema penal que se constituiu tomando-o como referência programadora axial tem raízes no conjunto de transformações implantadas a partir da chamada revolução de 1930. Politicamente, 1930 exprime uma reação contra o federalismo exacerbado da primeira República, que se materializara na “política de governadores” apoiada no mandonismo local dos “coronéis”; tal reação, portanto, implicaria não apenas uma forte centralização de poder, acompanhada da necessária reestruturação administrativa, mas também a submissão a este novo poder público de um conjunto de conflitos anteriormente dirimidos em âmbitos privados. Economicamente, 1930 marca a ruptura com a teoria liberal do estado gendarme – que Nélson Hungria saborosamente comparará “a um guarda noturno modorrento, que só desperta a um rumor mais alto e se limita a soprar no seu apito assustadiço e inócuo” – e a conseqüente implantação de um estado intervencionista.104
Moacyr Benedicto de Souza dispõe que o Projeto Alcântara
Machado previa, originalmente, um rol classificatório de criminosos, nos moldes
da Escola Positiva italiana, mas que, após passar pelo crivo da comissão revisora,
este foi abandonado, em que pese, segundo ele, implicitamente, terem tais
classificações sido levadas em consideração:
O “Projeto ALCÂNTARA MACHADO”, com mais rigor técnico, dispõe, em seu Capítulo III, como categorias de criminosos, o ocasional, o por tendência, o reincidente e o habitual (arts. 22 a 26). O Código Penal de 1940, todavia, em desacordo com o “Projeto”, não acolheu uma expressa tipologia delinqüencial, em razão do ponto de vista firmado pela Comissão Revisora. O positivismo não vingou entre nós, neste particular.
[...]
Mas, de uma maneira implícita, o nosso vigente estatuto penal também os classifica. Assim, segundo o critério da habitualidade, três categorias se apresentam: “primários”, “reincidentes” e “membros de associações de delinqüentes”; conforme o critério da responsabilidade, também três tipos: “responsáveis”, “semi-responsáveis” e “irresponsáveis”; e ainda, pelo prisma da periculosidade, mais três categorias: “perigosos por presunção”, “perigosos por declaração” e “não perigosos”.105
Com relação à “periculosidade”, sustenta Souza ser esta,
para os seguidores da Escola Positiva, “o suporte da sanção criminal e o
disciplinador de sua qualidade e quantidade”.106 Reconhece ele, inclusive, a
existência no Código da punição da periculosidade sem crime:
Em princípio, nosso Código só reconhece a periculosidade pós-delitual, conforme o melhor entendimento na doutrina e na legislação. Em dois
104ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 457-458. 105 SOUZA, Moacyr Benedicto de. A influência da escola positiva no direito penal brasileiro.
São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1982, p. 76. 106 Ibid., p. 79.
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casos, entretanto, sem que o indivíduo haja realmente cometido um fato típico, permite nossa lei penal que se leve em conta a periculosidade do sujeito, com a aplicação de medida de segurança (liberdade vigiada). Isso se dá nos casos de “quase-delitos”: tentativa absolutamente impossível (art. 14) e casos de ajuste, determinação ou instigação e auxílio para crime, que não chega a ser tentado (art. 27). Neste ponto, o Código foge à posição tradicionalmente aceita pelo Direito Penal, acolhendo novas idéias que conduzem à periculosidade sem crime.107
Outro postulado da Escola Positiva incorporado ao Código
Penal de 1940 foi o da pena indeterminada, manifestada na figura da medida de
segurança pessoal (art. 81). Enrico Ferri leciona que a pena,
[...] como ultima ratio de defesa social repressiva, não se deve proporcionar, e em medida fixa, somente à gravidade objetiva do crime, mas deve adaptar-se também e sobretudo à personalidade, mais ou menos perigosa do delinqüente, com o seqüestro por tempo indeterminado, quer dizer, enquanto o condenado não estiver readaptado à vida livre e honesta, da mesma maneira que o doente entra no hospital não por um lapso prefixo de tempo, o que seria absurdo, mas durante o tempo necessário a readaptar-se à vida ordinária. (grifo do autor)108
Assim dispõe o caput do artigo 81 do Código Penal de 1940:
“Art. 81. Não se revoga a medida de segurança pessoal, enquanto não se verifica,
mediante exame do indivíduo, que este deixou de ser perigoso. [...]”109
Para Zaffaroni e Pierangeli, o Código Penal de 1940,
É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delituosas, que operavam através do sistema do “duplo binário”, ou da “dupla via”. Através deste sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnicismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pela simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada.110
107 SOUZA, Moacyr Benedicto de. A influência da escola positiva no direito penal brasileiro.
São Paulo: Editora Universitária de Direito, 1982, p. 83. 108 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. Tradução: Luiz de Lemos D’Oliveira. Campinas: Russell, 2003, p. 55. 109 Código Penal de 1940 apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 453. 110 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 222-223.
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O Ministro da Justiça Francisco Campos, tecendo
comentários, na Exposição de Motivos do então novo código, sobre o sistema do
“duplo binário”, ou seja, da aplicação concomitante da pena principal e de medida
de segurança a um mesmo réu, assim o defende, apoiando-se no postulado
positivista da “periculosidade”:
Em cotejo com o direito vigente no Brasil, o projeto contém uma inovação capital: é a que faz ingressar na órbita da lei penal as medidas de segurança. A Carlos Stoos, no seu projeto de Código Penal suíço, de 1894, cabe o mérito da iniciativa da aliança prática entre a pena e a medida de segurança. Este criterium de política criminal, pairando acima de radicalismo de escolas, está hoje definitivamente introduzido na legislação penal do mundo civilizado. À parte a resistência dos clássicos, já ninguém mais se declara infenso a essa bilateralidade da reação legal contra o crime. Seria ocioso qualquer arrazoado em sua defesa. Apenas cumpre insistir na afirmação de que as medidas de segurança não têm caráter repressivo, não são pena. Diferem desta, quer do ponto de vista teórico e prático, quer do ponto de vista de suas causas e de seus fins, quer pelas condições em que devem ser aplicadas e pelo modo de sua execução. São medidas de prevenção e assistência social relativamente ao “estado perigoso” daqueles que, sejam ou não penalmente responsáveis, praticam ações previstas na lei como crime. (grifo do autor)111
Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini tecem a seguinte crítica
acerca do referido sistema:
Recorde-se que o sistema penal brasileiro, até 1985 (até a Reforma ocorrida com a Lei 7.209/84), seguia as coordenadas do citado sistema do duplo binário, é dizer, um mesmo autor era punido duas vezes, com pena mais medida de segurança. Fixava-se a pena para castigar o delito cometido e a medida de segurança para corrigir o criminoso (o anormal, o doente). Para além de outras anomalias, o sistema apresentava o absurdo de primeiro castigar para depois recuperar (corrigir). No fundo, a medida de segurança representava tão somente um plus de condenação: era uma hipertrofia sancionatória, que foi patrocinada pelas idéias (claramente discriminatórias) da Escola Positivista do final do século XIX.112
Zaffaroni et al, no entanto, minimizam a influência da Escola
Positiva, no Código de 1940, citando, neste sentido, Pimentel, Hungria e outros:
Além disso, a afirmativa de que o CP 1940 representou uma incorporação dos princípios da criminologia positivista constitui evidente exagero. Precisamente pela influência metodológica do tecnicismo jurídico , a criminologia positivista – a única existente na ocasião – “caíra em desgraça na órbita jurídica, homiziando-se nas Faculdades de
111 CAMPOS, Francisco apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 421. 112 GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice. O direito penal na era da globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 53.
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Medicina, nos laboratórios, nos manicômios, nas penitenciárias”. Refutações cabais da antropologia criminal eram freqüentes. Barreto Campelo se insurge, em 1943, contra a preconceituosa interpretação lombrosiana acerca das tatuagens nos presos; Hungria, o mais influente dos redatores do CP 1940, dizia causticamente que em termos de etiologia do crime “continuamos tão profundamente ignorantes quanto o éramos antes de Lombroso”. Apesar da Exposição de Motivos do CP 1940 assumir uma “política de transação ou de conciliação” entre os “postulados clássicos” e os “princípios da Escola Positiva”, o que levaria Magalhães Noronha a gracejar que o código “acendeu uma vela a Carrara e outra a Ferri”, o fato é que, elaborado numa conjuntura na qual o positivismo criminológico era internacionalmente prestigiado, o texto de 1940, que mesmo operando com medidas de segurança fugiu ao modelo utilitarista, elidiu-se a tal influência. Nas insuspeitas palavras de Costa e Silva, “nascido embora sob o regime totalitário, o código não apresenta peculiariedades que lhe imprimam o cunho de uma lei contrária às nossas tradições liberais; não é um código de partido”. Não discrepa Fragoso: “embora elaborado durante um regime ditatorial, o CP 1940 incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo democrático e liberal”.113
O Código Rocco, inspirador do Código de 1940, continua
vigente na Itália e foi elaborado em 1930, sob o signo do totalitarismo fascista; é
dele o sistema do “duplo binário”, sistema esse que, segundo Zaffaroni e
Pierangeli, tem fracassado naquele país, no que tange à reeducação do apenado:
Num informe do Ministério da Justiça italiano, de 1974, o sistema e seu resultado são assim sintetizados: As pessoas não perigosas e responsáveis serão castigadas com uma única pena; as pessoas responsáveis e perigosas serão submetidas a uma pena que, uma vez cumprida, será seguida de uma medida de segurança; as pessoas não responsáveis e não perigosas não serão submetidas a qualquer pena; e, finalmente, se forem não responsáveis e perigosas serão submetidas unicamente a medidas de segurança. Entre as duas categorias de pessoas, responsáveis e não responsáveis, inventou-se, por fim, o equívoco tertium genus de pessoas parcialmente responsáveis, que sofrerão uma pena reduzida e, uma vez purgada esta, serão submetidas a medida de segurança. Como se pode comprovar, trata-se assim de uma verdadeira obra-prima da arte da combinação.114
A aplicação da medida de segurança, logo, justificar-se-ia
em razão da periculosidade do agente e da preemente defesa da sociedade
contra o “homem delinquente”. Como bem dispõe Francisco Bissoli Filho,
Os teóricos da periculosidade sustentam que há evidente relação de causalidade entre periculosidade e sanção; a periculosidade é a causa, a sanção é o efeito. O delito tem mero valor sintomático. Se o fim do direito criminal é a defesa da sociedade e se a periculosidade é o pressuposto
113 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 463-464. 114 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 213.
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da sanção, portanto, em defesa da sociedade haveria de ser sancionada pelo Direito a periculosidade sem delito, para salvaguardar a sociedade do crime possível. A sanção, no caso, seria a medida de segurança.115
Os antecedentes criminais, como indicativos da
periculosidade do agente, segundo Bissoli Filho, “são um instituto genuinamente
positivista, decorrentes das teorias do criminoso”, tendo sido acolhidos pela
primeira vez no Código Penal de 1940.116
Segundo ele, “o Código Criminal do Império (1831) e o
Código Penal da República (1890) não tiveram nenhuma disposição acerca dos
antecedentes”.117
Assim discorre Bissoli Filho acerca da inserção dos
antecedentes no Código Penal de 1940:
Mas é no Código Penal de 1940 (Decreto-lei nº 2.848. de 07 de dezembro de 1940), conforme já mencionado, que os princípios da Escola Positiva demonstraram o seu vigor, fazendo com que os antecedentes passassem a ser um fator relevante na aplicação da pena, isto porque, segundo essa escola, o “homem criminoso” é o objeto da investigação.
Assim, conforme dispunha o artigo 42 do citado diploma legislativo,
Compete ao Juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau de culpa, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime: I – determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável. (grifamos)
Naquele mesmo corpo de normas, os antecedentes passaram a figurar expressamente também como fator relevante, passível de impedir a concessão do benefício da suspensão condicional da pena.
[...]
O comportamento prisional e a cessação da periculosidade do condenado passam a ser componentes de avaliação para fins de concessão do benefício do livramento condicional.
[...]
Ainda considerou os antecedentes do autor do crime como fator relevante na avaliação da periculosidade criminal, dispondo, no seu artigo 77, que, “quando a periculosidade não é presumida por lei, deve
115 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 137. 116 Ibid., p. 156. 117 Ibid., p. 60.
50
ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e seus ‘antecedentes’, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinqüir” (grifamos).118
Após quase uma década de debates, iniciados em 1963, foi
elaborado um novo código penal em 1969, o qual teve sua parte geral e
Exposição de Motivos redigida por Heleno Fragoso e sua parte especial por
Benjamin de Moraes Filho; o Código Penal de 1940, porém, continuou vegindo
até a reforma de 1984, tendo sido o Código Penal de 1969, editado pela Junta
Militar que governava o país à época, posto em vacância até 1977, sem nunca ter
entrado em vigor, quando foi revogado pela Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977 e
definitivamente pela Lei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978.119
Segundo Pierangeli, comentando sobre o ordenamento
penal de 1969,
Entre as críticas que recebeu, podemos mencionar a adoção da pena indeterminada, considerada uma inovação extremamente infeliz e a redução da idade de imputabilidade para 16 anos, fazendo-a depender de exame criminológico para a verificação da sua capacidade de entendimento e de autodeterminação, um dos pontos mais atacados durante o referido Congresso de Criminologia. Também não se viu com bons olhos a possibilidade da aplicação da pena do crime consumado para a tentativa em que o resultado assumisse gravidade excepcional, tese que fora, anos antes, defendida entre nós por Costa e Silva. Também a adoção do vetusto critério do erro de fato e erro de direito, quando já nessa época sua concepção era atacada por toda a doutrina moderna, que já estabelecia o erro de tipo e o erro de proibição, também recebeu contundentes críticas.120
Logo, formou-se nova comissão, responsável pela revisão e
redação do texto da nova parte geral do Código Penal, e que era formada por
Francisco de Assis Toledo, Dínio de Santis Garcia, Jair Leonardo Lopes e Miguel
Reale Júnior. Ressalte-se que também o Código de Processo Penal e a Lei de
Execução Penal foram reformados na mesma época, tendo a nova parte geral do
código sido convertida na Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984 (a Lei de
Execuções Penais foi promulgada através da Lei nº 7.210, também de 11 de julho
118 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 61-62. 119 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. 120 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 83.
51
de 1984 e a reforma do Código de Processo Penal foi publicada no Diário Oficial
da União de 13 de julho de 1984).121
No dizer de Zaffaroni et al, comentando algumas mudanças
significativas no novo Código, entre elas a extinção do sistema do duplo binário e
a instituição do sistema vicariante,
A reforma de 1984 constitui a prova definitiva da vitalidade do CP 1940, expungido de vícios que a conjuntura penalística daquela ocasião lhe impusera (como a má influência italiana quanto às medidas de segurança) e aperfeiçoado por aportes teóricos então indisponíveis (como a nova disciplina do erro). Afastou-se a restrição anterior quanto à retroatividade da lei mais benigna (comparar a redação do parágrafo único do artigo 2º), que colidia com a fórmula constitucional do princípio da legalidade então vigente (art. 153, parágrafo 16) e colidiria com a fórmula futura (art. 5º, incs. XXXIX e XL CR). Procurou-se disciplinar a omissão imprópria, caracterizando-se o garantidor (art. 13, parágrafo 2º). Atribuiu-se função minorante à reparação do dano, em crimes sem violência ou grande ameaça (art. 16). O princípio da culpabilidade foi ressalvado na hipótese, sempre ameaçadora para ele, dos crimes preterintencionais (art. 19). Notável modificação, ajustada à teoria limitada da culpabilidade, sofreu a disciplina do erro, cabendo perceber aí especial influência da paixão de Francisco de Assis Toledo pelo tema. Embora preservada a infecunda concepção extensiva de 1940, temperada agora por uma referência à culpabilidade (art. 29), as regras sobre autoria e participação foram enriquecidas. Para não se afastar da teoria puramente objetiva, no crime continuado, criou-se regra própria para ofensas similares a bens personalíssimos (art. 71, par. ún.). Baniram-se as medidas de segurança para sujeitos imputáveis, e substituiu-se pelo vicariante o irracional regime do duplo binário para semi-imputáveis.122
Alberto Toron atenta para o compromisso da Parte Geral do
Código de 1984 com o princípio da culpabilidade, estampado em seu artigo 19:
“Art. 19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente
que o houver causado ao menos culposamente”123. Segundo ele, citando
Mirabete, este importante princípio inspirou a diferenciação entre a figura do mero
partícipe da do co-autor, distinção inexistente no antigo ordenamento:
Corolário indefectível do compromisso do novo direito penal com a culpabilidade – digno de destaque ao lado da supressão do duplo binário – foi a modificação no tratamento da matéria relativa ao concurso de agentes. Diferenciou-se o mero partícipe do co-autor. Como destaca Mirabete, “a referência à culpabilidade é uma proclamação de princípio
121 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. 122 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 482-483. 123 BRASIL, Código Penal (Lei 7.209, de 11 de julho de 1984) apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 654.
52
que ilumina todo o quadro do concurso e introduz uma autêntica cláusula salvatória contra os excessos a que poderia levar uma interpretação literal e radicalizante do disposto no artigo 25 do Código Penal”.124
Nota-se a influência da Escola Eclética, a conciliar os
postulados das Escolas Clássica e Positiva, principalmente a vertente alemã, cujo
representante, Franz von Liszt é entusiasticamente citado nessa passagem, de
autoria do então presidente da comissão que elaborou a reforma da parte geral do
novo código, Francisco de Assis Toledo:
Na culpabilidade pelo fato... é o fato que dará os concretos e definitvos limites para a atuação do Estado na esfera penal. Franz von Liszt percebeu bem isso quando afirmava que, em sua opinião, por paradoxal que pudesse parecer, ‘o Código Penal é a Magna Carta do delinqüente’, protegendo não a coletividade, mas o indivíduo que contra ela se rebela, ao garantir-lhe o direito de ser castigado só quando ocorrerem os pressupostos legais e dentro dos limites legais. Ora, esses pressupostos e limites muito pouco valeriam se estivessem referidos a conceitos variáveis, pouco seguros, e não a características objetivas que só podem ser oferecidas pelo fato. Daí a já mencionada tipologia de fatos, não de autores. E aqui tocamos, com a lembrança da conhecida passagem de von Liszt, o fundo da questão. O direito penal moderno está moldado segundo princípios liberais, elaborados, lenta e penosamente, através dos séculos. E, até hoje, não se conseguiu encontrar algo melhor para substituí-los. Tentativas e experiências nesse sentido têm sido desastrosas. Dentro desse quadro, o nullum crimen nulla poena sine lege, o direito penal do fato e a culpabilidade do fato alinham-se imponentemente, numa perfeita seqüência e implicação lógicas, como colunas de sustentação de um sistema indissoluvelmente ligado ao direito penal de índole democrática. Por isso merecem ser preservados. Assim, apesar do crescimento dos índices de criminalidade e – o que é pior – do recrudescimento do crime atroz, violento, ao lado do aparecimento de novas formas delinqüenciais que se valem dos próprios instrumentos da técnica e do progresso, parece-nos que a procura de instrumental mais adequado de combate ao crime deve ser feita com muito engenho e arte, para não se pôr em risco o que já constitui valiosa conquista da humanidade.125
Pierangeli comenta que a reforma do código então vigente,
efetuada em 1984, recebeu também suas críticas. Segundo ele, “vozes se ouviam
em defesa pela legislação ‘tapa-buracos’ de 1977, a Lei 6.416; outros, radicais ao
extremo, talvez só se satisfizessem com o retorno das Ordenações do Reino e
suas penas atrozes”.126
124 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 57. 125 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 72-73. 126 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 88.
53
Para Pierangeli, “uma vez mais, no Brasil, se esqueceu a
lição de Radbruch de que ‘reformar o Direito Penal não significa fazer um direito
penal melhor’”127. Em seu entender, uma visão distorcida desse novo código
penal de 1984, levou à edição da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990128, a
chamada Lei dos Crimes Hediondos; a retomada do legislador das tendências
liberais que nortearam a Reforma de 1984 se dará com a Lei dos Juizados
Especiais Criminais – esses três momentos serão objeto de nosso terceiro
capítulo.
127 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 90. 128 Ibid., passim.
54
CAPÍTULO 3
AS IDEIAS QUE INFLUENCIARAM A REFORMA PENAL DE 1984, A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E A LEI DOS JUIZADOS
ESPECIAIS
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Levando em consideração os conteúdos dos capítulos
ateriores, abordar-se-á, no presente capítulo, as idéias que influenciaram a
Reforma Penal de 1984, o surgimento da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072,
de 25 de junho de 1990), a partir da promulgação da Constituição da República
de 1988 e mais especificamente do seu artigo 5º, inciso XLIII, que
constitucionalizou os crimes hediondos, e, finalmente, as ideias penais que
influenciaram o surgimento da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995).
3.2 A REFORMA PENAL DE 1984
3.2.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA REFORMA PENAL DE 1984
Temos como principais mudanças impostas pela Reforma
Penal da Parte Geral de 1984, segundo Zaffaroni e Pierangeli, a retomada “de um
direito de culpabilidade ao erradicar as medidas de segurança do Código Rocco e
ao diminuir, consideravelmente, os efeitos da reincidência”129. Instituiu-se a
retroatividade da lei mais benigna, disciplinou-se a omissão imprópria, o
arrependimento posterior, a ressalva da culpabilidade no caso de crimes
preterdolosos (art. 19), o erro de tipo, os substitutivos penais (penas restritivas de
direitos e multa), adotou-se o sistema trifásico concebido anteriormente por
Nélson Hungria, o regime progressivo de pena, a prescrição retroativa, a
eliminação da possibilidade de perpetuação da pena (art. 75), enfim, uma reforma
129 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 225.
55
“que apresenta uma nova linha de política criminal, muito mais de conformidade
com os Direitos Humanos”130.
3.2.2 AS IDÉIAS QUE INFLUENCIARAM A REFORMA PENAL DE 1984
O momento histórico que culminou na reforma da parte geral
do Código Penal de 1940 foi o de abrandamento, de extirpar os resquícios de
autoritarismo que ainda faziam parte daquele ordenamento penal.
Como bem explica Alberto Zacharias Toron,
No contexto político mais amplo, o país começava a experimentar a “abertura”. Era o início da transição para a democracia com a revogação dos Atos Institucionais, modificação da Lei de Segurança Nacional e ampliação das liberdades públicas (reunião, manifestação de idéias, associação sindical etc.)
Estava, pois, semeado o campo para uma reforma penal mais ampla e profunda, que estivesse comprometida com as conquistas da ciência penal, da criminologia e, sobretudo, com o Estado de Direito democrático.131
No dizer de Toron, a Comissão formada concebia o Direito
Penal como ultima ratio, intervindo somente em casos de efetiva necessidade e,
“ainda assim, de forma a combinar a menor intensidade com o máximo de
eficácia”132, dando-se ênfase ao sistema progressivo das penas e aos
substitutivos penais para penas de curta duração, reservando-se as penas de
supressão de liberdade para os casos mais graves.
Logo, a Reforma Penal de 1984 esteve, desde seu início,
compromissada com certos princípios, entre eles, o do Estado de Direito
democrático. Segundo Toron, a expressão “Estado de Direito democrático” pode
parecer um pleonasmo, mas não é. Para ele, citando o cientista político Nicos
Poulantzas,
130 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 225. 131 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 34. 132 Ibid., p. 35.
56
Toda forma estatal, mesmo a mais sanguinária, edificou-se sempre como organização jurídica, representou-se no direito e funcionou sob forma jurídica: sabe-se muito bem que foi assim com Stálin e sua constituição de 1937, reputada como a ‘mais democrática do mundo’. Portanto – conclui o autor – nada mais falso que uma presumível oposição entre o arbítrio, os abusos, a vontade do príncipe e o reino da lei.
[...]
Assim é, por exemplo, que a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, imposta por uma Junta Militar com base em atos institucionais, operou efeitos jurídicos e ideológicos perante a população. Muito embora não passasse de um ato de violência.133
A garantia que oferece o Estado de Direito democrático,
pois, seria a da proteção e respeito ao princípio da dignidade humana, contra
qualquer lei injusta e arbitrária, com a finalidade da pena não se restringindo à
mera retribuição, com o banimento das penas cruéis, de morte, perpétuas e de
trabalhos forçados.
Para Toron,
Relacionar o direito penal com o Estado e seu regime sócio-político coloca, além da questão de como punir, o que punir. Vale dizer, num Estado que se pretenda democrático, no qual o dissenso quanto às regras de comportamento – desde que não nocivas a terceiros ou à coletividade como um todo – aparece como nota característica, torna-se inaceitável a utilização indiscriminada do sistema punitivo para o exercício do controle social. Este instrumental deve ficar reservado como uma espécie de último argumento e, ainda assim, sempre restrito aos aspectos que tocam a coletividade ou a terceiros individualmente considerados.(grifo do autor)134
Outro princípio daquele decorrente, e que teria orientado a
Comissão da Reforma de 1984, é o da intervenção mínima, consubstanciado no
sistema progressivo de cumprimento das penas privativas de liberdade e nos
substitutivos penais (multa e restrição de direitos), presentes na Parte Geral que
foi objeto da referida reforma.
No dizer de Toron, o princípio da intervenção mínima
verifica-se na presença do binômio “subsidiariedade/fragmentariedade” dentro do
Direito Penal. A subsidiariedade manifesta-se na característica do sistema penal
como último recurso (ultima ratio) utilizado para coagir; a fragmentariedade
133 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 37. 134 Ibid., p. 39.
57
designa a seletividade do sistema penal com relação aos bens jurídicos a serem
tutelados.135
Ou nas suas próprias palavras:
Como vimos, o princípio da intervenção mínima pode significar tanto a abstenção do Direito Penal de intervir em certas situações (seja em função do bem jurídico atingido, seja pela maneira com que veio a ser atacado) – o que lhe dá o traço fragmentário – como também a sua utilização em termos de último argumento. Neste caso, o sistema punitivo é chamado a interceder de forma subsidiária. Somente quando não haja outros instrumentos de controle social (que vão do direito administrativo à família) eficazes.136
A intervenção mínima do Direito Penal pressupõe a
aplicação da pena tendo em conta principalmente seu caráter utilitário, ou seja, a
menor sanção e o máximo de eficácia; este deve ser seu objetivo principal,
sempre que possível.
O bom andamento da “máquina penal” implicaria,
necessariamente, uma “deflação” da legislação penal, descriminalizando-se várias
condutas e despenalizando-se certos crimes de menor potencial ofensivo, com o
intuito de reduzir o efeito adverso do sistema: a cifra negra. Sobre a “cifra negra”
do sistema penal, dispoem Louk Hulsman e Jacqueline Bernat de Celis:
Na realidade, muitas das situações que se enquadram nas definições da lei penal não entram na máquina. Há várias décadas, a atenção dos criminólogos se viu atraída para um fenômeno que, num enfoque ainda não especificamente crítico do sistema, foi chamado de “cifra negra da delinqüência”. Pareceu-lhes anormal que acontecimentos criminalizáveis não fossem efetivamente perseguidos.
[...]
Isto quer dizer que o sistema penal, longe de funcionar na totalidade dos casos em que teria competência para agir, funciona em um ritmo extremamente reduzido.137
Toron apresenta como exemplo típico dos efeitos adversos
do fenômeno da “cifra negra” o da “Lei Seca” norte-americana (‘Volstead Act’, de
135 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. 136 Ibid., p. 43. 137 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. Tradução: Maria Lúcia Karan. Niterói: Luam, 1993, p. 64-65.
58
1919) “que alimentou a máfia e gerou uma pavorosa corrupção na polícia e
administração da justiça daquele país”138.
Ressalta, porém, Toron, de que “uma excessiva
descriminalização ou mesmo despenalização podem levar à justiça com as
próprias mãos”, indicando que o legislador da Reforma de 1984 “trilhou
firmemente os caminhos da racionalização do sistema penal”139.
Outro importante princípio norteador da Reforma Penal de
1984 foi o do respeito à dignidade humana, “a compatibilização dos Direitos
Humanos com o sistema penal”140. No dizer de Toron, “prestigiou-se a idéia de
que os direitos fundamentais da pessoa hão de constituir uma espécie de vetor na
edificação e aplicação das sanções”141.
O princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa), a
fundamentar e limitar o alcance da pena, evitando a responsabilidade objetiva,
também se fez presente na Reforma da Parte Geral, em seu artigo 19: “Art. 19.
Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o
houver causado ao menos culposamente”.142
Também os substitutivos penais, como “resposta penal
alternativa às penas detentivas de curta duração”143, foram contemplados pela
Reforma da Parte Geral, sendo aqueles, para Toron, “um sistema mais inteligente
e pragmático quanto aos fins propostos: controle mais eficaz mediante respostas
mais adequadas, aliadas a um custo menor quando comparadas ao
encarceramento” (grifo do autor)144.
Por fim, o sistema progressivo de cumprimento da pena,
como decorrente do princípio da individualização, foi também disciplinado na nova
138 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 46-47. 139 Ibid., p. 47. 140 Ibid., p. 48. 141 Ibid., loc. cit. 142 BRASIL, Código Penal (Lei 7.209, de 11 de julho de 1984) apud PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 654. 143 TORON, op. cit., p. 59. 144 Ibid., p. 60.
59
Parte Geral, em seu artigo 33, atendendo-se ao mérito do condenado (que será
atestado pelo juiz, nos moldes do artigo 59, levando-se em conta a culpabilidade,
antecedentes etc.).
Não obstante os compromissos assumidos na Reforma
Penal de 1984, sintetiza Toron o momento de ruptura com os ideais humanistas,
que levaram à inclusão da nova categoria dos crimes hediondos ao texto
constitucional promulgado em 1988:
Não é demasiado pensar-se que no caso brasileiro, sob o influxo de um movimento democrático e humanista, quando se desenvolviam as lutas pela Anistia, Assembléia Constituinte, pelo fim da tortura e da Lei de Segurança Nacional, além de outros diplomas da ditadura, o ideário da Reforma Penal estivesse comprometido também com a humanização do sistema punitivo. Porém, depois das conquistas democráticas, ainda que parciais (lembremo-nos que Tancredo Neves não foi eleito pelo voto direto como clamava o movimento pelas “Diretas Já” e, tampouco, a Assembléia Constituinte foi constituída com deputados e senadores eleitos para o fim específico), rompeu-se o vínculo entre a política (com os ideais de humanismo) e o sistema penal.145
3.3 A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
3.3.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
A Lei 8.072/90, à época de sua promulgação, e atendendo
ao seu caráter singularmente repressivo, agravou os mínimos penais dos crimes
por ela definidos como “hediondos” (estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio
etc.), estabeleceu o cumprimento da pena privativa de liberdade em
estabelecimentos penais de segurança máxima (art. 3º), proibindo a progressão
nos regimes (art. 2º, § 1º). Proibiu a fiança e a liberdade provisória (art. 2º, II), e
ampliou o prazo da prisão temporária (art. 2º, § 3º), proibiu a concessão de
indulto, fez ressurgir a reincidência específica e criou hipóteses de delação
premiada.
145 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 73.
60
3.3.2 AS IDÉIAS QUE INFLUENCIARAM A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
Alberto Silva Franco assim indaga, acerca da inserção no
texto constitucional da figura do crime hediondo: “O que teria conduzido o
legislador constituinte a formular o n. XLIII do art. 5º da CF? O que estaria por
detrás do posicionamento adotado?”146 O próprio autor responde:
Nos últimos anos, a criminalidade violenta aumentou do ponto de vista estatístico: o dano econômico cresceu sobremaneira, atingindo segmentos sociais que até então estavam livres de ataques criminosos; atos de terrorismo político e mesmo de terrorismo gratuito abalaram diversos países do mundo; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins assumiu um gigantismo incomum; a tortura passou a ser encarada como uma postura correta dos órgãos formais de controle social.
A partir desse quadro, os meios de comunicação de massa começaram a atuar, movidos por interesses políticos subalternos, de forma a exagerar a situação real, formando a idéia de que seria mister, para removê-la, uma luta sem quartel contra determinada forma de criminalidade ou determinados tipos de delinqüentes, mesmo que tal luta viesse a significar a perda de tradicionais garantias do próprio Direito Penal ou do Direito Processual Penal.
Surgiram, então, por influxo da mídia manipulada politicamente, manifestações em favor da law and order. Era preciso, com urgência, restabelecer a lei e a ordem, exigências inafastáveis de todas “as pessoas decentes”, incapazes de “comportamentos desviados”. [...] Toda a sociedade deveria ser mobilizada para destruí-los: crime e criminoso.147
Sobre o Movimento de Lei e Ordem, afirma Salo de
Carvalho, citando Silva Franco:
Estes movimentos, tradicionalmente identificados com a “direita punitiva” e conhecidos academicamente como Movimentos de Lei e Ordem (MLO) – ideologia conexa com ação (ideologia em sentido positivo) – “compreendem o crime como o lado patológico do convívio social, a criminalidade uma doença infecciosa e o criminoso como um ser daninho”. A referida ideologia exploraria “o medo, criando um clima de pânico, de alarme social”, de tal forma que o Direito Penal, em sua acepção panpenalista, seria visto como o único instrumento idôneo para solucionar o problema da violência e da criminalidade.148
Logo, o legislador constituinte, segundo Silva Franco,
alimentado pelo discurso do movimento “lei e ordem” e pelo impacto dos meios de 146 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 32. 147 Ibid., p. 34-35. 148 CARVALHO, Salo de. Considerações sobre o discurso das reformas processuais penais. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 36.
61
comunicação de massa, esquece-se “de que a violência é cíclica e de que,
enquanto o mundo for mundo sempre haverá, a sacudi-lo, ondas maiores ou
menores, de violência”.149
Assim, em nome do movimento da “Lei e da Ordem”, além de criar uma categoria nova de delitos (os crimes hediondos), equiparou-a a outras espécies criminosas (tortura, tráfico ílícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo), eliminou garantia processual de alta valia (fiança), vedou causas extintivas de punibilidade expressivas (anistia e graça) e, afinal, atribuiu ao legislador ordinário a incumbência de formular tipos e cominar penas, numa luta contra o crime, sem descanso, mas fadada ao insucesso, por seu irracionalismo, passionalidade e unilateralidade.150
Howard Becker, expoente da Nova Escola de Chicago, em
sua seminal obra Outsiders, analisa a ação destes movimentos e de seus
membros, os chamados “empreendedores morais”: estes seriam pessoas
responsáveis pela mobilização da sociedade como um todo e que, não raro,
possuem como objetivo único em suas vidas a formação das chamadas cruzadas
morais, as quais, na maioria das vezes, resultam em leis penais mais restritivas.
Tais reformadores podem atuar tanto na origem das leis, como na sua aplicação e
imposição, sendo responsáveis, em ambos os casos, pela formação de uma nova
classe de outsiders.151
Onde quer que regras sejam criadas e aplicadas, deveríamos estar atentos quanto à possível presença de um indivíduo ou grupo empreendedor. Suas atividades podem ser propriamente chamadas de empreendimento moral, pois o que empreendem é a criação de um novo fragmento da constituição moral da sociedade, seu código de certo e errado.
Onde quer que regras sejam criadas e aplicadas, deveríamos esperar encontrar pessoas que tentam arregimentar o apoio de grupos assemelhados e usam os meios de comunicação disponíveis para desenvolver um clima de opinião favorável. Onde eles não desenvolvem esse apoio, podemos esperar o fracasso do empreendimento.
E, onde quer que regras sejam criadas e aplicadas, esperamos que os processos de imposição tomem forma de acordo com a complexidade da organização, repousando sobre a base de acordos compartilhados em grupos mais simples e resultando de manobras e barganhas políticas nas estruturas complexas. (grifo do autor)152
149 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 39. 150 Ibid, p. 39-40. 151 BECKER, Howard. Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 152 Ibid., p. 151.
62
As “cruzadas morais” referidas por Becker, capitaneadas,
nesse caso, pelo Movimento de Lei e Ordem, tem um forte aliado nos meios de
comunicação de massa. Zaffaroni explica seu mecanismo de ação:
Mais concretamente, são os meios de massa que desencadeiam as campanhas de “lei e ordem” quando o poder das agências encontra-se ameaçado. Estas campanhas realizam-se através da “invenção da realidade” (distorção pelo aumento de espaço publicitário dedicado a fatos de sangue, invenção direta de fatos que não aconteceram), “profecias que se auto-realizam” (instigação pública para a prática de delitos mediante metamensagens de “slogans” tais como “a impunidade é absoluta”, “os menores podem fazer qualquer coisa”, “os presos entram por uma porta e saem pela outra”, etc.; publicidade de novos métodos para a prática de delitos, de facilidades, etc.), “produção de indignação moral” (instigação à violência coletiva, à autodefesa, glorificação de “justiceiros”, etc.). (grifo do autor)153
A Lei dos Crimes Hediondos, cumprindo sua função
simbólica, na qual “mais importante que a eficácia é a aparência de o ser”154, seria
exemplo emblemático da chamada “emergência penal”, a qual, nas palavras de
Fauzi Choukr, “vai significar aquilo que foge dos padrões tradicionais de
tratamento pelo sistema repressivo, constituindo um subsistema de derrogação
dos cânones culturais empregados na normalidade”.155
Logo, como sustenta Toron,
Embora com segurança se possa divisar na Carta Política de 88 os vetores de uma política criminal representativa de um endurecimento penal, foi só com a promulgação da Lei n. 8.072, de 25 de junho de 1990, chamada de “Lei dos Crimes Hediondos”, que o cenário jurídico-penal ganhou um novo colorido.
Portanto, a rigor, é este diploma que, de fato e não apenas no campo da retórica constitucional, representa uma “virada” em relação aos compromissos da Reforma Penal, a qual, por ter incidido sobre a Parte Geral, é a expressão da parte filosófica do sistema punitivo.156
Alberto Silva Franco ressalta uma das “inovações” trazidas
pela referida lei, qual seja, a da proibição do regime progressivo de cumprimento
153 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 2. ed. Tradução: Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 129. 154 Ibid, p. 127. 155 CHOUKR, Fauzi apud AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Tendências do controle penal na época contemporânea. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100006&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 20 fev. 2010. 156 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 71.
63
da pena privativa de liberdade, disposto no parágrafo primeiro do artigo 2º
daquele diploma legal. Para ele, há clara inconstitucionalidade em tal dispositivo,
pois lesaria os princípios constitucionais da individualização e da humanidade da
pena.157
Discorrendo sobre a individualização da pena, como “direito
fundamental do cidadão posicionado frente ao poder repressivo do Estado”158,
leciona o autor que a mesma percorre três níveis: constitucional, legal e judicial. A
Lei 8.072/90, logo, em seu artigo 2º, parágrafo 1º suprime a fase judicial, ao
determinar o cumprimento da pena integralmente em regime fechado.
Destarte, lei ordinária que estabeleça pena fixamente determinada na sua quantidade, ou que impeça a discricionariedade vinculada do juiz na sua aplicação ou que não permita a atividade judicial concretizadora na sua execução, é lei inaceitável, do ponto de vista constitucional. Entendimento diverso consagraria, numa lei infraconstitucional, posição diametralmente oposta ao direito fundamental reconhecido pelo legislador constituinte.159
Silva Franco ainda atenta para o conflito do referido
dispositivo legal com o princípio constitucional da humanidade da pena, disposto
no art. 5º, III, XLVII e LXIX da CF/88 e consagrado tanto na Parte Geral do Código
Penal como na Lei de Execuções Penais, frutos da Reforma Penal de 1984:
A execução integral da pena, em regime fechado, de acordo com o § 1º do art. 2º da lei 8.072/90, contraria, de imediato, ao modelo tendente à ressocialização do delinqüente e empresta à pena um caráter exclusivamente expiatório ou retributivo, a que não se afeiçoam nem o princípio constitucional da humanidade da pena, nem as finalidades a ela atribuídas pelo Código Penal (art. 59) e pela Lei de Execução Penal (art. 1º). A oposição a um regime prisional de liberação progressiva do condenado e de sua preparação para uma vida futura em liberdade significa a renúncia ao único instrumento capaz de tornar racional e, desse modo, tolerável – pelo menos enquanto não for formulada uma outra resposta penal idônea a substituí-la – a pena privativa de liberdade e de justificar, até certo ponto, o próprio sistema penitenciário.160
Para Toron, é a Lei 8.072/90 produto de uma concepção da
pena como tendo função preventiva geral positiva, onde o direito penal é a prima
ratio, panacéia para todos os males sociais. Assim, “a pena, e com ela o direito
157 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. 158 Ibid., p. 140. 159 Ibid., p. 141. 160 Ibid., p. 145.
64
penal, passa a ter um caráter simbólico e não instrumental, isto é, de proteção
aos bens jurídicos”.161
Damásio de Jesus assim comenta, acerca do Movimento de
Lei e Ordem e de seus postulados draconianos, os quais, segundo ele, de
maneira exitosa, se imiscuíram aos dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos,
forjando seu caráter extremamente repressivo, rompendo de vez com os
compromissos assumidos na Reforma Penal de 1984:
A pena, segundo os princípios de lei e ordem, deve ser severa e duradoura. Foi o que ocorreu com a Lei dos Crimes Hediondos, que agravou as penas dos crimes de estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio, etc. (art. 6º da Lei nº 8.082, de 25 de julho de 1990).
A execução da pena criminal, para a lei e ordem, deve ser de extrema severidade. A Lei dos Crimes Hediondos, atendendo a esse discurso, determinou o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos crimes que considerou, em estabelecimentos penais de segurança máxima (art. 3º), proibindo a progressão nos regimes (art. 2º, § 1º).
A prisão provisória, segundo os ditames de lei e ordem, deve ser ampliada. Nesse campo, a Lei dos Crimes Hediondos proibiu a fiança e a liberdade provisória (art. 2º, II), tendo ampliado o prazo da prisão temporária (art. 2º, § 3º).162
Assim sintetizou Zaffaroni e Pierangeli, acerca desse
período histórico específico compreendido entre o fim do regime ditatorial militar,
a abertura democrática e a Reforma Penal de 1984 e o recrudescimento da
política criminal, que tem como marco inicial a promulgação da Lei dos Crimes
Hediondos: “É a passagem da ideologia da segurança nacional para a ideologia
da segurança urbana. Lamentavelmente.”163
Em suma, conclui Toron, citando Luiz Flávio Gomes:
O que se pode concluir, aliás, seguindo as pegadas de Luiz Flávio Gomes, é que por uma série de razões, geralmente vinculadas à política econômica, “sempre foi e continuará sendo muito mais fácil adotar, frente
161 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 151. 162 JESUS, Damásio Evangelista de. Sistema penal brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/10487/10052>. Acesso em: 20 fev. 2010. 163 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 226.
65
à criminalidade, o modelo repressivo ou ‘preventivo penal’”. A forma mais econômica e, muitas vezes, mais demagógica (simbólica) de dar uma resposta estatal popular ao problema da delinqüência consiste na promulgação de uma “lei penal dura”. Contudo, a incapacidade de a Lei dos Crimes Hediondos conter a criminalidade atesta seu fracasso.164
O recrudescimento e a estigmatização trazidos pela Lei dos
Crimes Hediondos são explícitos; o autor de um crime hediondo é visto, na
prática, pelo sistema penal e pela sociedade como irrecuperável, um outsider, ou
desviante, como se referiu Becker, enfim, “um criminoso nato” lombrosiano. A
ideologia dominante da defesa social, comum tanto à Escola Clássica como à
Positiva, manifestada no Movimento de Lei e Ordem, inspira a referida lei. Eis
seus postulados, na lição de Alessandro Baratta:
a) Princípio da legitimidade. O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas sociais.
b) Princípio do bem e do mal. O delito é um dano para a sociedade. O delinqüente é um elemento negativo e disfuncional do sistema social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída o bem.
c) Princípio da culpabilidade. O delito é expressão e uma atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador.
d) Princípio da finalidade ou da prevenção. A pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função de criar uma justa e adequada contramotivação ao comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o delinqüente.
e) Princípio da igualdade. A criminalidade é violação da lei penal e, como tal, é o comportamento de uma minoria desviante. A lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual aos autores de delitos.
f) Princípio do interesse social e do delito natural. O núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais, de condições essenciais à existência
164 TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 138.
66
de toda sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos.165
Pode-se, de certa forma, estabelecer uma analogia entre a
reação da Escola Positiva, no século XIX, aos postulados liberais da chamada
Escola Clássica, os quais foram acusados por aqueles de oferecer garantias
demais e, por consequência, por ter aumentado a criminalidade e a reação do
Movimento Lei e Ordem aos postulados democráticos da Reforma Penal de 1984,
que culminou na promulgação da Lei dos Crimes Hediondos.
No dizer de Bissoli Filho,
[...] a par da promessa de segurança jurídica (limitação e racionalização do poder punitivo estatal) formulada pela Escola Clássica, a Escola Positiva prometeu desenvolver o seu programa em torno da “diminuição da criminalidade e não somente das penas”.166
Por fim, sintetiza Silva Franco que a promulgação da Lei dos
Crimes Hediondos constituiu, à época, numa parcial derrota das correntes liberais
clássicas frente a seus antagonistas:
Os sinais antiliberais, detectados na Lei 8.072/90, não constituem novidade: são reiterações de velhos agravos tendentes a destruir o arcabouço de um direito penal construído tão sofridamente nos últimos séculos e a suprimir garantias processuais já incorporadas na vida do cidadão.167
Se houve, porém, com a promulgação da Lei dos Crimes
Hediondos, um retrocesso, no que diz respeito à política criminal retrógrada
adotada por nossos legisladores, traindo as promessas feitas com a abertura
democrática e a Reforma Penal de 1984, é de se ressaltar a tendência oposta,
consubstanciada pela promulgação da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais.
165 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Tradução: Juarez Cirino dos Santos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 42. 166 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 40. 167 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 53.
67
3.4 A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
3.4.1 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Os Juizados Especiais, cíveis e criminais, instaurados com a
promulgação da Lei nº 9.099/95, tiveram lastro prévio na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 98, inciso I:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [...]168
Entre as inovações trazidas pela Lei 9.099/95, no que diz
respeito aos Juizados Especiais Criminais, destacam-se a busca pela conciliação
ou a transação, observados os princípios da simplicidade, oralidade, economia
processual, celeridade; a extinção da punibilidade com a composição civil
(reparação de danos), em casos de ação penal privada e pública condicionada à
representação; a renúncia do direito de queixa ou representação em caso de
acordo homologado pelo juiz, despenalização das infrações de menor potencial
ofensivo e o sursis processual ou suspensão condicional do processo para as
infrações de média gravidade.
3.4.2 AS IDÉIAS QUE INFLUENCIARAM A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS
Segundo Maria Tereza Sadek, os debates iniciais sobre a
instauração dos juizados especiais em nosso país tiveram marcante influência da
experiência do sistema americano da common law, e culminaram com a
instauração do Juizado Especial de Pequenas Causas, através da Lei nº
168 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 fev. 2010.
68
7.244/84. Para Sadek, o sistema de juizados teve origem “em experiência
desenvolvida da cidade de Nova Iorque para atender e solucionar conflitos de
menor valor econômico, que não encontravam recepção no Judiciário”.169
Em seu dizer,
Apesar da inspiração calcada no modelo nova-iorquino, no Brasil, os argumentos, particularmente por parte do governo, acentuavam a necessidade de redução de formalismos, da urgência de se quebrar o excesso de exigências burocráticas, simplificando as relações do cidadão com a máquina administrativa. Essa política governamental encontrou receptividade no meio jurídico e entre um grupo de magistrados, acentuando-se a importância da democratização do acesso à justiça.
A Lei de 1984 (Lei n. 7.244/84) criou os Juizados de Pequenas Causas, expressando sua finalidade primordial: facilitar o ingresso na justiça do cidadão comum, especialmente aquele da camada mais humilde da população.170
A promulgação da Lei dos Juizados Especiais, em seu
caráter penal, tem sido aceito como a recepção do paradigma minimalista em
nosso ordenamento penal, tendo a referida lei proposto a despenalização de
crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima até dois anos, com a
modificação trazida pela Lei nº 10.259/2001), revitalizando a política criminal
brasileira, que até então vinha influenciando no recrudescimento do ordenamento
penal (Lei dos Crimes Hediondos, p. ex.).
Segundo Carmen Hein de Campos,
A proposta de aplicação de penas não privativas de liberdade, carro-chefe da Lei 9.099/95, é fruto de uma longa disputa entre uma visão repressora e uma visão minimalista, que considera o direito penal como ultima ratio. A Lei, então, traduz um sentimento e um discurso de redução do sistema punitivo clássico. A pena de prisão deixa de ser a panacéia para todos os males. É preciso buscar novas formas de punir e prevenir os delitos. A Lei procura evitar, assim, a danosidade causada pelo sistema carcerário e o efeito estigmatizante sobre os etiquetados
169 SADEK, Maria Tereza. Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.comunidadesegura.org.br/files/Novas%20direcoes%20na%20governaca_11.pdf#page=491>. Acesso em: 20 fev. 2010. 170 Ibid.
69
como delinqüentes. É dentro dessa nova onda discursiva que a Lei dos Juizados é concebida.171
Luiz Flávio Gomes trata dessa mudança de paradigma,
consubstanciada na Lei 9.099/95, de uma justiça criminal conflitiva, reservada aos
crimes de maior potencial ofensivo, para uma justiça criminal consensual, a cuidar
dos crimes de pequeno e médio potencial ofensivo.172
Sobre a diferença entre esses dois modelos de justiça
criminal, o conflitivo e o consensual, dispõe Gomes que,
[...] dentro de um novo modelo de Justiça Criminal deve ficar cristalinamente delimitado o espaço de consenso (vinculado à pequena e média criminalidade) do espaço de conflito (criminalidade grave): o “espaço de consenso” está voltado primordialmente para a ressocialização do autor do fato e pode implicar, para respeitar o princípio da autonomia da vontade, o “recuo” (leia-se: uso voluntariamente limitado) de certos direitos e garantias fundamentais assegurados pelo Estado Constitucional e Democrático de Direito, tais como o de igualdade de oportunidades, o de presunção de inocência, o da verdade real, o de ampla defesa, contraditório etc.; já o “espaço de conflito” está marcado pela contrariedade e antagonismo, assim como pelo estrito respeito a todos os direitos e garantias fundamentais, podendo-se enumerar exemplificativamente o de presunção de inocência, o processo estrito, o da verdade material, contraditório, ampla defesa, recursos etc. (grifo do autor)173
Luiz Flávio Gomes ressalta que a Lei dos Juizados Especiais
não operou nenhuma descriminalização, mas sim, atuou na esfera da
despenalização, disciplinando, para este fim, quatro medidas: 1ª) a composição
civil extintiva da punibilidade; 2ª) a transação penal; 3ª) a exigência de
representação na hipótese de lesões corporais; 4ª) a suspensão condicional do
processo penal.174
O modelo consensual de justiça criminal, para Gomes, é
embasado por três princípios, insculpidos no corpo da Lei 9.099/95: o princípio da
171 CAMPOS, Carmen Hein de. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2003000100009&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 20 fev. 2010. 172 GOMES, Luiz Flávio. Introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95. In: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. 173 Ibid., p. 418. 174 Ibid., passim.
70
oportunidade ou discricionariedade regrada, o da autonomia da vontade e,
finalmente, o princípio da desnecessidade da pena de prisão.
Quanto ao princípio da oportunidade, manifesta-se na figura
da conciliação (artigo 2º), da qual a composição civil e a transação são espécies.
A composição civil entre autor e ofendido, disposto no parágrafo único do artigo
74 da referida lei, revela, no dizer de Gomes, “a desnecessidade de intervenção
da via penal. Estamos aqui diante do primeiro processo despenalizador previsto
na Lei 9.099/95”.175 A transação penal, iniciada pelo Ministério Público, que
formula uma proposta de aplicação imediata de pena não-privativa de liberdade e
que poderá ser aceita ou não pelo acusado, constitui outra medida
despenalizadora trazida pela lei.
Sobre a transação penal, comenta Aiston Henrique de
Sousa que,
Tradicionalmente, a justiça criminal foi tida como o campo do direito público por excelência, onde era incabível a manifestação de vontade dos particulares para que a eficácia da lei se manifestasse.
Entretanto, de algum tempo a esta parte, a legislação se modificou, para admitir que os interesses dos envolvidos no delito sejam considerados por ocasião da resposta que venha a ser dada pelo Estado.
Isso se expressou na figura jurídica da transação penal, cabível nos crimes denominados de menor potencial ofensivo, no acordo para a composição civil dos danos, nos crimes de ação penal condicionada à representação do ofendido (art. 74 da Lei n. 9.099/95) e na renúncia ao direito de ação nos crimes de ação penal privada.176
Comentando o modelo consensual e a figura da transação,
como legítimos frente às garantias do Estado de Direito democrático, Ada
Pellegrini Grinover et al dispõem:
Em sua aparente simplicidade, a Lei 9.099/95, significa uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. Abrindo-se às tendências apontadas no início desta introdução, a lei não se contentou
175 GOMES, Luiz Flávio. Introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95. In: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 427. 176 SOUSA, Aiston Henrique de. A mediação no contexto do sistema de solução de conflitos. Disponível em: <http://www.comunidadesegura.org.br/files/Novas%20direcoes%20na%20governaca_11.pdf#page=491>. Acesso em: 20 fev. 2010.
71
em importar soluções de outros ordenamentos mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de Justiça penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado.
Assim, a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, antes mesmo do oferecimento da acusação, não só rompe o sistema tradicional do nulla poena sine judicio, como até possibilita a aplicação da pena sem antes discutir a questão da culpabilidade. A aceitação da proposta do Ministério Público não significa um reconhecimento da culpabilidade penal, como, de resto, tampouco implica reconhecimento da responsabilidade civil.
E nenhuma inconstitucionalidade há nessa corajosa inovação do legislador brasileiro, pois é a própria Constituição que possibilita a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, deixando o legislador federal livre para impor-lhe parâmetros.177
Alexandre Bizzotto e Felipe Vaz de Queiroz, em
contrapartida, criticam o sentido estritamente penal dado ao termo “transação”,
entendendo os autores que o legislador infraconstitucional manteve a tradicional
separação das esferas civil e penal, ao contrário do que dispôs o legislador
constituinte que, no artigo 98, I, da CF/88, não fez qualquer distinção.178
No dizer dos autores,
[...] o constituinte colocou no mesmo patamar as causas civis de menor complexidade com as infrações penais de menor potencial ofensivo. A diferenciação no tratamento, mantendo-se o tradicional para sustentar a concepção criminal e toda sua sufocante carga emocional foi inovação não dada pela Constituição.
Ao novo foi conferida pela legislação ordinária uma roupagem velha e de cômoda adaptação às projeções criminais recalcadas. É preciso dizer que nem mesmo a expressão criminal está contida no artigo 98, I, da Constiuição. Esta se refere à criação de Juizados, não tendo estipulado espécies de Juizados sob o prisma da matéria.179
Outro princípio que fundamenta o modelo consensual trazido
pela Lei dos Juizados Especiais Criminais é o da autonomia da vontade. A
vontade aqui, segundo Gomes, é a do acusado, sem a qual não há solução
conciliatória para o conflito penal:
177 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 14. 178 BIZZOTTO, Alexandre; QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des)Construindo o juizado especial. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A crise do processo penal e as novas formas e administração da justiça criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006. 179 Ibid., p. 64.
72
Cabe acrescentar que a sua aceitação de qualquer solução conciliatória nada mais significa que expressão da “ampla defesa” constitucionalmente garantida (art. 5º, inc. LV). Para o exercício de um direito constitucional nos parece justo que o acusado possa abrir mão de outros direitos da mesma natureza. Aceitar ou não a via consensual alternativa passa a ser estratégia da defesa. É por isso que a lei exige que ambos (acusado e defensor) manifestem.180
O terceiro e último princípio norteador do modelo consensual
é o da desnecessidade da pena de prisão de curta duração. De fato, a passagem
do réu pelo sistema carcerário, ainda que por pouco tempo, pode ser o estopim
de uma vasta “carreira criminal”.
Segundo Luiz Flávio Gomes,
O fracasso da pena de prisão, tal qual vem sendo executada nos dias atuais, principalmente da de curta duração, está na base do novo instituto. É nefasta, embrutece e constitui forte fator criminógeno, nas condições atuais. A conseqüência é o alto índice de reincidência. A situação é bem diferente nos países que adotam as penas alternativas com prioridade.181
Importante aspecto a ser ressaltado na Lei 9.099/95 foi o da
reparação dos danos causados à vítima pelo ofensor. Tradicionalmente, no
chamado “modelo clássico” conflitivo, a reparação dos danos sempre ficou em
segundo plano, tendo a Justiça Criminal como objetivo primordial fazer valer sua
força frente ao acusado, atendendo à finalidade retributiva principalmente.
A vítima, no dizer de Gomes, seria “mero sujeito passivo de
uma infração da lei do Estado”182:
O tradicional menosprezo pela vítima configura uma prova eloqüente de quanto a política criminal tradicional praticada pelo Estado tem mais cunho “vingativo” (retributivo) que reconciliador. Orienta-se para a decisão, não para a solução do conflito. É um modelo “paleorrepressivo”. O castigo é o que interessa. Se esse castigo cumpre ou não sua função de prevenção de novos delitos pouco interessa. Se não ressocializa, pouco importa. Se ignora as expectativas reparatórias da vítima, não tem relevância. Se se trata muitas vezes de um castigo “perdido”, porque
180 GOMES, Luiz Flávio. Introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95. In: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 432. 181 Ibid., p. 433. 182 Ibid., p. 448.
73
deixa de cumprir suas finalidades, não há inconveniente. (grifo do autor)183
No modelo conflitivo, a vítima suporta um ônus duplo:
primeiramente, no momento da ação delitiva, quando sofre o dano (material e/ou
moral); posteriormente, com a sua entrada no sistema penal tradicional, quando
esse dano é agravado com a morosidade e insensibilidade daquele modelo
conflitivo.
O novo modelo, instaurado pela Lei 9.099/95, no
entendimento de Luiz Flávio Gomes, atenderia aos anseios da vítima, por ser
“comunicativo e resolutivo”:
Que se permita o diálogo, sempre que possível, entre o autor do fato e a vítima; que a vítima seja comunicada de todo o andamento do feito, dos seus direitos etc.; de outro lado, que a decisão do juiz criminal, na medida do possível, resolva o conflito, isto é, que permita a reparação do dano, mesmo porque a prisão, que constitui o eixo do modelo clássico, não soluciona nada, não resolve o problema da vítima e tem um custo social muito alto. Por tudo isso, deve ser reservada para casos extremos (ultima ratio).184
Em suma, a previsão constitucional dos Juizados Especiais
criminais, culminando na promulgação da Lei 9.099/95 que os instituíram, foi
importante passo rumo à mudança no paradigma da política criminal, de um
direito penal máximo, onipotente, passa para uma concepção minimalista.
Opta o legislador pela gradativa despenalização de uma
série de delitos, podendo-se dizer que foi contrapartida essencial à tendência
criminalizadora iniciada com a Lei dos Crimes Hediondos e uma retomada dos
compromissos assumidos com a Reforma Penal de 1984.
Percebe-se, pelo caráter despenalizador da Lei 9.099/95, a
influência da teoria do Labelling Approach, na sensibilidade que teve o legislador
em diminuir as “etiquetas” sobre o acusado submetido à justiça criminal, num
modelo consensual.
183 GOMES, Luiz Flávio. Introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95. In: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 449. 184 Ibid., p. 450.
74
Se não houve uma descriminalização das condutas que
caracterizam os crimes de menor potencial ofensivo, o que teria sido mais
inovador, houve abrandamento das penas, com os substitutivos penais das
medidas alternativas, além da consensualidade do modelo adotado, abrandando-
se também a seletividade do sistema.
No dizer de García-Pablos de Molina, ao explicar os
programas “que articulam mecanismos alternativos em lugar da intervenção do
sistema legal ou que suavizam esta intervenção”, como é o caso dos Juizados
Especiais,
Partem de um postulado do labelling approach de relativa evidência que consiste no seguinte: a intervenção das instâncias “oficiais” do controle social é sempre negativa, estigmatizadora, pois gera a carreira criminal do infrator, ratificando definitiva e ritualmente sua condição irreversível de “desviado” (“desviação secundária”). Em boa lógica, assim, sugere-se a substituição da intervenção do sistema legal por outros mecanismos que evitem referido impacto criminógeno ou, pelo menos, que o suavize.185 A influência do movimento de política criminal da Defesa
Social (não confundir com a ideologia da defesa social), oriundo das Escolas
Ecléticas, cujos expoentes maiores são Filippo Grammatica e Marc Ancel,
também é sentida.
Comentando o instituto da transação penal, importante
instrumento de desprisionalização presente na Lei 9.099/95, bem dispõe Bissoli
Filho, ao distinguir os dois movimentos de política criminal antagônicos:
O Movimento de Lei e Ordem é reação aos fenômenos da criminalidade, orientadas num sentido diametralmente oposto ao da Defesa Social (Grammatica e Ancel). Esta procura atualizar, melhorar e humanizar a atividade punitiva, bem como reformar ou, até mesmo, abolir as instituições vigentes, procurando garantir os direitos do homem e promover os valores essenciais da humanidade, rejeitando o sistema neoclássico, que é punitivo-retributivo, bem como a utilização indiscriminada das penas privativas de liberdade. Nos Movimentos de Lei e Ordem, ao contrário, a pena se justifica como castigo e retribuição, no velho sentido, não devendo a expressão ser confundida com o que, hoje, denominamos “retribuição jurídica”, devendo os crimes atrozes ser punidos com penas severas e duradouras (morte ou privação longa da liberdade), sendo estas cumpridas em
185 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 334.
75
estabelecimentos de segurança máxima, onde o condenado é submetido a regime de máxima severidade.186
Em que pese a influência da “teoria do criminoso” no que diz
respeito aos antecedentes, que repercutirão na concessão da transação penal
(art. 76, § 2º, III) os quais, conforme já disposto no capítulo anterior, foram
incluídos pela primeira vez no Código Penal de 1940 sob influência da Escola
Positiva187, a Lei 9.099/95 constitui reflexo das ideias penais de tendência
despenalizante e liberal.
186 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 72. 187 Ibid., passim.
76
CONCLUSÃO
As ideias penais influenciam os ordenamentos penais desde
sempre, podendo-se citar legislações de cunho penal milenárias, como o Código
de Hamurabi, por exemplo, ou as Leis Mosaicas, enfim, todas as legislações
penais possuem embasamento teórico prévio, seja na Filosofia, na Religião, na
Política, nas Ciências (Antropologia, Sociologia, Psicologia, etc.).
O Liberalismo e a filosofia Iluminista de fins do século XVIII
inspiraram vários personagens, entre eles Cesare Bonesana, o Marquês di
Beccaria, que com sua obra “Dos delitos e das penas”, clamou por uma nova era
no direito penal, a expurgar a brutalidade e o excesso das penas impostas no
Antigo Regime absolutista, a proclamar o fim da arbitrariedade na aplicação da
pena, a exortar o princípio da legalidade como garantia fundamental para a
manutenção do contrato social Iluminista.
Beccaria não era jurista, sua obra sabidamente tem cunho
mais filosófico e político, do que jurídico, mas foi responsável por uma expressiva
reação no continente europeu, em seu tempo, influenciando várias reformas
penais que se seguiram. Depois de Beccaria e de sua importantíssima obra,
vários legisladores bradaram por leis penais claras e sem lacunas, mais
proporcionais aos delitos cometidos, retributivas, mas também úteis.
Feuerbach, com sua teoria da pena e o princípio da
legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege – de cunho eminentemente
liberal, Romagnosi, Filangieri, Carmignani, este considerado o precursor da etapa
jurídica da Escola Clássica e do direito penal liberal e Carrara, representando o
apogeu da construção jurídica do Direito Penal como ciência, também foram
pensadores de grande influência no âmbito penal.
Enfim, a Escola Clássica reage ao Antigo Regime propondo
mudanças na aplicação da pena, da desproporcionalidade de antes para uma
proporcionalidade, condizente com o ato praticado, sem espetáculos grotescos; o
77
foco é o delito, como violação ao direito posto, possuindo o agente seu livre-
arbítrio, dentro de um Estado liberal.
A humanização proposta pelos adeptos da Escola Clássica,
focada no princípio da legalidade, da proporcionalidade, da certeza da aplicação
da pena em detrimento da brutalidade das execuções públicas, inspirados no
modelo liberal clássico de Estado, é contestada pela Escola Positiva, em fins do
século XIX.
Esta corrente, influenciada por uma concepção de Estado
interventor, no Positivismo científico, Evolucionismo e no empirismo científico,
acusa os postulados liberais de ineficiência frente ao combate à criminalidade
crescente, à época. Para combatê-la, propõem seus adeptos, há que se intervir
na vida do potencial infrator, de forma preventiva, na medida proporcional de sua
“periculosidade”.
Lombroso e sua teoria do “criminoso nato” inauguram uma
nova era, a era da Antropologia Criminal, mudando, porém, seu foco de estudo:
do delito passa-se ao estudo, ao escrutínio do delinquente, de sua suposta
predisposição biológica para o crime.
Enrico Ferri, por seu turno, inaugura sua Sociologia Criminal,
adicionando aos fatores biológicos propostos por Lombroso, os fatores sociais e
físicos, como as religiões, a moral, a educação, o clima, a temperatura. Para ele,
sabendo-se de todos os fatores de antemão, em uma determinada situação ou
lugar, poder-se-ia prevenir qualquer tipo de crime – Ferri vai, pois, mais além,
considerando um conjunto de fatores não levados em conta por Lombroso; o
determinismo, porém, continua presente, assim como a aspiração de abolir o
ordenamento penal, pois se é possível prever de antemão um crime, isolando o
futuro criminoso antes mesmo da ação criminosa, não há necessidade de um
direito penal para aplicar uma pena – haverá, sim, “medidas sócio-educativas” a
serem impostas preventivamente.
Garófalo, por seu turno, inspirado na Antropologia de
Lombroso e na Sociologia de Ferri, propõe o conceito de “temibilidade”, ancestral
78
da periculosidade, tomando o criminoso como um “deformado moral”, que deve
ser extirpado da sociedade – eis a gênese da ideologia da defesa social, adotada
por vários legisladores, inclusive pátrios, no decorrer do século XX.
Outras escolas surgem, como a Escola Moderna Alemã, de
Franz von Liszt, a Terza Scuola italiana, a Escola Técnico-Jurídica, de Arturo
Rocco, mesclando os postulados positivistas com os dogmas clássicos, umas
com maior ênfase às ciências complementares ao direito penal (Sociologia,
Antropologia, Psicologia), outras atentas mais ao tecnicismo jurídico; tais escolas
viriam a influenciar consideravelmente os ordenamentos penais brasileiros, em
especial o Código Penal de 1940.
O paradigma utilizado pelos estudiosos até então, sejam de
orientação clássica ou positivista, foi o etiológico, ou seja, concentrado no estudo
das causas do crime e no criminoso; a ruptura dá-se no começo dos anos 60, nos
Estados Unidos, com os sociólogos da Nova Escola de Chicago, como Howard
Becker e Edwin Lemert, e a teoria do etiquetamento, ou Labelling Approach.
Este novo paradigma, chamado “da reação social”, atento à
dinâmica do processo de criminalização na sociedade, estuda o chamado
“desviante”, como indivíduo selecionado pelo sistema penal, através do processo
de etiquetamento (a “etiqueta” de criminoso, outsider), tanto na fase de seleção
primária (tipificação dos crimes), como na secundária (seleção criminal). O foco
agora não está mais no delito e no delinquente, mas no próprio sistema penal e
em como este seleciona as ações a serem criminalizadas e os indivíduos que
farão parte de sua “clientela”.
Tributária da teoria do Labelling Approach, a Criminologia
Crítica de Alessandro Baratta reconhece a quebra de paradigma realizada pela
Nova Escola de Chicago e adiciona o componente econômico, com um enfoque
marxista, porém não ortodoxo. O processo de criminalização levará em conta os
bens jurídicos elencados como mais importantes a serem protegidos (geralmente
os de cunho patrimonial) e os sujeitos a serem selecionados desigualmente pelo
sistema penal, geralmente as camadas mais desfavorecidas sócio-
economicamente.
79
Estas ideias, em suma, influenciaram nossos legisladores,
tendo seus postulados refletido em nossos ordenamentos, desde o primeiro
Código Criminal, o de 1830 até a Reforma da Parte Geral de 1984, sem embargo
das legislações esparsas, entre as quais destacamos, em nosso trabalho, a Lei
dos Crimes Hediondos e a Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Percebe-se um embate histórico, desde a primeira
ordenação penal de 1830, entre uma orientação mais liberal do direito penal e
uma versão arbitrária, intervencionista. As ideias da Escola Clássica e,
consequentemente, do Liberalismo e do Iluminismo, a influenciar, ainda que
tardiamente, o Código Penal de 1830, em reação ao anacronismo das
Ordenações Filipinas que ainda vigoravam à época; a economia nacional, ainda
dependente do escravismo, a influenciar o legislador do Império, demonstrando a
influência da estrutura econômica naquele ordenamento.
Os ecos da Escola Positiva, porém, tardaram, mas
chegaram a nosso país, e, em que pese a duradoura influência liberal-clássica,
tanto no Código Penal de 1830 como no Código Republicano de 1890, o
momento histórico conspirou para que as ideias da Escola Positiva fossem
recepcionadas no Código Penal de 1940, em meio a um período notadamente
turbulento politicamente, no mundo e em nosso país.
O “Código Rocco” italiano, de orientação fascista, é tomado
como modelo – o sistema do duplo binário é instituído em nosso ordenamento,
podendo agora o criminoso ser duplamente punido por seu “atavismo”; os
antecedentes também são recepcionados, positivando-se os “estigmas”.
Há, no entanto, uma manutenção dos tradicionais
postulados liberais clássicos, dada a influência da Escola Técnico-Jurídica, a
mediar as ideias das Escolas Clássica e Positiva, o que explica a longa vigência
do Código de 1940, o qual vigorará até a Reforma de 1984; tal constatação
mostra como esse embate entre os dogmas de um direito penal liberal e outro
interventor é contínuo e influente na elaboração de nossos ordenamentos penais.
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Chega-se, por fim, à Reforma Penal de 1984. O momento
histórico, por certo, influencia a Comissão responsável pela reforma da parte
geral; a abertura política, a transição para um regime democrático é inspiração
notada. Cai um dos maiores símbolos da influência da Escola Positiva nos
ordenamentos penais pátrios, o sistema do duplo binário, substituído pelo
vicariante. O legislador é inspirado pela ideia de um direito penal mínimo, a ser
utilizado como último recurso e somente nos casos mais graves – a pena restritiva
de direitos e a multa assim atestam.
Dá-se, então, uma nova virada rumo ao recrudescimento
penal: a mesma queixa feita pelos adeptos da Escola Positiva, em fins do século
XIX, de que o direito penal liberal não teria contido eficientemente o aumento da
criminalidade, é agora repetida. A Constituição da República de 1988 é
promulgada e nela a previsão dos crimes hediondos, em seu artigo 5º, inciso
XLIII.
Não tardou para que a Lei dos Crimes Hediondos fosse
promulgada em 1990, em meio a campanhas midiáticas persistentes, a noticiar
uma onda de extorsões mediante sequestro, sendo o de maior repercussão o que
teve como vítima o empresário Abílio Diniz. As vozes das correntes progressistas
no Direito Penal foram abafadas pela intermitente campanha do Movimento de Lei
e Ordem, ideologia de política criminal que entende ser o Direito Penal e as penas
severas a resposta definitiva à manutenção da paz urbana.
Garantias conquistadas arduamente, como o princípio da
individualização da pena, por exemplo, com suas origens em Beccaria e no
Iluminismo de fins do século XVIII, são aviltadas, dada a restrição da referida lei
ao cumprimento da pena em regime integralmente fechado, sem possibilidade de
progressão.
Os empreendedores morais, portando o estandarte da
defesa social, cobram uma resposta estatal para a criminalidade noticiada nos
veículos de comunicação; os resultados, porém, no que diz respeito à diminuição
da criminalidade, são insatisfatórios.
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O embate já referido anteriormente, porém, é constante, e
movimento em sentido oposto acontece com a promulgação da Lei 9.099/95, que
instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Também com previsão constitucional (artigo 98, I), os
Juizados Criminais são orientados por princípios pertencentes a uma concepção
de direito mínimo, ultima ratio, resgatando os dogmas liberais contrários ao
irracionalismo do law and order.
A despenalização proposta pela lei para os crimes de menor
potencial ofensivo, dentro de um modelo consensual e não conflitivo, em que
vítima e autor podem ser os principais protagonistas, compondo e
transacionando, atende à proposta de, se não eliminar por completo, pelo menos
abrandar a seletividade e o etiquetamento operados pelo sistema penal.
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