a rearticulaÇÃo da quarta frota e o golpe no brasil · no estágio de desenvolvimento econômico...
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A REARTICULAÇÃO DA QUARTA FROTA E O GOLPE NO BRASIL
Anna Marina Paes Montysuma
Universidade Federal do Acre
Eixo temático 13: América Latina e o Sul Global: novas abordagens, velhos problemas.
Buscamos analisar no presente artigo, apoiados no método do materialismo
histórico-dialético, as relações de poder no cenário internacional e os reflexos da
postura imperialista estadunidense para com as nações da América Latina,
sobretudo com o Brasil que a todo momento tem sua soberania ameaçada por
conta de suas ricas fontes de matéria prima. Neste sentido, compreendemos a
descoberta da camada de petróleo pré-sal e o avanço de democracias populares
no cone-sul das américas, como dois dos elementos motivadores para a
rearticulação da quarta frota da marinha dos EUA que, ao nosso ver, está
associada ao golpe perpetrado à democracia brasileira cujo marco se dá com o
impedimento (impeachment) da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016.
Palavras chave: quarta frota; américa latina; imperialismo; democracia;
golpe.
Introdução:
Ao buscar compreender os elementos específicos que levaram à
deflagração do golpe à democracia brasileira em 2016, apoiados no materialismo
histórico-dialético, encontramos razões essencialmente econômicas e nas
características da fase atual de desenvolvimento do capitalismo no mundo.
No estágio de desenvolvimento econômico em que se encontra todo o
mundo, notadamente as grandes potências econômicas, em que a livre
concorrência se degenerou em monopólios, cartéis, trustes; identificamos um
modo de organizar-se política e economicamente baseado no neocolonialismo
ou assim chamado, imperialismo.
Nessa fase, a disputa pelo monopólio das fontes de matéria-prima e zonas
de influência, ou seja de contratos de exclusividade comercial de alguns países
periféricos subordinados à países do centro do sistema, se apresenta como lei
geral, entre as nações imperialistas.
Como evidencia Lenin,
[...] os monopólios resultaram da política colonial. O capital financeiro acrescentou aos numerosos “velhos” motivos da política colonial o da luta pelas fontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, “pelas zonas de influência” – isto é, pelas zonas de vantajosas transações, de concessões, de lucros de monopólios, etc.- e,
finalmente, pelo território econômico em geral. (LENIN, 1987, p. 123)
Assim, especialmente os países que, no período de imperialismo
mercantilista, foram colonizados, ainda hoje, na fase do capitalismo imperialista,
ocupam o mesmo lugar na divisão internacional do trabalho, de produtores e
exportadores de matéria-prima, de maneira subordinada aos centros
hegemônicos do capital.
Nesse período, o capital financeiro se apresenta como maior força política
subordinando e submetendo aos seus interesses, inclusive nações que gozam
de relativa autonomia e soberania em relação aos centros dinâmicos do sistema,
Lenin (1987, pág. 81):
O capital financeiro é um fator, poderíamos dizer, tão poderoso, tão decisivo, em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e subordina efetivamente, até mesmo Estados que gozem de uma completa independência política. [...]Porém, naturalmente aquilo que dá ao capital financeiro as maiores “comodidades” e as maiores vantagens é uma submissão tal, que implica, para os países e povos em causa a perda da sua independência política. A este respeito, os países semi-coloniais constituem casos típicos, na medida em que são uma solução “intermédia”. Compreende-se que a luta em torno destes países semi-subjugados se agravasse particularmente na época do capitalismo financeiro, quando o resto do mundo já estava partilhado.
A análise de Lenin (1987) que descreve as relações econômicas e
políticas internacionais no contexto dos séculos XIX e XX, permanece atual no
século XXI, porque analisa uma lei geral do desenvolvimento do capitalismo em
sua etapa imperialista. Em seu estudo aponta para o desencadeamento de toda
relação de “livre concorrência”, que, ao gerar acumulo de capitais, desemboca
em um sistema de monopólios, que eleva o capitalismo a um estágio de
desenvolvimento superior, onde a disputa, ou melhor, concorrência, se
estabelece entre poucos capitalistas no mundo todo. Nesse estágio já não é
possível retroceder à etapa anterior de livre comercio e concorrência, porque
esta levaria novamente ao estágio de monopólio em que já nos encontramos.
Neste sentido, ao tomar como exemplo o Brasil que, assim como toda a
América Latina, foi colonizado e explorado pelas nações imperialistas
mercantilistas, observamos que a tese sobre o imperialismo de Lenin se
comprova e que de fato, esse país permanece ocupando o mesmo lugar na
divisão internacional do trabalho, mas
agora pelas nações capitalistas
contemporâneas, contudo, segue
como produtor e fornecedor de
matérias primas aos países de
capitalismo avançado e consumidor
Gráfico 1 saldo de exportações
de produtos industrializados dessas mesmas nações.
Como podemos
observar nos gráficos a seguir,
extraídos da página do
Ministério da Economia do
Brasil na Internet1, sendo o
gráfico 1, referente as
exportações e o 2 sobre as
importações do mesmo
período de 2008 à 2018, onde o
amarelo representados os produtos básicos, de cinza produtos semi-faturados e
de azul produtos manufaturados:
Por meio dos gráficos, pode-se inferir que o Brasil, no século XXI, segue
sendo um país exportador de commoditys, como ocorre desde sua fundação.
Em vários momentos da
história do nosso continente e do
Brasil, pudemos observar o neocolonialismo se manifestando e dialogando com
os avanços do modo de organização capitalista de cada época. Um exemplo não
muito distante da interferência do capital internacional nas questões políticas
internas que Galeano (2017) usa como exemplo ao tratar dos golpes da América
Latina, é o episódio relacionado às fontes de minérios no Vale do Paraopeba,
em que dois presidentes, Jânio Quadros e João Goulart, foram levados a saírem
de seus cargos, por pressões políticas relacionadas dentre outros fatores, ao
interesse estadunidense nas jazidas de ferro que estavam sendo mantidas como
propriedade do estado brasileiro.
1 Fonte: Ministério da Economia, indústria e comércio exterior disponível em:
http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/comex-vis/frame-
pais
Fonte: Brasil: Ministério da Economia, comércio exterior e serviços
Gráfico 2 saldo de importações
Fonte: Brasil: Ministério da Economia, comércio exterior e serviços
No caso de Jânio Quadros, Eduardo Galeano em seu “As veias abertas
da América Latina”, afirma que:
Em 21 de agosto de 1961 o presidente Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as ilegais autorizações estendidas em favor da Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares obrigavam Quadros a renuncias: “Forças terríveis se levantaram contra mim...” dizia o texto da renúncia. (GALEANO, 2017, p. 2019)
Esse trecho do relato de Galeano (2017), denota o nível de
comprometimento das forças armadas com os interesses forâneos, justamente
aqueles que deveriam estar na linha de frente da defesa dos interesses nacionais
capitularam e fizeram o jogo dos estrangeiros.
Com a renúncia de Quadros, João Goulart assume a presidência e passa
ele a ser alvo das “forças terríveis” tendo sido deposto pelo golpe militar de 64,
com esse acontecimento de triste consequências para a soberania nacional,
Homens da Hanna passaram a ocupar a vice-presidência do Brasil e três dos ministérios. No mesmo dia da insurreição militar, o Washington Star havia publicado um editorial no mínimo profético: “ Eis aqui uma situação em que um bom e efetivo golpe de estado, no velho estilo de lideres militares conservadores, pode servir aos interesses de todas as América”. ( GALEANO, 2017, p. 220. Grifos do autor)
Se segue à esses episódios a entrega, orientada pelo Marechal Castelo
Branco, das jazidas de ferro do Paraopeba à empresa inglesa, Hanna Mining e
Co.
Nesse sentido, os Estados Unidos, por intermédio de seus agentes
externos e suas multinacionais, estabelecem relações com às burguesias
nacionais de cada país na América Latina subordinando-as a seus interesses
econômico estratégicos, estas por sua vez, possuem tradição de atuarem de
costas para o desenvolvimento interno de seus países, movidas pelo arrivismo
estão dispostas a sacrificar a nação desde que seus interesses mesquinhos
imediatos sejam satisfeitos.
Com os governos Lula e Dilma, o Brasil passa a adotar uma postura de
sutil enfrentamento à dominação estadunidense, se articulando e buscando
fortalecer os países da América do Sul em uma integração regional o que
possibilitou, pela primeira vez decidir em alguma instancia os rumos que tomaria
o nosso pais tendo como primado os interesses nacionais.
Os governos conduzidos sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores
– PT, foram um marco na história da democracia brasileira. Com uma política
híbrida, de fundamento político-ideológico socialdemocrata, adotaram medidas
macroeconômicas que satisfaziam, por um lado, aos interesses do capital
financeiro, como taxas de juros elevadas e inflação controlada dentro das metas
estabelecidas pelo Banco Central e por outro lado, fizeram algumas concessões
aos trabalhadores, por meio de programas sociais e de transferência de renda
como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida. Contudo, pela primeira vez na
nossa história, houve uma política de desenvolvimento interno comprometido
efetivamente com a defesa da soberania nacional, representando assim,
ameaça e empecilhos para o avanço das empresas internacionais na corrida
pelo monopólio das nossas riquezas.
Momento similar a esse na história do Brasil só pode ser observado no
período Vargas, quando em 1953, após muita luta do povo brasileiro em defesa
da estatização da empresa com a campanha “o petróleo é nosso”, é criada a
Petrobras como empresa de responsabilidade do governo federal. Sua história
então passa a ser marcada por grandes conquistas para a nação como em 1961,
quando é fundada a primeira refinaria brasileira; a criação do Centro de Pesquisa
e Desenvolvimento em 1963; a descoberta da Bacia de Campos com 100
quilômetros quadrados de reservas em 1974; adotando assim, grande
contribuição ao desenvolvimento econômico nacional.
Diante dessa postura afirmativa do Brasil no cenário internacional, após
sobretudo o segundo governo Lula (2007-2010), com a descoberta do Petróleo
na camada pre-sal, seguido da crise de superprodução de capitais, que teve
reflexos em todos os países em menor ou maior grau, levando as superpotências
do sistema voltarem seus olhos para o Brasil, ansiando tomar parte da riqueza
recém descoberta e ao mesmo tempo desarticular o bloco regional que se
formou no Cone sul sob a liderança do Brasil e da Venezuela.
Logo em seguida, em 24 de Abril de 2008, o Chefe de Operações Navais
estadunidense anuncia a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA, fato
amplamente divulgado pela imprensa internacional.
Durante a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos criaram a Quarta
Frota para patrulhar os mares do Sul e evitar a penetração de submarinos do
Eixo na região, após o final da Guerra, em 1947 é desativada sem perspectiva
de reativação até a descoberta do pré-sal.
De acordo com a Revista Carta Maior, IV Frota, foi fundada para atuar na Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de caçar submarinos nazistas nas águas do Atlântico Sul e foi desmontada em 1950. Sua rearticulação em 12 de julho de 2008, conta com 22 embarcações: treze fragatas com mísseis, 4 cruzadores com mísseis, quatro destroieres com misseis e um navio hospital. Além do poderio bélico, a esquadra traz uma arma potente contra as democracias populares do cone sul das américas, poderoso aparato cibernético, capaz de realizar escutas telefônicas em solo e rackear computadores. (MONTYSUMA, 2016, p. 2)
O pressuposto utilizado para justificar tal atitude era o de cumprimento de
missões de paz em países necessitados como o Haiti, por exemplo. Contudo, tal
episódio foi interpretado por muitos dirigentes de Estados latino-americanos
como ameaça às democracias de toda a América Latina.
A rearticulação da Quarta Frota foi o primeiro sinal de que os EUA
estavam incomodados com a postura altiva com a qual o Brasil, Venezuela,
Argentina, Uruguai, Paraguai, Equador e Bolívia estavam construindo sua
política externa. Articulando um bloco de países sul-americanos fora do raio de
influência estadunidense e, cada vez mais, fortalecendo sua economia interna.
Nesse sentido, a descoberta do pre-sal representava um fortalecimento objetivo
da economia e da política nacionais, principalmente diante da grave crise de
2008.
Logo após a Armada Estadunidense iniciar suas operações no mares da
América Latina, uma onda de desestabilização política seguiu-se na região,
primeiro no Paraguai, em seguida na Argentina, depois Venezuela e Brasil.
Notadamente no Brasil, a onda de protestos foram iniciados após a divulgação
da espionagem nos computadores da Petrobras e na Presidência da República
do Brasil pelo departamento de Estado dos EUA, fato que levou o Presidente
Obama a retratar-se publicamente e pedir Desculpas formais ao Brasil.
Contudo, o essencial já havia sido realizado e ao que tudo indica, os
dados copiados dos Segredos de Estado do Brasil, foram os principais insumos
para a constituição da operação “Lava Jato”, mecanismo pelo qual os sócios
subordinados do império estadunidense “esquentaram” as informações
conseguidas de forma ilegal violando a soberania do Brasil.
Desses fatos decorreram o golpe de Estado perpetrado contra a nação
com o impedimento da Presidente Dilma de seguir conduzindo a nação, a prisão
de Lula e a inviabilização de sua candidatura com iminente eleição para cumprir
um terceiro mandato presidencial.
Bibliografia:
GALEANO, E. As veias abertas da América Latina- Porto Alegre, RS: L&PM,
2017.
LENIN, V. I. U. O imperialismo fase superior do capitalismo- São Paulo: Global,
1987.
MONTYSUMA, H. A rearticulação da IV Frota da Marinha estadunidense, o
PL 131/15 de José Serra e a ameaça de golpe no Brasil- Disponível em:
https://www.brasil247.com/blog/a-rearticulacao-da-iv-frota-da-marinha-
estadunidense-o-pl-131-15-de-jose-serra-e-a-ameaca-de-golpe-no-brasil.
Acesso em: 4 de Jul. de 2018.
http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-
exterior/comex-vis/frame-pais