a racionalidade científica - teoria e experiência

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  • 8/19/2019 A Racionalidade Científica - Teoria e Experiência

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    MÓDULO DIDÁTICO DE FILOSOFIA

    A racionalidade científica: teoria e experiência

    ntrodução

    revolução científica do século XVII, que tem sua origem nos trabalhos de Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton, introduz uma novaaneira de abordar o estudo da natureza. Rompendo radicalmente com a tradição científica aristotélica, a moderna ciência se impõe graças a

    m poder e controle dos fenômenos naturais. Para conhecer é preciso agir sobre a natureza a fim de dominá-la. “Conhecimento é poder”,nunciará em 1597 o filósofo Francis Bacon, em contraposição ao caráter puramente contemplativo da antiga ciência grega. Em uma marchaem volta, a ciência, nos séculos seguintes, irá se transformar em instrumento de um progresso geral da civilização, ao servir de base para umonjunto de mudanças tecnológicas profundas com forte impacto na organização da vida social. A revolução industrial, iniciada na Inglaterra noéculo XVIII e rapidamente estendida a outros países no século XIX, é fruto do desenvolvimento científico. O sucesso extraordinário nesses trêséculos, principalmente da física, perceptível ao cidadão comum através de seus produtos tecnológicos, irá favorecer no século XIX asseminação da crença positivista, conhecida como cientificismo, que faz da ciência a chave não somente dos progressos materiais da

    ociedade, mas também dos progressos espirituais e morais da humanidade.

    o entanto, o ideal cientificista não tardou a sofrer fortes abalos. O século XX foi marcadamente o século do desencantamento. A ciênciaquieta. Ela é fonte de progresso, mas também de destruição. O poder destrutivo da energia nuclear ou as manipulações genéticas são osxemplos mais marcantes dessa nova inquietude. A exaltação do progresso dá lugar à suspeição. A figura de Prometeu, titã que rouba o fogoos deuses para dar aos homens, símbolo e promessa do poder indefinido sobre a natureza, é sucedida pela do Doutor Frankenstein, sábiobricante de um homem artificial e monstruoso que escapa ao controle de seu criador. O poder sobre a natureza, característica essencial da

    ência moderna, não corre o risco de se voltar contra o próprio homem?

    e, por um lado, é preciso denunciar o mito cientificista, torna-se necessário, por outro, desconfiar de todo discurso hostil ao progresso. Orescimento populacional e a consequente escassez dos recursos naturais e energéticos exigem soluções tecnológicas que só oesenvolvimento científico pode proporcionar. É assim equivocado crer tanto que a ciência é em si mesma má quanto ingenuamente acreditar ue ela é intrinsecamente boa. Nenhum cidadão pode se eximir da reflexão ética, política e epistemológica sobre o sentido da atividadeentífica.

    objetivo desse módulo é tentar compreender a dimensão propriamente característica da racionalidade científica. O que distingue a ciência deutras formas de conhecimento? Qual a sua origem? Como sabemos o que sabemos? Essas questões fazem parte de um campo de pesquisaa Filosofia chamado Epistemologia (episteme, em grego, significa “ciência”).

    eoria e experiênciama das questões centrais da epistemologia é saber como se formam os conhecimentos científicos. Será a observação da natureza suficienteara decifrar os mecanismos e leis da física e da química? Qual o papel da experiência na formação de uma teoria científica? As histórias deue Newton teria descoberto a sua lei da gravitação universal vendo uma maça cair ou de que Galileu teria chegado à sua equação da quedaos corpos observando pesos diferentes caírem do alto da torre inclinada de Pisa são evidentemente lendas criadas pelos historiadores. Nãoomente nossa experiência cotidiana não nos ajuda, como nos atrapalha e impede de ver a realidade com um olhar científico. Temostuitivamente a impressão que um quilo de chumbo é mais pesado do que um quilo de penas. Atribuímos espontaneamente uma velocidade deueda maior ao corpo mais pesado do que ao mais leve. Acreditamos naturalmente que o Sol se move diariamente ao redor da Terra.

    ara começarmos a ter uma ideia mais clara sobre a origem e formação dos conceitos e teorias científicas, vamos partir das diferentes soluçõesadas por grandes pensadores, em especial Platão, René Descartes, John Locke, David Hume e Immanuel Kant. Para explicar o processo dequisição do conhecimento, esses filósofos propõem grandes “teorias do conhecimento”. Em função da solução proposta, algumas dessasorias podem ser classificadas ou como racionalistas (palavra derivada do vocábulo latino ratio, que significa razão) ou como empiristas (do

    rego empeiria, experiência). A solução racionalista considera que só a razão pode conhecer verdadeiramente as coisas. Os empiristas, aoontrário, consideram que todos os nossos conceitos derivam dos sentidos, portanto a experiência é a única fonte do conhecimento.

    ó a razão é capaz de conhecer a verdade!

    concepção racionalista do conhecimento, segundo a qual só a razão conhece verdadeiramente, considera que as informações fornecidaselos nossos cinco sentidos não são confiáveis. Elas são, na maioria das vezes, enganosas e superficiais. Podemos considerar como certaspenas as verdades demonstradas pelo raciocínio ou as que se impõem com clareza e evidência à nossa razão. Para o filósofo grego Platãoomo para René Descartes, um dos maiores expoentes da filosofia moderna do séc. XVII, a despeito da suas diferenças de doutrina e de época,que vemos, escutamos, tocamos é menos certo do que nos julgamos pela ação de nossa inteligência ou razão. Para separar essas duas

    ormas tão distintas de conhecimento – uma que tem como fonte os sentidos e a outra, a inteligência - Platão nomeia a primeira deonhecimento sensível e a segunda de conhecimento inteligível . O conhecimento sensível pertence para ele ao domínio da opinião (em grego,oxa), que na escala dos saberes ocupa o degrau mais inferior. Ela marca o assentimento a um juízo não fundado racionalmente. A opinião éma crença que pode até ser verdadeira, porém não temos qualquer garantia ou certeza da sua veracidade. Por sua vez, o conhecimentoteligível constitui propriamente o campo do saber científico (episteme), cuja verdade pode ser demonstrada pela razão. Platão, nantiguidade, e Descartes, na idade moderna, defendem a existência de determinados conhecimentos cuja origem provém não dos sentidos, masa razão. Existiriam em nós, segundo esses filósofos, “ ideias inatas”, isto é, ideias presentes em nossa mente desde o nosso nascimento e que,or isso, não seriam adquiridas pela experiência. Segundo Descartes, as idéias inatas pertenceriam a uma espécie de patrimônio a priori  daazão. Elas são princípios universais que independem da contingência e aleatoriedade experiência e, por isso, constituem os alicerces seguroso edifício do conhecimento. As ideias inatas se distinguem das outras adquiridas pela experiência pela sua evidência, clareza e distinção. Elas

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    e apresentam de forma tão clara e evidente à mente, que é impossível não serem verdadeiras. Por esse motivo, argumenta Descartes, é aazão, e não a experiência, o fundamento seguro de todo conhecimento universalmente válido.

    diálogo abaixo reproduzido é um exemplo construído por Platão para demonstrar a existência de determinadas ideias universais que parecemão terem sido adquiridas nem pela experiência nem pela educação, mas que já se encontrariam em nossa mente. Isso vai levar Platão argumentar que o processo de conhecimento nada mais é do que uma recordação.

    EXTO 1:

    Mênon: - Seja, Sócrates! Entretanto, o que

    é que te leva a dizer que nada aprendemose que o que chamamos de saber nada maisé do que recordação? Poderias provar-meisso?

    (...)

    Sócrates: - Não é uma tarefa fácil o que pedes; fá-la-ei, entretanto, de boa vontade, por setratar de ti. Chama a qualquer um dos escravos que te acompanham, qualquer um quequeiras, a fim de que por meio dele eu possa fazer a demonstração que pedes.

    Mênon: - Com prazer. (Dirigindo-se a umde seus escravos moços): Aproxima-te!

     

    (...)

    Sócrates: - Então, caro Mênon, presta bem atenção, e examina com cuidado se o que ele

    faz com meu auxílio é recordar-se ou aprender.

     

    (...)

    Sócrates: - (Voltando-se para o escravo ao mesmo tempo que traça no solo as figurasnecessárias à sua demonstração): Dize-me, rapaz: sabes o que é um quadrado?

    Escravo: - Sei.

    Sócrates: - Não é uma figura, como esta, de quatro lados iguais? Escravo: - É.

    Sócrates: - E estas linhas, que cortam o quadrado pelo meio, não são também iguais? Escravo: - São.

    Sócrates: - Esta figura poderia ser maior ou menor, não poderia? Escravo: - Poderia.

    Sócrates: - Se, pois, este lado mede dois pés e este também dois pés, quantos pés terá asuperfície deste quadrado? Repara bem: se isto for igual a dois pés e isso igual a um pé, asuperfície não terá de ser o resultado de uma vez dois pés?

    Escravo: - Terá.

    Sócrates: - Mas este lado mede também dois pés; portanto a superfície não é igual a duasvezes dois pés?

    Escravo: - É.

    Sócrates: - A superfície por conseguinte mede duas vezes dois pés? Escravo: - Mede.

    Sócrates: - E quanto iguala duas vezes dois pés? Conta e dize! Escravo: - Quatro, Sócrates.

    Sócrates: - E não nos seria possível desenhar aqui uma outra figura, com área dupla e delados iguais como esta?

    Escravo: - Sim, seria.

    Sócrates: - E quantos pés, então, mediria a sua superfície? Escravo: - Oito.

    Sócrates: - Bem; experimenta agora responder ao seguinte: que comprimento terá cada ladoda nova figura? Repara: o lado deste mede dois pés, quanto medirá, então, cada lado doquadrado de área dupla?

    Escravo: - É claro que mede o dobrodaquele.

    Sócrates: - (A Mênon): Vês, caro Mênon, que nada ensino, e que nada mais faço do queinterrogá-lo? Este rapaz agora pensa que sabe quanto mede a linha lateral que formará oquadrado de oito pés. És da minha opinião?

    Mênon: - Sou.

    Sócrates: - Mas crês que ele de fato saiba? Mênon: - Não, não sabe.

    Sócrates: - Mas ele está convencido de que o quadrado de área dupla tem também o lado

    duplo, não é?Mênon: - Está, sem dúvida.

    Sócrates: - Observa como ele irá recordando pouco a pouco, de maneira exata.Responde-me (disse voltando-se para o escravo): tu dizes que uma linha dupla dá origem auma superfície duas vezes maior? Compreende-me bem: não falo de uma superfície longade um lado e curta de outro. O que procuro é uma superfície como esta, igual em todos ossentidos, mas que possua uma extensão dupla, ou mais exatamente, de oito pés. Reparaagora se ela resultará do desdobramento da linha.

    Escravo: - Creio que sim.

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    Sócrates: - Será, pois, sobre esta linha que se construirá a superfície de oito pés, setraçarmos quatro linhas semelhantes?

    Escravo: - Sim.

    Sócrates: - Desenhemos então os quatro lados. Esta é a superfície de oito pés? Escravo: - É.

    Sócrates: - E agora? Não se encontram, porventura, dentro dela estas quatro superfícies,das quais cada uma mede quatro pés?

    Escravo: - É verdade!..

    Sócrates: - Mas então? Qual é esta área? Não é o quádruplo? Escravo: - Necessariamente.

    Sócrates: - O duplo e o quádruplo são a mesma coisa? Escravo: - Nunca, por Zeus!

    Sócrates: - E que são, então? Escravo: - Duplo significa duas vezes; equádruplo, quatro vezes.

    Sócrates: - Por conseguinte, esta linha é o lado de um quadrado cuja área mede quatrovezes a área do primeiro?

    Escravo: - Sem dúvida.

    Sócrates: - E quatro vezes quatro dá dezesseis, não é?  

    Sócrates: - Mas, então, qual é o lado do quadrado da área dupla? Este lado dá o quádruplo,não dá?

    Escravo: - Sim.

    Sócrates: - A superfície de quatro pés quadrados tem lados de dois pés? Escravo: - Tem.

    Sócrates: - O quadrado de oito pés quadrados é o dobro do quadrado de quatro e a metadedo quadrado de dezesseis pés, não é?

    Escravo: - É.

    Sócrates: - E seu lado, então, não será maior do que o lado de um e menor do que o deoutro desses dois quadrados?

    Escravo: - Será.

    Sócrates: - Bem; responde-me: este lado mede dois pés e este quatro? Escravo: - Sim.

    Sócrates: - Logo, o lado da superfície de oito pés quadrados terá mais do que dois e menosdo que quatro pés.

    Escravo: - Tem.

    Sócrates: - Experimenta, então, responder-me: qual é o comprimento desse lado? Escravo: - Três pés.

    Sócrates: - Pois bem: se deve medir três pés, deveremos acrescentar a essa linha ametade. Não temos três agora? Dois pés aqui, e mais um aqui. E o mesmo faremos nestelado. Vê!, agora temos o quadrado de que falaste.

    Escravo: - Ele mesmo.

    Sócrates: - Repara, entretanto: medindo este lado três pés e o outro também pés, não sesegue que a área deve ser três pés vezes três pés?

    Escravo: - Assim penso.

    Sócrates: - E quanto é três vezes três? Escravo: - Nove.

    Sócrates: - E quantos pés deveria medir a área dupla? Escravo: - Oito.

    Sócrates: - Logo a linha de três pés não é o lado do quadrado de oito pés, não é? Escravo: - Não, não pode ser.

    Sócrates: - E então? Afinal, qual é o lado do quadrado sobre que estamos discutindo? Vê sepodes responder a isso de modo correto! Se não queres fazê-lo por meio de contas, traçapelo menos na areia a sua linha.

    Escravo: - Mas, por Zeus, Sócrates, nãosei!

    Sócrates: - (Voltando-se para Mênon): Reparaste, caro Mênon, os progressos que a suarecordação fez? Ele de fato nem sabia e nem sabe qual é o comprimento do lado de umquadrado de oito pés quadrados; entretanto, no início da palestra, acreditava saber, e tratoude responder categoricamente, como se o soubesse; mas agora está em dúvida, e temapenas a convicção de que não o sabe!

    Mênon: - Tens razão.

    Sócrates: - E agora não se encontra ele, não obstante, em melhores condiçõesrelativamente ao assunto?

    Mênon: - Sem dúvida!

    Sócrates: - Despertando-lhe dúvidas e paralisando-o como a tremelga, acaso lhe causamosalgum prejuízo? Mênon: - De nenhum modo!

    Sócrates: - Sim, parece-me que fizemos uma coisa que o ajudará a descobrir a verdade!Agora ele sentirá prazer em estudar este assunto que não conhece, ao passo que há poucotal não faria, pois estava firmemente convencido de que tinha toda razão de dizer e repetir diante de todos que a área dupla deve ter o lado duplo!

    Mênon: - É isso mesmo.

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    LATÃO. Diálogos I: Mênon, Banquete, Fedro.

    rad. Jorge Paleikat. 21ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

    reve explicação do texto:

    esse texto, Platão procura defender a tese do inatismo das idéias. O personagem principal do Diálogo, Sócrates, procura mostrar a Menon

    omo é possível extrair verdades matemáticas de um jovem escravo analfabeto que nunca frequentou a escola. Dialogando com o escravo ezendo-lhe perguntas apropriadas, o filósofo consegue que o jovem escravo demonstre sozinho um teorema de geometria, no caso, o Teoremae Pitágoras. As idéias matemáticas vão brotando da mente do escravo à medida que Sócrates prossegue com suas indagações. Como foiossível ao escravo demonstrar um teorema, se ele nunca aprendeu geometria?

    xercícios:

    Sócrates: - Crês que anteriormente a isto ele procurou estudar e descobrir o que não sabia,embora pensasse que o sabia? Agora, porém, está em dúvida, sabe que não sabe e desejamuito saber!

    Mênon: - Com efeito.

    Sócrates: - Diremos, então, que lhe foi vantajosa a paralisação? Mênon: - Como não!

    Sócrates: - Examina, agora, o que em seguida a estas dúvidas ele irá descobrir, procurandocomigo. Só lhe farei perguntas; não lhe ensinarei nada! Observa bem se o que faço éensinar e transmitir conhecimentos, ou apenas perguntar-lhe o que sabe.

     

    (E, ao escravo): Responde-me: não é esta a figura de nosso quadrado cuja área medequatro pés quadrados?

    Escravo: - É.

    Sócrates: - A este quadrado não poderemos acrescentar este outro, igual? Escravo: - Podemos.

    Sócrates: - E este terceiro, igual aos dois? Escravo: - Podemos.

    Sócrates: - E não poderemos preencher o ângulo com outro quadrado, igual a estes trêsprimeiros?

    Escravo: - Podemos.

    Sócrates: - E não temos agora quatro áreas iguais? Escravo: - Temos.

    Sócrates: - Que múltiplo do primeiro quadrado é a grande figura inteira? Escravo: - O quádruplo.

    Sócrates: - E devíamos obter o dobro, recordaste? Escravo: - Sim.

    Sócrates: - E esta linha traçada de um vértice a outro da cada um dos quadrados interioresnão divide ao meio a área de cada um deles?

    Escravo: - Divide.

    Sócrates: - E não temos assim quatro linhas que constituem uma figura interior? Escravo: - Exatamente.

    Sócrates: - Repara, agora: qual é a área desta figura? Escravo: - Não sei.

    Sócrates: - Vê: dissemos que cada linha nestes quatro quadrados dividia cada um pelametade, não dissemos?

    Escravo: - Sim, dissemos.

    Sócrates: - Bem; então quantas metades temos aqui? Escravo: - Quatro.

    Sócrates: - E aqui? Escravo: - Duas.

    Sócrates: - E em que relação aquelas quatro estão para estas duas? Escravo: - O dobro.

    Sócrates: - Logo, quantos pés quadrados mede esta superfície? Escravo: - Oito.

    Sócrates: - E qual é seu lado? Escravo: - Esta linha.

    Sócrates: - A linha traçada no quadrado de quatro pés quadrados, de um vértice a outro? Escravo: - Sim.

    Sócrates: - Os sofistas dão a esta linha o nome de diagonal e, por isso, usando esse nome,podemos dizer que a diagonal é o lado de um quadrado de área dupla, exatamente como tu,ó escravo de Mênon, o afirmaste.

    Escravo: - Exatamente, Sócrates!

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    Seguindo os passos propostos por Sócrates no diálogo com o escravo, procure demonstrar através de desenhos geométricos esseimportante teorema, que você com certeza já estudou. Caso encontre dificuldades, peça ajuda ao seu professor de matemática.

    1.

     Qual o propósito de Platão nesse texto?2. A seu ver, as ideias matemáticas são adquiridas ou inatas?3.

    A experiência é a mãe da ciência!

    m oposição aos filósofos racionalistas, como Platão e Descartes, os filósofos empiristas vão defender que todos os nossos conhecimentosrovêm de nossas sensações e impressões. Tanto para Aristóteles e Epicuro na Antiguidade, quanto para John Locke e David Hume na idadeoderna, é unicamente de nossas experiências sensíveis que brotam nossas ideias. Um cego de nascença jamais poderá formar ideia alguma

    e cores, uma vez que ele nunca as percebeu. Esse exemplo nos mostra que nós formamos as nossas ideias através da repetição dasensações. Para os empiristas, a mente é como uma tabula rasa[1] , isto é, uma superfície limpa e vazia sobre a qual vão sendo depositados ouravados pouco a pouco os conhecimentos. Essa teoria é completamente inversa à precedente. Na proposta empirista, é sempre de fora que seriginam as nossas ideias. Mesmo a razão é modificada progressivamente por nossas experiências concretas. Toda ideia, por mais abstrataue seja, tem sua origem em ideias simples que foram adquiridas pela experiência. Uma criança não sabe a priori  que o fogo queima. Éxperimentando uma queimadura que ela aprende quando aproxima sua mão da chama. Ela construirá a partir dessa experiência concreta oue outras muito parecidas a relação de que é a causa (chama) que produz o efeito (queimadura).

    EXTO 2:

    reve explicação do texto:

    ohn Locke contesta a existência das ideias inatas propostas por René Descartes. Em seu livro Ensaio sobre o entendimento humano, ele tentaostrar que tudo o que nós temos na mente só pode ser elaborado a partir da experiência e da reflexão. Essa última nada mais é do que uma

    onsequência das operações mentais sobre as ideias de origem empírica.

    história em quadrinhos a seguir procura ilustrar um dos fundamentos da doutrina empirista de John Locke.

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    Material educativo produzido pelos alunos do Laboratório de Ensino de Filosofia da FAFICH / UFMG, no segundo semestre de 2000, sob arientação da Prof. Patrícia Kauark Leite)

    xercícios:

    Escreva um parágrafo explicando o comportamento do João Loca, personagem da história em quadrinhos, a partir da teoria proposta por John Locke (texto 2).

    1.

    De que forma a teoria empirista explicaria a demonstração do teorema de Pitágoras pelo escravo, relatada por Platão no texto 1.2.Sobre a origem dos nossos conhecimentos, a quem você daria razão: aos racionalistas ou aos empiristas?3.

    Razão ou sensibilidade?

    omo você pode constatar, as duas doutrinas acima esboçadas (racionalismo e empirismo) tratam do processo de aquisição do conhecimento

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    m geral e não especificamente do conhecimento científico. A experiência a qual se referem é a experiência ordinária, essa que faz parte dasossas relações cotidianas que estabelecemos com o mundo em nossa volta. Essa experiência é de certa forma comum a todos, quer sejamosentistas ou não. Ela é, no entanto, muito diferente das experimentações elaboradas e construídas nos laboratórios de pesquisa científica.

    preciso assim investigar o que caracteriza propriamente o modo de pensamento científico, na tentativa de delimitar o que o distingue doensamento em geral. O conhecimento científico se impõe e se apresenta não como um conhecimento entre outros, mas como umonhecimento necessariamente verdadeiro e universalmente válido. Esse ideal pode até não ser específico da ciência. A filosofia ocidentalesde a antiguidade grega sempre se perguntou pelas condições de possibilidade e finalidades de nosso conhecimento e sempre almejoutingir a verdade universal e necessária. Mas parece ter sido a ciência, a partir da revolução científica do século XVII, a transformar esse idealm realidade. Precisamos definir os critérios confiáveis de identificação da verdade.

    imos anteriormente que os racionalistas desconfiam dos testemunhos dos sentidos a ponto de considerar como certas apenas ou as verdadesstabelecidas pela atividade da mente (a demonstração) ou as verdades cuja evidência de impõe intuitivamente pela razão (intuição intelectual)

    ponto de considerar que a verdade é ela mesma seu próprio critério. Para os empiristas, é através da experiência que temos acesso imediatoos objetos do mundo (intuição sensível) e só a experiência pode ser considerada como a primeira e principal fonte do conhecimento do quexiste fora de nós.

    ssa oposição logo se revela menos radical do que parece. A filosofia crítica de Immanuel Kant proporá um pouco mais tarde uma solução paraproblema do conhecimento segundo a qual a oposição suposta entre razão e sensibilidade, ou entre teoria e experiência, deve ser inimizada. Para progredir no conhecimento científico é preciso não opor, mas conjugar a reflexão, que permite formular as hipóteses

    dequadas, e a experiência, que permite verificar ou confirmar as hipóteses propostas.

    xercícios:

    - Releia o texto do filósofo Immanuel Kant presente na atividade 10 do módulo anterior “Tipos de Conhecimento”.

    - Que elementos presentes no texto de Kant permitem traçar uma distinção entre experiência ordinária e experimentação?

    - De que forma Kant nesse texto relaciona teoria e experiência?

    Demonstração ou Experimentação?

    m seu Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo , publicado em 1632, Galileu opõe a concepção aristotélica à concepçãoopernicana, representadas por dois personagens imaginários: Simplício e Salviati. Simplício sustenta que a Terra é imóvel, enquanto Salviatifirma que ela está em movimento. Para sair do impasse, Galileu propõe nesse Diálogo a seguinte experiência: uma pedra é solta do alto doastro de um navio primeiro em repouso, depois em movimento. Nessas duas situações, onde cairá a pedra? Na condição do navio em

    epouso, tanto Simplício quanto Salviati concordam que a pedra caíra ao pé do mastro. No entanto, se o navio encontra-se em movimento

    etilíneo com velocidade constante, onde cairá a pedra: na água, atrás do navio em movimento, ou ao pé do mastro?

    ara Simplício, a pedra cairá na água, atrás do navio em movimento, pois a partir do momento em que foi solta do alto do mastro o navio terá se

    eslocado e a pedra seguirá sua trajetória vertical retilínea, independente do navio, uma vez que ela não se encontra mais presa a ele.

    ara Salviati, ao contrário, a pedra cairá no pé do navio, tal como acontece quando ele encontra-se em repouso pois ela manterá a velocidadeorizontal do navio que possuía antes de ser solta.

    m sua opinião, quem está com a razão: Simplício ou Salviati? Procure justificar o seu ponto de vista.

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    extrato do Diálogo de Galileu abaixo expõe parte da disputa entre os dois personagens, a favor e contra a mobilidade da Terra.

    EXTO 3:

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    xercícios:

    - Observe no texto acima que nenhum dos dois personagens - Simplício e Salviati – realizaram a experiência do navio. Procure identificar noxto os motivos que levaram Simplício a sustentar o seu ponto de vista.

    - Se também Salviati não realizou a experiência, qual seria o seu principal motivo para sustentar uma posição contrária a de Simplício?

    - A seu ver, o que é mais determinante para justificar a verdade científica: a teoria ou a experiência?

    s impasses da dedução

    o diálogo acima reproduzido, Salviati justifica seu ponto de vista apelando a um modo de raciocino que em lógica é classificado como deduçãou demonstração. Assim ele afirma: “Eu, sem experiência, estou certo de que o efeito seguir-se-á como lhe digo, porque assim é necessário quee siga”. Esse tipo de raciocínio consiste em fazer derivar de premissas previamente admitidas uma conclusão necessária. A dedução visaemonstrar a verdade de uma conclusão particular a partir de enunciados mais gerais. Vejamos um exemplo clássico de um silogismo dedutivo:

    Todos os metais se dilatam quando aquecidos;

    Ora, o ouro é um metal;

    -------------------------------------

    Logo, o ouro se dilata quanto aquecido.

    omo você já estudou no módulo anterior referente à Lógica, uma demonstração pode ser válida independentemente da verdade enunciada emada uma das proposições. Vejamos um exemplo de um raciocínio válido que se assenta em premissas falsas.

    Todas as criaturas com dentes são cleptomaníacas

    Ora, as galinhas têm dentes

    ----------------------------------------------------------------

    Logo, as galinhas são cleptomaníacas

    omo pode observar, o raciocínio acima é logicamente válido, independentemente da verdade material das duas premissas adotadas.

    análise dos raciocínios dedutivos e demonstrativos mostra que a conclusão não encerra nada mais do que está já contido nas premissas.

    ssa é, aliás, a principal razão que faz com que classifiquemos esse tipo de raciocínio como lógico ou certo. A função deles não é ampliar oosso conhecimento, mas apresentar de maneira rigorosa e necessária nossos raciocínios. Isso significa que a Lógica é uma ciência puramentermal: ela se interessa pela forma dos raciocínios e não com os seus conteúdos. Sendo assim, a Lógica não nos ensina nada sobre o mundo,em nos permite descobrir verdades novas. Uma vez dadas tais e tais premissas, segue-se necessariamente a validade lógica da conclusão.e do ponto de vista lógico o problema parece resolvido, do ponto de vista epistemológico, queremos justamente entender de que forma oonhecimento progride. Assim, como saber que o ponto de partida das deduções é verdadeiro, certo ou ao menos confiável?

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    1. Regressão infinita: para se fundamentar um raciocínio dedutivo, é necessário demonstrar a verdade das premissas aceitas, asquais se assentam em outras premissas que requerem igualmente demonstração e assim sucessivamente ao finito. Isso épraticamente irrealizável.

    2. Círculo vicioso ou petição de princípio: nas tentativas de se demonstrar a verdade de um enunciado, muitas vezes se recorrea premissas que por sua vez pressupõem o próprio enunciado como verdadeiro. Isso produz um raciocínio circular e defeituoso

    e, portanto, não pode legitimar a dedução.

    3. Interrupção arbitrária: Na impossibilidade de uma regressão infinita, interrompe-se a cadeia demonstrativa em um pontodeterminado em que se considera razoável. Apesar de realizável em princípio, essa alternativa implicaria uma suspensãoarbitrária do princípio de fundamentação suficiente, levando à adoção de um ponto de partida dogmático.

    ão obstante esses impasses, que já haviam sido apontados pelo filósofo cético grego Agrippa no século I d. C., René Descartes vê naemonstração um instrumento poderoso e eficaz de busca pela verdade, à condição que sejam utilizadas na cadeia dedutiva apenasroposições verdadeiras. Nesse caso, a conclusão não seria apenas validamente deduzida, mas a verdadeira enunciada por ela seriaualmente certa. O modelo de raciocínio demonstrativo para Descartes não é o silogismo aristotélico, mas a dedução matemática presente noslementos de geometria, do matemático grego Euclides. Foi esse geômetra, que desde a Antiguidade, teria nos legado uma obra exemplar dema ciência fundada em raciocínios não apenas válidos, mas verdadeiros. Uma demonstração é verdadeira se é demonstrada a partir de

    roposições anteriores, elas mesmas verdadeiras. Mas é preciso que as proposições anteriores sejam demonstradas a partir de outrasroposições mais primitivas e assim sucessivamente... Euclides nos teria apresentado a solução para o regresso infinito. Nas demonstraçõeseométricas os teoremas são derivados uns de outros a partir de um pequeno número de axiomas ou postulados. Estes mesmos sãodemonstráveis, porém constituem os pontos de partida de todas as demonstrações. Todo o edifício de demonstração repousa sobre essesdemonstráveis.

    e não podemos demonstrar a verdade dos postulados, como podemos estar seguros de sua verdade? Para Descartes, um postulado, comoor exemplo aquele que afirma que “dois pontos determinam uma e somente uma reta” é uma proposição aceita sem prova, pois a sua verdadeestabelecida com tanta clareza e evidência, que é impossível não assentirmos a ela. A partir dessas evidências primitivas, podemos em

    rincípio reconstruir demonstrativamente, por deduções progressivas, todas as outras verdades. Todas as verdades são assim objeto de umaedução, com exceção das verdades primeiras que são elas mesmas objeto de uma intuição intelectual, cuja certeza se impõe sem raciocínio,que garantem a verdade de todas as deduções feitas a partir delas. Intuição e dedução são portanto para Descartes uma “matemática

    niversal” (mathesis universalis), isto é, um método universal de descoberta de todas as verdades.

    EXTO 4

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    xercícios:

    - As quatro regras do método proposto por Descartes são correntemente nomeadas como: regra da análise, regra da enumeração; regra davidência e regra da dedução. Identifique no texto abaixo cada uma delas.

    - Relacione o texto acima com o projeto racionalista, estudado anteriormente.

    - A seu ver, nós podemos verdadeiramente conhecer tudo por demonstração, a partir de verdades primeiras?

    O raciocínio indutivo

    s empiristas reagiram fortemente à ideia de se aplicar ao conhecimento empírico o mesmo tipo de raciocínio próprio da matemática. Para eles,s leis da natureza não são deduzidas; elas são estabelecidas com base na experiência. Esta é regulada por outro tipo de raciocínio, nomeadodutivo, diferente do raciocínio demonstrativo. Chama-se assim indução a esse processo propriamente empírico de inferir leis gerais a partir dabservação de fatos da experiência. Ao contrário da dedução, a indução parte de premissas particulares (“O corvo A é negro”, “O corvo B éegro”, assim como o D, o E, o F, etc...) para produzir enunciados gerais (“Todos os corvos são negros”). Esse método de construção do saber entífico foi proposto pelo filósofo inglês no início do século XVII e depois retomado e aperfeiçoado por inúmeros outros filósofos. O próprioaac Newton formula assim a sua terceira regra de seu método científico geral: “ as qualidades dos corpos que pertencem a todos os corposobre os quais fazemos experiências devem ser consideradas como pertencentes a todos os corpos em geral” (“Regras para filosofar”,hilosophiae naturalis principia mathematica, 1. III, cap. 1). Os empiristas acreditam que através da indução as leis científicas são elaboradasom vistas a resumir a experiência adquirida, agregando os fatos da observação.

    raciocínio indutivo consiste assim em antecipar a experiência futura, concluindo de um fato observado outro fato esperado. Ele funda-se nauposição geral de que a ordem da natureza é imutável ou de que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Com base em experiênciasassadas, nós podemos esperar que uma chuva torrencial provoque uma inundação ou que o sol vai se levantar amanhã. Contrariamente àedução, a indução não implica nenhuma certeza. As conclusões são apenas prováveis. Mas se elas são formuladas com a prudênciaecessária, eles permanecem válidas.

    omo ressalta David Hume (filósofo escocês do século XVIII, um dos maiores representantes do empirismo), de um ponto de vista psicológico, adução reflete uma tendência natural de nosso espírito de expressar em leis naturais simples hábitos adquiridos pela experiência. Essandência é natural porque é vital:

    característica fundamental da indução se baseia na crença de que todo processo de investigação científica se funda na coleta debservações. Por essa razão, esse tipo de raciocínio é dito empírico. Como todas as leis repousam sobre as observações, elas devem ser bjetivas e neutras, sem pressupostos subjetivos ou prejulgamentos. As leis e teorias são assim generalizações de fatos objetivos: não há lugar ara juízos de valor, opiniões, nem para a imaginação. Para que as condições da indução sejam asseguradas é necessário:

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    1- Coletar um grande número de observações;

    2- Estabelecer as observações a partir de condições variadas;

    3- Propor uma lei que não entre em conflito com nenhuma observação conhecida;

    4- Garantir a reprodutibilidade das observações.

    e, por um lado, esse raciocínio por indução pode ter um grande valor prático, por outro lado, de um ponto de vista lógico, esse tipo deaciocínio não implica em nenhuma certeza. Na seção abaixo, vamos considerar os argumentos contrários a esse tipo de raciocínio.

    O problema da indução

    generalização feita a partir dos dados coletados pela experiência, por mais criteriosa que seja, não constitui uma demonstração lógica. Nãoá, com efeito, nenhuma certeza absoluta na inferência de que eventos futuros se comportem da mesma maneira que eventos semelhantescontecidos no passado. O próprio filósofo empirista David Hume formulou uma crítica radical a esse raciocínio por indução. Ele sustenta que afirmação “ O Sol se levantará amanhã” , baseada em experiências exaustivamente verificadas, não comporta nenhuma certeza necessária.rata-se, não de um conhecimento certo e seguro, mas de uma crença instintiva que nos permite orientarmos no mundo. Nós temos

    mperativamente necessidade em crer na continuidade de nossas experiências, na persistência e repetição dos fenômenos regulares queempre foram observados. Mas essa crença não nos fornece nenhum saber verdadeiro, nenhuma certeza inquebrantável. A certeza é umaaracterística lógica exclusiva dos raciocínios dedutivos. Não há lógica na indução.

    ara demonstrar que a indução não é um procedimento lógico, o filósofo da ciência Carl Hempel formulou também uma crítica demolidora,xpressa na forma de um paradoxo, o “paradoxo dos corvos”. Seu princípio consiste em constatar que, do ponto de vista lógico, a afirmaçãoTodos os corvos são negros” é equivalente à “Tudo o que não é negro não é um corvo”. Consequentemente, observar um cisne branco (nemegro, nem corvo) ou uma maça vermelha deveria ser uma confirmação indutiva dessa lei empírica. Uma sistematização desse argumentoostra que a noção de confirmação indutiva não tem coerência lógica.

    o ponto de vista histórico, são abundantes os exemplos que ilustram a insuficiência do raciocínio indutivo para explicar o progresso doonhecimento científico. O caso paradigmático do sistema astronômico proposto por Nicolau Copérnico cria sérios embaraços à defesa daerspectiva indutivista. Se tomarmos em consideração os dados da observação, o que vemos todos os dias é o movimento diurno do Sol.onsequentemente, por indução, somos levados a afirmar a tese contrária a Copérnico, ou seja, a de que é o Sol que se move ao redor daerra. Muitos outros exemplos mostram que um mesmo conjunto de observações pode levar à proposição de teorias contraditórias. Não hássim um progresso linear que nos autorize o salto dos enunciados particulares às leis universais.

    xercícios:

    Realizar o Roteiro de Atividades número 21 do programa de Filosofia do Ensino Médio, proposto no portal do Centro de Referência Virtual dorofessor (http://crv.educacao.mg.gov.br/).

    1. Realizar o Roteiro de Atividades número 22 do programa de Filosofia do Ensino Médio, proposto no portal do Centro de Referência Virtualo Professor (http://crv.educacao.mg.gov.br/).

    O modelo hipotético-dedutivo e o programa falsificacionista

    s críticas ao programa indutivista de análise da ciência levaram filósofos como Karl Popper (séc. XX) a propor outro modelo de explicação dorocesso de pesquisa científica, que possa ser logicamente fundamentado. As teorias científicas seriam sistemas constituídos nãodutivamente, mas como modelos hipotético-dedutivos. O ponto de partida do conhecimento não seria a observação pura e ingênua dos fatos,

    as um problema que emerge da quebra de expectativa entre o que julgamos teoricamente acontecer e o resultado empírico observado. Aência avança por tentativas e erros, conjecturas e refutações. Teorias são conjecturas ou hipóteses que uma vez formuladas para a soluçãoe um problema devem ser confrontadas à experiência para tentar falsificá-las. Nesse sentido, as teorias que resistirem às tentativas deefutação são as mais adaptadas para explicar a realidade. Trata-se de um modelo evolucionista do conhecimento, em analogia à teoriaarwiniana: a confrontação à experiência é uma forma de seleção natural das teorias científicas.

    ara Popper, uma teoria para ser considerada científica deve ser constituída de enunciados falsificáveis, isto é, enunciados que possam ser stados empiricamente e eventualmente rejeitados. De acordo com a definição proposta por Popper, um enunciado ou proposição p élsificável se existem enunciados de observação que, se forem verdadeiros, tornam a proposição p    falsa. Com base nessa definição,

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    entifique entre as opções abaixo, aquelas que correspondem a enunciados falsificáveis:

    a) Todos os corvos são negros.

    b) Todas as substâncias se dilatam quando aquecidas.

    c) Quando um raio de luz é refletido de um espelho plano, o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão.

    d) Amanhã ou chove ou não chove.

    e) Os planetas desenvolvem órbitas elípticas em torno do sol.

    f) Todos os pontos de um círculo são eqüidistantes do seu centro.

    g) A sorte é possível nas apostas esportivas.

    h) Nunca chove às quartas-feiras.

    i) Objetos pesados quando soltos perto da superfície da Terra, caem verticalmente para baixo se não forem impedidos.

     j) As ações humanas são motivadas por sentimentos de inferioridade de algum tipo.

    k) Pólos magnéticos diferentes se atraem mutuamente.

    l) Todos os solteiros não são casados.

    m) A história de toda a sociedade até hoje é a história da luta de classes.

    ara Popper as afirmações d, f, g, j, l e m não são falsificáveis. No caso das afirmações falsificáveis, você deve ter observado que o mundo

    ode ter quaisquer propriedades ou se comportar de qualquer maneira sem que isso afete a veracidade ou falsidade da afirmação. Nesseentido, Popper vai dizer que algumas predições astrológicas bem formuladas ou mesmo algumas proposições do campo da psicologia, daociologia ou da história são sempre verificadas e jamais falsificadas, pois não há nenhuma instância no mundo que seja capaz de refutar aroposição. Por isso elas não podem ser consideradas científicas. Muitas proposições que pretendem ser científicas são, aliás, para Popper seudo-proposições uma vez que não satisfazem o critério de demarcação do campo científico. Tal critério estabelece que são científicaspenas as proposições que podem, em princípio, ser falsificadas pela experiência.

    ontrariamente ao programa indutivista, o falsificacionismo muda o estatuto e papel da experiência. Ela não se apresenta mais como uma sériee observações. Trata-se de evidenciar o papel não da experiência neutra e passiva, mas da experimentação, uma ação voluntária e construídatravés de um exame e planejamento criteriosos de validação e teste das hipóteses. O método indutivista é assim substituído por um métodopotético-dedutivo, cujas etapas principais encontram-se abaixo resumidas:

    1. Formulação de hipóteses: conjecturas dentro de um quadro teórico a partir de um problema a ser resolvido;

    2. Experimentação: tentativas de refutação ou falseamento das hipóteses;

    3. Resultados: interpretação das observações e confrontação com os resultados esperados;

    4. Retorno à etapa 1, caso necessário;

    5. Formulação de leis, modelos e teorias: identificação do domínio de validade das hipóteses propostas na etapa 1.

    sse método é chamado hipotético-dedutivo, primeiro, porque as hipóteses são primeiras e, segundo, porque uma vez formuladas as hipóteses,m termos de enunciados gerais, consequências empíricas, expressas por enunciados particulares, podem ser logicamente deduzidas. As leisão são nesse modelo induzidas a partir das observações, mas hipoteticamente propostas pela mente e imaginação dos cientistas. Asbservações não se apresentam mais como ponto de partida para a elaboração das leis, mas como etapa posterior para submeter as hipóteseso crivo da experiência. Vejamos abaixo um exemplo simplificado do raciocínio hipotético-dedutivo:

    1. Hipótese Geral:

     Água, razoavelmente pura, congela a cerca de 0º C (se for dado tempo suficiente).

    2. Conseqüência, empiricamente testável, deduzida logicamente da Hipótese:

    Se a temperatura cair abaixo de 0º C, a água no radiador de meu carro, que é razoavelmente pura, vai congelar (se for dado tempo suficiente).

    opper procura assim mostrar que o raciocínio dedutivo não se aplica apenas ao campo da matemática, mas também ao das ciênciasxperimentais como a física, a química e a biologia. As deduções são derivadas de hipóteses previamente formuladas, mas o resultado dessaseduções é submetido ao veredito da experiência que, se negativo, fará modificar a hipótese de partida. No caso das ciências da natureza, oensamento e raciocínio são permanentemente confrontados a uma realidade externa. É o veredito dessa realidade que no final das contas diráe a hipótese de partida é aceitável ou falsa. A verdade absoluta das hipóteses propostas não nos é acessível. Podemos ter certeza apenas dalsidade das hipóteses, mas jamais da sua veracidade. Se elas não forem falseadas, elas permanecem como as mais bem adaptadas. Nãomos nenhuma garantia que em um futuro não muito distante elas não serão rejeitadas por um experimento mais evoluído. O conhecimentoentífico nessa perspectiva apresenta-se como continuamente revisável. Ele é continuamente exposto à crítica, susceptível de ser sempreubstituído por outro capaz de melhor explicar os fatos da experiência negligenciados ou mal compreendidos.

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    xercício:

    esolva a questão abaixo da Prova de Filosofia do Vestibular da UFMG de 2007.

    eia estes trechos:

    RECHO 1

    RECHO 2

    om base na leitura desses dois trechos e considerando outros conhecimentos sobre o assunto, EXPLIQUE por que, segundo Karl Popper, astrologia não pode ser considerada uma ciência.

    imites do programa falsificacionista

    falsificacionismo também tem seus limites. Uma das limitações concerne ao fato do critério proposto excluir áreas inteiras das ciênciasumanas, como a psicanálise, a sociologia e a história, do domínio do que pode ser considerado como propriamente científico. Mesmo noampo das ciências naturais há proposições que comportam um tal nível de abstração que de forma alguma apresentam-se como enunciadoslsificáveis. Outra limitação do falsificacionismo diz respeito à sua tese central de que teorias são descartadas se entram em conflito com abservação. Acontece que temos inúmeros exemplos na história da ciência que ilustram o fato de que mesmo em conflito com as observações,orias não são descartadas, pois na realidade não dispomos de outra melhor. O campo da experiência é tão suscetível a erros quanto o daoria. Aliás, as proposições de observação são elas mesmas dependentes da teoria e falíveis. Elas também podem ser rejeitadas se entram em

    onflito com a teoria.

    iante das limitações tanto do programa indutivista quanto do falsificacionismo, filósofos como Paul Feyerabend e Thomas Kuhnosicionaram-se criticamente quanto a qualquer tentativa de explicar em bases lógicas a atividade de pesquisa científica. Na visão desses

    utores, os critérios que nos permitem identificar os diversos campos científicos não são lógicos, mas históricos, políticos e sociológicos. Aência é uma atividade social, resultante do trabalho de uma comunidade científica, que compartilha visões de mundo, metodologias deesquisa variáveis, crenças e preconceitos. A racionalidade da ciência é limitada ao tempo e ao espaço. Não há um progresso científico linear ue possamos identificar como uma linha de evolução contínua do conhecimento. As teorias articulam-se em torno do que Thomas Kuhnhamou de paradigmas. Cada novo paradigma implica numa verdadeira revolução do conhecimento, que leva ao abandono da estrutura teóricanterior e a sua substituição por outra incompatível. Não há um campo de observações neutras que permitam confirmar ou falsificar uma teoria,as as próprias observações e experiências são teoricamente condicionadas pelo paradigma vigente.

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    xercício:

    esolva a questão abaixo da Prova de Filosofia do Vestibular da UFMG de 2002.

    eia estes trechos:

    RECHO 1

    RECHO 2

    partir das idéias contidas nesses trechos,

    - COMENTE a noção de paradigma neles presente.

    - DÊ dois exemplos dessa mesma noção retirados da história da ciência.

    ibliografia complementar:

    LVES, R. Filosofia da Ciência. São Paulo: Brasiliense, 1981.

    HALMERS, A. F. O Que é a Ciência, Afinal? Trad. Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 2000.

    UME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: CEN, 1972.

    ANT, I. Crítica da razão pura. (Prefácio e Introdução). Trad. Valério Rohden; Udo B. Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Osensadores).

    OYRÉ, A. Estudos de História do Pensamento Científico. Trad. Marcio Ramalho. Brasília: Ed. UnB; Forense, 1982.

    UHN, T. A estrutura das revoluções científi cas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 9ªed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

    OINCARÉ, H. ‘As hipóteses em física’. A ciência e a hipótese. Cap. 9. Trad. M. A. Kneipp. Brasília: Ed. UnB, 1984.

    OPPER, K. “Colocação de alguns problemas fundamentais”. A lógica da pesquisa científica. Trad. Leônidas Hesenberg e Octanny Silveira daota. São Paulo: Cultrix, 1975.

    OPPER, K. “Ciência: Conjecturas e Refutações”. Conjecturas e refutações. Trad. Sergio Bath. Brasilia: Ed. UnB, 1994.

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    ]Superfície de pedra lisa usada antigamente para se escrever. Com a evolução da técnica essa superfície foi substituída pelo papel emranco.

    ódulo Didático: A racionalidade científica: teoria e experiênciaurrículo Básico Comum - Filosofia do Ensino Médioutor(a): Patrícia Kauark Leiteentro de Referência Virtual do Professor - SEE-MG / outubro 2010