a questão social no brasil - os direitos econômicos e sociais como direitos fundamentais.pdf

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    AQuestoSocialnoBrasilosdireitoseconmicosesociais

    comodireitosfundamentais

    MariaVictoriaBenevides(sociloga,professoradaFaculdadedeEducaodaUSPediretoradaEscoladeGoverno)

    A Constituio brasileira vigente, dita Cidad e promulgada apsintensaparticipaopopular, estabelece comoobjetivosdaRepblica:construir uma sociedade livre, justa e solidria garantir odesenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalizao ereduzirasdesigualdadessociaiseregionaispromoverobemdetodos,sempreconceitosdeorigem, raa, sexo, cor, idade equaisqueroutrasformas de discriminao (art.3). Como fundamentos do Estadodemocrtico de Direito o texto constitucional afirma a soberania, acidadania,adignidadedapessoahumana,osvaloressociaisdotrabalhoedalivreiniciativaeopluralismopoltico.Osdireitossociaisincluemeducao, sade, moradia, trabalho, lazer, segurana, previdnciasocial, proteo maternidade e infncia e assistncia aosdesamparados(art.6).

    Os direitos dos trabalhadores especificam conquistas sociais que emnada ficam a dever s democracias populares socialistas e asdemocraciasprogressistasdochamadoprimeiromundo(art.7).[1]

    Nossa CartaMagna reflete, assim, uma feliz combinao de direitoshumanosededireitosdocidado,detalsortequelutarpelacidadaniademocrtica e enfrentar a questo social no Brasil praticamente seconfundecomalutapelosdireitoshumanosambosentendidoscomoresultadodeuma longahistriade lutas sociais e de reconhecimento,tico e poltico, da dignidade intrnseca de todo ser humano,independentementedequaisquerdistines.

    TemosumabelaConstituiosocialoque,semdvida,representaumavano considervel em relao histria de um pas regado comsangue de escravos. No entanto, ainda hoje, a realidade brasileiraexplode em violenta contradio com aqueles ideais proclamados.Sabemos todos que vivemos num pas marcado por profundadesigualdadesocial, frutodepersistentepolticaoligrquicaedamaisescandalosa concentrao de renda. E, hoje, ainda sofremos um

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    processodenegaodosdireitos sociais arduamente conquistados, namedida em que prospera a defesa de um Estado mnimo, queabandonaopovosuasorteequereduzacidadaniasliberdadescivisepolticas,mantendo,emcontrapartida,osprivilgiosdosdecimaeabrutalcarnciadedireitosdosdebaixo.OmaisrecenterelatriodeindicadoressociaisdoPNUDcolocaoBrasilem79 lugar.OprprioBancoMundial,insuspeitodesimpatiasesquerdistas,vemafirmandoqueapobrezatemcrescidomuitodevidoglobalizaoeconmicaeno o contrrio, como apregoam nossos deslumbrados arautos doneoliberalismo.

    PretendoabordarotemadaquestosocialnoBrasilvistadongulodesuavinculaocom a democracia e os direitos dela decorrentes, comnfase nos direitos econmicos e sociais, entendidos como direitoshumanos fundamentais. Nesse sentido, estarei falando de democraciacomo, prioritariamente, o regime que propicia a consolidao e aexpansodacidadaniasocial,comagarantiadasliberdadesedaefetivaeautnomaparticipaopopular.

    Democracia , assim, entendida como o regime poltico fundado nasoberania popular e no respeito integral aos direitos humanos. Estabreve definio tem a vantagem de agregar democracia poltica edemocraciasocial.Emoutrostermos,reneospilaresdademocraciados antigos, ou democracia poltica to bem explicitada porBenjamin Constant e Hannah Arendt , quando a definem como aliberdadeparaaparticipaonavidapblicaeademocraciamoderna,embasadanoidealrepublicano,nosvaloresdoliberalismopolticoedademocracia social.Ou seja, rene as exignciasda cidadaniaplena, anica que engloba as liberdades civis e a participao poltica, aomesmotempoquereivindicaaigualdadeeaprticadasolidariedade.

    Aquesto social inserese no contexto do empobrecimento da classetrabalhadora com a consolidao e expanso do capitalismo desde oinciodosculo19,bemcomooquadroda lutaedo reconhecimentodos direitos sociais e das polticas pblicas correspondentes, alm doespaodasorganizaesemovimentosporcidadaniasocial.Aprimeirae inarredvel constatao histrica se impe: at o sculo 19 ostrabalhadores ligados terranopodiamser expulsos tinham, apesarda pobreza, um mnimo de segurana. O capitalismo (tudo que slidodesmanchano ar) destruiu essaproteo social e provocou ashordasdeexcludosde todasorte.SeoEstadodoBemEstarSocial graas s lutas dos trabalhadores e aos ideais socialistas conseguiuuma certa estabilidade social, com o reconhecimento dos direitoseconmicos e sociais, o neoliberalismo veio provocar o segundo atodessa tragdia: agora aqueles excludos da terra, que conseguiram seafirmar como trabalhadores pela garantia das prestaes sociais doEstado, tudo perdem, j no tm propriedade e so despojados dos

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    direitoseconmicosesociais.Soosnovosproletriosdeterofinaldosculo20.

    Historicamente, os direitos econmicos e sociais foram (e, de certaforma, continuam sendo) aqueles dificilmente vieram a serreconhecidos isto , no apenas proclamados mas tambmacompanhados das devidas e eficazes garantias. So aqueles direitosdas classes ou grupos despossudos, sem poder econmico, semautonomiacultural,sempoderpoltico.

    Oprimeiro grupo de direitos humanos os direitos civs e polticosforam declarados e garantidos contra o sistema de desigualdade decondiojurdicaprpriodofeudalismo:adivisoestamental.

    Correspondem a afirmaes da igualdade de direitos individuais, deautonomiadoindivduocontraosgrupossociaisquetradicionalmenteoabafavam, como a famlia, a corporao de ofcios, a Igreja, osestamentos.Dissolvidaasociedadeestamentaleafirmadaaautonomiajurdicadosindivduos,verificase,empoucotempo(apartirdosc.19)queumanovadivisosocialseafirmava,agoraparadoxalmentesobomanto protetor da igualdade de direitos individuais : a diviso dasociedade emclasses proprietrias e classes trabalhadoras, em ricos epobres. Em 1847, afirmava Alexis de Tocqueville: a RevoluoFrancesa, que aboliu todos os privilgios e destruiu os direitosexclusivos, deixou no entanto subsistir um, o da propriedade (...)Dentroempouco,entreosquetmposseseosquenotm,queseestabelecer a luta poltica o grande campo de batalha ser apropriedade, e as principais questes da poltica passaro pelasmodificaes mais ou menos profundas a trazer ao direito depropriedade(Souvenirs).

    Foi contra a ascenso do capitalismo, como modo de vida isto ,como um novo tipo de civilizao na qual tudo se compra e tudo sevendequeseafirmaramosdireitoseconmicosesociais,assimcomoos direitos individuais foram reconhecidos e garantidos contra ofeudalismo.Portanto,aidiacentralaserenfatizadaaseguinte:semasuperao do capitalismo, os direitos econmicos e sociais nochegaro a se afirmar e se consolidar, principalmente nas sociedadesditasperifricas.

    As liberdades individuais locomoo, habeascorpus, igualdade devoto, livre associao, segurana foram o patamar sobre o qual seapoiouomovimentosocialistadosculo19parareivindicarosgrandesdireitoseconmicose sociais.Efetivamente, semas liberdadescivisepolticas, omovimento sindical teria tido enorme dificuldade para sedesenvolver.Osburguesesqueriamaliberdadedeassociaoparaeles,masnoparaos trabalhadores e sabiamque estavamexteriorizandoumacontradioinjusta,dopontodevistaticoejurdico.

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    bastanteconhecidaadistinohistricaemgeraes,oudimensesdosdireitoshumanos,apartirdosculo18,comosdireitosindividuais,ossociaiseoscoletivosdahumanidade.Noentanto,separaospasesdoprimeiromundofazsentidoessasucessohistricadedireitos,paransaquestosecolocadeoutraforma.Nuncativemosumarevoluoburguesa, no sentido de que as classes proprietrias no lutaram emdefesade liberdadescivisepolticasque lhes tivessemsendonegadas(ver,arespeito,aanlisedeSrgioBuarquedeHollandaquandoafirmaque, no Brasil, a democracia sempre foi um lamentvel malentendido). Em nosso pas, a conscincia da dignidade humana naliberdade,na igualdade,na solidariedadenasceuaomesmo tempo,deum s golpe, no sculo 20. fato inegvel, ademais, que sempretivemos a supremacia dos direitos polticos sobre os direitos sociais.Criamososufrgiouniversaloque,evidentemente,umaconquistamas, com ele, criouse tambm a iluso do respeito pelo cidado. Arealizao peridica de eleies convive com o esmagamento dadignidadedapessoahumana,emtodasassuasdimenses.Portanto, possvel afirmarmos que, ao contrrio dos pases europeus e daAmrica do Norte, aqui ao sul do Equador os direitos econmicos esociaissoacondioessencialparaarealizao das liberdades..Ouseja, os direitos econmicos e sociais so, para ns, a condio dademocracia,enoocontrrio.

    Ograndeproblemadosdireitoshumanosasuanoefetividade,poissuadefesadepender sempre da institucionalizaode um sistemadepoder, de uma posio de poder na sociedade. Objeto dos direitoseconmicos e sociais so polticas pblicas ou programas de aogovernamental, que visam a suprimir carncias sociais. Os titularesdessesdireitossoosgruposcarentesoudespossudoscomosujeitocoletivo,ouindividualmente,paratodasaspessoasqueoscompem.o que ocorre, por exemplo, com os direitos trabalhistas de fruiocoletiva e individual e dos direitos emmatria de acesso ao ensinofundamental (ver Constituio Federal, art.208). O sujeito passivo detais direitos sociais o Estado, ou os particulares que detm podereconmicotambmnocasodosdireitostrabalhistasedodireitosdeacessopropriedade.

    importante assinalar que os direitos fundamentais, justamente porseremdireitosjreconhecidoseproclamadosoficialmenteemnossaConstituio e em todas as convenes e pactos internacionais dosquais o Brasil signatrio no podem ser revogados por emendasconstitucionais, leisou tratados internacionaisposteriores.Osprojetosde emenda constitucional daPresidncia da Repblica, no sentido dodesmanche dos direitos trabalhistas , portanto, inconstitucional. Issosignifica que, alm de naturais, universais e histricos, os direitoshumanos so, tambm, indivisveis e irreversveis. So irreversveisporque medida que so proclamados, tornandose direitos positivos

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    fundamentais,nopodemmaisserrevogados.Soindivisveisporque,numademocraciaefetiva,nosepodesepararorespeitosliberdadesindividuais da garantia dos direitos sociais no se pode considerarnaturalofatodequeopovosejalivreparavotarmascontinuepresosteiasdapobrezaabsoluta.[2]

    Dado o carter inorgnico dos grupos sociais carentes no Brasil, umproblema central diz respeito necessidade de organizao e derepresentaodaavultaopapeldossindicatos,emrelaocategoriados trabalhadores, mesmo os no sindicalizados. Dentre as garantiasjudiciais , organizadas oficialmente, destacamse o dissdio coletivotrabalhista,a ao civil pblica, proposta pelo Ministrio Pblico ou,excepcionalmente,porONG(cujalegitimidadedeveseralargada,alis)e a desapropriao para reforma agrria. Outra garantia judicial, noorganizada oficialmente, a ao direta de inconstitucionalidade emrelao a polticas pblicas determinadas. Dentre as garantias nojudiciais, temos aquelas reconhecidas oficialmente, como a greve, aPrevidnciaSocial,osistemapblicodeeducaoeosistemanicodesade. Dentre as noreconhecidas oficialmente (o que no significaque sejam ilegalidades ), est a ocupao de terras para produoagrcolaoudeimveisparahabitao.

    A cidadania democrtica pressupe a igualdade diante da lei, aigualdade da participao poltica e a igualdade de condies scioeconmicas bsicas, para garantir a dignidade humana. Essa terceiraigualdade crucial, pois exige umameta a ser alcanada, no s pormeiosdeleis,maspelacorretaimplementaodepolticaspblicas,deprogramasdeaodoEstado.aquiqueseafirma,comonecessidadeimperiosa, a organizao popular para a legtima presso sobre ospoderes pblicos. A cidadania ativa pode ser exercida de diversasmaneiras,nasassociaesdebaseemovimentossociais,emprocessosdecisrios na esfera pblica, como os conselhos, o oramentoparticipativo,iniciativalegislativa,consultaspopulares.

    importante deixar claro que a participao cidad em entidades dasociedadecivilnosignificaaceitaradiminuiodopapeldoEstadoeste continua sendo o grande responsvel pelo desenvolvimentonacional com a garantia efetiva dos direitos dos cidados. O xitoeventual de algumas parcerias, de obras do chamado terceiro setor,nopodeobscureceressarealidade.dospoderespblicosquedevemser cobradas, por exemplo, as novas propostas de cidadania social,como os programas de renda mnima, de bolsaescola, de banco dopovo,depolciacomunitria,desadepblica,depolticaagrriaetc.

    conhecida a relao muitas vezes vista como dilemtica entreigualdade e liberdade. Ora, os direitos civis e polticos exigem quetodos gozem da mesma liberdade, mas so os direitos sociais quegarantiroareduodasdesigualdadesdeorigem,paraquea faltade

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    igualdadenoacabegerando,justamente,afaltadeliberdade.Porsuavez,nomenosverdadequealiberdadepropiciaascondiesparaareivindicao de direitos sociais. Um exemplo histrico do direitosocialeducaoparecemeeloqente.Jemabrilde1792,Condorcetalertava, no Relatrio sobre a Instruo Pblica apresentado AssembliaLegislativa:osdireitoshumanospermaneceroformaissenosefirmaremnabasedaigualdadeefetivadosindivduosemrelao Educao e Instruo. nesse sentido, alis, que se posicionamtodososcrticosdasmistificaesigualitrias,presentesnastesesdasoportunidades iguais na escola, apesar do abismo das diferenassociais.

    Para se discutir a conscincia de cidadania social numa determinadasociedade necessrio partir do reconhecimento da distncia quesepara,porumlado,leiseprincpiosfundantesdeliberdadesedireitose, por outro lado, a prpria conscincia de tais direitos, alm daexistncia(ouno)dosmecanismos institucionaisedos recursosparagarantir a sua prtica, ou a sua fruio. O reconhecimento dessadistnciaprovoca,numprimeiromomento,asseguintesindagaes:emque espaos exercida a reivindicao de direitos?A partir de quaisrelaes sociais? Frente a quais instituies? Em relao a quedemandas?(E.Jelin,1994).Tornaseevidente,portanto,queaidiadecidadania, assim como a de direitos, esto sempre em processo deconstruo e de mudana. Isso significa que no podemos congelar,num determinado perodo ou numa determinada sociedade, uma listafechada de direitos especficos. Tal lista ser sempre passvel detransformao, sempre historicamente determinada. Como assinalouHannah Arendt, o que permanece inarredvel, como pressupostobsico,odireitoaterdireitos.

    Percebese,assim,comoarelaoentrecidadaniasocialedemocraciaexplicitasetambmnofatodequeambassoprocessos.Oscidadosnumademocracianosoapenastitularesdedireitosjestabelecidosmasexiste,emaberto,apossibilidadedeexpanso,decriaodenovosdireitos,denovosespaos,denovosmecanismos.Oprocesso,portanto,no se d no vcuo. Lembra Marilena Chau que a cidadania exigeinstituies,mediaesecomportamentosprprios,constituindosenacriao de espaos sociais de lutas (movimentos sociais, sindicais epopulares)enadefiniodeinstituiespermanentesparaaexpressopoltica, como partidos, legislao, rgos dos poderes pblicos emecanismos de participao popular (como conselhos, oramentoparticipativo, consultas populares como referendos e plebiscitos e aprtica da iniciativa popular legislativa). Distinguese, portanto, acidadania passiva aquela que outorgada pelo Estado, com a idiamoral da tutela e do favor da cidadania ativa, aquela que institui ocidado como portador de direitos e deveres, mas essencialmenteparticipante da esfera pblica e criador de novos direitos para abrir

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    espaosdeparticipao.

    Aexpansodacidadaniasocialimplica,almdeumaaoefetivadospoderespblicosedapressopopular,numtipodemudanacultural,nosentidodemexercomoqueestmaisenraizadonasmentalidadesmarcadas por preconceitos, por discriminao, pela no aceitao dosdireitosdetodos,pelanoaceitaodadiferena.Tratase,portanto,deumamudanaculturalespecialmenteimportantenoBrasil,poisimplicaaderrocadadevaloresecostumesarraigadosentrens,decorrentesdevrios fatores historicamente definidos: nosso longo perodo deescravido,quesignificouexatamenteaviolaodetodososprincpiosde respeito dignidade da pessoa humana, a comear pelo direito vidanossapolticaoligrquicaepatrimonialnossosistemadeensinoautoritrio,elitista,ecomumapreocupaomuitomaisvoltadaparaamoralprivadadoqueparaaticapblicanossacomplacnciacomacorrupo, dos governantes e das elites, assim como em relao aosprivilgiosconcedidosaoscidadosditosdeprimeiraclasseouacimade qualquer suspeita nosso descaso com a violncia, quando ela exercida exclusivamente contra os pobres e os socialmentediscriminados nossas prticas religiosas essencialmente ligadas aovalor da caridade em detrimento do valor da justia nosso sistemafamiliarpatriarcalemachistanossasociedaderacistaepreconceituosacontra todos os considerados diferentes nosso desinteresse pelaparticipao cidad e pelo associativismo solidrio nossoindividualismo consumista, decorrente de uma falsa idia demodernidade.

    bem provvel que os mais jovens aqui presentes jamais tenhamouvido algo sobre uma certa democracia da gravata lavada. Noentanto,essaexpressojsintetizou,emdadoperododenossahistria,osonhodeconstruodeumasociedadeordeiraefeliz.Hquaseumsculo e meio, o liberal mineiro Tefilo Otoni, por exemplo,proclamava a causa da democracia da gravata lavada, a democraciapacficadaclassemdia,letradaeasseada,anicamerecedoradogozodosdireitospolticosdacidadania(Campanhadolenobranco,1860).

    Podemossorrirdessa lembranaantiga, embora elano reflita apenasumacuriosidadehistrica:aindahojeconvivemoscomadiscriminaocontra todos aqueles que no se encaixam no padro excludente deletrados e asseados e, portanto, no so considerados cidados complenosdireitos.Hpoucosanosouvimosdeautoridadepaulistanaqueaprefeituraspodeatenderaquelesquepagamimpostos,e,assim,sejustificaria o abandono de importante parcela do povo vtima deenchentesedesabamentos.Sotambmfreqentesasocasiesemquesepropeamutilaodacidadaniaporvriosmotivosdesdeacordapele atograude instruo (aindah,por exemplo,quemcondeneovotodo analfabeto!), passandopelonodireito dos jovens aos cursos

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    supletivos,poisaeducaodeadultosdeixoudeserresponsabilidadegovernamental(videaemenda14Constituio).

    Amudanaculturalnecessriadevelevaraoenfrentamentodeheranahistrica topesadaeainda ser instrumentode reaoaduasgrandesdeturpaesquefermentamemnossomeiosocialcomopartedeumacertaculturapolticaem relao ao entendimento do que sejamosdireitos fundamentais do ser humano. A primeira delas, muitocomentada atualmente e bastante difundida na sociedade, inclusiveentre as classes populares, referese identificao entre direitoshumanosedireitosdosbandidos.Essadeturpaodecorrecertamenteda ignorncia e da desin formao mas tambm de uma perversa eeficientemanipulao,sobretudonosmeiosdecomunicaodemassa,comoocorrecomcertosprogramasderdioeteleviso,voltadosparaaexploraosensacionalistadaviolnciaedamisriahumana.

    Asegundadeturpao,evidentenosmeiosdemaiornveldeinstruo(meioacadmico,mastambmdepolticoseempresrios),referesecrena de que direitos humanos se reduzem essencialmente sliberdades individuais do liberalismo clssico e, portanto, no seconsideramcomodireitos fundamentaisosdireitos sociais,osdireitosde solidariedade universal. Nesse sentido, os liberais adeptos dessacrena aceitam a defesa dos direitos humanos como direitos civs epolticos, direitos individuais segurana e propriedade mas noaceitam a legitimidade da reivindicao, em nome dos direitoshumanos, dos direitos econmicos e sociais, a serem usufrudosindividualoucoletivamente,ouseja,aquelesvinculadosaomundodotrabalho, educao, sade, moradia, previdncia e seguridadesocialetc.

    contra tal quadro histrico e com tais deturpaes muitas vezesconscientes e deliberadas, de grupos ou pessoas interessadas emdesmoralizaralutapelosdireitoshumanos,porquequeremmanterseusprivilgiosouporquequeremcontrolareusaraviolncia,sobretudoainstitucional, apenas contra os pobres, contra aqueles consideradosclassesperigosasquesedirigealutapelanovaeampliadacidadaniasocial.

    Finalmente, gostaria de concluir levantando uma questo de ordemprtica, relativa s possibilidades de transformao e de militnciapoltica.PartindodopressupostodequeosocialismonomorreuseusideaiscontinuamvivoseatuantesperguntoqualdeveriaseraopodasesquerdasnoBrasilhoje.

    Pensoque as esquerdas poderiam se unir a partir de uma plataformacomumcomdoiseixos:1)acrticaincisivadocapitalismoemsuafasemais selvagem de globalizao, visando sua superao 2) aconquista da democracia efetiva e, em especfico, da participao

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    popular. Os dois eixos convergem no compromisso com a promoodos direitos humanos e ideais humanistas, com nfase nos direitoseconmicos e sociais, aqueles historicamente consagrados nas lutassocialistas,oquejgaranteummnimodeconsensoentreasesquerdasdeorigemvria.

    Quantoaoprimeiroponto,tratasededenunciar,comomximorigor,aincompatibilidadeentredemocraciaecapitalismo.Estouconvencidadeque, ao invs da tradicional aliana com a democracia liberal, ocapitalismo hodierno mantm um casamento perfeito com o poderoligrquicoforamfeitosumparaooutro.Seurebentomaisnotvelesse neoliberalismo, que de maneira absolutamente insana vemtransformandoospobresemmiserveisedescartveis.Nenhumaformade democracia pode conviver com tal nvel de excluso social. NoBrasil,esseverdadeirohorroreconmicoaparecenodesmanchedasmnimasgarantiasdeseguridadesocial,comonasindecentespropostasde reforma da Previdncia ou na defesa das vantagens do trabalhoinformal e temporrio. Cabe s esquerdas insistir na solidariedadesocialcomovalorecomoexignciainarredveldademocracia.Nosetratamaisdehumanizarocapitalismo,poisnoestgioatualissojimpossvel. Tratase de propor sua superao por um sistema quecombine a democracia participativa com eficientes instrumentos deproteosocial(hvriasformasemdiscusso,desdearendamnimareformaagrria , passandopelobancopopular paraminicrdito e pornovas polticas publicas de sade e educao, aqui destacandose oprojetodabolsaescola,oqual tem sido citadoatpeloPresidentedaRepblica).

    Quantoaosegundoeixo,sabemosque,mesmoentrens,identificadoscom a herana generosa da revoluo por liberdade, igualdade,fraternidade,aadesoconcretasprticaseinstituiesdemocrticastem sido francamente insuficiente. Mas cabe s esquerdas, vtimaspreferenciaisdarepressonoregimemilitar,lutarcontraadoenamaisgravedenossosistemapoltico,oabusodopoder.Contraessemalsexiste um remdio: voltar s razes da democracia como soberaniapopular e cidadania ativa. Isto , devolver ao povo o poder decisrioque,emtese,seu.Nessesentido,ooramentoparticipativodoPartidodosTrabalhadores,oPT,parte indispensveldeprogramacomumdas esquerdas. evidente que outras prticas de demo craciaparticipativa devem ser ampliadas, como os conselhos, as iniciativaslegislativaseosplebiscitos,almdoapoioexplcitoaosmovimentossociaisepopulares.

    O abuso do poder mais evidente na instncia executiva. Uma dascaractersticasdenossahistriarepublicanaatendnciaasepervertero sistema presidencial de governo em dominao caudilhesca doPresidente da Repblica aquele presidencialismo imperial to

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    denunciadopelosatuaisgovernantesquando,naoposio,defendiamoparlamentarismo.Lutarcontraisso,hoje,umdeverfundamentaldasesquerdas,sequiserem,aovencer,exerceropoderdemocraticamente.

    Aprincipalquestopermanece:paraqueunirasesquerdasemtornodeumprojeto eleitoral? Se for para continuar omesmo jogo da polticaoligrquica, no vale a pena. Precisamos dizer, claramente, quequeremos ganhar para mudar, tanto no enfrentamento do capitalismorealmente existente (o verdadeiro capitalismo selvagem) quanto nasuperao da contrafao democrtica que vem sendo imposta peloneoliberalismotriunfante.

    Asolidariedade,hoje,maisurgentedoquenunca.Significaquetodossomos responsveis pelo bem comum. Considero, portanto, comoextremamenteperigoso(pormaisqueentendasuascausas)odescrditodo povo nas instituies polticas, pois isso ultrapassa a figura daspessoas,dosgovernanteseparlamentares,paraatingiroprpriocerneda ao poltica, acaba se transformando num descrdito na aopolticaenasuacapacidadetransformadora.Nopossvelsercidadoconscientecomrejeioatividadepoltica.Oresultadodaapatiapodeser uma atitude na vida social que o oposto de qualquer idia decidadaniademocrtica,queodasestratgiasindividuais,dosalvesequem puder, da justia pelas prprias mos, excluindo qualquerpossibilidade de ao coletiva, de solidariedade.Mas, como digo aosmeusalunos, souprofessora, logo... souotimista.Opensador italianoAntonio Gramsci afirmava que devemos ser pessimistas nodiagnstico, mas otimistas na ao. Acompanho a criao deassociaes de luta em torno de interesses pblicos e a atuao demovimentossociaisdegrandeimportnciacomooMST,Movimentodos Trabalhadores sem Terra assim como percebo o crescimentoconstante da conscincia poltica do povo (haja vista as recenteseleiesemSoPauloenopas,comavitriadaoposioedoPT)eumnovoentusiasmonajuventudeparaaparticipaocidad.

    Participodenovosprojetosdeeducaoemdireitoshumanoseparaacidadaniae,hdezanos,faopartedadireodaEscoladeGovernoescola de formao poltica, baseada nos princpios da democraciaparticipativa, da tica na poltica, do compromisso com odesenvolvimento nacional e do respeito aos direitos humanos. Paraconjurarmos o risco da consolidao da barbrie, escreve FbioKonder Comparato precisamos construir urgentemente ummundonovo, uma civilizao que assegure a todos os seres humanos, semembargo das mltiplas diferenas biolgicas e culturais que osdistinguem entre si, o direito elementar busca da felicidade. Serpedirmuitoparaopovobrasileiro?

    NoBrasil, a esperanaumavirtude revolucionria.Esta, comoumaexigncia contra a destruio feita pelo capitalismo predador neste

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    mundoglobalizadopelomaisperversoneoliberalismoeconmico,ograndedesafioparaosculo21.

    Refernciasbibliogrficas

    ARENDT,HannahDaRevoluo,SoPaulo:tica,1988.

    BENEVIDES,Maria Victoria deMesquita A Cidadania Ativa. SoPaulo:tica,1991.

    CidadaniaeDemocracia,inLuaNova,n33,1994.

    CidadaniaeDireitosHumanos, inCadernosdePesquisa,Fund.CarlosChagas,n104,julho1998.

    CHAU,MarilenaCulturaeDemocracia.SoPaulo:Moderna,1984.

    COMPARATO, Fbio Konder "A Nova Cidadania", in Lua Nova,28/29,1993,pp.85106.

    AAfirmaoHistrica dosDireitosHumanos, So Paulo:Saraiva,1999.

    AHumanidadenosculoagrandeopo,Univ.deCoimbra,fev.2000.Publ.narevistaPraga.

    JELIN,Elizabeth"ACidadaniadesdebaixo",inLuaNova,32,1994

    TOCQUEVILLE,AlexisdeSouvenirs

    Notas

    [1]O direito moradia conquista recente, tendo sido includo pelaemendaconstitucionaln26,de14/02/2000.

    [2] Ver resoluo n32/130 da ONU, de 1977 que estabelece : impossvelarealizaodosdireitoscivispolticossemousufrutodosdireitoseconmicos,sociaiseculturais.