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CADERNOS DA AMAZÔNIA www.terradedireitos.org.br destinação das terras, dos recursos naturais e da economia na Ama- zônia estão relacionadas com o modelo de desenvolvimento que predominará nos próximos anos. Essas questões ainda estão inde- finidas e abertas à apropriação pelos diferentes sujeitos políticos interessados em intervir no processo de desenvolvimento da região. Os Cadernos da Amazônia têm a proposta de oferecer uma análise desse contexto, partindo de uma concepção de desenvolvimento baseada no avanço constante da emancipação social, da maximização da democracia e no respeito aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais dos povos. Nesse sentido, os debates sobre a realidade socioambiental amazônica e os rumos do desenvolvimento regional são grandes desafios. A presença da Terra de Direitos, a partir dos trabalhos de assessoria jurídica às lutas populares na região de Santarém, Oeste do Pará, fomenta a elaboração deste boletim. Foi no contexto das experiências concretas que ganhou corpo a análise da Terra de Direitos, que ora se apresenta como contribuição para o debate político de al- ternativas que conduzam ao florescimento de uma Amazônia livre, justa e so- lidária. O avanço econômico e social ambientalmente sustentável da Amazônia deve estar relacionado com a cultura e com o modo local de produção. As po- pulações locais devem ter vez e voz quanto às propostas de desenvolvimento. Até o momento projetos como a expansão da monocultura da soja, constru- ção de grandes hidrelétricas e a chamada economia verde, não correspondem aos anseios dos povos. Por outro lado, a luta das comunidades por acesso à terra e políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento das formas locais de vida não tem apoios significativos. Nesse sentido valem as perguntas: O que é desenvolvimento e a quem ele serve? Índice Ë Violações de direitos humanos e as hidrelétricas na Amazônia: o caso dos Tapajós 2 Ë Economia verde na Amazônia: a corrida por territórios de compensação ambiental 4 Ë Soja: O grão que invadiu a nossa praia 5 Ë O campo quilombola no Oeste do Pará 6 Ë A luta dos extrativistas 7 Ë A luta indígena nos rios Tapajós e Arapiuns 8 A Ano 1 l Nº 1 l Abril 2013 Direitos humanos, desenvolvimento e luta social Desenvolvimento para quem? Sobre os Cadernos da Amazônia Os Cadernos da Ama- zônia são elaborados pela Terra de Direitos e têm o intuito de contribuir no debate entre organizações de direitos humanos, mo- vimentos sociais, pesquisa- dores e outros atores sociais, sobre os modelos de desen- volvimento em curso na Amazônia e o papel da so- ciedade e das lutas sociais em relação ao tema. Assim, serão analisados temas e fatos relacionados com os modelos de desen- volvimento em curso na Amazônia, discutindo pro- postas de uma atuação es- tratégica para a sociedade, de modo a compreender as contradições entre os mo- delos propostos e os modos de vida amazôni- cos, procurando democra- tizar a participação social na luta pela efetivação de direitos humanos, econô- micos, sociais, culturais e ambientais.

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CADERNOS DA

AMAZÔNIA

www.terradedireitos.org.br

destinação das terras, dos recursos naturais e da economia na Ama-zônia estão relacionadas com o modelo de desenvolvimento quepredominará nos próximos anos. Essas questões ainda estão inde-

finidas e abertas à apropriação pelos diferentes sujeitos políticos interessadosem intervir no processo de desenvolvimento da região.

Os Cadernos da Amazônia têm a proposta de oferecer uma análise dessecontexto, partindo de uma concepção de desenvolvimento baseada no avançoconstante da emancipação social, da maximização da democracia e no respeitoaos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais dos povos.

Nesse sentido, os debates sobre a realidade socioambiental amazônica e osrumos do desenvolvimento regional são grandes desafios. A presença da Terrade Direitos, a partir dos trabalhos de assessoria jurídica às lutas populares naregião de Santarém, Oeste do Pará, fomenta a elaboração deste boletim. Foino contexto das experiências concretas que ganhou corpo a análise da Terra deDireitos, que ora se apresenta como contribuição para o debate político de al-ternativas que conduzam ao florescimento de uma Amazônia livre, justa e so-lidária.

O avanço econômico e social ambientalmente sustentável da Amazôniadeve estar relacionado com a cultura e com o modo local de produção. As po-pulações locais devem ter vez e voz quanto às propostas de desenvolvimento.Até o momento projetos como a expansão da monocultura da soja, constru-ção de grandes hidrelétricas e a chamada economia verde, não correspondemaos anseios dos povos. Por outro lado, a luta das comunidades por acesso àterra e políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento das formas locaisde vida não tem apoios significativos. Nesse sentido valem as perguntas: Oque é desenvolvimento e a quem ele serve?

Índice

Ë Violações de direitos humanos e as hidrelétricas

na Amazônia: o caso dos Tapajós 2Ë Economia verde na Amazônia: a corrida por territórios

de compensação ambiental 4Ë Soja: O grão que invadiu a nossa praia 5Ë O campo quilombola no Oeste do Pará 6Ë A luta dos extrativistas 7Ë A luta indígena nos rios Tapajós e Arapiuns 8

A

Ano 1 l Nº 1 l Abril 2013

Direitos humanos,desenvolvimento e luta social

Desenvolvimento para quem?

Sobre os Cadernosda Amazônia

Os Cadernos da Ama-zônia são elaborados pelaTerra de Direitos e têmo intuito de contribuir nodebate entre organizaçõesde direitos humanos, mo-vimentos sociais, pesquisa-dores e outros atores sociais,sobre os modelos de desen-volvimento em curso naAmazônia e o papel da so-ciedade e das lutas sociaisem relação ao tema.

Assim, serão analisadostemas e fatos relacionadoscom os modelos de desen-volvimento em curso naAmazônia, discutindo pro-postas de uma atuação es-tratégica para a sociedade,de modo a compreender ascontradições entre os mo-delos propostos e osmodos de vida amazôni-cos, procurando democra-tizar a participação socialna luta pela efetivação dedireitos humanos, econô-micos, sociais, culturais eambientais.

2 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l MARÇO 2011

construção) um total de 30 hidrelétricas,conforme divulgado no Plano de Acelera-ção do Crescimento e no Plano Decenalde Energia do Governo Federal. Nas re-dondezas do Tapajós inicia-se um processotão obscuro e irregular quanto aquele quehá mais de três décadas assombra comu-nidades indígenas e ribeirinhas na regiãoda Volta Grande do Xingú. O projeto ba-tizado pela Eletronorte de Complexo Hi-drelétrico Tapajós é ainda mais ambicioso.No município de Itaituba o Governo Fe-deral e sua empresa energética planejamposicionar sete barragens divididas entreo Rio Tapajós e seu afluente Jamanxim.

Contudo, o Complexo Tapajós tempela frente algumas contradições a seremencaradas pelos defensores do projeto. Aprimeira delas é o alagamento de uma dasáreas mais protegidas da região: o ParqueNacional da Amazônia, uma das primei-ras unidades de conservação criadas peloGoverno Federal na Amazônia. Esse par-que, juntamente com outras unidades deconservação, formam o imenso complexoda bacia do Tapajós, considerado o maiormosaico de biodiversidade do planeta,áreas de floresta intocadas que serão emgrande parte inundadas com a construçãodas hidrelétricas.

Violações de direitos humanos e as hidrelétricas

na Amazônia: ocasoTapajósAmazônia abriga a maior biodi-versidade e a maior bacia hidro-gráfica do planeta, por essas e

outras razões é considerada a última fron-teira de desenvolvimento do capitalismointernacional. Na lógica do crescimentoeconômico, o Estado brasileiro pretendeimplementar vários projetos de “desen-volvimento” na região.

Assim, para o Estado, desenvolvimentoé trazer para a Amazônia o modelo decrescimento econômico do Centro-Sul doBrasil. Grandes obras, como as barragens,e grandes projetos, como a expansão dosmonocultivos, trariam “desenvolvimento”para a região. Que desenvolvimento e paraquem?

Esses projetos são implantados sem oconsentimento do povo da Amazônia eacabam por destruir as formas locais devida, pois geram grandes danos ambien-tais e dificultam o acesso às terras que sãoreivindicadas por indígenas, povos e co-munidades tradicionais. A energia produ-zida nas barragens e os grandes lucros dosmonocultivos não ficam com o povo.

Para essa região, riquíssima em recur-sos naturais e distante da maioria dos bra-sileiros, foram planejadas (algumas já em

A Rio Tapajós

ara viabilizar a construção do Com-plexo Hidrelétrico Tapajós, o Go-verno Federal editou, em 2012, a

Medida Provisória (MP) 558 que alterou o ta-manho de sete Unidades de Conservação(UCs): do Parque Nacional da Amazônia,criado em 2001, dos Parques Nacionais dosCampos Amazônicos, do Jamanxim, Mapi-guari, das Florestas Nacionais Itaituba I e II eda Área de Proteção Ambiental do Tapajós. Aalteração das UCs tem claro objetivo viabili-zar o alagamento causado pelas hidrelétricas,já que isso não pode ser feito em UCs.

A MP 558, convertida na Lei nº 12.678,em julho de 2012, é mais um capítulo do his-tórico de violação de direitos na Amazônia.Com andamento rápido, a MP foi aprovadapelo Congresso ignorando exigências consti-tucionais, uma vez que, segundo a lei brasi-leira, a alteração de unidades de conservaçãonão pode ser feita por medida provisória, poisdessa forma impede a participação popular nodebate sobre o meio ambiente. Essa mudançasó poderia ser feita por lei do Congresso Na-

cional, pois ai haveria possibilidade de debatesobre a alteração.

Além disso, a MP 558 afeta inúmeras co-munidades indígenas e ribeirinhas que vivem noentorno dessas unidades, que deveriam ter sidoconsultadas em respeito à Convenção 169 daOrganização Internacional do Trabalho (OIT).

Pela flagrante inconstitucionalidade daMP, o Ministério Público Federal (MPF), apósdenúncia da Terra de Direitos, ingressou comuma ação direta de inconstitucionalidade(ADI nº 4717), proposta em 2012 no Su-

premo Tribunal Federal. Na ação o MPF dizque não se podem reduzir as unidades de con-servação sem atender aos requisitos legais delicenciamento ambiental. Fazer as mudançasnas UCs para viabilizar uma obra que sequerteve seu estudo de viabilidade apresentado éum desrespeito à legislação ambiental e à po-pulação brasileira.

Em 2012 a Terra de Direitos ingressouoficialmente na ADI 4717 através de pedidode amicus curiae, para reforçar a atuação doMPF e pedir uma audiência pública no STF.

A inconstitucionalidade daMedida Provisória nº 558

P

FIQUE ATENTO! A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho,

que é lei no Brasil, garante que indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais te-

nham o direito de serem consultadas sempre que uma lei ou ato do governo atingir

seus direitos. Contudo, esse direito de consulta não tem sido respeitado, como muitos

outros direitos humanos. Agora o Governo Federal está regulamentando o direito de

consulta para estabelecer regras sobre quando ela deve ocorrer, como deve ser feita e

quem deve ser consultado. A participação popular nesse processo de regulamentação

é fundamental na luta por direitos.

MARÇO/2013 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 3

Na vila de Pimental, que poderá ser totalmente inundada, umacomunidade localizada às margens do rio Tapajós onde vivemaproximadamente 800 famílias, é grande a oposição ao projeto. Acomunidade se organiza e faz mobilizações em defesa da vida edo território. O pescador Eudeir Azevedo acredita que a hidrelé-trica não vai trazer benefício nenhum para os moradores da re-gião. Para ele a comunidade precisa lutar pela defesa do rio, pois80% da comunidade sobrevive do rio, “nossa meta é lutar paraque esse projeto não vá para frente, porque daqui depende nossacomunidade. Dependemos do rio, esse rio é nossa vida”.

A comunidade já convive com a entrada das empresas con-tratadas para dar os primeiros passos da construção. A presençadessas empresas significa o avanço de um modelo que irá sim-plesmente extinguir o modo de vida e a história das pessoas quelá vivem. A questão que salta aos olhos é saber se as pessoas des-sas comunidades também são consideradas cidadãos, sujeitos dedireito do Estado brasileiro, com direitos sociais a serem tambémrespeitados e efetivados.

As violações de direitos humanose a luta dos atingidos

modelo de desenvolvimento imposto para a Amazôniatem afetado não apenas os direitos, mas, sobretudo, avida de povos indígenas, quilombolas e demais popu-

lações tradicionais da região. A construção de barragens no Bra-sil tem um histórico de grandes impactos socioambientais eviolações de direitos humanos. No Tapajós não é diferente. As no-tícias sobre a construção das barragens têm impulsionado um pro-cesso de mobilização, ainda lento, mas significativo na região.Segundo Padre Edilberto Sena, do Movimento Tapajós Vivo, “asociedade precisa estar mais atenta a esse grave problema que trarágrandes impactos ambientais, sociais e econômicos”.

Essas populações que vivem ao logo do rio Tapajós não tive-ram informações oficiais sobre a construção das barragens e o ala-gamento de suas casas. Segundo a Coordenação do Movimentodos Atingidos por Barragem no Pará, “as barragens são construí-das de forma autoritária, no Tapajós esse método se repete. Nãotem sido consultadas as populações da região, nem os indígenas,pescadores, nem a população urbana.

O

UHE de São Luiz do Tapajós, con-siderada a quarta maior hidrelétricado país (teria potência inferior ape-

nas a Tucuruí, Itaipu e Belo Monte) afetará osMunicípios de Itaituba e Trairão, na regiãoOeste do Pará. É a maior das usinas do com-plexo e está em processo mais adiantado de li-cenciamento. Para que a usina seja implantadajá foram tomadas várias medidas legislativas eadministrativas para a realização do licencia-mento ambiental, que tramita no IBAMAdesde janeiro de 2012.

Os estudos de inventário da UHE de SãoLuiz do Tapajós foram realizados entre os anosde 2006 e 2008. O estudo de inventário exi-gido por lei é um levantamento com o obje-tivo de apresentar estudos ambientais que vãoavaliar a área de influência e os impactos so-cioambientais do empreendimento no meiosocial, econômico e ambiental.

Nesse estudo apresentado não há infor-mações sobre a presença das terras indígenasque serão afetadas pela barragem. Além dessagrave omissão, não foram realizadas a Avalia-ção Ambiental Integrada (AAI) e a AvaliaçãoAmbiental Estratégica (AAE), estudos que de-veriam avaliar o impacto de todas as hidrelé-tricas. Assim, não foram divulgadas quaisquerinformações oficiais sobre os impactos so-cioambientais que as cinco hidrelétricas doComplexo Tapajós irão causar conjuntamente.De acordo com Nota Técnica do Observatóriode Investimentos na Amazônia/INESC, a au-sência de debate com informações claras e

consistentes da dimensão dos impactos consi-derando o conjunto das obras planejadas temsido um grande problema. Como vimos, paraa Amazônia Legal estão previstas 30 hidrelé-tricas e até agora não se sabe os impactos ad-vindos do conjunto dessas obras.

A falta de AAI e AAE levou o MPF deSantarém a entrar com uma ação civil públicaexigindo a realização desses estudos e consultapública às comunidades. Em novembro de2012 a Justiça Federal de Santarém concedeuliminar determinando a paralisação dos estu-dos da UHE São Luiz do Tapajós até quesejam realizadas as referidas avaliações e, de-terminou, ainda, que seja realizada a ConsultaPrévia aos povos indígenas, conforme estabe-lecido na Convenção 169 da OIT.

No capítulo de violações aos procedimen-tos legais e aos direitos humanos na constru-

ção de hidrelétricas na Amazônia ganha aten-ção especial o papel do poder judiciário, poisas diversas ações ajuizadas pelos movimentossociais, organizações da sociedade civil e Mi-nistério Público revelaram um contraditóriopadrão de decisões judiciais que se afastam dosdireitos humanos na medida em que se apro-ximam dos tribunais.

Os estudos da usina hidrelétrica deSão Luiz do Tapajós

O

Suspensão de Liminar e os direitos humanos: Se consolidou no

Brasil um padrão de violação de direitos realizado exclusivamente por presidentes de

tribunais. Eles vêm autorizando a continuidade de todas as obras de infraestrutura pa-

ralisadas por liminares judiciais que reconhecem as violações dos direitos fundamentais

das comunidades atingidas pelos projetos. Sejam hidroelétricas (Belo Monte e Teles

Pires) ou ferrovias (Vale/MA), quando o judiciário local concede uma liminar suspen-

dendo as obras as empreiteiras e o Estado, através da chamada suspensão de liminar,

pulam instâncias e procedimentos para requer diretamente aos presidentes de tribunais

a suspensão da liminar, sob a única justificativa de dano ao suposto interesse público,

sem analisar as violações de direitos humanos. Ressalte-se que foram o STJ e STF que

abriram o perigoso precedente de estender às empresas um direito exclusivo do poder

público para acionar os presidentes de tribunais via suspensão de liminar.

Comunidade de Pimental

4 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l MARÇO 2011

Nacional sobre Mudança no Clima), queviabiliza a privatização do ciclo ecológicodo carbono. Tem-se notícia de outros 30contratos de REDD+ da mesma empresana Amazônia, semelhantes a este, firma-dos com comunidades e povos tradicio-nais, sendo um deles firmado junto aopovo indígena Awo "Xo" Hwara, tambémjá questionado, no fim de 2012, na Jus-tiça Federal de Rondônia, pela Advoca-cia-Geral da União.

Direitos X CompensaçõesEssa disputa hoje instalada entre “ter-

ritórios de direitos” das comunidades tra-dicionais e “territórios de compensaçãoambiental” também se apresenta na re-gião amazônica com o Programa BolsaVerde. A bolsa verde é uma compensaçãofinanceira para a conservação ambiental,mas não é política pública voltada para odesenvolvimento dos territórios. As co-munidades recebem um pequeno valorpor preservarem o maio ambiente, masnão recebem políticas públicas para fo-mentar o manejo sustentável dos recursosnaturais e territoriais.

Importante também destacar que oNovo Código Florestal criou mecanismospara o avanço desse sistema de compensa-ções. A realização do Cadastro AmbientalRural (CAR) e a integração dos proprie-tários rurais no Programa de Regulariza-ção Ambiental (PRA), criados pelo NovoCódigo Florestal, permitem a criação dasCotas de Reserva Ambiental (CRA). ACRA viabiliza que excedentes de reservalegal de imóveis rurais sejam transforma-dos em cotas e vendidos na bolsa de valo-res, como o que já acontece na BV-RioBolsa Verde do Rio. Na prática, aqueles

Economia verde naAmazônia: a corrida por territórios de compensação ambiental

erca de 300 milhões de pessoasno mundo, como indígenas, ex-trativistas, camponesas e outras

populações tradicionais, dependem dire-tamente das florestas para sua sobrevi-vência. Muitos desses grupos estão naAmazônia. A vida dessas pessoas tem setornado cada vez mais difícil, pois seusterritórios são cobiçados por madeireiras,empresas de minérios, petróleo, gás e car-vão mineral, para criação extensiva degado, para monoculturas e para viabilizargrandes obras de infraestrutura.

Neste cenário de cobiça surge umanovidade: atribuir um valor em dinheiroà natureza para que ela seja preservada.Essa é a questão posta com os instru-mentos de compensação ambiental: fazera floresta valer mais em pé que derru-bada, de modo que a proteção da biodi-versidade vire um negócio. A preservaçãoambiental seria feita, pois se ganhariamais dinheiro com a floresta do que aderrubando.

Dentro dessas propostas de “mecanis-mos inovadores”, verdadeiros instrumen-tos de financerização dos bens comuns,como a natureza, está o REDD+ (redu-ção de emissões por desmatamento e de-gradação). Sobre REDD+, destaca-se ocaso do contrato celebrado pela empresairlandesa Celestial Green com um grupode índios da etnia Munduruku, no muni-cípio de Jacareacanga (PA).

Por este contrato a empresa teria di-reito de vender o carbono gerado por evi-tar o desmatamento nos mais de doismilhões de hectares da terra indígena, me-diante o pagamento de uma quantia emdinheiro aos índios. Contudo, tal contratoresultaria em um cerceamento aos direi-tos básicos da comunidade indígena, comdanos ao seu modo de vida e formas deuso tradicionais do território e floresta,pois o usufruto exclusivo dos indígenassobre a área do contrato seria limitado, in-cluindo severas restrições às atividadestradicionais de caça, pesca, plantio de ro-çados, construção de casas e etc., direitosprevistos na Constituição Federal.

Tal contrato foi analisado em um pa-recer jurídico elaborado pela Terra de Di-reitos, onde se concluiu pela invalidadedo contrato e da inconstitucionalidade doart. 9º da Lei n. 12.187/2009 (Política

que preservam em umapropriedade mais áreas doque o exigido em lei rece-beriam “premiação” finan-ceira através da CRAF.Além de não haver certezado valor recebido, haverialimitações à utilização des-sas áreas negociadas nabolsa de valores, mesmoque sustentável o manejonas áreas.

Por fim, não se podedeixar de dizer que as

CRAFs viabilizam a grandes proprietáriospagar para “compensar” a degradaçãoambiental em suas fazendas. A Terra deDireitos atua no tema através do Grupoda Carta de Belém, que tem por objetivolutar pela autonomia dos povos tradicio-nais, a fim de construir um desenvolvi-mento justo e sustentável.

C

Créditos de carbono e Usinas Hidroelétricas “limpas”

Grande contradição são as tentativas

de empresas barrageiras para validar

projetos de Mecanismo de Desenvol-

vimento Limpo (MDL) a partir da cons-

trução hidrelétricas. Essa validação

teria a pretensão de receber compen-

sações financeiras de agentes polui-

dores internacionais, pois as barragens

gerariam redução de emissão e car-

bono. Essa concepção de que o setor

energético no Brasil seria “limpo”, prin-

cipalmente por conta da participação

da hidroeletricidade na matriz energé-

tica, está no Plano Nacional de Mu-

danças Climáticas. No entanto, o que

se omite a esse respeito é que, até

hoje, no Brasil, as barragens já desalo-

jaram mais de um milhão de pessoas,

sem a devida indenização. Provocam

o alagamento de extensas áreas de flo-

restas e danos irreparáveis ao meio

ambiente e outros impactos socioam-

bientais. Só na região do Tapajós, a

construção de barragens deve remo-

ver 2,3 mil ribeirinhos de 32 comunida-

des e já promoveu a desafetação de

75 mil ha de florestas protegidas.

MARÇO/2013 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 5

Estado brasileiro ao agronegócio no vastoterritório amazônico, a Cargill AgrícolaS.A apostou no “novo corredor da soja”,que viabilizaria uma nova saída para ex-portar o grão produzido na região doCentro-Oeste e Norte. Curiosamente,mesmo sem produzir diretamente, as em-presas transnacionais de commodities do-minam o setor de grãos e financiam asvárias etapas do plantio. A presença daCargill facilitaria a expansão e a consoli-dação da soja no interior da Amazônia.

O apoio político e econômico da ex-pansão da soja na Amazônia é materiali-zado no fornecimento de tecnologia pelasinstituições de pesquisa estatais, como otrabalho da Embrapa em viabilizar a pro-dução do grão na região, com a aberturade créditos especiais aos produtores peloBanco da Amazônia e pela instalação ile-gal do porto da Cargill em Santarém. Oporto operou por dez anos sem o licen-ciamento ambiental, em desacordo comas normas brasileiras, o que só foi possí-vel por decisão judicial. Este licencia-mento é questionado pela CPT, STTR e aTerra de Direitos, entre outros, em fun-ção de fraudes, omissões e manipulaçõesde informações na confecção do EstudoPrévio de Impacto Ambiental e do Rela-tório de Impacto ao Meio Ambiente(EIA/RIMA), levando a empresa a con-seguir as licenças ambientais apenas emmeados de 2012.

A imigração de centenas de produtoresadvindos das regiões já consolidadas commonocultura sojeira disputa espaço com osterritórios tradicionais e comunidades lo-

Soja:o grão que invadiu a nossa praia

m meados da década de 90 o au-mento da demanda mundial porgrãos e seus derivados propor-

cionou saltos significativos na produçãoem grande escala brasileira. Valorizando-sede forma excepcional, a soja tornou-se umdos principais produtos do agronegócio ea sua expansão conta com grande estímulogovernamental, que a considera estratégicapara manter positivo o saldo comercial,“face às dificuldades decorrentes do endi-vidamento externo e à crença de que o au-mento das exportações é a principal molapropulsora do desenvolvimento”, segundoSergio Schlesinger, autor do livro "O grãoque cresceu demais – a soja e seus impac-tos sobre a sociedade e o meio ambiente.".

Entretanto, a monocultura da soja en-controu dificuldades em expandir-se noeixo centro-sul do país, já ocupado com aprópria soja e demais culturas do agrone-gócio. Rapidamente, e mais uma vez, aAmazônia surgiu como a nova fronteiraagrícola, sofrendo as consequências dessemodelo de expansão econômica. MatoGrosso, por exemplo, tornou-se em poucotempo o maior produtor de soja no Brasile o estado campeão de desmatamento naAmazônia, avançando sobre os territóriosquilombolas, indígenas, assentamentos detrabalhadores rurais, produzindo conflitose graves violações de direitos.

É nesse contexto que se dá, em 2000,a polêmica instalação do porto graneleiroda transnacional Cargill no município deSantarém, Oeste do Pará. Contando como asfaltamento da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163) e com os incentivos do

cais baseadas na agricultura familiar, cau-sando uma crescente de conflitos relacio-nados à terra, à degradação ambiental e àviolação de direitos humanos, inclusivecom ameaças e intimidações a lideranças.

Consequências do agronegócioO relatório elaborado pela Comissão

Pastoral da Terra em Santarém, a fim deacompanhar os impactos socioambientaisdo avanço do agronegócio na região,apontou que, até 2010, cerca de 500 fa-mílias deixaram suas terras para dar lugara campos de soja no oeste do Pará. Co-munidades inteiras deixaram de existir ouforam diminuídas para dar lugar aos lati-fúndios. O Sindicato dos Trabalhadores eTrabalhadoras Rurais (STTR) de Santa-rém e o Projeto Saúde Alegria mapearam,em 2008, cerca de 30 nascentes e igarapéscontaminados por agrotóxicos e/ou emprocesso de assoreamento causado pelafalta de mata ciliar, sem contar os danos àságuas subterrâneas. Esses danos se verifi-caram em áreas próximas a plantações desoja, que também contam com registrosde problemas de saúde dos moradores lo-cais consumidores dessas fontes de água.

Mesmo com os evidentes prejuízos so-ciais e ambientais esse modelo excludentevem sendo implementando e o agronegó-cio permanece sendo uma das bandeirasdo “desenvolvimento” que o Estado pro-põe à Amazônia. É preciso repensar o mo-delo de desenvolvimento para a região,levando em conta a biodiversidade, os ter-ritórios tradicionalmente ocupados e aagroecologia.

E

Soja na região Oeste do Pará

6 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l MARÇO 2011

Precarização do INCRAEnquanto o INCRA em Santarém dispõe

um serviço precário para atender às demandasquilombolas, o Governo Federal investe pesada-mente e desloca seus quadros de servidores parafazer titulação de lotes individuais através doPrograma Terra Legal, que promete disponibili-zar rapidamente milhares de títulos de proprie-dade que abrirão caminho para a mercantilizaçãoda terra e da floresta amazônica, viabilizando oavanço do agronegócio, o aquecimento do mer-cado de terras e a expulsão de indígenas, qui-lombolas e povos tradicionais do campo.

Merece especial destaque, dentre os múlti-plos aspectos dessa realidade de conflitos, a re-sistência incansável das comunidades contra aapropriação e a degradação ambiental de seusterritórios. Os quilombos da várzea lutam con-tra a ocupação das áreas de pastagem natural porcriadores de gado e búfalo, enquanto que nos

O campo quilombolano Oeste do Pará

tradicional modo de vida, de uso daterra e dos recursos naturais das co-munidades quilombolas sinaliza um

dos caminhos para a emancipação social, comdemocracia fundiária, economia solidária e sus-tentabilidade ambiental. Desse modo, comoocorre frequentemente em diversas outras for-mas de organização e trabalho, diferentes da so-ciedade do capital e da exclusão social, osquilombos também são alvos de violências e sis-temáticos esforços políticos que tencionam su-focar o seu desenvolvimento.

Na Superintendência do INCRA em San-tarém (SR-30) existem hoje 19 processos de ti-tulação de terras de comunidades quilombolasabertos, desses 16 ainda não passaram sequer aprimeira fase do procedimento, referente à pu-blicação do Relatório Técnico de Identificação eDelimitação (RTID), e nenhum título foi expe-dido até hoje. Esses procedimentos abarcam umtotal de 31 comunidades localizadas no BaixoAmazonas, no Oeste do Pará.

No município de Santarém, acompa-nhado diretamente pela Terra de Direitos,existem oito procedimentos de titulação deterritórios quilombolas em andamento, queabrangem um total de dez comunidades,sendo que a maioria deles iniciou a tramitaçãoem dezembro de 2003. Nesses processos é queforam publicadas as três primeiras Portarias deReconhecimento na região, referentes às co-munidades de Arapemã, Saracura e Bom Jar-dim, situadas em Santarém, não cabendo maisqualquer recurso administrativo quanto à di-mensão do imóvel ou a legitimidade dos be-neficiários. Esses três procedimentos estãoparalisados pela ausência de definição quantoà forma de desintrusão e indenização doseventuais posseiros, numa espera que nos doisprimeiros casos já ultrapassem dois anos.

territórios situados em terra firme, o problemado desmatamento e do cercamento de suas ter-ras por latifundiários tem suscitado denúnciasàs autoridades.

A principal consequência da resistênciatem sido a criminalização sistemática das lide-ranças pelas autoridades e as ameaças por partedos criminosos ambientais, que se transfor-mam em inquéritos policiais e processos cri-minais acompanhados pela Terra de Direitos.O mais recente capítulo dessa história são osconflitos no quilombo de Patos do Ituqui, co-munidade que se autodefiniu em 2012, vizinhaà histórica Fazenda Taperinha, conhecida pelosvestígios arqueológicos e históricos da escravi-dão. A comunidade foi impedida de adentrarem áreas de uso tradicional coletivo e usar osrecursos naturais da região por um fazendeirolocal, através de uma liminar em ação posses-sória. Com o apoio da Terra de Direitos, essadecisão foi suspensa no Tribunal de Justiça doEstado do Pará, ficando garantida, por en-quanto, a posse quilombola na área.

Isso só demonstra que a defesa contra a di-lapidação dos recursos naturais nos territóriosquilombolas de Santarém não pode ficar ape-nas a cargo das comunidades, e que a soluçãodesse e outros problemas, como a pressão fun-diária, reside, fundamentalmente, na ação doEstado através da titulação definitiva de suasterras tradicionais.

O trabalho de assessoria jurídica popular aquilombolas no oeste do Pará iniciou-se atravésda parceria com a Federação das OrganizaçõesQuilombolas de Santarém (FOQS), em 2008.A organização prioriza o empoderamento dosquilombolas, estratégia central de enfrenta-mento da injustiça ambiental e da desigualdadesocial. Os demais aspectos do trabalho de asses-soria jurídica popular complementam essa me-todologia de trabalho

O

STF: Ameaça aos quilombos no Judiciário (ADIN 3.239-9)A política pública de titulação dos territórios quilombolas anda a passos lentos devidoprincipalmente à oposição político ideológica feita pelos ruralistas. Com o início do jul-gamento da ADIN n. 3.239-9 no STF, em 2012, a situação piorou. Nessa ADIN o par-tido Democratas tenta declarar a inconstitucionalidade do Decreto Federal 4887/03,instrumento que garante a política pública. O início do julgamento se deu com o voto dorelator da ação, Cezar Peluso, que optou pela inconstitucionalidade do decreto, outrosdez ministros ainda votarão. Esse voto reforçou a posição dos ruralistas que emperramo andamento dos processos de titulação. A ADIN resume as posições políticas adota-das por ruralistas e pelos quilombolas na luta por direitos. Os ruralistas afirmam que osquilombolas só podem ter acesso à porção de terras que ocupam, ininterruptamente esem oposição, de 1888 a 1998, ano da promulgação da Constituição. De outro lado osquilombolas afirmam que a Constituição garantiu o direito de reprodução física, social ecultural das comunidades, sendo o direito ao território fundamental para a manutençãodas comunidades. Assim, a titulação deve abarcar o território que historicamente a co-munidade utilizou para sobreviver.

Atividade de formação com lideranças quilombolas

MARÇO/2013 l CADERNOS DA AMAZÔNIA Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 7

A luta dos extrativistas

mente de dentro da área da RESEX, operaçãodivulgada amplamente pela imprensa nacionalcomo a maior apreensão de madeira já reali-zada no Brasil.

A surpresa, contudo, veio logo em se-guida, quando se soube pela imprensa que amadeira apreendida seria leiloada no própriolocal e que o valor arrecadado seria doadointegralmente para que o Ministério do De-senvolvimento Social pudesse utilizá-lo noPrograma Fome Zero. Tal notícia causou re-volta nas comunidades da Resex, visto sentir-se espoliadas dos benefícios econômicosderivados da madeira extraída ilegalmente daprópria Reserva Extrativista.

Diante desta nova violência, foram enca-minhadas denúncias ao MPF e o órgão in-gressou com uma ação civil pública na JustiçaFederal de Santarém, solicitando que a doaçãoda madeira ao “Fome Zero” fosse cancelada.O juiz federal responsável pela ação concedeuliminar no sentido de que a madeira não fosseretirada até discussão final da ação. A partirdessa ação foi proposto um termo de ajusta-mento de conduta (TAC), onde que cinquentapor cento da madeira apreendida seria desti-nada a projetos de infraestrutura voltados paraa Resex Renascer. Esse TAC foi assinado, emjaneiro de 2013, pelo MPF, ICMBio, MDS eAssociação GUATAMURU.

Consolidação da RESEX RenascerAtualmente está em curso o processo de

criação do Conselho Deliberativo da Resex,para o qual a Terra de Direitos foi convidada

istoricamente o Estado do Pará temocupado posição de destaque noprocesso de legalização da grilagem

e da exploração ilegal de madeira, principal-mente quando os conflitos socioambientais sedesenrolam sobre terras públicas estaduais,pois o estado opta por adotar medidas e posi-ções políticas favoráveis à classe madeireira.Primeiro, as invasões, loteamentos ilegais egrilagem de terras de públicas, em seguida acorrida pelo “branqueamento” das atividadesilegais consolidadas, principalmente através denegociações partidárias, pressões políticas ecorrupção de agentes públicos. Foi assim nocaso da RESEX Tapajós-Arapiuns e da GlebaNova Olinda, no município de Santarém.

É nesse contexto também que se dá a his-tória de criação da Reserva Extrativista Re-nascer, no município de Prainha (PA). Umahistória de lutas e de resistência em defesa dafloresta, do território e do modo de vida tra-dicional, que começa por volta do ano de2001, quando a região do rio Uruará passou aser alvo de madeireiros.

Após a chegada das primeiras madeireiras,os conflitos com as comunidades aumentaramdevido às restrições do acesso das populaçõesaos territórios e recursos naturais, agora do-minados pelas empresas e pelos impactos so-ciais e ambientais gerados pela exploraçãointensa e predatória de madeira. E foi duranteesses conflitos que as reivindicações para cria-ção de modelos fundiários adequados para aregião começaram a circular, surgindo a pro-posta da Reserva Extrativista. Estudo iniciadoem 2003 pelo IBAMA comprovou que os an-cestrais dos atuais ocupantes da área viviam alipelo menos desde 1880.

Durante o período de idealização e arti-culação política para criação da RESEX Re-nascer, o cenário regional foi marcado pelarevolta dos ribeirinhos com a constante des-cida de balsas carregadas com madeira da re-gião através do Rio Uruará, sendo esta a razãoda luta pela decretação da área protegida. Asreivindicações populares incluíram momentosde grande tensão, como a queima de balsascom madeira no ano de 2007, quando os ma-deireiros responderam com ameaças e crimi-nalização de lideranças com o apoio total dapolícia militar local.

Após intensas lutas, o decreto presidencialde criação de Reserva Extrativista Renascer foiassinado em junho de 2009, com área de 400mil hectares. Esta publicação ao invés de pa-ralisar o processo de destruição da floresta,teve o efeito de acelerar ainda mais a extraçãode madeira, diante da iminência da retiradadas empresas da área. Em março de 2010, fi-nalmente, teve início a operação conjunta doIBAMA, ICM-Bio e Polícia Federal, chamadade “Arco de Fogo”, que apreendeu mais de 60mil metros cúbicos de madeira retirada ilegal-

pelas comunidades para integrá-lo. Os comu-nitários continuam a luta pela concretizaçãode seus direitos territoriais e pela garantia deconsolidação da RESEX que batalharam tantopara criar.

Agora o principal foco das comunidades quevivem naquela região é a luta pela consolidaçãoda Resex. O direito das quase 750 famílias extra-tivistas que vivem naquela região certamenteconstitui um dos focos principais da atuação daTerra de Direitos na região, pois da implantaçãoe funcionamento da RESEX Renascer dependeda integridade dos direitos humanos à moradia,à terra, à segurança alimentar e ao desenvolvi-mento sustentável destes povos amazônicos. Omodo de vida extrativista e ribeirinho, ademais, éconsiderado relevante à conservação da biodiver-sidade, nos termos da Convenção da DiversidadeBiológica (artigo 8, j).

Neste sentido, a consolidação definitiva daunidade e retirada das serrarias ilegais traduzmedida de respeito ao direito ao meio am-biente ecologicamente equilibrado e à prote-ção da biodiversidade local. Portanto, paraalém dos direitos humanos econômicos, so-ciais, culturais e ambientais das populaçõestradicionais extrativistas da RESEX, está emjogo o direito difuso ao equilíbrio ecológicoglobal. Neste particular, a RESEX Renascerabrange uma área de 400 mil hectares de flo-restas legalmente protegidas, mas que depen-dem imensamente de controle social ecomunitário para o seu gerenciamento e paraa fiscalização do cumprimento de sua funçãosocioambiental.

H

Devastação na Resex Renascer

CADERNOS DA AMAZÔNIA: Direitos Humanos, desenvolvimento e luta social

A luta indígena nos rios Tapajós e Arapiuns

os arredores dos municípios deSantarém e Belterra não há ne-nhuma terra indígena demar-

cada. À parte disso, vive-se umaverdadeira explosão de etnicidade e res-gate da memória e dos territórios ances-trais nessa região e, nesse processo,também aparecem os conflitos. Segundodados produzidos pelo Conselho Indí-gena Tapajós Arapiuns (CITA), os povosindígenas do Tapajós e Arapiuns corres-pondem a um total de 45 aldeias/comu-nidades distribuídas pelos municípios deAveiro, Belterra e Santarém, somandouma população de aproximadamente7.000 (sete mil) indígenas.

Uma peculiaridade a ser realçada, nes-

N

Realização: Terra de Direitos • Produção de conteúdo: Érina Batista Gomes e André Barreto •Jornalista Responsável: Ednubia Ghisi (MTb 8997/PR) • Contribuições: Fernando G. V. Prioste, An-tônio Escrivão Filho, Darci Frigo e João Carlos Bemerguy Camerini • Projeto Gráfico: SauloKozel Teixeira • Diagramação e editoração: SK Editora Ltda. ([email protected]) • Apoio Institu-cional: Ford Fundation e HBS • Disponível em www.terradedireitos.org.br

Rua Desembargador Ermelino de Leão, 14, cj. 75 l Centro l Curitiba, PR l 80.410-230 Fone/Fax: 41 32324660 l [email protected]

ses processos de etnogênese e territoriali-zação, é que muitos deles ocorrem de den-tro de unidades de conservação, como aFLONA Tapajós, existente desde 1974, ea RESEX Tapajós-Arapiuns, criada em1998. Esses dados sugerem que a luta peloreconhecimento indígena excede qualqueranálise simplista que procure explicá-launicamente como uma estratégia para ob-tenção de terras, visto que, nesses casos, ascomunidades já dispõem de áreas regulari-zadas e protegidas, ao menos legalmente.As demandas de regularização fundiária in-dígena remontam ao ano 2000, iniciandopelas comunidades de Taquara, Bragançae Marituba, de dentro da FLONA Tapa-jós, no município de Belterra/PA.

Os desafios para os povos indígenasInúmeros projetos de lei que tramitam

no Congresso Nacional representam

ameaça aos direitos territoriais dos

povos indígenas e à proteção do meio

ambiente. A PEC 215, por exemplo,

tem por objetivo transferir ao Con-

gresso Nacional a competência para

aprovar a demarcação das terras indí-

genas, que é de responsabilidade do

poder executivo, por meio da FUNAI.

Outro exemplo é o Projeto de Lei

1610/96, que permite a mineração em

terras indígenas, e a Portaria 303, me-

dida administrativa da Advocacia Geral

da União, que após ampla mobilização

dos povos indígenas foi suspensa, mas

previa revogar dispositivos constitucio-

nais relativos aos direitos dos índios.

Por outro lado, a aprovação do Estatuto

dos Povos indígenas (PL 760/2011) e a

criação do Conselho Nacional de Polí-

tica Indigenista (PL 3571), tramitam len-

tamente no Congresso Nacional.

A demarcação da Terra Indígena Maró A T. I. Maró está localizada na Gleba Nova Olinda, no Oeste do Pará. Na gleba

vivem 14 comunidades tradicionais, organizadas em assentamentos coletivos e

individuais, sendo que três delas (Cachoeira do Maró, São Pedro e Novo Lugar)

pediram a demarcação de suas terras como indígenas.

Habitada por povos Borari e Arapiun, a luta pela demarcação da Terra Indí-

gena Maró é especialmente emblemática, pois mostra claramente como a afir-

mação da identidade étnica se dá concomitantemente ao agravamento dos

conflitos e processos de defesa do território e da cultura tradicionais contra a

apropriação privada e à devastação ambiental. A autodefinição da TI Maró re-

monta ao final da década de 1990 e se desenvolve dentro de um contexto de re-

sistência à extração ilegal de madeira na região. Assim como na Resex Renascer,

o cenário inflamável e violento na Gleba Nova Olinda teve participação do próprio

Estado do Pará que em detrimento das populações locais criou figuras jurídicas

extravagantes a fim de instrumentalizar a extração ilícita de madeira antes de qual-

quer debate público sobre a destinação da gleba.

Assim, em 2009, no intuito de chamar a atenção das autoridades governa-

mentais, os comunitários detiveram duas balsas carregadas de madeiras com in-

dícios de ilegalidade e permaneceram por mais de um mês acampados na

Comunidade de São Pedro, na RESEX Tapajós-Arapiuns, exigindo, entre outras

coisas, o fim da extração ilegal de madeira, a demarcação da Terra Indígena Maró,

e a regularização fundiária. Este evento gerou um processo de criminalização das

lideranças, com diversas ações criminais que ainda tramitam na justiça. Contudo,

a partir desse incidente alguns avanços foram alcançados, dentre eles, a criação

e ampliação de projetos de assentamentos, a realização de algumas vistorias nos

planos de manejo na Gleba Nova Olinda e a demarcação da T. I. Maró, ainda em

curso na FUNAI.

Atividade de formação na terra indígena Maró