Ciclo de DebatesDemocracia , Estado Laico e Direitos

Humanos

CCR - Comissão de Cidadania e ReproduçãoRed Iberoamericana por las Libertades Laicas

Dezembro de 2008São Paulo

ENSINO RELIGIOSO, LAICIDADE E POLÍTICAS

PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

Ensino Religioso, Normativas e Políticas Públicas:Por onde seguir?

Prof. Dr. Fernando Seffner – UFRGS/FACED/Programa de Pós-Graduação em EducaçãoObservatório Interdisciplinar de Direitos Humanos da UFRGS

Rede Liberdades Laicas Brasil

De onde eu faloO lugar de professor da Faculdade de Educação,

orientando estágios docentes, preocupando-se com aprendizagens, currículo, didática, pedagogias, avaliação, planejamento, problemas disciplinares. O trabalho escolar miúdo. O lugar onde tudo acontece, ou seja, a sala de aula, a hora da aula, a aula.

O lugar de integrante do Observatório Interdisciplinar de Direitos Humanos da UFRGS e da Rede Liberdades Laicas Brasil. Direitos humanos e liberdades laicas, componente de estudos de um projeto financiado pela Fundação Ford. Ênfase em eventos de formação.

O ponto principal da minha fala

Apresentar um panorama sucinto e denso dos principais enfrentamentos e tensões que a escola pública brasileira atravessa nos dias de hoje, com especial atenção para as questões de ordem política e pedagógica, vinculando este quadro com o tema (necessidade ou não) da laicidade.

Sumário Escola, currículo, ensino público: ligeiras

considerações. Alguns pontos fundamentais do percurso

histórico da escola pública brasileira. Elementos centrais do momento político e

pedagógico que vive a escola pública brasileira.

Caminhos a seguir, tentações a evitar: as razões da laicidade como um princípio fundamental da escola pública brasileira.

Escola, ensino, currículoEscola, tal como a conhecemos entre nós:

projeto moderno, estreitamente vinculado à produção do cidadão de uma determinada nação, que domine determinada língua, que seja alfabetizado nos conhecimentos científicos necessários à compreensão do mundo da vida e do mundo do trabalho. Instrumento de produção de indivíduos homogêneos. Tradicionalmente, a escola (e os professores) tem horror às diferenças, às particularidades, aos processos de cada um. Ela é instrumento de produção de um coletivo. Ela expulsa ou pune os diferentes.

Escola, ensino, currículoLembremos dos rituais escolares, das filas,

das provas, da organização de horários e períodos, da padronização de currículos de norte a sul do país, do calendário escolar único, da “matéria” única para todos.

Todos tem que fazer as coisas na mesma velocidade. Todos tem que falar do mesmo modo, esquecendo particularidades.

Todos tem que aprender uma mesma história pátria.

Escola, ensino, currículo O aprendizado escolar implica a noção de percurso, a

aprendizagem é organizada ao redor de um currículo. Currículo é listagem ordenada de conhecimentos,

competências e habilidades, distribuídos no tempo, acompanhado da determinação de estratégias pedagógicas (ou instrucionais).

Currículo é relação de poder, é campo de disputa, é projeto de sujeito, é ideologicamente informado.

Currículo vincula-se estreitamente à produção de identidades culturais.

Currículo é documento de identidade de uma nação, de um território.

Currículos são produções datadas historicamente, se modificam, a depender das conjunturas políticas e da pressão de grupos sociais e outros interesses.

Histórico da escola pública brasileiraAs origens do aparelho escolar no Brasil são católicas,

mais particularmente jesuíticas.A tarefa da escola era a de produzir sujeitos cristãos, com

valores culturais europeus, evidentemente heterossexuais, obedientes ao rei, reforçando a hegemonia branca.

É de 1930 para diante que se configura a trajetória de uma escola com valores republicanos e laicos, mas ainda assim pouco inclusiva, embora nomeada pública, e muito pouco laica, basta ver as exigências que se faziam para quem quisesse ser professora.

A escola pública brasileira assume um conjunto de valores difusos, ligados ao ambiente urbano, e a um catolicismo ligeiramente progressista, que reconhece a ciência e valoriza a cidadania.

Histórico recente da escola pública brasileira Do final da ditadura (1985) aos dias de

hoje, forte movimento de ampliação da democracia no país (densidade democrática).

Movimentos sociais de afirmação de identidades.

Lutas políticas em torno dos direitos de identidades, dos direitos de grupos sociais.

Ex.: questões de raça e etnia; questões de gênero; questões de sexualidade; questões de afirmação regional e supra-regional; questões de geração; deficiência(s).

Momento político e pedagógico da escola pública brasileira - inclusão Escola pública brasileira; Escola pública brasileira inclusiva. Políticas de inclusão. Por exemplo, cotas. Políticas de inclusão. Por exemplo, universalização do

ensino fundamental. Direito de acesso ao ensino médio. Inclusão de alunos portadores de necessidades especiais

(visão, audição, deficiências motoras, deficiências mentais, deficiências cognitivas, etc.)

Inclusão de identidades diversas: travestis e transexuais estudando; grupos de lésbicas e gays assumidos nas escolas; tribos urbanas variadas (emoboys, punks, darks, galeras funk, grupos políticos estudantis de ideologias diversas, forrozeiros, metaleiros, patricinhas).

Também alunos envolvidos com o crime, com a máfia das drogas, com quadrilhas, com passagens pela polícia ou pela cadeia, estão hoje na escola.

Também alunos mais velhos, mulheres mais velhas, etc.

Momento político e pedagógico da escola pública brasileira - autonomia Escola pública brasileira: escola dotada de autonomia pedagógica, de

autonomia de organização e de autonomia financeira. Elege sua direção. Tem um conselho escolar. Tem personalidade jurídica.

A autonomia do trabalho escolar exige o estabelecimento de um PPP Projeto Político Pedagógico em cada escola.

Organização de um Regimento Escolar, de Planos de Trabalho e de Planos de Aula.

Cada vez mais, escola com autonomia para organizar seu calendário. Prestações de contas públicas das verbas trimestrais. A prática pedagógica nos últimos 10 anos aponta para uma organização do

currículo escolar a partir de três estratégias de ensino. Primeira: o ensino organizado por disciplinas. Resistência à criação de novas

disciplinas. Imensos debates acerca do que ensinar em cada disciplina. Segunda: o ensino através dos chamados temas transversais, da prática da

transversalidade na abordagem de temas por várias disciplinas ao mesmo tempo. Temas como educação para o trânsito, educação para a cidadania, sexualidade e DSTs; eleições; globalização; temas de ecologia, etc.

Terceiro: o ensino através de projetos executados e conduzidos a partir de demandas dos alunos, com participação de pessoas da comunidade escolar.

Por onde seguir? Tendo em conta o histórico traçado, e o panorama

contemporâneo da escola pública brasileira, destacamos algumas questões:

Primeira: estabelecer a diferença entre acesso (importante, mas simples acesso) e inclusão.

Inclusão com respeito à diferença. Políticas de solidariedade na diferença. Segunda: pensar cada vez mais a escola, e a sala de

aula, como espaços públicos, de negociação das diferenças e construção de cidadania.

Ainda não estamos acostumados com isso.

Por onde seguir? Terceira: a discussão da inclusão escolar

implica um “desarrumar a casa”: novos públicos, novas demandas, novos interesses. Novos conteúdos. Novas competências.

A escola tem que fazer diferença na vida dos alunos, de verdade.

Quarta: a escola é espaço público laico, é uma escola pública laica. Que espaço deve ter dentro dela a discussão do(s) pertencimento(s) religioso(s)?

Por onde seguir? A implantação do ensino religioso lembra claramente a

noção de catequese, de ensinar religião, como diz o nome da disciplina.

Coerente com a noção de escola pública brasileira inclusiva, o que deveria existir é uma abordagem do pertencimento religioso dos alunos e professores, tal como já se vem praticando com o pertencimento de raça e etnia; com o pertencimento de gênero e sexualidade; com o pertencimento regional e de geração.

Que valor cada criança, cada família, dá ao pertencimento religioso? Como discutir isso, reconhecendo diferenças, e estabelecendo as bases de uma política de solidariedade?

A escola, como ambiente de sociabilidade, tem que ser cada vez mais multicultural, multiétnica, multirracial.

Por onde seguir? Deve estar garantida a laicidade do

processo educacional escolar, que deve se pautar pela introdução do aluno no mundo da ciência e da técnica, especulando e questionando.

Pensar a escola pública brasileira como alinhada as estratégias de valorização da diversidade, de inclusão e de construção de uma política de solidariedade não se afina com os modelos de Ensino Religioso em implantação.

Por onde seguir?

Impressões da presença do ensino religioso na escola pública:

a) A inclusão dos diferentes gera indisciplina na sala de aula. O ensino religioso entra para restaurar uma disciplina de antigamente. A leitura da Bíblia, a oração, a docilização dos corpos.

Por onde seguir? Impressões da presença do ensino

religioso na escola pública:b) Paulo Freire era profundamente católico,

seu método educativo fala em valores de humanidade e até mesmo valores cristãos, mas numa direção de teologia da libertação. Não é o que acontece hoje em dia, na maioria das vezes, quando a religião entra na sala de aula.

Por onde seguir? Impressões da presença do ensino

religioso na escola pública:c) O apelo ao ensino religioso como

elemento de “docilização” dos alunos colabora para a manutenção de um professorado mais para “tia” do que para profissional da educação. Aqui há claras questões de gênero por analisar.

Por onde seguir? Impressões da presença do ensino

religioso na escola pública:d) O aumento da escolarização entre os jovens

no Brasil, fruto da universalização, já dá sinais positivos em pesquisas. Fundação Perseu Abramo, pesquisas sobre racismo, e sobre diversidade sexual. Escolarização ajuda na prevenção à aids. O ensino religioso muitas vezes se choca com algumas destas questões.

Saudação Final Obrigado pela

atenção.

Um bom seminário a todos nós.