a questÃo da verdade como forma de melhor conduzir a razÃo em renè descartes
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MONOGRAFIA
A QUESTÃO DA VERDADE
COMO FORMA DE MELHOR
CONDUZIR A RAZÃO
Tomando como principal obra
para desenvolvimento da
questão, o Discurso do Método de
René Descartes
Roselane Tesch Oliveira
MONOGRAFIA
A QUESTÃO DA VERDADE
COMO FORMA DE MELHOR
CONDUZIR A RAZÃO
Tomando como principal obra
para desenvolvimento da
questão, o Discurso do Método de
René Descartes
Rio de Janeiro
2006
UNIVERSIDADE ESTADUAL
DO RIO DE JANEIRO
A QUESTÃO DA VERDADE COMO
FORMA DE MELHOR CONDUZIR A
RAZÃO
Tomando como principal obra para
desenvolvimento da questão, o Discurso do
Método de
René Descartes
OBJETIVO: Esta Monografia tem por finalidade
tratar os pontos principais da obra Discurso do Método de René
Descartes, esmiuçando os pensamentos e questões que o levaram a
desenvolver um método para conduzir o pensamento humano de forma
matemática com a finalidade de, através da racionalidade, eliminar toda e
qualquer dúvida, ou seja, “a clareza e a distinção das idéias são o critério
pelo qual se reconhece a verdade” para Descartes. (Etienne, Gilson.
Discurso do método. Introdução e notas. Edições 70. 1993. p. 32)
NOTA BIBLIOGRÁFICA
Em linha gerais, René Descartes nasceu em La Haye, hoje chamada La
Haye-Descartes, a 31 de março de 1596. Estudou no Colégio de La Flèche,
dirigido pelos jesuítas. Ao sair do colégio, licenciou-se em Direito, em Poitiers,
e, segundo alguns, estudou, durante algum tempo, Medicina. Engajou-se mais
tarde no exército de Maurício de Nassau e viajou por vários países. Decidiu,
em 1629, dedicar-se ao estudo das ciências na Holanda e ali viveu até 1649
quando, a pedido da Rainha Cristina, da Suécia, foi para Estocolmo, onde
morreu a 11 de fevereiro de 1650, pouco antes de completar 54 anos.
Suas principais obras são: Discurso do Método, editada em Leida em
1637; Meditações, editada em Paris em 1641 (Uma segunda edição, com
Objeções e Respostas, foi editada em Amsterdam, em 1642); Princípios de
Filosofia, editada em Amstedam em 1644; Tratado das Paixões, editada em
Amsterdam em 1649. Entre suas obras póstumas estão: O Mundo ou Tratado
da Luz; Regras Para a Direção do Espírito e Correspondência.
PREFÁCIO
A filosofia cartesiana representa um dos mais importantes momentos do
racionalismo e do espírito crítico na história do pensamento humano, o
Discurso do Método é o prefácio do pensamento moderno.
Foi a partir de Descartes que iniciou-se uma nova fase da Filosofia. Uma
filosofia baseada na preocupação com os problemas do homem e pelas idéias
claras.
O interesse de estudos de Descartes voltava-se, não apenas para a
ciência e a inteligência, mas sim, pelo problema do homem.
Descartes procura, incansavelmente, a verdade, para, através dela,
chegar ao conhecimento da natureza e pô-la a serviço do homem.
SOBRE O FILÓSOFO
René Descartes nasceu na Touraine, em La Haye, hoje chamada La
Haye-Descartes, em 31 de março de 1596. Era filho de um conselheiro do
Parlamento da Bretanha, Joachim Descartes, e de Jeanne Brochard,
“mademoiselle du Perron”, nome que Descartes usou pra se matricular como
estudante em Leida, na Holanda, em 1630. Sua mãe morreu um ano depois de
seu nascimento e Descartes passou a ficar sob a guarda de sua avó materna,
junto com seus irmãos Pedro e Joana. Seu pai se casou de novo em 1600 com
Anne Marin, que também pertencia à classe de juízes, advogados, elementos
muito importantes dentro da burguesia da época que estava em plena
ascensão. No início do século XVII, Descartes entra para o Colégio de Lá
Flèche, fundado por Henrique IV e dirigido pelos Jesuítas. Descartes criticou o
ensino dos jesuítas, mas referiu-se a eles com respeito e elogios.
A Primeira Parte do Discurso resume e critica o programa dos cursos de
La Flèche, baseado na Ratio Studiorum. Inicialmente com Línguas Clássicas,
História Eloqüência e a Poesia. Depois mais três anos de Filosofia, onde era
aplicado um curso sobre Aristóteles ou S. Tomás com duas aulas de duas
horas diárias. Aos sábados, discussões onde os estudantes argumentavam a
favor ou contra uma tese escolhida. Esta era a base pedagógica dos ensinos
em Filosofia em La Flèche. As conclusões contraditórias, o verbalismo em
conseqüência da disputa impressionavam a Descartes. Os manuais
escolásticos do Cardeal Talet e do conimbricense Pedro da Fonseca,
ensinavam Lógica no primeiro ano de Filosofia que, acreditavam, se constitua
de uma “ginástica cerebral”. Comentava-se, também, Aristóteles (Categorias,
Os Primeiros Analíticos, diversos livros do Tópicos). No segundo ano,
estudava-se a Física de Aristóteles que fez com que Descartes tomasse
aversão pelas “formas ou qualidades das quais se disputa nas escolas”, e as
Matemáticas. No terceiro ano estudava-se a Metafísica de Aristóteles, que
Descartes revelou mais tarde, em carta enviada a Mersenne, “lhe encheria as
medidas acerca das diversas entidades que existem em nossa alma”. (Carta de
16 de outubro de 1639, apud Adam e Tannery, Oeuvres de Descartes, v. II, p.
598) Mas, apesar de sua oposição aos ensinos de La Flèche, Descartes
guardará muito dos mesmos.
Pouco se conhece sobre a vida de Descartes desde sua saída do
Colégio de La Flèche, que uns dizem ter sido em 1612, outros em 1614 ou
1615, até 1618, ano em que parte para servir no exército de Nassau. Apenas
se sabe, que em 1616, licenciou-se em Direito, em Poitiers, provavelmente
para satisfazer aos desejos de seu pai, com que não teve bom relacionamento,
Ele não era compreendido pelo pai, que, mesmo depois de Descartes ter se
tornado célebre, chamava-o de ridículo por querer ser um filósofo e viver
envolto em livros.
Descartes conhece Beeckman na Holanda, em 10 de novembro de
1618, e reconhece nele os mesmos interesses pelas questões de Física e de
Matemática e resolve se dedicar ao conhecimento da natureza. Porém,
somente mais tarde, após os três sonhos que teve na noite de 10 para 11 de
novembro de 1619 é que começa a encontrar os caminhos para chegar ao
conhecimento que procurava, “compreender os fundamentos de uma ciência
admirável que abrange todos os conhecimentos” (Costa, João Cruz. Discurso
do Método, Ed. Ouro, p.25). Para alcançar seu objetivo, Descartes passa a
viver solitário na Holanda a partir de 1628, a aí começa a escrever suas obras,
que serão responsáveis por uma nova fase da história do espírito humano. E,
começa a construir seu projeto de criar uma ciência universal, dá início ao seu
tratado O Mundo. O único problema, para Descartes, é que ele detesta
escrever livros, por isso, seu trabalho avança lentamente. Trabalha deitado,
levantando-se de vez em quando para anotar alguma coisa, depois volta para a
posição inicial para continuar a meditar. Apesar de seu método demorado de
escrever, Descartes promete a Mersenne que entregará seu tratado até o início
de 1633, porém, depois pede mais prazo para terminá-lo. Nesse mesmo
período, Descartes fica sabendo da condenação de Galileu (o livro de Galileu,
Massimi Sistemi, foi condenado a fogueira) e declara que não publicará seu
tratado, tendo em vista, ser este baseado nas teoria de Galileu sobre o
movimento terrestre. – “Confesso que, se esse movimento é falso, todos os
fundamentos de minha filosofia também o são, pois aquele se demonstra,
evidentemente, por estes. E está de tal maneira ligado com todas as partes do
meu Tratado, que não o poderia daí destacar sem tornar o restante
completamente defeituoso. Mas como não desejo, por nada deste mundo, que
de mim se origine um discurso em que se encontre a menor palavra que possa
ser desaprovada pela Igreja, desse modo prefiro suprimi-lo do que fazer com
que apareça estropiado. Nunca tive gosto em fazer livros e apenas
comprometera-me convosco e com outros amigos, para que o desejo de
cumprir a palavra mais me obrigasse a estudar, pois de outro modo nunca
chegaria ao fim. Mas estou certo de que não me enviareis um polícia para que
me obrigue a pagar a dívida e tereis assim muita sorte de eximir-vos do
trabalho de ler coisas más.” (apud Adam e Tannery, Oeuvres de Descartes, v.
I, p. 271.)
Fica claro que o temor de Descartes a uma possível condenação da
igreja sobre seu trabalho, o faz recuar, e então, decide abandonar seu tratado,
O Mundo. Fica claro também, que a condenação de Galileu pela Igreja, fez
com que Descartes apenas recuasse inicialmente para evitar confrontos, mas
não o fez mudar os rumos de seus estudos, Descartes só queria se manter fora
de discussões e problemas, para evitar que sua reputação viesse a se tornar
ruim por defender uma verdade que já seria desarmada de antemão pela
resistência cega de preconceitos que escondiam-se por trás da autoridade da
religião, seu desejo era poder continuar as suas investigações e estudos em
paz e em liberdade. Desta forma, seu texto Le Monde, só seria publicado em
1664, ainda inacabado. Porém, após passar por um breve período de
desânimo, Descartes resolve voltar ao trabalho.
Mais tarde, em 1637, é publicado o Discurso do Método, uma verdadeira
autobiografia intelectual do autor. Este livro tem uma longa e complicada
história, a começar por seu título, que fora modificado para Discurso do
Método, para dar a idéia de um prefácio ou aviso relativo ao método. Descartes
deixa claro que não tem a intenção de ensiná-lo, e sim, de falar sobre ele, pois
para o autor, o Discurso consiste mais em prática do que teoria, Ele crê que o
seu método é um instrumento capaz de levar seu espírito à conquista da
verdade. Para Descartes, a razão (o bom senso), a faculdade de bem julgar, é
igual em todos os homens. Se há divergências de opiniões ou se uns se
mostram mais capazes de chegar à verdade do que outros, é porque uns
conduzem bem a sua razão e outros a conduzem mal.
O Discurso do Método é um verdadeiro prefácio do pensamento moderno. É
dividido em seis partes. A Primeira Parte contém diversas considerações
relativas às ciências. Descartes se ocupa de seu método sem a intenção de
impô-lo ou ensina-lo. Mas, após esta primeira etapa, chegou a conclusão que
não seria fácil chegar ao que inicialmente se propora, “um conhecimento claro
e seguro de tudo quanto é útil à vida”. (Etienne, Gilson. Discurso do método.
Introdução e notas. Edições 70. 1993. p. 42) Por isso, com o objetivo de
aprender e conhecer o mundo e os homens, resolve viajar para, assim, tentar
descobrir a verdade. Mais uma vez percebe estar no caminho errado, pois só
encontra diversidade e contradição. Depois de mais essa experiência frustrada,
Descartes isola-se do mundo, para buscar a verdade de outra forma, numa
aldeia dos arredores de Ulm, e faz o possível para desfazer-se dos conceitos e
opiniões anteriores e seguir apenas a sua própria opinião. Então, começa a
elaborar um outro método. É aí que ele escreve a Segunda Parte do livro e
encontra as principais regras do método, num total de quatro, com a intenção
de fazer uma verdadeira reforma de seu próprio pensamento. Estas quatro
regras são:
1 – Nunca receber coisa alguma como verdadeira, desde que não se
evidenciasse como tal. Isto é evitar cuidadosamente a precipitação e a
prevenção e não aceitar senão aqueles juízos que se apresentassem clara e
distintamente ao seu espírito, de modo a não ser possível a dúvida a respeito
deles;
2 – dividir as dificuldades que teria que examinar em tantas parcelas
quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreende-las;
3 – conduzir por ordem os seus pensamentos, começando pelos objetos
mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco,
como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo
mesmo certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos
outros;
4 – fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais que
pudesse estar seguro de nada haver omitido.
Podemos perceber, que nas duas primeiras partes de seu livro,
Descartes mostra sua intenção na indagação da verdade e de que forma ela
pode ser alcançada. Na Terceira Parte, o filósofo elabora as regras da moral
provisória. Como sugere o nome, provisória para indicar um primeiro caminho a
seguir para evitar dúvidas e indecisões, até que se encontre uma outra
baseada na ciência. São elas:
1 – Obedecer às leis e aos costumes de nosso país, guardando a
religião em que nos instruíram durante a infância, e governar-nos segundo as
opiniões mais moderadas dos homens mais sensatos entre os quais vivemos;
2 – sermos o mais firme que pudermos em nossas ações; e seguirmos,
com constância, as opiniões pelas quais nos decidimos. Numa floresta não
devemos parar nem vaguear de um lado para outro, mas caminhar direito,
sempre no mesmo rumo;
3 – procurar sempre vencer-nos antes a nós do que à fortuna, e
modificar antes os nossos desejos do que a ordem do mundo.
A Quarta Parte do Discurso expõe os lineamentos da metafísica
cartesiana, metafísica que é o resultado de uma crítica que precede a
preparação da física cartesiana.
Decidido a procurar idéias claras e distintas, Descartes começa por
rejeitar tudo aquilo em que pudesse imaginar a dúvida. Rejeita o que os
sentidos nos permitem conhecer e idéias, pois com muitas delas podemos
sonhar. Esta forma de agir de Descartes é a chamada dúvida metódica. E esta
atitude o leva ao primeiro princípio que a razão estabelece, pois quando penso
que tudo é falso, uma certeza me aparece, Penso, logo existo, uma certeza
sólida, a de que existimos porque pensamos, ou seja, só se apreende a
existência pelo pensamento. Descartes chega à conclusão que o único critério
de verdade são: as idéias claras e distintas.
A dúvida é uma imperfeição. Mas, o perfeito é algo que não pode ser
dado pelos sentidos. Descartes procura, então, de onde vem a perfeição?
Então ele diz: de Deus. É estabelecida a existência de Deus. Depois dessa
etapa, o estabelecimento da existência de Deus, Descartes volta-se para as
coisas do qual duvidara, as coisas exteriores. E, através da extensão, única
coisa do mundo exterior que percebemos clara e distintamente, o filósofo
encontra mais uma prova da existência de Deus.
A Quinta Parte do discurso é um resumo do tratado Do Mundo, só
publicado após a sua morte. Descartes estuda a ordem das questões da Física,
para explicar, assim, o universo de forma puramente mecânica. Dá como
exemplo de sua explicação, o mecanismo da circulação, ou seja, os
movimentos do coração. Com isso, Descartes comete graves erros, erros estes
que foram causados pela época em questão, a Idade Média. Descartes admite
que a matéria foi criada por Deus. A seguir, partindo da idéia de perfeição de
Deus, deduz as leis do movimento e, encontrando a matéria e o movimento
como únicos princípios, procura explicar como se formam os seres, Deus, a
partir daí, serve apenas para conservar a existência da matéria.
Dentro de uma pura explicação mecânica, graças as leis do movimento,
formam-se, a partir da matéria, os céus, a Terra, o Sol, a água o ar e todos os
corpos que existem na Terra.
Para explicar a vida, Descartes se utiliza do exemplo do movimento do
coração, para afirmar que tudo se passa automaticamente, sem a ação de
nenhum princípio espiritual. A partir daí, surgem duas idéias estranhas de
Descartes: a dos espíritos animais, partes sutis do sangue que, agitadas, são
levadas ao cérebro e depois se espalham por todo o corpo, e a do automatismo
dos animais, que é conseqüência natural do seu mecaniscismo.
A Sexta Parte do Discurso contém as razões que Descartes encontrou
para publicar seu livro e quais requisitos ele julga necessários para progredir na
investigação da natureza. Para ele, a divulgação dos resultados a que chegou
ajudará os homens a dominarem a natureza. Mas, não os vê, os resultados de
sua investigação, como fonte de conhecimento suficiente para se chegar a este
fim, o que só poderá ser alcançado após um número muito maior de estudos e
experiências, que ele, Descartes, declara, não viverá o suficiente para concluí-
las.
O USO DO MÉTODO PARA CHEGAR A VERDADE
Princípios Matemáticos
Descartes aplicou o raciocínio matemático nas regras de seu método.
Para o filósofo, era preciso usar a razão para se chegar à verdade universal.
Ele usou os princípios do processo matemático como a base de
construção de seu método, sua tarefa principal foi emancipar a prática do
método matemático para todas as ciências. “A unidade do corpo das ciências é
evidente, visto que as ciências, todas juntas, não são mais do que o próprio
espírito humano, que as constitui; aparentemente múltiplas quando nos
situamos no ponto de vista dos objetos diferentes que estudam, são umas
quando se atem ao ponto de vista do sujeito pensante, já que este permanece
sempre idêntico a si próprio, seja qual for o objeto que considere.” (Etienne,
Gilson. Discurso do Método. Edições 70. 1993. p. 14)
O Discurso propõe um modelo matemático para conduzir o pensamento
humano, uma vez que a matemática tem por característica a certeza, ou seja, a
ausência de dúvidas.
Parte da inspiração de seu método (descrito nesse livro/tratado) deveu-
se a três sonhos ocorridos na noite de 10 para 11 de novembro de 1619, em
conseqüência de suas investigações voltadas para a resolução de vários
problemas de geometria que, a partir desse momento, conseguiu solucionar,
“Descartes concebe a possibilidade de encontrar um método para resolver
todos os problemas que o espírito humano pode levantar.”
Em toda a obra permeia a autoridade da razão, conceito banal para o
homem moderno, mas um tanto novo para o homem medieval (muito mais
acostumado à autoridade eclesiástica). A autoridade dos sentidos (ou seja, as
percepções do mundo) também é particularmente rejeitada; o conhecimento
significativo, segundo o tratado, só pode ser atingido pela razão, abstraindo-se
a distração dos sentidos.
O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar
qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser vista clara e
distintamente como tal. Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e
opiniões aceitas, a determinação a duvidar até ser convencido do contrario por
fatos auto evidentes. Outro preceito é "Conduzir os pensamentos em ordem,
começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e assim
procedendo, gradualmente, ao conhecimento dos mais complexos.
1 – Receber escrupulosamente as informações, examinando sua
racionalidade e sua justificação. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo
que se investiga – aceitar o que seja indubitável, apenas. Esse passo
relaciona-se muito ao cepticismo.
No preceito ou passo 1, as coisas indubitáveis (círculos marcados com i)
passam por um "funil", que impede a passagem de coisas que tragam dúvidas.
Regra da evidência: Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira, se
isto não for evidente, caso a coisa não se apresente clara e distintamente ao
espírito sem deixar margem de dúvida, não pode ser considerada como
verdadeira. Esta não é uma regra conclusiva, entretanto, é uma regra
exclusiva, caso a proposição não atenda a condição de verdade evidente, deve
ser imediatamente excluída. "O acto com que o espírito atinge a evidência é a
intuição" (Abbagnano,1982:44). A intuição é puramente racional e, por sua
imediatividade, opõe-se à conjectura e antecede à dedução, de forma
instantânea a mente colhe o seu próprio conceito e se torna transparente para
si mesma.
2 – Análise, ou divisão do assunto em tantas partes quanto possível e
necessário.
As coisas são analisadas, ou seja, divididas para melhor compreensão;
Regra da análise: Em geral, uma dificuldade é um conjunto de
pequenos problemas, a análise da questão procura separar detalhadamente
todas as partes do problema em maior número possível, entender as
particularidades de cada uma e sua função como componente do todo. Agindo
desse modo, elimina-se as complicações supérfluas e torna-se mais simples o
problema, ordenando sua solução em torno da resolução das dificuldades
encontradas em cada uma das partes.
3 – Síntese, ou elaboração progressiva de conclusões abrangentes e
ordenadas a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais complexos e
difíceis.
Procede-se a síntese, ou agrupamento em graus de complexidade
crescente.
Regra da síntese: A partir do desmembramento de uma dificuldade em
pequenos problemas e da solução dos problemas em partes, deve-se conduzir
os pensamentos por ordem, começando pelos objetos mais simples e fáceis de
se conhecer e aos poucos ir rejuntando as partes e elevando o grau de
complexidade das questões. Esse processo exige um procedimento ordenado
análogo ao da geometria e prescreve que todo saber possa ser ordenado
dessa forma. A ordem assim designada é a ordem da dedução, que é outro ato
fundamental do espírito humano. A ordem dedutiva parte das coisas simples
que Descartes chamou de absolutas para as mais complexas e
interdependentes, que devem ser deduzidas e são denominadas relativas.
Na terceira regra é preciso fazer uma síntese da realidade complexa,
que foi decomposta em partes menores.
4 – Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que
nada seja omitido e que a coerência geral exista.
As conclusões são ordenadas e classificadas.
Regra da enumeração: "Fazer sempre enumerações tão completas e
revisões tão gerais que se fique certo de não omitir nenhuma. A enumeração
controla a análise, enquanto a revisão controla a síntese."
(Abbagnano,1982:46).
Estas operações reconstituiriam as três operações elementares da
mente humana: a indução (que consiste em captar realidades mínimas); a
dedução (agrupar observações e inferir resultados); a enumeração
(acompanhada da revisão e reelaboração de conceitos).
A inspiração, por sua vez, vinha da geometria, na qual partia-se de
conceitos simples para descrever progressivamente entidades mais complexas:
O Método, em seu aspecto de dividir, ordenar e classificar, é a base de muitos
conceitos científicos que vieram a ser desenvolvidos nos anos subseqüentes,
descaracterização de um mundo enquanto qualitativo e sua redução a um
mundo puramente quantitativo. Do Discurso, conclui-se que somente existe o
eu pensante, Deus, o pensamento (a alma) e a extensão (o corpo, uma
concessão ao realismo que trouxe muitos problemas ao idealismo); tudo mais
deve ser expresso em termos destas existências. Esse tipo de pensamento se
aproxima do solipsismo.
A partir da intuição, desencadeia-se o processo dedutivo para comprovar
e explicar uma tese. O problema é repartido através da análise e os dados
analisados são recompostos através da síntese. O controle do processo é feito
através da enumeração, que garante o rigor científico da comprovação.
O cogito
Uma das mais conhecidas frases do Discurso e da história da Filosofia é
“Je pense, donc je suis” (em latim, cogito ergo sum; penso, logo existo), que
significa o ato de duvidar como indubitável, e as evidências de “pensar” e
“existir” ligadas.
É na quarta parte do Discurso que Descartes realiza a prova ontológica,
ou seja, a prova da existência do ser e também a prova da existência de Deus.
Aplicando o método a si mesmo, Descartes confronta o próprio
raciocínio. Ele argumenta que, embora a mente possa tanto raciocinar sobre
coisas reais quanto sobre coisas de sonhos, enquanto acordado ou dormindo
respectivamente, ele não pode, ao refletir sobre a veracidade desses
pensamentos, negar que esteja pensando; e como sujeito pensante, conclui
que é seguro supor a própria existência:
(“Mas imediatamente que eu observava isso, [que os pensamentos de
sonho se confudem com a realidade], ainda assim eu desejava pensar que
tudo era falso, era absolutamente necessário que eu, quem pensa, seja algo; e
enquanto eu observava que isso é verdadeiro, eu penso, logo existo, era tão
certo e tão evidente que (...) eu aceitei este como primeiro princípio de filosofia,
que eu estava refletindo.”)
Consoante, qualquer esforço para duvidar de sua própria existência era
uma ocorrência de pensamento, e essa ocorrência exigia um sujeito pensante,
ainda que mínimo. Eis portanto a prova da existência de mim mesmo.
É preciso notar ainda que não é qualquer ato do eu que determina a
existência. Um andar não provaria essa existência, uma vez que andar pode
trazer a dúvida da existência das próprias pernas; somente um pensamento
(seja ele uma dúvida, um desejo, uma afirmação, uma sensação ou similares) é
indubitável e portanto adequa-se ao Método. Somente o pensamento, quando
percebido, garante a existência do eu.
Apologia da Razão
"A personalidade de Descartes marca a decisiva viragem do
Renascimento para a Idade Moderna" (Abbagnano,1982:37). Descartes dá
continuidade ao dualismo platônico, por reconhecer que a problemática do
conhecimento envolvia o homem e o mundo, sujeito e objeto. Assim, optou por
solucionar a questão através do sujeito.
A razão humana é a base da filosofia cartesiana, que foi proposta em
total sintonia com o pensamento humanista, onde o homem é colocado no
centro da questão, como sujeito no mundo objetivo. Descartes buscou para si a
solução das questões que lhe interessavam, através de um procedimento
essencialmente autobiográfico. Seu trabalho foi descrever o seu procedimento
individual, sem se preocupar em ensinar um método ao qual todos devessem
seguir.
Para René Descartes a base do conhecimento foi a metafísica e sua
unidade foi a razão, utilizando-se da dúvida metódica ele atingiu o cogito
("penso logo existo") recolocando de forma sistemática a dúvida na existência
de todas as coisas. Assim, só lhe restou a própria dúvida em forma de
pensamento (duvido logo existo), desse processo emergiu a razão como a
unidade do conhecimento ou, pelo menos, neste primeiro momento, como
unidade da dúvida.
O cogito é o espírito que descobriu a si mesmo, a primeira verdade
descoberta de maneira insofismável, todavia, como garantir a esse espírito
outra verdade que não seja sua própria existência? Para responder a esta
questão Descartes propôs a existência lógica de Deus.
A razão se mostrou puramente especulativa fora dos limites da
experiência. Por isso, René Descartes partiu então para provar racionalmente a
existência de Deus. Segundo seu pensamento, a presença da dúvida no
espírito determina a consciência de uma "não dúvida", a consciência da
perfeição. O sentido do perfeito está nos homens e em sua busca. Para
Descartes esse foi o legado de Deus aos homens. O sentido de verdade,
inspirado pela onipresença e onisciência de Deus, é o elemento mediador entre
a razão humana e o mundo. A utilização de um argumento lógico, com base na
racionalidade humana foi a diferença básica estabelecida entre a filosofia
cartesiana e a doutrina escolástica.
Descartes tinha um projeto filosófico. Cada vez mais ligado na
matemática, queria associar as leis numéricas com as leis do mundo,
resgatando a antiga doutrina pitagórica. Sua principal teoria afirmava-se na
eficácia da razão. Queria refletir sobre a questão da autonomia da ciência e
objetividade da razão frente ao Deus todo poderoso. As novas teorias
científicas contrariavam as Sagradas Escrituras.
Usando a razão como instrumento para tirar as dúvidas. Ele adverte que
é um método que usou exclusivamente para si, como uma maneira de dirigir
seu pensamento. Pois a razão, (bom senso) para Descartes, é o que há de
mais bem distribuído no mundo, e o que diferencia a capacidade é o modo
como cada um conduz seus pensamentos, chegando a resultados diferentes.
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta
como uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro
fim que o próprio duvidar, como para os céticos. Argumenta que as idéias em
geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas,
porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas
as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos,
e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas.
Descartes vai, por etapas, nomear as idéias que ele inclui nessa
categoria de claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são idéias
verdadeiras, não podem ser idéias falsas.
A primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Para se passar do
pequeno Eu, (que é subjetivo e depende de muitos fatores para ser conclusivo)
para o mundo objetivo é necessário tomar como certas algumas coisas. Mas,
supondo que tudo o que se vê é falso, sua memória é cheia de mentiras.
Nesses parâmetros, a única coisa verdadeira é que não há nada de certo no
mundo. Descartes realça que não estava sendo cético, pois esses são
indecisos e ele buscava a verdade através da dúvida. Pois há uma força que
engana sempre. Mas se ela engana, não se pode negar que se está recebendo
a ação. Mesmo se não houver diferença entre o sonho e o estado acordado,
ele pensa enquanto duvida. Desta idéia, diz ele que não se pode duvidar. É a
idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui com sua
célebre frase: "Penso, logo existo". Este dito, talvez o mais famoso na história
da filosofia, aparece primeiro na quarta seção do "Discurso sobre o método",
de 1637, em francês, Je pense donc je suis, e depois na primeira parte do
"Princípios de Filosofia" (1644) que é praticamente a versão latina do
"Discurso", Cogito ergo sum.
Por pensamento Descartes considera tudo o que é de fato, e que nós
nos tornamos conscientes disso. São pensamentos todas as operações
intelectuais e da imaginação, bem como da vontade. Assim Descartes se fecha
em sua subjetividade, na sua mente, e vem supor que não existe mundo. Mas
a sua alma existe, e ela é puro pensamento. E um tópico interessante de sua
teoria é a dualidade. A alma é uma substância distinta do corpo. E antes de
confirmar como verdadeira a existência física do mundo, Descartes demonstra
a existência de Deus. Afirma que quem conhece é mais perfeito do que quem
duvida. Tudo aquilo que ele conhece tinha de vir de alguma coisa. Ele acha
que é necessário existir algo a quem ele depende e que seja perfeito. É a lei da
causalidade, Deus é causa final de tudo. Descartes, desenvolve o argumento
ontológico para a existência de Deus. Antes dele, Santo Anselmo já o tinha
feito. O Deus cartesiano é infinito, imutável, independente, onisciente, criador e
conservador. Deus é uma idéia inata, que já vem junto com o nascimento.
Deus garante a objetividade do mundo.
Existem também as idéias factícias, construídas por nós mesmos, e as
adventícias, que vem de fora. Descartes diz que existe uma luz interior dada
por Deus, que dá confiança e certeza, pois é impossível que Deus seja
mentiroso e enganador. E nossa consciência de Deus, do infinito, essa
percepção que o homem pode ter da divindade e da perfeição é como "a marca
do artista em sua obra". Hegel mais tarde afirmou que é impossível ao homem
conhecer o infinito, pois ele só pode empregar categorias finitas. E o ser
humano erra, erro que provém do juízo. E no juízo o intelecto e a vontade
influem. A pressão, influência da vontade sobre o intelecto, se não for bem
administrada resulta no erro do juízo. Como em Santo Agostinho, é o mau uso
do livre arbítrio que faz o errado surgir. Meu intelecto como tal, em si, não é
errado, mas meus pensamentos e atos podem ser.
Mesmo depois da certeza de que existo, Descartes pondera, a idéia de
minha existência "como coisa pensante" ("Penso, logo existo") não me traz
nenhuma certeza sobre qualquer idéia do mundo físico.
Mas, de todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única
verdade, a de que ele existe, e isto não basta para encontrar a verdade sobre o
universo. O mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias
idéias com grande nitidez e estabilidade, e delas compartilho com muitas
pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Uma
delas é a idéia da "extensão". Esta é uma idéia que Descartes considera inata,
clara e evidente, e que é exigida pelo mundo físico. Essa idéia existe no
espírito humano como a idéia de algo dotado de grandeza e forma: é
fundamental à geometria e torna provável a existência dos corpos, a existência
dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a idéia de extensão
não é garantia de que os objetos correspondam às idéias que deles fazemos.
Deus verdadeiro
O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de
objetos correspondam efetivamente algo real. Tenho também a idéia de Deus.
Mas agora sim, tenho uma garantia. Não é a mesma garantia que me dá o
pensar, do qual concluo que se penso, então existo com certeza. A garantia
que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou
finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e
perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do
artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método",
a idéia de Deus implica a real existência de Deus. Então, voltando à idéia clara,
distinta e inata da extensão, se a percepção que tenho da extensão não
correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito
humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de
um gênio maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se
Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir
o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e
então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de
que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa
e Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa física.
Portanto, as idéias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas
não são a armadilha de um gênio enganador e perverso.
Para ele o "poder de conhecer" é sempre o mesmo, qualquer que seja o
objeto ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza,
mal aplicado vai cair no erro ou dúvida.