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1 A quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade? Um perfil das decisões de procedência em ADIs Alexandre Araújo Costa 1 Juliano Zaiden Benvindo 2 André Gomes Alves 3 João Telésforo N. de Medeiros Filho 4 1. Introdução Este trabalho consiste numa avaliação inicial do perfil de atuação política do Supremo Tribunal Federal, feita por meio da análise das decisões procedentes proferidas pela Corte. Sua principal finalidade é trazer publicidade aos resultados provisórios da pesquisa elaborada pelos autores e possibilitar a construção colaborativa dos resultados finais junto à comunidade científica, na expectativa de que novas reflexões sejam apresentadas pelos interlocutores e novas perspectivas sejam construídas por meio do diálogo proposto. Calculamos que esta pesquisa deve durar ainda cerca de dois anos, dentro dos quais poderemos traçar um perfil adequado do controle concentrado de constitucionalidade, do papel efetivamente desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesse campo e dos atores políticos beneficiados por essa atuação. Vários dos desdobramentos planejados estão indicados ao longo do texto, pois os resultados iniciais aqui tratados contribuem para a fixação dos problemas a serem investigados, resultando deles mais indagações que respostas. Por enquanto, o que podemos oferecer é uma descrição das inquietações que nos movem, das hipóteses explicativas que pudemos formular e dos resultados provisórios que até agora têm corroborado essas idéias. 5 1 Professor Adjunto do Instituto de Ciência Política da UnB. Mestre e Doutor em Direito pela UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Direito. 2 Professor Adjunto de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Doutor em Direito Público pela Universidade Humboldt de Berlim e pela Universidade de Brasília. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Coordenador do Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito da Universidade de Brasília. 3 Estudante de graduação em Direito da UnB, bolsista de iniciação científica do CNPq. 4 Estudante de graduação em Direito da UnB, bolsista de iniciação científica do CNPq. 5 Antes de passarmos ao trabalho propriamente dito, cumpre agradecer à Central do Cidadão e à Assessoria de Gestão Estratégica do STF, que nos ofereceram uma compilação dos dados que serviram como base para a nossa pesquisa, permitindo que o nosso trabalho fosse o de tratamento e análise das informações, e não o do levantamento primário e organização dos dados existentes nas bases disponibilizadas pelo Tribunal na internet. Agradecemos também ao advogado Gustavo Trancho de Azevedo pela sua participação no planejamento da pesquisa e na construção da nossa base de dados.

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Artigo publicado nos anais do 7º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), em 2010.

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A quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade? Um perfil das decisões de procedência em ADIs

Alexandre Araújo Costa1

Juliano Zaiden Benvindo2

André Gomes Alves3

João Telésforo N. de Medeiros Filho4

1. Introdução

Este trabalho consiste numa avaliação inicial do perfil de atuação política do Supremo Tribunal Federal, feita por meio da análise das decisões procedentes proferidas pela Corte. Sua principal finalidade é trazer publicidade aos resultados provisórios da pesquisa elaborada pelos autores e possibilitar a construção colaborativa dos resultados finais junto à comunidade científica, na expectativa de que novas reflexões sejam apresentadas pelos interlocutores e novas perspectivas sejam construídas por meio do diálogo proposto.

Calculamos que esta pesquisa deve durar ainda cerca de dois anos, dentro dos quais poderemos traçar um perfil adequado do controle concentrado de constitucionalidade, do papel efetivamente desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesse campo e dos atores políticos beneficiados por essa atuação. Vários dos desdobramentos planejados estão indicados ao longo do texto, pois os resultados iniciais aqui tratados contribuem para a fixação dos problemas a serem investigados, resultando deles mais indagações que respostas.

Por enquanto, o que podemos oferecer é uma descrição das inquietações que nos movem, das hipóteses explicativas que pudemos formular e dos resultados provisórios que até agora têm corroborado essas idéias.5

1 Professor Adjunto do Instituto de Ciência Política da UnB. Mestre e Doutor em Direito pela UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Direito. 2 Professor Adjunto de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Doutor em Direito Público pela Universidade Humboldt de Berlim e pela Universidade de Brasília. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Coordenador do Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito da Universidade de Brasília. 3 Estudante de graduação em Direito da UnB, bolsista de iniciação científica do CNPq. 4 Estudante de graduação em Direito da UnB, bolsista de iniciação científica do CNPq. 5 Antes de passarmos ao trabalho propriamente dito, cumpre agradecer à Central do Cidadão e à Assessoria de Gestão Estratégica do STF, que nos ofereceram uma compilação dos dados que serviram como base para a nossa pesquisa, permitindo que o nosso trabalho fosse o de tratamento e análise das informações, e não o do levantamento primário e organização dos dados existentes nas bases disponibilizadas pelo Tribunal na internet. Agradecemos também ao advogado Gustavo Trancho de Azevedo pela sua participação no planejamento da pesquisa e na construção da nossa base de dados.

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1.1. A inquietude

Atualmente, muito se fala de judicialização da política e é evidente que o STF tem um papel muito relevante dentro desse processo. Porém, especialmente dentro do discurso jurídico, parece notório que este é um processo legítimo que representa a conquista de uma aplicação mais efetiva dos direitos fundamentais.

Nos cursos de direito constitucional, normalmente o judicial review é estudado como um processo por meio do qual a constituição finalmente se transforma em um texto jurídico vivo que, de algum modo, pode tornar a sociedade mais justa6. Essa naturalização do controle judicial de constitucionalidade, apresentado como uma consequência lógica do movimento constitucionalista que gerou os atuais Estados Democráticos de Direito, permeia os discursos do autointitulado pós-positivismo, que orienta boa parte dos pensadores ligados ao direito constitucional contemporâneo.

Esses pensadores parecem ser inspirados por uma visão que minimiza o impacto da politização do judiciário, considerada apenas como um movimento que dá mais peso político às instituições judiciais, e não como uma espécie de corrupção7 da atuação das cortes por meio da incorporação de argumentos teleológicos vinculados a interesses (normalmente entendidos como políticos) e não argumentos deontológicos vinculados a direitos (normalmente entendidos como jurídicos).

Tal perspectiva faz com que o Judiciário seja tratado como um poder jurídico que passou a ser influenciado por elementos de ordem política, mas que nem por isso perdeu a sua característica fundamental de ser uma instituição de aplicação do direito. Assim, as categorias teóricas utilizadas pelo pós-positivismo tendem a apontar para uma valorização do discurso jurídico pelas cortes, que se tornaram capazes de incorporar certas preocupações de ordem política sem perder a sua própria independência. Falamos assim em uma abertura dos princípios, em uma identificação da constituição com uma “ordem concreta de valores”, em uma jurisprudência axiológica e teleológica, em uma configuração dos direitos individuais como princípios objetivos abrangentes de toda a ordem jurídica8, em uma relativização dos direitos e garantias fundamentais, etc.

Tudo isso faz com que o STF se revista de uma pretensa juridicidade, normalmente associada a uma crença avinda de métodos concebidos como jurídico-racionais (por exemplo, o tão prestigiado princípio da proporcionalidade9), e que, em função dessa

6 Vide BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. Para uma defesa teórica mais aprofundada do controle judicial de constitucionalidade, ver DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1986, p. 356. Contra essa concepção de forte prevalência do judicial review na compreensão do direito, vide WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement.

Oxford: Oxford University Press, 1999. 7 A ideia de corrupção do código do direito por outros sistemas funcionais, como o político, é um dos focos principais de Niklas Luhmann. Vide, para tanto, LUHMANN, Niklas. “Operational Closure and Structural Coupling: The Differentiation of the Legal System”. Cardozo Law Review, Vol. 13, 1992. Do mesmo modo, para uma análise da diferenciação entre discursos deontológicos e axiológicos na aplicação do direito, com uma saída interpretativa que resgata muito da perspectiva de Ronald Dworkin, vide HABERMAS, Jürgen. Faktzität und Geltung: Beitrag zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1992, pp. 238-291. 8 Vide SCHLINK, Bernahrd. “German Constitutional Culture in Transition. Cardozo Law Review, Vol. 14, 1003, p. 714. 9 O princípio da proporcionalidade é normalmente concebido como um instrumento racional de decisão judicial, tendo como um de seus principais defensores o jurista alemão Robert Alexy, que o faz com direta referência às decisões do Tribunal Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht). Sua obra focaliza, primeiramente, na percepção de ser o discurso jurídico um caso especial do discurso moral (vide ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation: Die Theorie des rationalen Diskurses als Theorie der juristischen Begründung.

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suposta racionalidade, suas atividades e sua autoridade ocorrem dentro dos mais desejados padrões de sociedades constitucionalmente democráticas. As decisões da corte, por conseguinte, na medida em que se mostram capazes de racionalmente justificar o resultado, ganham a qualidade de legitimidade: o discurso jurídico se legitima, portanto, por aquilo que Robert Alexy intitula “representação argumentativa”10, por meio da qual seria possível afastar a ilusão de que as decisões constitucionais se legitimariam a partir de qualquer decisão tomada11. Haveria, assim, critérios racionais que forneceriam a qualidade de legitimidade democrática e a característica de juridicidade – e não de política propriamente – às decisões da corte constitucional.

É em função dessa percepção que se faz necessário examinar o discurso do STF. A questão da judicialização da política ou politização do judiciário ganha relevo porquanto observamos que, progressivamente, o STF tem, de fato, assumido uma postura mais interventiva em torno de matérias de nítido cunho político, mesmo que revestidas de uma pretensa juridicidade racional e metodológica. Aqui também se mostra relevante entender como ele se comporta, tentando, pois, evidenciar as tensões existentes entre seu discurso e sua prática, isto é, como normalmente ele se justifica e busca se legitimar, seja doutrinariamente, seja no própria decisão, e como a prática contradiz muito dessas premissas discursivas.

Foi essa inquietação que nos trouxe a pergunta central dessa pesquisa: de fato, quem é beneficiado pela atuação do STF no exercício do controle de constitucionalidade? Trata-se de uma pergunta que atinge o âmago desse debate em torno da politização do judiciário e faz diretamente a conexão com a tensão existente entre seu discurso e seu comportamento. Porém, exatamente para focarmos naquela forma de controle de constitucionalidade em que esse discurso político - porém pretensamente jurídico-racional - se mostra mais expressivo, a pesquisa adotou como fonte o controle concentrado de constitucionalidade. Assim, a pergunta se transforma em: quem é beneficiado pela atuação do STF no exercício do controle concentrado de constitucionalidade?

1.2. Perspectiva adotada

Na tentativa de responder a essa pergunta, um passo necessário é traçar um perfil da atuação do Tribunal que possibilite nos acercar do seu efetivo papel no sistema político. Esse enfoque fez com que entendêssemos que algumas das pesquisas mais relevantes feitas sobre esse tema no país, especialmente a liderada por Werneck Vianna12, se concentram na

Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1989) e, posteriormente, na operacionalização dessa premissa, que, em rigor, confunde deontologia com axiologia na aplicação do direito, por intermédio do princípio da proporcionalidade (vide ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1994). No Brasil, o mais interessante expoente e defensor do princípio da proporcionalidade no âmbito acadêmico é Luis Virgílio Afonso da Silva (vide SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005). No plano da aplicação do direito pelo STF, os votos do ministro Gilmar Mendes continuamente recorrem ao princípio da proporcionalidade (vide IF 2.915-5, DJ 28/11/2003; HC 82.424, DJ 19/03/2004; ADI 3.324, DJ 05/08/2005; HC 82.959, DJ 01/09/2006). 10 ALEXY, Robert. “Balancing, Constitutional Review, and Represesntation”. International Journal of

Constitutional Law. Vol. 3, n. 4, 2005, p. 578. 11 Ibid., p. 580. 12 Vide VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. A pesquisa realizada neste artigo referente ao período de 1988-1999 foi atualizada até 2005 no artigo dos mesmos autores intitulado: Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Brasileiro, Revista de Sociologia da USP, v. 19, n2. São Paulo, 2007.

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cartografia da atuação dos atores legitimados a propor ADIs, e não na cartografia da atuação do próprio STF.

Perguntar sobre o número de ações, sobre os assuntos, sobre os conflitos envolvidos nelas, é questionar-se sobre o modo como a sociedade e o Estado colocam ao STF as questões relativas ao controle concentrado. Estudar essas variáveis é um tema importante sobre a judicialização da política, mas eles dizem relativamente pouco sobre o modo como o Tribunal determina o seu próprio comportamento.

Por isso, nós nos concentraremos na análise das decisões do STF, na busca de evidenciar padrões de atuação relativamente estáveis. Essa tentativa nos fez partir para uma categorização das decisões não apenas segundo o seu assunto, mas preponderantemente segundo o seu fundamento.

Que tipo de motivação é invocada pelo STF para atuar? Como essas motivações definem o próprio campo de atuação e a resposta dada aos variados atores que invocam a jurisdição da corte? Este é o problema fundamental desta primeira etapa da pesquisa, cujos resultados iniciais estão contidos no presente artigo.

1.3. Hipóteses provisórias

A quem interessa o controle concentrado?

Embora essa pergunta seja muito ampla para anunciarmos uma resposta mais completa nesta etapa da pesquisa, as informações colhidas corroboram a hipótese de que esse tipo de controle interessa especialmente ao próprio Estado, primordialmente à União.

A pesquisa comprova a idéia vigente no senso comum de que há uma preponderância de julgamentos com base em argumentos formais, especialmente daqueles baseados na garantia da competência da União frente aos Estados. Como veremos, mesmo quando as ações são movidas pelos governadores, as decisões tendem a reforçar a competência da União.

Além disso, precisamos testar a hipótese de que há um interesse do próprio STF em reforçar esse tipo de controle, no qual a Corte desempenha um papel de protagonismo e no qual ela tem maior facilidade de atuar de modo seletivo. A análise dessa hipótese interpretativa, contudo, foge aos limites deste artigo.

Porém, um elemento que vai se delineando é que interessa pouco à sociedade em geral, e mesmo à maior parte da sociedade organizada, que os debates ocorram na forma de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) , dado que as instâncias que atuam com papel seletivo na definição do âmbito de controle são muito restritas13. Apenas algumas entidades de classe de âmbito nacional são legitimadas para atuar, e mesmo elas tendem a invocar o controle concentrado por meio das linhas argumentativas que têm mais chance de êxito, e que têm caráter preponderantemente formal.

Assim, a hipótese com que trabalhamos é a de que a consolidação jurisprudencial no sentido da prevalência de argumentações de inconstitucionalidade formal tende a fazer com que os diversos atores se utilizem da via da ADI preponderantemente quando é possível defender os seus interesses (ou interesses difusos) por via desse tipo de argumentação.

Com isso, o comportamento da corte (que é mais sensível a argumentos formais) influencia o comportamento das partes (que optam por essa via nos casos em que é possível operar com esses argumentos), o que tende a gerar um número proporcionalmente

13 Vide art. 103 da Constituição Federal de 1988.

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crescente de demandas de inconstitucionalidade formal e um número proporcionalmente decrescente ou estável de demandas relativas a direitos e garantias fundamentais.

O teste completo dessa hipótese ainda não se afigura possível, pois não foram feitos os estudos empíricos necessários para avaliá-la, mas já começamos a ter alguns resultados que apontam nesse sentido.

2. O controle concentrado de constitucionalidade

2.1. Controle concentrado e difuso

Chama-se controle concentrado de constitucionalidade o julgamento acerca da constitucionalidade das leis que é feito de forma abstrata (ou seja, avalia-se a validade da norma sem articulá-la com um caso concreto específico) e concentrada (ou seja, realizado por um órgão judiciário apenas). No caso do judiciário federal, esse controle é realizado pelo Supremo Tribunal Federal por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (por ação ou omissão), Ações Diretas de Constitucionalidade e Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Esse sistema abstrato e concentrado, que ganhou força, sobretudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 e emendas constitucionais posteriores, possui por fundamento sua aptidão a defesa dos direitos e garantias fundamentais. Para parcela substancial e influente da doutrina constitucional nacional, esse sistema é base para se poder afirmar que “possuímos, hoje, um sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade”14. Existe também a crença de que ele pode melhor garantir a racionalidade à decisão, exatamente enquadrando-se na premissa de que “a Corte Constitucional existe para tomar as decisões mais racionais”15.

Ao mesmo tempo, a convivência não tão harmônica desse sistema com o controle difuso de constitucionalidade, de tradição, porém, muito mais longa (surgiu com a Constituição Federal de 1891) e de características fortemente republicanas (já que baseado na premissa de que o controle pode e deve ser exercido por qualquer juiz em qualquer instância e, sobretudo, instaurado por meio de provocação de qualquer indivíduo e, não, de alguns legitimados, como ocorre no controle concentrado de constitucionalidade), parece cada vez mais enveredar para o entendimento de que, tal como ilustrado por Gilmar Mendes, “a partir de 1988, todavia, somente faz sentido cogitar-se de um sistema misto se se tiver consciência de que a base desse sistema respalda-se no modelo concentrado”16 .

São vários os movimentos que podem ser identificados nesse processo de concentração do controle de constitucionalidade em detrimento do controle difuso. Após a Constituição Federal de 1988 ampliar os legitimados para provocar o controle concentrado

14 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 208. 15 MENDES, Gilmar. “Entrevista – Gilmar Mendes”. Correio Braziliense, Brasília-DF, 17.08.08. 16 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. XII.

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de constitucionalidade, antes restrito ao Procurador-Geral da República (PGR17), vários foram os movimentos em direção à concentração do controle. É fato, porém, que já havia, mesmo nos debates constituintes, tentativas de transformar o Supremo Tribunal Federal em uma corte constitucional nos moldes europeus18, mas essa tentativa, em princípio, fracassou. Esse fracasso inicial, todavia, foi sendo superado por tentativas progressivas de aproximar nosso modelo daquele de uma corte que concentra os debates constitucionais.

Em 1993, com a Emenda Constitucional 3/93, foi criada a Ação Declaratória de Constitucionalidade, que, embora justificada com o intuito de uniformizar o entendimento sobre determinadas matérias constitucionais controversas nas instâncias inferiores, tinha o claro intuito de facilitar a governabilidade. Assim, com a possibilidade de vinculação das decisões sobre constitucionalidade proferidas pelo STF, o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade encerrava qualquer discussão sobre a matéria pelas cortes inferiores no exercício do controle difuso de constitucionalidade e, nisso, várias normas governamentais, sobretudo no âmbito de políticas fiscais federais, puderam ser instauradas sem maiores empecilhos.

Se a Ação Declaratória de Constitucionalidade já ampliou sobremaneira a concentração, as Leis federais 9.882/99 e 9.868/99 o radicalizaram. A primeira regulou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que ampliou o objeto do controle de constitucionalidade para áreas antes não cobertas pelas ADIs e pelas ADCs (especialmente o controle sobre leis anteriores à Constituição Federal de 1988 e leis municipais). Do mesmo modo, ela estabeleceu a exigência de as cortes inferiores suspenderem o julgamento de qualquer matéria ou os efeitos de decisões já tomadas (se ainda apeláveis), caso a matéria tenha conexão com aquela discutida em uma ADPF, assim como a possibilidade de modulação de efeitos19. Já a Lei n. 9.868/99 estendeu essas características para as ADIs e ADCs.

Mais recentemente, esse processo de concentração se consagrou com a Emenda Constitucional n. 45/2004, que instaurou a Súmula Vinculante, vinculando, pois, as decisões das cortes inferiores às sumulas assim qualificadas pelo STF, e o Requerimento de Repercussão Geral, que exige, para a apreciação da matéria por esta corte, que ela seja política, econômica e socialmente relevante.

Em síntese, houve um crescente processo de concentração do controle de constitucionalidade e a criação de mecanismos limitadores do exercício difuso desse controle pelas demais instancias do poder judiciário. Todo esse movimento, além do mais, foi saudado como uma expressão da consolidação de uma corte constitucional em exercício de seu papel de “Guardiã da Constituição”, de garantidora dos direitos e garantias fundamentais, e como expressão de um legítimo – porque mais racional e efetivo –exercício dessa sua função.

17 Embora PGR seja normalmente a abreviatura de Procuradoria-Geral da República, a necessidade de citar repetidas vezes o Procurador-Geral da República neste trabalho faz com que adotemos aqui esta forma de referência ao chefe do Ministério Público da União. 18 CORRÊA, Oscar Dias, “O 160o. Aniversário do STF e o Novo Texto Constitucional,” Arquivos do

Ministério da Justiça, n. 173, 1988, p. 67 19 A modulação de efeitos, em contrariedade com uma tradição brasileira que diz que qualquer lei declarada inconstitucional é nula ab initio, isto é, os efeitos da decisão retroagem ao nascimento da lei inconstitucional, significa que o STF, tendo em vista razões de segurança nacional ou excepcional interesse social, pode determinar o início da invalidade da lei. Ele passa a ter essa discricionariedade avaliadora de quando a lei deixa de produzir efeitos, o que pode ocorrer, inclusive, no futuro. Assim, uma lei pode ser declarada inconstitucional, mas continuar produzindo efeitos por mais algum período.

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Enfim, as modificações substanciais que o constitucionalismo brasileiro tem sofrido no âmbito da jurisdição constitucional são: 1) instrumentalmente consolidadas na priorização do sistema concentrado de constitucionalidade em detrimento do sistema difuso, que passa a ter um caráter auxiliar e, não mais, de base do sistema de controle; 2) teoricamente justificadas pelo caráter democrático da Constituição de 1988, que ampliou sobremaneira a forma de controle dos atos normativos por intermédio de ações próprias dos sistema concentrado e abstrato de constitucionalidade e por sua capacidade de expressar racionalidade ao julgamento.

Assim, em termos sintéticos, pode-se dizer, segundo esse entendimento hoje majoritário, o controle concentrado de constitucionalidade é não apenas o mais instrumental e racionalmente adequado para a defesa dos direitos e garantias fundamentais, também é o mais condizente com o espírito democrático da Constituição de 1988. E isso acarreta a seguinte conclusão: o controle concentrado de constitucionalidade é, ou deveria ser, o mais eficaz na defesa e garantia dos direitos fundamentais.

Esse pensamento não é, todavia, pacífico. Menelick de Carvalho Netto, professor de direito constitucional da Universidade de Brasília, é um forte opositor desse movimento e lamenta profundamente essa transição para uma ênfase no controle concentrado de constitucionalidade. Para ele, este mecanismo não somente representa uma importação incorreta da formulação austríaco-germânica20, mas quebra – referindo-se ao sistema difuso de constitucionalidade - com uma “tradição muitíssimo mais antiga e também melhor em termos de experiência e de vivência constitucional do que a alemã, extremamente mais sofisticada e muito mais efetiva como garantia da idéia de liberdade e de igualdade concretas”21. Entendimento semelhante é partilhado por Marcelo Cattoni de Oliveira22.

Há, por isso, uma compreensão bastante complexa dessa realidade de expansão do controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque ela atinge um ponto nuclear de não fácil solução: a premissa de que o controle concentrado de constitucionalidade é, efetivamente, adequado para a defesa de direitos e garantias fundamentais e, portanto, condizente com o espírito democrático originário da Constituição Federal de 1988. Essa premissa é, por isso, o objeto de exame desta investigação: ela deseja mostrar até que ponto se pode realmente assumi-la como argumento plausível, sobretudo por intermédio do cotejo com dados empíricos diretamente obtidos a partir do exame, caso a caso, das decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Desse modo, se o discurso, conforme o entendimento constitucional majoritário, se mostra tão favorável à predominância do controle concentrado de constitucionalidade para a defesa dos direitos e garantias fundamentais e para a sustentação do espírito democrático do novo constitucionalismo brasileiro, a questão agora é mostrar até que ponto o discurso doutrinário se coaduna com a prática constitucional brasileira.

A pergunta central é: será que o controle concentrado de constitucionalidade, de fato, tem se apresentado como um instrumento para a defesa dos direitos e garantias

20 Segundo Menelick de Carvalho Netto, esse sistema faz uma “importação por via legal de supostos típicos do controle concentrado ou austríaco de constitucionalidade das leis” (CARVALHO NETTO, Menelick. “A Hermenêutica Constitucional e os Desafios Postos aos Direitos Fundamentais”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (ed.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 163). 21 Ibid. 22 Vide CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, pp. 212 ss.

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fundamentais? Por intermédio da análise de casos julgados, poder-se-á constatar o que, efetivamente, tem ocorrido na prática das decisões nessa seara.

Aqui aparece a primeira hipótese: o perfil das decisões indica que a maioria das ações julgadas procedentes atua sobretudo para a definição das competências dos agentes estatais, tendo uma influência apenas indireta sobre os direitos fundamentais dos cidadãos. Além disso, como boa parte das decisões anula leis estaduais, e não federais, por motivo de violação da competência da União, um dos resultados é que o sistema contribui pouco para o equilíbrio federativo e para a realização dos direitos fundamentais, representando em boa parte apenas a imposição do poder da União para definir os assuntos políticos fundamentais.

Portanto, nasce aqui a percepção preliminar de um descompasso entre o discurso doutrinário majoritário de defesa do controle concentrado na defesa de direitos e garantias dos indivíduos e uma prática que, efetivamente, não se volta para esse fim. E isso em um contexto em que, paralelamente, perde relevo o controle difuso de constitucionalidade, exatamente com o argumento de melhor eficácia e racionalidade do sistema concentrado. Aparece, assim, a seguinte indagação: será que não se está, na prática, ampliando um canal não-democrático e não-efetivo de controle de constitucionalidade enquanto se vai perdendo força um sistema difuso de características mais republicanas (pode ser promovido por qualquer indivíduo) e historicamente mais condizentes com nosso constitucionalismo?

2.2. As ADIs

A Ação Direita de Inconstitucionalidade nasce como uma decorrência de um processo de expansão das formas de controle concentrado de constitucionalidade que já começava a se desenhar desde a Constituição Federal de 1934 com a Representação Interventiva. Este instrumento, que tinha muito mais o intuito de resolver conflitos federativos em sua configuração originária, teve seu objeto ampliado nas seguintes constituições democráticas e, em 1965, com a Emenda Constitucional 16/65, passou a conviver com a Representação de Inconstitucionalidade. Tal como a ADI, a Representação de Inconstitucionalidade tinha como objeto o controle de constitucionalidade de normas estaduais e federais, mas sua propositora era possível apenas por intermédio Procurador-Geral da República.

Com a Constituição Federal de 1988, essa restrição da propositura da Ação de Inconstitucionalidade ao Procurador-Geral da República desaparece e, no lugar dela, um rol de legitimados passa a ter o direito de para propô-la. O art. 103 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o Presidente da República a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil partido político com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional são legitimados para instaurar o controle concentrado de constitucionalidade. É um novo momento, portanto, no controle de constitucionalidade brasileiro. Ao lado do controle difuso, que até então era o prevalente e a base do sistema, o controle concentrado ganha especial relevo, ao ponto de Gilmar Mendes mesmo dizer que “a Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para

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propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103)”23 ou mesmo que, “por essa forma, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade”24.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade, como o próprio nome indica, tem o propósito de instaurar o controle de constitucionalidade sobre leis e atos normativos federais (Emendas Constitucionais; leis em geral de efeito abstrato, incluindo medidas provisórias; decretos em matéria internacional de tratados; pareceres com força normativa; decretos legislativos, etc); leis e atos normativos estaduais (disposições das Constituições Estaduais, leis estaduais de qualquer espécie; etc), leis e atos normativos distritais (quando na qualidade de leis estaduais). Entre os principais objetos que não são passíveis de controle de constitucionalidade via ADI encontram-se o direito pré-constitucional (normas editadas anteriormente à Constituição Federal de 1988), ato normativo já revogado, leis e atos normativos municipais, e leis e atos normativos de efeito concreto.

2.3. Razões para a limitação do objeto de estudo às ADIs

Escolhemos inicialmente tratar apenas das ADIs, que é a ação preponderante dentro do processo de controle concentrado, correspondendo a aproximadamente 94% dos processos25. Com isso, deixamos para um segundo momento a análise das ADPFs, ADCs e ADOs.

Além disso, retiramos do campo de análise os processos relativos à inconstitucionalidade por omissão, que foram autuados até 2008 como ADIs e somente então passaram a ser autuados independentemente como ADOs. Como entendemos que o perfil desses processos é peculiar, consideramos que ele merece uma análise diferenciada e que não faz sentido considerá-las como pertencentes ao universo das ADIs. Portanto, retiramos do nosso campo de pesquisa imediato os processos relativos à inconstitucionalidade por omissão, que foram mapeados pelo próprio tribunal em 2007, na decisão da ADI 3.682. Essas 48 ações foram remanejadas, em nossa base de dados, para o grupo das ADOs, para uma análise específica no futuro.

3. Perfil dos processos

3.1. O universo analisado

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até o final de maio de 2010, quando foi feito o levantamento que embasa a presente pesquisa, foram ajuizadas perante o STF pouco mais de 4.000 ADIs. Embora tenhamos por objetivo traçar o perfil do conjunto de todos esses processos, até o presente momento somente conseguimos investigar até o momento cerca de metade das decisões de procedência total e parcial.

No momento em que levantamos os dados, em maio de 2010, a última decisão de procedência havia sido proferida na ADI 4009, ajuizada em janeiro de 2008. Com isso, decidimos fixar nessa ação o termo final da pesquisa, pois consideramos que utilizar os

23 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2009, p. 1104. 24 Ibid., p. 1151. 25 De acordo com a página de estatística do STF, foram distribuída 4412 ADIs, 8 ADOs, 211 ADPFs e 26 ADCs. Levando em conta esses dados, as ADIs corresponderiam a 95% dos processos do controle concentrado. Como consideramos que 48 ações classificadas como ADI devem ser tratadas como ADOs, por se referirem ao controle de inconstitucionalidade por omissão, chegamos a uma porcentagem ligeiramente menor, de 94%.

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dados referentes às pouco mais de 400 ADIs ajuizadas nos dois últimos anos tenderia a gerar uma distorção muito grande nos resultados, por ser o lapso temporal demandado para o julgamento de procedência bem maior que o lapso temporal demandado para a simples extinção sem julgamento de mérito, especialmente por decisões monocráticas. Nas ADIs de n. 4010 a 4412, houve muitas decisões monocráticas pela extinção de ADIs, que tendem a acontecer de modo muito mais célere porque não envolvem o julgamento colegiado e excluem a apreciação dos argumentos de fundo em virtude de questões preliminares relativas apenas às formalidades necessárias para que a Corte possa exercer jurisdição.

Essas 413 ações representam uma quantidade significativa de processos, correspondendo a cerca de 10% do total das ADIs, de tal forma que mantê-las como parte do universo analisado tenderia a gerar distorções relevantes no que toca ao número de processos não conhecidos pelo STF e nos índices de procedência e de êxito.

Dadas as limitações de tempo, somente conseguiríamos realizar até o momento deste encontro o levantamento de dados referentes a metade das ADIs, o que nos fez fixar em 2000 as ações analisadas, o que fez com a nossa série tenha início na ADI 2010, que foi ajuizada em junho de 1999. Assim, o universo analisado é o composto das ADIs 2010 a 4009, excluídas as ações ligadas ao controle de constitucionalidade por omissão.

3.2. Os requerentes

O STF oferece uma estatística que consolida o perfil dos requerentes de todas as ADIs, que comparamos com a distribuição das ações dentro do universo analisado na tabela abaixo:

• Tabela 1. Participação percentual dos Requerentes nas ADIs (Total e Analisadas)

Requerente Total de ADIs

Participação percentual

dos Requerentes

ADIs analisadas

Participação percentual

dos Requerentes

Divergência entre os

percentuais Presidente da República 7 0,2% 5 0,3% 0,1%

Mesa do Senado 1 0,0% 1 0,0% 0,0%

Mesa da Câmara 0 0,0% 0 0,0% 0,0%

Assembléia Legislativa 48 1,1% 19 1,0% -0,1%

Governador 1083 24,5% 509 26,1% 1,5%

PGR 924 20,9% 420 21,5% 0,6%

Partido Político 775 17,6% 376 19,3% 1,7%

Entidade de Classe 1213 27,5% 578 29,6% 2,1%

Mais de 1 legitimado 3 0,1% 5 0,3% 0,2%

Outros 358 8,1% 39 2,0% -6,1%

Total 4412 1952

Nessa tabela, as divergências entre os percentuais são muito restritas, sendo substanciais apenas nos casos de processos ajuizados por pessoas que não têm legitimidade

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para propor ADIs, normalmente indivíduos e associações que não se enquadram como entidades de classe de âmbito nacional. Essa tabela indica que o número processos ajuizados por pessoas sem legitimidade caiu com o tempo, pois é bem maior na década de 90 que na de 2000, fenômeno compreensível na medida em que se consolidou ao longo dos anos a inviabilidade de associações serem constituídas artificialmente com o intuito de terem acesso ao controle concentrado.

Considerando que os processos que envolvem esses Outros requerentes foram todos não conhecidos, por se tratarem de ações em que a Corte não poderia exercer jurisdição, podemos retirá-los do nosso universo de análise, pois levá-los em conta para verificar o índice de sucesso dos processos ajuizados geraria distorções. Feito esse ajuste, a participação dos efetivamente legitimados se torna ainda mais próxima nas duas séries, representando os seguintes números.

• Tabela 2. Participação dos requerentes revista

Requerente

Total de ADIs

Participação percentual

dos Requerentes

ADIs analisadas

Participação percentual

dos Requerentes Divergência

Presidente da República 7 0,2% 5 0,3% 0,1%

Mesa do Senado 1 0,0% 1 0,0% 0,0%

Mesa da Câmara 0 0,0% 0 0,0% 0,0%

Assembléia Legislativa 48 1,2% 19 1,0% -0,1%

Governador 1083 26,7% 509 26,6% -0,1%

PGR 924 22,8% 420 22,0% -0,8%

Partido Político 775 19,1% 375 19,6% 0,5%

Entidade de Classe 1213 29,9% 578 30,2% 0,3%

Mais de 1 legitimado 3 0,1% 5 0,3% 0,2%

Total 4054 1912

Essas porcentagens praticamente idênticas na distribuição dos processos entre as partes legítimas indica fortemente que o universo analisado é bastante representativo do global e reforça também os dados gerais, apontando para a existência de um padrão relativamente constante na participação dos requerentes desde a promulgação da atual Constituição Federal.

Além disso, essa comparação indica a necessidade de concentrar a análise apenas no universo dos participantes prima facie legitimados. Portanto, as estatísticas apresentadas neste trabalho desconsiderarão os 39 processos ajuizados por pessoas que não têm legitimidade para propor ADIs, o que compõem um universo de 1912 ações.

Um ponto a ser explicado é o de que muitas pesquisas consideram a OAB como um autor independente, por esta instituição estar prevista em um inciso específico do artigo constitucional que institui a ADI. Porém, considerando que se trata de uma Entidade de Classe, nós a agrupamos sob este rótulo, juntamente com as outras entidades vinculadas às profissões jurídicas, como os órgãos nacionais dos magistrados e dos membros do Ministério Público.

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3.3. Os requeridos

Entre os requeridos, existe uma excepcional concentração de processos voltados a anular atos normativos estaduais, que representam quase 70% das ADIs exitosas, como mostra o seguinte gráfico.

• Gráfico 1. Tipos de atos impugnados (por nível federativo)

Atos normativos estaduais; 1303; 69%

Atos normativos federais; 582; 30%

Atos normativos municipais; 27; 1%

Neste gráfico, devemos ressaltar a presença de pouco mais de 1% de impugnação de

atos municipais, que nunca receberam decisão de procedência, na medida em que eles não se enquadram no campo de abrangência das ADIs. Todavia, estes números devem ser lidos com cuidado porque eles não indicam um maior grau de impugnação dos atos estaduais, mas apenas uma imensa concentração de processos ligados a leis estaduais, que correspondem a mais 60% dos processos ajuizados.

• Gráfico 2. Tipos de atos impugnados (por poderes)

Poder Executivo Federal; 188; 10%Poder Executivo Estadual;

76; 4%

Poder Legislativo Federal; 306; 16%

Poder Legislativo Estadual; 1151; 60%

Poder Judiciário e MP estadual; 76; 4%

Poder Judiciário e MP Federal; 88; 5%

Atos municipais; 27; 1%

Portanto, os atos legislativos estaduais e federais respondem juntos por ¾ das ações,

enquanto os atos do poder executivo e judiciário correspondem respectivamente a 14% e a

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9% dos atos impugnados. Neste ponto, cabe ressalvar que, de fato, na impugnação de leis estaduais por autores diversos do próprio Governador do Estado, o governador também é considerado Requerido da ADI. Porém, nesses casos, por tratar-se de ato legislativo, classificamos essas situações como impugnações a atos do Poder Legislativo Estadual, assim como consideramos ADIs contra Leis Federais como impugnações de atos legislativos da União, ainda que o Presidente da República figure como representado nessas ações.

Estas informações mostram que com relação ao poder legislativo existe uma maior impugnação de atos estaduais, mas essa situação se inverte quanto aos atos do executivo e do judiciário, já que a maior parte dos atos impugnados é da justiça e da administração federal.

Cabe ressaltar que, nessa classificação, utilizamos a distinção técnica entre Poder Judiciário da União e dos Estados, pela qual apenas corresponde à justiça estadual os Tribunais de Justiça e os juízes de direito. Portanto, todos os outros Tribunais foram classificados como parte da justiça federal, mesmo aqueles que são compostos majoritariamente por magistrados da justiça estadual, como é especialmente o caso dos Tribunais Regionais Eleitorais, que apesar de terem sede em todas as capitais, não integram a justiça dos Estados.

4. Perfil das decisões

De todos os 1912 processos que compõem o universo de ADIs tratados pela pesquisa, apenas 53% foram julgadas dentro do período analisado, que se encerra há cerca de dois anos.

• Gráfico 3. Processos julgados

Aguardando Julgamento; 896; 47%

Julgadas; 1016; 53%

Esses dados indicam que o STF julgou apenas cerca de metade das ações interpostas

entre 2000 e 2008, sendo que esses julgamentos ocorreram majoritariamente dentro do governo Lula, e que 14 das decisões de procedência foram ditadas antes de 2003. Além disso, o fato de o nosso universo ser composto por ações propostas a partir de junho/1999 e de as primeiras decisões de procedência terem sido julgadas apenas em agosto de 2001 confirma o gap de dois anos que identificamos também ao final da série analisada, uma vez que os processos ajuizados há menos de dois anos ainda não receberam julgamentos de mérito.

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4.2. Processos aguardando julgamento

Ao observar esse resultado, imaginamos inicialmente que as ações que aguardam julgamento seriam preponderantemente aquelas que foram distribuídas mais ao final do período, mas se fizermos uma separação desses processos por ano de distribuição, perceberemos que há uma distribuição bastante irregular desses processos, que é visível na tabela abaixo.

• Gráfico 4. Processos aguardando Julgamento

27

94

63 62

127

141134

118

107

510 8

0

20

40

60

80

100

120

140

160

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Esses números indicam que não existe uma concentração maior de processos nos

últimos anos, inclusive porque eles são decrescentes desde 2003, o que indica uma continuidade maior da retenção de ADIs ajuizadas períodos anteriores. Além disso, as três ultimas colunas da tabela mostram que pode haver uma grande distância temporal entre o ajuizamento e a distribuição, pois elas indicam a existência de alguns processos que somente foram distribuídos vários anos após o seu ajuizamento.

A variação global do número de processos aguardando julgamento, contudo, não é um indicador adequado, pois essas ações estão em situações heterogêneas, na medida em que para alguns deles interessa aos beneficiários o adiamento da decisão definitiva, na medida em que existe a concessão de medidas liminares. Porém, não se trata de uma situação majoritária, como mostra a tabela abaixo, que mostra a composição dessas ações ano a ano.

• Gráfico 5. Processos Aguardando Julgamento

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8

3337

50

109

129124

110

96

410

6916

92 1 4 1 2 4

0 0 0

10

45

1710

17

8 9 6 71 0 2

0

20

40

60

80

100

120

140

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Sem liminar apreciada Com liminar indeferida Com liminar deferida

• Tabela 3. Processos aguardando julgamento

Ano Sem liminar apreciada

Com liminar indeferida Com liminar deferida Total

1999 8 9 10 27

2000 33 16 45 94

2001 37 9 17 63

2002 50 2 10 62

2003 109 1 17 127

2004 129 4 8 141

2005 124 1 9 134

2006 110 2 6 118

2007 96 4 7 107

2008 4 0 1 5

2009 10 0 0 10

2010 6 0 2 8

Total 716 48 132 896

Percebe-se claramente uma tendência de redução na concessão de liminares, que atingiu o ápice nas ações impetradas no ano 2000. Considerando que as liminares são decisões provisórias cuja apreciação é relativamente rápida, podemos identificar que ao longo do governo Lula houve uma tendência de diminuição no número de concessão de liminares e que elas são esparsas especialmente no caso dos processos distribuídos muito após o ajuizamento 26.

26 Em estudo sobre o controle concentrado de constitucionalidade dos atos do Poder Executivo Federal no período 1989-2009, a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) constatou ocorrência de maior índice

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Portanto, não se pode cogitar a existência de uma pressão muito grande no sentido da manutenção desse alto índice de ações retidas sem julgamento nos últimos anos. Porém, essa situação é diversa nos casos de processos mais antigos, pois nos processos iniciados entre 2000 e 2001 são relativamente equilibrados os números de ações com e sem liminar concedida, e nas ações referentes ao período anterior ao analisado na pesquisa preponderam os processos que aguardam julgamento com liminares deferidas, já que 151 liminares que permanecem vigentes desde a década de 1990, que somam bem mais que os 118 processos referentes a esse período que continuam aguardando julgamento sem contarem com um provimento liminar deferido. Assim, o número de liminares deferidas antes do período pesquisado é maior do que as liminares deferidas durante esse período, como mostra o gráfico abaixo.

• Gráfico 6. Liminares deferidas válidas

132

151

120 125 130 135 140 145 150 155

Período analisado

Período anterior

A presença dessas liminares que duram mais de uma década faz com que, apesar do baixo índice de concessão de liminares dos anos recentes, exista ainda um total de 29727 ações com liminar deferida, que correspondem a cerca de 20% das 1471 ADIs que atualmente aguardam julgamento. Porém, considerando que mais que metade deste número representa liminares concedidas antes do ano 2000, o percentual no futuro tende a cair.

Assim, por mais que a ampla maioria dos processos aguardando julgamento seja de ADIs ajuizadas nos últimos 5 anos e que não contam com qualquer tipo de decisão

de concessão de liminares no período 1994-2001, mas não foi capaz de concluir quais as razões disso. [Ministério da Justiça. Controle de Constitucionalidade dos Atos do Poder Executivo. Série Pensando o Direito, n. 30/2001, pp. 60-61]. Essa constatação, somada ao perfil das liminares que permanecem vigendo, indica que possivelmente não mais é correto dizer, ao menos com a ênfase que Werneck Vianna et alii afirmaram em 1999 e reafirmaram em 2005, que “o STF tem preferido exercer o controle da constitucionalidade das leis mais no julgamento das liminares do que no do mérito”. [Ob. cit., p. 76] 27 Informações compiladas a partir dos dados constantes da página de estatística do STF [http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=adi, consultada em 20 de julho de 2010]

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provisória, cogitamos tratar essas liminares longevas como similares aos processos com deferimento, na medida em que os interesses dos requerentes se encontram resguardados e o senso comum afirma que o Tribunal tem a tendência de manter as liminares28. Esse entendimento alteraria substancialmente os resultados, já que o número de liminares pendentes nas ações analisadas (132) corresponde a praticamente 40% do número de decisões de procedência. Todavia, mesmo reconhecendo que boa parte dessas liminares deve ser confirmada pelo Tribunal, consideramos que essa escolha seria inadequada, pois a justificação desse tratamento demandaria uma pesquisa específica para identificar o perfil dessas liminares e para averiguar empiricamente a tendência de sua manutenção pelo STF. Portanto, concentraremos nossas atenções nos processos efetivamente julgados.

4.3. Índice de julgamento

Um dos elementos para compreender o sentido dos julgamentos é a comparação entre o perfil dos processos e o perfil das decisões, que nos mostra o índice de julgamento das ações propostas por determinados atores e contra determinados tipos de atos.

• Gráfico 7. Índice de julgamento por requerente

40,0%

0,0%

0,0%

55,0%

50,9%

47,6%

71,2%

47,2%

80,0%

53,1%

Presidente da República

Mesa do Senado

Mesa da Câmara

Assembléia Legislativa

Governador

PGR

Partido Político

Entidade de Classe

Partido político e outro legitimado

Total

O índice médio de julgamento é de 53%, como já foi tratado, e este gráfico mostra

que a maior parte dos índices de julgamento varia em 10% em torno deste número. Destoam desta média apenas dois casos. O do Presidente da República, que é explicável pelo fato de que as ações movidas por ele são poucas e muito novas, todas as cinco tendo ingressado na segunda metade do período analisado, o que explica que a maior parte delas ainda aguarde julgamento.

Mais relevante é o dado de que os processo movidos por partidos políticos, seja em conjunto ou não com outros legitimados, têm um índice de julgamento muito maior do que

28 Essa percepção é confirmada pela pesquisa da SBDP, em cujo universo observou-se confirmação do resultado da liminar por 90% das decisões finais de mérito que tiveram liminares deferidas contra atos do poder executivo. Cabe ressaltar que, nessa pesquisa, consideraram-se atos normativos do executivo não apenas aqueles editados pelos órgãos e entidades do poder executivo da União, mas também as leis e Emendas Constitucionais que partiram de projetos de inciativa privativa do executivo, o que explica certas divergências entre os perfis identificados no trabalho da SBDP e aquelas apresentadas no presente estudo. [Ministério da Justiça. Série Pensando o Direito. N. 30/2001, pp. 60-61].

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os outros. Em outras palavras, estes números mostram que as ações dos partidos são apreciadas em uma proporção cerca de 30% maior que os outros legitimados. Porém, isso não implica o reconhecimento de uma capacidade especial dos partidos para acelerar os julgamentos especialmente porque o índice de êxito dos partidos é bem menor do que a média. Portanto, esse desvio sugere apenas que há muitos processos dos partidos que podem ser julgados rapidamente por decisões de extinção sem julgamento de mérito, como veremos no ponto que analisa os índices de êxito.

Outra avaliação relevante é a do índice de julgamento por requerido, que está resumido no seguinte gráfico.

• Gráfico 8. Índice de julgamento por espécie de ato impugnado

64,4%

67,1%

43,1%

50,6%

65,8%

60,2%

100,0%

53,1%

Poder Executivo Federal

Poder Executivo Estadual

Poder Legislativo Federal

Poder Legislativo Estadual

Poder Judiciário e MP estadual

Poder Judiciário e MP Federal

Atos municipais

Total

Neste gráfico, salta aos olhos o índice de 100% de julgamentos dos processos contra

atos municipais, que sequer integram o âmbito de atuação das ADIs e que, com isso, têm um número reduzido e são julgados de forma muito célere, todos com decisão monocrática de extinção. Esse desvio indica que os altos índices de julgamento estão ligados com os altos índices de decisões monocráticas que extinguem o processo sem o julgamento do mérito, como é o caso típico do Poder Executivo Federal, cujos atos são muito raramente julgados inconstitucionais.

Além disso, verificamos que todos os requeridos têm um índice de julgamento acima da média, exceto os poderes legislativos. Isso se explica especialmente porque, apesar do índice ligeiramente inferior à média, os casos relativos ao poder legislativo estadual são numericamente muito maiores, o que faz com que pequenos desvios em sua média gerem grandes impactos nos demais. E como estes também são os processos com maior índice de procedência, também é explicável o fato de que eles tendem a ser menos julgados do que os demais, que tendem a receber maior número de decisões monocráticas de extinção.

Por fim, observa-se que os processos menos julgados, ou seja, os que tendem a compor o grupo dos que aguardam julgamento, é o daqueles movidos contra as leis federais, o que indica que estes processos nem recebem decisões monocráticas em grande número, mas que tampouco são levados a julgamento de forma célere. De todo modo, a devida compreensão deste desvio envolve tantas variáveis que demanda uma pesquisa específica.

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4.4. Processos Julgados

4.4.1. Decisões monocráticas e colegiadas

No universo analisado, os processos decididos pelo STF foram em sua maioria julgados por meio de decisões monocráticas, como mostra o seguinte gráfico.

Gráfico 9. Decisões monocráticas e colegiadas

Decisão Colegiada; 492; 48%Decisão Monocrática; 531;

52%

Essas decisões são tomadas por apenas um ministro, nos termos do § 1º do art. 21

do Regimento Interno do STF (RISTF), segundo o qual:

§ 1º¹ Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do código de Processo civil.

Portanto, todas as decisões monocráticas são decisões que extinguem o processo sem que seja apreciado o mérito, ou seja, sem que a inconstitucionalidade indicada pelas partes seja avaliada. Assim, a maioria dos processos apresentados por partes potencialmente legítimas para ajuizar ADIs é indeferida sem que seja apreciada por um órgão colegiado.

Essas decisões são mais céleres, e na média são tomadas em um tempo menor que as decisões colegiadas. Enquanto o tempo médio de duração dos processos julgados no período analisado foi de cerca de 2 anos, as decisões colegiadas têm uma média de 2,3 anos, enquanto as decisões monocráticas levaram uma média de 1,8 anos para serem tomadas. Esses dados são relativamente compatíveis com a duração dos processos que foram julgados desde o ano 2000, os quais tiveram uma duração média de aproximadamente 2,6 anos.

Todavia, essas médias de tempo não devem ser entendidas como médias de duração dos processos, pois o tempo média de espera dos processos do universo analisado que estão aguardando julgamento no Tribunal é de aproximadamente 6 anos. Considerando que apenas 53% dos processos que compõem esse universo foram julgados, mesmo que todas as ações pendentes fossem julgadas na data de hoje o tempo médio de julgamento seria de 4 anos.

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Essa situação se agrava quando ampliamos nossa análise para todos os processos que aguardam julgamento, pois o tempo médio de espera das ações ajuizadas antes 2008, ou seja, há mais tempo que a média de duração dos processos efetivamente julgados, é de 8,5 anos. Com isso, desconsideramos apenas os processos ajuizados há até cerca de dois anos e meio, período médio de duração dos processos efetivamente julgados desde o ano 2000.

• Tabela 4. Tempo médio de duração dos processo

Tempo médio de duração dos processos Anos Julgados por decisões Monocráticas no espectro analisado 1,8 Julgados por decisões Colegiadas no espectro analisado 2,3 Julgados no espectro analisado 2,0 Projeção de duração média dos processos analisados, caso todos os processos represados no período fossem julgados em 1.jun.2010 3,9 Julgados pelo STF desde 2000 2,6 Aguardando julgamento, entre os que compõem o universo analisado 6,1 Aguardando julgamento, entre os distribuídos antes e durante o período analisado 8,5

Esses números indicam que boa parte dos processos julgados são apreciados de maneira relativamente célere, mas que os processos que aguardam julgamento permanecem nessa condição por bastante tempo, o que indica um processo de acumulação de ações. Esses números também são compatíveis com a intuição comum de que primeiramente o judiciário tende a julgar os processos mais simples, cuja solução mais célere gera melhores números na estatística dos tribunais.

Quando esse esforço não é capaz senão de lidar com o fluxo de processos mais simples, o represamento das ações complexas tende a gerar um aumento gradual do tempo de espera médio, pois as questões complexas vão ficando acumuladas em um processo crescente. Porém, a devida medição dessa condição envolve um corte temporal diverso do que adotamos neste trabalho, pois ele precisaria selecionar os processos por tempo de julgamento e não por tempo de ajuizamento, o que é parte do projeto global de pesquisa, mas será feito em um segundo momento.

4.4.2. Julgamentos colegiados

Entre os processos julgados colegiadamente, a situação se inverte e existe uma forte predominância das decisões de mérito, que compõem cerca de 85% dos processos, com uma marcante predominância de julgamentos de procedência (68%).

• Gráfico 9. Perfil das decisões colegiadas

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21

Não conhecida; 51; 10%

Improcedentes; 90; 18%

Procedentes; 329; 68%

Prejudicados; 22; 4%

Essa predominância sugere que os ministros tendem a levar ao julgamento colegiado

apenas os pedidos que eles consideram admissíveis e procedentes. Essa afirmação, contudo, demanda uma pesquisa mais exaustiva do perfil das votações, identificando os casos em que o relator é vencedor e, especialmente, identificando os casos em que ele é vencido e buscando relacioná-los com as situações de improcedência e não-conhecimento. De toda forma, essa hipótese torna-se mais forte a partir da análise global dos julgamentos.

• Gráfico 10. Perfil das decisões

Decisão Moncrática; 531; 52%

Não conhecida; 51; 5%

Improcedentes; 90; 9%

Procedentes; 329; 32%

Prejudicados; 22; 2%

Entre esses números, o mais surpreendente é a quantidade muito baixa quantidade de

pedidos julgados improcedentes, o que reforça a tese de os tribunais tendem a julgar por critérios formais, especialmente nos casos em que se considera o pedido improcedente. Por isso, parte relevante dos processos extintos por meio de decisões monocráticas pode representar de fato um grupo de processos em que o julgamento por questões formais corresponde apenas a uma saída procedimentalmente mais simples.

Todavia, por mais que exista uma busca por celeridade processual, retirar processos do julgamento colegiado para resolvê-los por meio de juízos monocráticos não parece a saída mais adequada para a garantia de um julgamento democrático. Inclusive porque há

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22

um risco demasiadamente grande de que as influências ideológicas de cada magistrado imponham a rejeição liminar de argumentos que poderiam ser acatados por outros ministros. De fato, essas decisões monocráticas podem ser impugnadas por meio de Agravos Regimentais, mas esses processos têm uma relevância muito limitada, pois são relatados pelo próprio ministro que decidiu monocraticamente e raramente têm aptidão a mudar o julgamento. Além disso, as decisões monocráticas são menos sujeitas à crítica social e acadêmica porque a elas não se dá a mesma publicidade que aos acórdãos, na medida em que a página de jurisprudência do Tribunal somente publica decisões selecionadas. Consideramos que esse resultado indica a necessidade de uma pesquisa mais detalhada do universo dos processos julgados monocraticamente, o que fará parte de uma fase posterior da pesquisa.

5. Perfil das decisões de procedência

5.1. Índice de deferimento

Tomando como base o conjunto dos processos efetivamente julgados pelo tribunal, temos que o índice de deferimento dos processos abrangidos pela pesquisa é de 32%.

Comparando com o índice de deferimento geral dos processos, calculado com base nos dados fornecidos na página do STF, temos um resultado bastante semelhante. Somando os processos julgados no mérito, os não conhecidos e os considerados prejudicados, temos um total de 2585 ações, e os 891 processos com decisão de procedência representam 34% deles.

Verificamos, pois, uma forte coerência entre a série analisada e o perfil geral dos processos, tanto na distribuição dos autores quanto nos índices de procedência, o que reforça a representatividade da amostra analisada.

5.2. Deferimento por tipo de ato impugnado

Uma tabela bastante reveladora do perfil das decisões é a que compara o tipo do ato no perfil dos processos, o perfil das decisões e o perfil da procedência .

• Tabela 5. Perfil dos processos, decisões e procedência

Processos Percentagem de impugnação Julgados

Percentagem de julgados Procedentes

Porcentagem dos

procedentes

Poder Executivo Federal 188 9,8% 121 11,9% 3 0,9% Poder Executivo Estadual 76 4,0% 51 5,0% 12 3,6% Poder Legislativo Federal 306 16,0% 132 13,0% 18 5,5% Poder Legislativo Estadual 1151 60,2% 582 57,3% 270 82,1% Poder Judiciário e MP Federal 88 4,6% 53 5,2% 11 3,3% Poder Judiciário e MP estadual 76 4,0% 50 4,9% 15 4,6% Atos municipais 27 1,4% 27 2,7% 0 0,0% Total 1912 1016 329

• Gráfico 11. Relação entre processos ajuizados, julgados e procedentes

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23

188

76

306

1151

88

76

121

51

132

582

53

50

3

12

18

270

11

15

0 200 400 600 800 1000 1200 1400

Poder Executivo Federal

Poder Executivo Estadual

Poder Legislativo Federal

Poder Legislativo Estadual

Poder Judiciário e MP Federal

Poder Judiciário e MP estadual

Processos Julgados Procedentes

Este é um conjunto de informações bastante revelador das tendências de julgamento do Tribunal, pois deixa bastante clara a preponderância avassaladora das normas estaduais no que toca à atuação do STF em sede de controle concentrado. E cabe ressaltar que excluímos desse gráfico os atos municipais, que foram todos julgados, mas com índice zero de procedência.

As duas primeiras linhas mostram que a situação do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos estaduais é bastante semelhante à dos ministérios públicos federais. Além disso, cabe novamente relembrar que essa situação seria ainda mais equilibrada caso não fossem as mais de 20 ações que o PHS impetrou contra os TREs, das quais apenas uma foi julgada procedente. Excluídos esses processos da análise, teríamos números bastante semelhantes para ambas as esferas judiciais. Porém, em ambos os casos os índices de procedência dos julgados seria de menos da metade do índice de julgamento.

A terceira linha mostra a avassaladora preponderância numérica dos atos legislativos estaduais nos três tipos de análise: processos ajuizados, julgados e deferidos. Além disso, cabe ressaltar que, entre todos os tipos de atos impugnados, apenas as ADIs contra atos legislativos estaduais têm um percentual de procedência maior (e bem maior) do que o percentual de atos impugnados. Assim, fica evidente que existe um grande esforço para a impugnação de atos normativos federais, mas que o STF tem respostas muito mais consistentes na impugnação dos atos dos estados.

Essa tendência parece refletir o espectro dos fundamentos que têm mais impacto no Tribunal, que como veremos a seguir, tem uma tendência a decidir com base em argumentos formais, especialmente na prevalência da competência da União sobre a dos Estados e na garantia da aplicação estadual do desenho institucional que a CF traça para a União. Como esse é o tipo de atuação predominante do controle concentrado e ele se aplica basicamente aos atos estaduais que conflitam com as competências e a estrutura federal, não deve causar espécie que o índice de anulação de atos estaduais seja maior.

Somando a terceira e a quarta linhas, fica bastante claro que os atos legislativos são impugnados com muito mais frequência perante o STF do que os atos normativos do executivo e do judiciário. Uma explicação para essa dissonância poderia ser a de que a existência de tantos estados faz com que as leis estaduais sejam muito mais numerosas, o que explicaria essa preponderância. E essa mesma divergência não deveria ocorrer também no campo do executivo federal, na medida em que muitas das ADIs contra o executivo federal se referem às medidas provisórias.

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Todavia, essas explicações não levariam devidamente em conta o fato de que existe uma divergência muito grande entre os índices de procedência das ADIs, que é mais facilmente analisado se colocarmos lado a lado os três índices que construímos a partir da tabela anterior. Um índice de julgamento, correspondente à razão entre os processos ajuizados e julgados, e dois índices de procedência, correspondentes à razão entre o número de decisões de procedência e os números de processos propostos e julgados.

• Gráfico 12. Índices de procedência e de julgamento

64,4%

67,1%

43,1%

50,6%

60,2%

65,8%

53,1%

2,5%

23,5%

13,6%

46,4%

20,8%

30,0%

32,4%

1,6%

15,8%

5,9%

23,5%

12,5%

19,7%

17,2%

Poder Executivo Federal

Poder Executivo Estadual

Poder Legislativo Federal

Poder Legislativo Estadual

Poder Judiciário e MP Federal

Poder Judiciário e MP estadual

Total

Índice de julgamento Índice de procedência (relativo aos julgados) Índice de procedência (relativo aos ajuizados)

Essa tabela mostra as diferenças relativas daquilo que aparecia no gráfico anterior como diferenças absolutas. A primeira linha mostra que o índice geral de julgamentos é de 53,1%, sendo que as ações deferidas correspondem a 32,4% dos julgados e a 17,2% dos ajuizados. De fato, a barra intermediária marca o índice de proporção entre a barra menor e a maior, dado que ambas tomam como referência o universo dos processos impetrados

Fica claro que, apesar da preponderância absoluta no julgamento dos processos contra leis estaduais, os índices de julgamento das ações contra o legislativo são os dois mais baixos. Assim, resta evidenciado que uma proporção maior dos processos impetrados contra atos normativos do executivo e do judiciário chega rapidamente a ser julgado.

Mas ocorre que, especialmente no caso do legislativo estadual, o índice de procedência dos processos julgados chega 46%, o que o gráfico anterior não indica apenas uma diferença quantitativa ligada ao número de ações ajuizadas, mas que ele reflete especialmente uma diferença qualitativa de tratamento, pois esse índice é mais que 3 vezes maior do que o da procedência de ações contra o legislativo federal.

Fica claro, portanto, que as ADIs propostas contra leis federais são menos julgadas, pois elas têm o menor índice de julgamento, e também muito menos exitosas, na medida em que apenas 6% do total das ações propostas e 13,6% das ações julgadas chegaram a um resultado positivo.

Esse baixo grau de procedência somente é menor do que a situação das ADIs contra atos do poder executivo, que possuem um altíssimo índice de julgamento, mas o menor dos índices de procedência. De fato, essa situação se explica especialmente por causa do grande número de decisões monocráticas que extinguem esses processos, especialmente por motivos ligados à prejudicialidade, que acontece quando o ato impugnado é revogado antes do julgamento da ação.

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Porém, mesmo esse fato não é capaz de explicar uma discrepância tão grande, pois os atos dos governadores de Estado também estão sujeitos a serem revogados, mas os seus índices de procedência são quase 10 vezes maiores que os índices de procedência do Executivo Federal, e inclusive superam os do próprio legislativo federal. Se uma divergência entre os índices de impugnação era esperada, surpreendeu-nos o grau dessa distância, medido a partir dos índices de procedência.

5.3. Índice de julgamento e de êxito por requerente

O índice de procedência por Requerido, descrito no item anterior, mostra-se bem compatível com o índice de deferimento por recorrentes, que chamaremos de índice de êxito. Esse valor representa a razão entre o número de deferimentos e os processos julgados, dentro do universo da pesquisa.

• Tabela 6. Julgamento e êxito por Requerente

Requerentes Processos Analisados

Processos Julgados

Índice de julgamento Procedentes

Índice de Procedência relativa aos julgados

Índice de procedência global

Presidente da República 5 2 40,0% 0 0,0% 0,0%

Mesa do Senado 1 0 - 0 - -

Mesa da Câmara 0 0 - 0 - - Assembléia Legislativa 20 11 55,0% 1 9,1% 5,0%

Governador 509 259 50,9% 132 51,0% 25,9%

PGR 420 200 47,6% 100 50,0% 23,8%

Partido Político 375 267 71,2% 35 13,1% 9,3%

Entidade de Classe 578 273 47,2% 59 21,6% 10,2% Partido político e outro legitimado 5 4 80,0% 2 50,0% 40,0%

Total 1912 1016 53,1% 329 32,4% 17,2%

• Gráfico13. Índice de julgamento (por requerente) x Índice de Êxito (procedência por Requerente)

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51,0%

50,0%

13,1%

21,6%

50,0%

32,4%

50,9%

47,6%

71,2%

47,2%

80,0%

53,1%

Governador

PGR

Partido Político

Entidade de Classe

Partido político e outrolegitimado

Total

Índice de Procedência Índice de julgamento

Desse segundo gráfico, excluímos o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado e as Assembleias legislativas porque o número de processos é tão pequeno que as estatísticas terminam sendo distorcidas, pois o julgamento de um processo a mais ou a menos alteraria substancialmente os percentuais.

O primeiro número que impressiona nesses dados são os 50% de êxito dos processos com mais de um legitimado no pólo ativo, o que ocorreu em apenas 5 processos. Assim, por maior que seja o índice de êxito, trata-se de uma situação muito particular, que representa menos de 0,5% do número de ações. Esse alto índice provavelmente deriva do fato de que tal união de legitimados tende a ocorrer apenas em situações específicas nas quais a flagrante inconstitucionalidade consegue mobilizar tipos diferentes de autores, em grupos que sempre envolvem um partido político. Portanto, não se trata da defesa de um interesse específico de classe, de partido ou de governo, como é o caso da maioria das ações, mas de interesses compartilhados que permitam que várias instituições proponham conjuntamente a ação.

Considerando que os governadores são os principais demandantes contra as Assembleias Legislativas e que estas são as instituições cujos atos são mais comumente anulados, era de se esperar que o índice de êxito dos governadores fosse bastante alto.

Juntamente com o Procurador-Geral da República, os Governadores concentram o maior número dos julgamentos brutos de procedência, e têm índices de julgamento e de êxito bastante compatíveis entre si, tanto considerando o global dos processos ajuizados quanto o dos julgados.

Nesta tabela, os resultados que se mostram mais destoantes são os dos partidos políticos, que apesar de terem um altíssimo índice de julgamento, possuem um pequeno índice de sucesso. Isso demonstra a existência de um grande número de processos que são extintos por decisões monocráticas, que termina fazendo com que índice global de julgamentos dos partidos seja muito semelhante ao das entidades de classe, apesar da grande divergência no índice de julgamentos.

De todo modo, fica claro o fato de que as ações dos Governadores e do PGR têm um índice geral de procedência mais de duas vezes superior que o índice geral de procedência dos Partidos Políticos e das Entidades de Classe, divergência essa que somente pode começar a ser explicada a partir da análise geral dos fundamentos das decisões.

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5.4. Assuntos

Não fizemos uma tabela relativa aos assuntos da ADI, pois a base de dados que utilizamos para essa análise não apresenta dados suficientemente completos para sustentar uma análise estatística. Para este fim, contamos com as informações catalogadas pelo próprio STF, o assunto de 13% dos processos que compõem o universo de pesquisa não terem sido catalogados, número esse que é compatível com a indicação do STF que 15% de seus processos não foram classificados quanto ao assunto. Além disso, a tabela de assuntos é irregular no que toca à precisão, o que exigiria um tratamento completo dessas informações para que elas pudessem ser utilizadas.

Esse trabalho de reclassificação foi feito de modo bastante completo pela pesquisa de Werneck Vianna e outros, e consideramos que podemos adotar aqui a análise realizada acerca do perfil dos assuntos tratados. A possibilidade dessa adoção é reforçada pelo fato de que, apesar de terem recortes temporais diversos, ambas as pesquisas oferecem um perfil de distribuição de autores muito consistentes entre si e com as estatísticas gerais da atividade do STF29.

Consideramos que essa pesquisa trata muito bem das correlações entre o perfil dos requerentes e os assuntos tratados nas diversas ações, e supomos que essa correlação torna razoável supor que a distribuição dos assuntos está diretamente relacionada com os interesses das diversas partes e que eles se mantém, ao menos de forma geral. Assim, tomaremos as conclusões daquela pesquisa como base para as nossas análises, que se concentram justamente na compreensão de um ponto que não foi abordado de modo analítico pelo trabalho de Vianna e outros: o perfil das próprias decisões, especialmente dos fundamentos constitucionais ligados aos processos de deferimento.

5.5. Os fundamentos das decisões

Até este ponto, as análises estatísticas sobre as decisões do STF poderiam ser realizadas a partir de um tratamento relativamente simples das bases de dados disponíveis no STF. Para consolidar as informações tratadas, bastava fazer uma tipologia dos requerentes e requeridos, bem como dos assuntos já catalogados pelo serviço de autuação do Tribunal.

Porém, esses dados não evidenciam o nosso principal objeto de pesquisa neste trabalho, que é justamente o tipo de argumentação utilizado pelo Tribunal para justificar os deferimentos. Interessa-nos compreender o perfil desses fundamentos, para poder avançar na compreensão do papel exercido pelo Tribunal ao anular atos normativos.

De fato, por mais que muitos processos relevantes tenham sido julgados improcedentes, esse tipo de decisão não contribui de forma relevante para avaliarmos a necessidade de atribuir ao STF o poder de judicial review. Nesses casos, a inexistência de qualquer poder de controle, como ocorre por exemplo no Reino Unido, resultaria na permanência das decisões políticas dos órgãos legislativos e executivos.

Cremos, assim, que a análise da necessidade do poder de judicial review, bem como a eventual redefinição dos seus limites, precisa concentrar-se especialmente no perfil das

29 VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Brasileiro, Revista de Sociologia da USP, v. 19, n2. São Paulo, 2007.

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decisões de procedência, que demarcam os limites em que a atividade do tribunal contribui ativamente para definir os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros.

O que nos interessa, de fato, é saber que tipo de intervenção o STF está mais disposto a realizar, o que contribui para identificar quem são os potenciais beneficiários de um incremento no ativismo judicial.

Por isso, optamos por fazer uma classificação dos fundamentos utilizados nessas decisões, possibilitando identificar que tipo de argumento constitucional tem preponderância nas decisões do STF.

Essa classificação não pretende ser completa nem exaustiva, mas apenas representar de forma organizada os principais argumentos utilizados pelo STF, bem como identificar certas linhas argumentativas que concentram muitas das posições do tribunal. Por isso, as classificações utilizadas foram construídas de modo indutivo, a partir de uma pesquisa exploratória que identificou os principais argumentos utilizados e buscou sistematizá-los em algumas categorias.

O resultado desse processo foi que identificamos três grandes grupos de argumentos:

• Inconstitucionalidade formal: sob este rótulo, agrupamos as decisões que

não avaliam a compatibilidade material das regras instituídas com as normas constitucionais, mas que declaram a inconstitucionalidade de atos normativos tendo em vista a inobservância de critérios formais de validade, especialmente no que toca à competência dos legisladores e à observância do processo legislativo.

• Desenho institucional: nesta categoria, agrupamos decisões que declaram a inconstitucionalidade de atos normativos que tratam da organização do Estado, que são formalmente válidos, mas que se chocam com o desenho institucional que o STF considera traçado pela Constituição Federal.

• Direitos fundamentais: sob este rótulo, agrupamos as decisões que declaram a inconstitucionalidade de quaisquer regras, inclusive as de organização do Estado, sob o argumento de violação dos direitos e garantias fundamentais. Assim, quando existia alguma sobreposição de fundamentos, demos prevalência a essa classificação.

Essa classificação guarda compatibilidade com a teoria constitucional que reconhece nas Constituições dois grandes papéis normativos: a definição dos aspectos básicos de organização do Estado e a definição dos direitos fundamentais das pessoas. Com isso, as duas primeiras categorias representam duas facetas da organização institucional: a que define critérios formais de organização do poder (especialmente competência e processos) e a que determina certas formas específicas de organização institucional válidas para todo o Estado brasileiro.

Devemos reconhecer que a divisão entre forma e conteúdo é em grande parte artificial, pois os elementos formais envolvidos na regulação do poder muitas vezes definem os conteúdos possíveis dos atos políticos (como é o caso das regras de competência). Porém, isso não infirma a capacidade explicativa das categorias adotadas, já que na avaliação da constitucionalidade formal o tribunal tende a se concentrar no respeito à definição da existência de competência e da observância dos processos, enquanto na constitucionalidade material o que se avalia é a adequação constitucional da própria norma (e não do seu processo de criação).

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E, no âmbito da constitucionalidade material, é cabível a distinção entre regras ligadas a observância dos critérios gerais de estruturação do poder estatal (que chamamos de desenho institucional) e dos critérios específicos ligados aos direitos fundamentais.

O resultado dessa classificação mostra uma forte preponderância de uma avaliação meramente formal da constitucionalidade, que corresponde a quase 2/3 das decisões. E, dentro da avaliação material, repete-se a proporção de 2/3 consistentes em decisões sobre desenho institucional e apenas 1/3 consistentes em anulação de atos normativos em decorrência de violação de direitos fundamentais, como podemos ver no gráfico a seguir.

• Gráfico 14. Perfil dos fundamentos

Inconstitucionalidade Formal; 202; 61%

Desenho institucional; 92; 28%

Direitos fundamentais; 35; 11%

A pesquisa mostra que os argumentos ligados à organização do Estado somam 89%

das leis declaradas inconstitucionais pelo STF em sede de ADI, enquanto os problemas ligados a direitos fundamentais representaram apenas 11% das decisões de procedência.

Um complemento relevante para essa informação será o perfil dos assuntos das decisões de indeferimento e das decisões monocráticas baseadas na inviabilidade manifesta do pedido, que fará parte da continuação desta pesquisa.

5.5.2. Inconstitucionalidade formal

Avaliando mais detidamente as 202 questões de inconstitucionalidade formal, vemos que mais de metade delas (114) corresponde a questões ligadas a problemas de competência. Já as questões relativas a processo legislativo correspondem a 1/3 das decisões e os 10% restantes se referem a duas previsões constitucionais diretas acerca de requisitos de validade de certos atos normativos, sendo eles 12 casos referentes ao desmembramento de municípios sem a observância do rito previsto na constituição e 8 casos ligados às disposições que tentaram pôr fim à guerra fiscal.

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• Gráfico 15. Perfil das decisões de inconstitucionalidade formal

115; 57%

67; 33%

20; 10%

Competência Processo legislativo Requisitos formais exigidos pela constituição

5.5.3. Competência

O âmbito específico das discussões sobre competência, que abrange uma parte substancial das questões de inconstitucionalidade formal, pode ser dividido em três grupos.

O primeiro se refere à invasão da competência de um ente da federação por outro (que podemos chamar de conflitos entre unidades federativas), o segundo envolve a invasão da competência de um poder por outro (que chamaremos de conflitos entre poderes), na mesma esfera federativa, e o terceiro envolve o conflito entre órgãos de um mesmo poder (que chamaremos de conflitos entre órgãos). A distribuição desses conflitos é bastante desigual, como mostra o gráfico abaixo.

• Gráfico 16. Perfil das decisões baseadas em argumentos de competência

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101; 88%

12; 10%2; 2%

Entre unidades federativas

Entre poderes de uma mesma unidade

Entre órgãos de um mesmo poder

Essa disparidade se explica porque a constituição define com minúcia a competência

da União e as competências legislativas concorrentes, o que leva à existência de uma grande gama de possibilidades de conflito nessa área.

Já os conflitos entre poderes ocorrem todos eles em apenas um caso: a edição pelos poderes executivo e judiciário de atos que são submetidos à chamada reserva de lei, ou seja, a regulação administrativa de matérias que somente poderiam ser definidas por meio de leis em sentido formal (ou seja, de atos do poder legislativo).

Por fim, as possibilidades de conflitos constitucionais entre órgãos são muito reduzidas, pois as competências de órgãos específicos normalmente são definidas por leis e não pelo próprio texto constitucional. E os casos que afloraram são pontuais, relacionando-se com a definição das competências de órgãos judiciais (que são definidos pela própria CF) e das Assembleias Constituintes.

Maior cuidado precisamos ter na análise do sentido dessa preponderância de conflitos federativos de competência, já que a maioria deles envolve a invasão da competência da União pelos estados, como vemos no gráfico abaixo.

• Gráfico 17. Conflitos de competência por unidades da federação

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95

0

6

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Invasão da competência daUnião pelos Estados

Invasão da competência dosEstados

Invasão da competência dosMunicípios

Entre esses três números, é revelador o fato de que simplesmente inexistem decisões

que garantem a competência dos estados contra uma eventual extrapolação por parte da União. Esses são conflitos que existem e se relacionam com a (re)definição do pacto federativo, mas que não encontraram reconhecimento nas decisões do STF que analisamos.

Por outro lado, o grande número de decisões relativas à garantia da competência da União contra eventual invasão por parte dos Estados é revelador sobre o papel do STF na manutenção do nosso modelo de Federalismo, em que a União tem um papel preponderante, apesar de dogmaticamente afirmarmos a inexistência de uma subordinação jurídica entre as unidades federativas.

Essas decisões que resguardam a competência da União somam cerca de 35% de todas as decisões tomadas pela Corte, o que mostra a sua função fundamental na manutenção da primazia da União no âmbito das competências legislativas. Todavia, esse número deve ser encarado com cuidado, já que boa parte desses pedidos foi feito pelos próprios governadores dos Estados, que, em vez de alterar legislativamente as regras aprovadas pelas Assembleias Legislativas, optaram por anulá-las judicialmente, o que indica uma razoável dificuldade em conseguir essas alterações mediante o trabalho direto nas instituições representativas. Assim, por mais que reforcem as competências da União, esses pedidos muitas vezes se ligam politicamente aos interesses mais diretos dos governadores e de outras entidades, como vamos verificar ao analisar o perfil das decisões dadas a cada categoria de requerente.

Já as decisões relativas à garantia das competências dos municípios, que são poucas numericamente, merecem uma atenção especial porque elas invalidam alguns atos que aparentemente teriam um caráter democráticos e moralizadores, ligando-se especialmente com a limitação dos salários dos vereadores e dos prefeitos por meio de atos estaduais, que foram invalidados em nome da autonomia municipal.

5.5.4. Desenho institucional

As decisões relativas ao desenho institucional são avaliações das regras que definem a estrutura administrativa do Estado, envolvendo questões muito variadas, como as definições de competências dos órgãos e, principalmente, as regras sobre concursos públicos (cujos princípios gerais são definidos em nível constitucional) e as diversas aplicações do princípio da simetria. Neste ponto, cabe ressaltar que, sendo os concursos públicos compreendidos como uma decorrência da aplicação do princípio da isonomia à

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administração pública, a garantia do próprio concurso poderia ser entendida como um direito fundamental. Porém, classificamos como ações julgadas com base em direitos fundamentais apenas aquelas nas quais o tema foi de concurso público, mas o argumento utilizado foi uma referência à isonomia e não apenas à exigência constitucional de sua realização. Os 92 processos que classificamos sob este rótulo representam 28% do total das decisões de procedência.

5.5.5. Direitos fundamentais

No âmbito dos direitos fundamentais, verifica-se que são apenas trinta e cinco (35) ADIs julgadas procedentes dentro do espectro analisado. Esse número, bastante reduzido em face dos julgamentos que se centralizaram em questões formais e demais temas, mostra que a discussão sobre direitos e garantias fundamentais não tem sido propriamente o grande objeto do controle concentrado de constitucionalidade e, em rigor, pouco tem contribuído para uma maior compreensão de seus conteúdos, normalmente de grande abertura interpretativa.

Em razão do caráter reduzido de ADIs julgadas procedentes em matéria de direitos e garantias fundamentais, torna-se complexo efetuar uma categorização mais detalhada dos temas específicos. Isso se torna ainda mais difícil devido à própria amplitude de assuntos que normalmente se incluem na grande classificação “direitos e garantias fundamentais”. Ao mesmo tempo, não raro se encontram dúvidas se, de fato, determinada temática específica poderia ser enquadrada na classificação “direitos e garantias fundamentais”, exatamente porque não é pacífico doutrinariamente se determinados assuntos assim poderiam ser qualificados.

Por essa razão, o critério adotado foi, primeiramente, enquadrar nesta temática apenas as ADIs que, superadas as questões formais, efetivamente discutiram o mérito dos direitos fundamentais suscitados. Assim, o foco se volta para o próprio discurso do STF, isto é, se ele realmente utilizou argumentos que diretamente enfrentaram a questão dos direitos e garantias fundamentais apresentada. Em segundo lugar, buscou-se incluir nessa grande categoria temas que são histórica e doutrinariamente entendidos como “direitos e garantias fundamentais”.

Portanto, já com base nesse critério, foram catalogados os seguintes subgrupos:

Direitos e garantias tributárias do contribuinte - Esse tema, em muitas situações, também se confunde com o debate sobre igualdade e liberdade, mas aqui foi classificado devido a sua especificidade. Das trinta e cinco ADIs examinadas, pode-se dizer que oito (8) se referem à matéria tributária. Aqui se destacam os casos envolvendo a criação de taxas e emolumentos pelos estados em cartórios ou na própria justiça que ofendiam alguma norma constitucional, questões referentes à contribuição previdenciária de servidores públicos (que, conforme doutrina majoritária, se enquadram no âmbito da tributação); e guerra fiscal em função de concessão de incentivo tributário. Dessas ADIs, somente uma (1) teve liminar deferida, cuja matéria se referia à guerra fiscal ocorrida em razão da concessão de incentivo fiscal com base na origem do produto.

Direitos e garantias do eleitor - Seu objeto, pois, está na preservação das condições elementares do processo eleitoral. Do universo examinado, quatro (4) podem ser assim catalogadas. Basicamente elas se referiram a situações de vacância do cargo de governador e vice-governador e a forma de preenchimento da vaga; a obrigatoriedade da vinculação entre candidaturas nas distintas esferas da federação; e, por fim, divulgação de pesquisas antes da eleição. Em nenhum caso houve concessão

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de liminar, sendo três (3) delas provocadas contra leis e emendas federais e uma, contra lei estadual.

Direitos e garantias em matéria penal - Aqui podem ser catalogados, desse universo, três (3) ações. Normalmente, as questões aqui se referem à criação de norma que viola a garantia do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência (art. 5o, LV e LVII, da Constituição Federal) ou, então, da ampliação de crimes sem reserva de lei.

Direitos e garantias do servidor público – Essa matéria pode englobar os mais diversos direitos fundamentais, mas assim foram classificadas as ações que afetam diretamente uma classe de servidor público. Do universo analisado, seis (6) ações podem aqui ser incluídas. Aqui entram hipóteses de não-retroatividade de lei para prejudicar servidor; de concessão de benefício a servidor em contrariedade à Constituição Federal; de exclusão de procuradores federais de penalidades semelhantes aos demais advogados; demissão de servidor público em estágio probatório (contrariando o direito de greve); concessão de aposentadoria especial; e criação de subsídio vitalício a ex-governadores.

Direito à Isonomia em sentido amplo – Aqui foram catalogados todos os casos que envolvem ofensa ao direito à isonomia não enquadrados nos demais subgrupos. Das trinta e cinco ações, sete (7) podem ser aqui incluídos. São casos que tratam de criação de pensão para pessoas em condições especiais; isonomia em licitações; isonomia no acesso ao ensino superior público; igualdade no direito à assistência judiciária gratuita; critérios de desempate em concursos.

Direitos referentes à Proteção Ambiental e da Fauna – São casos que envolvem direito ambiental e proteção à fauna. Aqui podem ser enquadradas três (3) ações, que vão desde situações de leis que permitem a briga de galo à compensação ambiental em função do impacto ambiental.

Direito à Liberdade em sentido amplo – Aqui foram catalogados todos os casos que envolvem ofensa à liberdade não passíveis de serem enquadrados nos demais subgrupos. São casos que tratam da livre-concorrência e da livre-associação. Duas (2) ações poderiam ser aqui enquadradas.

Outros – São os casos que não puderam ser classificados em nenhuma dos subgrupos anteriores. Dois casos são aqui enquadrados: um que trata da imposição de condições para pagamento de precatório em ofensa ao arts. 5o, XXXV, e 100 da Constituição Federal e outro que trata das garantias do promotor natural.

Essa distribuição mostra uma dispersão dos tipos de argumentação ligadas aos direitos fundamentais, já que nenhum dos argumentos congrega mais que 20% das ações. Porém, devemos ressaltar o número relevante de ações ligadas aos direitos dos servidores públicos, pois identificamos que os Requerentes que mais tiveram êxito com esse tipo de argumentação foram justamente as Entidades de Classe ligadas à defesa dos interesses corporativos de certas profissões jurídicas, especialmente de servidores públicos como juízes, defensores, policiais, delegados e membros do ministério público.

5.6. Relação entre os fundamentos e Requerentes

A análise geral dos fundamentos mostra que existem várias correlações entre certos tipos de argumentação que obtiveram amplo reconhecimento na Corte e os interesses defendidos por cada autor em especial. A seguinte tabela mostra um quadro geral dos assuntos tratados por cada espécie de autor que obteve decisões de mérito favoráveis.

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• Tabela 7. Fundamentos por Requerente

Fundamentos Assembléia Legislativa Governador PGR

Partido Político

Entidade de

Classe

Partido e outro

legitimado Total Inconstitucionalidade formal 0 113 50 13 25 1 202 Competência 0 44 43 5 22 0 114 Reserva de lei 0 1 8 0 3 0 12 Iniciativa do Executivo 0 61 0 0 1 0 62 Desmembramento de Municípios 0 1 5 6 0 0 12

Desenho institucional 1 12 40 19 20 0 92 Concursos 0 2 17 0 13 0 32 Simetria 1 3 8 12 2 0 26

Direitos Fundamentais 0 7 10 3 14 1 35 Total 1 132 100 35 59 2 329

Essas informações se tornam mais claras quando avaliamos o quanto determinados fundamentos gerais e alguns assuntos específicos dentro deles tiveram relevância nos processos julgados procedentes ajuizados pelos quatro principais grupos de autores.

Na tabela abaixo, marcamos em verde algumas das porcentagens excepcionalmente altas, que mostram um grande desvio com relação à participação desses assuntos nas decisões de procedência em geral. E marcamos de amarelo certas ausências que também são marcantes, pois contribuem para mostrar o foco dos interesses que esses grupos de autores concentraram suas atenções e conseguiram defender com êxito.

• Tabela 8. Participação de cada fundamento nas ações procedentes de cada autor

Fundamentos Governador PGR Partido Político

Entidade de Classe Total

Inconstitucionalidade formal 86% 50% 37% 42% 61% Competência 33% 43% 14% 37% 35% Reserva de lei 1% 8% 0% 5% 4% Iniciativa do Executivo 46% 0% 0% 2% 19% Desmembramento de Municípios 1% 5% 17% 0% 4% Desenho institucional 9% 40% 54% 34% 28% Concursos 2% 17% 0% 22% 10% Simetria 2% 8% 34% 3% 8% Direitos Fundamentais 5% 10% 9% 24% 11%

Nos pontos abaixo, faremos uma descrição dos principais grupos de autores, delineando a partir das informações acima um perfil de seus êxitos em sede de ADIs e buscando elaborar hipóteses hermenêuticas capazes de oferecer explicações para essas peculiaridades divergências com relação ao perfil geral das decisões exitosas e do perfil específico das decisões relativas a cada requerente.

6. Perfil dos requerentes

A Constituição Federal, nos nove incisos do art. 103, define os atores legitimados para propor ADIs, que podemos dividir em cinco grandes grupos:

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1. Poder Executivo, abrangendo os chefes dos poderes executivos da União e dos Estados

2. Poder Legislativo, abrangendo as mesas da Câmara dos Deputados, do Senado e das Assembleias Legislativas. Embora a Câmara Legislativa do DF não seja propriamente uma Assembléia Legislativa estadual, na medida em que exerce também as competências legislativas típicas dos municípios, para fins desta pesquisa nós a consideraremos abrangida no termo Assembléia Legislativa, por razões de concisão.

3. Ministério Público, representado pelo Procurador-Geral da República.

4. Partidos Políticos

5. Entidades de Classe

6.1. Poder Executivo

O primeiro a ser nomeado é Presidente da República, que potencialmente poderia utilizar o controle concentrado de constitucionalidade como instrumento para anular a legislação contrária aos seus interesses, especialmente aquela proveniente de legislaturas anteriores ao seu mandato. Todavia, a prática mostra que os presidentes utilizaram muito pouco esse mecanismo, tendo a primeira ADI sido interposta pelo chefe do governo federal apenas no final de 2005 (ADI 3599), com relação a uma lei deste mesmo ano cujo veto presidencial havia sido rejeitado pelo Congresso Nacional. Até hoje, foram apresentadas apenas 7 ADIs pelo presidente da República, das quais apenas duas foram julgadas, sendo que uma foi considerada improcedente e a outra sequer foi conhecida.

Situação oposta é a dos chefes dos poderes executivos estaduais, que apresentaram em conjunto cerca de ¼ de todas as ADIs e que, segundo apuramos, obtiveram quase 40% de todas as decisões de procedência (vide tabela ?). Os governadores, assim, não apenas representam uma das partes que mais litigam em sede de ADI, mas são aquela que tem maior percentual de êxito.

Embora a nossa pesquisa não possa apontar as causas dessa disparidade, consideramos razoável supor que ela indica a existência de um alinhamento muito grande entre o Legislativo e o Executivo da União, o que faz com que as mudanças legislativas de interesse do governo federal sejam operadas pelo próprio sistema legislativo, o que torna desnecessário judicializar essas questões, exceto em casos excepcionais como é a rejeição de um veto.

Já nos estados em que a influência do Governador sobre as Assembleias é mais reduzida, a judicialização das questões se mostra uma estratégia política relevante para que o governo estadual faça prevalecer seus interesses. A comprovação desta hipótese, porém, exige um estudo minucioso sobre o perfil dos processos ajuizados pelos governadores, que será realizado ao longo do próximo ano.

Quanto aos chefes do poder executivo estadual, os governadores de estado, vemos que a ADI é um instrumento altamente eficiente para preservação de seus poderes políticos, evidente no alto índice de procedência em face de normas editadas pelo legislativo estadual. Como demonstrado anteriormente, o Índice de Procedência de ADI propostas por Governadores, em ações já julgadas, é de 51%. Em outras palavras, é mais provável que um governador de estado perca uma aposta no cara ou coroa do que tenha uma ADI julgada improcedente. De fato, a maior dificuldade é que elas sejam julgadas,

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porque, no universo analisado, receberam decisões apenas 50% das ADIs propostas por governadores.

É relevante notar que o governador de estado é o legitimado mais beneficiado pelo instituto em termos quantitativos, do total de 329 ações julgadas procedentes 132 foram ajuizadas por governadores de estado. Trata-se, portanto, de aproximadamente 40% da quantidade das ações julgadas procedentes, entre as que analisamos.

Demonstra-se aqui, mais uma vez a tendência da corte constitucional a ser mais sensível a argumentos formais, afinal das 132 decisões julgadas procedentes 113 ações tiveram por fundamento inconstitucionalidade formal.

Esses números apontam para duas hipótese, a primeira é de que a distribuição de competência dentro dos Estados é altamente desequilibrada no sentido de que a grande maioria das matérias objeto de ADI visam preservar a competência da união, ou preservar a prerrogativa de iniciativa do governador de estado apontando para um esvaziamento do legislativo estadual30; a segunda hipótese é que em face do grande índice de sucesso de ADI propostas por governadores potencializa-se uma tendência de despolitização das discussões estaduais em face do incremento da judicialização dessas discussões, instrumento mais eficiente.

A segunda hipótese é reforçada pelo índice de ADI julgadas procedentes para cassar emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa do governador.31 Nesses casos, a casa legislativa aprova um texto de lei proposto pelo governador de Estado com determinadas modificações de interesse da casa, não havendo pressão política para a não aprovação das emendas em face da facilidade de caçá-la na corte constitucional.

É relevante por fim registrar que a análise da judicialização dos assuntos Estaduais envolveria a análise das decisões abstratas dos Tribunais de Justiça em face das ADI propostas com parâmetro na constituição estadual ou na lei orgânica do Distrito Federal. Como tal análise diverge do objeto analisado nesse trabalho não é possível apresentar conclusões acerca das hipóteses levantadas.

Conclui-se que a análise das ADI ajuizadas por governadores de estado, julgadas procedentes, aponta para a confirmação da hipótese principal do trabalho de que a corte constitucional federal é mais sensível a argumentações formais, enfraquecendo o uso do controle abstrato para tutela de direitos fundamentais e fortalecendo o seu uso para tutela de prerrogativas políticas.

Assim, o alto índice de êxito dos governadores diz menos sobre a posição política deles do que deixa clara a abertura da Corte para os argumentos ligados à defesa da competência da União perante a atuação legislativa estadual e a defesa da garantia de iniciativa privativa do governador.

Por fim, cabe notar que o perfil das decisões de procedência mostra que os governadores têm um sucesso muito abaixo da média no manejo de argumentos ligados aos direitos fundamentais e ao desenho institucional, o que mostra que a sua atuação não se dá em termos da busca de interesses coletivos, mas preponderantemente na garantia do seu próprio espaço de poder.

30 A Constituição Federal ao distribuir as competências estaduais dispôs como de iniciativa exclusiva do Governador de Estados a maioria das matérias de relevância estadual, é o que se depreende da conjugação dos art. 61, §1º, art. 84, art. 25 §1º com o “princípio da simetria”. Assim, cabe ao Estado-Membro a competência residual não prevista à União nem aos Municípios, respeitando as prerrogativas de Iniciativa do Governador simétricas as prerrogativas do Presidente da República. 31 Trata-se de aplicação do Art. 63, I da CRFB conjugado com o princípio da simetria entre os entes federativos. Exemplo ADI 2791/PR

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6.2. Poder Legislativo

O poder legislativo é o setor com menor participação na proposição de ADIs, sendo a presença do Legislativo Federal praticamente nula e a participação das Assembleias Legislativas bastante restrita, limitada a 20 processos dos quais apenas um foi julgado procedente, na garantia do princípio da simetria, para garantir uma maior participação da Casa Legislativa na nomeação de membros do Tribunal de Contas. Assim, o único interesse tutelado se refere ao interesse corporativo na limitação dos poderes dos governadores.

6.3. Ministério Público

O Procurador Geral da República divide com os Governadores a primazia no número de ações ajuizadas, julgadas e deferidas. Porém, enquanto os governadores atuam principalmente nos seus próprios interesses de governo, a atuação do MP é muito mais ampla, invocando fundamentos dos mais diversos tipos. Essa situação é provavelmente explicado pelo fato de que a atuação do MP é decorrente muitas vezes de representação das pessoas interessadas, o que tende a produzir uma maior variedade de temas e argumentos.

Porém, certas peculiaridades no padrão geral dos julgamentos indicam um alto número de processos ligados à garantia dos interesses institucionais do próprio MP, refletidos nos exitosos pedidos fundados no princípio da reserva de lei e de desenho institucional, com base no qual se buscou interferir especialmente nas leis e constituições estaduais que regulavam as competências dos Ministérios Públicos dos Estados.

Outro ponto relevante é que as ações procedentes do PGR tem um alto índice de concentração no tema dos concursos públicos, o que provavelmente indica a sensibilidade da Procuradoria em dar seguimento a representações que apontam irregularidades nesse campo. Considerando que o sistema de concursos públicos é uma exigência republicana, não seria de todo inadequado classificar essas decisões como parte daquelas que têm como base um direito fundamental. Nesse sentido, as várias decisões que impedem o ingresso em carreiras públicas sem concurso poderiam ser consideradas decorrentes do princípio da isonomia. Porém, considerando que a exigência de concurso é parte do desenho institucional imposto pela Constituição, entendemos mais adequado classificar nesta categoria as decisões sobre concurso que não se referem diretamente ao princípio da igualdade, muito embora devamos reconhecer que a garantia da observância dessa regra seja voltada à garantia do interesse social e não apenas do interesse das categorias diretamente envolvidas, o que explica e justifica a alta presença do MP nas ações sobre este tema.

Contrariamente ao que se poderia imaginar, não existe no resultado das ações do PGR uma concentração acima da média de defesas exitosas de direitos fundamentais, já que as ações exitosas com base nesse tipo de argumentação representam apenas 10% das ações exitosas do MP, contra 11% da média geral. Assim, cabe investigar mais a fundo a atuação do MP para verificar em que medida ela representa uma simples defesa dos interesses institucionais e corporativos do Ministério Público, e em que medida ela é capaz de dar vazão à defesa dos interesses coletivos e difusos cuja defesa compõe o seu dever constitucional.

6.4. Partidos Políticos

Os partidos políticos, como era de se esperar, não utilizam o STF como fórum para a defesa de interesses coletivos e difusos, mas para a defesa dos seus próprios interesses

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institucionais. Assim, eles se concentram na impugnação de atos normativos de caráter eleitoral e político, sendo especialmente relevante a sua atuação na impugnação de desmembramentos de municípios. Mas o foco principal das suas ADIs exitosas está na manutenção do desenho institucional da União nos estados. 1/3 de suas ações exitosas são relacionadas com a aplicação do princípio da simetria, que fundamentalmente limita a autonomia dos estados membros.

Assim, embora os partidos políticos tenham por função atuar em nome de certos grupos sociais dentro de uma democracia representativa, a sua atuação no processo de controle concentrado foi pautada especialmente na manutenção dos interesses da própria instituição partidária, e não dos seus representados.

6.5. Entidades de Classe

As Entidades de Classe, como era previsível, defenderam preponderantemente os interesses corporativos dos seus membros, e não do interesse geral da sociedade, defesa esta que se liga aos interesses difusos (da sociedade em geral) e não aos direitos tecnicamente chamados de coletivos (de determinados grupos sociais específicos). Este grupo é formado basicamente por dois subconjuntos.

O primeiro é o das Entidades Sindicais Patronais de âmbito nacional, que obtiveram êxito razoável na defesa de seus interesses corporativos, especialmente a CNT, a CNI, e a CONENFEN, que representam respectivamente os setores do transporte, da indústria e dos estabelecimentos de ensino.

O segundo é o das Associações de Classe de profissões jurídicas, como advogados, defensores, magistrados, delegados, notários e membros do ministério público. Entre todas elas, a única de caráter sindical é a COBRAPOL (Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis), pois as demais têm caráter associativo. São essas entidades de classe as que manejaram com mais êxito os argumentos ligados a direitos fundamentais. Porém, salvo algumas atuações pontuais da OAB e da AMB, essa argumentação não é voltada à garantia de interesses difusos e do interesse da sociedade em geral, mas aos próprios interesses corporativos das classes envolvidas. E essa postura é determinada pela própria jurisprudência do STF, que tende a não admitir que as Entidades de Classe, salvo a OAB, impugnem leis que não tenham pertinência temática com a classe defendida.

Cabe ressaltar que, ao defenderem os seus próprios direitos dentro de uma via judicial que tem efeito vinculante, a tutela desses interesses corporativos pode gerar implicações gerais favoráveis a interesses sociais mais abrangentes, o que ocorreu em várias ADIs, especialmente no que toca às ações ligadas aos concursos públicos ou à garantia do direito de greve. Todavia, é peculiar o fato de que todas as ADIs exitosas nesse campo foram movidas por entidades ligadas às diversas profissões jurídicas, que compõem uma minoria das questões relevantes mesmo dentro do serviço público, mas que se mostraram mais abertas e mas aptas a utilizar em seu favor o processo de judicialização da política permitido pelas ADIs.

7. Conclusões

A quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade?

Uma resposta que é praticamente um truísmo seria: aos legitimados para propô-la. Chegar apenas até este ponto não valeria uma pesquisa. Porém, os dados que levantamos mostram que este controle efetuado mediante ADIs não interessa a boa parte dos legitimados, dado que eles não o utilizaram de forma frequente nem de modo eficaz. O Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado e as Assembleias Legislativas dos estados

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fizeram um uso bastante restrito desse instituto. Juntos, esses 4 legitimados respondem por menos de 2% das ADIs ajuizadas, seja no universo analisado nesta pesquisa, seja no universo total dos processos.

A Mesa da Câmara sequer chegou a propor qualquer ação, desde a criação do instituto, e a Mesa do Senado somente levou uma questão ao STF por meio de ADI. Somente nos últimos anos o Presidente passou a adotar a estratégia de judicialização de questões constitucionais, mas mesmo assim as primeiras ADIs foram voltadas à anulação de leis cujo veto presidencial havia sido rejeitado. Portanto, trata-se de uma utilização bastante pontual. Assembleias Legislativas estaduais tiveram um uso um pouco maior, mas ainda assim muito restrito e com um índice de êxito bastante reduzido. Por tudo isso, consideramos que esses agentes não têm um interesse especial na possibilidade de judicializar questões por meio de ADIs.

Situação diversa está nos outros quatro grupos de legitimados, que têm uma participação bastante ativa, respondendo cada um deles por 20 a 30% do total de ações. São eles: os partidos políticos, o Procurador-Geral da República, as entidades de Classe e os governadores de estado.

Entre eles, os que mais se beneficiam diretamente das ADIs são os governadores, que contam com o maior índice de êxito e com a maior quantidade bruta de processos julgados e deferidos. E o perfil das decisões indica que elas beneficiam diretamente os governadores envolvidos, na medida em que resultam normalmente dos conflitos políticos entre os governadores e as assembleias legislativas. E quase metade das ADIs dos governadores que obtiveram êxito (correspondentes a 20% do total das decisões analisadas) referem-se à garantia da iniciativa privativa dos chefes do executivo com relação a certas matérias do direito administrativo. Portanto, fica claro que os conflitos políticos intraestaduais são responsáveis pela grande maioria dos processos e decisões.

Essa configuração faz com que as assembléias legislativas sejam as grandes perdedoras do processo de controle concentrado, pois as leis estaduais representam cerca de 60% dos atos impugnados e impressionantes 82% dos atos impugnados. Considerando que em nosso sistema federativo a maior parte das competências legislativas é atribuída pela CF à União e não aos estados, esse é um resultado impressionante, pois indica que a atuação do STF no controle de constitucionalidade não lida com uma avaliação material dos atos normativos que têm repercussão mais geral, mas que elas lidam como o controle da autonomia estadual, seja por meio da garantia contra invasões das competências da União, seja pela imposição do desenho institucional federal mediante o princípio da simetria.

Esse tipo de comportamento é reforçado pela postura do STF em acatar preponderantemente todo tipo de argumentação que tenda a fortalecer as competências da União e a impor aos estados o seu desenho institucional. Com isso, existe uma forte tendência à judicialização de questões que podem ser resolvidas com base nesse tipo de argumentação, e também de caracterizar conflitos outros (como divergências materiais sobre as decisões políticas consolidadas em certas leis) como questões de invasão de competência federal. Somente esse tipo de deslocamento dos conflitos políticos para conflitos de competência legislativa explica o altíssimo índice de impugnação de normas estaduais em ações movidas pelos governadores de Estado sob o argumento de invasão da competência da União pelas Assembleias legislativas.

A atribuição de legitimidade aos partidos políticos, que também são um dos protagonistas na proposição de ADIs, parece decorrer da idéia de que eles poderiam atuar em defesa dos direitos das pessoas e interesses que eles representam. Embora existam alguns casos de defesa de interesses que podem ser considerados difusos, o perfil das decisões exitosas mostra que eles atuam preponderantemente em função de seus interesses

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institucionais e de conveniências político-eleitorais, dado que a grande maioria das decisões se refere à impugnação de normas de direito eleitoral ou normas que se refletem na distribuição de cargos eletivos, como é o caso do desmembramento de municípios, e no exercício do poder, como a criação e a nomeação de cargos.

Deve-se notar que a atuação exitosa dos partidos invocou direitos fundamentais em uma proporção abaixo da média e que a sua concentração em questões de desenho institucional revela uma atuação voltada aos interesses eleitorais do partido, no sentido de atuar na própria distribuição do poder político, mais que na defesa dos interesses das pessoas que esses partidos deveriam representar. Ademais, o altíssimo índice de indeferimento das ADIs dos partidos, que se liga diretamente com o alo índice de julgamento, sugere que a judicialização das questões é em muitos casos uma estratégia para conferir visibilidade a pretensões de partidos pequenos da oposição, e que própria existência da ADI pode ser mais um instrumento de retórica política do que uma estratégia de anulação de atos fundados em uma argumentação jurídica sólida.

A atuação do Ministério Público é a mais variada, e provavelmente a que mais se coaduna com a busca de conferir um sentido democrático para a ADI. Como a atuação do Procurador-Geral da República normalmente deriva de representações a ele dirigidas, elas podem abranger um campo maior de interesses sociais relevantes. Porém, mesmo no caso da atuação do MP identificamos uma grande concentração de processos voltados à garantia dos interesses institucionais ligadas especialmente às definições das atribuições dos ministérios públicos dos estados.

De todo modo, a grande concentração de ADIs exitosas do PGR fundadas em argumentos de competência e desenho institucional indica que são esses os fundamentos com base nos quais o STF tende a agir. Assim, não deve causar espécie o fato de o MP optar pela via da ADI nos casos em que é possível sustentar o pedido de inconstitucionalidade em argumentos de forma ou desenho institucional, já que esses argumentos tem reconhecidamente uma maior probabilidade de êxito. Porém, o fato de a atuação exitosa do MP ter ficado abaixo da média no que toca aos argumentos de direitos fundamentais não deixa de ser surpreendente. Se algum dos legitimados deveria atuar preponderantemente na defesa dos interesses difusos e coletivos, este deveria ser o próprio MP. Todavia, a pesquisa com relação a este ponto ainda é inconclusiva, pois depende de uma análise do perfil dos pedidos do MP, para verificar se a baixa incidência de decisões sobre direitos fundamentais deriva mais da ausência de pedidos ou da sua rejeição pelo STF.

Outro número que inicialmente surpreendeu foi que as ADIs procedentes com base na defesa de direitos fundamentais representaram 24% das decisões de procedência das Entidades de Classe, que juntas obtiveram 40% de todas as decisões do STF nesse sentido no universo analisado. Essa preponderância poderia indicar que tais entidades foram mais ativas na defesa dos interesses difusos, mas essa seria uma interpretação enganosa. De fato, identificamos alguns casos de atuação da OAB e da AMB na defesa de interesses mais gerais, porém a grande maioria das decisões ligadas às entidades de classe se refere à defesa dos interesses corporativos, como aliás era de se esperar de entidades organizadas para defender os interesses dos seus membros. Apesar disso, o perfil das decisões mostra que a maioria delas têm um impacto social potencialmente relevante, derivado do efeito vinculante das ADIs, que permitem a extensão dos efeitos dessas decisões a casos semelhantes que ultrapassam os conflitos que motivaram a ação.

Um dado também relevante é o de que as Confederações patronais têm uma atuação mais ativa que as dos Trabalhadores e que, entre as demais entidades, somente tiveram participação constante e exitosa aquelas que organizam profissões jurídicas, como juízes,

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delegados, defensores, membros do MP, advogados e policiais. Associações ligadas a outras profissões tiveram baixo índice de participação e índice nulo de procedência, o que indica que as classes envolvidas mais diretamente ligadas à aplicação do direito souberam aproveitar-se de modo mais eficaz dos processos de judicialização da política. Além disso, a maior parte das decisões nesse sentido tem a ver com direito administrativo, pois a maioria das questões levantadas tem a ver com os interesses funcionais de servidores públicos, ou com os impactos da administração da justiça no exercício da advocacia e das atividades notariais.

Assim, mesmo que essas Entidades tenham a maior participação nas decisões ligadas a direitos fundamentais, a maioria desses processos não se liga à garantia de interesses difusos, mas aos interesses corporativos da própria classe, como questões referentes ao pagamentos de precatórios, à tributação da atividade forense, a nomeação de juízes classistas, à aplicação de certas multas aos advogados e à criação da figura do promotor ad hoc. Excluídas essas questões de caráter mais nitidamente corporativo, a participação exitosa das entidades de classe na defesa de direitos fundamentais ficaria reduzida ao nível dos demais atores.

Esse perfil geral das decisões e dos atores nos leva a crer que a atuação dos principais requerentes é na maior parte das vezes limitada à garantia de interesses institucionais ou corporativos e que, nessa medida, não realizam o objetivo final do controle de constitucionalidade que seria o de servir como uma via concentrada e rápida para a solução de questões constitucionais mais amplas, especialmente para a defesa dos direitos constitucionais. Mesmo o Ministério Público, que deveria ter uma participação mais direta na defesa desses interesses, não obtém uma quantidade relativamente maior de êxito nas questões ligadas aos direitos fundamentais.

Essas constatações conduzem a corroborar a hipótese de que, na atuação concentrada, o STF realiza basicamente um controle da própria estrutura do Estado, voltada à preservação da competência da União e à limitação da autonomia dos estados de buscarem desenhos institucionais diversos daqueles que a Constituição da República atribui à esfera federal. Além disso, o perfil das decisões confirma a idéia comum de que o STF (como os demais tribunais) atua como um sistema fechado, em que a escolha das decisões a serem tomadas decorre menos da relevância das questões do que da necessidade de otimizar o número de decisões. Com isso, há uma ampliação imensa das decisões monocráticas, que contribui para esvaziar a relevância dos debates colegiados, aonde chegam fundamentalmente as questões que os relatores consideram procedentes, e não apenas aquelas que eles deveriam considerar aptas a serem julgadas.

Nessa medida, o processo de fortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade, especificamente no que toca às ADIs, aparentemente não se mostra apto a gerar um debate mais amplo das questões constitucionais relevantes para a população em geral, especialmente na medida em que os atores que podem protagonizar as ADIs estão mais vinculados aos seus interesses corporativos e institucionais que à garantia do interesse comum. Assim, o discurso que deu margem à ampliação do rol de legitimados na Constituição de 1988, como uma forma de tornar socialmente mais aberto o controle concentrado, mostra-se na prática vazio, pois os novos legitimados atuam quase que apenas em nome de interesses de grupos específicos. Nesse sentido, o retorno ao sistema da Constituição de 1967, em que apenas o Procurador-Geral da República tinha legitimidade para propor ADIs não parece que alteraria fundamentalmente a tutela dos direitos fundamentais, o que reforça a idéia de que os maiores beneficiados pela atual conformação das ADIs são os próprios legitimados.

Além disso, a atuação do STF reforça a tendência de que somente as questões formais e de desenho institucional sejam judicializadas, na medida em que elas é que têm

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uma chance razoável de êxito. Essa tendência dos julgamentos parece gerar uma retroalimentação no sistema, fazendo com que a judicialização somente seja uma escolha estratégica razoável quando as questões levantadas possam ser redescritas como problemas de competência, de procedimento, de desenho institucional ou de simetria. Em outros casos, aparentemente a via judicial se mostra pouco aberta para realizar um controle mais efetivo, ao menos na estrutura imposta pelo atual modelo de ADI.

Essas conclusões, que decorrem de direta referência empírica, mostram que há um severo descompasso entre a prática jurisdicional e a teoria de que a Constituição de 1988, ao ampliar os legitimados, teria construído um “sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada a fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade”32. Fica evidenciada, nessa análise, que esse tão bem estruturado e tão completo sistema não tem efetivamente desenvolvido uma verdadeira defesa dos direitos e garantias fundamentais, tampouco a ampliação dos legitimados favoreceu esse movimento. Ao contrário, a Constituição e os movimentos legais e jurisprudenciais posteriores favoreceram a construção de um processo gradual, mas efetivo, de retirada de outras vias, como o controle difuso e concreto, como instrumento para essa defesa de direitos e garantias fundamentais. A ampliação do controle concentrado, pouco cidadão e pouco efetivo na defesa de direitos e garantias fundamentais, vem sendo acompanhada da subtração da discursividade que acontece no sistema difuso. Em síntese, há um claro problema que agora começa a ser diagnosticado e que precisa de um forte debate cívico em torno do papel que devemos esperar de uma corte constitucional.

De toda forma, a fixação de conclusões mais definitivas nesse sentido exige uma análise global dos fundamentos das decisões e dos pedidos, na tentativa de verificar se esse comportamento do STF foi relativamente constante desde 1988 e se houve ao longo do tempo uma variação relevante nos pedidos feitos, em decorrência da postura do Tribunal. Além disso, é preciso verificar o perfil dos processos e das decisões dos outros tipos de ações ligadas ao controle concentrado, para verificar até que ponto elas seguem o mesmo perfil das ADIs.

Assim, o panorama apresentado ainda é sujeito a alterações maiores, pois algumas das configurações decisórias aqui expostas podem receber interpretações alternativas com o avanço das pesquisas e várias das conclusões delineadas precisam de outros dados que a corroborem. De toda forma, consideramos relevante compartilhar o conjunto de informações consolidadas e as análises provisórias que delas fizemos, para que o trabalho de interpretação dos dados seja mais produtivo e para que sejam aprimorados os métodos de catalogação, tratamento e interpretação dos dados que utilizamos até o presente momento.

32 COELHO, Inocêncio Mártires. “Experiência Constitucional Brasileira: da Carta Imperial de 1824 à Constituição Democrática de 1988”. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 208.

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Review, Vol. 14, 1003, p. 714. SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros,

2005. VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO,

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Page 45: A quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade? Um perfil das decisões de procedência em ADIs

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9. Lista de Tabelas e Gráficos

•••• TABELA 1. PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS REQUERENTES NAS ADIS (TOTAL E ANALISADAS).......................................................................................................................................... 10

•••• TABELA 2. PARTICIPAÇÃO DOS REQUERENTES REVISTA ................................................... 11

•••• GRÁFICO 1. TIPOS DE ATOS IMPUGNADOS (POR NÍVEL FEDERATIVO).......................... 12

•••• GRÁFICO 2. TIPOS DE ATOS IMPUGNADOS (POR PODERES) ............................................... 12

•••• GRÁFICO 3. PROCESSOS JULGADOS ............................................................................................. 13

•••• GRÁFICO 4. PROCESSOS AGUARDANDO JULGAMENTO........................................................ 14

•••• GRÁFICO 5. PROCESSOS AGUARDANDO JULGAMENTO........................................................ 14

•••• TABELA 3. PROCESSOS AGUARDANDO JULGAMENTO .......................................................... 15

•••• GRÁFICO 6. LIMINARES DEFERIDAS VÁLIDAS ......................................................................... 16

•••• GRÁFICO 7. ÍNDICE DE JULGAMENTO POR REQUERENTE................................................ 17

•••• GRÁFICO 8. ÍNDICE DE JULGAMENTO POR ESPÉCIE DE ATO IMPUGNADO................. 18

•••• TABELA 4. TEMPO MÉDIO DE DURAÇÃO DOS PROCESSO ...................................................20

•••• GRÁFICO 9. PERFIL DAS DECISÕES COLEGIADAS...................................................................20

•••• GRÁFICO 10. PERFIL DAS DECISÕES ............................................................................................ 21

•••• TABELA 5. PERFIL DOS PROCESSOS, DECISÕES E PROCEDÊNCIA....................................22

•••• GRÁFICO 11. RELAÇÃO ENTRE PROCESSOS AJUIZADOS, JULGADOS E PROCEDENTES....................................................................................................................................................................22

•••• GRÁFICO 12. ÍNDICES DE PROCEDÊNCIA E DE JULGAMENTO..........................................24

•••• TABELA 6. JULGAMENTO E ÊXITO POR REQUERENTE .......................................................25

•••• GRÁFICO13. ÍNDICE DE JULGAMENTO (POR REQUERENTE) X ÍNDICE DE ÊXITO (PROCEDÊNCIA POR REQUERENTE) ............................................................................................25

•••• GRÁFICO 14. PERFIL DOS FUNDAMENTOS................................................................................29

•••• GRÁFICO 15. PERFIL DAS DECISÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ...........30

•••• GRÁFICO 16. PERFIL DAS DECISÕES BASEADAS EM ARGUMENTOS DE COMPETÊNCIA......................................................................................................................................30

•••• GRÁFICO 17. CONFLITOS DE COMPETÊNCIA POR UNIDADES DA FEDERAÇÃO .......... 31

•••• TABELA 7. FUNDAMENTOS POR REQUERENTE.....................................................................35

•••• TABELA 8. PARTICIPAÇÃO DE CADA FUNDAMENTO NAS AÇÕES PROCEDENTES DE CADA AUTOR..........................................................................................................................................35