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1 A Qualidade Do Disclosure De Estratégia Nos Relatórios Anuais Corporativos De Empresas Brasileiras Autoria: Marcelo Sanches Pagliarussi, Antonio Carlos Aguiar Gagno Junior Resumo O presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do disclosure de informações estratégicas realizado nos relatórios anuais corporativos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA. Levantamentos realizados no exterior pelo Financial Executives Research Foundation apontam que o relatório anual é a fonte de informação usada com maior freqüência e o conjunto de informações sobre a gestão da empresa é apontada como o mais importante elemento do relatório anual (SRI, 1987). Propõe-se um processo semi-objetivo para quantificar o disclosure de estratégia nos relatórios anuais meio de análise de conteúdo. Na dimensão exploratória, o presente estudo contribui para a literatura ao desenvolver um processo para quantificar o disclosure de estratégia por meio da análise do conteúdo temático realizada por computador. Para tanto, o construto disclosure de estratégia foi subdividido em oito dimensões temáticas obtidas a partir da revisão da literatura em estratégia de manufatura. Na dimensão descritiva, o presente estudo caracteriza como as empresas brasileiras listadas evidenciam informações sobre sua estratégia em relação às dimensões: custo de produto; custo de processo; qualidade de conformidade; qualidade de design; flexibilidade de volume; flexibilidade de mix de produtos; rapidez de lançamento; rapidez de desenvolvimento. Em seu componente confirmatório, o presente estudo utilizou a análise de agrupamentos para identificar grupos estratégicos a partir das quantificações das oito proxies para disclosure de estratégia utilizadas. Foi aplicada a regressão logística multinomial com o objetivo de discriminar os grupos identificados em relação ao seu desempenho econômico, conforme as proposições de Ward e Duray (2000), de que existe relação positiva entre a estratégia de diferenciação por qualidade e o desempenho das firmas. Mensurou-se a frequência de ocorrência e a proximidade entre palavras chaves e complementares, associados às dimensões de estratégia competitiva e de manufatura encontradas na literatura. Esta mensuração foi executada por um software de análise de conteúdo construído especificamente para este estudo. A população foi formada por 543 relatórios anuais de empresas brasileiras no ano de 2007, dentre os quais foi possível capturar disclosure de estratégia em 450. Por meio da análise de agrupamentos baseada nas oito dimensões de disclosure de estratégia utilizadas, os resultados apontam para a existência de quatro grupos, dos quais apenas dois apresentam posicionamento estratégico claramente definido. Um grupo não apresentou posicionamento definido, apesar dos indícios de busca de diferenciação, e o quarto e mais numeroso, com 199 empresas, não evidencia a sua estratégia competitiva. Conclui-se que o processo de aproximação do disclosure gerou resultados consistentes e que a qualidade do disclosure de estratégia das empresas brasileiras é baixa, principalmente em relação aquelas com desempenho econômico abaixo da média.

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A Qualidade Do Disclosure De Estratégia Nos Relatórios Anuais Corporativos De Empresas Brasileiras

Autoria: Marcelo Sanches Pagliarussi, Antonio Carlos Aguiar Gagno Junior

Resumo O presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do disclosure de informações estratégicas realizado nos relatórios anuais corporativos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA. Levantamentos realizados no exterior pelo Financial Executives Research Foundation apontam que o relatório anual é a fonte de informação usada com maior freqüência e o conjunto de informações sobre a gestão da empresa é apontada como o mais importante elemento do relatório anual (SRI, 1987). Propõe-se um processo semi-objetivo para quantificar o disclosure de estratégia nos relatórios anuais meio de análise de conteúdo. Na dimensão exploratória, o presente estudo contribui para a literatura ao desenvolver um processo para quantificar o disclosure de estratégia por meio da análise do conteúdo temático realizada por computador. Para tanto, o construto disclosure de estratégia foi subdividido em oito dimensões temáticas obtidas a partir da revisão da literatura em estratégia de manufatura. Na dimensão descritiva, o presente estudo caracteriza como as empresas brasileiras listadas evidenciam informações sobre sua estratégia em relação às dimensões: custo de produto; custo de processo; qualidade de conformidade; qualidade de design; flexibilidade de volume; flexibilidade de mix de produtos; rapidez de lançamento; rapidez de desenvolvimento. Em seu componente confirmatório, o presente estudo utilizou a análise de agrupamentos para identificar grupos estratégicos a partir das quantificações das oito proxies para disclosure de estratégia utilizadas. Foi aplicada a regressão logística multinomial com o objetivo de discriminar os grupos identificados em relação ao seu desempenho econômico, conforme as proposições de Ward e Duray (2000), de que existe relação positiva entre a estratégia de diferenciação por qualidade e o desempenho das firmas. Mensurou-se a frequência de ocorrência e a proximidade entre palavras chaves e complementares, associados às dimensões de estratégia competitiva e de manufatura encontradas na literatura. Esta mensuração foi executada por um software de análise de conteúdo construído especificamente para este estudo. A população foi formada por 543 relatórios anuais de empresas brasileiras no ano de 2007, dentre os quais foi possível capturar disclosure de estratégia em 450. Por meio da análise de agrupamentos baseada nas oito dimensões de disclosure de estratégia utilizadas, os resultados apontam para a existência de quatro grupos, dos quais apenas dois apresentam posicionamento estratégico claramente definido. Um grupo não apresentou posicionamento definido, apesar dos indícios de busca de diferenciação, e o quarto e mais numeroso, com 199 empresas, não evidencia a sua estratégia competitiva. Conclui-se que o processo de aproximação do disclosure gerou resultados consistentes e que a qualidade do disclosure de estratégia das empresas brasileiras é baixa, principalmente em relação aquelas com desempenho econômico abaixo da média.

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1 – Introdução O presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do disclosure de

informações estratégicas realizado nos relatórios anuais corporativos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA. Levantamentos realizados no exterior pelo Financial Executives Research Foundation apontam que o relatório anual é a fonte de informação usada com maior freqüência e o conjunto de informações sobre a gestão da empresa é apontada como o mais importante elemento do relatório anual (SRI, 1987).

Outros estudos, ao analisar o conteúdo dos relatórios de analistas de investimentos, concluíram que os analistas fazem uso extensivo de informações não financeiras, incluindo os riscos a que a empresa se expõe, mudanças não antecipadas, a posição competitiva e a gestão e a estratégia da firma (PREVITTS et al., 1994; ROGERS e GRANT, 1997; BRETON e TAFFLER, 2001).

Entretanto, a evidenciação de informações estratégicas também representa um custo e potencialmente pode revelar informações proprietárias. Neste sentido, as empresas precisam fazer escolhas a respeito do que revelar sobre a sua estratégia. De um lado, os analistas de investimento e os tomadores de decisão, como investidores individuais ou institucionais, precisam de informações para avaliar o potencial de geração de valor da empresa. Por outro lado, os concorrentes podem se beneficiar das informações reveladas e antecipar movimentos estratégicos em relação aos seus competidores.

Dentre os estudos anteriores identificados, Santema e Van de Rijt (2001), ao analisar os relatórios das empresas holandesas, concluem que estes apresentam baixa qualidade de disclosure de estratégia e informam pouco sobre objetivos, metas e planos, e ações orientadas para o futuro.

Santema, Hoekert, Van de Rijt e Van Oijen (2005) avaliaram a influência das dimensões culturais e da governança corporativa na extensão do disclosure de estratégia. Os autores analisaram as seções narrativas de relatórios anuais de cem empresas do Reino Unido, França, Alemanha, Polônia e Países Baixos. Constatou-se que essas diferenças nacionais influenciam na extensão com que as firmas fazem o disclosure de estratégias nos relatórios anuais.

Liberato (2007) estendeu a pesquisa de Santema et al. (2005), acrescentando aspectos institucionais e incluindo diferentes países. Os resultados de Liberato (2007) indicaram que o sistema legal, as dimensões culturais e de governança corporativa influenciam significativamente na extensão com que as empresas revelam a sua estratégia corporativa e de manufatura.

Não foram encontrados trabalhos publicados que se propusessem a analisar especificamente a qualidade do disclosure de estratégia em relatórios anuais corporativos. Deste modo, o presente estudo combina elementos exploratórios, descritivos e confirmatórios na análise de como as empresas brasileiras listadas evidenciam informações estratégicas em seus relatórios anuais.

Na dimensão exploratória, o presente estudo contribui para a literatura ao desenvolver um processo para quantificar o disclosure de estratégia por meio da análise do conteúdo temático realizada por computador. Para tanto, o construto disclosure de estratégia foi subdividido em oito dimensões temáticas obtidas a partir da revisão da literatura em estratégia de manufatura.

Na dimensão descritiva, o presente estudo caracteriza como as empresas brasileiras listadas evidenciam informações sobre sua estratégia em relação às dimensões: custo de produto; custo de processo; qualidade de conformidade; qualidade de design; flexibilidade de volume; flexibilidade de mix de produtos; rapidez de lançamento; rapidez de desenvolvimento.

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Em seu componente confirmatório, o presente estudo utilizou a análise de agrupamentos para identificar grupos estratégicos a partir das quantificações das oito proxies para disclosure de estratégia utilizadas. Foi aplicada a regressão logística multinomial com o objetivo de discriminar os grupos identificados em relação ao seu desempenho econômico, conforme as proposições de Ward e Duray (2000), de que existe relação positiva entre a estratégia de diferenciação por qualidade e o desempenho das firmas.

Os resultados obtidos permitiram identificar dois grupos com posicionamento estratégico definido, um competindo por meio de baixos custos e outro por meio de qualidade consistente. Um terceiro grupo apresenta uma busca de diferenciação, mas sem apresentar um posicionamento claramente definido. E o quarto grupo foi formado pelas empresas que não evidenciam sua estratégia competitiva nos relatórios anuais corporativos.

A confiança no processo de análise de conteúdo empregado para aproximar o disclosure de estratégia é reforçada pelo fato dos grupos encontrados apresentarem correspondência teórica com a literatura. Adicionalmente, a análise com variáveis observáveis de desempenho confirmou os resultados obtidos em estudos anteriores que relacionam o posicionamento competitivo com ênfase na qualidade a um desempenho econômico superior.

2 – Disclosure de estratégia em relatórios anuais corporativos

Os estudos sobre disclosure em relatórios anuais têm sido motivados pela importância deste instrumento na comunicação do desempenho financeiro das empresas e na redução da assimetria de informação, aproximando as partes interessadas da administração das empresas (ARROWS, 1984; BERETTA e BOZZOLAN, 2008).

Para melhorar a qualidade de disclosure é necessário estabelecer referências para sua avaliação. Isso faz com que sejam freqüentes as pesquisas sobre qual a forma mais eficaz para avaliar a qualidade do disclosure (BEATTIE et al,., 2004; BERETTA e BOZZOLAN, 2008), por ser esta qualidade complexa (HEALY e PALEPU, 2001) e multifacetada (BEATTIE et al., 2004).

Beattie et al. (2004) elaboraram um sumário da literatura sobre as várias abordagens de análise das seções narrativas dos relatórios anuais, no qual constataram duas formas freqüentes de aproximação para avaliar a qualidade do disclosure: i) análise subjetiva, baseada nas percepções, intuições e impressões pessoais, como a opinião dos analistas, ao invés de mensuração direta do disclosure. Esse método de análise subjetiva sofre crítica de viés causado pelo analista e pela falta de bases claras de avaliação (BEATTIE et al., 2004); ii) análise semi-objetiva, na qual uma lista de itens é elaborada ex ante e todo o texto é verificado na busca da presença destes itens.

Beattie et al. (2004) consideraram que as abordagens subjetiva e semi-objetiva são limitadas devido à imprecisão da subjetividade ou porque aproximam a qualidade do disclosure por meio de correlações com a quantidade. Assim, os autores propuseram uma metodologia que envolve quatro dimensões para avaliar a qualidade do disclosure: i) tópico (financeiro, negócios, informações orientadas para o futuro, operação e estrutura industrial); ii) tempo (passado e futuro); iii) natureza (financeira e não financeira); e iv) tipo (quantificável e não quantificável) (BEATTIE et al.,2004). Buscaram avaliar, portanto, não somente a quantidade, mas também a diversificação e a profundidade do disclosure.

Beretta e Bozzolan (2008) propuseram e testaram um arcabouço que verifica as correlações dos dados dos relatórios anuais de empresas do setor financeiro da Itália com os dados das respectivas recomendações dos analistas, seu consenso e sua precisão (ou dispersão) nestas recomendações. Os resultados obtidos indicaram que a qualidade do disclosure de informações orientadas para o futuro é forte e positivamente associada à revisão e à precisão das previsões de lucro elaboradas pelos analistas financeiros.

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Santema e Van de Rijt (2001), ao analisar os relatórios das empresas holandesas, argumentam que estes apresentam baixa qualidade de disclosure de estratégia e informam pouco sobre objetivos, metas e planos, e ações orientadas para o futuro. Por sua vez, Santema et al. (2005), analisaram a influência de diferenças nacionais, de governança corporativa e de cultura, na extensão do disclosure de estratégia. Foram analisadas seções narrativas de relatórios anuais de cem empresas do Reino Unido, França, Alemanha, Polônia e Países Baixos. Os resultados constataram que essas diferenças nacionais influenciam na extensão com que as firmas fazem o disclosure de estratégias nos relatórios anuais.

Liberato (2007) aprimorou a pesquisa de Santema et al. (2005), acrescentando aspectos institucionais e incluindo outros países. A autora buscou verificar a influência de diferenças nacionais de caráter legal, além de governança corporativa e de diferenças culturais na extensão do disclosure de estratégia. Foram analisadas as seções narrativas de 104 relatórios anuais de empresas de quatro países. Os resultados constataram a influência das dimensões culturais, do sistema legal e da governança corporativa no disclosure de estratégia corporativa e de manufatura. 3 – Estratégia

A estratégia é uma técnica administrativa para alcançar resultados consistentes com a missão e os objetivos da organização (WRIGHT et al., 2000). Para ser efetiva essa estratégia deve ser clara, focada e deve definir as prioridades competitivas adotadas pela empresa (SKINNER, 1969).

O presente estudo se baseia na proposição de que a estratégia envolve questões de conteúdo e processo, ou seja, seu estudo inclui ações decididas e também os processos pelos quais as ações decididas são implementadas (CHAFFEE, 1985). O primeiro nível na hierarquia das estratégias é o da estratégia corporativa, que é formulada para toda a empresa (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000) e tem por objetivo promover para a firma retornos acima da média (HITT; IRELAND; HOSKISSON, 2005) e criar valor para os acionistas (MONTGOMERY; PORTER, 1998).

Thompson e Strickland (2000) desenvolveram, a partir da estratégia genérica competitiva de Porter, cinco posicionamentos competitivos. O primeiro é a de liderança de custos baixos, que busca deter o custo baixo geral de seus produtos e serviços, para atrair grande faixa de compradores. O segundo é a estratégia de grande diferenciação, na qual as empresas buscam diferenciar seus produtos em relação aos produtos dos concorrentes, para atrair uma grande faixa de clientes. O terceiro é a estratégia de fornecedor de melhor custo, com a qual a empresa busca oferecer ao comprador mais valor pelo dinheiro. Combina ênfase de custo baixo com ênfase de diferenciação de alto padrão. No quarto posicionamento, de enfoque ou nicho de mercado combinado com baixos custos, as empresas concentram esforços em um segmento específico de clientes e buscam superar os concorrentes, atendendo ao mercado com um custo menor. O quinto e último é a estratégia de enfoque ou nicho de mercado baseada na diferenciação, que oferece a esses nichos um produto ou serviço personalizado para atender as suas preferências e necessidades específicas.

O próximo nível é o da estratégia de unidade de negócio, distinção originalmente empregada para empresas diversificadas. A estratégia no nível da unidade de negócio tanto trabalha missões e objetivos individuais, quanto define como cada unidade de negócio pretende competir no mercado de maneira independente (SLACK et al., 1997). É neste nível que os gerentes definem, entre as várias estratégias, qual irá orientar sua unidade.

O terceiro nível é o das estratégias funcionais. A estratégia funcional apóia a estratégia geral do negócio e funciona como ferramenta competitiva da empresa (SLACK et al., 1997). No presente trabalho, será abordada a estratégia funcional de operações – também conhecida como estratégia de manufatura ou de produção.

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Schroeder (1986) define que a estratégia de produção é uma visão da função produção que considera direções globais. A estratégia de produção deve resultar em padrões consistentes de decisões na produção e em vantagem competitiva para a organização. A estratégia de manufatura deve determinar as técnicas de produção, o arranjo físico e os tipos de plantas fabris, máquinas e equipamentos adequados às necessidades da produção (SKINNER, 1969).

A literatura traz vários estudos que identificam as dimensões da estratégia de manufatura, havendo um consenso de fato em torno de algumas delas. A seguir são mencionadas as prioridades competitivas e as dimensões de estratégia de manufatura. 4 – Prioridades competitivas e dimensões de estratégia de manufatura

Para subsidiar o alcance do objetivo do presente estudo, que é identificar o posicionamento estratégico das empresas brasileiras por meio do seu relatório anual corporativo, foi realizado um levantamento na literatura de estratégia e estratégia de manufatura com o objetivo de identificar as principais dimensões competitivas conceituais. O Quadro 1 a seguir apresenta uma relação de autores e temas relacionados à estratégia competitiva de manufatura.

A partir da revisão da literatura, adotou-se no presente estudo a divisão do conceito de estratégia de manufatura nos construtos qualidade, flexibilidade, custo e rapidez (WHITE, 1996; WARD et al., 1998; NOBLE, 1995). Estas quatro dimensões são apresentadas mais detalhadamente no Quadro 1.

Quadro 1: Resumo das prioridades competitivas mapeadas na literatura

AUTOR RESUMO CUSTO

Slack et al. (1997) Valor inferior ao cobrado pela concorrência. Noble (1995) Redução de custo em plantas fabris, foco direcionado ao controle de estoque,

produção just in time. Melhorias no processo de produção, redução de retrabalhos e de perdas, forte integração dos segmentos de produção, eliminação de atrasos, busca e utilização de matéria prima substituta.

Garvin (1993) Custo operacional, custos iniciais e de manutenção. Ward et al. (1998) Escala de produção e produtividade. Melhoria do processo produtivo para redução

de custo; aumento da utilização dos equipamentos, aumento da utilização da capacidade total instalada e redução do estoque.

QUALIDADE Porter (1980) Um produto ou serviço que satisfaça ou até supere as expectativas do cliente. Porter (1980) Qualidade maior, diferenciada. Slack et al. (1997) Ward et al. (1998)

Conformidade

Flyn et al. (1994) Controle de processo e gestão de processo. Garvin (1987)

Multidimensional (oito dimensões): desempenho, atributo do produto, confiabilidade, conformidade, durabilidade e qualidade do serviço, estética e qualidade percebida.

Ward et al. (1998) Desempenho, atributo do produto, confiabilidade, conformidade, durabilidade e qualidade do serviço. Quanto ao produto: conformidade, número de funcionalidades, estética, garantia de qualidade, diversidade ergonomia, consumo e autonomia, desempenho.

Noble, 1995

Quanto ao processo: baixo percentual de retrabalho, força do controle de qualidade, função da garantia da planta fabril.

Sweeney et al. (1991) Alto rendimento do insumos e pouco desperdício. Ward e Duray (2000) Ênfase no controle estatístico de processos; equipamentos de processo atualizados e

desenvolvimento de novos processos para produtos novos e já existentes. FLEXIBILIDADE

Slack et al. (1997) Capacidade de agilmente modificar as operações da empresa (o que, como e

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RAPIDEZ Slack et al. (1997) Sweeney (1991)

Reduzir o tempo entre o pedido e a entrega dos bens e serviços ao cliente, tanto no processo de produção quanto na entrega.

Ward e Duray (2000) Foco no cliente: tempo de entrega, tempo de atendimento ao cliente, confiabilidade da entrega (entrega na data prevista), cumprimento de prazos.

Ward et al. (1998) Tempo de desenvolvimento de novo produto, tempo de entrega, cumprimento da data de entrega, redução do tempo na produção e tempo do ciclo de produção.

Noble (1995) Redução de estoques e redução de riscos (previsões erradas, obsolescência.).

5 – Metodologia O processo de aproximação do disclosure de estratégia foi realizado com base na

análise do conteúdo temático, com indicadores de natureza semântica. A análise de conteúdo tem sido usada freqüentemente na pesquisa contábil (JONES e SHOEMAKER, 1994; ABRAHAMSON e AMIR, 1996; BRYAN, 1997; SMITH e TAFFLER, 2000).

Os temas, aqui chamados de dimensões ou construtos de estratégia, são as unidades a serem codificadas. “O tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura” (BARDIN, 2004, p. 99). Os temas utilizados para expressar os construtos de estratégia, bem como as respectivas grades de palavras para a análise dos relatórios anuais são descritos nas próximas seções. Bardin (2004) afirma que estudos anteriores são as fontes prováveis de inspiração para a definição das grades temáticas de análise.

Com o suporte da literatura em estratégia de manufatura e por meio da análise detalhada de todos os termos em todos os relatórios anuais foi definido um conjunto de palavras chave para cada um dos oito construtos de estratégia. Registrou-se a freqüência com que as palavras relativas a cada agrupamento temático apareceram no texto, desde que seu aparecimento estivesse relacionado com informações sobre a estratégia da empresa. 5.1 – Tipos de estratégia competitiva de manufatura

Os quatro construtos de estratégia de manufatura selecionadas a partir da literatura foram: diferenciação por custo, diferenciação por qualidade, diferenciação por flexibilidade e diferenciação por rapidez (WHITE 1996, WARD et al., 1998; NOBLE 1995).

Também foi observado que autores como Ward, McCreery (1998), Garvin (1993), Shawnee e Vickery (1994), Ward, Bickford e Leong (1995), Ward e McCreery (1998), Frohilch e Dixon (2001) subdividem as estratégias competitivas de manufatura em várias capacidades competitivas, o que permite desdobrar essas quatro estratégias em oito. Esses oito construtos resultantes podem ser definidos como:

- baixo custo de produto (CP), - baixo custo de processo (CC), - diferenciação por qualidade de desempenho (QD), - diferenciação por qualidade de conformidade (QC), - diferenciação por flexibilidade de design (FD), - diferenciação por flexibilidade de volume (FV), - diferenciação por rapidez de distribuição (RD) e

quando). Mix de produto e flexibilidade de customização de design, flexibilidade de taxa de produção e de volume.

Noble (1995)

Processo de produção: customização de produtos, frequência de variação dos níveis de produção, necessidade de redução do ciclo de produção para aumentar o volume e/ou a variedade de produtos.

Ward et al. (1998) Mix de produto, volume, change over e modificação. Gerwin (1985) Mix de produto, volume, change over e modificação, Rerouting, material e

seqüenciamento

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- diferenciação por rapidez de desenvolvimento e lançamento de novos produtos (RL). 5.2 – Palavras de busca

A revisão da literatura permitiu identificar as palavras chaves que têm relação com cada dimensão pré-definida de estratégia competitiva de manufatura. As palavras chave formaram a base para a elaboração de uma tabela padrão para a análise individual de cada relatório anual. Por questões de espaço, não é viável apresentar a lista de todas as palavras chave utilizadas na análise de conteúdo, mas os autores se dispõem a enviar a lista completa aos interessados.

Com o intuito de tornar mais rápida esta verificação, foi elaborado um programa com lógica simples em linguagem Python para contagem da frequência de palavras exatas (com mais de quatro caracteres). Python é uma linguagem de programação de padrão aberto desenvolvida e gerenciada pela Python Software Foundation, uma entidade sem fins lucrativos.

O programa executa busca por proximidade das palavras chave e complementos pré-definidos. A contagem foi feita quando o complemento ocorreu até três palavras após a palavra chave, desde que na mesma frase, isto é, sem estarem separados pelas pontuações de ponto final, dois pontos, exclamação ou interrogação. Numa exemplificação simples: “A automatização viabilizou a redução significativa e importante do custo de alguns processos de produção ...” Neste caso, foi contabilizada uma ocorrência para a palavra composta “redução&custo&produção” pré-definida e associada à dimensão de estratégia competitiva de custo de processo, pois as três palavras estão distantes duas a duas por até três palavras de no mínimo quatro letras.

No programa este parâmetro é ajustável, porém foi constatado em vários testes, utilizando uma amostra de trinta relatórios anuais como exemplo, que a distância que apresenta melhores resultados é igual a até 3 (três) palavras posteriores à palavra chave. Distâncias inferiores a três deixam de capturar várias evidências e superiores a três associam palavras indevidamente, provocando erros. 5.3 – Análise de agrupamentos

Após a realização da análise de conteúdo, que gerou a freqüência de palavras chave simples e compostas associadas a cada construto de estratégia, prosseguiu-se com a análise de agrupamentos. As variáveis de agrupamento foram as freqüências geradas na etapa de análise de conteúdo. Utilizou-se uma seqüência de procedimentos hierárquicos e não hierárquicos e a definição do número de grupos foi feita por meio da variação incremental do coeficiente de aglomeração (KETCHEN e SCHOOK, 1996). Também foi analisado o dendograma, que corresponde à representação gráfica, em árvore, dos resultados do procedimento hierárquico.

Para avaliar a confiabilidade e a validade do resultado, aplicaram-se duas das diversas maneiras de validação do procedimento de agrupamento. Primeiro os dados foram separados aleatoriamente em duas metades, compondo novo agrupamento separadamente e comparados os resultados. Depois foram excluídas variáveis, aleatoriamente, e se aplicou novamente o método de aglomeração nas restantes, comparando os resultados (MALHOTRA, 2001). 5.4 – Regressão logística multinomial

O modelo logit multinomial corresponde à estimativa simultânea de modelos logit binários, envolvendo todas as comparações possíveis entre as categorias (LONG, 2001). Formalmente, o modelo é escrito como (LONG, 2001):

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Na equação (1), b é a categoria base ou grupo de comparação. O coeficiente beta da

categoria base é zero, pois representa o logaritmo da probabilidade da categoria ocorrer em relação a ela mesma. Na mesma equação, x representa uma das variáveis independentes selecionadas para discriminar os grupos. O resultado do modelo é (LONG, 2001):

A equação 2 retorna a probabilidade de um elemento qualquer y pertencer à categoria

m, dado um valor de x, em relação à categoria base b. Os pacotes estatísticos normalmente selecionam a categoria base como a mais numerosa, mas é possível mudar essa especificação.

O modelo logístico multinomial foi aplicado utilizando como variável dependente os grupos obtidos (numerados de 1 a 4) em função das variáveis de desempenho margem líquida (ML), retorno sobre os ativos (ROA) e ativos totais (AT). 6 – Resultados

Dos 543 relatórios anuais analisados, em 123 não foi capturado nenhum disclosure de estratégia de manufatura, isto é, a soma total das palavras chave capturadas foi igual a zero. Observou-se que quanto maior o relatório, maior a probabilidade de capturar mais ocorrências de disclosure. Para minimizar a interferência do tamanho do relatório na extensão do disclosure da empresa, a frequência das palavras chave foi dividida pelo tamanho do relatório em KiloBytes (KB), uma vez que no formato .txt, o valor em KiloBytes tem relação positiva direta com o tamanho do texto. Posteriormente a freqüência de palavras chave por KB foi convertida em palavras chave por página de relatório (PC/página).

Conforme Clatworthy e Jones (2001), relatórios anuais que contenham um total menor que 300 palavras de conteúdo são pouco representativos, e portanto podem ser excluídos da amostra considerada. Assim, foram excluídos 83 relatórios que apresentaram texto com menos de 300 palavras, reduzindo a amostra de 543 para 460 empresas, conforme os dados em frequência das palavras-chave por página.

Para reduzir a interferência de outliers, foi adotado um corte excluindo os resultados fora da faixa entre a média e mais ou menos três desvios padrão, resultando na exclusão dos dados de dez empresas que apresentaram média superior a 5,292 (PC/KB). O novo conjunto de dados foi então reduzido de 460 para 450 empresas. A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva da freqüência de palavras chave por página para o conjunto de 450 relatórios analisados.

Tabela 1: Estatística descritiva para o disclosure de estratégia nos 450 relatórios anuais

Dimensão estratégica CP  CC  QD  QC  FD  FV  RD  RL Média (PC/página) 0,049 0,499 0,041 0,396 0,109 0,057 0,127 0,162

% do total 3,41% 34,62% 2,87% 27,48% 7,58% 3,93% 8,85% 11,25%Mínimo (PC/página) 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 Máximo (PC/página) 2,000 4,000 1,000 2,800 1,720 1,160 1,780 1,800

Desvio padrão (PC/página) 0,143 0,568 0,099 0,477 0,205 0,120 0,242 0,256 Legenda: CP = baixo custo de produto;

CC = baixo custo de processo; QD = diferenciação por qualidade de desempenho; QC = diferenciação por qualidade de conformidade; FD = diferenciação por flexibilidade de design;

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FV = diferenciação por flexibilidade de volume; RD = diferenciação por rapidez de distribuição; RL = diferenciação por rapidez de desenvolvimento e lançamento de novos produtos.

Observa-se que as empresas brasileiras evidenciam informações sobre estratégia nos

seus relatórios anuais corporativos principalmente nas dimensões custo de processo e qualidade de conformidade. As duas dimensões juntas correspondem a mais de 62% de todo o disclosure de estratégia.

A freqüência muito mais baixa de termos relativos à dimensão custo de produto provavelmente ocorre devido à dificuldade em especificar as informações desta dimensão. Empresas diversificadas, com muitas linhas de produtos, teriam que mencionar os detalhes específicos de cada um deles. Além do custo de levantar tais informações, tal disclosure iria resultar na revelação de informações proprietárias, o que não é esperado ocorrer (DYE, 1986).

A seguir são apresentados os resultados da análise de agrupamentos, a qual objetivou identificar a existência de grupos estratégicos. 6.1 – Análise de agrupamentos e posicionamento estratégico

Os grupos obtidos com algoritmos não hierárquicos (métodos k-medians e k-means) foram muito semelhantes aos obtidos com algoritmos hierárquicos (método Ward). Esta semelhança nos resultados obtidos reforça a validade das formações dos agrupamentos obtidos (KETCHEN e SCHOOK, 1996). De forma ilustrativa, os quatro agrupamentos para os algoritmos de Ward, k-medians e k-means são apresentados na Figura 1

.

Figura 1 – Gráficos com os grupos obtidos aplicando diferentes algoritmos de agrupamentos.

A definição do número de grupos ou aglomerados, segundo Malhotra (2001), deve ser uma decisão tomada pelo pesquisador de acordo com critérios de representatividade dos grupos formados e identificação de homogeneidades internas e heterogeneidades externas. Assim, as 450 empresas foram organizadas em quatro grupos apresentados na Tabelas 2 e na Figura 2 a seguir:

Tabela 2: Freqüência de palavras chave por página (pc/pág) para cada grupo nas oito dimensões de

estratégia Dimensões estratégicas

Grupo n CP CC QD QC FD FV RD RL

Total

1 48 0,115 1,686 0,068 0,435 0,119 0,104 0,135 0,159 2,821

10

2 40 0,088 0,875 0,051 1,500 0,130 0,083 0,186 0,253 3,164 3 163 0,056 0,541 0,070 0,487 0,165 0,074 0,165 0,234 1,792 4 199 0,020 0,102 0,009 0,091 0,057 0,026 0,083 0,086 0,474

Legenda: CP = baixo custo de produto;

CC = baixo custo de processo; QD = diferenciação por qualidade de desempenho; QC = diferenciação por qualidade de conformidade; FD = diferenciação por flexibilidade de design; FV = diferenciação por flexibilidade de volume; RD = diferenciação por rapidez de distribuição; RL = diferenciação por rapidez de desenvolvimento e lançamento de novos produtos.

Observa-se que o grupo 4 é o mais numeroso, com 199 empresas. Também é

característica deste grupo a baixíssima freqüência de palavras chave por relatório, menos de meia palavra chave relacionada à estratégia por página. Os outros grupos apresentam freqüências de palavras chave por página significativamente superiores. Para facilitar a visualização das diferentes características dos grupos, foi elaborado um diagrama na forma de radar, apresentado na Figura 2 a seguir.

Figura 2: Características dos diferentes grupos em relação às dimensões de disclosure de estratégia Legenda: CP = baixo custo de produto;

CC = baixo custo de processo; QD = diferenciação por qualidade de desempenho; QC = diferenciação por qualidade de conformidade; FD = diferenciação por flexibilidade de design; FV = diferenciação por flexibilidade de volume; RD = diferenciação por rapidez de distribuição; RL = diferenciação por rapidez de desenvolvimento e lançamento de novos produtos.

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O grupo 1, composto por 48 empresas (10,67%), tem forte ênfase para atender às

demandas do mercado, sem perder de vista sua prioridade, o menor preço. É o grupo com a segunda maior freqüência de palavras chave por página (2,82), concentradas principalmente nas dimensões custo de processo e qualidade de conformidade, conforme observado na Figura 2. A dimensão custo de processo (CC) é a que apresenta maior freqüência nos relatórios das empresas do grupo 1, que trabalha com forte ênfase para ter baixo custo de seus produtos, para aumentar sua margem ou para oferecer aos clientes mais valor que a concorrência, pelo dinheiro pago. São as empresas que se encaixam no grupo de estratégia de liderança de custos baixos e buscam deter o custo baixo geral de seus produtos e serviços para atrair grande faixa de compradores (THOMPSON e STRICKLAND, 2000). Frohlich e Dixon (2001) caracterizaram essas empresas como caretakers, que são empresas que buscam redução de custo para oferecer produtos a preço baixo, qualidade de conformidade e entrega confiável.

Porter (1989) afirma que a empresa pode optar entre duas fontes para obter vantagem competitiva: menor custo ou diferenciação. A partir dessa opção, a empresa pode adotar um dos três tipos de estratégia genérica: preço baixo, diferenciação e foco. Porter (1989) também sustenta que, para adotar a estratégia de preço baixo, a empresa deve buscar ter custos baixos e, portanto, focar em seus processos internos, pois 67% em média do custo total cabe à manufatura. Porter (1989) afirma ainda que a estratégia de baixo preço, tipicamente, é a que abriga um número menor de empresas, porém que, quando implementada, se torna uma potente fonte de estratégia competitiva.

Segundo Porter (1989), nesse tipo de estratégia de menor preço não existe espaço para todos, somente para alguns, os mais competentes nesse quesito. A maioria é levada a buscar espaço no mercado competindo não em custo, mas em diferenciações ou foco (PORTER, 1989).

Observa-se que mesmo nesse grupo de baixo custo, a diferenciação por qualidade de conformidade (QC) é mencionada nos relatórios, não sendo, portanto, negligenciada, por ser um item indispensável à sobrevivência das empresas no mercado (NOBLE 1996).

O grupo 2 é formado por 40 empresas (8,89% do total) que apresentam a maior média de extensão de disclosure com 3,164 palavras chave por página de relatório. Em geral, esse grupo é formado por empresas que buscam uma alta diferenciação por qualidade de conformidade (QC), mas com preocupação também com os custos (CC). Sob a visão de Thompson e Strickland (2000), essas empresas são consideradas como voltadas à estratégia de grande diferenciação de qualidade, flexibilidade e rapidez, e buscam diferenciar seus produtos em relação aos produtos dos concorrentes para atrair uma grande faixa de clientes ou mesmo nichos específicos. Para Frohlich e Dixon (2001), esse é o grupo dos marketeers ou designers, que oferecem produtos diferenciados sob vários aspectos, que agreguem valor para o cliente, com desenvolvimento rápido de novos produtos, sendo um grupo dinâmico nas suas prioridades, visando a atender o ambiente dinâmico.

No grupo 3, composto por 163 empresas (36,22% do total) observou-se um grande número de empresas que se baseiam em vários tipos de estratégias de manufatura, bem mais do que em todos os outros grupos. Predomina, neste grupo, o disclosure de informações sobre qualidade de conformidade (QC) e custo de processo (CC), porém em níveis menores que as empresas dos grupos 1 e 2 (diferenças significativas a 1%). A única dimensão em que as empresas do grupo 3 fizeram mais disclosure que os outros grupos foi a de flexibilidade de design (FD) (significativo a 1% em comparação com a freqüência do grupo 2). Comparativamente, as empresas deste grupo apresentam níveis elevados de disclosure nas dimensões qualidade de design (QD), flexibilidade de volume (FV), rapidez de desenvolvimento (RD) e rapidez de lançamento (RL). No entanto, os níveis de disclosure nestas dimensões foram muito mais baixos que os das dimensões custo de processo (CC) e

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qualidade de conformidade (QC). Aparentemente as empresas do grupo 3 buscam obter vantagens competitivas em várias dimensões simultaneamente, sem um posicionamento estratégico específico. Porter (1989) e Noble (1996) afirmam que a vantagem competitiva sustentável é maior quanto maior o número de diferentes estratégias de manufatura, provenientes de múltiplas fontes e não de um ou dois fatores apenas. Porter (1989) afirma que quanto maior o número de diferentes fontes de estratégia de manufatura para a empresa, maior sua diferenciação e maior sua força no mercado. Também afirma que não existe um limite restringindo o número de empresas a competir por diferenciação, pois cada qual foca no seu tipo de público consumidor e busca atendê-lo de forma diferenciada. Isso não acontece quando a competição é por liderança de custos baixos, havendo um limite mais restrito à quantidade de empresas concorrentes.

Por último, as empresas do grupo 4, o mais numeroso, com 199 empresas (44,22%), são as que menos informam ao mercado a respeito da sua estratégia competitiva. O nível de disclosure observado, de menos de meia palavra chave por página, não permite identificar o posicionamento estratégico de tais empresas. Basicamente, ou as empresas do grupo 4 não possuem posicionamento estratégico definido, ou optam por não informá-lo ao leitor dos seus relatórios anuais corporativos. Em qualquer dos casos a baixa freqüência de palavras chave se constitui em uma situação negativa para a empresa, pois os estudos sobre disclosure assumem que investidores racionais irão sempre considerar que uma informação não divulgada pela empresa é uma informação desfavorável (MILGROM, 1981). Uma hipótese rival a esta é que as empresas do grupo 4 não evidenciam informações sobre sua estratégia com o objetivo não revelar aos concorrentes suas possíveis fontes de vantagem competitiva. Esta hipótese será testada na próxima seção.

A análise dos quatro grupos identificados permite inferir que as empresas do grupo 2 devem ser as que apresentam o melhor desempenho econômico. Ward e Duray (2000) observaram que, para empresas com alto desempenho, existe uma relação direta entre estratégia competitiva de diferenciação, estratégia de manufatura baseada em qualidade e desempenho econômico. Esta hipótese também será testada na próxima seção.

6.2 – Relação entre o posicionamento estratégico e o desempenho econômico

A Tabela 3 a seguir apresenta os resultados da regressão logística multinomial em que a variável dependente grupo foi regredida em relação às variáveis de desempenho margem bruta (MB), margem líquida (ML), retorno sobre os ativos (ROA) e a variável de controle ativos totais (AT). Apesar da variável retorno sobre os ativos representar o desempenho controlado pelo tamanho, optou-se por incluir a variável ativos totais uma vez que o nível de disclosure pode estar relacionado ao tamanho da empresa. A análise de correlação não apresentou indícios de multicolinearidade entre as variáveis.

Todas as variáveis dependentes foram padronizadas em relação à sua média e desvio padrão (padronização Z) para evitar problemas relativos às diferentes escalas das variáveis. Assim as interpretações referem-se sempre a variações de um desvio padrão em relação à média.

Tabela 3: resultados da regressão logística multinomial

Grupo Variável Coeficiente Erro padrão Valor-p Margem bruta -1,024 0,143 0,000 Margem líquida -0,117 0,123 0,344 Ativos totais -3,080 1,182 0,009 Retorno sobre os ativos 2,144 1,153 0,063

1

Constante -1,563 1,521 0,304 Margem bruta -0,703 0,137 0,000 2 Margem líquida -0,124 0,130 0,339

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Ativos totais -0,161 0,016 0,000 Retorno sobre os ativos 3,001 1,150 0,009 Constante -1,311 1,598 0,412 Margem bruta -0,425 0,058 0,000 Margem líquida -0,154 0,162 0,341 Ativos totais -0,176 0,004 0,000 Retorno sobre os ativos 2,182 1,001 0,031

3

Constante 0,113 1,580 0,943 Log Pseudolikelihood = -393,64 Pseudo R2 = 0,0404 Erros padrão ajustados para quatro grupos na variável dependente Grupo = 4 é a categoria base

O grupo 4 foi selecionado como categoria de base. Para os valores médios de todas as

variáveis independentes, a probabilidade de uma empresa qualquer pertencer: ao grupo 1 é de 10,67%; ao grupo 2 é de 8,89%; ao grupo 3 é de 36,22%; e ao grupo 4 é de 44,22%. Estas são as proporções originalmente encontradas.

Coeficientes positivos (negativos) e estatisticamente significantes para uma dada variável significam que, quando aumenta (diminui) o valor da variável, aumenta (diminui) a probabilidade de uma empresa qualquer pertencer aquele grupo.

Observa-se na Tabela 3 que o coeficiente da variável margem líquida não foi significativo para nenhum grupo, o que implica que a variável não permite discriminar os grupos. As variáveis margem bruta e ativos totais foram significativas e negativas a 1% em todos os grupos. Isto significa que, quando aumenta a margem bruta ou quando aumentam os ativos totais, diminui a probabilidade de uma empresa qualquer pertencer aos grupo 1, 2 e 3, relativamente ao grupo 4. Assim as empresas do grupo 4 são as de maior tamanho e maior margem bruta em relação aos demais grupos.

O coeficiente da variável retorno sobre os ativos é positivo estatisticamente significante para todos os grupos em relação ao grupo 4. Isto significa que, ao aumentar o retorno sobre os ativos, aumenta a probabilidade de uma empresa pertencer aos grupos 1, 2 ou 3, e diminui a probabilidade dela pertencer ao grupo 4. Como o maior coeficiente na variável ROA é observado para o grupo 2, o aumento na probabilidade de uma empresa pertencer ao grupo 2 é maior em relação aos grupos 1 e 2 respectivamente.

Os resultados da regressão logística multinomial apontam que as empresas do grupo 4 são as de pior desempenho em relação à variável ROA. Assim, o menor nível de disclosure das empresas deste grupo não está associado à maior vantagem competitiva. Por outro lado, as empresas do grupo 2 são as de melhor desempenho em relação à variável ROA, conforme esperado pela análise do seu posicionamento estratégico.

7 – Conclusão

O presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade do disclosure de informações estratégicas presentes nos relatórios anuais corporativos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA. Os estudos anteriores encontrados procuraram entender como o ambiente institucional dos diferentes países influencia no disclosure de estratégia. No presente estudo, foi desenvolvido um procedimento de análise de conteúdo temático para aproximar a evidenciação das informações estratégicas nos relatórios anuais corporativos das empresas brasileiras.

Os resultados obtidos aqui permitem concluir que há muito o que evoluir em relação à qualidade das informações que as empresas revelam a respeito da sua estratégia nos relatórios anuais. Das 450 empresas analisadas, em 199 delas não foi possível determinar o seu posicionamento estratégico pela ausência de informações relevantes. Complementarmente,

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estas 199 empresas eram as que apresentavam pior desempenho econômico na amostra. Portanto, tais empresas não informam aos investidores e demais interessados como pretendem reverter o desempenho ruim.

O processo de aproximação do disclosure de estratégia aqui desenvolvido apresentou resultados animadores. As empresas foram divididas em quatro grupos. Dois grupos apresentaram posicionamentos claramente definidos: o grupo 1 competindo por meio de baixos custos e o grupo 2 competindo por meio de qualidade consistente. O grupo 3 é formado por empresas que buscam diferenciação por meio de várias prioridades de manufatura diferentes, mas sem um posicionamento específico definido. O grupo 4 foi o já mencionado grupo que não revela a sua estratégia.

A despeito das limitações do processo de aproximação semi-objetiva do disclosure de estratégia, que requer alguma discricionariedade do pesquisador, a lista de palavras chave utilizadas na análise de conteúdo foi toda derivada da literatura de estratégia e validada na amostra. Aumenta a confiança no processo de análise de conteúdo o fato dos grupos identificados quanto ao seu posicionamento apresentarem correspondência com as proposições teóricas encontradas na literatura.

Os resultados da análise de regressão multinomial aumentam ainda mais a confiança quanto à robustez do processo de aproximação do disclosure. Conforme encontrado em outros estudos que se basearam em questionários, as empresas nas quais foi identificado o posicionamento competitivo com ênfase em qualidade foram as que apresentaram desempenho econômico superior no presente estudo.

Uma limitação que permanece no presente estudo é a da possível existência de correlação espúria entre o posicionamento estratégico dos grupos identificados e a variável desempenho econômico. Normalmente assume-se que o posicionamento estratégico envolve decisões de longo prazo e varia pouco com o tempo. No entanto, estudos posteriores poderiam realizar análises longitudinais com o objetivo de comprovar a causalidade da relação posicionamento com ênfase na qualidade e desempenho superior.

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