a "psicologia da composição"em juventude em marcha de pedro costa-2

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Carta de apresentação para projeto de iniciação científica Samyr Aissami 41316225 FACOM/CINEMA/FAAP A "psicologia da composição" em Juventude em Marcha de Pedro Costa Pedro Costa, cineasta português, construiu uma das mais sólidas e enigmáticas carreiras do cinema contemporâneo. Ao misturar em seus filmes questões sociais e poéticas, criando uma estética e abordagem de câmera singular, o realizador expande as barreiras do audiovisual em um movimento de constante alteração de método e processo utilizado em cada obra. Este trabalho pretende analisar como o diretor, através da composição do plano e do modo como estes se ligam (montagem), constrói a esfera psicológica de seu filme Juventude em Marcha (2006). Este objeto de estudo, é o último de uma coleção de três filmes longa-metragem - Ossos (1997) e No Quarto da Vanda (2000) - que recebeu o título de Letter from Fontainhas, nome de um bairro pobre habitado por imigrantes africanos e portugueses de baixa condição social, nos arredores de Lisboa, que foi demolido para dar lugar a um novo plano urbanístico. A base de criação do cinema de Pedro Costa se inicia com a necessidade de deparar-se com o outro. A trilogia de Fontainhas, O Sangue (1989), Casa de Lava (1994) e Onde jaz o teu sorriso (2001), com Straub e Huillet, criaram-se a partir de encontros, e só puderam existir por relações que fazem o cinema e a vida abrirem-se, afirmarem-se e referirem-se um ao outro (RANCIÈRE, 2010). Motivado pelos novos encontros, a proposta estética do cinema de Costa se altera a cada filme, enquanto o despojamento dos meios de produção, o rigor formal, a plasticidade e a forma elíptica se reforçam. Casa de Lava nasceu de uma viagem para a ilha de Santiago, em Cabo Verde, e marca o início da colaboração de Pedro Costa com atores não-profissionais. Na volta para Lisboa, o cineasta entregou presentes dos cabo-verdianos para os parentes que viviam no bairro de Fontainhas. Esse encontro, por sua vez, gerou o filme Ossos, que desencadeou o início da trilogia a qual Juventude em Marcha pertence, devido à intensa experiência experimentada pelo realizador e ao encontro com Vanda, Zita, Pango e, por fim, Ventura. O primeiro plano de Juventude em Marchas apresenta o espaço, bairro de Fontainhas, e como ele será tratado ao longo do filme, por meio do enquadramento que se dirige ao alto deste prédio, do ponto de vista do labirinto das ruelas que se fecham sobre a parte superior do plano, e a narrativa se inicia com móveis sendo jogados por

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  • Carta de apresentao para projeto de iniciao cientfica

    Samyr Aissami

    41316225

    FACOM/CINEMA/FAAP

    A "psicologia da composio" em Juventude em Marcha de Pedro Costa

    Pedro Costa, cineasta portugus, construiu uma das mais slidas e enigmticas

    carreiras do cinema contemporneo. Ao misturar em seus filmes questes sociais e

    poticas, criando uma esttica e abordagem de cmera singular, o realizador expande as

    barreiras do audiovisual em um movimento de constante alterao de mtodo e processo

    utilizado em cada obra. Este trabalho pretende analisar como o diretor, atravs da

    composio do plano e do modo como estes se ligam (montagem), constri a esfera

    psicolgica de seu filme Juventude em Marcha (2006). Este objeto de estudo, o ltimo

    de uma coleo de trs filmes longa-metragem - Ossos (1997) e No Quarto da Vanda

    (2000) - que recebeu o ttulo de Letter from Fontainhas, nome de um bairro pobre

    habitado por imigrantes africanos e portugueses de baixa condio social, nos arredores

    de Lisboa, que foi demolido para dar lugar a um novo plano urbanstico.

    A base de criao do cinema de Pedro Costa se inicia com a necessidade de

    deparar-se com o outro. A trilogia de Fontainhas, O Sangue (1989), Casa de Lava (1994)

    e Onde jaz o teu sorriso (2001), com Straub e Huillet, criaram-se a partir de encontros, e

    s puderam existir por relaes que fazem o cinema e a vida abrirem-se, afirmarem-se e

    referirem-se um ao outro (RANCIRE, 2010). Motivado pelos novos encontros, a proposta

    esttica do cinema de Costa se altera a cada filme, enquanto o despojamento dos meios

    de produo, o rigor formal, a plasticidade e a forma elptica se reforam. Casa de Lava

    nasceu de uma viagem para a ilha de Santiago, em Cabo Verde, e marca o incio da

    colaborao de Pedro Costa com atores no-profissionais. Na volta para Lisboa, o

    cineasta entregou presentes dos cabo-verdianos para os parentes que viviam no bairro de

    Fontainhas. Esse encontro, por sua vez, gerou o filme Ossos, que desencadeou o incio

    da trilogia a qual Juventude em Marcha pertence, devido intensa experincia

    experimentada pelo realizador e ao encontro com Vanda, Zita, Pango e, por fim, Ventura.

    O primeiro plano de Juventude em Marchas apresenta o espao, bairro de

    Fontainhas, e como ele ser tratado ao longo do filme, por meio do enquadramento que

    se dirige ao alto deste prdio, do ponto de vista do labirinto das ruelas que se fecham

    sobre a parte superior do plano, e a narrativa se inicia com mveis sendo jogados por

  • uma janela. Na sequncia se estabelece o monlogo de uma mulher negra que tem em

    suas mos uma faca e diz que, ainda criana em Cabo Verde, se jogou ngua sem medo

    dos tubares e sem responder aos meninos que, da praia, lhe falavam timidamente de

    amor, em uma dico teatral, de palavras nobres, porm de aspecto selvagem. Estas

    duas sequncia encontraro em seguida sua explicao: a mulher, Clotilde, expulsou

    seu marido, o ex-pedreiro Ventura, e jogou seus mveis pela janela. Cabe aqui ressaltar o

    tipo de montagem utilizado, que se d por parataxe, onde as partes so justapostas sem

    conectores lgicos e a eventual relao lgica que a justaposio estabelece deve ser

    deduzida da relao entre as mesmas, ou seja, h menos dependncia entre um plano e

    outro, h uma fragmentao narrativa, uma ruptura com o tempo linear. Os filmes de

    Pedro Costa podem se servir da afirmao de Jean-Marie Straub: As pessoas pensam

    sempre que no h psicologia em nossos filmes, mas no verdade () No h

    psicologia ao nvel da representao do ator, porque h uma abstrao teatral que vai

    mais fundo do que a chamada verossimilhana. Mas entre os planos e na prpria

    montagem, no modo como se ligam os planos, h uma psicologia que extremamente

    sutil. No possvel compreender a figura de Ventura pelos parmetros do senso

    comum sobre psicologia dos personagens, padres alicerados em certa tradio literria

    e cinematogrfica. Trata-se, portanto, de uma psicologia do ritmo da ao qual o

    discurso flmico d forma, ao tratar desses materiais, por meio de uma inteligncia que

    cinematogrfica (COMOLLI, 2010).

    Este projeto pretende, ento, analisar a forma como se constri a esfera

    psicolgica no filme Juventude em Marcha de Pedro Costa. Para se realizar este trabalho

    com sucesso, devo sumariamente submeter todo o processo cinematogrfico sob uma

    lente que ampliar os conceitos de plano, quadro, campo e extracampo, composio,

    som, narrativa, montagem, atuao, a forma como se coloca o corpo e a esttica, alm de

    tambm considerar a importncia da potica que, sobretudo, transborda a obra e a eleva

    em patamares artsticos extremamente sofisticados, para depois, sob a tica da anlise

    das representaes simblicas e iluminado pelos conceitos da psicologia e filosofia,

    reconstruir o filme no mbito terico, deixando assim visvel o processo intelectual ao qual

    o diretor se submete para criar tal obra.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    FONSECA, Jair Tadeu da. Cartas, conversas e o abismo de superfcies. In: DUARTE,

    Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro Cultural do

    Banco do Brasil, 2010.

    COMOLLI, Jean-Louis. Corpos e quadros, notas sobre trs filmes de Pedro Costa: Ossos,

    No quarto de Vanda, Juventude em marcha. In: DUARTE, Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O

    cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2010.

    RANCIRE, Jacques. A carta de Ventura. In: DUARTE, Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O

    cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro Cultural do Banco do Brasil, 2010.

    FONSECA, Jair Tadeu da. Cartas, conversas e o abismo de superfcies. In: DUARTE,

    Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro Cultural do

    Banco do Brasil, 2010.

    BRAGANA, Felipe. Vanda e Ventura: elogio aos rudos como fonte de beleza. In:

    DUARTE, Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro

    Cultural do Banco do Brasil, 2010.

    DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 3 ed. So Paulo. Martins fontes,

    2007.

  • LEVANTAMENTO BIBLIOGRFICO:

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    CARLOS, M. F., & Carlos, M. F. tica, cinema e documentrio - poticas de pedro costa. Doc on-Line : Revista Digital De Cinema Documentrio, (7), 2010.

    CIPRIANO, Miguel. Identidade e descentramento em Pedro Costa. 2011.

    COSTA, Pedro. Juventude em marcha. Swift productions [d.], 2006.

    DE SOUZA, Mara Freitas. CINEMA PORTUGUS CONTEMPORNEO: A FABULAO DO REAL EM PEDRO COSTA. CONSELHO EDITORIAL, 2014.

    DUARTE, Daniel Ribeiro et al. (orgs.). O cinema de Pedro Costa. So Paulo: Centro

    Cultural do Banco do Brasil, 2010.

    Duarte, Daniel Ribeiro. 2013. Notas preliminares sobre uma ideia de comunidade no cinema de Pedro Costa. In Atas do II Encontro Anual da AIM, Lisboa, 2013.

    DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 3 ed. So Paulo. Martins fontes, 2007.

    GUERREIRO, Antnio. 2009. A suspenso e a resistncia In Cem mil cigarros

    os filmes de Pedro Costa, editado por Ricardo Matos Cabo, 203-5. Lisboa:

    Orfeu Negro.

    GUIMARES, Pedro Maciel; RIBEIRO, Daniel; GUIMARES, Pedro Maciel. Entrevista a Pedro Costa. 2007.

    JCOME, Jorge. A expanso da imagemA atmosfera do filme sobreposta diegese. 2011.

  • KNIGHT, Ryland Walker et al. Arquivo documental: relativo visibilidade internacional da obra de Pedro Costa. 2011.

    MALVEIRA, Bruno. O cinema suspenso de Pedro Costa. 2011.

    PEREIRA, Carlos. Microcosmos no cinema portugus contemporneo: um mundo

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    RIBAS, Daniel. ltimo cinema portugus: experimentao formal e narrativa. 2011.

    SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo um humanismo. A imaginao. Questo de

    mtodo. Abril Cultural, 1978.

    VASCONCELOS, Joo. Africanos e Afrodescendentes no Portugal Contemporneo:

    Redefinindo prticas, projetos e identidades. Cadernos de Estudos Africanos, n. 24, p.

    15-23, 2012.