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NANCY BENEDITA BERRUEZO BERGAMI A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A (DES)CONSTRUÇÃO DA QUEIXA ESCOLAR DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA PUC/ SÃO PAULO 2014

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NANCY BENEDITA BERRUEZO BERGAMI

A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A (DES)CONSTRUÇÃO

DA QUEIXA ESCOLAR

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

PUC/ SÃO PAULO

2014

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NANCY BENEDITA BERRUEZO BERGAMI

A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A (DES)CONSTRUÇÃO

DA QUEIXA ESCOLAR

PUC/ SÃO PAULO

2014

Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de doutora em Psicologia Clínica, sob supervisão da Profa. Dra. Rosa Maria Stefanini de Macedo e apresentada à Comissão Julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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BERGAMI, N. B. B. A promoção da saúde e a (des)construção da queixa escolar. São Paulo, 2014. Tese – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP - Doutorado em Psicologia Clínica 1. Promoção de saúde. 2. Queixa escolar. 3. Pensamento Sistêmico. 4. Escola. 5. Família.

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Banca Examinadora

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Nota: _________________

Data: _________________

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A Deus – Criador.

A meu pai Benedito Bergami – o chão.

A mãe, Antonia – a determinação.

A tia Amélia – a direção.

Aos filhos amados: Lucas e Thomas - o caminhar.

A todos os alunos que encontram dificuldades no processo de

escolarização. A seus familiares e a seus professores.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida, pela família, pelos amigos, pelas oportunidades de

conhecer e fazer escolhas.

À profa. Dra. Rosa Maria Stefanini de Macedo agradeço por mais essa

oportunidade de aprender e crescer. Agradeço pela disposição impar em ensinar, pela

confiança, pelo respeito e acima de tudo pelo exemplo sensível, firme e construtivo de

ser e estar nas interações que envolvem o processo de ensinar e aprender – a vida.

Às Profas. Dra. Mary Okamoto, Dra. Mariane Feijó e Mathilde Neder, pelas

valiosas orientações na banca de qualificação.

Meu carinho e admiração às professoras do Pós-Graduação da PUC-SP,

Ceneide Cerveny e Ida Kublikowski e aos colegas,

À meu pai, à minha mãe e à minha tia, registro minha gratidão por cada gesto de

cuidado, orientação e amor.

Ao Lucas, pingo de chuva e raio de sol, agradeço a confiança, a parceria, o amor

e a admiração mútua. Ao Thomas, pulsar do coração, pulsar da quebra das ondas do

mar... agradeço, pelo amor, pelo carinho e pela lembrança de que a vida não para.

Ao Jair Lourenço da Silva, agradeço a experiência de ampliar a cada encontro o

sentido de ter um amigo.

À Aline, à Eidicléa, ao Fernando, agradeço o apoio amoroso com os aparatos

técnicos das gravações e transcrições. À Mariana Lugli, agradeço o carinho e a

colaboração na interação com a escola.

Às queridas primas, Marilena, Angela, Tainâ, Nena, Terezinha, pelo apoio na

atenção às minhas idosas e, e em especial à Mariza, que amorosamente esteve

presente durante a minha ausência em casa.

Ao amigo Fernando, agradeço pela confiança, carinho, incentivo e apoio.

À Universidade Estadual de Maringá, agradeço pelo período de afastamento

concedido. Aos colegas do Departamento de Psicologia da UEM, agradeço o apoio. À

Dra. Lucia Cecília e ao Dr. Paulo Seron, além do apoio, a confiança e incentivo, assim

como ao Antonio da PPG.

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À Carolina Sales, agradeço o incentivo, as trocas, interlocuções extremamente

valiosas para o desenvolvimento do método desta pesquisa. À amiga Jussara e a prof.

Ana, agradeço o apoio com as correções de português e na formatação deste trabalho.

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RESUMO Ao tomarmos o pensamento sistêmico novo-paradigmático como referência teórica para o entendimento da construção da queixa escolar, estamos utilizando uma forma de compreender os fenômenos da saúde humana que é compatível com o pensamento que orienta as práticas em promoção de saúde. Assim, pretendemos verificar a partir da realização de um Programa de Promoção de Saúde na Escola, desenvolvido com professores e com pais e responsáveis, se haveria mudança nas percepções e expectativas de ação para abordagem das queixas escolares. Este estudo caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa realizada com professores, pedagogas, diretora e com pais e responsáveis de alunos de uma escola pública localizada no interior do Paraná. As informações analisadas advêm das respostas aos questionários situacionais aplicados antes e depois da realização do referido programa. O Programa foi construído e temas pertinentes à realidade dos participantes, inclusive por eles selecionados. Na análise das respostas, constatamos que, após a participação no Programa, ocorreram as seguintes mudanças: os professores, pedagogas e diretora ampliaram sua percepção sobre o problema escolar; deixaram de culpabilizar a família passando a reconhecer a necessidade de investigação antes de julgar a situação; identificaram o problema não somente no indivíduo, mas também nas interações que este estabelece; flexibilizaram a justificativa do seu posicionamento frente ao problema; enfatizaram a importância de implementar ações dirigidas aos pares, ações integradas e governamentais, além de ressaltar a necessidade de manter uma relação de boa qualidade com o aluno; perceberam-se implicados com o problema escolar, além do aluno e da família, aliás a família passou de responsável pelo problema para participante da solução. Os pais e responsáveis incluíram a escola entre as possíveis causas do problema; não se viram mais isolados da escola e nem recriminados por falta de habilidade em manter os limites para com os filhos; perceberam-se capazes de vislumbrar uma ação integrada entre a família e a escola no enfrentamento dos problemas dos filhos; passaram a perceber que têm recursos para enfrentar o problema; acrescentaram medidas afetivas dos professores para com os alunos na solução do problema; substituíram a responsabilidade da família pelo reconhecimento da responsabilidade da escola sobre o problema. Palavras-chave: promoção de saúde; queixa escolar; pensamento sistêmico; escola; família.

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ABSTRACT

By taking the new-paradigm of systems thinking as theoretical basis for understanding the construction of school complaint, we are using a way of perceiving the phenomena of human health that is compatible with the thought which guides the practices in health promotion. Thus, we intend to verify through the achievement of a Program for Health Promotion in School, developed with teachers and with parents and guardians, if there would have a change in the perceptions and expectations of the action for the approach of the school complaints. This study was qualified as a qualitative survey done with teachers, pedagogues, school director and with parents and guardians of pupils of a public school located in the interior of Parana state. The information analyzed stem from responses to the situational questionnaires applied before and after the completion of this program. The Program was built and themes relevant to the reality of the participants and also selected by them. In analyzing the responses, we found that, after participating in the Program, the following changes have occurred: teachers, pedagogues and the school director expanded their perception about the school problem; no longer blame the family coming to recognize the need for research before judging the situation; they identified the problem not only on the individual citizen but also the interactions that this one establishes; they eased the justification of their position overcome the problem; they emphasized the importance of implementing policies directed at peers, integrated and governmental actions, in addition to emphasizing the need to maintain a relationship of good quality with the student; they get themselves involved with the school problem, besides to the student and the family, moreover the family that was the responsible for the problem became the participant of the solution. Parents and guardians included the school among the possible causes of the problem; they were no more viewed as isolated from school nor impugned for lack of ability to maintain the limits for their kids; they perceived themselves able to envision an integrated action between family and school in the confrontation of the problems of children; they began to realize that they have resources to tackle the problem; they added affective measures of teachers to the students in the solution of the problem; they replaced the family responsibility by the recognizing the responsibility of the school about the matter. Keywords: health promotion; school complaint; systems thinking; school; family.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................. 17 1 PENSAMENTO SISTÊMICO NOVO PARADIGMÁTICO ............. 23 1.1 Família como foco de intervenção ........................................... 30 1.1.1 Mudança de foco do indivíduo para a família ....................... 32 1.1.2 Mudando o foco da família para as pautas conversacionais 45 2 FAMÍLIA: as diferentes formas de organização ao longo do tempo ..............................................................................................

51

2.1 Aspectos históricos da constituição do grupo familiar .......... 51 2.2 Considerações sobre a particularidades do grupo familiar na atualidade ........................................................................................

58

3 A EDUCAÇÃO PENSADA A PARTIR DAS IDEIAS PEDAGÓGICA 61 3.1 As primeiras ideias .................................................................... 61 3.2 Pensamento pedagógico na Escola Nova ............................... 67 3.3 O pensamento pedagógico crítico ........................................... 69 3.4 O pensamento pedagógico dos povos colonizados .............. 72 3.5 As tendências pedagógicas desde os primeiros anos do século XXI até a atualidade .............................................................

73

3.6 As ideias pedagógicas no Brasil .............................................. 78 4 PARADIGMAS ORIENTADORES DO TRABALHO EM SAÚDE 93 4.1 A saúde e a doença na História: uma visão antropológica e epidemológica .................................................................................

93

4.1.1 Saúde e doença na Antiguidade ........................................... 93 4.1.2 Saúde e doença na Idade Média ............................................ 95 4.1.3 Saúde e doença no Renascimento ........................................ 95 4.1.4 Saúde e doença na Idade Moderna ....................................... 97 4.2 Promoção da saúde ................................................................... 102 4.3 A saúde no Brasil ....................................................................... 117 4.3.1 O movimento higienista e os impactos sobre os hábitos e costumes dos indivíduos e das famílias brasileiras .....................

119

4.3.2 A saúde no Brasil após a Ditadura Vargas ........................... 124 4.3.3 A saúde na fase da redemocratização – a reforma sanitária e a Constituição de 1988 .................................................................

127

4.4 A promoção da saúde no Brasil ................................................ 130 4.4.1 Escolas promotoras de saúde ............................................... 134 4.5 Medicalização .............................................................................. 140 4.5.1 Medicalização do fracasso escolar ....................................... 143 5 OBJETIVO ...................................................................................... 151 5.1 Objetivo Geral ............................................................................. 151 5.2 Objetivos Específicos ................................................................ 151 6 MÉTODO ......................................................................................... 152 6.1 Participantes ............................................................................... 152 6.2 Local ........................................................................................... 152 6.3 Instrumentos ............................................................................... 154 6.3.1 Questionário ............................................................................ 154 6.3.2 Programa de Promoção de Saúde a Escola .......................... 155 6.4 Procedimentos ........................................................................... 156 6.5 Considerações Éticas ................................................................ 159

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6.6 Análise dos dados ...................................................................... 160 7 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS FALAS DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA ESCOLA ............

171

7.1 Descrição do Programa de Promoção de Saúde na Escola ... 172 7.2 Análise das falas dos pais e responsáveis do Programa de Promoção de Saúde na Escola .......................................................

180

7.2.1 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à família ...............................................................................

180

7.2.1.1 Diferença cultural das famílias ............................................ 181 7.2.1.2 Evolução histórica e social .................................................. 181 7.2.1.3 Funções familiares ............................................................... 182 Práticas educativas ......................................................................... 182 Colocação de limite............................................................................. 182 Proteção à frustração ......................................................................... 183 Decisões compartilhadas................................................................... 184 Função cuidadora ............................................................................ 184 Influência cultural ............................................................................. 185 Influência de instâncias exteriores à família ................................... 185 Reflexões sobre a lei do castigo físico ............................................... 186 7.2.2 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação aos filhos .............................................................................

187

7.2.2.1 Fase do desenvolvimento ................................................... 187 7.2.3 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à escola e ao professor ......................................................

188

7.2.3.1 Evolução histórica e social .................................................. 188 7.2.3.2 Atuação do professor e da escola ....................................... 188 7.3 Analise das falas dos professores, pedagogos e diretor do Programa de Promoção de Saúde na Escola ................................

189

7.3.1 Percepção e expectativa dos professores,pedagogos e diretor em relação à família e aos pais ...........................................

189

7.3.1.1 Diferença cultural, social e econômica ............................... 189 Sem julgamento ............................................................................... 190 Com julgamento ............................................................................... 190 Reflexão ............................................................................................ 191 7.3.1.2 Características das configurações dos núcleos familiares na atualidade ....................................................................................

191

Famílias intactas .............................................................................. 191 Famílias em que houve separação ................................................. 192 Sofrimento ......................................................................................... 192 Família monoparental ........................................................................ 193 Avós no exercício da parentalidade ................................................... 193 Pai e avós no exercício da parentalidade tecendo criticas ao recasamento da mãe .........................................................................

193

7.3.1.3 Funções familiares ............................................................... 194 Família dos alunos ............................................................................ 194 Negligência no acompanhamento escolar ......................................... 194 Negligência no monitoramento .......................................................... 194 Desempenho de comportamentos que se constituem num modelo disfuncional ........................................................................................

195

Falta de interesse e incentivo para com os filhos ............................ 195

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Ausência de percepção às capacidades dos filhos ........................... 195 Delegação dos cuidados a terceiros .................................................. 196 Substituição de carinho e atenção por bens materiais .......................... 196 Imaturidade para educar .................................................................... 196 Família dos professores .................................................................. 197 Estabelecimento e monitoramento de limites aos filhos e amigos desses ...............................................................................................

197

Ações educativas, práticas de cuidado, atenção e orientação ......... 198 Dúvidas, questionamentos e inseguranças a exercerem as funções da parentalidade ................................................................................

198

Modelo ideal 199 Pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade ................ 200 Mesma linguagem ............................................................................. 200 Afeto sustentando as práticas educativas ......................................... 200 Pais apropriam-se da posição de autoridade .................................... 200 Manutenção da função reparadora e intervenções para mudança na família são realizadas a partir de um nível macrossocial .................

201

7.3.2Percepção e expectativa dos professores,pedagogos e diretor em relação aos alunos ........................................................

201

7.3.2.1 Diferença cultural ............................................................... 201 7.3.2.2 Fase do desenvolvimento ................................................... 202 Intensificação do convívio com o grupo de iguais ........................ 203 Manutenção da lealdade ao grupo .................................................. 203 Diferenciação do grupo familiar ........................................................ 203 Assimilação de valores .................................................................... 204 Pseudoautonomia ........................................................................... 204 Vulnerabilidade à droga e álcool ...................................................... 205 Angustia própria da adolescência .................................................. 205 7.3.3 Percepção e expectativa dos professores em relação à escola e ao professor ......................................................................

205

7.3.3.1Interação com os pais e responsáveis dos alunos ............ 205 Providenciar a ida dos pais à escola ............................................. 206 Refletir e apreciar as atitudes dos pais ......................................... 207 Apoiar a família na busca de serviço público de assistência ao aluno .................................................................................................

207

7.3.3.2Interação com os alunos ...................................................... 208 Aspectos promotores da interação ............................................... 208 Perceber as peculiaridades do adolescente ..................................... 208 Cuidar do bem-estar do aluno ........................................................... 209 Ouvir e orientar ................................................................................. 209 Acessar recursos diferentes dos medicamentosos para solucionar os problemas que constituem a queixa escolar .....................................

210

Aspectos limitantes da interação ................................................... 210 Comportamentos displicentes dos alunos ......................................... 211 Apreciação do comportamento do aluno – desqualificação da relação ou do conteúdo .................................................................................

211

Sentimento ........................................................................................ 211 Estratégia .......................................................................................... 212 8 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................... 213 8.1 Análise das respostas dos questionários dos pais ou

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responsáveis .................................................................................. 213 8.1.1 Percepção do problema .......................................................... 214 8.1.1.1 Família .................................................................................. 214 Interação familiar .............................................................................. 216 Forma de educar os filhos .............................................................. 218 Vínculos afetivos .............................................................................. 219 Condições socioeconômicas ......................................................... 219 Genética ............................................................................................ 220 8.1.1.2 Ambiente .............................................................................. 221 8.1.1.3 Escola ................................................................................... 221 8.1.1.4 Aluno...................................................................................... 222 Psicológico ....................................................................................... 224 Desenvolvimento cronológico ........................................................ 226 Neurológico ..................................................................................... 226 Problema inespecífico de saúde .................................................... 227 8.1.2 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do sistema familiar ...............................................

228

8.1.2.1 Ações de sistema familiar ................................................... 229 Expressar afeto ................................................................................ 230 Assessorar ....................................................................................... 230 Orientar ............................................................................................. 231 Ser exemplo ..................................................................................... 231 Colocar limites ................................................................................. 232 Buscar e receber ajuda profissional ............................................... 233 Ação integrada entre escola e família ........................................... 234 8.1.2.2Justificativas das ações do sistema familiar ..................... 236 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ....... 237 É importante investigar o problema ................................................... 237 A família é a responsável pelo problema .......................................... 237 A família não tem recurso para solucionar......................................... 238 O aluno é o responsável pelo problema............................................. 238 Justificativas orientadas pelo reconhecimento dorecurso ........... 239 A família é a responsável pela solução ............................................. 239 O aluno é o responsável pela solução .............................................. 240 A escola é a responsável pela solução ............................................. 240 A parceria entre família e escola leva à solução ............................... 240 8.1.2.3 Os envolvidos no procedimento.......................................... 240 Família .............................................................................................. 240 Família e outros sistemas sociais .................................................. 241 8.1.3 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do sistema escolar ................................................

242

8.1.3.1 Ações de sistema escolar .................................................... 242 Chamar os pais ................................................................................. 243 Investigar ......................................................................................... 243 Orientar ............................................................................................. 244 Sem função específica ....................................................................... 244 Encaminhamento ............................................................................... 245 Parceria............................................................................................... 245 Promover cuidados ao aluno........................................................... 245 Medidas disciplinares .......................................................................... 246

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Medidas afetivas ................................................................................ 246 Aquisição de recursos profissionais pela escola .......................... 246 Desconsideração de ações do sistema escolar ............................. 247 8.1.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar ..................... 248 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ....... 248 É importante investigar o problema ................................................... 249 O aluno é o responsável pelo problema ............................................ 249 A família é a responsável pelo problema.......................................... . 250 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso .......... 250 A família é a responsável pela solução ............................................. 250 O especialista é o responsável pela solução .................................... 250 A escola é responsável pela solução ................................................. 251 A parceria entre família e escola leva à solução ............................... 251 8.1.3.3 Os envolvidos no procedimento escolar............................ 252 Escola e família ................................................................................ 252 Escola, família e profissional especialista ...................................... 252 Escola, família e aluno ..................................................................... 253 Um sistema envolvido ..................................................................... 253 8.2 Análise das respostas dos questionários dos Professores ... 254 8.2.1 Percepção do problema .......................................................... 254 8.2.1.1 Família ................................................................................... 255 Disfuncionalidade da Família .......................................................... 256 Investigação ..................................................................................... 256 8.2.1.2 Aluno .................................................................................... 257 Limite e Agressividade .................................................................... 258 O aluno como problema .................................................................... 259 Vitimização ........................................................................................ 259 Característica de personalidade ..................................................... 260 Dificuldade de aprendizagem, falta de concentração e desinteresse ....................................................................................

260

Socialização e desenvolvimento .................................................... 261 8.2.1.3Sistema educacional ............................................................ 262 8.2.1.4 Percepção de múltiplas partes do problema ..................... 262 8.2.1.5 Percepção integrada das múltiplas causas do problema 263 8.2.2 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema familiar ...........................................................................

264

8.2.2.1 Ações do sistema familiar ................................................... 264 Função cuidadora ............................................................................ 265 Investigar .......................................................................................... 266 Buscar ajuda de especialista ............................................................. 266 8.2.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar ..................... 269 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ........ 269 Problema requer ação ....................................................................... 269 Diagnóstico sem finalidade................................................................. 270 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso 271 Família é a responsável pela solução ............................................... 272 Diagnóstico com finalidade ............................................................... 272 8.2.2.3 Envolvidos no procedimento .............................................. 273 Família e outros sistemas sociais .................................................. 273 Família .............................................................................................. 274

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8.2.3 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema escolar ..........................................................................

275

8.2.3.1 Ações de sistema escolar ................................................... 275 Investigação .................................................................................... 277 Investigar sem função específica ...................................................... 278 Investigar e encaminhar .................................................................... 278 Investigar e acompanhar ................................................................... 278 Orientação aos pais ......................................................................... 279 Impositiva........................................................................................... 279 Ponderada ......................................................................................... 280 Acompanhamento do aluno e cobrança dos pais ......................... 280 Orientação aos professores ............................................................ 281 Ações inespecíficas ......................................................................... 281 Ações disciplinares............................................................................. 281 Ações integradas ............................................................................. 282 Relação entre professor aluno .......................................................... 282 Ações governamentais e comunitárias ............................................. 284 8.2.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar ..................... 284 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ........ 285 O aluno é o responsável pelo problema ............................................ 285 A família é a responsável pelo problema........................................... 285 A escola é a responsável por investigar o problema e fazer cumprir regras ................................................................................................

286

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso 286 O aluno tem recursos ......................................................................... 286 Atenção do professor ao aluno .......................................................... 287 Pais participam da solução ................................................................ 288 8.2.3.3 Envolvidos no procedimento escolar ................................ 289 Escola e família ................................................................................ 289 Escola, família e especialista ........................................................... 299 Apenas um sistema envolvido .......................................................... 291 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 293 REFERÊNCIAS .................................................................................. 302 ANEXOS vol lI .................................................................................... 01

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17

INTRODUÇÃO

Parte constituinte dos discursos da maioria dos políticos brasileiros em

campanha, a educação no Brasil desenvolve-se num meio social de interesses

diversos e conflitantes com promessas de ampliação, melhoria de qualidade e

necessidade de maior investimento público. A infinidade de olhares para os

acontecimentos que ocorrem ou interferem diretamente nas atividades relacionadas

ao ensino-aprendizagem denota a complexidade dos fenômenos desse contexto. Os

jornais e noticiários apontam problemas de todas as ordens, que, muitas vezes, se

transformam em objeto de estudo dos mais diferentes campos da ciência, dos

órgãos públicos nacionais e de instituições internacionais.

Apurar e atuar nos gargalos que estancam o desenvolvimento na área da

educação vem sendo um desafio intenso tanto por parte dos atores sociais direta e

indiretamente nela, envolvidos quanto para estudiosos e pesquisadores que se

debruçam sobre essa questão. Focam-se: os problemas de aprendizagem; os

problemas da ensinagem; a precariedade instrumental das escolas; o despreparo

dos professores; a acanhada valorização dos profissionais, principalmente daqueles

que realizam no corpo a corpo a tarefa de ensinar, a violência tanto no ambiente

escolar como no seu entorno, as dificuldades de transporte para chegar à escola, a

disparidade entre o ensino público e o privado; o diálogo escasso entre a escola e as

famílias dos escolares; a falta de perspectivas de futuro dos jovens de determinadas

classes sociais, enfim, em meio a tantos outros problemas esses citados já

reafirmam a complexidade de qualquer fenômeno no contexto da educação.

E é exatamente nesse contexto complexo que todos os indivíduos, desde

muito cedo, de maneira singular, envolvem-se com diferentes pessoas e grupos

sociais, construindo sua identidade e fazendo suas “escolhas”. Na nossa cultura, a

família e a escola constituem os subsistemas sociais mais implicados com esse

desenvolvimento, promovendo proteção e cuidados com as crianças e adolescentes.

Em nossa Constituição (BRASIL, 1998), no Estatuto da Criança e do

Adolescente (BRASIL, 1990) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 1996) encontramos referencias aos deveres da família e do Estado em

garantir um contexto que favoreça o desenvolvimento saudável das crianças.

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Em nossa Constituição (BRASIL, 1998) consta que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

No Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), encontramos a

seguinte referência:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996)

encontramos:

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Destacamos aqui os compromissos assumidos pelo Estado na promoção de

um contexto propício ao desenvolvimento das crianças e do adolescente

relacionados à educação formal. A garantia do acesso à escola para todos; uma

escola que deve se configurar como um espaço relacional que favoreça não

somente o desenvolvimento intelectual, mas possibilite o desenvolvimento humano

integral. Por outro lado, é importante frisar o papel da família e da escola relacionado

à educação, reforçando a questão de que educação é tarefa que deve ser executada

por esses dois sistemas. Nesse sentido, seria óbvia a pretensão de uma boa relação

complementar entre eles; por essa razão a relação família-escola configura-se como

em um tema amplamente estudado por diversas áreas do conhecimento, a saber:

antropologia, administração, sociologia, distintas áreas da educação e da psicologia.

A diversidade de áreas de interesse focalizando o mesmo tema, de certa forma

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também aponta a complexidade dos fenômenos que compõem a interação desses

dois subsistemas sociais.

O nosso interesse em pesquisar as peculiaridades da relação estabelecida

entre a escola e as famílias dos escolares vem nos acompanhando desde a época

em que desenvolvemos um trabalho de orientação psicológica aos pais de alunos

em uma escola da rede particular de ensino na capital do estado de São Paulo,

entre os anos de 1994 a 1996.

A prática com pais e alunos do ensino público desenvolveu-se posteriormente

por meio de supervisão em estágio na área de psicologia escolar com foco

orientação de pais.

O olhar diferenciado de terapeuta familiar, pautado em uma visão sistêmica

da realidade, trouxe uma compreensão bastante ampliada dos problemas que

ocorriam no contexto escolar. Dessa prática, emergiu a necessidade de sistematizar

os conceitos e as técnicas que orientavam nosso trabalho, e foi assim que se

desenvolveu a pesquisa, em nível de mestrado em Psicologia Clínica na Pontifícia

Universidade Católica – São Paulo, no ano de 1999, sob o título de Orientação de

pais no contexto escolar: uma prática sistêmica (BERGAMI, 1999).

A pesquisa demonstrou a eficiência do apoio à família pela utilização dos

conceitos e técnicas desenvolvidos na área da terapia familiar em relação aos

problemas surgidos no contexto escolar. Em todos os casos analisados, foi possível

observar a mobilização dos recursos familiares para ajudar a criança ou o

adolescente a superar as dificuldades identificadas naquele contexto (BERGAMI,

1999). A abordagem centrada nos recursos e potencialidades, tanto das famílias

como dos escolares, ao invés de nas disfunções, propiciou um engajamento efetivo

dos pais no enfrentamento e superação das dificuldades apresentadas inicialmente

pela escola.

As reclamações da escola em relação aos alunos, vindas dos professores,

orientadores e diretores, se referiam a: TDAH, comportamento inadequado,

dificuldade em acatar limite, dificuldade de socialização, comportamento violento,

dificuldade de organização, falta de maturidade, falta de orientação familiar, omissão

da função educativa por parte dos pais, integrantes de famílias desestruturadas.

Ressaltamos que tais queixas apontam a causa dos problemas localizada nas

famílias ou nos próprios alunos (BERGAMI, 1999).

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As reclamações dos familiares em relação à escola diziam respeito a:

despreparo de professores, falta de envolvimento por parte da equipe pedagógica,

falta de tato dos orientadores e professores para lidar com alunos com ritmos

diferentes, falta de recursos familiares para orientação adequada, dificuldades

herdadas de parentes, falta de responsabilidade dos filhos. Na avaliação da família,

o problema ora é focalizado nos integrantes do sistema escolar, ora no próprio filho

e ainda em algumas situações na falta de habilidade dos próprios pais em educar

adequadamente os filhos. É importante destacar a flexibilidade na percepção dos

sistemas familiares em avaliar as situações-problemas na medida em que

ampliavam sua percepção (BERGAMI, 1999).

Sobre a intervenção realizada no contexto escolar, a pesquisa apontou a

necessidade de um planejamento mais abrangente de ações, um contato mais

significativo em que também fossem mobilizados os recursos dos professores e

demais integrantes desse sistema para ajudar na superação das dificuldades

apresentadas pelos escolares.

Para compreendermos a forma como são entendidos e encaminhados os

problemas que ocorrem no sistema escolar, utilizamos o referencial sistêmico novo-

paradigmático que, segundo Vasconcellos (2006), contempla os pressupostos da

complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade. Para possibilitar o

desenvolvimento de uma nova perspectiva para a compreensão dos conflitos e

dificuldades no desempenho das funções educativas da família e da escola, mais

livre de culpabilização e determinismo relacionados à disfuncionalidade de um

subsistema ou de outro, utilizamos as estratégias propostas pelo novo paradigma de

saúde – a promoção de saúde. A Promoção de saúde foi definida pela Carta de

Ottawa como:

Um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem--estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar as aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente (BRASIL, 2002, p. 19).

Um dos principais focos destacados para a promoção da saúde relaciona-se

ao alcance da equidade em saúde, ou seja, deve ser assegurado a todos os

indivíduos o direito de desenvolver seu potencial de saúde. Para isso, destacou-se a

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necessidade de garantir uma base sólida, constituída de: “ambientes favoráveis,

acesso à informação, as experiências de habilidades na vida, bem como

oportunidades que permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia” (BRASIL,

2002).

Nesta nova perspectiva pensamos promover uma reflexão, um ponto de

bifurcação no caminho conhecido, uma possibilidade de mudança, uma visão mais

ampliada acerca da constituição e manutenção de situações que envolvem

problemas, conflitos e sofrimento humano, criando alternativas de ação. Desenvolver

um novo olhar significa, nesse caso, elaborar uma nova apreciação sobre as

queixas, que não busca tão somente as causas dos problemas nos resultados

indesejados das interações, mas traz o foco para o que há de positivo nas

interações humanas, reconhecendo os limites de uns e de outros e buscando realçar

suas potencialidades, conhecer a dificuldade e também identificar habilidades

relacionais.

Ao identificarmos, por um lado, a visão limitada e limitadora que os

integrantes da comunidade escolar mantêm a respeito das famílias, e por outro,

como terapeutas de família, as grandes conquistas que as famílias alcançam

quando apoiadas e esclarecidas, a questão que emerge é a importância de

desenvolver no contexto escolar um espaço interacional em que fosse possível levar

informações para subsidiar uma apreciação menos culpabilizadora da família. Nessa

ação ressaltaríamos as potencialidades da família, buscando compreender os

esforços que esse subsistema social vem realizando para se manter como o espaço

relacional que assegura o desenvolvimento dos indivíduos por meio das funções de

proteção e socialização (MACEDO,1994).

Um questionamento surgiu a partir daí: a realização de um Programa de

Promoção de Saúde na Escola desenvolvido com professores, pedagogos e diretor

e com pais e responsáveis promoveria mudança nas percepções e expectativas de

ação para abordagem das queixas escolares? Assim, tivemos por objetivo verificar,

antes e depois da participação no programa, as percepções e expectativas dos

integrantes dos sistemas escolar e familiar a respeito da identificação da queixa

escolar e das ações de um e de outro sistema.

A fim de respondermos a essas questões, selecionamos uma escola pública

localizada no interior do Paraná e desenvolvemos lá a pesquisa que se constitui da

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aplicação de um questionário inicial avaliativo sobre dois casos de alunos que

apresentavam problema no contexto escolar, desenvolvimento do Programa de

Promoção de Saúde na Escola e aplicação de um questionário igual ao inicial,

relativo a dois novos casos. Na análise das informações acessadas pelos

questionários, foi utilizada a abordagem qualitativa que tem como objetivo alcançar a

compreensão dos significados que as pessoas atribuem aos fenômenos.

Para melhor compreender o fenômeno estudo foi utilizado o referencial teórico

foi estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo – Pensamento Sistêmico

Novo-Paradigmático – apresentou o processo de evolução das teorias sistêmicas

que fundamentaram inicialmente as intervenções terapêuticas com foco na família e

posteriormente dirigidas às pautas conversacionais.

No segundo capítulo – Família: as diferentes formas de organização ao longo

do tempo – foram descritas as particularidades que o grupo família foi assumindo ao

longo da história.

No capítulo três – A educação pensada a partir das ideias pedagógicas –

discorremos sobre as transformações que ocorreram na forma de pensar e

desenvolver as práticas em pedagogia ao longo do tempo destacando as

especificidades deste processo no Brasil.

No capítulo quatro – Paradigmas orientadores do trabalho em saúde –

buscamos descrever os distintos conceitos sobre saúde, assim como as práticas

elaborados a partir deles e destacamos o trabalho em promoção de saúde no Brasil.

Na sequência estão apresentados os objetivos, o método, a análise

das falas dos participantes do programa de promoção de saúde, os resultados e a

discussão das informações encontradas nas respostas dos questionários aplicados

antes e depois do programas e as considerações finais.

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1. PENSAMENTO SISTÊMICO NOVO PARADIGMÁTICO

Para apresentarmos as teorias e ideias que orientam nossa pesquisa,

tomaremos como ponto de partida a observação das transformações que vêm

ocorrendo na própria natureza do conhecimento científico, que apontam para uma

crise no paradigma positivista que manteve o domínio do universo científico até o

início do século XX.

Alcançando a hegemonia no pensamento ocidental, o percurso da ciência

consolidou-se na primazia dos modelos explicativos racionais e técnicos em relação

às narrativas simbólicas e mitológicas produzidas pelo senso comum (HENRIQUES,

2000).

Com o propósito de compreender o mundo e seu funcionamento, a ciência

através de seu método passou a analisar separadamente as partes dos todos

complexos, na busca de evidenciar claramente a causa de cada fenômeno

abordado. Instalou-se “a fragmentação do objeto de estudo, a compartimentação

dos campos do saber, as especializações” (VASCONCELLOS, 2006, p.78).

Segundo Morin (2003), a especialização remove um objeto de seu contexto,

de sua totalidade, impossibilitando o reconhecimento de suas interligações com o

ambiente, colocando-o fechado dentro da disciplina, destituindo-lhe aleatoriamente

tanto a sistematicidade (relação da parte com o todo) quanto a sua

multidimensionalidade.

A racionalidade técnica, apoiada no princípio da objetividade tornou a

realidade passível de ser compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada,

disjuntiva, reducionista, em que os problemas são fracionados assim

impossibilitando qualquer reflexão de uma perspectiva multidimensional.

Para transpor os limites do entendimento especializado sobre os elementos

que constituem o contexto em que são identificadas e encaminhadas as queixas

escolares, o cenário em que se desenvolvem as relações entre a escola e as

famílias dos alunos, e a maneira pela qual são articuladas as percepções sobre o

desempenho dos escolares, adotaremos o referencial teórico oferecido pelo

pensamento sistêmico novo paradigmático.

O saber especializado fruto do desenvolvimento da ciência desde o século

XVII, apesar de ter trazido progressos técnicos extraordinários, hoje, se mostra

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insuficiente para promover a compreensão e o enfrentamento de problemas que se

mostram tão complexos (VASCONCELLOS 1995; MORIN; 2003; CAPRA,1987).

Sobre a renovação no plano do conhecimento cientifico, que vem ocorrendo

há algum tempo, Morin (2003) questionou se não seriam exatamente todos esses os

indícios daquilo que Kuhn chamou de revolução científica, que promove uma

mudança de paradigmas e da visão de mundo.

Pearce (1996) se referiu ao novo paradigma como uma nova maneira de

pensar sobre as relações que estabelecemos com a sociedade, com nossos pares

ou com nós mesmos, esclarecendo que este novo paradigma não surgiu do nada,

mas foi fruto da necessidade de dar respostas às questões que se configuram nas

condições sociais em que vivemos.

A visão de mundo oferecida pelo pensamento sistêmico, que utilizaremos em

nosso estudo, inicialmente pautada nos pressupostos da teoria geral dos sistemas

de von Bertalanffy (1975, original 1968) e da teoria cibernética, de NorbetWiener

(1948), apontou que os problemas urgentes localizados em diferentes áreas de

especialização assinalam uma profunda interconexão de elementos que constituem

esses fenômenos.A visão sistêmica de realidade referida por Capra (1987) “baseia-

se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos

os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais” (p.259).

Morin (2003), ao discorrer sobre o conceito de sistema, destacou três facetas

dessa forma de apreender os fenômenos:

- sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e a parte);

- interação (que exprime o conjunto das relações que se efetuam e se tecem num sistema);

- organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações -aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à idéia de sistema a sua coluna vertebral) (MORIN, 2003, p. 265).

Vasconcellos (2006) assinalou que o pensamento sistêmico pode ser

considerado novo ao ser comparado ao pensamento analítico e linear, característico

do paradigma tradicional da ciência e que os avanços das teorias sistêmicas

puderam contribuir para o desenvolvimento radical na epistemologia sistêmica. A

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autora se referiu ao fato de que o próprio desenvolvimento da ciência trouxe a

necessidade da revisão dos seus pressupostos e crenças básicas. Segundo ela,

O “princípio da incerteza”, do físico Heisenber, o funcionamento das partículas subatômicas, os saltos qualitativos dos sistemas dissipativos químicos nos pontos de bifurcação, o funcionamento fisiológico dos seres vivos, apontaram: a complexidade organizada do universo; a instabilidade e a auto-organização dos sistemas; a construção intersubjetiva da “realidade” por aqueles que a percebem, construção essa que se dá num espaço consensual, construído na linguagem (VASCONCELLOS,2006,p. 78).

A revisão desses princípios e pressupostos básicos da ciência deflagrou o

que se tem chamado de revolução paradigmática. Tal revolução foi alcançada,

segundo a autora, através da contribuição de cientistas e epistemólogos da ciência:

“(...) o químico russo Ilya Prigogine; o físico e ciberneticista austríaco Heinz Von Foerster; o biofísico Frances Henri Atlan; os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela; o sociólogo e filósofo da ciência francês Edgar Morin, e tantos outros” (VASCONCELLOS, 2006, p. 78).

Vasconcellos (2006, p.84) enfatizou que o pensamento sistêmico abrange: “o

paradigma da complexidade do universo, em todos os níveis; o paradigma da

instabilidade ou da auto-organização dos sistemas; o paradigma do construtivismo,

ou da construção subjetiva da realidade”. Assinalou ainda que a relação recursiva

entre estes pressupostos, a impossibilidade de o cientista/profissional assumir

apenas uma dessas dimensões. A autora esclareceu que tem distinguido:

“(...) o mesmo tipo de relação que von Foerster (1974) identificou entre o observador, a linguagem e a sociedade. Uma conexão não trivial, uma relação triádica fechada, em que se necessita das três dimensões para se ter cada uma das três” (VASCONCELLOS,2006, p. 83).

Segundo Morin(2003), o paradigma da complexidade pode estimular a

inteligência e a estratégia do investigador, mas não oferece (não produz nem

determina) uma inteligibilidade, nessa medida o paradigma da complexidade pode

inspirar o investigador a: considerar a complexidade da questão estudada;abordar o

fenômeno de maneira tal que reconheça os traços de sua singularidade e sua

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historicidade; conceber a unidade/multiplicidade de toda entidade; alcançar os

caracteres multidimensionais da realidade estudada.

O princípio da complexidade. além de se basear na necessidade de distinguir

e analisar os elementos constituintes dos fenômenos, também focaliza a

comunicação entre suas partes constitutivas. Tal princípio, complementou o autor,

se esforça em possibilitar e implementar o diálogo entre ordem, desordem e

organização, possibilitando o reconhecimento da especificidade, em cada nível

correspondente dos fenômenos ao mesmo tempo em que permite a identificação de

suas diferentes dimensões: física, biológica, espiritual, cultural, sociológica e

histórica, favorecendo, dessa forma, o desenvolvimento de uma visão “poliocular”

(MORIN 2003p. 30).

O pensamento complexo não se opõe ao pensamento simplificador, porém o

integra, é capaz de unir a simplicidade à complexidade, denota o pertencimento ao

metassistema ao qual se integra, sem desconfigurar sua própria simplicidade. O

paradigma da complexidade “obriga a separar e reduzir; (...) ordena reunir e

distinguir (MORIN, 2003, p.75).

Para discorrer sobre a crença na intersubjetividade como condição de

construção do conhecimento, Vasconcellos (2006) se reportou às descobertas de

Maturana e Varela (1983) sobre o processo de conhecer. Ressaltou desses estudos

que“a dificuldade da objetividade não se deve à natureza do objeto do

conhecimento... e sim à natureza do sujeito do conhecimento, como ser vivo”

(VASCONCELLOS, 2006, p. 83).

Os seres vivos, segundo Maturana e Varela (2001), dispõem de uma

organização autopoiética, são capazes de autogeração, criam redes vivas, ou seja,

os componentes necessários à manutenção da própria organização. Os organismos,

segundo os autores, se ligam ao meio ambiente por meio de interações recorrentes,

sendo que estas desencadeiam mudanças estruturais no próprio sistema, sendo seu

comportamento determinado por essa estrutura autônoma. Assim na concepção dos

autores, os seres humanos, fechados estruturalmente, se relacionam com o

ambiente por meio das respostas às perturbações por ele mobilizadas.

Nos seres humanos, tanto a estrutura quanto a organização se encontram

interligadas e implicam a configuração do seu desenvolvimento. Para esses autores,

A célula inicial que funda um organismo constitui sua estrutura inicial dinâmica, aquela que irá mudando como resultado de

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seus próprios processos internos, num curso modulado por suas interações sociais. Segundo uma dinâmica histórica na qual a única coisa que os agentes externos fazem é desencadear mudanças estruturais determinadas nessa estrutura. O resultado de tal processo é um devir de mudanças estruturais contingente com as seqüências de interações do organismo que dura desde seu início até sua morte como um processo histórico, porque o presente do organismo surge em cada instante como uma transformação do processo do organismo nesse instante. O futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem. É com base nessa compreensão que devemos considerar a educação e o educar (MATURANA, 1997b, p. 28).

Ressaltamos que, na perspectiva de Maturana (1997) sobre os seres

humanos, estão presentes tanto a consideração dos sistemas biológicos quanto dos

aspectos sociais, apontando a necessidade em abordar simultaneamente o

individual e o social para apreender a dimensão humana.

A linguagem foi abordada por Matura e Varela (2001) a partir de uma extensa

observação do ato comunicativo, destacando deste a coordenação de coordenação

de comportamentos entre os organismos envolvidos por meio de uma acoplagem

estrutural mútua. Observaram que as interações recorrentes entre os organismos

mobilizavam mudanças estruturais simultâneas – uma coordenação de

coordenações de comportamentos. Tais coordenações coordenadas emergem em

um fluxo contínuo de fazeres e de emoções, que ganham existência no viver juntos

na linguagem. Assim, na perspectiva dos autores, a vida se desenvolve permeada

por conversações, a existência humana ocorre inserida em um contínuo fluir de

linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo sentido e significados

aos eventos.

A vida e a atuação humana se dão em um mundo que é definido por meio das

descrições que ocorrem nas interações, em linguagem, ou seja, vivemos e atuamos

socialmente em um multiverso de mundos descritos. Assim, toda ação humana se

dá na linguagem e toda ação na linguagem traz consigo o mundo criado a partir de

uma relação com os outros.

Maturana e Varela (2001) partindo de uma perspectiva sistêmica, circular,

recursiva, assinalaram que a “realidade” apreendida pelo sujeito do conhecimento

emerge das distinções por ele realizadas, deixando explícita a ideia da referência do

observador no processo de construção do conhecimento (MATURANA; VARELA,

2001).

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A realidade, segundo Vasconcellos (2006), passou a ser compreendida a

partir das proposições de Maturana e Varela como

(...) uma construção de um grupo de observadores, quando esses compartilham suas experiências individuais e definem , por consenso, o que vão tomar como “realidade” para si, qualquer que seja a “realidade” a que estejam se referindo: física, biológica ou social. Assim nesses espaços consensuais de intersubjetividade, a ciência pode se desenvolver sem cair no solipsismo, sem que o sujeito, com sua experiência individual e privada seja a única referência (VASCONCELLOS, 2006, p. 82).

A construção intersubjetiva da realidade foi também explorada por Anderson e

Goolishian (1991) ao discorrerem sobre os sistemas humanos como sistemas

lingüísticos, que, por deter características relacionais, recursivas, são geradores de

significados que emergem constantemente como uma rede fluida de ideias

interatuantes e ações correlatas.

Os autores utilizam uma concepção de linguagem como parte integrante do

processo humano criativo de interagir com a realidade, que permite o contato

significativo entre os seres humanos, tornando possível o “compartilhar” da

realidade. A linguagem, definida como ferramenta humana de utilização específica,

só pode ser compreendida no contexto em que é produzida, pois “existir na

linguagem” significa existir em um processo de criação social de realidades

intersubjetivas que os seres humanos compartilham entre si em um determinado

tempo.

Partindo da crença da realidade como uma construção social, os autores

concebem os seres humanos como sistemas geradores de significados e de

linguagem, que emergem em uma continua atividade recursiva e intersubjetiva.

Desse ponto de vista, tanto a construção de significados e entendimentos quanto a

condução dos sistemas humanos ocorrem em um processo dinâmico de mudança e

criação (ANDERSON E GOOLISHIAN,1991).

Ao abordarem a questão da elaboração do diagnóstico no campo da saúde

mental, Anderson e Goolishian (1991) assinalaram que esse procedimento da

prática em terapia familiar, pautado no pensamento sistêmico de primeira ordem,

oferece ao especialista as explicações, as descrições dos problemas a partir do

conhecimento já construído a respeito de uma determinada disfunção da família.

Assim o diagnóstico está baseado nas suas observações e experiências

particulares, relativas a um tipo determinado de conduta dos clientes. Partindo

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dessas observações pessoais, o especialista em uma posição passiva e receptiva,

sustentada pela crença dos critérios objetivos dessa investigação, elabora um mapa

normativo ancorado em categorizações universais de problemas e estruturas a ele

relacionadas. Na opinião dos autores, esse procedimento diagnóstico não parece

ser adequado para o trabalho com sistemas humanos, que se definem a partir das

constantes mudanças que ocorrem na linguagem, na forma de entender e significar

eventos.

Conforme Anderson e Goolishian (1991), cada descrição, cada entendimento

e cada tratamento, ao contrário da proposição usual diagnóstica, dever-ser únicos

para cada uma das realidades em que se participa, pois as realidades sempre estão

se transformando. Cada problema, suas descrições e pessoas envolvidas estão em

constantes transformações. As descrições particulares sobre os problemas,

construidas intersubjetivamente, são passíveis de transformações por meio do

diálogo.

De acordo com Vasconcellos (2006), em sua forma de apreender o

pensamento sistêmico já está implícita o pressuposto da construção intersubjetiva

da “realidade” ou pressuposto construtivista (como pressuposto epistemológico da

intersubjetividade), assim explicitando a crença da realidade construída pelo

encontro das subjetividades individuais, que emerge das teorias psicológicas sobre a

construção individual ou coletiva da realidade (teorias construtivistas e

construcionistas).

Vasconcelos (2006) elencou artigos de autores que discorrem sobre práticas

sistêmicas em diversos contextos: escolar, saúde (física e mental), políticas públicas;

agroecossistemas e mediação. A mesma constatação, da pertinência da utilização

do paradigma sistêmico como base para compreensão de problemas e para a

orientação de propostas de intervenções, vem sendo confirmada pela ampla

utilização dos pressupostos acima mencionados na orientação de estudos e

pesquisas realizadas por diferentes programas de pós-graduação no Brasil.

Grandesso (2007), ao conceber a comunidade a partir do ponto de vista novo

paradigmático, ressaltou a intersubjetividade das trocas que se dão na linguagem,

co-construíndo e compartilhando significados que organizam tanto os valores como

as práticas de convivência. Assim definiu a autora:

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(...) numa comunidade, compreendida como um sistema complexo, autopoiético e auto-organizador, as relações sociais entre seus membros e a qualidade dessas relações definem a forma como as pessoas constroem suas singularidades, bem como as configurações da própria comunidade como sistema (GRANDESSO, 2007, p. 183).

Sluzki (1997), explica como uma conversação produzida por um sistema

sobre um problema (descrição consensual do que constitui um problema e as

soluções possíveis) consolida o sistema e o mantém em funcionamento. O autor

utilizou como exemplo a rede constituída pelos pais, professora e diretora da escola,

que definiram o comportamento hiperativo de uma criança como rebelde ou bobo e

assinalou que, ao estabelecerem uma rede que concorda com a descrição do

problema, conformam um sistema determinado pelo problema.

Não pretendemos aprofundar em nosso trabalho a proposta de intervenção

com o sistema determinado pelo problema, porém tal explicitação tem o objetivo de

demonstrar a relevância de abordar as interações entre os integrantes da família e

do sistema escolar, as interações que mantêm com os demais subsistema sociais,

como o contexto no qual são articulados os valores e crenças que promovem a

identificação da queixa escolar.

Tomando como base os pressupostos da complexidade, da incerteza e da

intersubjetivade, levantamos a hipótese de que ao levarmos informações sobre:

visão sistêmica; contexto socio-histórico, desenvolvimento familiar, comunicação,

habilidades para vida para serem apreciadas e discutidas com os pais e/ou

responsáveis pelos alunos e com os integrantes do sistema escolar, estaríamos

proporcionando uma ampliação da visão restrita sobre os problemas que ocorrem no

contexto escolar, que vem sendo expressos através das queixas escolares que

culpabilizam e responsabilizam os alunos e/ou os familiares pela sua ocorrência.

1.1 Família como foco de intervenção

Ressaltando que a temática a ser desenvolvida neste estudo relaciona-se

com a análise da maneira como a escola e a família encaminham as resoluções dos

problemas identificados no contexto escolar, estaremos utilizando um modelo de

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entendimento dessa interação apoiado nos pressupostos da complexidade, da

incerteza e da intersubjetividade. A adoção deste modelo sistêmico novo

paradigmático também se justifica quando refletimos sobre as implicações

características da interação desses subsistemas como elemento que potencializa ou

inibe a mobilização de recursos humanos para resolução dos problemas da rotina

dos indivíduos.

Destacamos que a abordagem das questões relacionais intra e entre sistemas

que utilizaremos está fundamentada no arcabouço teórico desenvolvido pela área da

terapia familiar. Faz sentido a escolha deste referencial, uma vez que inicialmente

mobilizava os integrantes da família para a superação de sintomas e mais

recentemente enfoca a família e os demais sistemas sociais com o propósito de

ampliar as competências humanas para gerenciamento de suas vidas

(VASCONCELOS; 2006, SCHNITMAN, 2004; GRANDESSO, 2000).

Para focalizar a relação entre a abordagem da família e as questões relativas

à saúde física e mental, discorreremos a seguir sobre o próprio desenvolvimento da

área. Assim, destacando passos desse processo que apontam o envolvimento dos

procedimentos clínicos com as famílias em direção à superação do sofrimento

humano decorrente das mais variadas condições de limitação da saúde física e

mental de indivíduos e grupos.

As questões relativas às queixas escolares, na maioria das vezes, assinalam

disfunções localizadas nas crianças e/ou adolescentes ou em suas famílias. Nos

capítulos seguintes que focam a educação e a saúde, abordaremos como foi sendo

construída essa concepção de que os problemas escolares apontam déficit

intelectual e/ou emocional dos alunos e a responsabilização destes e de suas

famílias pela resolução desses problemas. Na sequência, apresentaremos como

foram sendo abordados os problemas humanos pelos terapeutas de famílias,

destacando alguns conceitos propostos pelas diferentes abordagens da área da

terapia familiar. Cumpre esclarecer que os conceitos que serão apresentados a

seguir foram utilizados no Programa de Promoção de Saúde na Escola,

apresentados nos encontros da pesquisadora com pais e/ou responsáveis pelos

alunos, assim como com os professores, orientadores e diretora da escola.

A história da terapia familiar foi descrita por diferentes autores. Utilizaremos

as abordagens de Grandesso (2000), Vasconcelos (1995), Sluzky (1997)Schnitman

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e Fuks(1996), Schnitman (2004), Nichols (2007) e JUTORÁN, (1994)para organizar o

quadro evolutivo dos conceitos elaborados pelos diversos autores da área de terapia

familiar.

1.1.1 Mudança de foco do indivíduo para a família

Ao enfocar o início do desenvolvimento da área da terapia familiar, Grandesso

(2000) ressaltou que em meados da década de 1950, um contexto propício ao

encontro de novas formas de compreender e tratar os dilemas humanos foi

elaborado nos Estados Unidos. O ingresso da psicanálise no contexto das escolas

de medicina, o reconhecimento da psiquiatria como um campo amplo a ser

conquistado, juntamente com a urgência de dar conta dos problemas que emergiam

com as famílias no período de pós-guerra, apontavam a necessidade de realizar o

enfrentamento dos problemas humanos a partir de uma abordagem que não

desconsiderasse as particularidades de sofrimento e a precariedade do contexto.

Tais circunstâncias, somadas ainda à insatisfação com os resultados dos

tratamentos psicoterápicos com delinquentes, esquizofrênicos e pacientes de

classes menos favorecidas, sem dúvida configuraram o contexto para a busca de

novas formas de compreender e desenvolver intervenções clínicas que pudessem

promover o alívio do sofrimento humano.

Grandesso (2002) enfatizou que a teoria sistêmica, formulada por Bertalanffy

desde 1930, e a cibernética proposta por Wiener na década de 1940 se constituíram

em um sistema de inteligibilidade que permitiu o desenvolvimento da nova prática

em psicoterapia.

Os profissionais e estudiosos interessados pelas relações entre os indivíduos

e os grupos humanos encontraram na cibernética e na teoria geral dos sistemas as

bases teóricas para o novo campo que emergia, “que mais tarde se converteu no

campo da terapia familiar: a investigação sobre as interações e a comunicação em

relações estáveis e recorrentes” (SCHNITMAN, FUKS, 1996, p. 244).

A área da terapia familiar se desenvolveu em um contexto marcado pela

interdisciplinariedade, assinalou Grandesso (2000), fato que possibilitou o

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intercâmbio de ideias a partir de múltiplas perspectivas, a saber: a influência da

antropologia veio dos conceitos propostos por Bateson desde os anos de 1950, na

prática em psicoterapia, em parceria com a assistência social e a psiquiatria

expressa nas figuras de Virginia Satir e Don Jackson; os aportes da química por

meio de Weakland; da áreas da comunicação as apreciações de Jay Haley. A autora

destacou que desde essa multiplicidade de percepções a área da terapia familiar

passou a se empenhar em descrever e compreender os dilemas humanos no

contexto de interações estabelecidas entre os integrantes das famílias.

Ainda que a teoria geral dos sistemas e a cibernética tenham oferecido os

limites paradigmáticos para o desenvolvimento de uma teoria clínica, distintos

sistemas de crenças orientaram as práticas terapêuticas, assim propiciando a

emergência de diferentes modelos de terapia familiar. Esses diferentes modelos,

ainda que divergissem em relação a descrições, compreensões e interpretações,

“estavam sob o mesmo guarda-chuva paradigmático” (GRANDEESSO, 2000, p.

119).

Os distintos modelos, por vezes denominados como escolas da terapia

familiar, segundo Vasconcellos (2006), se configuraram a partir da construção de um

corpo de conhecimento teórico consistente no qual estavam descritas as seguintes

definições: sistema familiar; funcionamento familiar; saúde e doença; e mudanças.

As terapias sistêmicas foram consideradas como um conjunto de práticas que

não apresentaram um desenvolvimento linear. A evolução desses modelos se deu

como um conjunto de noções fundamentadas na cibernética que em um movimento

recursivo teoria e práticas co-evoluiam. Sobre a articulação das duas teorias que

sustentam as práticas sistêmicos-cibernéticas, os estudiosos destacaram que: as

sistêmico práticas são sistêmicas e a epistemologia é cibernética (GRANDESSO,

2000; VASCONCELOS 1995).

Tendo como fundamento os princípios definidores dos sistemas a terapia

familiar sistêmica considerava:

A família como um sistema aberto, mantendo uma interdependência entre seus membros (globalidade) e com o meio, no que dizia respeito as trocas de informação, usando de recursos de retroalimentação para manutenção da sua estabilidade (organização). Do ponto de vista sistêmico, pode-se falar, portanto, em uma homeostase familiar, obtida por meio de regras que governam as transações da família.(...) o sintoma de um individuo – o

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paciente identificado – era considerado um porta-voz da disfunção familiar, funcionando como um mecanismo homeostático para restabelecer o equilíbrio do sistema perturbado (...) (GRANDESSO 2000 p. 121).

A ênfase no contexto e a orientação para o presente na compreensão dos

problemas dos indivíduos caracterizou a influência da epistemologia sistêmico-

cibernética no desenvolvimento das práticas de terapia sistêmica. A compreensão

do comportamento sintomático só seria possível se fossem consideradas as

particularidades do contexto interacional no qual o individuo estivesse inserido.

O conceito de homeostase familiar que foi definido por Jackson (1954) teve

como ponto de partida a observação clínica das famílias em atendimento, porque a

melhora do paciente identificado era seguida de uma disfunção em um outro

membro da família. Dessa forma, explicitou Grandesso (2000), as famílias passaram

a ser definidas a partir dos padrões de interações entre seus integrantes e não mais

a partir das características de cada um.

A epistemologia cibernética, mais especificamente a cibernética de primeira

ordem, possibilitou o desenvolvimento dos modelos comunicacionais, interacionais e

de terapia breve. Para esse grupo, os problemas familiares eram gerados pelos

problemas de comunicação entre as pessoas (SLUZKY, 1997).

A ideia de que o sistema operava a partir dos mecanismos de manutenção da

homeostase, para a correção dos desvios (as mudanças de primeira ordem),

norteou a prática em terapia de família orientada pelos conceitos de “padrões

interacionais” (HALEY, 1971, 1979, 1991; WATZLAWICK, WEAKLAND, FISCH,

1973); “mitos familiares” (SELVINI- PALAZZOLI et AL., 1982) e “regras familiares”

(JACKSON, WEAKLAND, 1961) (GRANDESSO, 2000).

O termo regras familiares foi utilizado por Jackson (1974) para designar o

conjunto de regras implícitas que dirigem a vida familiar. As regras familiares,

sempre identificadas por um observador externo, foram consideradas como um

conjunto de leis aceitas tacitamente pelos integrantes da família que definem os

direitos e deveres de cada elemento do sistema. Demarcando assim as estruturas

relacionais vinculadas às expectativas de uns para com os outros, as regras

familiares atuam com a finalidade de manter a homeostase do grupo familiar.

Sintetizando, a mudança pretendida pelo grupo de Palo Alto estava relacionada a

mudanças nas regras familiares.

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O grupo de Chicago – I.J.R. (Institute for Juvenil Research) contou com a

participação de Célia Falicov, Lee Combrick, Betty Karrer, Douglas Breulin, Richar

Schwartz e Rocco Cimarrusti, apoiados por uma visão normativa de funcionamento

do grupo familiar, definiu que um sintoma tanto mantém um sistema familiar

disfuncional, como é mantido por ele (JUTORÁN, 1994).

Essa escola apontou que a disfunção do grupo familiar estava relacionada à

manutenção de sequências isomórficas de comportamento. Segundo Umbarger

(1983),o termo sequência “designa um ciclo repetitivo de condutas encadeadas ou

descreve um desdobramento circular e repetitivo dessas condutas” (UMBARGER,

1983, p. 252).

Segundo o autor, as sequências apresentam-se organizadas em um

determinado espaço de tempo. Distinguem-se quatro classes de sequencias

interligadas, chamadas de geradoras ou “calibradoras”: S1– Padrões de interação

que se repetem com intervalo de segundos até uma hora; S2– Padrões que

aparecem com um intervalo de um dia ou até uma semana; S3– Padrões que variam

desde algumas semanas até um ano; S4– Padrões que se repetem de geração em

geração.

As sequências repetitivas, segundo Umbarger (1983), poderiam imprimir uma

certa rigidez à dinâmica familiar, dificultando, por vezes, a adaptação da família tanto

a novas fases de desenvolvimento, como a mudanças impostas pelas

transformações sócioculturais.

A mudança, proposta pelo grupo de Chicago, pretendia promover uma

interrupção do ciclo de condutas que constituem uma dada sequência, isso porque

acreditavam que a quebra do circuito pode provocar o desenvolvimento de novos

padrões relacionais.

Sluzky (1997) ressaltou que a concepção de problema utilizada por uma parte

dos integrantes desse grupo de terapeutas que observavam os processos interativos

postulava que os problemas que acometiam as famílias eram comportamentos,

conectados em uma sequência interativa, que acabavam contribuindo para a sua

própria manutenção. Os demais terapeutas familiares, que mantinham o foco no

mesmo tema, elaboraram outra hipótese e propunham a compreensão dos

problemas como resultado da maneira peculiar de tentar resolver o problema.

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Dos modelos historicamente orientados, Vasconcelos (2006) destacou o

trabalho de: Murray Bowen, que desenvolveu os conceitos de cadeia das

retribuições deslocada, noção da trama de lealdades invisíveis, noção de justiça,

concepção de que a chave da terapia é o perdão; Norman Paul, que propôs o

conceito de luto não resolvido; Ivan Boszormenyi-Nagy, idealizador dos conceitos de

triangulação, fusão e diferenciação.

Desses modelos, inicialmente, articulados com as terapias sistêmicas, Sluzky

(1997) ressaltou que focalizaram os processos interacionais, explicativos e

justificativos sobre o problema presente, como a solução de um problema no

passado, ocorrido em gerações anteriores.

O termo enfoques historicamente orientados foi utilizado para denominar as

abordagens multigeracionais, de Bowen; e contextual, de Boszormenyi Nagy.

Apesar de o trabalho terapêutico ser desenvolvido com as famílias e não com os

indivíduos, a teoria de mudança, nessas abordagens, era orientada por objetivos e

técnicas semelhantes àquelas utilizadas pelas terapias psicodinâmicas (Hoffman,

1987; Sluzky,1997).

Bowen (1974) focalizou os aspectos emocionais e intelectuais que permeiam

as interações entre os membros do sistema familiar. Descreveu, no conceito massa

indiferenciada do ego familiar, um alto grau de fusão emocional que pode ocorrer

em um sistema família. Considerou que esse estado de fusão emocional contribui de

forma negativa ao processo de diferenciação do self de cada membro do sistema

familiar, pois a autonomia de um é interpretada como traição pelos demais. Essa

dinâmica produz um forte temor de abandono por parte de cada integrante da

família.

Bowen (1974) apontou a dificuldade de diferenciação como fonte das

disfunções apresentadas pelos integrantes de um grupo familiar. Para esse autor, as

patologias individuais podem se desenvolver a partir de uma crescente

indiferenciação entre os membros da família, durante várias gerações.

Ressaltamos que o objetivo da terapia proposta por Bowen (1974) está

vinculado à busca da diferenciação do self de cada integrante do sistema. Uma vez

que a família é compreendida por ele como uma rede de pessoas interligadas, a

transformação em um ponto da rede, por exemplo, uma pessoa, repercurte em toda

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a rede, em todos os integrantes do sistema familiar. Sua proposta terapêutica se

direciona ao crescimento e desenvolvimento de cada membro da familiar.

O modelo contextual teve início a partir da prática clínica e de elaborações

teóricas de Y. Boszormenyi-Nagy e Geraldine M Spark (1983). Os autores abordam

as interações familiares focalizando a natureza dos intercâmbios existentes entre os

membros da família nuclear e da família extensa. Desenvolveram a noção de ética,

de justiça e de lealdade e propuseram a metáfora do grande livro para representar a

“contabilidade” familiar, ou seja, o equilíbrio entre o “dar” e o “receber”, que permeia

as relações entre pais e filhos ou entre a família nuclear com a família extensa.

Boszormeny-Nagy e Spark (1983) identificam uma disfunção familiar como

resultado de um acúmulo de dívidas ou de injustiças cometidas pela família. Sob

essa ótica, justiça está relacionada com a forma de distribuir os recursos familiares,

tanto os materiais, como os imateriais (amor, cuidado e atenção).Tal distribuição é

feita com base na ética que governa as relações familiares. Tomaram o conceito de

ética como um conjunto de conceitos e valores que atuam para manter o equilíbrio

nas interações dos indivíduos, operando segundo a lei da reciprocidade, que leva

em consideração tanto os interesses individuais como os interesses do grupo.

A ideia de que os fatos ocorridos em uma geração influenciam as gerações

seguintes, assinalados por Boszormeny-Nagy e Spark (1983), destaca o aspecto

multigeracional que permeia as relações familiares, que são melhor compreendidas

a partir do conceito proposto de lealdade.

O conceito de lealdade constitui uma das ideias centrais da terapia

contextual, está relacionada a noções de vínculos e pautada na ética do sistema

familiar. É considerada como um sentimento de compromisso e solidariedade, que

estabelece uma unidade comum tanto às expectativas, quanto às necessidade dos

integrantes de um sistema social (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1983).

A emergência de comportamentos patológicos em um membro da família,

muitas vezes expressos em lealdades invisíveis, pode estar relacionada a um

conflito de lealdade localizado em gerações anteriores, a uma injustiça com um

membro da família, a dívidas não saldadas, a méritos não reconhecidos, enfim, às

circunstâncias que promovem um desequilíbrio no âmbito da ética que governa as

relações da família. Assim, a natureza do comportamento patológico estaria

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diretamente relacionado com um “acerto de contas” entre os integrantes de um

determinado grupo familiar. A proposta de trabalho terapêutico se direciona à

explicitação das injustiças contabilizadas, na tentativa de propiciar um contexto no

qual seja possível saldar as dívidas e dar início a um novo estágio da contabilidade

familiar (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1983).

No segundo período da cibernética de primeira ordem, ressaltou Grandesso

(2000) que a noção de mudança de segunda ordem somada à definição

epistemologica dos sistemas observados possibilitou o desenvolvimento dos

modelos que propunham mudanças nas interações familiares a partir da introdução

de crises desestabilizadoras da homeostase familiar. Partindo dessa orientação,

destacaram-se os modelos que focalizavam a “estrutura” (MINUCHIN, 1982;

MINUCHIN, FISCHMAN, 1990;UMBARGER, 1987) e a “terapia experiencial

simbólica” (WHITAKER, BUMBERRY,1990).

Além da influência da cibernética, da obra de Claude Leví-Strauss, as práticas

voltadas às famílias marginais contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento

da hipótese de que “os problemas estruturais da família e em torno social

significativo constituem o problema” (SLUZKY, 1997, p. 128). Das contribuições de

Minuchin (1974) e de Minuchin e Fischman (1981), Sluzky (1997) ressaltou que os

terapeutas, além de proporem os conceitos de subsistemas e fronteiras,

desenvolveram metodologia para a representação gráfica das interações familiares.

Da mesma forma, elaboraram estratégias de intervenção que se propunham, a

modificar as relações intra e extrafamiliares relacionadas à disposição de poder e de

responsabilidade vinculada a conflitos e sintomas.

A partir de uma visão normativa da família, Minuchin (1990) propôs a noção

de que o funcionamento do sistema familiar opera a partir da interação entre os seus

subsistemas, e que estes têm demarcadas suas funções específicas. A família,

segundo o autor, deve tanto proteger seus membros quanto habilitá-los para a

interação com o meio social.

Apoiado na ideia de ciclo vital, Minuchin (1990) indicou que o grupo familiar se

desenvolve, e que as funções familiares se alteram no decorrer desse processo.

Apontou que um sintoma expresso por um membro da família pode estar vinculado

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tanto a uma dificuldade em superar as etapas de desenvolvimento, quanto à

dificuldade dos subsistemas em exercer suas funções.

O sistema familiar tem se transformado, ao longo da história, em uma

contínua adaptação às mudanças que ocorrem na sociedade. Para cumprir as

funções de socialização de seus integrantes, a família deve promover tanto a

proteção psicossocial dos seus integrantes quanto atuar na acomodação em uma

determinada cultura e à transmissão dessa mesma cultura. Como nos esclarece o

autor:

A mudança sempre se desloca da sociedade para a família, nunca da unidade menor para a maior. A família mudará, mas também permanecerá, porque é a melhor unidade humana para sociedades rapidamente mutáveis. Quanto mais flexibilidade e adaptabilidade requer de seus membros, mais significativa se tornará a família, como matriz do desenvolvimento psicossocial (MINUCHIN 1990, p. 56).

O autor compreendeu a família como subsistema social, um grupo natural

que, gradualmente, desenvolveu padrões de interação definidores da sua estrutura.

Sua principal tarefa é dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover

sentimento de pertinência aos indivíduos.

A definição de estrutura familiar foi descrita por Minuchin (1990, p. 57) como

“o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais

os membros da família interagem”. Os integrantes do sistema familiar incorporam,

por meio da experiência, o mapeamento desse sistema, que é expresso pelos

padrões transacionais que surgem a partir de transações repetitivas, desenvolvidas

pela família. Identificam os limites tanto individuais, como os do subsistema familiar.

A noção de que a família pode ser compreendida como um sistema,

composto por subsistemas, que operam segundo padrões transacionais que

regulam o comportamento de seus integrantes, foi proposta por Minuchin (1995).

Partindo da ideia de organização em diferentes níveis, ressaltou a importância da

hierarquia de poder distribuído entre os integrantes do sistema familiar.

As funções familiares são executadas, segundo Minuchin (1990), através de

diferentes subsistemas que exercem funções específicas. Há uma distinção

hierárquica de poder na família, sendo que os pais têm um nível diferente de poder

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em relação aos filhos, ressaltou que a maior autoridade na família deve estar

representada pelo subsistema parental.

O subsistema conjugal é constituído pelos cônjuges, cujo espaço relacional

tem início na formação da família. Os padrões relacionais estabelecidos determinam

também os limites e fronteiras que preservam o casal e o indivíduo no casal.

Segundo o autor, esse é um fator estrutural da funcionalidade do sistema familiar.

Qualquer disfunção no subsistema conjugal compromete sobremaneira todo o

desenvolvimento familiar, uma vez que os filhos adotam esse modelo para as

relações de intimidade. As crianças veem nesse subsistema um modelo de

expressão de afeto, uma maneira de lidar com as dificuldades e a forma de

solucionar conflitos no grupo de iguais (MINUCHIN, 1990).

O subsistema parental é integrado pelos indivíduos responsáveis pelos

cuidados com os filhos, pode incluir pessoas diretamente relacionadas com a guarda

e com as questões de disciplina dos filhos. Ressaltamos que compete a esse

subsistema as responsabilidades correspondentes à socialização e à educação das

crianças. Os filhos aprendem a trabalhar com a autoridade a partir do modelo

estabelecido, com o qual aprendem, também, a contar ou não com o apoio dos mais

poderosos. A partir disso, as crianças experimentam o estilo com o qual a família

realiza negociação e trabalha os conflitos. Esse subsistema deve se transformar na

medida em que as crianças se desenvolvem, devendo atribuir a elas mais

responsabilidade e autoridade com o passar do tempo.

O grupo de irmãos integra o subsistema fraternal. Nesse subsistema, se

configura o contexto no qual as crianças experimentam o primeiro grupo de

companheiros. Elas desenvolvem padrões interacionais que as habilita para

trabalhar as questões relativas à cooperação e à competição; assim, promove-se o

processo de senso de pertinência, de escolha e de competência.

As regras que governam as trocas de informações e de energia entre os

subsistemas são representadas pelo tipo de fronteira estabelecido. O termo fronteira

foi utilizado por Minuchin para representar os limites que configuram um subsistema.

São “as regras que definem quem participa e como cuja função é proteger a

diferenciação do sistema” (MINUCHIN, 1990 p.57).

O autor propôs três tipos de fronteiras que determinam três formas diferentes

de organizar o intercâmbio entre os subsistemas familiares:

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As fronteiras nítidas permitem aos membros do subsistema desenvolver, sem

interferência, as suas funções e facilitam a manutenção do contato com os demais

subsistemas.

As fronteiras rígidas podem promover dificuldade na comunicação entre os

subsistemas. Quando esse tipo de fronteira é estabelecido entre o subsistema

conjugal e o subsistema filial, caracteriza-se por ser uma família do tipo desligada.

Nessas famílias, as funções protetoras estão prejudicadas. A diferenciação de seus

membros ocorre em ambiente de intensa autonomia, podendo gerar um sentimento

distorcido de independência. A capacidade de apoio familiar fica comprometida na

medida em que os membros dessas famílias podem apresentar dificuldade em

desenvolver sentimento de pertinência e de lealdade (Minuchin, 1974).

As fronteiras difusas, segundo o autor, intensificam a comunicação entre os

integrantes dos subsistemas, caracterizando famílias emaranhadas. A diferenciação

entre seus membros pode ser dificultada pelo implemento das funções protetoras. O

sentimento de pertencimento opõe-se de forma intensa à autonomia, o que

desencoraja as investidas no universo externo à família.

Minuchin (1974) ressaltou que tanto as fronteiras rígidas (extremamente

rígidas), quanto as fronteiras difusas (excessivamente permissiva) representam

formas disfuncionais de demarcar os limites relacionais entre os subsistemas e

dificultam o intercâmbio de informações entre os subsistemas circundantes.

Slusky (1997) ressaltou ainda que a metodologia desenvolvida pelos referidos

terapeutas ofereceu marcos de compreensão de problemas e estratégias de

mudança para o trabalho com redes sociais.

Dentre aqueles que focaram as redes sociais, Schnitman (2004) ressaltou

que, orientados pela noção de relações entre sistemas, trabalharam: as relações

que ocorriam dentro do sistema familiar; as relações que as famílias e seus

integrantes estabeleciam com a rede social que integrava o contexto de assistência

à família. A autora destacou que a capacidade de se estabelecerem conexões que

implementam os recursos dos sistemas, tanto ampliam o capital social da família,

como o seu potencial para o trabalho colaborativo.

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Schnitman (2004), ao discorrer sobre os modelos de terapia familiar, apontou

o conjunto conceitual evolutivo que focalizou o desenvolvimento da família ao longo

do tempo, forneceu uma perspectiva longitudinal para compreender e trabalhar com

mudanças evolutivas. Os conceitos de ciclo vital da família, de crises previsíveis e

de crises imprevisíveis, propostos por Betty Carter e Monica McGolgrick, ajudaram a

compreender as diferentes transformações na organização da família em seu

processo evolutivo, assim como o processo de mudança de uma determinada fase

para a fase seguinte.

O conceito de ciclo vital possibilita-nos compreender uma família, visualizando

as fases de desenvolvimento percorridas e as que provavelmente se seguirão.

Observamos que cada fase impõe à família inúmeras tarefas e uma organização

específica, implicando, portanto, mudanças no contexto familiar para atender às

demandas do novo ciclo vital. “É impossível pensar em ciclo vital dissociado de

desenvolvimento (...)” (CERVENY, 1997, p.23).

Distintos teóricos trabalharam o conceito de ciclo vital, nessa pesquisa

adotaremos o conceito proposto por Cerveny (1997), que propõe as seguintes fases

para o desenvolvimento da família:

A fase de aquisição marca o início da família, o casal ocupa-se das

aquisições pertinentes ao desenvolvimento: filhos, moradia, acessórios domésticos e

bens que facilitem a organização de sua rotina.

É uma fase marcada por intensa negociação entre os esposos que, vindos de

famílias diferentes, trazem modelos específicos de interação, os quais precisam ser

reajustados para viabilizar a convivência.

O casal, nessa fase, por vezes se encontra sobrecarregado de funções.

Trabalha para firmar o relacionamento conjugal - tarefa um tanto árdua, pois implica

a acomodação da nova identidade de cônjuge - geralmente também precisa dar

conta das transformações impostas pela chegada dos filhos

(BERTHOUD,BERGAMI, 1997).

O termo família adolescente foi utilizado por Cerveny (1997) para designar

famílias que apresentam filhos na adolescência – período em que intensas

transformações físicas, psicológicas e de interação social são experimentadas pelos

jovens a partir da puberdade.

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Segundo Luisi e Cangelli Filho, (1997) os pais, em relação à fase de

desenvolvimento dos filhos, nesse momento do ciclo vital da família, precisam

assumir a posição de promover cada vez mais a autonomia dos filhos, ao mesmo

tempo em que devem acompanhar suas investidas no mundo exterior à família.

A necessidade dos jovens de se diferenciar do grupo familiar coloca-os

progressivamente mais próximos do grupo de iguais, os amigos. Isso, geralmente,

repercute em conflitos intensos, em famílias que se organizam a partir de regras

rígidas de interação (LUISI, CANGELLI FILHO, 1997).

Os autores enfatizaram que, em famílias flexíveis, os adolescentes encontram

espaço para se integrar ao grupo de amigos, realizar suas experiências e, quando

necessário, voltam-se para a família na busca de segurança. Esse processo ocorre

de forma dinâmica e propicia também transformações significativas na vida dos pais.

Os pais, nesse momento, têm a oportunidade de refletir sobre seus

envolvimentos sexuais e, por vezes, deparam com sentimentos de insatisfação, com

problemas conjugais que, até então, eram mantidos guardados, esquecidos pelo

casal. Nessa fase, são intensificadas as reflexões sobre o posicionamento

profissional, podendo ocorrer reformulações que visam ao maior bem-estar no

futuro. Essa intensidade de transformações pode provocar, em casos de maior

rigidez nos padrões relacionais familiares, muitos divórcios (CERVENY, 1997).

Notamos que a família, mantendo-se rígida em oposição às mudanças,

dificulta o diálogo e a interação entre filhos e pais. Tal postura pode determinar uma

quebra e não um distanciamento natural nas relações familiares, deflagrando

conflitos e indisposições na família durante essa fase (LUISI, CANGELLI FILHO,

1997).

A fase madura se caracteriza pelo fato de filhos e pais se encontrarem na

fase adulta de desenvolvimento (CARBONE ,COELHO, 1997).

A grande maioria dos filhos já não mora mais com os pais; alguns se afastam

para estudar em outras cidades e moram em repúblicas; outros, estão envolvidos

com sua formação profissional, a maioria já constitui sua própria família,

promovendo com a chegada dos netos uma profunda transformação nas posições

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familiares. Desse modo, processa-se um realinhamento de funções e papéis, os

filhos passam também a ser pais; os pais, agora, passam a ser avós.

A saída dos filhos da casa dos pais implica uma nova situação do casal. Após

muitos anos de convivência e trabalho voltado à criação e educação dos filhos, à

construção do patrimônio familiar, à conquista de estabilidade econômica, o casal

encontra-se sozinho novamente.

Os conflitos não resolvidos pelo casal, durante as fases anteriores, nesta

podem vir à tona, pois a rotina revela que as preocupações e os afazeres não são

mais relacionados aos cuidados com os filhos, e sim na relação de um cônjuge com

o outro.

Os cuidados com a saúde podem significar “uma real preparação para um

melhor envelhecimento e o início da degeneração física” (CERVENY, 1997, p. 15).

Esse casal, por vezes, encontra-se sobrecarregado de preocupações, pois

seus pais começam a requisitar cuidados especiais com a saúde. Às vezes a morte

de um dos pais implica tanto a elaboração do luto, como um remanejamento familiar

para amparar o cônjuge viúvo.

Em muitas famílias, observamos que esses pais, agora avós, ajudam os filhos

nos cuidados para com os netos. Há casos, também, em que os avós assumem

totalmente a tarefa de cuidado e educação dos netos, geralmente em casos

especiais de divórcio ou doença, em famílias de progenitor único. O mais comum é

os avós ajudarem nos cuidados com as crianças, durante o período em que os pais

estão trabalhando.

Dois aspectos importantes marcam a fase última do ciclo vital da família:

ruptura e continuidade (SILVA, ALVES, COELHO, 1997).

A ruptura, representada pela aposentadoria promove, a perda dos vínculos e

da rotina determinada pela organização da vida a partir das atividades profissionais.

Em alguns casos também representa perda do poder aquisitivo. O casal passa por

uma reformulação na organização dos afazeres domésticos. Nos casais em que

apenas o marido trabalhava, esse momento pode ser permeado por profundas

transformações, pois o espaço do lar, dominado quase que exclusivamente pela

esposa, agora precisa ser dividido com o esposo. Não é raro que muitas discussões

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e indisposições aconteçam nesse período. As limitações físicas, por problemas de

saúde, colocam o casal na posição de necessitar de cuidado dos filhos.

A continuidade está relacionada à aquisição do papel de avós, que pode

significar a sobrevivência da espécie pela família. O encontro na intimidade do casal,

sem a mediação dos filhos, pode contribuir para um encontro mais prazeroso, na

medida em que ocorreram transformações no posicionamento individual decorridas

do amadurecimento de cada cônjuge (SILVA, ALVES, COELHO, 1997).

1.1.2 Mudando o foco da família para as pautas conversacionais

A inscrição da terapia familiar na pós-modernidade impulsionada pelo

construtivismo, que se apoiou na oposição à crença da objetividade e focalizou a

ambiguidade da experiência humana, apontou que os fragmentos dessa experiência

se tornam compreensíveis na medida em que passam por um processo de

organização, em que são atribuídos significados aos seus elementos constituintes.

O significado que os integrantes da família atribuíam aos problemas, às interações

que estabeleciam entre si e com o meio social é que deveriam ser trabalhados nas

sessões terapêuticas (NICHOLS, 2007). (grifo nosso)

Sobre as mudanças ocorridas na área da terapia familiar a partir dos anos

1980, Schnitman e Fuks (1996) ressaltaram que os estudos que até então se

centravam nas pautas de interação e na estrutura das famílias abriram espaço para

novas perspectivas que focavam a transversalidade da significação, a

generatividade comucacional na construção de marcos de sentido, de práticas e a

semiose social. Segundo a autora a sistêmica progressivamente centrou-se em:

1) o estudo dos contextos comunicacionais e interacionais com ênfase na pragmática; 2) o estudo das interfaces entre contextos expandindo-se até redes, cascatas generacionais, organizações, comunidades; 3) o estudo das construções narrativas por meio de modelos textuais e hermenêuticos; 4) o estudo da terapia como hipertexto com metáforas dialógicas abertas multidimensionais. (SCHNITMAN, FUKS,1996, p. 245).

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A direção tomada pelo campo da terapia familiar e das práticas sistêmicas na

pós-modernidade acabou organizando e originando as terapias sistêmicas

construtivistas e construcionistas sociais, que configuraram, por sua vez, os modelos

conversacionais, dialógicos ou narrativos. Estes modelos questionam os modelos

tradicionais que, partindo de modelos normativos, identificavam patologia e

disfuncionalidade (diagnósticos), que orientados pelas teorias clínicas, propunham

mudanças direcionadas à conquista de maior funcionalidade para o sistema familiar.

(GRANDESSO, 2000).

Assim como o construtivismo proposto por Von Glasersfeld (1984), o

construcionismo social, nomeado por Gergen (1985), também compartilhou da

posição de confronto tanto em relação à crença da possibilidade de conhecimento

objetivo da realidade, quanto da noção de linguagem como representação dessa

realidade. “Ambas as posições coincidem no papel construtivo do conhecimento e

da linguagem.(...) a auto-referência e a reflexividade atravessaram a construção do

conhecimento” (FRIED SCHINTIMAN,FUKS, 1996, p. 246).

Corroborando com o assinalamento de Fried Schnitman e Fuks (1996),

Grandesso (2000), a partir de uma análise profunda das posições construtivista e

construcionista, ressaltou as seguintes interfaces entre as epistemologias:

confrontam a certeza e a objetividade e enfatizam a natureza construtiva do

conhecimento; mantêm uma compatibilidade metodológica, em que o observador

age, experimentando o mundo como construção; o observador cria as distinções, as

quais denomina de realidade; confrontam a noção de mente enquanto dispositivo

para refletir a natureza; rejeitam a visão correspondista da linguagem como

representação iônica do mundo; reconhecem o contexto social como espaço em

que a realidade; rejeitam a concepção essencialista do self (GRANDESSO 2000, p.

104).

Sobre as divergências das posições construcionista social e construtivista, a

autora destacou as seguintes diferenças, apresentadas resumidamente no seguinte

quadro:

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Principais divergências entre o construtivismo

e o construcionismo social

Construcionismo social Construtivismo

- ênfaseà práticas sociais de intercâmbio

entre pessoas

- ênfaseà indivíduo biológico e psicológico

- “mundo da experiência” à construído nas práticas discursivas decorrentes dos processos microssociais

- “mundo da experiência”à construído pelos processos mentais

- mundo e menteà definidos como práticas discursivas sujeitos à contestação e à negociação

- mundo e mente à definidos como experiência individual, organizados pela cognição e suas operações

- ideias, lembranças e conceitosà derivados dos relacionamentos sociais

- ideias, lembranças e conceitosà derivados das operações mentais do individuo

- ação humanaà vinculada aos relacionamentos à ação conjunta (Shotter)

- ação humanaà vinculada aos processos intrínsecos do indivíduo

- funcionamento individual sujeito ao intercâmbio comum das práticas sociais

- funcionamento individual

sujeito ao determinismo estrutural (Maturana),

operando somente a partir de dentro de sua

organização sistêmica

- processo psicológicoà histórica e

culturalmente contingentes e não possessões

do indivíduo

- processo psicológicoà possessões do indivíduo

- aspecto enfatizado à discurso sobre a

experiência privada e sistemas linguísticos de

descrição

- aspecto enfatizado à crenças, esquemas e a priori cognitivos, organizados e expressos na linguagem

Original GRANDESSO, 2000 p. 103.

Sob a influência do construcionismo social se desenvolveu o conjunto

discursivo-narrativo, que propôs que a conversação e a coordenação entre as

pessoas geram processos constitutivos de identidade e mundos sociais. Fried

Schnitman (2004) ressaltou que esse grupo identifica a co-criação de significados e

ações através de e na comunicação e ação conjunta. O processo generativo é

alcançado a partir da compreensão e coordenação co-constitutivas de diálogos,

sentidos, narrativas e ações. A inclusão dos modelos textuais e hermenêuticos

viabilizou a inserção das dimensões simbólicas e intersubjetivas, possibilitando o

trabalho com a coordenação de sentido, incremento do empowerment,

reconstruções narrativas e recriações autobiográficas.

O conjunto epistêmico-interpretativo, desenvolvido a partir do modelo

construtivista, focalizou o processo de construção e interpretação do conhecimento e

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de crenças as quais, uma vez co-construídos familiar e culturalmente, podem ser

trabalhado, e, de acordo com seu potencial, é possível produzir coordenações

cognitivas e interpretativas alternativas e inovadoras. Assim, como esclareceu a

autora, “as propriedades dos problemas se deslocam para as propriedades dos

sujeitos-atores – cognoscentes-interpretativos-atuantes – em busca de soluções

para os problemas que levam as pessoas à consulta” (FRIED SCHNITMAN, 2004 p.

77). O trabalho realizado pelos integrantes desse conjunto é construído a partir das

competências conversacionais que permitem a compreensão das especificidades

dos diálogos que promovem mudanças ou estagnação.

Alguns terapeutas, segundo assinalou Fried Schnitman (1996), trocaram as

metáforas da cibernética pelas metáforas da hermenêutica. Harlene Anderson e

Harold Goolishian (1988) tomaram a conversação como a metáfora central da

terapia, sendo mobilizada pelos circuitos intersubjuntivos de diálogo. A metáfora

central para a terapia passou a ser a conversação.

A ênfase na construção dos significados e a maneira peculiar de os indivíduos

os atribuírem aos seus problemas se tornou o foco das terapias denominadas

colaborativas, pois foi demarcada uma posição igualitária entre terapeuta e

pacientes (GRANDESSO, 2000).

O terapeuta não mais ocupava o lugar de interventor que opera um sistema,

seja um indivíduo ou uma família, dirigindo-o a alguma meta idealizada como mais

funcional. Assumindo a condição de ser mais um que integra o sistema, o terapeuta

passou a atuar no sentido de co-participar do sistema terapêutico, “atuando para

uma transformação co-evolucionária, que conta com a surpresa e o imprevisível à

medida em que os sistemas produzem sua própria mudança” (GRANDESSO, 2000,

p. 131). Acrescentou ainda a autora que assim como a cibernética de segunda

ordem enquanto epistemologia se apresentou como construtivista, as terapias

originárias desses modelos passaram a ser chamadas de terapias sistêmicas

construtivistas, ou de terapias de segunda ordem.

Schnitman (2004) enfatizou que a terapia sistêmica ao se apoiar nas

perspectivas de autorreferência e reflexividade, assim como ao tomar o observador

enquanto agente de experimentação e criação da realidade, focalizou a

subjetividade e o sujeito em contexto, assim demarcando uma abordagem em que o

“si mesmo” e as relações são apreendidas simultaneamente.

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As metáforas de self e rede como processo possibilitam pensar intervenções

revestidas de busca e criatividade. Tais intervenções estão implicadas com aspectos

éticos e políticos, uma vez que envolvem os integrantes das trocas comunicativas

em uma situação de escolhas, opções, responsabização, eleição entre a antiga e

nova forma de identificar e compreender um dado aspecto da realidade.

As possibilidades cognitivas, afetivas e de ação se atualizam quando podem ser incorporadas em marcos geradores de sentido, novas práticas e novos contextos. (...) A emergência do self e dos ‘mundos possíveis’ pode voltar-se assim ao centro de processos singulares articulados ao redor da reflexão e da ação específica, e de aquilo que tem o potencial de produzir a dita emergência. Esta perspectiva restaura a ‘apropriação’ de um lugar ativo – o de sujeito em contexto – a partir do qual se pode operar sobre as próprias circunstancias e na dissolução de problemas e a criação de possibilidade (FRIED SCHNITMAN, 2004, p. 75).

A autora, ao abordar os diferentes modelos de terapia familiar, enfocou um

novo marco conceitual operativo e transversal para ser utilizado no trabalho com a

diversidade das situações que as famílias vivenciam: a perspectiva generativa, de

desempenho e transformadora que podem ser identificadas em qualquer um dos

modelos. Na perspectiva generativa, as intervenções se orientam no sentido de

ampliar e potencializar o número de opções disponíveis para a família. Sobre a

perspectiva de desempenho, há o foco sobre o exame da maneira como a

comunicação possibilita e fortalece formas viáveis de ação. A perspectiva

transformadora se refere à maneira como os integrantes das conversações

reconhecem as inovações que operam, reconhecem a si próprio e aos demais como

produtores de conhecimento e ações, empoderando-se de seu poder pessoal.

A terapia familiar, pode a partir da ênfase na compreensão dos sistemas

humanos como geradores de significação, ser entendida como uma prática social

em que é oferecida a indivíduos, famílias e comunidades uma oportunidade de

envolver-se de maneira ativa na construção de sua realidade. No espaço

terapêutico, emerge a possibilidade de explorar competências antes ignoradas, que,

por sua vez, atuam na construção de novas possibilidades. A reflexão sobre esse

processo criativo vai implementando a capacidade de criação de novos horizontes

de possibilidades, característicos de um processo recursivo (SCHNITMAN, 2004).

A partir dessa breve descrição das mudanças que ocorreram na área da

terapia familiar sistêmica, podemos identificar como os problemas humanos foram

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sendo abordados de maneira peculiar em distintos momentos desse processo de

desenvolvimento. A mudança do foco na família enquanto lócus dos problemas para

o foco sobre as conversações entre os indivíduos como construtoras e

mantenedoras de problemas, abriu espaço para reflexões sobre as conversações

que ocorrem em diferentes pontos do contexto social, nos quais os integrantes das

famílias interagem. O trabalho em rede, em comunidade, com segmentos

específicos dos serviços de saúde, vem se desenvolvendo baseado, nesses

mesmos princípios que orientaram as práticas em terapia familiar sistêmica a partir

dos anos de 1980.

Esclarecemos finalmente, que adotamos o pensamento sistêmico novo

paradigmático descrito por Vasconcellos (2006) como referencial teórico desta

pesquisa. Esse referencial ao contemplar “o paradigma da complexidade do

universo, em todos os níveis; o paradigma da instabilidade ou da auto-organização

dos sistemas; o paradigma do construtivismo, ou da construção subjetiva da

realidade” nos proporciona fundamentos teóricos apropriados para a abordagem do

nosso problema de pesquisa que se constitui da investigação sobre as crenças e

expectativas, dos integrantes do sistema escolar e do sistema familiar, tanto na

identificação dos problemas que se expressam como queixas escolares como na

condução das ações orientadas a para resolução desses problemas.

Orientados pela crença na intersubjetividade, na complexidade e na

imprevisibilidade, buscamos verificar se a partir da apresentação de novas formas

de pensar e abordar problemas de indivíduos e de famílias é possível desenvolver

nos integrantes da comunidade escolar uma visão mais ampla sobre os problemas

que ocorrem com os alunos no contexto escolar, ou seja uma percepção de

problema que não tenha: como principio o diagnostico das “disfunções da crianças

ou de seu grupo familiar”; como propósito o encaminhamento tanto da criança como

de sua família para especialistas que teriam a função de transformação da

performance da criança ou adolescente na escola.

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2 FAMÍLIA - AS DIFERENTES FORMAS DE ORGANIZAÇÃO AO

LONGO DO TEMPO

Como o foco deste trabalho envolve a família, a escola e a relação

estabelecida entre estes dois subsistemas sociais, acreditamos ser necessário

apresentar a concepção de família sobre a qual nos referimos.

Falar de família requer, pelo menos, dois cuidados iniciais: o primeiro é

reconhecer o desenvolvimento que esse sistema foi operando ao longo do tempo; o

segundo é explicitar as diferentes configurações que a família vem assumindo na

atualidade.

2.1 Aspectos históricos da constituição do grupo familiar

Inicialmente, destacamos a questão do desenvolvimento desse subsistema

social enquanto uma instituição, pois a família de que falamos hoje, composta por

pai, mãe e filhos, nem sempre teve essa mesma composição. Essa família nuclear

conjugal moderna pode ser compreendida como o resultado da relação recursiva

com os demais subsistemas sociais em desenvolvimento.

Ao discorrer sobre a história da família, Poster (1979) ressalta que esse

processo deve ser compreendido como descontínuo, não linear e não homogêneo.

Faz referência a quatro modelos de família do século XVI até o começo da

Revolução Industrial. Descreve a família aristocrática e a família camponesa dos

séculos XVI e XVII, a família burguesa de meados do século XIX e as famílias das

classes trabalhadoras da primeira metade do século XIX. O argumento central de

suas análises é que “a família moderna nasceu no seio da burguesia da Europa (...)

a burguesia desenvolveu uma forma de família em nítido contraste com a da

aristocracia e a do campesinato” (POSTER,1979, p49.). Assinala com veemência

que a família atual apresenta, em sua constituição, uma mistura de elementos

históricos, porém destaca as características predominantes da família burguesa na

família moderna.

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Ainda com relação a mudanças históricas no conceito de família, vale

distinguir o conceito de público e privado. Galano (2006) ressaltou que a distinção

entre o público e o privado é um fenômeno recente na história. Durante a Idade

Média, na Europa, a vida política e social organizava as relações de trabalho e de

consanguinidade, assim os homens se reuniam em clãs, fraternidades, linhagens,

formando grupos com características corporativas. Tanto a aristocracia, como os

menos favorecidos se apoiavam mutuamente no sentido do cuidado comunitário.

Os indivíduos transitavam em um espaço que não se definia nem como

público nem como privado, a vida transcorria entre ações de solidariedade senhoral

estabelecida entre as linhagens e os vínculos de vassalagem (GALANO, 2006).

As casas da aristocracia refletiam em sua grandiosidade o poder que o

senhor exercia sobre os campesinos. Nela transitavam dependentes, parentes,

clientes e criados em fluxo continuo entre os cômodos que não guardavam qualquer

privacidade. As relações estabelecidas entre os membros da casa eram organizadas

a partir de uma hierarquia que ditava normas rígidas para o desempenho de papéis

e funções especificas. A rotina da família aristocrática, segundo Poster (1979,

p.56..), se dava em “uma roda viva de trocas publicas, cujo centro era o status da

casa e não a unidade conjugal”.

Sobre os cuidados com as crianças, o autor ressaltou que eram os

agregados e empregados que se ocupavam delas, amamentadas por amas de leite,

mantinham pouco contato com os pais, não se constituíam assim em objeto de amor

e afeição. A vida emocional da criança se desenvolvia mediante interação com uma

rede de adultos que não mantinham com ela qualquer investimento afetivo. O mais

importante na criação dos infantes era a aprendizagem da obediência à hierarquia

social.

As famílias dos campesinos dependiam da unidade da aldeia para

sobrevivência. Assim, apesar de contarem com um numero reduzido de integrantes,

mantinham relações intensas com o meio social. A autoridade social vinha da figura

dos senhores de terra e dos representantes da Igreja e os costumes que

organizavam a rotina se fundamentavam nas tradições que eram transmitidas nas

interações sociais (POSTER, 1979).

Sobre as crianças campesinas, o autor ressaltou que eram cuidadas pelas

mães que contavam com o apoio das mulheres mais velhas ou das meninas da

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aldeia. As práticas de cuidado eram realizadas com pouco envolvimento emocional.

As crianças a partir dos sete anos eram enviadas a outra casa para a aprendizagem

de atividades diversas, assim desenvolviam a noção de que deveriam depender da

comunidade para sobreviverem, não dos pais. Circulando entre os adultos e

participando de todas as atividades, as crianças deveriam assimilar os valores e

costumes das tradições culturais e religiosas da aldeia.

Com o passar do tempo, assinalou Galano (2006), essas organizações foram

ganhando novas configurações, e a luta para ampliar e manter o território deu

origem a uma nova organização dos indivíduos. Foram formados os feudos que

eram defendidos pelos senhores e guerreiros e assim também uma nova ordem de

poder político e econômico se formava – a nobreza.

Composta de artesões, camponeses, religiosos, soldados, chefes, lideres

militares e os excluídos, a sociedade rural que se formou mantinha os laços entre os

indivíduos através da honra, lealdade ao rei e moralidade religiosa. A integração ao

clã ou linhagem oferecia aos indivíduos a vivencia de família da época e se

sustentava pela articulação de patrocínio e apoio político que asseguravam a

manutenção da unidade e da estrutura social. Os casamentos, exogâmicos,

destinados à manutenção da patronagem, aconteciam por meio da união das filhas

dos senhores com homens de extrato social inferior. O acesso à escrita só ocorria

aos integrantes do clero e da nobreza, e os valores e a moral fundamentados no

cristianismo eram transmitidos quase que integralmente de forma oral

(GALANO,2006).

As práticas coletivas e comunitárias, ressalta a autora, foram ao poucos

dando lugar a uma nova forma de organização social. A unidade social promovida

pela manutenção dos valores e da obediência aos desígnios da Igreja foi quebrada

pelo movimento protestante que instaurou um novo foco de referência reflexiva;

nesse sentido, a valorização do homem suplantou a valorização de Deus, assim o

novo refúgio dos indivíduos começou a ser construído dentro do espaço familiar, o

sagrado dá lugar à família e ao indivíduo.

Os casamentos consanguíneos surgiram como tentativa de manutenção do

poder das grandes famílias, que passaram a agenciar as uniões de suas herdeiras,

ou as mulheres eram levadas a casar com os homens que pudessem garantir ou

avolumar o patrimônio familiar, ou eram encaminhadas para os conventos.

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As aventuras para além das fronteiras terrestres com o intuito de conquista de

novos territórios e fortalecimento do comércio levaram portugueses, espanhóis,

holandeses e ingleses ao encontro das terras que se constituíram em suas colônias.

Nasceu assim o Brasil, no período colonial, que constituiu seu povo a partir da

integração de nativos, portugueses e africanos, que se organizou em uma sociedade

agrária, híbrida e escravocrata (GALANO,2006).

A colonização do Brasil, polarizada na Bahia e Pernambuco, se desenvolveu

através do plantio da cana de açúcar, e, em São Paulo e Minas, pelavoltadas a

plantação de café. Tal colonização, foi feita com a integração dos viajantes que aqui

chegavam sem suas famílias, com os povos indígenas, e posteriormente, com os

negros trazidos da África. A autora ressaltou que as portas da colônia eram abertas

aos estrangeiros, desde que fossem católicos.

Ainda que a convivência entre portugueses e negros fosse organizada numa

relação social mantida pelo regime da escravidão, dentro da “casa grande” as raças

se misturavam, configurando um espaço de intercâmbio cultural e alterando as

relações sociais.

Ressaltamos que a partir desse período histórico, duas grandes questões

começaram a se impor às sociedades e às famílias: a manutenção da saúde e a

promoção da educação das crianças. Como o interesse de nossa pesquisa está

voltado para a intersecção desses dois campos, discorremos mais detalhadamente

sobre eles em capítulos distintos.

No século XVIII, grandes revoluções implementaram profundas

transformações políticas e econômicas que culminaram na crescente urbanização e

na estratificação social das sociedades. O surgimento das Repúblicas na Europa e a

ascensão e fortalecimento da burguesia consolidaram: o desenvolvimento da

sociedade industrial urbana, o estabelecimento do livre comércio, garantia da

igualdade dos indivíduos e muitas outras condições que demonstravam mudanças

definitivas na organização social (GADOTTI, 2003).

A família burguesa veio se formando desde o final da Idade Média e início da

Renascença no espaço urbano, com um padrão demográfico que aponta para a

restrição cada vez maior do número de filhos. A definição moral da família burguesa

se deu por meio da oposição à promiscuidade do proletariado e da sensualidade da

nobreza, constituindo-se em uma classe que se considerava dotada de virtuosa

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renuncia. Os casamentos na sociedade burguesa inicialmente consolidavam

interesses financeiros e sociais, porém posteriormente, a partir da escolha dos

próprios cônjuges em razão do amor romântico, consolidou a moral de união

definitiva dos esposos, conforme também preconizava a Igreja Católica. Em

oposição à hostilidade do mundo das relações sociais permeadas pela competição

imposta pelo capitalismo, a família foi se desenvolvendo como um espaço de

relações afetuosas, intimas e cordiais (POSTER, 1979).

A sexualidade foi rechaçada da família burguesa, e a interação entre os

membros das famílias se dava a partir de papéis bem definidos. As mulheres

chegaram a ser consideradas como seres assexuados, angelicais, dependiam da

posição social e econômica de seus maridos, a elas cabiam os afazeres domésticos,

o cuidado amoroso e a orientação dos filhos. Os esposos cumpriam a função

provedora e exercia a autoridade na família, podendo que sua sexualidade ser

também vivida com prostitutas (POSTER, 1979).

A criança de idade pré-escolar da família burguesa não se relacionava com

outras crianças, seu contato era estabelecido com um número reduzido de adultos

que circulavam pelo espaço da família e as normas de interação entre pais e filhos

deixaram de ser estabelecidas pelos valores e costumes da comunidade e passaram

a ser ditadas pelos livros e revistas especializadas, causando, segundo Poster

(1979), um colapso das normas tradicionais.

O desenho mais restrito na forma de constituição da família possibilitou o

desenvolvimento dos sentimentos de individualidade, privacidade e intimidade que,

como ressaltou Galano (2006), se tornaram imperativos da ideologia burguesa. Essa

família menos numerosa acabou reconhecendo as particularidades das crianças,

que passaram a ser valorizadas, cuidadas e educadas. Nasceu então o que hoje

identificamos como sentimento de família e o reconhecimento de infância.

A invenção da imprensa, daí o acesso aos livros fora do espaço controlado

pela Igreja, abriu caminho para a ascensão de novos valores que foram

disseminados através: da nova classe social dominante, a burguesia que assumiu o

encargo de ditar as novas regras para orientar a interação entre as pessoas; dos

cientistas, que propunham explicações objetivas da realidade; dos escritores, que

criavam os modelos de heróis humanos. Dessa fase, ressaltou Galano (2006), uma

nova classe de excluídos se formou – os analfabetos.

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O desenvolvimento da indústria e do comércio não foi suficiente para absorver

o grande número de migrantes que deixaram a vida do campo em busca de novas

práticas laborais. As cidades não contavam com estrutura suficiente para integrar a

todos, assim dando início à formação de agrupamentos de pessoas, que perderam o

contato e a referência com suas comunidades, estabelecendo-se ao redor dos

centros urbanos, e formando um cinturão de pobreza sem coesão social

(GALANO,2006).

A estrutura das famílias dos trabalhadores urbanos, segundo Poster (1979),

se desenvolveu sob condições de angústia social e econômica. Inicialmente o grupo

de trabalhadores mantinha relações próximas entre si, principalmente no que diz

respeito às mulheres. Elas mantinham intenso contato e se apoiavam no cuidado

das crianças com a ajuda das avós. Os homens se relacionavam com maior

proximidade nas fábricas e nos bares. As crianças mais velhas, por vezes,

acompanhavam os pais no trabalho, porém, chegando a juventude, se emancipavam

dos domínios da família, integrando-se a grupos de iguais que muitas vezes, pelos

infortúnios que causavam, foram reconhecidos pelas classes dominantes como

“delinquentes juvenis”.

A burguesia industrial propiciou o espaço para o desenvolvimento e o

estabelecimento da classe dos empregadores e dos empregados, e estes últimos, a

partir da organização de classe fizeram emergir uma nova figura de poder, os

sindicalistas. O poder político, outrora transmitido pela herança familiar, naquele

momento, passou a ser disputado com os representantes das classes operárias

(GALANO, 2006).

O espaço de trabalho se distanciou do espaço de moradia, o espaço

doméstico, privado, revestido de romantismo se constituiu no contexto em que o

carinho e a atração sexual poderiam ser vividos. Distinto, o espaço da coletividade

reunia e requeria relações entre indivíduos sem qualquer proximidade emocional.

Uma nova organização dos laços afetivos se estabeleceu a partir da nítida

separação entre o público e o privado. A família, no modelo burguês, da Idade

Moderna, constituída por pais e filhos, se manteve como um grupo solitário, distante

das interações sociais que anteriormente estabelecia com a comunidade (GALANO,

2006).

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As esposas das classes trabalhadoras que por muito tempo ainda

preservaram o contato com a comunidade passaram a permanecer isoladas nos

lares, os esposos também se recolheram ao ambiente doméstico, e ambos

centraram seus interesses nos filhos e no futuro (POSTER, 1979).

Os costumes e hábitos de cuidado e higiene burgueses disseminados foram

assumidos pela família dos níveis superiores da classe trabalhadora, assim como a

estrutura de autoridade e amor durante a primeira fase de desenvolvimento das

crianças. Poster (1979) ressaltou que importantes setores da classe trabalhadora

“reconheceram a legitimidade moral da burguesia ao adotar a sua estrutura de

família” (POSTER, 1979 p. 214).

A interação da família com os jovens também foi altamente modificada a partir

do reconhecimento da adolescência como um período preparatório para o exercício

das funções que deveriam ser assumidas na vida adulta. A valorização do estudo e

do trabalho para a conquista de status levou a família a exigir cada vez mais

envolvimento dos jovens com seu futuro (GALANO, 2006).

Ao finalizar a abordagem da história da família, Galano (2006) ressaltou dois

momentos não tão distantes que merecem destaque em nossa apreciação. Da Idade

da pós-moderninade, que teve inicio a partir dos anos 60-70 do século passado, na

revolução cultural ocorrida na Europa e Estados Unidos, a autora destacou que os

estudos em diversas áreas demonstravam a ineficiência do discurso moderno

juntamente com seus paradoxos e contradições. Uma sociedade marcada pela

obrigatoriedade do consumo viu nascer nos anos de 1960 e 1970 uma sociedade

alternativa, constituída de naturalistas, hippies, ativistas de esquerda, os

homossexuais, as feministas que lutavam por direitos, e todos aqueles que se

opunham à sociedade de consumo.

O desenvolvimento dos métodos contraceptivos possibilitou aos casais a

vivência da experiência sexual distante do risco de gravidez, mobilizados pelo

desejo passaram a valorizar o prazer sexual. Os laços emocionais que se

estabeleciam nas relações afetivas eram frouxos, instaurando a ética relacional do

não compromisso em que é valorizada apenas a vivência do momento (GALANO,

2006).

A inconstância das relações e a fragilidade dos vínculos afetivos, segundo a

autora, desencadearam tanto o aumento do número de divórcio como o

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estabelecimento de novas formas de união, a saber: lares monoparentais, famílias

reconstituídas, homoparentalidade.

Nos anos de 1990 do século passado, o fenômeno da globalização da

informação delimitou, segundo Galano (2006), a Idade Cibernética. A autora citando

Piscitelli (2005) ressaltou que, a partir da invenção da World Wide Web (WWW),

uma nova era se configurou, pois instaurou a possibilidade de comunicação, por

vezes em tempo real, de milhões de usuários independente de nacionalidade, etnia,

gênero e religião. Novas possibilidades de viver e se relacionar foram possíveis a

partir do desenvolvimento das novas tecnologias: o hipertexto e a virtualidade.

As novas tecnologias promovem novas formas de viver e se relacionar aos

indivíduos, influenciando sobremaneira no estabelecimento e na manutenção dos

vínculos familiares.

2.2 Considerações sobre particularidades do grupo familiar na

atualidade

Não podemos contestar que essa família conjugal nuclear, criada com base

no amor romântico, voltada aos cuidados dos filhos e com o firme propósito de

conquistar uma rotina de bem-estar para todos, habita em nossa mente. Nós,

terapeutas familiares, muito temos nos dedicado para distinguir essa família

idealizada das famílias reais, que povoam e constituem nosso meio social.

Hoje, a diversidade de arranjos forjados pelas mudanças sociais, culturais e

econômicas dá uma nova imagem da constituição da família, ainda na grande

maioria nuclear, mas não necessariamente composta pelo pai, mãe e filhos. Ao lado

das famílias compostas por pai, mãe e filhos, temos encontrado: crianças

convivendo com apenas um dos progenitores, que pode ou não contar com a

presença de avós, tios ou outro parente; avós que assumem a criação dos netos, em

função da ausência de ambos os pais; famílias recasadas; famílias sem filhos,

famílias homossexuais; e famílias em que os filhos mais velhos assumem sozinhos

os cuidados com os mais novos entre outros. Esses arranjos não só podem

desempenhar as funções protetoras da integridade física e mental dos integrantes

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do sistema familiar, como também promover as trocas com o meio social

necessárias ao desenvolvimento da família e de cada um (VICENTE , 2004;

GALANO, 2006).

Alguns fenômenos podem ser destacados sobre as novas formas de

organização da família. Da família em que houve divórcio, pode-se destacar a

multidomiciliaridade dos filhos, ou também o retorno do filho adulto, que se divorciou

para a casa dos pais. Também houve um aumento significativo no número de

pessoas que vivem sozinhas.

Segundo uma visão da sociologia, Singly (2007) observou o declínio da

instituição do casamento, a aceitação social do divórcio e a diminuição do número

de filhos como elementos que assinalam as mudanças que vêm ocorrendo no grupo

familiar na atualidade. O autor em seus estudos ressaltou a dependência em relação

ao Estado, a independência da família extensa como especificidade da família

burguesa contemporânea, que traz consigo características de ser pública e privada,

relacional, individualista e com demandas de horizontes intergeracionais. As

relações estabelecidas no interior da família se dão de forma menos hierárquica,

isso ocorre tanto nas relações conjugais, quanto nas relações estabelecidas entre

pais e filhos. As funções de reprodução biológica e social assumidas pelas famílias

antigas ainda se mantêm na família contemporânea.

Da área da terapia familiar, algumas mudanças foram assinaladas por

Cerveny (2012) sobre a família brasileira em conformidade com o desenvolvimento

das famílias de outros continentes. Em função dos recursos médicos e de atenção á

saúde, os indivíduos vivem mais tempo. A família que perdia seus membros mais

rapidamente, atualmente, se adapta para integrar relações mais duradouras com

seus idosos. Como resultado dessa transformação na família, pode-se apreender,

por um lado, um movimento de articulação entre três gerações com demandas

distintas em um grupo familiar. Essa família tem se mobilizado para construir ações

de cuidado com a saúde física e mental do idoso praticamente sem contar com o

apoio social adequado, apesar de ser expressivo o movimento do Estado na criação

de órgãos e políticas públicas que possam dar conta das demandas específicas das

necessidades dessa população. Por outro lado, é relevante assinalar que o idoso

atualmente não desempenha apenas um papel passivo, mas ao contrário, com uma

manutenção de boa condição física e mental, contribui efetivamente no desempenho

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de tarefas domésticas e apoio no cuidado com os netos. O idoso, contribui ainda

economicamente, principalmente na famílias mais pobres, em que a sua

aposentadoria muitas vezes significa a maior renda familiar.

Outro fenômeno identificado por Cerveny (2012), nas camadas médias e altas

da população, é a maior permanência de filhos adultos (com idade entre 25 e 35

anos, inseridos no mercado de trabalho, detentores de condições para sustento

próprio, graduados e pós-graduados) na casa paterna – os filhos cangurus. A autora

ressaltou que a permanência desses filhos na casa paterna, por sua vez, beneficia o

acúmulo de recursos financeiros e de instrumentação profissional para os filhos e,

ao mesmo tempo, oferece aos pais o alívio do estresse do contato com o “ninho

vazio”, fase que pode possibilitar a emergência de conflitos para o casal. De

qualquer forma, pais e filhos ainda se vêem envolvidos na construção da conquista

de um posicionamento profissional diferenciado.

Bauman (2013), ao refletir sobre as atuais dificuldades de entrada no

mercado de trabalho de jovens extremamente bem qualificados, explica que, em

gerações anteriores, as expectativas dos pais em relação ao acesso e

desenvolvimento profissional dos filhos eram ascendentes. Ou seja, esperavam que

os filhos, mais qualificados, iniciassem suas carreiras a partir do ponto que eles

(pais) haviam alcançado. Atualmente essas expectativas não mais se sustentam,

pelo menos, no continente europeu, as expectativas ao contrário, a partir da

constatação das restritas oportunidades de emprego são descendentes, ou seja, os

filhos, quando empregados, ocupam postos menos qualificados que os pais da

hierarquia ocupacional.

Finalizando nossa abordagem sobre as distintas características que o grupo

familiar veio assumindo ao longo do tempo, ressaltamos a importância de não só

levar em consideração os aspectos históricos e contextuais em que as famílias e

suas características são definidas, mas também, acima de tudo, observar que cada

família é única, com sua singularidade.

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3 A EDUCAÇÃO PENSADA A PARTIR DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS

A revisão de um processo histórico tem sido um caminho bastante eficiente

na busca para alcançar um maior entendimento sobre os eventos atuais. Para

melhor compreender os problemas que a população brasileira enfrenta em relação à

educação, abordamos de forma sucinta os aspectos históricos das ideias

pedagógicas, desde os povos primitivos até a atualidade, destacando o

desenvolvimento dessas ideias no Brasil.

Dessa forma, esperamos alcançar um entendimento contextualizado das

dificuldades encontradas pelas crianças e adolescentes na interação com o sistema

escolar durante seu processo de escolarização.

3.1 As primeiras ideias

A educação dos povos primitivos se deu de maneira similar umas das outras,

mantendo como características comuns a influência da tradição e o culto aos mais

velhos sob a responsabilidade da própria comunidade. Ainda que a organização

social determinasse os sujeitos,aos quais a educação seria oferecida, ainda não

havia a escola como uma instituição formal, pois segundo Gadotti (2003), o

desenvolvimento e a estruturação dessas doutrinas pedagógicas se deram a partir

da emergência da sociedade de classes.

A escola, como instituição formal, surgiu como resposta à divisão social do trabalho e ao nascimento do Estado, da família e da propriedade privada [...] Com a divisão do trabalho, onde muitos trabalham e poucos se beneficiam do trabalho de muitos, aparecem as especialidades: funcionários, sacerdotes, médicos, magos, etc.: a escola não é mais a aldeia e a vida, funciona num lugar especializado onde uns aprendem e outros ensinam (GADOTTI, 2003, p. 23).

O autor ainda ressaltou que a escola da atualidade surgiu com a

hierarquização e a desigualdade econômica provocada pela apropriação de tudo

aquilo que excedia na produção das comunidades primitivas. Assim, afirmou Gadotti

(2003, p.23): “a história da educação, desde então, constitui-se num prolongamento

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da história das desigualdades econômicas”. O saber extraído dos indivíduos da

comunidade passa a ser administrado por apenas alguns sujeitos que por meio da

educação produziam e mantinham a dominação e a obediência.

O surgimento das universidades no século XIII foi impulsionado pela evolução

das escolas monásticas, pela organização gremial da sociedade e pelo vigor da

ciência trazida pelos árabes. Essas instituições, que se constituíam em centros que

buscavam a universalidade do saber, ofereceram aos burgueses que surgiam no

final da Idade Média as oportunidades que eram possíveis apenas aos nobres e aos

integrantes do clero. Ainda que alguns historiadores sustentem que as universidades

medievais se caracterizavam por ser menos elitistas e mais populares do que as

universidade humanistas e aristocráticas do Renascimento, foi constatado“que o

saber universitário aos poucos foi se elitizando, guardado em Academias, submetido

à censura da Igreja e burocratizado pelas Cortes” (GADOTTI, 2003, p. 56).

As características do Renascimento que encontramos no pensamento sobre

educação se constituiu como um sinal de protesto às orientações do Estado-Igreja

medieval, surgindo como um germe da educação moderna e leiga (GADOTTI, 2003;

PILETTI, PILETTI, 1995).

A oposição de alguns líderes religiosos àquilo que foi percebido como abuso

da autoridade papal, resultou na reforma protestante considerada a primeira grande

revolução burguesa, iniciada por Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano

nascido na Alemanha. (GADOTTI, 2003;PILETTI, PILETTI, 1995).

Embora o foco predominante da reforma protestante estivesse voltado para

as questões religiosas, foram desestabilizados todos os aspectos constituintes

daquelas sociedades, pois mobilizaram transformações nos níveis econômicos,

político e social:

A expansão marítima e comercial fortaleceu a burguesia europeia, interessada na reforma religiosa que lhe desse mais liberdade de ação: para os protestantes os homens não se justificavam pelas obras – controle das extremamente pelo clero -, mas pela fé, que é íntima e individual. A partir do protestantismo, os lucros deixaram de ser condenados e passaram a ser vistos como expressão da vontade de Deus e prova de sucesso na vocação escolhida pelo individuo, o que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Com a queda do feudalismo e o surgimento dos Estados centralizados, o poder real entrou em conflito com a Igreja. Em sua luta contra os obstáculos por ela criados com relação ao fortalecimento do poder dos reis, estes se viram apoiados pelos reformadores protestantes. O renascimento cultural desenvolveu uma cultura centralizada no homem, e não mais em Deus, e

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favoreceu o surgimento do espírito critico e do individualismo, aspectos ligados às ideias protestantes.(PILETTI, PILETTI, 1995, p. 74).

A reforma protestante teve como principal consequência à educação a

transferência da escola para o controle do Estado, ao invés de ficar sob a regência

da Igreja. Nos países protestantes se desenvolveu a escola pública religiosa, que

tinha como base o ensino da língua pátria, do canto e da religião, oferecida

prioritariamente às classes superiores burguesas, mas às classes populares

deveriam ser apresentados apenas os ensinamentos da doutrina cristã reformada

(GADOTTI, 2003).

Piletti e Piletti (1995) destacaram que vários Estados da época deram início à

organização de sistemas próprios de ensino, assumindo o controle de antigas

escolas monacais e paroquiais.

A reação da Igreja Católica às investidas dos protestantes na educação se

concretizou mais especificamente através da criação da Companhia de Jesus, que

se constituiu em uma nova ordem religiosa, que priorizava a atenção ao ensino. Os

jesuítas, dedicados mais intensamente à educação de líderes, dispensaram pouca

atenção à educação elementar e propunham dois tipos de escolas: os colégios

inferiores (ginásios) e os colégios superiores (universidades e seminários de

teologia). O êxito dos jesuítas na educação da juventude foi resultado da preparação

cuidadosa de professores somados às particularidades do método de ensino

utilizado (PILETTI; PILETTI, 1995).

Os jesuítas atuaram no mundo colonial em duas frentes: na formação

catequética das populações indígenas e na formação burguesa dos dirigentes, fato

que significava: “a ciência do governo para uns, a catequese e a servidão para

outros. Para o povo sobrou apenas o ensino dos princípios da religião cristã”

(GADOTTI, 2003, p. 65).

Durante os séculos XVI e XVII uma nova e influente classe social, a

burguesia, surgiu e ascendeu. Esta nova classe que se opunha ao modo de

produção feudal, impulsionou, transformou e centralizou os novos meio de produção,

dando início a um sistema de cooperação, a produção deixava de ser realizada a

partir de atos isolados e passando a se constituir em um empreendimento coletivo.

(GADOTTI, 2003).

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De acordo com o autor, todo o conhecimento até então alcançado era

considerado como suspeito. O homem nessa época se lançou ao domínio da

natureza desenvolvendo técnicas, arte e estudos em diversas áreas: biologia,

medicina, física, matemática, astronomia.

Segundo PilettiePiletti(1995), a transição da Idade Média para a Idade

Moderna foi marcada por inúmeras e profundas transformações sociais, políticas,

culturais e religiosas. Ao lado do desenvolvimento do mercantilismo, fase inicial do

capitalismo, que promoveu o desenvolvimento da burguesia, desenvolveu-se

também: a ciência moderna que possibilitou a realização de inúmeras invenções; a

política com a formação do Estado moderno, apoiado pelo poder absoluto dos reis e

da classe aristocrática; e a religião, com a reforma protestante, que impulsiona a

reforma na Igreja Católica. A educação influenciada por essas mudanças, “tanto em

suas ideias orientadoras quanto em seus fatos escolares, não poderia deixar de

interagir com essas transformações, mais no sentido de sofrer sua influência do que

atuando em sua ocorrência”(PILETTI; PILETTI, 1995, p. 72).

Já próximo ao final do século XVIII, surge o Iluminismo, movimento que reuniu

intelectuais rebelados contra a ordem absolutista de organização política e social

que era controlada pelo Estado e pela Igreja. Esses pensadores, filósofos, também

chamados de enciclopedistas (por compartilharem das ideias liberais contempladas

na obra de Diderot e D'Alambert – A Enciclopédia), desenvolveram um discurso

voltado à racionalidade em defesa das lutas e a favor das liberdades individuais.

Suas ideias sobre a liberdade intelectual e a independência do homem influenciaram

sobremaneira as sociedades da época, que acabaram se posicionando contra o

obscurantismo da Igreja e a permanência dos governantes (GADOTTI, 2003).

Gadotti (2003) destaca Jean-Jacques Russeau (1712-1778), dentre os

iluministas, como o pensador que instaurou uma nova fase na história da educação.

Segundo o autor:

Ele se constituiu no marco que divide a velha e a nova escola. Suas obras, com grande atualidade, são lidas até hoje. Entre elas citamos: Sobre a desigualdade entre os homens, O contrato social, e Emílio. Rousseau resgata primordialmente a relação entre a educação e a política. Centraliza, pela primeira vez, o tema da infância na educação. A partir dele, a criança não seria mais um adulto em miniatura: ela vive em um mudo próprio que é preciso compreender; o educador para educar deve fazer-se educando de seu educando; a criança nasce boa, o adulto com sua falsa

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concepção de vida, é que perverte a criança (GADOTTI, 2003, p. 87, grifo do autor).

A educação, na concepção de Rousseau, não deveria se ocupar apenas de

instruir as crianças, mas deveria permitir que a natureza nelas desabrochasse, em

função disso, não se deveria lançar mão de recursos de repressão, mas ao

contrário, apoiado pela teoria da bondade natural dos homens, propunha a ideia de

que os instintos e os interesses naturais das crianças deveriam assumir a direção

dos estudos. Rousseau propunha três momentos distintos para a educação: a

infância (idade da natureza, até os 12 anos), a adolescência (idade da força, da

razão e das paixões, dos 12 aos 20 anos) e a maturidade (idade da sabedoria e do

casamento, dos 20 aos 25 anos) (GADOTTI, 2003).

No século XVIII, foram realizados grandes esforços da burguesia no objetivo

de estabelecer um controle civil da educação, a finalidade era alcançar a disposição

institucional do ensino público nacional ainda que permeado pelo recém poder

emergente da sociedade econômica. A Revolução Francesa levou em conta as

exigências populares na elaboração de diversos projetos de sistema educacional,

sendo que o de maior relevância foi proposto por Condocert (1743-1794) que:

reconhecia que as mudanças políticas deveriam ser acompanhadas de reformas no

ensino e ressaltava a necessidade de implementar a educação feminina e

acreditava que o ensino universal era entendido como um meio para se extinguir a

desigualdade entre os homens.

As ideias de Rousseau se tornaram precursoras da escola nova, e

influenciaram sobremaneira os educadores da época, são eles: Froebel (1782-

1852), cujo interesse esteve voltado para a criança, propôs a ideia de que a criança

se desenvolvia a partir de uma atitude espontânea (jogo) e uma atividade construtiva

(trabalho manual), considerava o brincar como uma forma de autoexpressão e a

linguagem como a primeira forma de expressão social, foi o idealizador do jardim da

infância. Pestalozzi (1746-1827) acreditava que a reforma da sociedade se daria a

partir da educação oferecida às classes populares. Criou um instituto para cuidar e

educar crianças órfãs e desenvolvia um trabalho educativo voltado ao contato direto

da criança com o ambiente, seguindo gradualmente o método natural de cada um.

Apesar de não ter tido muito sucesso em seu projeto, suas ideias são

reconhecidamente respeitadas até hoje. Herbart (1776-1841), professor

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universitário, considerado como um dos pioneiros nos estudos da psicologia

científica,propôs quatro passos formais para o desenvolvimento do processo de

ensino (etapa da demonstração do objeto, etapa da comparação, etapas da

generalização e etapa da aplicação). Acrescenta ainda o autor: “Os objetivos

deveriam ser apresentados mediante os interesses dos alunos e segundo as

diferenças individuais, por isso seriam múltiplos e variados” (GADOTTI, 2003, p. 92,

grifo do autor).

Na segunda metade do século XVIII, as três grandes revoluções burguesas

(Revolução Industrial, Revolução Americana e Revolução Francesa) implementaram

grandes transformações na vida social, política e econômica, além de ter grande

influência nas mudanças na educação da época. A produção em fábricas, o trabalho

assalariado, o desenvolvimento da sociedade industrial urbana, o rompimento do

pacto colonial, a independência das colônias, o estabelecimento do livre comércio, a

igualdade perante a lei, a garantia de direito dos governados, princípio que garante

que o poder dos governos depende do consentimento dos governados, liberdade e

tantas outras condições atestavam a mudança definitiva do cenário em que a

sociedade se desenvolvia.

Contudo, ainda muito cedo com o final da Revolução Francesa ficou explícito

que a igualdade dos homens na sociedade e na educação não estava de acordo

com o projeto burguês, já que uns tinham mais acesso que outros à educação.

Gadotti (2003) utiliza as palavras do economista, político burguês Adam Smith

(1723-1790) para explicitar essa ideia: “aos trabalhadores será preciso ministrar

educação apenas com conta gotas”. O autor ainda cita Pestalozzi explicitando sua

ideia de que a educação popular deveria ser desenvolvida de maneira que os pobres

aceitassem sua condição de pobreza.

Paulatinamente o sistema de duas escolas, uma para pobres e outra para

ricos vai sendo substituído por um único sistema de ensino. A escola com a mesma

base para todos, a escola única, começa a ser implantada através do sistema

gratuito e obrigatório de ensino em alguns países. Inicialmente na Alemanha, depois

na França, em seguida da Inglaterra e Estados Unidos. Cada Estado a seu modo foi

tomando para si a educação que esteve anteriormente sob a responsabilidade da

Igreja. Esse sistema de escola única, ainda que traduzisse as aspirações e

representasse as necessidades dos trabalhadores, não foi capaz de suprimir a

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dicotomia: escola boa para poucos, escola precária para muitos, pois nessa época a

separação se consolidou em função das diferenças de recursos econômicos

(PILETTI; PILETTI, 1995).

A partir do final do século XVIII, Gadotti (2003) afirmou que o pensamento

pedagógico positivista consolidou a percepção da classe burguesa sobre a

educação. Duas forças antagônicas de pensamento começaram a ser delimitadas

no interior do Iluminismo e da sociedade burguesa, a partir do final do século XVIII.

De um lado, o movimento elitista burguês que chega ao século XIX sob o rótulo de

positivismo e, de outro lado, o movimento popular socialista que foi denominado

marxismo.

Augusto Comte (1789-1857), que teve sua formação na escola politécnica de

Paris, levou adiante a ideia que os fenômenos sociais assim como os fenômenos

físicos poderiam ser reduzidos às leis e que o conhecimento científico e filosófico

deveria se orientar para o aperfeiçoamento moral e político da humanidade. Comte

entendeu que a falta de concepções científicas comprometeu a prosperidade do

Iluminismo e dos ideais revolucionários, ainda afirmava que a política deveria ser

uma ciência exata. Em suas ideias ficava clara a crença segundo a qual apenas uma

doutrina positiva serviria de base para a formação científica da sociedade,dessa

forma tanto as ciências da natureza quanto as ciências humanas deveriam se

desenvolver afastadas de qualquer ideologia, preservando a neutralidade na

observação da natureza dos fenômenos (GADOTTI, 2003).

Na pedagogia, o pensamento positivista caminhou para o pragmatismo, ou

seja, a formação educacional válida deveria estar voltada para as questões

imediatas, presentes na vida atual. As ideias desenvolvidas por Alfred

NotrthWhitehead (1861-1947) se relacionavam à concepção de educação como a

arte de utilizar os conhecimentos. Destacaram-se também nessa época Bertrand

Russel (1872-1970) e Ludwig Wittgentein (1889-1951), que se preocuparam

principalmente com o desenvolvimento da lógica e a formação do espírito científico.

3. 2 O pensamento pedagógico da Escola Nova

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A Escola Nova representou um profundo movimento de renovação da

educação depois da concretização da proposta da escola pública burguesa. A

concepção do ato pedagógico centrado na atividade da criança já era anunciada por

Vitorino Feltre na “Escola Alegre”, seguida posteriormente pela concepção

pedagógica de Rousseau, no início do século XX, configurando assim uma forma

concreta que influenciou sobremaneira os sistemas educacionais (GADOTTI, 2003).

A concepção do aluno como centro da educação estava relacionada ao fato

de ele aprender quando está envolvido com questões que são significativas para ele.

Assim os programas de ensino deveriam ser elaborados a partir tanto das

necessidades do aluno, como das particularidades dos contextos nos quais ele está

inserido, para posteriormente chegar aos objetivos educacionais mais gerais

(PILETTI; PILETTI, 1995).

De acordo com tal visão, a educação era essencialmente processo e não produto; um processo de reconstrução e reconstituição da experiência; um processo de melhoria permanente da eficiência individual. O objetivo da educação se encontraria no próprio processo. O fim dela estaria nela mesma. Não teria um fim ulterior a ser atingido. A educação se confundiria com o próprio processo de viver (GADOTTI, 2003, p. 144).

Essa proposta de educação estaria de acordo com os interesses da nova

sociedade burguesa. Direcionada à implementação da potencialidade de

desenvolvimento de cada criança, partindo do seu próprio centro de interesse, a

criança alcançaria o máximo de seu rendimento. Tal abordagem da Escola Nova,

sobre muitos aspectos, acompanhou o desenvolvimento e o progresso da sociedade

capitalista, chegando a idealizar a construção de um homem novo concebido a partir

do projeto burguês de sociedade. Apenas alguns poucos pedagogos da Escola Nova

evidenciaram a exploração do trabalho e a dominação política simbólicas da

sociedade burguesa peculiar a uma sociedade de classes (GADOTTI, 2003).

Uma visão mais crítica sobre educação passou a questionar os avanços da

Escola Nova a partir da segunda metade do século XIX. E trouxe à tona o fato de

que o compromisso da Escola Nova com os ideais da sociedade burguesa

comprometia sobremaneira a implantaçãode programas educativos que pudessem

promover o pleno desenvolvimento dos alunos. Esses novos educadores

assinalaram que:

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Toda educação é política, e que ela, na maioria das vezes, constitui-se, em função dos sistemas educacionais implantados pelos Estados modernos, num processo através do qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças para reproduzirem a mesma sociedade e não para transformá-la. (GADOTTI, 2003, p. 147).

Paulo Freire (1921-1997) educador brasileiro, que após alcançar inúmeras

conquistas na Escola Nova, denunciou que essa visão escolanovista apresentava

um caráter conservador de educação. Esclareceu que a escola poderia servir à

educação como prática tanto a serviço da dominação como a serviço da libertação.

Reconheceu que a Escola Nova representou um imenso avanço na história das

ideias e práticas pedagógicas (GADOTTI, 2003).

Para o autor, acima citado, a Escola Nova foi se construindo como uma

escola moderna, pública e científica, influenciada tanto pelo positivismo como pelo

marxismo, constitui-se em um movimento complexo e contraditório que não pode ser

entendido apenas como um movimento liberal da educação.

3.3 O pensamento pedagógico crítico

A partir da segunda metade do século XX se acentuou a crítica à educação e

à escola, o otimismo pedagógico do início do século, deu lugar à crítica radical

elaborada por filósofos, sociólogos e teóricos do pensamento crítico. (GADOTTI,

2003).

Destacaremos as ideias dos críticos mais importantes iniciando pela

exposição mais detalhada do pensamento de Pierre Bourdieu (1930-2002). Com

formação inicial em filosofia, se encaminhou às Ciências Sociais, mais

especificamente à Antropologia e à Sociologia, e formulou, a partir dos anos 60, uma

resposta incomum e abrangente fundamentada teórica e empiricamente para os

problemas das desigualdades escolares. Tal resposta se constituiu em um marco

não apenas na história da Sociologia da Educação, mas do pensamento e da prática

educacional do mundo todo.

Durante os anos 60 ocorreu uma profunda crise da concepção funcionalista

de escola, ou seja, como instituição pública e gratuita que garantiria ao menos, em

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principio, a igualdade de oportunidade para todos os indivíduos. As avaliações dos

programas em educação não referendavam as propostas iniciais. As pesquisas (na

Inglaterra, Estados Unidos e França) apontavam claramente a influência da origem

social sobre os destinos escolares. Nem todo aluno concluía sua formação, e

àqueles que obtinham seus diplomas, não estariam asseguradas colocações

profissionais, a menos que viessem de instituições notadamente reconhecidas e

com condições diferenciadas em suas formações. Bourdieu (1983), opondo-se ao

paradigma funcionalista de educação, utilizou os dados apontados pelos estudos

realizados, que assinavam uma intensa relação entre a origem social e o

desempenho escolar, como elemento de sustentação para o desenvolvimento de

sua teoria.

Bourdieu (1983) considerou que cada grupo social, segundo suas condições

objetivas adotaria um conjunto de estratégias em relação à escola e aos estudos, e

que tais estratégias, com o passar do tempo seriam incorporadas pelos sujeitos, por

meio de um procedimento continuo e difuso de socialização familiar integrando-se

ao habitus familiar ou de classe.

Numa perspectiva ampla e global do funcionamento social, Bourdieu (1983)

considerou que as estratégias escolares assumidas pelos distintos grupos sociais

constituíram-se no ponto central das demais estratégias de reprodução social, a

saber: educativas, matrimoniais, econômicas.

As estratégias escolares não são apenas relevantes para as estratégias

educativas, relacionam-se a campo mais amplo, corroborando com a produção de

agentes sociais que comprovem capacidade e dignidade para receber a herança do

grupo social ao qual pertencem. Efetivado a partir de um processo que estabelece

no espaço familiar, por meio dos procedimentos rotineiros, a família reproduz o

agente social, sujeito detentor de disposições, competências e habilidades

adequadas para ocupar um lugar específico no meio social.

A estreita relação entre o sistema de ensino e a estrutura social dividida em

classes foi intensamente explorada por Bourdieu e Parseron (1975). As classes mais

favorecidas usufruem de um ensino de qualidade, enquanto as classes subalternas

de um de má qualidade. O conceito de arbitrário cultural aproxima-se da concepção

antropológica de cultura, a qual aponta a impossibilidade de uma cultura ser definida

superior à outra. Para Bourdie (1998), porém os valores orientadores do

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comportamento e das atitudes dos integrantes de distintos grupos sociais seriam

arbitrários; assim não estariam embasados em nenhuma razão de natureza objetiva

ou universal.

A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitraria na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum principio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna à natureza das coisas ou a uma natureza humana (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p.23).

Na perspectiva de Bourdieu (1998), a cultura escolar, legitimada socialmente,

na verdade é a cultura imposta e legitimada pelas classes dominantes. O estilo

dissimulado da imposição do caráter arbitrário da cultura escolar ocorre quando a

escola trata semelhantemente aqueles que têm origem social diferentes,

desconsideraria então a bagagem familiar de cada um.

(...) para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais

Neste processo, esclareceu Nogueira (2009), as ações pedagógicas

realizadas de forma igualitária tenderiam a reproduzir e legitimar as desigualdades

pré-existentes, uma vez que nem todos detêm os instrumentos de decodificação dos

códigos linguísticos dessa ação comunicativa. Para uns, a cultura escolar soaria

como uma cultura “natal”, para outros como uma cultura “estrangeira”, demandando

neste segundo caso intenso esforço para efetivar essa interação. Os efeitos dessa

igualdade de transmissão e desigualdade de recepção, dos elementos que

constituem as ações educativas determinaria então o sucesso daqueles que desde o

nascimento vem se desenvolvendo na cultura típica das classes dominantes em

detrimento do fracasso ou do bom desempenho alcançado através de intensos

esforços dos alunos advindos das classes populares. A escola, ao propor uma

avaliação igualitária nega a diferença das habilidades e referências culturais entre os

grupos de alunos, entendendo:

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As diferenças entre os resultados escolares dos alunos como diferenças de capacidade (dons desiguais), enquanto que, na realidade, decorreriam de maior ou menor proximidade entre a cultura escolar e a cultura familiar do aluno. A escola cumpriria assim, simultaneamente, a função de reprodução e legitimação das desigualdades sociais. (NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2009, p. 75).

O duplo efeito da legitimação provocada pela dissimulação das bases sociais

do sucesso escolar, segundo os autores, pode ser identificado tanto sobre os filhos

das classes dominantes como das camadas dominadas. Os primeiros que

receberam de maneira difusa, desde muito cedo, a herança cultural de suas famílias

e classe social não se reconhecem como “herdeiros”, mas identificam como naturais

suas disposições, competências culturais e linguísticas, como se tais aptidões

fizessem parte de sua personalidade. O segundo grupo por sua vez, ao ser incapaz

de identificar o caráter arbitrário positivo da cultura escolar, apresentaria a tendência

a atribuir suas dificuldades à condição inferior que lhe parece inerente ao ser

comparado aos demais. Os problemas que precisariam superar seriam

compreendidos então como da ordem intelectual (falta de inteligência) ou da ordem

moral (falta de vontade).

O maior efeito da violência simbólica praticada pela escola e sofrida pelas

classes dominadas não é apenas a perda da cultura familiar e a apreensão (ainda

que limitada) de uma cultura que lhe é estranha, mas o reconhecimento pelos

integrantes das classes mais privilegiadas, da superioridade e legitimidade da

cultura das classes dominante. Esse reconhecimento levaria à desvalorização do

saber e do saber-fazer (relacionadas à arte, à medicina e à linguagem popular)

particulares das classes dominadas anteriormente legitimado (BOURDIEU;

PASSERON, 1975).

3.4 O pensamento pedagógico dos povos colonizados

A partir da experiência da colonização, tanto os povos da América Latina

quanto os povos da África desenvolveram uma pedagogia original engajada no

processo de emancipação social e política. Condicionados às necessidades dos

colonizadores, os dois continentes tiveram seus territórios divididos segundo os

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interesses econômicos, políticos e ideológicos dos europeus, que tornaram os

países colonizados cada vez mais dependentes. A colonização combatia a

educação e a cultura nativa, disseminava novos costumes, hábitos, crenças.

Impunha, além da escravidão de índios e negros, uma língua estrangeira.Ademais, a

Igreja Católica catequizava e impunha aos colonizados uma religião difundida por

ela como universal.

Sobre a teoria educacional latino-americana, Gadotti (2003) considerou ser

difícil encontrar marcos que unifiquem seu desenvolvimento, mas salientou

quedepois dos movimentos de independência das colônias e o estabelecimento da

República em todos os países, foi possível identificar a influência da visão otimista

da construção democrática pautada sobre os pilares da educação.

O autor identificou que entre a década de 1930 e 1960 houve o predomínio da

teoria da modernização desenvolvimentista, e a partir dos anos de 1960 pela

influência das lutas de libertação surgiu ateoria da dependência, que constituiu uma

educação de crítica radical à escola, de caráter denunciatório. Contando com a forte

presença do autoritarismo do Estado e dos militares, essa educação prosperou até

meados dos anos de 1970 levando ao desencanto com a escola.

Sobre as teorias ou paradigmas pedagógicos da década de 1980, Gadotti

(2003) observou que foi uma época marcada tanto pelo aumento do número de

institutos de pós-graduação em educação quanto na implementação das

organizações não governamentais. O autor ressaltou o fato de não ter havido

escassez de produção, ao contrário, afirmou que a vasta produção não foi suficiente

para a resolução dos problemas educacionais na América Latina.

3. 5 As tendências pedagógicas desde os primeiros anos do século

XXI até a atualidade

Ao observar as diferentes práticas educativas do final do século XX, Gadotti

(2003) assinalou que é possível encontrarmos tantos elementos que apontam as

bases da educação tradicional bancária, centrada na figura do professor e na

transmissão de conteúdos de ensino, apoiada nas ideias que orientavam uma

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sociedade de classe escravagista e destinada às classes mais privilegiadas, quanto

elementos da educação nova, desenvolvida nos últimos séculos e que trouxe

inúmeras conquistas na área da ciência da educação e metodologia de ensino.

Dentre tantos elementos distintos desses dois movimentos da história do

pensamento pedagógico, pedagogia tradicional e pedagogia nova, o autor ressaltou

um aspecto comum – a concepção de educação entendida como processo de

desenvolvimento individual. Opondo-se a essa forma de pensar, a educação que

vem desenvolvendo novas práticas pedagógicas, “o traço mais original deste século,

na educação, é o deslocamento da formação puramente individual do homem para o

social, o político, o ideológico” (GADOTTI, 2003, p.269).

Apesar das profundas diferenças socioeconômicas e culturais dos distintos

países, o autor aponta duas tendências universais das diferentes práticas em

educação: a concepção de que a educação é neutra e se estende pela vida toda

(permanente), segundo essas duas pedagogias, até então predominante.

Em 1942, mesmo antes do término da Segunda Grande Guerra, alguns

países europeus, que enfrentaram as forças nazistas, se reuniram com o propósito

de pensar em estratégias de reconstrução do processo educacional no momento em

que a paz fosse finalmente alcançada. Com esse propósito, foi realizada na

Inglaterra a Conferência de Ministros Aliados de Educação (CEMA). Rapidamente

muitos países começaram a se juntar aos pioneiros desse processo. Em 1946, com

o fim da guerra, também na Inglaterra, seguindo as orientações da CEMA, reuniram-

se 40 países na Conferência das Nações Unidas para que fosse instituída uma

organização educativa e cultural no intuito de promover uma verdadeira cultura da

paz,e também para que se estabelecesse a solidariedade intelectual e moral da

humanidade. Ao final dessa conferência 37 países, dentre eles o Brasil, firmaram a

Constituição que dá origem a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO), que se constituiu em um órgão da Organização das

Nações Unidas (ONU).

A UNESCO representou a possibilidade de uma educação

internacionalizada, idealizada por educadores e políticos educacionais. Impulsionou

o desenvolvimento da educação comparada, uma disciplina que contava com o

estudo e intercâmbio de informações sobre diferentes práticas e teorias da

educação.

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Além disso, a UNESCO propôs em sua 15ª. Conferência a educação

permanente, que parte do princípio de que o homem se educa durante toda a sua

vida. “Esse novo conceito de educação era extremamente amplo, mas era em sua

essência uma educação para a paz. Depois de meio século de guerras mundiais, a

todos parecia necessário que a educação fosse um baluarte da paz” (GADOTTI,

2003, p.270).

No Ano Internacional da Educação (1970), o conceito de educação

permanente retornou como princípio fundamental que deveria orientar as políticas

educacionais dos países-membros. Porém, com a ênfase na necessidade da

educação estar integrada na planificação social e econômica, já emergiam as

contradições inerentes a esse conjunto heterogênico de Estados detentores de

distintos sistemas políticos, sociais e econômicos.

Partindo dos Informes de Seguimentos da Escola para Todos no Mundo, a

UNESCO ressalta os mais importantes desafios educativos, fomenta a coordenação

entre os principais interessados e viabiliza o intercâmbio de informação para que se

possa fortalecer o compromisso político com a Escola para Todos (GADOTTI, 2003).

Se, por um lado, destacamos acima os esforços da UNESCO e das demais

organizações a ela associadas em atingir os objetivos de conquistar uma educação

de qualidade para a vida toda, a todos os cidadãos, não poderíamos deixar de

ressaltar que o contexto mundial, constituído por países detentores de culturas

diversas, com diferentes condições econômicas e distintas formas de organização

social, atravessa crises de proporções globais.

Para descrever o panorama geral dessa crise, Gadotti (2003) lançou mão das

ideias de Fritjof Capra, que apontou a necessidade de ir além dos sistemas de

valores que sustentam as bases de nossa cultura e lançar mão de um novo

paradigma para alcançar a compreensão dos problemas atuais.

Os educadores, nesses últimos tempos, vêm, conforme Gadotti (2003),

demonstrando grande interesse pelas teorias desenvolvidas pelo paradigma

holonômico, que se relaciona com a manutenção da percepção da totalidade na

análise dos fenômenos. Os holistas apontaram que os paradigmas clássicos,

identificados no positivismo e no marxismo, operam com categorias que restringem a

totalidade da realidade, e anseiam, com essa nova maneira de pensar, restituir a

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totalidade do sujeito individual, atribuindo valor à criatividade, à iniciativa, ao micro, à

singularidade, à convergência e à complementaridade.

Em 1999, Frederico Mayor, presidente da UNESCO, solicitou a Morin que

desenvolvesse um conjunto de reflexões que pudesse sustentar um ponto de partida

para pensar a educação no próximo milênio. Dessa solicitação surgiu a obra de

Morin intitulada: Os sete saberes necessários à educação do futuro, que foi

submetida à apreciação de inúmeras personalidades acadêmicas e funcionários

internacionais.

Segundo Morin (2006), há sete saberes que deveriam ser considerados como

fundamentais à educação do futuro em qualquer cultura ou sociedade: as cegueiras

do conhecimento; o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente;

ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas;

ensinar a compreensão; e a ética do gênero humano.

As escolas dos países capitalistas e dos países do Terceiro Mundo ainda se

caracterizam pelas políticas privatistas e elitistas, assim a educação pública nesses

estados, ainda se constitui como elemento de reivindicações populares, tornando-se

instrumento de luta e emancipação e ligando a luta social à luta pedagógica para

alcançar a democracia. Ultrapassando os limites das “recomendações”, os

movimentos populares e os trabalhadores da educação e cultura organizaram-se em

entidades representativas (Confederação Mundial das Organizações de

Profissionais de Ensino – CMOPE, Federação Latino-americana de Trabalhadores

na Educação e Cultura – FLATEC) e buscaram edificar as bases da educação como

instrumento de construção da paz (GADOTTI, 2003).

A escola única e popular visualizada a partir das novas sistematizações

teóricas não suprimem as experiências anteriores do campo educacional, porém não

está comprometida com a concepção burguesa de educação, cujo objetivo era a

formação de dirigentes das classes dominantes e a disciplinação da classe

trabalhadora.

Essa escola busca o desenvolvimento unilateral de todas as potencialidades humanas, hoje possível graças a concorrência de muitos meios dentro e fora da escola [...] Situando o fenômeno da educação não mais nas questões política (como queria o iluminismo), não mais nas questões cientificas (como queria o positivismo), não mais nas questões metodológicas (como queria o escolanovismo), essa nova concepção de educação se fundamenta na antropologia. Nessa nova concepção é possível encontrar a síntese, o fundamento perdido abaixo da montanha de numerosas teorias e métodos

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acumulados historicamente. Eles passam a ganhar outro sentido(GADOTTI, 2003, p.278).

Finalizando sua obra, Gadotti (2003) chamou a atenção para a necessidade

de refletir sobre a educação pós-moderna e multicultural. Alavancado pelas

mudanças que ocorreram nas artes, nas ciências e nas sociedades, desde a década

de 1950, o pós-modernismo foi influenciado sobremaneira pela filosofia e pela

cultura ocidental.

Tendo como influência a invasão da tecnologia eletrônica, da automação, da

informação e do capitalismo neoliberal, a pós-modernidade demandou uma

adaptação do ser humano às novas condições de ser no mundo, que, segundo o

autor, gerou certa perda da identidade individual. A desintegração dessa dimensão

individual, somada à crise de paradigmas, à falta de referências e orientados pela

certeza, pela crença da verdade absoluta, levou à compreensão da educação na

pós-modernidade como a educação que levava em conta a diversidade cultural,

melhor definida como “educação multicultural”.

A educação multicultural não vem se apresentando como substituta à

educação atual, porém pretende uma transformação. Apoiada em uma concepção

geral que “defende a educação para todos que respeite a diversidade, as minorias

éticas, a pluralidade de doutrinas, os direitos humanos, eliminando os estereótipos,

ampliando o horizonte de conhecimentos e de visões de mundo” (GADOTTI, 2003,

p.311).

O autor ressaltou que a educação pós-moderna tem como característica

marcante a crítica, e visa ao resgate da unidade existente entre a história e o sujeito

que não foi sustentada pelas operações modernizadoras de desconstrução da

educação e da cultura. Intensamente relacionada à cultura, a educação pós-

moderna se apresenta como multicultural e permanente, priorizando o processo do

conhecimento e suas finalidades em detrimento do conteúdo dos conhecimentos

universais. A educação pós-moderna parte do princípio de que antes de conhecer, o

homem se interessa em conhecer, e é desse interesse que se ocupa, identificando,

assim, o caráter prospectivo do conhecimento.

Gadotti (2003) completou, afirmando que a educação orientada pelos

pressupostos da pós-modernidade trabalha com o significado, com a

intersubjetividade e a pluralidade, e pretende que os conteúdos sejam focados de

forma que sejam essencialmente significativos para os alunos. Opera a partir da

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noção de poder local, de grupos pequenos, valorizando o imediato, a intensidade, o

movimento, a relação, o envolvimento afetivo, a solidariedade e a autogestão.

Focaliza temas relacionados ao belo, à alegria, à esperança, ao ambiente saudável.

Orienta-se pelo conceito chave da equidade e seu pressuposto básico é a

autonomia, ou seja, a capacidade de cada individuo em se autogerir.

Como valoriza a cultura local, a educação pós-moderna se propõe a alcançar

o equilíbrio entre esta cultura regional e a cultura universal. Tanto a elaboração do

currículo como a formação dos professores devem se dar a partir da reflexão crítica

que leve em consideração as especificidades econômicas e socioculturais da

comunidade local. Tais procedimentos pretendem promover uma maior

compreensão sobre as particularidades da educação das camadas populares na

totalidade de sua cultura e visão de mundo.

Ao abordar a cultura universal, a escola pós-moderna também se dispõe a

assinalar aos educandos a existência de outras culturas, outras formas de organizar

a vida que por sua vez são orientadas por outros valores. A escola deve ter “o local”

como ponto de partida, porém deve buscar o internacional e intercultural como ponto

de chegada. A falta de reconhecimento da necessidade de articulação entre a

cultura local e a cultura universal e a atitude impositiva de valores, na opinião do

autor, contribuíram sobremaneira para efetivar o fracasso da escola moderna.

A autonomia passou a ser um tema fundamental da pedagogia pós-moderna. [...] Escola autônoma significa escola curiosa, ousada, buscando dialogar com todas as culturas e concepções de mundo. [...] Pluralismo significa, sobretudo, diálogo com todas as culturas, a partir de uma cultura que se abre às demais, e entendimento das especificidades como modos de manifestação e representação da mesma totalidade. Mas a escola sozinha não pode dar conta dessa tarefa. Por isso, ela, numa perspectiva intercultural da educação, alia-se a outras instituições culturais(GADOTTI, 2003, p.313).

3. 6 As ideias pedagógicas no Brasil

Neste item, pretendemos apresentar alguns elementos da evolução das ideias

pedagógicas que ocorreram no Brasil. Partindo do entendimento de Saviani (2008,

p.444) sobre ideias pedagógicas “como se referindo ao modo específico pelo qual as

ideias educacionais se encarnam na práticaeducativa”, buscaremos assinalar que a

históriadas ideias pedagógicas foi desenvolvida em nosso território a partir da

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colonização dos portugueses. Seguiu um percurso próprio, articulando as

especificidades dos povos que aqui já estavam com as distintas demandas culturais,

sociais e econômicas dos colonizadores.

O autor propôs aindauma periodização de quatro fases distintas para a

históriado desenvolvimento das ideias pedagógicas no Brasil:

O primeiro período (1549-1759) identificou-se com o monopólio da vertente

religiosa da pedagogia tradicional que, em sua primeira fase (1549-1599) tem o

predomínio de uma pedagogia brasilística ou ainda conhecida como período heróico,

seguida de uma fase posterior(1599-1759), em que foi reconhecida a

institucionalização da pedagogia realizada pelos jesuítas ou o RatioStudiorum.

O segundo período (1759-1932), em que coexistiam as vertentes leigas da

pedagogia tradicional e as pedagogias religiosas, também configurou duas fases

distintas: a primeira (1759-1827) em que vigora a pedagogia pombalina também

conhecida como ideias pedagógicas do despotismo esclarecido; e a segunda fase

(1927-1932), na qualfoi identificado o desenvolvimento da pedagogia leiga, o

ecletismo, o liberalismo e o positivismo.

O terceiro período (1932-1969) teve a predominância da escola nova

apresentado em três fases: fase inicial (1932-1947), caracterizada pelo equilíbrio

entre a pedagogia nova e a pedagogia tradicional; uma fase intermediária (1947-

1961), com preponderante influência da escola nova; e a fase final (1961-1969), em

que ocorreu a crise da pedagogia nova e a implementação da pedagogia tecnicista.

Noquarto período (1969-2001), configurou-se a concepção pedagógica

produtivista, também subdividida em três fases: a primeira (1969-1980), em que

houve o predomínio da pedagogia tecnicista, expressões da concepção analítica de

filosofia da educação ao lado do desenvolvimento da visão crítico-reprodutivista;

uma fase intermediária (1980-1991), com predomínio dos ensaios contra-

hegemônicos, a pedagogia - da educação popular, da prática, crítico-social dos

conteúdos e histórico-crítica; e a última fase desse período (1991-2001) se

caracterizou pelo neoprodutivismo e suas variantes em que se destacaram o neo-

escolanovismo, o neoconstrutivismo e o neotecnicismo.

Ressaltamos, através da periodização realizada por Saviani (2008), que a

segunda fase do segundo período, a qual foi caracterizada pelo desenvolvimento

das ideias pedagógicas leigas e que compreende o período de 1827 a 1932, ocorreu

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inicialmente em um contexto político, econômico e administrativo conturbado.

Portugal, tanto pressionado pelo vínculo de proteção oferecida pela Inglaterra

quanto pela força opressiva francesa, que impunha a obrigatoriedade de bloqueio

continental aos ingleses, vislumbrou a integração, entendida na fórmula do Reino

Unido, como a saída viável para as disposições conflituosas que predominavam nas

interações com os dois países europeus. Para efetivar acertadamente tal estratégia,

Portugal deveria promover o desenvolvimento da antiga colônia em direção à

modernização e mobilizar o pensamento crítico, para subsidiar as reformas

necessárias, porém controlando o processo para que não fosse revelada a face

revolucionária dessas transformações.

Em 1891, a Primeira Constituição prioriza o ensino leigo nas escolas públicas

em oposição ao ensino religioso que predominou em todo o período colonial. Assim,

o país entra no século XX realizando diversas reformas educacionais, em que cada

estado elaborava a sua, de acordo com a necessidade e realidade local. Essas

reformas tentaram reconduzir a educação para novos métodos de ensino.

Durante a Primeira República, o novo regime assumiu o compromisso de criar

e prover as instituições de ensino secundário e superior, porém delegou aos estados

a responsabilidade sobre desenvolvimento do ensino primário.

Assim o caminho da implantação dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio do qual os principais países do Ocidente logram universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo, não foi trilhado pelo Brasil. E as conseqüências desse fato projetam-se ainda hoje, deixando-nos um legado de agudas deficiências no que se refere ao atendimento das necessidades educacionais do conjunto da população (SAVIANI,2008, p. 138).

O estado de São Paulo organizou o primeiro sistema orgânico de educação,

inspirado nos modelos adotados pela Alemanha, Estados Unidos e Suíça. Caetano

de Campos e Rangel Pestana, em 1890, criaram a Escola-Modelo anexa à Escola

Normal de São Paulo, com o objetivo de demonstrar metodologicamente a nova

proposta de educação (SAVIANI, 2008).

Destacando a atenção para a escola primária, a reforma de 1892 era proposta

para a instrução pública geral. A grande inovação foi a criação dos grupos escolares,

que acabou reunindo em um só local, entre quatro a dez escolas, ou seja, as

escolas de primeiras letras que ficavam sob a responsabilidade de um só professor.

O grupo escolar possibilitou a criação de salas distribuídas em séries em que os

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alunos integravam segundo a instrução já alcançada, permitindo a progressão da

aprendizagem. Os princípios pedagógicos, que orientavam os conteúdos a serem

trabalhados pelos professores, foram os mesmos que posteriormente receberam a

denominação de pedagogia tradicional: simplicidade, análise e progressividade;

formalismo; memorização; autoridade; emulação e intuição. Esse modelo foi

disseminado paulatinamente por todo o país, configurando a forma de organização

da escola primária, que pode ser identificada nas quatro séries do ciclo de ensino

fundamental (SAVIANI, 2008).

Dentro do movimento conhecido como “entusiasmo pela educação”, na

década de 1920, que se orientava pela ideia da vertente leiga da concepção

tradicional de educação, predominou a crença que a escola poderia transformar

indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos. Duas grandes forças concorriam

para a realização do projeto de hegemonia da burguesia industrial. De um lado os

liberais, as forças do movimento renovador com o apoio do desenvolvimento

industrial e urbano, propunham um conteúdo escolar de características mais

democráticas, do outro lado, a Igreja Católica, que se articulava procurando resgatar

sua força formativa em educação, propunha um conteúdo mais voltado para o

aspecto espiritual. Cabe aqui ressaltar que apesar da concorrência, ambas

representavam facções da classe dominante, não questionavam o poder econômico,

o qual implementava os privilégios e não objetivava pôr fim à carência de escolas

populares (GADOTTI, 2003; SAVIANI, 2008).

A mudança apregoada pelos dois grupos estava centrada mais nos métodos do que no sentido da educação. A análise da sociedade de classe com poucas exceções estava ausente da reflexão dos dois grupos. Só o pensamento pedagógico progressista [...] é que coloca a questão da transformação radical da sociedade e o papel da educação nessa transformação(GADOTTI, 2003, p. 262, itálico do autor).

Em 1930, Getúulio Vargas assumiu o poder como presidente provisório e

dissolveu o Congresso. A mão de obra especializada tornou-se uma exigência

ficando em segundo plano os estudos literários e clássicos da educação. No mesmo

ano,foi criado o Ministério da Educação e Saúde Publica. Em 1931, o governo

provisório sancionou decretos organizando o ensino secundário e as universidades

brasileiras.

Sintetizando os eventos ocorridos no período que vai de 1932 a 1947, Saviani

(2008) destacou que as ideias pedagógicas que se desenvolveram no Brasil, no

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terceiro período, foram marcadas por um equilíbrio estabelecido entre as influências

da pedagogia tradicional, defendida pela Igreja Católica e as influências da escola

nova, que representava o pensamento dos diferentes profissionais envolvidos

politicamente com as questões de educação.

Combatendo principalmente o analfabetismo, Maria Lacerda de Moura (1887-

1944) destacou em sua obra Lições de pedagogia (1925)que a educação deveria ir

além do ensino de cálculo, história, leitura e língua pátria, ressaltando que as

instituições deveriam também oferecer meios para mobilizar o desenvolvimento

interior das crianças. Apregoava a ideia do combate à mediocridade, à prepotência e

à autoridade garantida pelo acesso ao diploma de bacharelado (SAVIANI, 2008).

A partir do início da República Velha, período em que as oligarquias cafeeiras

paulista e mineira se mantiveram no poder a partir das alianças estabelecidas com

os partidos republicanos dos devidos estados, ficou caracterizado o coronelismo que

explicitava uma relação de compromisso, de troca de favores entre o poder público e

os proprietários de terra que detinham o poder local.

Saviani (1999) esclareceu que após a Revolução de 30, Francisco Campos, à

frente do então criado Ministério da Educação e Saúde Pública, se empenhou em

realizar uma Reforma Educacional que tinha como finalidade organizar a educação

no Brasil com caráter de sistema. O plano de educação, como instrumento de

introdução da racionalidade científica na educação, balizou as propostas

apresentadas pelos escolanovistas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

Na visão desse grupo, esse era o caminho proposto para que se alcançasse a

modernização da educação no país e a organização de um sistema nacional de

educação.

Surge um período de contexto político conturbado, inicialmente determinado

pela eleição de Getúlio Vargas, que, ao assumir em 1934, promulga a terceira

Constituição do Brasil, a qual preconiza a educação como direito de todos, sob a

responsabilidade das famílias e dos poderes públicos. Com a nova Constituição

promulgada em 1937, uma nova ruptura política e educacional foi deflagrada e, em

vigor, a Constituição de Francisco Cândido extinguiu os partidos políticos e atribuiu

ao presidente o controle dos poderes legislativo e judiciário, instituindo assim uma

nova forma de governo – o Estado Novo. Esse retrocesso político trouxe

consequências negativas na área da educação, uma vez que foi retirada da

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Constituição a referência que assegurava a educação como um direito de todos e

foram realizadas reformas no ensino secundário e industrial por meio de decreto lei

(SAVIANI, 1999).

Ainda, segundo o autor, em 1945, o governo de Eurico Gaspar

Dutrapromulgou uma nova Constituição de cunho democrático e liberal. Tal

Constituição resgatou a educação como um direito de todos e ressaltou a

determinação da obrigatoriedade do ensino primário.

A terceira fase do terceiro período, enunciado por Saviani (2008), que vai de

1961 a 1969, foi marcada pela crise da pedagogia nova e a articulação da

pedagogia tecnicista. Nesse período, em 1962, entrou em vigor a primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação com a imediata instalação do Conselho Federal de

Educação, tendo como resultado a elaboração do Plano Nacional de Educação.

Saviani (1999) destacou que a escola pública representaria o instrumento

através do qual tal consciência poderia ser alcançada, uma vez que se constituísse,

objetivamente, como lugar do estudo e do conhecimento do Brasil.

A Educação Popular, noBrasil, era entendida, até o início dos anos 1960,

como o processo de instrução elementar que cada país oferecia a toda população

através da implantação de escolas primárias. A partir de 1961, a expressão

Educação Popular ganhou uma nova significação.

Diferentes elementos constituíam o contexto sociocultural que influenciaram o

desenvolvimento da Educação Popular no país. Os movimentos vindos do exterior

se deram a partir das reflexões realizadas pelos pensadores cristãos e marxistas no

pós-guerra e pelas mudanças ocorridas na Igreja Católica, a partir do Concílio

Vaticano II, que pretendia introduzir a doutrina social na Igreja. Internamente se

intensificavam as discussões e análises da realidade brasileira no Instituto Superior

de Estudos Brasileiros (ISEB) e no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais

(CBPE). Dentre os diferentes movimentos que se desenvolveram nesse mesmo

período, destacaram-se o Movimento de Educação de Base - MEB (criado e dirigido

pela hierarquia da Igreja Católica), os Centros Populares de Cultura Popular (MCPs)

e os Centros Populares de Cultura (CPCs). Sobre os movimentos mencionados,

Saviani (2008) ressaltou que mesmo possuindo diferenças e particularidades em

suas Constituições, apresentavam em comum:

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O objetivo da transformação das estruturas sociais e, valorizando a cultura do povo como sendo a autêntica cultura nacional, identificavam-se com a visão ideológica nacionalista, advogando a liberdade do país dos laços de dependência com o exterior (SAVIANI, 2008, p. 318).

Em meio a esses movimentos sociais e políticos conjunturais emergiram as

ideias pedagógicas libertadoras de Paulo Freire, sendo sua obra construída junto

àqueles que necessitavam verdadeiramente da solidariedade para “ser mais”, ou

seja, para desenvolver a própria humanidade (STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2010).

Paludo (2010) enfatizou que, em meio aos movimentos reivindicatórios de

libertação e luta pelo poder político no século XX as discussões tanto do destino

quanto da finalidade da educação do/e parao povo foram foco de intenso debate

entre políticos educadores e ativistas sociais dentre outros. Com Freire, à partir de

1960, surgiu a preocupação com a educação popular, para tanto, foram

desenvolvidas práticas pedagógicas para a educação das classes populares com

então, a sua liberação.

Aqui ressaltamos a síntese de Paludo (2010) sobre o sentido da educação

popular para Paulo Freire:

Para Freire, a expressão educação popular designa a educação feita com o povo, com os oprimidos ou com as classes populares, a partir de uma determinada concepção de educação: a educação libertadora, que é, ao mesmo tempo, gnoseológica, política, ética e estética (FREIRE, 1997). Esta educação, orientada para a transformação da sociedade, exige que se parta do contexto concreto/vivido para se chegar ao contexto teórico, o que requer a curiosidade epistemológica, a problematização, a rigorosidade, a criatividade, o diálogo, a vivência e o protagonismo dos sujeitos(FREIRE, 1995, 1997 apud PALUDO, 2010, p.139).

Baquero (2010) ressaltou que a obra de Paulo Freire se constituiu em uma

resposta, no âmbito da pedagogia, às necessidades da sociedade brasileira da

época. Propôs a educação como processo de promoção da emancipação humana,

relacionada à transformação social (educação libertadora), opondo-seà educação

que servia à dominação (educação bancária). O homem, entendido como sujeito da

ação educativa, como educando, experienciaria o desvelamento do mundo mediante

o método de problematização da realidade e de uma relação dialógica. Assim, o

processo de educação de adultos, sob o ponto de vista de Paulo Freire, implicaria o

desenvolvimento crítico da leitura do mundo, que deveria ser investido de um

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trabalho político de conscientização. A tomada de consciência se daria a partir das

relações que os homens estabelecem entre si, mediados pelo mundo.

A educação problematizadora advém da força criadora do ato de aprender,

que agrega a comparação, a constatação, a repetição, a dúvida rebelde e a

curiosidade. Essa educação comprometida com o desenvolvimento das capacidades

dos indivíduos, apoiada na crença de que os seres humanos podem capacitar-se e

tornar-se senhores de seus destinos e de seu conhecimento pode, certamente,

promover a autonomia (FREIRE, 1996).

Sartori (2010) assinalou que tanto Freire (1987) como Gadotti (1985)

ressaltaram que o ato pedagógico é também um ato político, que opera em um

contexto histórico e guarda suas especificidades de interesses de classes, assim

não podendo ser compreendido como neutro ou desconectado das questões sociais

emergentes.

Na perspectiva de Freire, a educação bancária(depósito de informações) se

expressa em uma narrativa alienante e alienada, numa perspectiva de educar para a

submissão e apoiada na crença de uma realidade estática, exatamente delimitada e

de um sujeito acabado. A força que atua nessa prática educacional promove a

supressão da curiosidade, da criatividade, desestimulando a capacidade dos sujeitos

em desafiar-se, contribuindo assim para a preservação de sua passividade. Dessa

forma, essa educação estaria a serviço da manutenção da consciência ingênua e

sem crítica que impossibilitaria a reflexão sobre os conflitos e contradições que

emergem no cotidiano da vida na escola (SARTORI, 2010).

Contrário aos efeitos da educação bancária, a educação problematizadora,

está ancorada no diálogo que deve ser entendido como: próprio da condição

histórica dos homens; emergente dentro de um contexto sócio político; postura

necessária para a conquista cada vez maior da libertação da opressão e exploração,

formando seres criticamente comunicativos; unificador do relacionamento entre os

sujeitos cognitivos; tensão permanente entre liberdade e autoridade.

Continuando com a periodização proposta por Saviani (2008), adentramos o

quarto período do desenvolvimento das ideias pedagógicas no Brasil, de 1969 a

2001.Para discorrer sobre o contexto político conturbado, o autor tomou como

referência a obra de Pereira (1977) e esclareceu que tal contexto, alimentado pela

luta de distintos grupos partidários que assumiram o poder, poderia ser identificado

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nas diferentes formas de regime político assumidas pelo Estado brasileiro a partir de

1930.

Um Estado, obviamente, de tipo capitalista, que assumiu como regime político

as seguintes formas: 1º nacionalista autoritário (Estado Novo); 2º internacionalismo

liberal (período do Governo do Presidente Dutra); 3º nacionalismo liberal (de 1951

até 1964 a vigência do modelo nacional-desenvolvimentista, época do retorno de

Getúlio Vargas ao poder por vias eleitorais, seguido pelo governo de Café Filho e,

posteriormente, pelo governo de Juscelino Kubitschek); 4º internacionalismo

autoritário (na vertente militarística, vigente desde a Revolução de 1964 até 1985).

Saviani (2008) propôs, para a atualização do pensamento de Pereira (1977) um

quinto período, o qual identificou como internacionalismo liberal(desde 1985, com o

advento da Nova República até meados da primeira década do século XXI.

O estreito vínculo estabelecido com os Estados Unidos influenciou

marcadamente no desenvolvimento sócio-político e econômico do Brasil. O regime

nacional-desenvolvimentista que levou o país a atingir as expectativas de autonomia

na produção de bens de consumo duráveis trouxe também, através da abertura de

espaço para as indústrias internacionais, um caráter desnacionalizante.

O rápido desenvolvimento econômico e social, assim como a supressão das

forças de mobilização populares, foram os focos das propostas para a elaboração de

um plano de educação para o Brasil. Sem ruptura no plano socioeconômico e sem

ruptura no plano educacional, as reformas do ensino, realizadas na ditadura militar

objetivavam transformação nas bases organizacionais para que atendesse as

necessidades “do modelo econômico do capitalismo de mercado associado

dependente, articulado com a doutrina de interdependência” (SAVIANI, 2008, p.

364).

Com a finalidade de dar conta da demanda de mão de obra qualificada e do

alcance da meta de elevação geral da produtividade escolar, o mesmo modelo

organizacional foi transferido para o campo da educação. Assim, concluiu Saviani

(2008): a educação tecnicista que teve por base as ideias relacionadas à

organização social do trabalho, ao enfoque sistêmico e ao controle do

comportamento, se constituiu como tendência no campo da educação e através da

pedagogia tecnicista se estendeu a todas as escolas brasileiras.

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A pedagogia tecnicista fundamentada tanto nos pressupostos da neutralidade

científica quanto nos princípios da racionalidade, produtividade e eficiência, essa

pedagogia apontou para uma reestruturação do processo educativo, com a

finalidade de torná-lo objetivo e operacional. A objetivação do trabalho pedagógico

visava alcançar uma organização tal, que fosse capaz de minimizar as interferências

subjetivas que pudessem prejudicar a eficiência do processo educativo. Distintas

propostas pedagógicas, tais como: o microensino, o enfoque sistêmico, a instrução

programada, somadas ao parcelamento do trabalho pedagógico, realizado por uma

infinidade de técnicos advindos de diferentes matizes, buscaram a padronização do

sistema de ensino partindo de esquemas previamente planejados, aos quais as

distintas modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas deveriam se adaptar.

Saviani estabeleceu uma série de comparações entre as diferentes práticas

pedagógicas:

Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo; e se na pedagogia nova a iniciativa se desloca para o aluno, situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto relação interpessoal, intersubjetiva; na pedagogia tecnicista o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posições secundárias, relegados que são a condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. [...] Do ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender, e para a pedagogia nova, aprender a aprende, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender fazer (Saviani, 2008, p. 383).

A base teórica sistêmica do tecnicismo pedagógico, segundo o autor,

apontava para o trabalho na educação em busca do alcance do equilíbrio social.

Assim a educação, como parte integrante do sistema social, deveria realizar

adequadamente sua função de proporcionar o treinamento adequado para a

realização de distintas tarefas solicitadas pelo sistema social. Porém, a

intensificação dos procedimentos burocráticos e o crescente empenho na

planificação minuciosa das diferentes funções desempenhadas, pelos distintos

especialistas, acabaram fragmentando o ato pedagógico, dessa forma, a pedagogia

tecnicista comprometeu o desenvolvimento do campo da educação, gerando

descontinuidade, fragmentação e heterogeneidade, compatível com a ideia de que

aquele que não se integra tem um problema.

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Ainda na década de 1970, no Brasil, foram desenvolvidos estudos voltados à

crítica da educação dominante que ressaltavam as funções da política educacional

encobertas pelo discurso político-pedagógico oficial.

A tendência crítico-reprodutivista, descrita por Saviani (2008, p. 393, itálico do

autor), foi justificada por tratar-se de:

(...) uma tendência crítica porque as teorias que a integram postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais. Empenham-se, pois, em explicar a problemática educacional remetendo-a sempre a seus determinantes objetivos, isto é, à estrutura socioeconômica que condiciona a forma de manifestação, do fenômeno educativo. Mas é reprodutivista porque suas análises chegam invariavelmente à conclusão que a função da educação é reproduzir as condições sociais vigentes.

As principais teorias que orientaram os estudos e se constituíram referência

da tendência crítico-reprodutivista foram: “teoria do sistema de ensino enquanto

violência simbólica” de Bourdieu e Passeron (1975), descrita anteriormente neste

capítulo; “teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado”, esboçada por

Louis Althusser e publicada como artigo em 1970; e “teoria da escola dualista”, de

ChristiamBaudelot e Rogers Estamblet (1971).

O período que vai de 1980 a 1991, segundo as apreciações de Saviani

(2008), foi marcado pelo intenso desenvolvimento das ideias críticas que

mobilizaram as expectativas de superação da influência das ideias pedagógicas,

inspiradas a partir da teoria do capital humano, juntamente com a crença na

educação como instrumento poderoso de crescimento econômico e aprimoramento

pessoal e justiça social.

A década de 1980 ainda que muitas vezes chamada de “década perdida”, em

função de inúmeros descaminhos na condução da política econômica brasileira, foi

um período de intensa prosperidade no campo da educação. A época foi marcada

pelo desenvolvimento das propostas pedagógicas contra-hegemônicas: pedagogias

da “educação popular”; pedagogias da prática; pedagogia crítico-social dos

conteúdos; pedagogia histórico-crítica.

Na década de 1990, com ritmo mais moderado, as “pedagogias da educação

popular” se desenvolveram de maneira menos intensa do que na década anterior,

porém a elaboração da Escola Cidadã, formulada pelo Instituto Paulo Freire, veio

demonstrar a possibilidade de inserção da “visão da pedagogia libertadora e os

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movimentos de educação popular no novo clima político (neoliberal) e cultural da

(pós-modernidade)” (SAVIANI, 2008, p. 423).

O último período analisado por Saviani (2008), vai de 1991 a 2001 e foi

caracterizado como a época do neoprodutuvismo e suas variantes, a saber: neo-

escolanovismo, neoconstrutivismo e neotecnicismo.

O autor ressaltou que o grande movimento dos educadores brasileiros,

expresso mais especificamente nas CBEs, foi perdendo vigor e demarcando uma

nova fase das ideias pedagógicas no país, que ganhou expressão nas discussões

sobre questões que envolviam: Educação, Trabalho e Estado.

O contexto cultural da época do neoliberalismo influenciado pelo

desenvolvimento da informática, que possibilitava o acesso sem precedentes à

informação, e pela descrença nos princípios que legitimavam a ciência moderna, foi

chamado de pós-modernidade.

Tomando como referência a obra de Lyotard (1979), Saviani (2008) destacou

a falta de confiança em relação às metanarrativas que sustentavam as ciências

modernas, enfatizando o risco do ensino e da pesquisa estar atrelado à lógica do

melhor desempenho, na qual a pura performance reduziria a ciência ao aspecto

comercial e lucrativo. O modelo de legitimação proposto estaria a cargo do convívio

harmonioso com as diferenças, o bom saber seria aquele que viesse a identificar as

anomalias e construiria novos conceitos, focalizando o aspecto criativo do saber.

O autor ressaltou também que as ideias pedagógicas desenvolvidas no Brasil,

durante a década de 1990, podem ser expressas no neoprodutivismo, que, segundo

ele, objetiva uma nova versão da teoria do capital humano, marcando as

transformações da passagem do fordismo ao toyotismo, imprimindo no campo da

educação uma orientação que ganhou expressão na “pedagogia da exclusão”. O

neoescolanovismo resgatou o lema “aprendendo a aprender” para a orientação

pedagógica e prescreveu, através do neoconstrutivismo, a concepção psicológica do

aprender como atividade construtiva do aluno. Todo esse processo ganhou

objetividade através do neotecnicismo, que se apresentou como a maneira de

organização das escolas pelo Estado, para minimizar os gastos e maximizar os

resultados, culminando finalmente na “pedagogia da qualidade total” e a “pedagogia

corporativa”.

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Utilizando as ideias de Kuenzer (2005), Saviani (2008) concluiu que a

concepção pedagógica dominante poderia ser caracterizada como a da “exclusão

includente” e “inclusão excludente”. A “exclusão includente” ocorre no campo da

produção como fenômeno de mercado, no qual o trabalhador é levado a perder seu

lugar no mercado de trabalho, inserindo-se, assim, no mercado informal e podendo

retornar ao mercado formal com prejuízo em sua condição profissional. A “inclusão

excludente” se dá no terreno da educação, a face pedagógica da “exclusão

includente”. Os estudantes são levados a ingressar em instituições de ensino que

não oferecem as mesmas condições, os mesmos níveis e modalidades de ensino, a

qualidade da formação fica invariavelmente distante dos padrões de qualidade

necessários para o ingresso no mercado de trabalho. A inclusão de um grande

número de crianças e adolescentes no sistema escolar pode demonstrar o alcance

das metas de universalização do ensino fundamental, porém em função da

precariedade da aprendizagem efetiva, os estudantes acabam ficando excluídos do

mercado de trabalho e da atuação na vida em sociedade. O autor ressaltou que não

são apenas os alunos que se tornam vítimas da inclusão excludente, nesse

processo educativo de características neoprodutivista, os professores também são

prejudicados, pois os dirigentes esperam que esses profissionais desempenhem um

enorme conjunto de funções, com máximo de produtividade a partir do mínimo de

investimento.

A ampla pesquisa “Juventude e integração Sulamericana: diálogos para

construir a democracia regional”, coordenada pelo Ibase (Instituto Brasileiro de

Análises Sociais e Econômicas) e Pólis - Instituto de Estudos, Formação e

Assessoria em Políticas Sociais for realizada em conjunto com uma rede de

parceiros nos países pesquisados: Fundación SES (Argentina), Pieb (Bolívia),

CIDPA (Chile), Base-Is (Paraguai) e Cotidiano Mujer (Uruguai),foram ouvidos 14

mil pessoas (IBASE; PÓLIS, 2008). Os integrante do grupo pesquisado eram

50%jovens (18 a 29 anos) e 50% adultos (30 a 60anos) A pesquisa ocorreu no

período de agosto a outubro de 2008, em seis países da América do Sul: Argentina,

Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. A pesquisa buscou detectar diferenças e

semelhanças entre gerações (opiniões,valores, educação, visões sobre o trabalho,

etc.), bem como as representações existentes sobre a juventude no continente. O

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objetivo da pesquisa foi contribuir para a vigência e ampliação de direitos dos jovens

nos marcos do exercício da democracia plena no Brasil e na América do Sul.

Tal pesquisa trouxe dados que acreditamos ser relevantes para identificarmos

a apreciação dos jovens sobre a educação oferecida na região.

Ainda que o nível de escolaridade dos jovens brasileiros, da geração atual,

seja maior do que aqueles encontrados em gerações anteriores (43% dos jovens

chegam ao ensino médio completo ou incompleto contra 16% dos adultos) a

situação escolar destes jovens ainda é precária, pois, é alta a porcentagem (41%)

dos jovens que não alcançam sequer o ensino médio, sendo que apenas 14,5% dos

jovens chegam à universidade.

Ao ser perguntado “o que é mais importante para os jovens?” nos seis países

os/as entrevistados (jovens e adultos) responderam em primeiro lugar: “ter mais

oportunidade de trabalho” (maior percentual encontrado no Brasil e Uruguay – 61%)

e em segundo lugar: “estudar e ter um diploma universitário” (Brasil: 20%).

Ao serem indagados sobre: “o que é mais importante para que o jovem

consiga trabalho?”, as respostas apontaram a “experiência” e “nível de

escolaridade”, em primeiro e/ou segundo lugares em todos os 6 países pesquisados

(jovens e adultos) na América do Sul. No Brasil a “experiência” se iguala com a de

que “é o nível de escolaridade” (37% em ambos os casos).

Quando questionados sobre: “qual é a maior dificuldade que um (a) jovem de

seu país enfrenta para estudar? “Falta de dinheiro para transporte e outros gastos”

foi o principal fator apontado na Argentina (30%), Chile (39%), Bolívia (43%) e

Paraguai (54%). No Uruguai “dificuldade de conciliar estudo e trabalho” aparece em

primeiro lugar (29%), à frente de “falta de dinheiro para transporte” (28%). No Brasil,

“desinteresse do próprio jovem” é apontado pelos entrevistados como a principal

dificuldade (36%), seguida por falta de dinheiro para transporte e outros gastos

(27%).

O fato de os brasileiros identificarem a maior dificuldade em estudar ser

decorrente da falta de interesse pessoal dos jovens chamou a atenção dos

pesquisadores que ressaltaram que:

É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade ... Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola

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tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (IBASE; PÓLIS, 2008, p. 9)

Algumas reflexões nos ocorreram a partir da observação dos dados da

pesquisa: tanto o alto índice de evasão escolar (41% não chegam ao ensino médio,

e somente 14% chegando à universidade), quanto a primazia da necessidade de

inserção no mercado de trabalho sobre a necessidade de estudo entre os jovens

podem estar relacionados com a questão assinalada anteriormente por Saviani

(2008) neste capitulo que apontou a ineficiência do ensino, razão pela qual não há

profissionais, na garantia de colocações profissionais caracterizada como “inclusão

excludente”.

Finalizando, procuramos apresentar neste capítulo III a evolução das ideias

pedagógicas e suas respectivas práticas pedagógicas em educação, as quais

fundamentarão nossa abordagem para melhor compreender a apreciação que pais e

professores expõem a respeito dos problemas que ocorrem no contexto escolar,

com crianças e adolescentes.

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4 PARADIGMAS ORIENTADORES DO TRABALHO EM SAÚDE

Este estudo envolve questões da promoção da saúde no contexto da escola,

portanto considerando a pertinência da intervenção proposta, pelo Programa de

Promoção de Saúde na Escola, acreditamos ser imprescindível abordar neste

capítulo os distintos significados que os conceitos de saúde/doença/intervenção

assumiram ao longo do tempo até o surgimento do conceito de promoção de saúde,

através de um breve histórico sobre o conhecimento acerca do processo

saúde/doença. Além disso, consideramos ser importante discorrer sobre o

higienismo e as questões relativas à medicalização, além das especificidades da

saúde e da doença que permeiam a identificação da queixa escolar.

4.1 A saúde e a doença na História: uma visão antropológica e epidemológica

Como já mencionamos acima, para focalizar as questões relativas à

saúde/doença, precisamos identificar os significados atribuídos a esses conceitos. A

doença acompanha a espécie humana desde sempre e, em cada momento, os

homens a enfrentaram de maneira diferente, segundo a compreensão e os recursos

de sua época. Assim na definição de saúde e de doença estão contidos elementos

econômicos, sociais, políticos e culturais (SCLIAR, 2007).

Para melhor compreender o conceito de saúde-doença na atualidade, é

necessário entender as modificações desse conceito que ocorreram ao longo da

história em diferentes culturas.

4.1.1 Saúde e doença na Antiguidade

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Na Antiguidade, acreditava-se que a causa das doenças poderia estar

relacionada aos elementos naturais ou sobrenaturais: ao ambiente físico, aos astros,

ao clima, aos insetos e aos animais (BARATA, 1985).

A teoria mística explicava a doença como um fenômeno sobrenatural, situado

fora do alcance da compreensão da época. Em cada cultura, ganhava significados

específicos. Para os hebreus, a doença sinalizava a cólera divina mobilizada pelos

pecados dos homens, a enfermidade apontava o pecado. Os preceitos religiosos

expressos no Torá tinham por finalidade a manutenção da coesão grupal, todavia

também operava na prevenção de contágio de doenças transmissíveis (SCLIAR,

2007).

Scliar (2007) apontou ainda que em outras culturas, as doenças significavam

a apropriação do corpo do enfermo por maus espíritos. O xamã, feiticeiro tribal, era

quem se encarregava de expulsar os maus espíritos por meio de rituais, graças aos

quais os doentes se integravam novamente ao grande equilíbrio do mundo natural e

espiritual.

Na cultura grega, já se identificava a associação de elementos da natureza

com os elementos divinos. Na mitologia aparecem divindades relacionadas à saúde,

porém a cura era obtida através da utilização de métodos e plantas, não

dependendo assim apenas de procedimentos ritualísticos (SABROZA, 2001).

Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina, não considerava a doença

como sagrada, acreditava ser causada por agentes naturais, ainda que

desconhecidos em função da limitação do saber humano. Defendeu um conceito

ecológico de saúde e enfermidade pautado na percepção de homem como unidade

organizada. No texto “Ares, águas, lugares”, discutiu os fatores ambientais ligados à

doença e afirmava que a saúde era o resultado do equilíbrio de quatro principais

fluidos corporais (bile amarela, bile negra, fleuma e sangue) e qualquer desequilíbrio

desses elementos levaria o homem a adoecer (SCLIAR, 2007).

Segundo Nordenfelt (2000), Galeno (129-199 DC) identificava uma causa

endógena das doenças, situada dentro do próprio homem, em sua constituição física

ou em hábitos de vida, que levavam ao desequilíbrio. Estabeleceu a teoria das

latitudes de saúde e elaborou uma divisão de estados de saúde: saúde, estado

neutro, má/saúde. Essas dimensões, por ele visualizadas, poderiam ocorrer

isoladamente ou em combinação de uma com as outras, totalizando nove formas de

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combinações possíveis. Esse esquema de Galeno foi utilizado por mais de mil anos

pela medicina ocidental.

A concepção de saúde e doença desenvolvida no Oriente assinalava a crença

na existência de uma força vital abrigada no corpo humano. O funcionamento

harmonioso dessa força propiciava saúde e o desequilíbrio produzia doença

(SCLIAR, 2007).

Com a crescente urbanização e a estratificação social das sociedades, o

poder de diagnosticar e tratar as doenças ficou concentrado nos centros urbanos,

nas mãos dos sacerdotes que eram vinculados aos grupos dominantes, assim, “o

modo mágico de lidar com as doenças foi suplantado pelo modelo místico ou

religioso que se tornou hegemônico (...) o sentimento de culpa passou a ser uma

dimensão importante do processo social de adoecer.” (SABROZA, 2001, p.6).

4.1.2 Saúde e doença na Idade Média

Scliar (2007) assinalou que durante a Idade Média na Europa o conteúdo

religioso reapareceu atrelado às concepções de saúde e doença. A crença que a

doença era resultado do pecado e a sua cura, somente por meio da fé, foi mantida

por influência da religião cristã durante muito tempo. Os cuidados oferecidos aos

enfermos se desenvolviam, em sua maioria, nas instituições religiosas que se

comprometiam mais com o abrigo e o conforto do que propriamente com a cura. O

controle dos prazeres (alimentares, sexuais e das paixões) objetivava colocar ao

homem uma forma de vida que não o dispusesse de maneira contrária à natureza.

4.1.3 Saúde e doença no Renascimento

No final da Idade Média, com as epidemias, surgiu novamente a ideia de que

a doença era transmitida pelo contato entre pessoas. No século XIV, uma pandemia

de peste arrasou as populações da Europa que, diante da impossibilidade de

enfrentamento pelas diferentes práticas médicas, retomaram os conceitos de saúde

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e doença relacionados às condições de pecado e culpa (SABROZA, 2001; SCLIAR,

2007).

Ainda que desvinculada da concepção religiosa e desenvolvida a partir de

observações empíricas, o isolamento de pessoas doentes (quarentena) se constituiu

como a defesa da saúde da população das cidades (SABROZA,2001).

O autor ressaltou que o estudo da constituição do corpo humano por médicos

e artistas no período do Renascimento possibilitou um maior entendimento sobre o

corpo sadio e as doenças eram entendidas como resultantes de causas naturais.

O desenvolvimento na química e da física trouxe em uma nova concepção do

corpo humano. O funcionamento do corpo foi abordado a partir da ideia do

funcionamento das máquinas, ou seja, um mau funcionamento do corpo era

compreendido como um defeito em umas das suas partes constituintes, e esse

defeito ao ser identificado e corrigido levaria o corpo a alcançar um nível bom de

operação.

Seguindo o processo de desenvolvimento das ciências naturais, a ciência

médica se empenhou sobremaneira para identificar, classificar e descrever as

antigas e as novas doenças e objetivava sempre as intervenções no nível individual.

A formação das ciências básicas, a partir dos estudos empíricos, influenciou a

ciência médica na busca incessante do descobrimento da origem dos elementos que

sustentavam as causas dos contágios. Tal empreitada resultou na elaboração da

teoria do miasma que entendia que a saúde das populações estava à mercê do

equilíbrio entre a água, o sol e o ar. Os gases provenientes de diferentes tipos de

putrefação, processos químicos gerados pela acumulação de gases patogênicos no

meio ambiente, poderiam interferir nesse equilíbrio causando as doenças

(SABROZA, 2001; BACKES et al., 2009; SCLIAR 2007).

Na Europa, no século XVII, ocorreu a diminuição da intensidade da

devastação da saúde causada pela peste, porém ocorreu o desenvolvimento de

outras doenças epidêmicas. Os percalços da destruição das plantações de batata,

que na época representavam o principal alimento das classes populares,

ocasionaram uma epidemia de fome e, segundo Sabroza (2001), mobilizou intenso

êxodo da população para outros continentes.

O crescente intercâmbio de produtos e de pessoas entre os povos também foi

responsável pela disseminação de inúmeras doenças no continente europeu e

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americano, incluindo assim, as colônias. Nestas, a situação era ainda pior, os níveis

elevados de desgaste e uma organização socioeconômica, que inviabilizavam

qualquer desenvolvimento de conhecimento e técnica, acarretaram o genocídio das

populações nativas (SABROZA, 2001).

Tais circunstâncias, ressaltou o autor, acrescida da prática do tráfico de

escravos tiveram como consequências níveis impensáveis de sofrimento, doença e

morte. As condições relativas à saúde e à doença, a partir dessa época, eram

consideradas sob o ponto de vista de um grupo social específico: os colonizadores.

Fato que resultou em uma história tendenciosa, deixando como marca, no projeto

capitalista de saúde, a diferença de valor atribuído à vida humana.

Sabroza (2001) assinalou que especulações, práticas alternativas e o retorno

às observações dos fenômenos, como fonte de conhecimento confiável,

caracterizaram a nova ordem de tendências na medicina dos séculos seguintes. Tais

disposições se integraram à nova concepção de mundo que emergia, configurando

transformações nas distintas instâncias da organização social. A concepção religiosa

foi perdendo vigor em detrimento do crescente fortalecimento do humanismo que

colocou o homem como centro de referência da ideologia.

4.1.4 Saúde e doença na Idade Moderna

Entre o final do século XVIII e meados do século XIX, o desenvolvimento do

processo de industrialização e de urbanização na Europa mobilizou intensas

transformações sociais. Czeresnia (2003) assinalou que, em decorrência da

deterioração das condições de vida e trabalho, as populações ficaram expostas ao

aumento das ocorrências de epidemias.

A incidência de doenças conhecidas somadas às novas que foram trazidas

das colônias, o ambiente de precária distribuição de água urbana, a desnutrição, as

doenças mentais, o alcoolismo e a violência urbana configuraram o agravamento

das condições de saúde das populações, ameaçando a capacidade de

sobrevivência desses grupos sociais (SABROZA, 2001).

A consequência desse agravamento das condições de saúde e os ínfimos

resultados positivos das práticas médicas desenharam o contexto da crise sanitária,

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que, segundo o autor, apontava para “os impasses e contradições acumulados no

processo de reprodução daquela organização social” (SABROZA, 2001, p. 7).

Apoiado em uma compreensão sistêmica da realidade social, o autor apontou

que tanto a crise sanitária quanto as revoltas populares contra as condições

precárias de vida e trabalho, resultante do confronto de interesses entre

trabalhadores e capitalistas, detentores dos meios de produção, se constituíram

como elementos indispensáveis à auto-organização e à mobilização da capacidade

criativa do sistema social para a superação da crise.

Somados aos efeitos positivos resultantes das revoltas populares, Sabroza

(2001) ressaltou a competência dos Estados Nacionais em garantir o

desenvolvimento de melhores condições de vida para os integrantes das classes

trabalhadoras, através da regulamentação das condições de trabalho e de utilização

dos espaços urbanos.

Ocorreram profundas modificações nas disposições urbanas, orientadas pelo

paradigma da teoria do miasma, que tiveram como consequência a diminuição

significativa da transmissão de doenças e da mortalidade infantil. Porém apenas

posteriormente, os valores da burguesia na forma de encaminhar a vida, a

sexualidade, os cuidados com as crianças foram sendo difundidos através das

práticas do modelo higienista (SABROZA, 2001).

A exploração das colônias como referimos anteriormente, era necessária à

manutenção do equilíbrio econômico e político, porém implicava a exposição dos

colonizadores às inúmeras doenças transmissíveis endêmicas e epidêmicas. A

necessidade de conhecer e intervir nas condições em que se propagavam as

doenças impulsionou o desenvolvimento da medicina tropical. Nesse mesmo

período despontavam os primeiros trabalhos da área da epidemiologia, John Snow

(1813-1858) em Londres estudava a cólera e visualizou a possibilidade de estender

ao entendimento sobre a saúde do corpo social os conhecimentos sobre a saúde do

corpo individual.

Se a saúde do corpo individual podia ser expressa por números - os sinais vitais -, o mesmo deveria acontecer com a saúde do corpo social: ela teria seus indicadores, resultado desse olhar contábil sobre a população e expresso em uma ciência que então começava a emergir, a estatística (SCLIAR, 2007, p. 34).

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No final do século XIX. as pesquisas no laboratório de Louis Pasteur e de

outros pesquisadores levaram à descoberta dos micro-organismos que causavam as

doenças, finalmente os fatores etiológicos desconhecidos passaram a ser

identificados. A bacteriologia combinada com a noção de que para cada doença

havia um agente etiológico específico possibilitou o enfretamento das enfermidades

através do uso de produtos químicos e vacinas, assim as doenças puderam ser

curadas e prevenidas. Afirmou-se então o novo paradigma para explicar o processo

saúde/doença (BUSS, 2007; BACKES et al., 2009; SCLIAR, 2007).

Por influência dessas ideias, a ocorrência das doenças foi associada às

condições de vida e existência dos indivíduos. Esse pensamento era compatível

com a perspectiva anticontagionista que compreendia a doença como resultado do

desequilíbrio do conjunto de circunstâncias que interferiam na vida dos indivíduos.

O movimento contagionista, que ressaltava a necessidade de identificar uma

causa específica como origem das doenças, que na época parecia ultrapassado,

ganhou destaque e relevância a partir da teoria dos germes, pois a explicação

microbiológica para a causa das enfermidades finalmente possibilitou a intervenção

no curso das doenças transmissíveis. Assim, concluiu Czeresnia (1997, 2003), a

influência poderosa da bacteriologia no desenvolvimento da medicina atuou de

maneira a privilegiar:

(...) intervenções especificas, individualizadas, de cunho predominantemente biológico, centradas no hospital e com progressiva especialização e incorporação indiscriminada de tecnologia. Consolidou-se a posição privilegiada da medicina e dos médicos na definição dos problemas de saúde e na escolha das ações necessárias ao controle, tratamento e prevenção das doenças. (CZERESNIA, 2003, p. 4).

Em diferentes países da Europa e nos Estados Unidos, a preocupação do

Estado com as condições de saúde da população se traduzia na implementação da

formação profissional na área da saúde e com a estruturação de modelos de

atuação que pudessem alcançar a saúde dos trabalhadores, pois assim a estrutura

social alicerçada nas premissas do Estado capitalista não seriam abaladas (BUSS;

PELLEGRINI, 2007; SCLIAR, 2007; SABROZA, 2001).

Das inúmeras transformações no ensino da medicina, o destaque ficou a

cargo do projeto da Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino, que deu

origem ao Relatório Flexener. Desde 1910, este relatório instituiu o ideário

hegemônico no campo da saúde, que, através da prática, do ensino e das

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pesquisas, consolidaram o paradigma até hoje vigente. Tal paradigma proporcionou

uma forma de abordar a saúde e a doença em que foram destacados os seguintes

elementos: o curativismo, no qual a saúde era entendida como ausência de doença

em um indivíduo e justificava o diagnóstico e a terapêutica que passaram a agregar

relevância em todo o processo; o mecanicismo, noção de causalidade linear, uma

disfunção mobilizada por uma causa; o biologismo, doença e cura no nível biológico;

o individualismo, o indivíduo como objeto das ações em saúde, o qual seria tratado

por outro indivíduo, sem relação com o contexto social e histórico; e a

especialização. Assim a prática sanitária passou a “ser a busca da cura dos

indivíduos que manifestaram alguma doença.” (SANTOS; WESTPHAL, 1999, p. 73).

A possibilidade do reestabelecimento da saúde, ausência de doença, nessa

época, ficava por conta do atendimento clínico, oferecido principalmente pelos

hospitais.

Buss e Pellegrini (2007) assinalaram que a afirmação desse paradigma que

explicava o processo saúde/doença, por ele chamado de “bacteriológico”, foi se

fortalecendo e ganhou maior expressão com os debates entre as distintas

abordagens e concepções sobre a estruturação do campo da saúde pública nos

Estados Unidos.

Rosen (1980) ressaltou que a classe médica esteve envolvida com os

movimentos sociais que emergiram nesse período e que, ao abordarem as questões

que relacionavam as doenças ao meio ambiente, também reconheciam as

influências das relações sociais que produziam as condições físicas e sociais.

Se, por um lado, o desenvolvimento do paradigma bacteriológico ganhou todo

o reconhecimento devido aos benefícios que alcançou ao enfocar a relação causa-

efeito das doenças, por outro, o doente e o ambiente foram relegados ao segundo

plano (ROSEN, 1980).

Buss e Pellegrini (2007) assinalaram que no centro do debate sobre a

configuração desse novo campo de conhecimento, de prática e de educação,

sempre se fez presente o conflito entre saúde pública e medicina e entre os

enfoques biológico e social do processo saúde/doença.

Sobre esse conflito, Czeresnia (2003) ressaltou que o confronto de posições

continuou existindo entre aqueles que propunham prioritariamente causas e

intervenções gerais (como, por exemplo, sobre as condições precárias de vida,

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sobre a fome e a miséria), contra aqueles que buscavam prioritariamente causas e

intervenções específicas.

Apesar das evoluções alcançadas pelas práticas orientadas com base nos

conhecimentos produzidos a partir do paradigma flexeneriano, o próprio

desenvolvimento da epidemiologia e da imunologia criou uma situação de crise para

alguns elementos constituintes desse paradigma. Nesse sentido, ressaltem-se as

considerações dos autores a seguir:

Crise no mecanicismo – com o desenvolvimento da noção de risco, de exposição e suscetibilidade, uma causa atuando sobre um corpo nem sempre vem a produzir o efeito esperado; crise no biologicismo e na unicausalidade – com a extensão das noções próprias da epidemiologia das doenças transmissíveis para as não transmissíveis, e com a ideia de multicausalidade; igualmente, com a conceituação de fator de risco nas doenças degenerativas, quase sempre associado ao meio físico e/ou social (SANTOS; WESTPHAL, 1999 p. 75).

Como consequência dessa crise deflagrada, houve uma reorientação da

ênfase do curativismo para a prevenção. Santos e Westphal (1999) ressaltaram que:

os elementos assinalados como condicionantes de saúde ultrapassavam os limites

daqueles reconhecidos como tradicionais do processo saúde-doença (doença,

diagnóstico, terapia, recuperação da saúde); o ato médico perdeu o ponto central e

hegemônico do paradigma flexeneriano, ainda que mais intensamente no nível

teórico. Assim, uma nova forma de pensar sobre saúde-doença se configurou e se

instaurou o paradigma social em saúde.

No período entre 1920 e 1950, em um contexto de crítica ao modelo da

medicina curativa surgiu o movimento da medicina preventiva. Este movimento, que

emergia na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, propunha profundas

transformações nas práticas médicas por meio de reformas no ensino da medicina.

Tais reformas pretendiam: promover o desenvolvimento de novas posturas

profissionais com os órgãos de atenção à saúde; ressaltar a responsabilidade dos

médicos na promoção da saúde e na prevenção de doenças; introduzir a

epidemiologia dos fatores de risco; privilegiar a estatística como critério científico de

causalidade (AROUCA, 1975;TORRES, 2002 apud CZERESNIA, 2003).

O contexto que configurou o desenvolvimento do discurso próprio da medicina

preventiva contava com três vertentes: o modelo higienista desenvolvido no século

XIX; a redefinição das responsabilidades médicas durante a sua formação; a

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discussão dos custos elevados da assistência médica (AROUCA, 1997 apud

CZERESNIA, 2003).

Como nos referimos anteriormente no capítulo sobre o desenvolvimento das

ideias pedagógicas, as transformações ocorridas no contexto sociopolítico e

econômico mundial na época do pós-guerra fizeram emergir a consciência de que as

promessas feitas pelos estudiosos apoiados na crença do positivismo

definitivamente não foram alcançadas. O projeto de desenvolvimento sem limites

para o homem e as sociedades, elaborado a partir do conhecimento produzido

através do método cientifico, acabou colocando a própria sobrevivência da espécie

em risco.

4.2 Promoção da saúde

Scliar (2007) destacou o fato de que até o final da década de 1940 ainda não

havia um conceito de saúde aceito universalmente. O autor ressaltou que era

necessário alcançar um consenso entre as diferentes nações, o que de fato ocorreu

apenas em 1948, após a 2ª. Grande Guerra, com a criação da Organização das

Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Sobre a influência das diferentes tendências na abordagem da saúde, Buss e

Pellegrini ressaltaram que:

Apesar da preponderância do enfoque médico biológico na conformação inicial da saúde pública como campo cientifico, em detrimento dos enfoques sociopolíticos e ambientais, observa-se, ao longo do século XX, uma permanente tensão entre essas diversas abordagens, a própria história da OMS oferece interessante exemplo dessa tensão, observando-se períodos de forte preponderância de enfoques mais centrados em aspectos biológicos, individuais e tecnológicos, intercalados com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais (BUSS; PELLEGRINI,2007, p. 80).

O conceito de saúde, formulado pela OMS e divulgado na sua carta de

princípios elaborada em 1948 tanto apontava o reconhecimento do direito universal

à saúde, como a obrigação do Estado com a promoção e a proteção da saúde. Um

conceito amplo dessa carta que refletia as aspirações oriundas dos movimentos pós-

guerra, traduzida por uma vida plena sem qualquer privação: “Saúde é o estado do

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mais completo bem-estar físico mental e social e não apenas ausência de

enfermidade” (SCLIAR, 2007, p. 37).

Rosen (1980) destacou o pensamento do alemão Virchow que antes mesmo

da revolução de 1848 nos estados alemães, ao liderar uma reforma na área médica

dizia que a medicina era uma ciência social e que a política por sua vez, era a

medicina em grande escala. Chardwick (1840) reconheceu a precariedade das

condições de vida das classes populares da Inglaterra e as influências que tais

condições imprimiam à saúde destes grupos sociais e apontou a pobreza como

consequência do adoecer. Chardwick considerava ainda que as doenças acometiam

os indivíduos sem que estes pudessem ser responsabilizados, assim, as doenças

deveriam ser entendidas como um dos elementos pelo incremento do número de

pessoas pobres.

Rosen (1980) esclareceu que Sigerist, historiador da medicina, em 1945

utilizou pela primeira vez o termo “promoção de saúde” ao definir as quatro tarefas

essenciais da medicina (promoção da saúde, prevenção das doenças, recuperação

e reabilitação de enfermos). Aprofundando os debates da época, propôs que para

promover a saúde seria necessária uma conjunção de esforços de distintas áreas e

setores sociais (político, médico, educacional, sindical), com o objetivo de promover

boas condições de vida, trabalho, educação, cultura, lazer e descanso para todas as

pessoas.

Buss (2000) ressaltou a importância do trabalho do austríaco Johann Peter

Frank que, no século XVIII, reconhecia que a pobreza, a desnutrição e as más

condições de vida e trabalho eram as principais causas das doenças. O autor

ressaltou que o conjunto dessas ideias se constituiu nos alicerces das formulações

que posteriormente relacionaram saúde à qualidade de vida.

Leavell e Clark (1976), segundo Buss (2000), utilizaram o conceito de

promoção da saúde para o desenvolvimento do modelo da história natural da

doença, que conformava três níveis de prevenção, cada uma contendo pelo menos

cinco outros níveis distintos, os quais poderiam se constituir em contexto de

aplicação de medidas preventivas, de acordo com o grau de conhecimento de cada

doença.

Czeresnia (2003) destacou a relevância do trabalho de Leavell e Clarke

(1976) e assinalou que aquele trabalho se constituiu na base conceitual do

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movimento que configurou a medicina preventiva, ao descrever tanto o modelo da

causalidade das doenças a partir da relação entre agente, hospedeiro e meio-

ambiente – a tríade ecológica, quanto o conceito de história natural das doenças

definido como:

Todas as inter-relações do agente, do hospedeiro e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estimulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar (pré-patogênese), passando pela resposta do homem ao estimulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (patogênese).(LEAVELL; CLARCK, 1976, p.17 apud CZERESNIA, 2003, p. 6).

O conceito de prevenção foi definido como “ação antecipada, baseada no

conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o processo da doença”.

Essas ações puderam ser efetivadas em três níveis distintos: prevenção primária,

secundária e terciária (LEAVELL; CLARCK, 1976, p. 17 apud CZERESNIA, 2003, p.

6).

Sobre a prevenção primária, Buss (2000) esclareceu que deveria ser

desenvolvida na fase de patogênese, em que se integram medidas que viabilizam o

desenvolvimento de uma saúde geral melhor e se efetiva a partir da proteção

específica do homem contra agentes patológicos ou através da construção de

barreiras contra os agentes do meio ambiente, sendo a educação em saúde um

elemento importante para esse objetivo.

A prevenção secundária foi também apresentada em duas fases: a primeira

que contempla o diagnóstico e o tratamento precoce; a segunda, a limitação da

invalidez. A prevenção terciária ficou focada em ações de reabilitação. Tal

abordagem da medicina preventiva acabou produzindo uma limitação do enfoque

sobre os aspectos sociais do processo de saúde e doença, naturalizando-os na

medida em que construiu modelos explicativos e históricos sobre o processo do

adoecer humano (LEAVELL; CLARCK, 1976 apud CZERESNIA, 2003).

Buss (2000) ressaltou que tal enfoque, da promoção da saúde, centrado no

indivíduo, focalizando eventualmente a família ou grupos sociais, foi inapropriado

para o combate às doenças não transmissíveis e crônico-degenerativas que

mobilizaram as pesquisas biológicas e epidemiológicas sobre agentes causais e

fatores de risco. O resultado desse processo viabilizou o desenvolvimento de

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sofisticadas técnicas de exames complementares que programaram o

aperfeiçoamento das ações preventivas com base no diagnóstico precoce.

A ampliação da tendência de intensa capitalização e aumento nos custos dos

serviços médicos, somados à crescente demanda de tais serviços, levaram os

sistemas de saúde dos países ocidentais a uma crise estrutural, que somente a

partir da ampliação do conceito de saúde pode ser enfrentada (CZERESNIA, 2003).

Desenvolvido no interior do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá,

em 1974 por Marc Lalonde o conceito de campo da saúde (healthfield) demonstrou

ser um conceito útil na análise dos fatores que intervinham sobre a saúde e sobre os

quais a saúde pública deveria intervir (SCLIAR, 2007).

Os fundamentos do Informe de Lalonde (correspondente à publicação do

documento “A New Perspective on the Health of Canadians”) estavam descritos no

conceito de campo de saúde os chamados determinantes de saúde. Segundo Buss

(2000, p. 167), esse conceito “contempla a decomposição do campo de saúde em

quatro amplos componentes: biologia humana, ambiente, estilo de vida e

organização da assistência à saúde, dentro dos quais se distribuem inúmeros

fatores que influenciam a saúde”.

As conclusões desse documento também apontavam que as principais

causas das enfermidades e mortes correspondiam às questões relacionadas à

biologia humana, ambiente e estilo de vida (BUSS, 2000).

A parceria entre a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das

Nações Unidas para a Infância em 1978 possibilitou a realização da I Conferência

Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata que resultou na

elaboração de um novo enfoque para o campo da saúde.

Scliar (2007), ao discorrer sobre o contexto sociopolítico no qual se deu a

conferência de Alma-Ata, ressaltou o papel relevante na organização,

desempenhado pelos países socialistas. O enfoque da conferência recaiu sobre: a

intensa desigualdade na situação de saúde entre os países desenvolvidos e

subdesenvolvidos; a responsabilidade governamental na provisão da saúde da

população e a importância da participação dos indivíduos e comunidades no

planejamento e implementação das ações de cuidados à saúde. As estratégias e as

estruturas dos serviços de saúde foram definidas como:

1) as ações de saúde devem ser práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; devem estar ao alcance de todos, pessoas e famílias –

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portanto, disponíveis em locais acessíveis a comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do país. Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados primários à saúde representam a porta de entrada para o sistema de saúde (...) a base. O sistema nacional de saúde, por sua vez, deve estar inteiramente integrado ao processo de desenvolvimento social do país, processo este do qual saúde é causa e consequência (SCLIAR, 2007, p. 38).

Os cuidados primários à saúde propostos pela Conferência de Alma-Ata,

segundo Scliar (2007), deveriam estar adaptados às condições sociopolíticas,

culturais e econômicas locais e incluiriam: nutrição adequada; saneamento básico;

educação em saúde; cuidados materno-infantis; planejamento familiar; imunizações;

controle e prevenções de doenças endêmicas e de outros fatores de agravo à

saúde; provisões de medicamentos essenciais.

Scliar (2007) ao analisar as conotações contidas no conceito de cuidados

primários de saúde tece uma extraordinária reflexão:

É uma proposta racionalizadora, mas é também uma proposta política; em vez da tecnologia sofisticada oferecida por grandes corporações, propõe tecnologia simplificada, “de fundo de quintal”. No lugar de grandes hospitais, ambulatórios; de especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma lista básica de medicamentos – enfim, em vez de uma “mística de consumo”, uma ideologia da utilidade social. Ou seja, uma série de juízo de valores, que os pragmáticos da área rejeitam. A pergunta é: como criar uma política de saúde pública sem critérios sociais, sem juízo de valor SCLIAR (2007, p. 39).

Para Buss (2007) a Conferência de Alma-Ata e as atividades desenvolvidas a

partir do tema “Saúde para todos no ano de 2000” recolocaram em destaque a

questão dos determinantes sociais da saúde.

A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em

1986 em Ottawa (Canadá), configurou-se como uma resposta às demandas em

nível mundial às questões de saúde pública. As reflexões e discussões foram

realizadas com base nos progressos alcançados por meio da Declaração de Alma-

Ata para os Cuidados Primários em Saúde: no documento da Organização Mundial

de Saúde (OMS) sobre Saúde para Todos, e no debate realizado na Assembleia

Mundial de Saúde sobre as ações intersetoriais necessárias para o setor.

A Carta de Ottawa, documento produzido nesta conferência, como Carta de

Intenções, definiu promoção da saúde como:

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Um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem--estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar as aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente (BRASIL, 2002, p. 19).

A saúde, a partir de então, deveria ser compreendida como um recurso para a

vida, um conceito positivo que põe em relevo os recursos sociais, pessoais e

capacidades físicas. Nesse sentido, a promoção da saúde ficaria a cargo não

apenas do setor de saúde, mas deveria envolver todos os setores que se articulam

no alcance do bem-estar global.

A implementação das condições de saúde de uma determinada população

ficou relacionada à necessidade de articulação de recursos básicos de alimentação,

habitação, educação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, paz, justiça

social e equidade. Tais aspectos das disposições sociais foram considerados como

pré-requisitos para o alcance das condições de saúde em uma sociedade. A partir

de então, as práticas comprometidas com a promoção da saúde deveriam tanto

potencializar o desenvolvimento pessoal, social e econômico, quanto articular a

ampliação dos níveis de qualidade de vida.

Um dos principais focos destacados para a promoção da saúde relaciona-se

ao alcance da equidade em saúde, ou seja, deve ser assegurado a todos os

indivíduos o direito de desenvolver seu potencial de saúde. Para isso, destacou-se a

necessidade de garantir uma base sólida, constituída de: “ambientes favoráveis,

acesso à informação, as experiências de habilidades na vida, bem como

oportunidades que permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia ”(BRASIL,

2002).

A Carta de Ottawa definiu cinco campos centrais de ação: elaboração e

implementação de políticas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde;

reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais; reorientação

do sistema de saúde (BRASIL, 2002).

Segundo a Carta de Ottawa (1986), para atingir os objetivos da promoção de

saúde, não se pode compreender a responsabilidade das ações necessárias apenas

no âmbito da saúde, as ações devem ser coordenadas e abrangentes, de modo que

articule todos os setores da sociedade: governo, setor de saúde, setores sociais e

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econômicos, organizações não governamentais, autoridades locais e mídia. Todas

as pessoas devem ser envolvidas nesse processo: indivíduos, famílias e

comunidades. As estratégias para a promoção da saúde devem ser estabelecidas

segundo as necessidades e peculiaridades de cada região, considerando as

características sociais, culturais e econômicas de cada sociedade.

Para se construir políticas públicas saudáveis, o documento de intenções da

Conferência Internacional de Promoção de Saúde (1986), assinalou que:

A promoção da saúde vai além dos cuidados de saúde. Ela coloca a saúde na agenda de prioridades dos políticos e dirigentes em todos os níveis e setores, chamando-lhes a atenção para as consequências que suas decisões podem ocasionar no campo da saúde e a aceitarem suas responsabilidades políticas com a saúde. (...) a política de promoção da saúde requer a identificação e a remoção de obstáculos para a adoção de políticas públicas saudáveis nos setores que não estão diretamente ligados à saúde. O objetivo maior deve ser indicar aos dirigentes e políticos que as escolhas saudáveis são as mais fáceis de realizar (BRASIL, 2002, p. 22).

A criação de ambientes favoráveis à saúde foi relacionada ao reconhecimento

das características complexas da sociedade, esse fato apontou a necessidade de

uma compreensão mais abrangente dos fenômenos relacionados à saúde, tornando-

se, então, imprescindível a consideração dos elementos que ligam a população ao

meio ambiente. Foi ressaltado o fato de que as relações estabelecidas entre

indivíduos, comunidades e meio ambiente podem resultar no encorajamento da

ajuda mútua tanto no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo.

O acompanhamento sistemático do impacto que as mudanças no meio ambiente produzem sobre a saúde – particularmente nas áreas de tecnologia, trabalho, produção de energia e urbanização – é essencial e deve ser seguido de ações que assegurem benefícios positivos para a saúde da população. A proteção do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais devem fazer parte de qualquer estratégia de promoção da saúde (BRASIL, 2002, p. 23).

O reforço da ação comunitária estaria então relacionado ao incremento do

poder técnico e político das comunidades (empowerment). A promoção da saúde

deve ser realizada a partir de ações comunitárias concretas e efetivas, desde a

identificação de prioridades e tomada de decisões, até a elaboração e

implementação de estratégias com vista à melhoria das condições de saúde da

população. Foi destacado como aspecto central desse processo o fortalecimento do

poder das comunidades que devem passar pela apropriação e o controle dos

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esforços e metas a serem alcançadas. O desenvolvimento das comunidades seria

construído a partir da mobilização de recursos humanos e materiais já existentes e,

sobretudo, intensificando a capacidade de autoajuda e apoio social. Todo esse

processo só seria possível a partir de apoio financeiro e da garantia, aos indivíduos

e aos grupos, de acesso contínuo à informação e às oportunidades de

aprendizagem para os assuntos de saúde (BRASIL, 2002).

O desenvolvimento de habilidades pessoais e atitudes favoráveis à saúde nas

diferentes fases da vida também se constituíram em um campo importante da

promoção da saúde. Para alcançar esse objetivo seria imprescindível a divulgação

de informações dirigidas à educação para saúde em diversos contextos, no lar, na

escola, no trabalho e outros espaços coletivos (BRASIL, 2002).

Buss destacou do documento de intenções da Conferência Internacional de

Promoção de Saúde, a questão de responsabilidade de diversas organizações na

divulgação dessas informações e ressaltou que essa divulgação possibilita avançar

no desenvolvimento da ideia de empowerment, entendido como “o processo de

capacitação (aquisição de conhecimento) e de poder político por parte dos

indivíduos e da comunidade” (BUSS, 2000, p.171), o que também resgata a

dimensão da educação em saúde.

A reorientação para os serviços de saúde apontaram a necessidade de uma

aproximação gradativa no sentido da promoção da saúde, além das já assumidas

responsabilidades de prover serviços clínicos e de urgência. Tais serviços deveriam

ser dirigidos por uma postura “(...) abrangente, que perceba e respeite as

peculiaridades culturais. Esta postura deve apoiar as necessidades individuais e

comunitárias para uma vida mais saudável, abrindo canais entre o setor de saúde e

os setores sociais, políticos, econômicos e ambientais” (BRASIL, 2002, p. 24).

Também foram destacados os esforços que deveriam focalizar tanto a

implementação de pesquisa em saúde, como mobilizar mudanças na educação e no

ensino dos profissionais da área de saúde. Verificou-se que seria necessária uma

mudança na atitude e na organização dos serviços de saúde, para o

desenvolvimento de ações de promoção de saúde, pois estes deveriam focalizar as

necessidades globais dos indivíduos (BRASIL, 2002).

Buss (2000) ressaltou que, na abordagem da promoção da saúde e qualidade

de vida, deveriam ser destacadas as questões relativas: às políticas públicas

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saudáveis, à governabilidade, à gestão social, à intersetorialidade, às estratégias

dos municípios saudáveis e ao desenvolvimento local. Segundo o autor, estes

seriam os mecanismos operacionais, práticos e concretos, para produzir a

implementação de estratégias em promoção da saúde e qualidade de vida.

Embora as contribuições das políticas públicas na implementação de ações

que beneficiaram significativamente a condição de saúde das populações ao longo

da história tenham sido muito relevantes, a limitação da ação sanitária acabou

prescrevendo um espectro de intervenção determinado pelo paradigma clássico em

saúde pública (BUSS, 2000).

As políticas que impulsionaram a economia industrial com alta concentração

de pessoas nos espaços urbanos ao longo do século XX geraram, como referimos

anteriormente, danos ambientais irreparáveis, desigualdades sociais, ambientes

sociais mórbidos de sociopatias e psicopatias que, desde o Informe de Lalonde

(1974), passaram a ser questionadas em função da relação de recursividade entre

políticas públicas e saúde das populações.

Como verificaremos a partir da observação dos próximos temas das

conferências mundiais sobre promoção da saúde, as questões sociais foram se

revelando como elementos primordiais na produção de saúde das populações, e

recursivamente apontando as políticas públicas como escopo de enfrentamento

dessas condições.

A II Conferência de Adelaide (1988) sobre Promoção da Saúde abordou a

Promoção da Saúde e Políticas Saudáveis, focalizando os temas relacionados: ao

interesse explícito das diferentes áreas das políticas públicas em relação à saúde; à

equidade; ao compromisso com os impactos dessas políticas sobre a saúde da

população. A intersetorialidade foi ressaltada nesse documento, assim como as

responsabilidades dos governos no gerenciamento das políticas econômicas e suas

influências nos sistemas de saúde (BUSS, 2000).

Buss (2000, p. 271) ressaltou que, com essa Conferência:

(...)se afirmou a visão global e a responsabilidade internacionalista da promoção de saúde, quando se estabelece que devido ao grande fosso existente entre os países quanto ao nível de saúde, os países desenvolvidos teriam a obrigação de assegurar que suas próprias políticas públicas resultassem em impactos positivos da saúde das nações em desenvolvimento.

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Na Suécia, em 1991, na cidade de Sundsvall, segundo o autor, foi realizada a

III Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, abordando a “Promoção da

Saúde e Ambientes Favoráveis”, através desta, foi observado claramente a relação

de interdependência entre saúde e meio ambiente, ressaltando as dimensões

sociais, culturais, políticas e econômicas.

Da dimensão social, ou seja, na forma como os costumes, as normas e os

processos sociais afetam a saúde foi ressaltado o risco da perda de valores

tradicionais e da herança cultural das populações, assim como o isolamento social

em muitas sociedades. Na dimensão política foi abordada a necessidade de ações

governamentais que garantissem a participação democrática da população nos

processos de decisão e a descentralização dos recursos e responsabilidades. No

âmbito da economia, foi focalizada a necessidade de reordenamento de recursos

para fins sociais, assim como para a saúde e desenvolvimento sustentável. Também

foi destacada a necessidade da implementação da participação das mulheres nos

diferentes setores e instâncias sociais (BUSS, 2000).

O documento ressaltou a eficácia de ações isoladas de cunho local que

objetivaram práticas em educação, nutrição, habitação, vizinhança, transporte e

trabalho (cenário articulado que constitui a pirâmide dos ambientes favoráveis de

Sundsvall).

A IV Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde discutiu a

“Promoção da Saúde no Século XXI” e foi sediada em Jacarta (Indonésia) em 1997.

A Conferência resgatou elementos da Carta de Ottawa, reinterando a eficácia da

abordagem da promoção da saúde em diferentes espaços físicos e sociais (escolas,

locais de trabalho, cidades, comunidades locais).

A promoção da saúde, mediante investimentos e ações, atua sobre os determinantes da saúde para criar o maior beneficio para os povos, para contribuir de maneira significativa para a redução das iniquidades em questões de saúde, para assegurar os direitos humanos e para a formação do capital social (BRASIL, 2002, p. 49).

Sobre os determinantes da saúde, o documento ressaltou que os pré-

requisitos para a saúde seriam: paz, abrigo, instrução, segurança social, justiça

social, alimento, renda, instrução, ecossistema estável, direito de voz às mulheres,

respeito aos direitos humanos, equidade e a pobreza foi destacada como a maior

ameaça à saúde. Nesse sentido, a Carta de Jacarta assinalou a importância em

fazer frente aos determinantes da saúde, pois além das doenças crônicas e

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infecciosas, os fatores transacionais representam um impacto significativo sobre a

saúde:

Incluem-se entre estes a integração da economia global, os mercados financeiros e o comércio, o acesso aos meios de comunicação de massa e à tecnologia de comunicações, assim como a degradação ambiental devida ao uso irresponsável dos recursos (...) Essas mudanças moldam os valores, os estilos de vida durante toda a existência das pessoas e as condições de vida em todo o mundo (...) As pesquisas e os estudos de casos realizados mundialmente apresentam provas convincentes de que a promoção da saúde funciona. As estratégias de promoção da saúde podem provocar e modificar estilos de vida, assim como as condições sociais, econômicas e ambientais que determinam a saúde. A promoção da saúde é um enfoque prático para a obtenção de maior equidade em saúde (BRASIL, 2002, p. 50).

Em 2000, foi realizada na Cidade do México, a V Conferência Internacional

Sobre Promoção de Saúde, que abordou o seguinte tema: “Promoção de saúde

rumo a uma maior equidade”, destacando que as ações deveriam ser efetivadas

para que as propostas anteriores de promoção da saúde, nos países-membros da

organização, fossem alcançadas. A Declaração do México ressaltou: a construção

do nível mais alto possível de saúde se constitui em um elemento positivo para o

aproveitamento da vida e imprescindível para o desenvolvimento socioeconômico e

a equidade; tanto os governos quanto a sociedade civil são responsáveis pela

promoção da saúde e pelo desenvolvimento social; a necessidade de implementar a

articulação dos diferentes setores sociais para a abordagem dos determinantes

econômicos, sociais e ambientais da saúde.

Os destaques das ações propostas ressaltaram a colocação da promoção da

saúde como prioridade fundamental das políticas e programas locais, regionais,

nacionais e internacionais, viabilizando, assim, as ações intersetoriais.

A VI Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, com o tema:

“Promoção da saúde num mundo globalizado”, foi realizada em Bangkok, na

Tailândia, em 2005. A carta de Bangkok identificou compromissos, ações e

intenções “(...) para abordar os determinantes de saúde em um mundo globalizado

através da promoção da saúde” (WHO, 2005, p.1).

Esse documento reitera os conceitos e propostas de promoção da saúde

apresentadas nos documentos oficiais das conferências anteriores e ressalta que as

políticas e as parcerias que têm como objetivo comum tanto o empoderamento das

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comunidades como a melhoria das condições e equidade na saúde deveriam ser

priorizadas nos planos e projetos de desenvolvimento global e nacional.

A carta da conferência realizada em Bangkok, na Tailândia, dirigida aos

governos, à sociedade civil, ao setor privado e às organizações internacionais,

enfatizou que:

A promoção da saúde se baseia no direito humano fundamental que oferece um conceito positivo e inclusivo de saúde como um determinante da qualidade de vida, incluindo o bem-estar mental e espiritual. (...) é o processo que permite as pessoas aumentar o controle sobre sua saúde e seus determinantes, mobilizando-se (individual e coletivamente) para melhorar a sua saúde. É uma função central da saúde pública e contribui para o trabalho de enfrentar doenças transmissíveis e não transmissíveis, além de outras ameaças à saúde (WHO, 2005, p. 1).

Ao abordar os determinantes sociais, a carta de Bangkok assinalou a situação

crítica, em decorrência do aumento da crescente da desigualdade tanto no interior

dos países, quanto entre os países; dos atuais padrões de comunicação e consumo;

das práticas globais de comercialização; das mudanças globais no meio ambiente; e

do contínuo crescimento do processo de urbanização.

Esses elementos do contexto mundial somados aos desafios das rápidas

mudanças sociais e econômicas que afetam de maneira adversa as condições de

vida, trabalho, ambiente de aprendizagem, padrões familiares, cultura local e o

tecido social da comunidade devem ser equacionados por de políticas públicas e

privadas coerentes, em um processo comunicativo eficiente.

As estratégias propostas para a promoção da saúde em um mundo

globalizado apontaram intervenções efetivas, pela ação política, mas com ampla

participação das populações e a advocacia sustentável.

O desenvolvimento dessas estratégias ficou atrelado ao apoio de todos os

setores e meios a fim de contribuir para:

Advogar pela saúde com base nos direitos humanos e na solidariedade; investir em políticas sustentáveis, ações e infraestrutura para atuar nos determinantes da saúde; desenvolver capacidades para desenvolvimento de políticas, liderança, prática de promoção da saúde, transferência de conhecimento, pesquisa e conhecimentos básicos de saúde; regular e legislar para assegurar um alto nível de proteção de agravos e criar oportunidades iguais de saúde e bem-estar para todas as pessoas; construir parcerias e alianças com

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organizações públicas, privadas, não governamentais e sociedade civil com o objetivo de criar ações sustentáveis (WHO, 2005, p.3).

Essas estratégias propostas na Conferência de Bangkok, na Tailândia

surgiram através do entendimento de que não só o setor da saúde é capaz de

viabilizar o estabelecimento de lideranças na construção de políticas e parcerias

para a promoção da saúde, como também o enfoque político integrado (governo,

sociedade civil, setor privado, organizações internacionais), com a utilização de

todos os meios, pode atuar de forma a promover o avanço da abordagem dos

determinantes sociais de saúde.

A intenção de implementar o enfrentamento dos determinantes sociais da

saúde foi também traduzida nos compromissos assumidos que pretendem tornar a

promoção da saúde : “uma preocupação central na agenda do desenvolvimento

global; uma responsabilidade central para o governo como um todo; um dos

principais focos das comunidades e sociedade civil; uma exigência para a boa

pratica corporativa” (WHO, 2005, p. 4).

A VII Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde realizada em

Nairobi, no Quênia, em 2009, focalizou o tema: “Promovendo a saúde e o

desenvolvimento: quebrar as lacunas de implementação”. Abordou os seguintes

assuntos: a autonomia comunitária e individual, através do desenvolvimento de

temas relacionados ao empoderamento da comunidade e conhecimento sobre

saúde e comportamento; a pertinência social e saúde, destacando o Reforço dos

Sistemas de Saúde; o fortalecimento do trabalho em rede, através das discussões

sobre parcerias e ação intersetorial; a questão da capacitação para o trabalho em

promoção da saúde, através da construção de competências para a promoção da

saúde.

A Conferência se tornou uma chamada à ação, com o objetivo de fechar o

abismo entre desenvolvimento e a promoção da saúde. Os delegados lançaram um

apelo para governos, organizações de desenvolvimento e serviços de saúde,

sociedade civil, famílias, indivíduos, comunidade e redes sociais para unirem

esforços e reestabelecerem políticas e programas de promoção da saúde a fim de

evitar o crescimento das taxas de doenças e morte evitáveis. Foi construído um

documento denominado “NairobiCalltoAction”, que apontou a urgência em construir

e aplicar conhecimento; promover o ensino sobre promoção da saúde; empoderar

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indivíduos e comunidades; promover processos participativos e reforçar liderança e

a força de trabalho.

A partir da descrição sucinta de temas, discussões, compromisso, propostas

de ações das conferências internacionais sobre promoção da saúde apresentadas

anteriormente, promovidas formalmente pela OMS, procuramos construir um

caminho para o entendimento contextualizado dos elementos que constituiriam a

definição de condição de ter saúde.

Concordamos com Buss (2007), que ressaltou que, apesar de predominar, na

década de 1980, a visão de saúde como um bem privado com enfoque no indivíduo,

na década de 1990, o debate sobre as metas do milênio recolocou a ênfase sobre

os determinantes sociais, que foi reafirmada a partir de 2005 com a criação da

Comissão sobre Determinantes Sociais da OMS.

O autor, citando o pensamento de Almeida Filho (2002), ressaltou que vem se

firmando nas últimas décadas um extraordinário desenvolvimento nos estudos sobre

os determinantes sociais da saúde, ou seja, sobre as relações existentes entre a

maneira como uma sociedade se organiza e se desenvolve e a situação de saúde

de sua população.

A grande maioria dos estudos gira em torno das desigualdades nas condições

de saúde entre distintos grupos de população - iniquidades em saúde – que se

apresentam de formas sistemática e relevante, estáveis, injustas e desnecessárias,

segundo Whitehead (2000 apud Buss, 2007).

Esse grande número de estudos sobre iniquidades em saúde podem ser

agrupados em três gerações: os primeiros, aqueles que descreviam as relações

entre pobreza e saúde; os segundos, aqueles que se dedicaram a descrever os

gradientes de saúde, conforme os vários critérios de estratificação socio-

econômicos; e os terceiros, a atual geração de estudos que enfocam os

mecanismos de produção das iniquidades, que com base nas ideias de Adler (2006

apud Buss, 2007) corresponde a questionamentos sobre as maneiras pelas quais a

estratificação socioeconômica “entra” no corpo humano.

Dos diferentes estudos sobre os mecanismos, através dos quais os

determinantes sociais de saúde promovem as iniquidades de saúde, Buss (2007)

destacou as seguintes abordagens: as que privilegiam o aspecto físico-material;

aquelas que focalizam aspectos psicossociais; e aquelas que buscam identificar o

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desgaste do “capital social” (das relações de solidariedade e confiança entre

pessoas e grupos). Este último enfoque explicita que locais onde se encontram

populações com frágeis laços de coesão social, mobilizadas pelas iniquidades de

renda, contam com uma organização política e social que pouco investe em capital

humano e em redes de apoio social, e, ao contrário, as sociedades mais igualitárias,

com maior coesão social, atingem os melhores níveis de saúde.

As intervenções sobre os determinantes sociais da saúde podem se dar

mediante políticas que atuam em distintos níveis, conforme explicitaram Buss e

Pellegrini Filho (2007).

(...) relacionado aos fatores comportamentais e estilos de vida (...) de abrangência populacional (...) programas educativos, comunicação social, acesso facilitado a alimentos saudáveis, criação de espaços públicos para pratica de esportes e exercícios físicos (...) proibição à propaganda do tabaco e álcool. (...)corresponde às comunidades e suas redes de relações. (...) políticas que busquem estabelecer redes de apoio e fortalecer a organização e a participação de pessoas e das comunidades, especialmente dos grupos vulneráveis, em ações coletivas para a melhoria de suas condições de saúde e bem-estar. (...) sobre as condições materiais e psicossociais nas quais as pessoas vivem e trabalham, buscando assegurar melhor acesso à água limpa, esgoto, habitação adequada, alimentos saudáveis, emprego seguro e realizador, ambientes de trabalhos saudáveis, serviços de saúde e de educação de qualidade e outros. (...) dos macro x determinantes, políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteção ambiental e de promoção de uma cultura da paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindo as desigualdades sociais e econômicas, as violências, a degradação ambiental (BUSS, 2007).

Os autores assinalaram que as intervenções sobre os distintos níveis dos

determinantes sociais de saúde que buscam diminuir as iniquidades relativas à

estratificação social demandam, obrigatoriamente, ações intersetoriais coordenadas,

envolvendo diversos níveis da administração publica, com características

transversais visando em última instância ao fortalecimento e à ampliação do capital

social das comunidades.

Procuramos através da abordagem histórica e antropológica explorar o campo

em que foram se desenvolvendo as diferentes ideias e concepções sobre saúde e

doença. Ressaltamos que as distintas significações que o “adoecer” foi ganhando ao

longo do tempo esteve sempre atrelado aos sistemas explicativos disponíveis em

cada época, mobilizando condições para o enfrentamento dessa condição.

Ressaltamos que este processo histórico proporcionou o fortalecimento de uma

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visão cada vez mais complexa da condição humana relativa à saúde e à doença.

Vimos se reafirmarndo cada vez mais uma concepção integrativa de homem, com

enfoque de níveis individuais, sociais, culturais, micro e macro político e econômico.

Se, por um lado, a incomensurável ampliação do conhecimento desenvolvido

através da especialização da área médica vem subsidiando o enfrentamento das

condições individuais adversas à manutenção da ausência de doença, o

conhecimento produzido pelas ciências humanas e sociais vem contribuindo para a

compreensão dos fenômenos que envolvem o ser humano em cada contexto

econômico, social e político e as condições de saúde.

4.3 A saúde no Brasil

Diante das recentes definições de saúde e do processo saúde-doença, torna-

se fácil identificar a complexidade da abrangência e os determinantes sociais das

condições de saúde. Considerando o entendimento de saúde em um sentido amplo,

Almeida et AL. (1998) propuseram uma abordagem da saúde como componente da

qualidade de vida, como “um bem comum” e um direito social que deve ser

assegurado a todos, enfim, se relaciona com o exercício da cidadania.

Os autores assinalaram que o processo saúde-doença, quando focado a

partir da determinação causal poderia representar “o conjunto de relações e

variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população,

que se modifica, nos diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico

da humanidade” (ALMEIDA et al., 1998, p. 11).

Para realizar essa apreciação sobre as mudanças ocorridas ao longo do

tempo, na forma de abordar e encaminhar os problemas da saúde no território

nacional, adotaremos a visão histórica a partir da saúde pública, pois esta nos

permite identificar tanto a significação e a responsabilização pela condição de

saúde/doença, quanto as especificidades do contexto social, político e econômico

em que estas se dão. Destacaremos desse percurso no decorrer do tempo sobre

saúde/doença alguns pontos mais significativos como o movimento higienista

distintivo do paradigma biológico, a crítica à medicalização desmedida e a

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implantação e fortalecimento das estratégias de promoção de saúde como

representante característico das ações em saúde quando esta é entendida na

congruência de aspectos físicos, psicológicos, comunitários, culturais e espirituais do

homem.

Certamente as transformações ocorridas na abordagem das questões de

saúde, em diferentes partes do globo, se faziam também presentes no território

nacional, porém sempre muito tempo após os primeiros sinais das mudanças

ocorridas no continente europeu e norte americano.

Paim et al. (2011), ao discorrerem sobre o sistema de saúde brasileiro

explicitaram que este foi construído por meio de uma intensa variedade de

organizações públicas e privadas estabelecidas em distintos períodos.

O contexto sociopolítico e econômico durante o período do Brasil Colônia

(1500 a 1822) se caracterizou pelo controle português, que monopolizava o

comércio, e pela exploração de matéria-prima. Em termos de saúde, o Brasil contava

com uma organização sanitária incipiente que a partir da criação de alguns hospitais

da Santa Casa, localizadas em algumas poucas cidades mais populosas,

procuravam dar conta das doenças pestilenciais e de outros problemas de saúde da

população (SINGER; CAMPOS, 1978 apud PAIM et al., 2011).

Carvalho, Westphal e Lima (2007) destacaram que, nesse período e na época

do Brasil Império, o Estado não intervinha diretamente nos problemas de saúde, a

não ser por medidas que tinham por finalidade a contenção das epidemias e por

meio de núcleos educacionais que disseminavam as normas higiênicas em meio a

diferentes atividades educacionais.

Contando com um centralismo político e um sistema de coronelismo, que

atribuía-se aos grandes proprietários de terra o controle político sobre as populações

das províncias, assim, o Brasil assistiu e integrou-se ao surgimento do capitalismo

moderno a da industrialização a partir da abertura dos portos para o comércio. Esse

novo direcionamento econômico e social demandou a estruturação do sistema de

saúde voltado para a política sanitária, que se dava pela administração municipal

principalmente para controle e vigilância dos portos e do comércio (MACHADO;

LOUREIRO, 1978 apud PAIM et al., 2011).

O Estado liberal-oligárquico da República Velha (1889-1930), na área

econômica e política, enfrentava revoltas militares, diversas emergências sociais e a

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crise na comercialização do café. Fragilizado, o Estado precisou enfrentar, no âmbito

da saúde, além das condições insalubres dos portos, as doenças pesticilenciais, as

doenças de massa e as endemias rurais. O sistema de saúde efetivou a reforma das

competências da Diretoria Geral de Saúde Pública, porém continuou oferecendo

uma incipiente assistência à saúde por meio da previdência social (BRAGA e

PAULA, 1981 apud PAIM et al., 2011).

Carvalho, Westphal e Lima (2007) ressaltaram que do final do século XIX ao

início do século XX a medicina liberal se ocupava da atenção à saúde da classe

média das cidades e dos setores dominantes da sociedade brasileira. Ao mesmo

tempo em que as medidas saneadoras coletivas focavam a identificação dos

enfermos e o seu confinamento em desinfetórios organizados pela política sanitária,

também organizavam a vacinação compulsória altamente rejeitada pela população.

Os autores acima citados destacaram que as formas encontradas de

intervenção foram reforçadas pela concepção da educação tradicional, que tais

formas tinham por finalidade a eliminação da ignorância e melhorar as condições de

saúde da população.

4.3.1 O movimento higienista e os impactos sobre os hábitos e costumes dos

indivíduos e das famílias brasileiras

Jurandir Freire Costa (1999), ao discorrer sobre o controle e o poder da

ordem médica, exercidos sobre a sociedade brasileira, assinalou seu início na época

do Brasil colônia. A fragilidade política do governo para efetivar o controle das

regiões urbanas abriu espaço para a medicina higiênica integrar-se ao governo

político dos indivíduos que até então era composto pelo Estado, o clero e as

famílias.

Com a expulsão dos jesuítas, o Estado brasileiro se apoiou na medicina

higiênica para influenciar a população no estabelecimento de uma nova ordem

social, pois congregava os interesses da corporação médica e os objetivos da elite

agrária. Não sem conflito, essas forças acabaram construindo um denominador

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comum, “(...) o Estado aceitou medicalizar suas ações políticas, reconhecendo o

valor político das ações médicas” (COSTA, 1999, p. 29).

A necessidade de acomodação das populações urbanas exigiu

transformações na organização física e social das cidades, assim a medicina,

através de métodos e técnicas, pôde contribuir para a resolução dos problemas de

saúde, mais especificamente através da higienização.

Ainda que a higienização das cidades contasse com a resistência da tradição

familiar que permeava os hábitos e os costumes dos indivíduos, a ordem médica ao

apontar os benefícios e ganhos resultantes da sujeição da família a essa nova

ordem, pode juntamente com o apoio do Estado se consolidar, ainda que tendo

como modelo a família de origem elitista. Os excluídos desse padrão, a saber: os

escravos, ciganos, vagabundos, loucos, mendigos e tantos outros grupos tidos como

marginais, serviriam de contraponto, exemplos do não cumprimento as normas

propostas pela higiene (COSTA, 1999).

Apoiado nos aportes de Foucault, o autor assinalou que a norma,

diferentemente da lei, se fundamenta histórica e politicamente nos pressupostos do

Estado moderno dos séculos XVIII e XIX, com a compreensão teórica explicitada

pela ideia de dispositivo que, constituído por práticas discursivas e não discursivas,

atua de maneira marginal promovendo a sujeição dos indivíduos.

Segundo Costa (1999), a tecnologia da norma utilizada para solucionar

problemas políticos atuou sobre os loucos com o objetivo de “preservar a integridade

do contato social democrático-burguês”. Sob a tutela da psiquiatria, a loucura foi

penalizada sem que houvesse agressão aos preceitos humanistas dos princípios

liberais do Estado moderno.

Sobre a família, a norma cumpriu a função de adequar suas funções às

necessidades do Estado moderno industrial, esclareceu o autor. Propunha, ainda, a

reorganização da família com a centralização no cuidado e educação para os filhos

das classes dominantes e a prevenção contra as consequências políticas da miséria

às famílias pobres, através de campanhas de moralização e higiene da coletividade

(COSTA, 1999).

Este autor ressaltou que tanto a assistência social quanto a medicina uniram-

se, com a finalidade de controlar os laços de solidariedade da família, utilizando

seus recursos na contenção dos insubordinados e insatisfeitos. Os ricos exerciam a

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vigilância da ordem, os pobres com seu do posicionamento dócil supriram a

necessidade da proliferação de filhos para a oferta da mão de obra para o mercado

de trabalho.

A normatização tornou-se indispensável ao funcionamento do Estado e tendeu a crescer e estabelecer-se num campo próprio de poder e saber, o do “desvio”, da “anormalidade” (...) A higiene da elite familiar brasileira seguiu de perto este rumo, integrando a série de medidas normatizadoras que buscavam organizar a sociedade independente (COSTA, 1999, p. 52, grifo do autor).

Ainda que não fosse esta a única meta dos higienistas, a ideia de que a

saúde e a prosperidade familiar dependiam da sujeição da família ao Estado, que

orientou todo desenvolvimento do trabalho de persuasão higiênica do século XIX.

Um a um, os hábitos da família brasileira colonial foram sendo substituídos

pela nova estrutura de família pretendida pelo Estado e pelo movimento higienista. A

disposição física da casa, a realização dos serviços que era realizado pelos

escravos, o cuidado com as crianças, a vestimenta, o relacionamento do pai com a

mãe e os filhos, enfim, a família e os indivíduos se orientavam pelas regras morais e

sanitárias que garantiam a continuidade da ordem socioeconômica (COSTA, 1999).

Costa (1999) afirmou que a família se fechava em si mesma para se proteger

de todos os riscos do ambiente externo na mesma medida em que, através das

constantes novas descobertas científicas, era informada de que em seu interior

também existiam elementos nocivos ao desenvolvimento de seus integrantes

(paixões, impulsos sexuais, desvelo, autoridade). O lar recém-organizado ganhava

uma nova configuração, intimidade, proximidade, corte com seus prolongamentos,

contato seletivo com o meio social, em obediência às leis da saúde, a família de

grande corpo socioeconômico transformou-se na célula da sociedade – a família

nuclear.

Demonstrar que o investimento no modo de ser e operar da família seria mais

lucrativo foi uma estratégia utilizada pelos higienistas para consolidar a nova

organização proposta para as famílias, assim o emprego do capital econômico da

família foi desviado para investimentos em saúde e educação dos filhos (COSTA,

1999).

Costa (1999) se referiu às intensas transformações ocorridas nas interações

familiares, ressaltando que as posições ocupadas pelos diferentes membros da

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família deveriam ser modificadas de acordo com os valores preconizados pela

política higienista, a saber:

Entre o adulto e a criança as ligações existentes eram a da propriedade e da religião. (...) um fosso os separava. Os elos que uniam a cadeia das gerações só foram criados quando a família dispôs da representação da criança como matriz físico-emocional do adulto. Por meio das noções de evolução, diferenciação, e gradação, heterogeneidade e continuidade conciliam-se. A família pôde, então, ver na criança e no adulto o mesmo outro. (...) a criança passa a determinar a função e o valor do filho (COSTA, 1999, p. 162).

O autor ainda ressaltou que a falta de cuidado adequado dispensado às

crianças foi vastamente explorada pelos higienistas, que identificavam no

afrouxamento dos laços afetivos entre pais e filhos as maiores causas da alta taxa

de mortalidade infantil. A assistência oferecida pelas escravas na amamentação e

cuidados com os pequenos passou a ser rejeitada, a mãe deveria cuidar e iniciar a

educação dos filhos e promover a organização do lar, o pai deveria providenciar os

meios para garantir a satisfação das necessidades materiais da família,

principalmente dos filhos.

O contato dos pais com os filhos, a partir do ponto de vista dos higienistas,

deveria ser permeado por exemplos morais e de bons costumes, valorizando os

hábitos desenvolvidos nos colégios que desde então passaram a representar o

melhor meio de educação por definir e manter claras regras disciplinares. Os

colégios deveriam controlar as “más” inclinações decorrentes dos impulsos do corpo

e dos devaneios da mente, e, ao mesmo tempo em que ao disseminarem bons

hábitos, se contrapunham aos costumes “negligentes” da família.

A ideia de nocividade da família ganhou maior expressão nas teses sobre a

alienação mental, em que esta foi identificada como um dos principais determinantes

morais da loucura, sendo imprescindível o afastamento do paciente de sua família

para o tratamento. Como expressa Costa (1999, p. 173):

Reduzida à condição de fator patogênico, a família encontrava-se, enfim, preparada para sofrer a intervenção médica. Intervenção que revelava os segredos da vida e da saúde infantis, ao mesmo tempo em que prescrevia a boa norma do comportamento familiar dos adultos. Na família higiênica, pais e filhos vão aprender a conservar a vida para poder colocá-la a serviço da nação.

O autor ainda ressaltou que os interesses médicos e estatais se impuseram

entre a família e a criança, operando transformações na natureza e na

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representação das suas características físicas, morais e intelectuais. Em longo

prazo, o resultado alcançado aponta para o atual indivíduo urbano: obcecado pelo

corpo; centrado na sua dor e prazer; racista e burguês; politicamente convencido de

que o progresso do Estado se deva a sua disciplina repressiva.

Apesar de todos os esforços dos higienistas para levar o povo brasileiro ao

mesmo nível dos povos das grandes nações, seus objetivos não foram alcançados.

Esse projeto higienista de cunho coletivo ao utilizar a estratégia da abordagem do

corpo individual para a transformação de hábitos não deu conta de enfocar as

questões de caráter social.

Boarini (2003) ressaltou que a higiene individual e coletiva tornou-se um

imperativo social. Em busca da higiene, a sociedade brasileira criou suas condições

básicas marginalizando os mais pobres, que não desfrutavam dessas condições. A

responsabilidade pela saúde recaia exclusivamente sobre o indivíduo, sendo negado

o fato de que a natureza do indivíduo era facilmente influenciada pelas condições de

extrema limitação enfrentadas pelas camadas mais pobres da sociedade. A

precariedade das condições de vida dessa parcela da população não foi levada em

consideração, sendo apenas enfatizada sua carência de informação, e a ignorância

da população foi responsabilizada pelas condições precárias de subsistência, dito de

outra forma, foram negadas as diferenças entre classes sociais.

A moralidade, os bons costumes, as doenças físicas e psíquicas tornaram-se

um problema de higiene. Os higienistas e eugenistas passaram a se preocupar com

as diferenças raciais, de anormalidades física ou psíquica, bem como tudo o que

não estava de acordo com os padrões da burguesia. Com esse movimento, os

preceitos da higiene do corpo passam a abranger os preceitos da alma e a

educação considerada como principal encaminhamento a para resolução de

problemas. A autora assinalou que o questionamento da educação como redentora

das mazelas sociais seria uma forma de ressaltar a disfunção atribuída à educação

(BOARINI, 2003).

Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a

partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista

a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se

deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da

puericultura. Tais políticas, segundo a autora, observavam as condições físicas dos

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locais e as condições de saúde dos envolvidos que eram monitorados pelos órgãos

e autoridades do Estado que ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que

deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde

(LIMA, 1985).

4.3.2 A saúde no Brasil após a Ditadura de Vargas

A partir da organização e efetivação do golpe político o país entrou em um

período conhecido como o período da Ditadura de Vargas (1930-1945). Apesar da

industrialização, manteve ainda a estrutura baseada na agricultura. Nessa época, foi

instituída uma legislação trabalhista e criados os Centros de Aposentadoria e

Pensão que vieram em substituição aos Centros de Saúde e tinha como proposta

garantir a previdência social para maioria dos trabalhadores urbanos brasileiros. O

sistema de saúde pública e institucionalizada era organizada a partir do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, que desenvolveu campanhas de saúde pública para

combater a febre amarela e a tuberculose, assim como enfrentou o desafio de

erradicar as endemias rurais (esquistossomose, doença de chagas, malária e

ancilostomíase), a sífilis e os problemas decorrentes de condições precárias de

nutrição da população (FONSECA, 2007 apud PAIM et al., 2011).

O Brasil viveu um grande período de instabilidade democrática após a

ditadura, de 1945 a 1964, período este em que foi comandado por governos liberais

e populistas. A economia prosperava na medida em que crescia o número e a

diversificação das indústrias, que por sua vez implementavam ainda mais o

crescimento urbano, o qual disparava por conta da imigração. O sistema de saúde

deveria enfrentar os acidentes de trânsito e do trabalho, assim como a emergência

das doenças modernas, como as doenças crônicas degenerativas. A criação do

Ministério da Saúde, em 1953, possibilitou a expansão dos serviços de saúde,

levando à expansão dos números de hospitais, e a aprovação de leis que unificavam

os direitos dos trabalhadores das cidades, também nessa época foram criadas as

primeiras empresas de saúde (DONNANGELO, 1975 apud PAIM et al., 2011).

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Com o fim do período da ditadura e com a democratização; a intensificação

das discussões sobre uma nova concepção do processo saúde/doença, apoiada nos

pressupostos da história natural das doenças, teve início a época do sanitarismo

desenvolvimentista, que, com o apoio dos movimentos políticos populistas,

possibilitou a criação de novas formas de trabalhar em saúde (CARVALHO;

WESTPHAL; LIMA, 2007).

Melo (1987) assinalou que entre os anos 1950 e 60 o movimento da

educação sanitária no Brasil se destacou sensivelmente. Articulou educação e

saúde, que se integravam nas propostas das políticas públicas oficiais e, assim,

propiciaram o desenvolvimento institucional em diferentes campos: valorização da

higiene mental, implantação de creches, parques infantis e escolas maternais. O

autor destacou que a educação sanitária desempenhou um papel central no apoio e

consolidação das ações dos médicos sanitárias, pois existia a crença de que por

meio da educação poderiam ser promovidas mudanças no comportamento dos

indivíduos que estivessem incompatíveis com as normas e prescrições pautadas nos

valores das classes dominantes. Foram desenvolvidas campanhas educativas como

estratégia para enfrentar, situações especiais assim atuando contra a ignorância e a

falta de higiene.

Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a

partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista

a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se

deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da

puericultura. Tais políticas, segundo a autora, fizeram com que as condições físicas

dos locais, as condições de saúde dos envolvidos fossem monitorados pelos órgãos

e autoridades do Estado, que, ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que

deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde.

(LIMA, 1985)

A assistência à criança e ao adolescente ressaltadas no início do século XX,

justificada em função da necessidade de cuidado para com aqueles que seriam os

construtores da nação brasileira, se baseava nas concepções higienistas e

normativas e se expandiu subsidiada em grande parte pelo campo filantrópico. O

discurso hegemônico sobre a importância da saúde de crianças e adolescentes não

foi acompanhado por uma correspondente atitude responsável do Estado brasileiro

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que “oficializava o modelo em curso e a concepção da criança a ser assistida: a

deficiente social (pobre), deficiente mental e deficiente moral (delinquente)” . O

resultado do descaso do Estado a longo prazo implicou um quadro de

desassistência, exclusão e abandono. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 8 )

Carvalho, Westphal e Lima (2007) ressaltaram que nessa fase houve uma

ênfase acentuada das questões biológicas que influenciavam o estado de saúde em

detrimento do reconhecimento dos aspectos sociais que influenciavam sobremaneira

o contexto em que se vivia. A psicologia que recomendava rotinas disciplinadas para

o alcance dos bons hábitos também atuou nas ações de higiene, normatização e

domesticação da sociedade.

No início da ditadura militar, sobretudo a partir do AI-5, 13 de dezembro de

1968, o povo brasileiro assistiu a uma profunda reforma administrativa, que se

estendeu até 1974, época de nova crise política. Os progressos na área da saúde se

efetivaram tanto a partir da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões

(IAPS) unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), quanto por

meio da privatização da assistência médica que resultaram em meados da década

de 1960 na capitalização do setor da saúde (ESCOREL, 1998 apud PAIM et al.,

2011).

Segundo Carvalho, Westphal e Lima (2007), os bons resultados alcançados

pela economia não foram suficientes para transformar as condições de vida de um

grande número de marginalizados. As populações mais pobres enfrentavam as

doenças vinculadas à pobreza e à riqueza, sofriam as consequências do aumento

das iniquidades sociais e das condições degradantes de serviços de saúde que

eram organizados a partir de um modelo de atenção privatista e curativo, pautado no

paradigma da biomedicina.

Passados os momentos de prosperidade econômica de 1968 a 1973, as

crises da previdência social e do sistema de saúde foram sucedidas pela criação do

Instituto Nacional da Assistência Médica e Previdenciária Social (INANPS) em 1977

e a partir de então se iniciou um processo de centralização do sistema de saúde

que, em função da fragmentação institucional pelo financiamento de estados e

municípios, possibilitou o pleno desenvolvimento do setor privado de saúde

(ESCOREL, 1998 apud PAIM et al., 2011).

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Ainda, de acordo com Escorel (1998 apud Paim et al., 2011), sob a influência

da liberalização, dos movimentos sociais, da criação do Centro Brasileiro de Estudos

da Saúde, da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva e do

Primeiro Simpósio de Política da Saúde do Congresso, novos rumos impulsionaram

e delimitaram os passos do desenvolvimento do setor de saúde no Brasil, com o

objetivo de enfrentar os mais variados problemas: doenças crônicas degenerativas,

acidentes de trabalho e de trânsito nos centros urbanos, doença infecciosas e

parasitárias no Centro-Oeste e regiões Nordeste e Norte somados à persistência de

endemias rurais com a urbanização.

4.3.3 A saúde na fase da redemocratização – a reforma sanitária e a Constituição Federal de 1988

Conforme Teixeira (1998 apud Paim et al., 2011), com o final da ditadura e a

superação da crise do sistema social, o Brasil entrou em um processo de

redemocratização. Os primeiros anos desse processo (fase de transição

democrática) foram marcados pelo final da recessão, pelo desenvolvimento de

planos de estabilização econômica e pelo reconhecimento por parte dos

representantes do Estado da dívida social com o povo brasileiro.

A saúde ganhou espaço na agenda política nacional por meio da realização

da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da ampliação do movimento em prol da

realização da reforma sanitária, bem como pela proposição da nova Carta

Constitucional promulgada em 1988. O sistema de saúde ainda contava com o

financiamento do INANPS sobre as ações estaduais e municipais que

posteriormente contou com a organização dos Sistemas Unificados e

Descentralizados de Saúde (SUDS) e com a abertura de novos canais de

participação popular. Cabe ressaltar que tais mudanças colocavam a organização da

saúde do Estado brasileiro em adequação com as proposições da Organização

Mundial de Saúde. Os serviços de saúde enfrentavam nesse período o desafio de

resolver problemas relacionados: às doenças cardiovasculares; aos cânceres; aos

acidentes de trânsito e do trabalho; aos atendimentos às vítimas de violência e

agressão; ao aumento do número de mortes relacionadas à AIDS; à redução da

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mortalidade infantil; à redução da mortalidade por doenças previsiveis por

imunização; e à epidemia de Dengue (TEIXEIRA, 1988 apud PAIM et al., 2011).

Os profissionais progressistas da área de saúde, insatisfeitos com o

desenvolvimento e o avanço das propostas preventivistas, ao se engajarem nas

ações relacionadas à pedagogia problematizadora de Paulo Freire, intensificaram as

discussões da área, pois buscavam encontrar novos paradigmas para orientar as

programações de saúde e da educação. Assim foi possível direcionar as políticas

públicas do setor de saúde a partir do enfoque sobre os determinantes sócio-

históricos do processo de saúde-doença (CARVALHO; WESTPHAL; LIMA, 2007).

Segundo PAIM (2008 apud PAIM et al., 2011), após a Constituição de 1988

teve início a fase da democracia em meio a um período de crise econômica. Nessa

fase em que houve a criação do Sistema Único de Saúde, através da Lei 8080//90,

que propôs a descentralização do sistema de saúde. Posteriormente, com a criação

do plano Real, o país alcançou certa estabilidade econômica com o aumento dos

níveis de renda, porém persistindo a desigualdade social e a política monetarista.

Essa fase foi marcada por importantes mudanças e inovações na área da

saúde, com a 9ª Conferência Nacional de Saúde, houve a extinção do INAMPS, a

criação do Programa de Saúde da Família e iniciado o fornecimento de tratamento

gratuito para HIV/AIDS pelo SUS. Ocorreram também as 10ª e 11ª Conferências

Nacionais de Saúde, a criação das Normas Operacionais Básicas (NOB) e de

assistência à saúde. Em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

e, em 2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar para regulamentar e

supervisionar os planos de saúde privados. Um importante acontecimento que

marcou essa época foi a reforma psiquiátrica (2001), com a substituição dos

hospitais psiquiátricos por serviços alternativos de atendimento. Além disso, foi

criada a lei dos medicamentos genéricos e a Lei Arouca, a qual institui a saúde do

indígena como parte integrante do SUS. Em 2006, com a Política Nacional de

Promoção da Saúde, surge a preocupação com a promoção da saúde, com a

promoção da qualidade de vida e redução dos riscos de saúde ligados a

determinantes sociais. Ocorreram as 12ª e 13ª Conferências Nacionais de Saúde e a

criação da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde e Política

Nacional de Saúde Bucal. E em 2008 foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde

da Família, atuando juntamente com o PSF (PAIM, 2008 apud PAIM et al., 2011).

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Todas essas mudanças no sistema de saúde brasileiro deveriam enfrentar

além das doenças cardiovasculares, considerada principal causa de morte, os

problemas com a dengue e a cólera. Houve nessa época redução da mortalidade

infantil e estabilização da prevalência de AIDS, aumento na expectativa de vida e

redução da prevalência das doenças preveníveis por imunização.

Segundo Carvalho, Westphale Lima (2007), a abordagem político-pedagógica

de Paulo Freire, as novas propostas metodológicas de educação em saúde

propostas por Hortência de Holanda e os princípios e procedimentos de Carlos

Brandão sobre pesquisa participante, dentre outros trabalhos, fortaleceram as

iniciativas que surgiam nas áreas de educação, educação em saúde e pesquisa

social em saúde e educação.

Essas inovações acabaram favorecendo as mudanças tanto nas concepções,

quanto nos procedimentos da medicina comunitária, consubstanciando uma postura

emancipatória e transformadora, ultrapassando os limites da visão conservadora

pautada pelo moralismo e higienismo. Tais concepções foram sendo incorporadas

tanto pelos técnicos da saúde que criticavam a educação higiênica e

comportamentalista, quanto pelos integrantes dos movimentos de educação popular

em saúde, que, por sua vez, apoiavam o movimento sanitário que se organizava

(CARVALHO; WESTPHAL; LIMA, 2007).

Os autores ressaltaram que o movimento sanitário que se desenvolvia a partir

do modelo teórico conceitual da saúde coletiva desde a década de 1940, articulado

com a Reforma Sanitária Brasileira possibilitou a ampliação do movimento que

passava desde então a crescer também na sociedade civil. O modelo teórico

adotado rompeu com a orientação da sociologia funcionalista dos Estados Unidos e

se aproximou das concepções do estruturalismo francês, da sociologia política

italiana e da medicina social da Inglaterra; a saúde coletiva, segundo Paim e

Almeida (1998), enquanto corpo de conhecimento colaborou com o estudo do

fenômeno saúde-doença em populações enquanto processo social, pois:

(...) investiga a produção e distribuição das doenças na sociedade como processos de produção e reprodução social; analisa as práticas de saúde (processo de trabalho) na sua articulação com as demais práticas sociais; procura compreender, enfim, as formas com que a sociedade identifica suas necessidades e problemas de saúde, busca sua explicação e se organiza para enfrentá-los (...) A saúde coletiva preocupa-se com a saúde pública enquanto saúde do público, sejam indivíduos, grupos étnicos, gerações, castas, classes sociais, populações PAIM e ALMEIDA (1998, p. 309-310).

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Com relação a tal coisa a Constituição Federal de 1988 atribui a legalidade a

esse referencial teórico na medida em que aborda a saúde como uma concepção

ampla, de direito universal de cidadania, que resulta da articulação das condições de

vida e de trabalho inserida no plano das políticas sociais. Assim assinalados:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

4.4 A promoção da saúde no Brasil

Como ressaltamos anteriormente, os marcos legais e institucionais da

promoção da saúde no Brasil são contemporâneos da I Conferência Internacional

sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa em 1986, ano em que também foi

realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde no Brasil. O contexto político de

redemocratização possibilitou o envolvimento de grande participação de

profissionais, gestores e cidadãos que propuseram “as bases do que viria denominar

‘reforma sanitária brasileira’, cujos princípios e diretrizes muito próximos aos

conceitos centrais da PS foram incorporados na Constituição Federal de 1988”

(BUSS, P.M., CARVALHO, A. I. Desenvolvimento da promoção de saúde no Brasil

nos últimos vinte anos (1988-2008) Ver Ciência e Saúde Coletiva, 14(6) 2305-

2316,2009, p.2306).

Segundo Caravalho, Westphal e Lima (2007), o texto constitucional que

garantiu o direito à saúde como um componente da seguridade social propiciou uma

abordagem ampla, apontando ações de saúde que envolvessem a prevenção de

doença, proteção e promoção da saúde. A partir dos anos 1990 o SUS – Sistema

Único de Saúde - se responsabilizou por 70% dos brasileiros dependentes dos

serviços e pela normatização e fiscalização do sistema privado de saúde.

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Os autores enfatizaram que, apesar das mudanças ocorridas na área da

saúde, as características neoliberais do governo dos anos de 1990, imprimiram

ações de saúde ainda baseadas no modelo biomédico, com práticas de saúde que

implementavam intervenções curativas e preventivas.

Ainda que na prática as mudanças ocorridas não atingissem as inúmeras

propostas da Reforma do Sistema de Saúde, vários progressos foram alcançados

sob a perspectiva do SUS, dentre os quais se destacaram: a descentralização das

decisões de saúde e a criação de movimentos municipais de saúde que facilitaram a

participação e controle popular sobre as questões de saúde (CARVALHO;

WESTPHAL; LIMA, 2007).

A promoção da saúde como política nacional surgiu em 1982 em um

momento de expansão e aprimoramento da atenção básica em saúde. O Programa

Saúde na Família (PSF), segundo os autores, foi o primeiro programa

(posteriormente transformado em política estruturada) baseado e organizado

segundo os preceitos da promoção da saúde, e foi cuidadosamente implantado pelo

Ministério da Saúde como uma estratégia para reorganizar as ações do modelo

assistencial de serviços. Essa estratégia se efetivava a partir da implantação de

equipes multiprofissionais nas unidades básicas de saúde e deveriam atuar sobre a

promoção, prevenção e recuperação da saúde, na recuperação e reabilitação de

doenças, porém, sobretudo, na manutenção da saúde da comunidade (BUSS,

CARVALHO, 2009).

O sucesso de programas de controle do tabagismo, a implementação de

debates sobre a promoção de saúde, a criação de revista especializada (Promoção

de Saúde), a confecção de propostas formais de políticas de promoção da saúde

proporcionaram, segundo Buss e Carvalho (2009), reconhecimento internacional dos

esforços empreendidos pelo Ministério da Saúde em cooperação com o Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Os autores assinalaram que obedecendo à característica central da promoção

da saúde, o desenvolvimento de programas e ações vem se fortalecendo na

articulação tanto das distintas esferas governamentais (federais, estaduais e

municipais) e não governamentais, quanto com as organizações internacionais, mais

precisamente daquelas que integram a Organização das Nações Unidas.

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Dada a complexidade e abrangência das ações em promoção da saúde, Buss

e Carvalho (2009) apresentam as iniciativas alinhadas de forma crítica da seguinte

maneira: nos espaços dos serviços de saúde e no espaço das políticas intersetoriais

e de desenvolvimento.

Sobre as ações que se desenvolveram no espaço dos serviços de atenção à

saúde, individuais ou coletivos, os autores destacaram:

· O Programa Saúde na Família, que deve atuar nas comunidades, nas

unidades básicas de saúde e nas residências através de equipe constituída

por um médico de família, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagens e

agentes comunitários.

(...) Esse programa se caracteriza como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde; por ter território definido, com população delimitada, sob sua responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar expressivos conjunto de atividade de educação e promoção da saúde.

· A Política Nacional de Alimentação e Nutrição pela qual o país adotou o

conceito de segurança alimentar e nutricional buscando garantir a todos o

direito ao acesso à alimentação básica, de qualidade e em quantidades

necessárias. As práticas estimuladas por essa política gira em torno do

estímulo: ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses e intercalado

com outros alimentos a partir do segundo ano; à implementação do código

internacional de marketing dos produtos substitutos ao leite materno; à

educação alimentar de escolares e fomento a serviço de cantinas saudáveis

nas escolas; à obrigatoriedade da rotulagem nutricional em produtos

embalados; à suplementação de vitamina A, à regulação da propaganda de

alimentos nos meios de comunicação; obrigatoriedade de adição de acido

fólico às farinhas e de iodo ao sal de cozinha.

· Outras iniciativas coordenadas pelo Plano Nacional de Promoção da Saúde

foram desenvolvidas em âmbito intersetorial ou no âmbito do sistema de

saúde: prevenção e controle do tabagismo; promoção da pratica de atividade

física e do esporte; prevenção ao uso de abusivo de álcool e outras

substâncias; prevenção dos acidentes de trânsitos; educação em DST/AIDS;

ações de comunicação na promoção de saúde; promoção da cultura da paz e

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prevenção à violência; empoderamento e participação social; saúde ambiental

e desenvolvimento sustentável; promoção de equidade e qualidade de vida.

Sobre as ações que se desenvolveram no espaço das políticas públicas de

desenvolvimento, da intersetorialidade e da ação comunitária, Buss e Carvalho

(2009) destacaram:

· O Programa Bolsa Família (PBF), que constitui na transferência de renda à

famílias pobres e extremamente pobres, de maneira condicionada, com o

objetivo o combate à pobreza a partir de ações que envolveram os governos

federais, estaduais e municipais. A deliberação do recebimento do beneficio

fica a cargo das instâncias municipais, sendo entregue às mulheres

(responsáveis pela gestação e, geralmente, pelo cuidado da prole e da

economia doméstica) um cartão que possibilita o acesso ao recurso mediante

o compromisso de: manter crianças e adolescentes frequentando a escola;

cumprir a agenda de acompanhamento pré e pós-natal, assim como de

vacinação de crianças de até seis anos. Nesse sentido, fica clara a relação

entre promoção de saúde e o Programa Bolsa Família, que é operado pelo

Ministério do Desenvolvimento Social. A articulação do PBF com iniciativas

setoriais locais, como, por exemplo, a implementação da agricultura familiar

ou com o desenvolvimento territorial sustentável (gerenciadas pelo Ministério

do Desenvolvimento Agrário) vem assinalando o desenvolvimento de

melhores níveis de saúde e nutrição das populações rurais.

· A estratégia das Cidades/municípios/comunidades saudáveis foi

implementada pela promoção da saúde e reconhecida e recomendada

mundialmente. Segundo os autores, tal estratégia ainda que extremamente

relevante ganhou expressão limitada no território nacional, efetivando-se

apenas em microrregiões, geralmente agregando parcerias municipais junto

às universidades da região. Iniciativas nos estados de São Paulo, Ceará,

Paraná e Rio de Janeiro de promoção da saúde foram planejadas e

desenvolvidas e denotam o esforço regional em levar adiante projetos e

programas inspirados nos princípios da promoção da saúde.

· Escolas promotoras da saúde se constituem em uma estratégia em expansão

no Brasil, contando com uma ampliação de projetos e programas que

envolvem os Ministério da Saúde e da Educação, os estados, municípios e

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universidades, com o propósito de fomentar práticas saudáveis entre alunos e

professores da rede escolar

Como o foco de nosso trabalho recai sobre a promoção da saúde na escola,

iremos explorar mais detalhadamente esta estratégia de promoção da saúde.

4.4.1 Escolas promotoras de saúde

Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a

partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista

a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se

deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da

puericultura. De acordo com tais políticas, segundo a autora, as condições físicas

dos locais, as condições de saúde dos envolvidos eram monitoradas pelos órgãos e

autoridades do Estado que ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que

deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde

(LIMA,1985).

A assistência à criança e ao adolescente ressaltada no início do século XX,

justificada em função da necessidade de cuidado para com aqueles que seriam os

construtores da nação brasileira, se baseava nas concepções higienistas e

normativas e se expandiu subsidiada em grande parte pelo campo filantrópico. O

discurso hegemônico sobre a importância da saúde de crianças e adolescentes não

foi acompanhado por uma correspondente atitude responsável do Estado brasileiro

que “oficializava o modelo em curso e a concepção da criança a ser assistida: a

deficiente social (pobre), deficiente mental e deficiente moral (delinqüente)”. O

resultado de fato em longo prazo implicou um quadro de desassistência, exclusão e

abandono (Ministério da Saúde, 2005).

Segundo Ippolito-Shepherd (2006), a inadequação dos programas de educação

para a saúde, pelo menos em parte, estava vinculada: à distância estabelecida entre

o saber que está sendo proposto e o saber constituído pela vivência dos estudantes;

à desconsideração dos processos afetivos e da inteligência emocional, em

detrimento do enfoque dos aspectos cognitivos e didáticos dos processos educativo;

à ausência dos estudantes e demais elementos da comunidade educativa na

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escolha de temas e avaliações de processos, ou seja, falta de uma abordagem

técnica de alcance interativo e participativo.

Em consonância com o desenvolvimento técnico-científico, ocorrido durante o

século XX, a abordagem da saúde escolar no Brasil deixou de se apoiar no discurso

da lógica biomédica, da concepção de saúde como ausência de doença e

incorporou o discurso construído a partir de múltiplos olhares, de transformações

conceituais e metodológicas que integravam o conceito de promoção da saúde no

âmbito da saúde publica que assim se estendeu ao entorno escolar (IPPOLITO-

SHEPHERD, 2006).

Da articulação intersetorial para a efetivação de políticas de promoção da

saúde resultaram em inúmeras mudanças nos projetos e ações das políticas

públicas e privadas relacionadas à área da saúde. Em meados dos anos 1990, a

Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu o conceito e a iniciativa das

Escolas Promotoras de Saúde. Essa abordagem tem característica multifatorial que

envolve o desenvolvimento de competência em saúde no contexto escolar,

pressupõe modificações no ambiente físico e social da escola e prevê a criação e a

articulação de vínculos de parceria com a comunidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2005).

Periago ressaltou no prefácio do quarto volume da série promoção de saúde que:

As Escolas Promotoras de Saúde constituem uma grande estratégia de promoção da saúde no âmbito escolar e um mecanismo articulado de esforços e recursos multissetoriais, orientados para o melhoramento das condições de saúde e bem-estar, ampliando, assim, as oportunidades para um aprendizado de qualidade e o desenvolvimento humano sustentável, para todos os integrantes das comunidades educativas (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p. 3).

Foram realizadas, até o ano de 2006, quatro reuniões dessa rede, em 1996

na Costa Rica, em 1998 no México, em 2002 no Equador e 2004 em Porto Rico,

alinhadas aos propósitos definidos pelas Metas do Milênio para o Desenvolvimento

(MDM) que foram adotadas na 55ª Assembleia Geral da ONU.

Os programas e intervenções educativas para a promoção da saúde no

âmbito escolar, segundo Ippolito-Shepherd (2006) devem levar em conta a complexa

rede de elementos que influenciam o comportamento humano. Devem estar

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sustentados por uma visão multidisciplinar e integral de saúde, levando em

consideração a análise dos fatores sociais, econômicos e políticos que caracterizam

a rotina dos indivíduos.

Este componente da estratégia procura fortalecer a capacidade (empoderamento) de meninos, meninas e jovens, mediante processos educativos estruturados nas escolas que lhes facilitem adquirir e pôr em prática os conhecimentos, atitudes, valores, habilidades e competências necessárias para promoção e proteção da própria saúde, a de sua família e a da comunidade (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p. 37).

Qualquer programa de educação para a saúde se caracteriza por se basear

em um paradigma que concebe saúde como fonte de bem-estar e desenvolvimento

sustentável, transcendendo a ideia de saúde como ausência de doença. Tais

programas devem utilizar todas as oportunidades internas ou externas da

comunidade educativa, dê educação formal e informal, dos métodos alternativos e

tradicionais com a finalidade de desenvolver processo de educação para a saúde.

Os programas de educação para a saúde devem fortalecer a capacidade dos

estudantes (empoderamento) para promover transformações nas condições

determinantes da saúde, assim como promover maior interação entre a escola, pais

e mães, comunidade e até mesmo com os serviços de saúde locais, finalmente

promovendo o desenvolvimento e a manutenção de ambientes escolares saudáveis.

(IPPOLITO-SHEPHERD, 2006).

Pedrosa (2006) assinalou que a educação popular em saúde deve ser dirigida

por um posicionamento afirmativo que leve em consideração questões complexas

que envolvem os indivíduos e os contextos sociais.

A educação popular em saúde ganha expressões concretas nas ações dos sujeitos sociais, orientadas pela construção de vínculos afetivos e políticos-ideológicos com as camadas populares, promovendo a vivência coletiva em torno de movimentos que levam à emancipação, libertação, autonomia, solidariedade, justiça e equidade. A educação popular em saúde volta-se para a promoção de participação social no processo de formulação e gestão da política de saúde, sob os princípios ético-políticos do SUS: universalidade, integralidade, equidade e as diretrizes de descentralização, participação e controle social (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 43).

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Desenvolvida e implementada como estratégia de promoção de saúde por

diversos países, estados e municípios, as Escolas Promotoras de Saúde têm o

intuito de fomentar tanto o desenvolvimento humano saudável, quanto interações

harmoniosas e construtivas. Orientadas para a promoção de aptidões e atitudes

positivas para com a saúde, preconizam que a escola tenha um espaço físico

adequado e seguro para que seja alcançado o ambiente psicológico adequado para

a aprendizagem. Tal organização tem como objetivo promover o desenvolvimento da

criatividade e da autonomia tanto dos alunos, quanto de toda a comunidade escolar

(HADARA, J. online. 2010)

As Escolas Promotoras de Saúde devem integrar práticas que promovam o

desenvolvimento de habilidades que colaborem para a adoção de estilos de vidas

mais saudáveis entre os integrantes da escola e da comunidade local. Devem

portanto:

(...) desenvolver ações que melhorem a auto-estima, a identidade e a resiliência das crianças e dos adolescentes, bem como de seus familiares e da comunidade. - Trabalhar junto com a comunidade no sentido de conquistar um ambiente físico e emocional saudável, não somente em relação à higiene, mas também em questões relacionadas à construção da paz e à prevenção de acidentes e violência; buscar a inclusão social e dos portadores de deficiência, de forma a assegurar um ambiente harmônico e estimulante para o desenvolvimento da criança e do adolescente (...) - Atuar, efetivamente, na reorientação dos serviços de saúde para além de suas responsabilidades técnicas no atendimento clínico, para oferecer uma atenção básica e integral aos pacientes e à comunidade. ... Neste processo, a participação das Universidades e das Sociedades Científicas é de fundamental importância para: divulgação do tema; formação, capacitação e sensibilização dos profissionais; realização de pesquisas e avaliações na área e participação efetiva em todos os campos da promoção da saúde (HADARA, 2010).

A descrição de inúmeras experiências em educação para saúde que tem sido

realizada nas escolas dos países latino-americanos. Discorrer sobre tais

experiências enriqueceria sobremaneira nossa apresentação, porém como nosso

intuito não contempla o aprofundamento desses estudos e sim visa apontar o grande

desenvolvimento da área, optamos por apresentar dados de uma pesquisa de

revisão bibliográfica, conforme podem ser observados a seguir.

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Afonso, Tavares e Luiza (2013) fizeram um levantamento em artigos

científicos de dados primários ou de revisões que considerassem relatos ou

avaliações de experiências em educação para a saúde, durante o período de 1996 a

2009. As autoras buscavam nos relatos dos resultados das intervenções realizadas

a identificação da perspectiva da promoção de saúde proposta pela Carta de Otawa,

segundo a proposta de educação para a saúde apoiada nas diretrizes das Escolas

Promotoras de Saúde.

O número reduzido de estudos avaliativos das experiências de intervenção

nas escolas pode estar relacionado à seleção do âmbito acadêmico dos estudos e

de textos indexados. Sobre as publicações encontradas, as autoras ressaltaram que

os estudos, predominantemente baseados nos métodos qualitativos buscavam:

verificar a efetividade das ações; analisar a coerência conceitual das práticas

propostas com os eixos da promoção de saúde; verificar o processo de capacitação

dos atores envolvidos nas práticas.

Nos relatos das experiências realizadas, foi reiterada a concepção de escola

como

(...) elemento central nas estruturas de reprodução ou reorientação da organização social, lançando a possibilidade de recondução das práticas que favorecem a participação da coletividade, transformando a realidade e estabelecendo uma nova morfologia social e política, que fortaleça a discussão crítica da sociedade em torno do bem-estar coletivo (AFONSO, TAVARES, LUIZA, 2013).

Os estudos apontaram a necessidade da consolidação de ações dirigidas

pelas diretrizes da promoção de saúde levando em consideração as particularidades

de cada território, as políticas públicas individuais, explicitando propostas de

demandas locais que emergem das avaliações dos programas desenvolvidos.

O diálogo intersetorial foi reconhecido como central nas ações de

fortalecimento e implementação de programas a partir de colaboração institucional

extramuros da escola, assim como nas ações intersetoriais internas que promovam

capacitação permanente de equipes com finalidade de fortalecer os eixos de

trabalho prescritos na perspectiva da promoção da saúde.

Buss (2000) assinalou que a intersetorialidade, do ponto de vista conceitual,

busca ultrapassar as limitações da fragmentação na elaboração e implementação de

políticas e organização do setor de saúde, apoiando-se em uma perspectiva global

das questões relativas à saúde. Esta visão ampliada se constrói a partir da

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integração dos conhecimentos produzidos em outros setores das políticas públicas

(educação, meio ambiente, habitação, transporte, trabalho, energia) e sobre as

particularidades dos contextos locais (aspectos sociais, políticos, culturais,

econômicos). Argumenta ainda o autor que todas essas áreas interagem entre si e

com a área da saúde, articuladas, utilizam os recursos sociais, determinam as

condições da qualidade de vida e as demandas dos serviços de saúde.

Se a perspectiva global de saúde demanda o reconhecimento da

complexidade das vinculações intersetoriais existentes em cada problema

identificado como objeto da política de saúde, “a ação intersetorial pode questionar

as consequências das diversas políticas sobre a saúde global da população ou

sobre um determinado problema concreto de saúde, considerado em determinado

território” (BUSS, 2000, p. 175).

No Brasil, o desenvolvimento de estratégias promocionais de saúde, tanto

na elaboração, quanto na implementação de políticas públicas, vem encontrando

dificuldades, que, segundo Buss (2006), estão relacionadas à: organizaçao

administrativa fragmentada e burocrática do Estado; predomínio de uma cultura

competitiva e setorial; ausência de política estratégica de desenvolvimento;

predomínio da racionalidade biomédica nas áreas da saúde. A superação das

limitações, bem como o alcance da intersetorialidade pela saúde nas políticas

públicas do Brasil, deve ser construída a partir de uma decisão suprasetorial,

política, operacionalizada a partir de planos institucionais, programáticos e

orçamentários – um pacto pela saúde/qualidade de vida.

Apesar das condições limitantes, nos últimos dez anos pode-se identificar um

progresso significativo no campo da promoção de saúde no Brasil e, segundo o

autor, tanto as bases políticas como de conhecimento assinalam projeções

ascendentes subsidiadas pelas áreas da ciência e tecnologia, políticas públicas e

pelos movimentos sociais.

Focalizar as questões que envolvem as condições de saúde/doença humana,

de acordo com uma visão sistêmica novo paradigmática, nos permite observar tanto

os diferentes movimentos que atuam sobre suas concepções de saúde, doença

quanto as formas de intervir sobre elas. Se, por um lado, observamos um movimento

de transformações no discurso sobre saúde e no campo das políticas públicas e

suas práticas, por outro, ao focalizarmos um problema específico estamos diante do

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polo oposto desse pensamento sobre saúde, ou seja, um movimento crescente de

patologização dos problemas humanos, em consonância com o desenvolvimento

crescente de medicalização da sociedade. Se, por um lado, a ênfase nos aspectos

sociais oferece inteligibilidade para os fenômenos que ocorrem com o ser humano

em suas interações, por outro, o pensamento pautado em concepções positivistas

apontam diferentes abordagens para essas mesmas questões.

4.5 Medicalização

O termo “medicalização” foi utilizado inicialmente por Ivan Illich no final da

década de 1960 a partir de uma visão critica da medicina e se referia à extensão da

autoridade médica para além dos limites que lhes são legítimos (HOYWEGHEN,

1976).

Segundo Luz (1988), medicalização é um processo em que o modo de vida

dos homens é considerado pela medicina como algo que influencia a construção de

ideias, conceitos, regras e normas sobre as interações sociais. Esse processo está

estreitamente relacionado à ideia de não ser possível separar o conhecimento

produzido no âmbito científico, de suas proposições políticas e de intervenção social.

A autora ressaltou que as metas da medicalização são dirigidas a intervenções no

corpo social e que, nessa medida, se desenvolveu em um amplo campo semântico

apontando uma vasta gama de fenômenos.

Argumentou a autora que a expressão medicalização do corpo social pode

estar relacionada tanto à forma pela qual a evolução da tecnologia vem imprimindo

transformações na prática da medicina, através da influência da indústria

farmacêutica e de equipamentos médicos e das inovações diagnósticas e

terapêuticas, quanto às consequências envolvidas no jogo de interesses que

envolvem a produção do ato médico.

Em consonância com as proposições de Foucault, Luz (1998) ressaltou que o

fenômeno da medicalização social tanto surgiu como se desenvolveu,

historicamente, situado em sociedades disciplinares, e que possibilitou a ampliação

do campo da função da atuação médica para o plano político.

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Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto

imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo

de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa

cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa

sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da

subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas

neuronais articulados que ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado

de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, “a suposta eficácia das

medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade

enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTAS, 2009, p. 565).

Desde esse ponto de vista propõe o entendimento de medicalização como um

evento articulado em um conjunto de práticas que recursivamente apontam o

medicamento como resolução rápida para qualquer problema da vida.

A autora assinalou que a medicalização tem sido um dos caminhos mais

rápidos e eficientes no enfrentamento do sofrimento psíquico e dos problemas que

emergem em nosso dia a dia. Ressaltou que tanto o uso abusivo de medicamentos,

quanto o crescente uso indiscriminado de psicofarmacos, estão relacionados com a

busca de soluções técnicas para a eliminação dos desconfortos e inquetações frente

à cobrança social de um estado de assertividade e de felicidade constante que está

atrelado às noções de status e sucesso difundidos em uma sociedade capitalista.

O individuo, aparentemente livre e soberano, parece ter se reduzido a uma marionete que realiza espasmodicamente os comportamentos que lhe são sutilmente impostos pelo campo sociocultural (...). O arsenal farmacológico, favorecido pela indústria farmacêutica, parece ser um grande aliado para o alcance deste estado de bem-estar pessoal e social (DANTAS, 2009, p. 565.)

O discurso tecnicista sobre a vida, segundo Dantas (2009), apresenta

similaridades com o discurso místico, na medida em que é construído à margem da

experiência do indivíduo comum e alimentado pela crença na objetividade e na

neutralidade científica. Tal discurso, desde esse ponto de vista, é sustentado por

narrativas fabulosas (em contraponto com o saber do senso comum), e ganha sua

sustentação por deter um elemento misterioso (desconhecido) que dá sentido à vida

e ao viver. Nesse sentido, também o discurso da medicalização pode ser entendido

como um discurso místico.

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A autora assinalou que se no discurso místico os fenômenos ganhavam

inteligibilidade a partir do pensamento mágico, no discurso da medicalização a

subjetividade pôde ser explicada a partir da interação de substâncias e produtos

químicos, das explicações neurocientíficas sobre o funcionamento cerebral. Assim,

“questões existenciais são vistas como ‘sofrimentos’ que devem ser aliviados por

terapias, medicamentos ou distrações vultuosas nesta rede de consumo” (DANTAS,

2009, p. 569.)

As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo

conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que

acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução

dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação

do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de

informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma

como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos

e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através

dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos

conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos.

(DANTAS, 2009)

A autora assinalou que em nossa sociedade são fabricadas receitas para

tratamento dos sofrimentos humanos sem levar em conta o contexto turbulento em

que as relações sociais acontecem,

(...) como uma resposta quase que obrigatória e exclusiva em busca da solução mais rápida que nos traga o tão almejado bem-estar. São substâncias artificiais que com suas inúmeras promessas nos oferecem nada menos que soluções também artificiais e paliativas para o bom viver na atualidade. Em busca de alívio, cura e conforto nos privamos daquilo que seria originalmente humano: angústia, culpa, vergonha, tristeza, frustração e consciência de si (DANTAS, 2009, p. 578.)

Hoyweghen (1976), ao abordar a questão da medicalização na sociedade

ocidental contemporânea, ressaltou a importância em considerar a utilização

desmedida dos serviços médicos compatível com a atitude consumista dos

indivíduos na atualidade. Ressaltou o autor que, embora integrados ao processo da

medicalização, os médicos não mais atuam como principais impulsionadores deste

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processo que, embora o centro de definição da medicalização se situe dentro da

medicina, fatores de mercado, como o marketing para o cuidado com a saúde, dos

produtos de biotecnologia e dos produtos farmacêuticos vão despontando como os

atuais propulsores da medicalização da sociedade. O autor enfatizou que o consumo

de medicamento está diretamente relacionado ao desejo humano de estar bem, e

que é este desejo, mediado pelos demais indivíduos e pelo meio cultural, que

precisar ser analisado e compreendido à luz da sociologia.

Esperamos que com nossa apresentação dos diferentes significados

atribuídos aos conceitos de saúde/doença e das práticas deles derivadas tenhamos

atingido o objetivo de evidenciar a complexidade da articulação entre as

especificidades do contexto social e a construção do conhecimento sobre os tais

conceitos.

4.5.1 Medicalização do fracasso escolar

A discussão sobre a medicalização de crianças e adolescentes vem se

fortalecendo cada vez mais através de pesquisas, debates que reúnem estudiosos

das mais distintas áreas implicadas com a educação e que assinalam os abusos do

uso de recursos medicamentosos para “tratar” os problemas que ocorrem no

contexto escolar.

É fato que a pedagogia nutrida pelos conhecimentos sobre o desenvolvimento

neurológico e psicológico do ser humano, como assinalamos anteriormente, ao

mesmo tempo em que pôde desenvolver métodos e técnicas que geraram práticas

que levavam em conta as mais diversas informações sobre as potencialidades dos

seres humanos, passaram também a assinalar seus “limites”.

Encontramos nos assinalamentos de Guarido (2011) a mais objetiva

justificativa para a manutenção desse pensamento e práticas de abordagem de

problemas que ocorrem na escola. A autora assinalou que a formação do campo

escolar, a partir da modernidade, se fundamentou na organização da atuação de

especialistas e do estado sobre a educação das crianças.

Se até o início do século XX a criança é basicamente objeto da pedagogia, é nesta que os primeiros médicos dedicados a enfrentar

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os problemas graves do desenvolvimento infantil vão encontrar parceria fértil para propor formas de tratamento a essas crianças. (...) o campo de tratamento da criança se instala imbricado a certo ideal de educação do início do séc. XIX. (...) o domínio do saber sobre a criança passa cada vez mais do universo pedagógico ao universo médico-psicológico (GUARIDO, 2007, p. 155).

Abordando a questão da medicalização do sofrimento psíquico infantil e

refletindo sobre os efeitos desse processo sobre a educação, Guarido (2007)

ressaltou que o desenvolvimento da psiquiatria infantil seguiu o modelo da

psiquiatria de adultos, levando a marca da segregação, da institucionalização, da

utilização do paradigma biológico e do diagnóstico descritivo. Instituições médico-

pedagógicas para o tratamento de crianças se disseminaram no continente

americano e europeu entre os séculos XIX e XX, porém, segundo a autora, não

obtiveram sucesso na promoção de potencialidade de aprendizado ou pertencimento

social às crianças.

A infância na modernidade passou a ser reconhecida não apenas como uma

fase particular do desenvolvimento humano, mas também de constituição e preparo

de indivíduos saudáveis e capacitados para desempenhar adequadamente funções

sociais e de trabalho.

O discurso pedagógico, segundo Guarido, ganhou caráter normatizador, de

validação do saber especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo

substituída pela autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes

de orientar a educação.

Guarido (2011) afirmou que, principalmente sobre as influências do

movimento higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e

técnicas da psicometria e da psicologia do desenvolvimento, o comportamento de

crianças e adolescentes passou a ser observado a partir de especificidades

elencadas nos quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou de doença). Os

professores, que “foram também chamados a ser extensão do olhar especialista na

prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p 36.), passaram a identificar disfunções e

orientar familiares na busca de tratamento adequado para os problemas que

ocorriam com os alunos no contexto escolar.

A questão dos encaminhamentos para especialistas realizados pela equipe

escolar tem sido abordada por distintos estudiosos: Mannoni (1988), que criticou a

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pedagogia, seus efeitos excludentes e o poder técnico do trabalho com crianças

institucionalizadas que acabam por preservar as práticas de ensino inadequadas; as

reflexões de Patto (2000) sobre a produção do fracasso escolar como consequência

da discriminação das classes trabalhadoras, justificada pelo discurso psicologizante

que culpabiliza as crianças e as famílias pelo comprometimento da performance do

escolar; Moyses e Collares (1997) ressaltaram a intensidade do discurso médico-

especialista na apreciação dos problemas de aprendizagem sob o ponto de vista de

transtornos, o que acaba simplificando questões complexas, excluindo a

responsabilidade da instituição escolar na co-construção dessa realidade;

Szymansk, (2001), que assinala a importância de o pesquisador identificar as

crenças e valores que norteiam a abordagem do grupo familiar para que se

estabeleça o discernimento necessário entre a “família pensada – definida pelo ideal

burguês e reafirmada pelo olhar técnico” e a “família vivida - reconhecida a partir das

experiências do cotidiano”, na abordagem de temas relativos aos desempenho das

funções de educação e cuidado das famílias.

Szymanski (2001) aponta que nos trabalhos com as famílias de classes

populares, pôde identificar nos relatos de seus integrantes sobre suas condições de

família, uma constante comparação da família que realmente interage no dia a dia

(família vivida), com a família tradicional, compatível com o modelo burguês, (família

pensada). Tal comparação impreterivelmente colocava a família da qual se fazia

parte em uma posição inferior a família do modelo tradicional.

A família pensada, que tem em sua composição o casal parental, à mãe cabe

o cuidado dos filhos e da casa, ao pai cabe o sustento de toda a família. A condição

da família vivida é sempre distinta. Se há a presença de um homem, que pode ser o

pai de uma das crianças, de algumas, ou até mesmo apenas um companheiro mais

recente da mãe, este homem, necessariamente, não é capaz de prover o sustento

do lar. Por vezes desempregado, por vezes em condição de sub-emprego ou ate

mesmo empregado porém com rendimentos que não custeiam todos os gastos da

família a mãe se vê obrigada a contribuir financeiramente no sustento do lar,

assume então o trabalho geralmente em período integral, se ausentando do convívio

da a família durante o dia e enfrentando a dupla jornada de trabalho. A essa

condição de sobrecarga de trabalho, as famílias das classes populares, geralmente

precisam lidar com o próprio julgamento de sua condição. Como conseqüência da

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percepção da diferença na constituição da família, que enfrenta as demandas de

sobrevivência e desenvolvimento de seus membros, em um meio que se mostra

pouco favorável a estes processos, os integrantes podem desenvolver sentimentos

de inadequação e constrangimento.

Szimanky (2001) aponta para as dificuldades geradas pelas atitudes dos

profissionais que atuam diretamente com as famílias ao se orientarem por esse

modelo idealizado de relações familiares, pois tenderiam a não reconhecer como

viáveis as múltiplas possibilidades de convivência familiar. Segundo a autora para se

alcançar uma condição positiva nas praticas educativas, deve ser construída uma

relação de parceria entre a escola e as famílias dos escolares, em que cada parte

envolvida possa ser reconhecida em suas potencialidades, respeitando os “saberes”

próprios de suas culturas familiares multigeracionais e os “saberes” locais, de sua

comunidade, assim como seus limites. Reconhecer a diferença, apenas como

diferença, sem implicar nesse julgamento um valor de desigualdade colocaria o

posicionamento horizontal dos profissionais da escola em relação às famílias dos

alunos em consonância com a proposta da pedagogia de Paulo Freire à medida em

que traduz a essência ética da prática educativa, enquanto exercício de interação

humana (SZYMANSKI, 2001).

Collares e Moysés (1994) assinalaram que a divulgação crescente das

“patologias” promotoras do fracasso escolar são geralmente mal definidas, com

vagos e imprecisos critérios de diagnóstico, isto traz como consequências, por um

lado, a rotulação de crianças normais, que acabam introjetando essas definições a

cerca de si mesmas e por outro implementam a desvalorização da atuação do

professor que acaba se percebendo como menos apto para lidar com as disfunções,

abrindo espaço para a atuação de outros profissionais. O contexto da escola passou

de um espaço saudável, voltado para a aprendizagem, para um espaço clínico

direcionado para erros e distúrbios, e tal transformação não é proporcional a

qualquer mudança nos índices de melhoria do desempenho escolar.

Se, por um lado, como sintetizam Guanaes e Mattos (2007), os discursos

sobre saúde vêm se transformando, como assinamos no decorrer deste capítulo,

impondo transformações no campo das políticas públicas e nas práticas que dali se

desenvolvem, fundamentadas: na concepção de saúde como direito, em uma visão

ampliada que, além dos determinantes biológicos, consideram os aspectos

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psicológicos e sociais; apontando uma assistência em níveis de promoção,

prevenção e recuperação da saúde; na defesa da participação popular, na

humanização dos atendimentos e eficiência do setor público na resolução de

problemas da população, ao focalizarmos as queixas escolares que em quase sua

totalidade se relacionam com problemas de aprendizagem e de comportamento

“inadequado” de alunos, estamos diante do polo oposto desse pensamento sobre

saúde, um movimento crescente de patologização dos problemas que ocorrem no

processo de ensino-aprendizagem em que o foco da disfunção recai sobre o aluno

ou sobre sua família.

O Conselho Federal de Psicologia, em uma cartilha que reúne material

construído a partir de discussões inter e intra x disciplinares de pesquisadores

interessados pelas questões relacionadas à educaçao, nacionais e internacionais,

assinalou que no Brasil encontramos um crescente aumento na compra e dispensão

de cloridrato de metilfenidato (droga controlada que pode provocar sérias e inúmeras

reações adversas) pelos órgãos públicos como estratégia de enfrentamento para

atenuar os sintomas daqueles alunos que foram diagnosticados como portadores de

Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA), que comumente é

acompanhado do diagnostico de dislexia. Um excessivo aumento de 1.284% (71.000

caixas em 2000 para 2.000.000 de caixas em 2010 – dados do Instituto de Defesa

de Usuários de Medicamentos - IDUM, 2010) durante cinco anos. Somado a esse

fato, o também crescente número de solicitações para a criação de convênios,

serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito municipal, estadual e

federal) para o tratamento dos supostos transtornos, indicam que essa forma de

abordar as questões das dificuldades de escolarização apontam um retorno às

concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que atribuem a

indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho alcançado nesse

processo (CRP, 2007).

As ações de promoção de saúde na escola que objetivam o cuidado com a

nutrição, atividade física, cuidado bucal, desenvolvimento físico não contemplam as

questões relacionadas às dificuldades de aprendizagem e problemas de

comportamento. Isto, se pensado a partir dos pressupostos da promoção de saúde

que vê o individuo na sua integralidade (física, psíquica, espiritual) e a saúde como

construída em um processo de interação do indivíduo com o contexto social, atuaria

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no sentido de focalizar os problemas no âmbito da escola relacionados a: práticas

pedagógicas; precariedade das instituições escolares; precariedade de locomoção;

violência no entorno escolar. Ao invés de assumir esse novo paradigma, as

dificuldades identificadas nos alunos são orientadas por uma visão organicista, linear

em que apenas o indivíduo ou sua família se tornam o foco do problema e da

intervenção especializada.

A força do pensamento organicista, especializado em saúde se sobrepõe a

perspectiva de promoção de saúde quando focalizamos as questões relativas às

queixas escolares, ainda que identifiquemos nessa forma de entender e intervir

sobre a saúde uma forte influência do pensamento de Paulo Freire.

Esperamos que, a partir de nossa breve abordagem histórica da questão da

medicalização da queixa escolar, tenhamos atingido o objetivo de explicitar a

incompatibilização desse procedimento com as atuais perspectivas de novo

paradigma, de saúde pública, mais especificamente com a concepção de saúde

relacionada ao desenvolvimento humano integral construído a partir de sua

interação com o contexto social.

Finalizando nossa abordagem sobre os paradigmas orientadores de trabalho

em saúde, tomamos a síntese elaborada por Sicoli e Nascimento (2003), que

assinalaram que a promoção de saúde teve suas origens e concepções

desenvolvidas no âmbito da vigilância à saúde, juntamente com um movimento de

crítica à medicalização desse setor. Vejamos:

(...) a promoção de saúde supõe uma concepção que não se restringe a saúde à ausência de doença, mas seja capaz de atuar sobre seus determinantes. Incidindo sobre as condições de vida da população, extrapola a prestação de serviços clínico-assistenciais, supondo ações intersetoriais que envolvam a educação, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a alimentação, o meio ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, o lazer, entre outros determinantes sociais da saúde. (SICOLI; NASCIMENTO, 2003, 102 )

Segundo os autores, uma vez desenvolvido no âmbito da saúde coletiva um

novo paradigma configurou-se para pensar a saúde, desde a maneira de interpretar

as necessidades dos indivíduos até às ações em saúde, partindo de uma

perspectiva contextual, histórica, ampla e coletiva que objetive o empoderamento e a

participação social, contrapondo-se à perspectiva biológica, mecanicista, individual e

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especializada, característica de políticas assistencialistas que implementam a

impotência dos indivíduos, na medida em que não garantem o acesso à informação

e tampouco ampliam o conhecimento e a capacidade de controle sobre saúde.

Como discorremos neste capítulo, o desenvolvimento do saber especializado,

fruto do pensamento linear, mecanicista promoveu o entendimento das dificuldades

de aprendizagem ou do comportamento “inadequado” na escola como um problema

focalizado no aluno e/ou em sua família. Ainda que essa forma de abordar as

dificuldades dos alunos em aprender ou em interagir com os demais integrantes do

sistema escolar tenha sido largamente refutada por pensadores e estudiosos de

distintas áreas (pedagogia, sociologia da educação, psicologia escolar dentre outras)

ainda encontramos na prática a prevalência da avaliação “diagnóstica” dos

problemas que emergem no contexto escolar. Ao não levarem em consideração as

particularidades institucionais da escola, tampouco a articulação desta com o

contexto social e sua complexa rede de influências políticas, econômicas e culturais,

essa maneira de avaliar os problemas sustenta e reproduz uma visão patologizante

dos problemas humanos que se apoia no paradigma biológico reducionista que

entende saúde como ausência de doença.

É nesse sentido que entendemos que o projeto promoção de saúde

desenvolvido na escola, que levou aos integrantes da comunidade escolar diferentes

informações sobre família (estrutura, desenvolvimento, desempenho de funções, sua

constituição a partir das interações com o contexto social, comunicação inter e entre

sistemas), pudesse ampliar a compreensão sobre os elementos (avaliações

imprecisas de déficit intelectual, comprometimento emocional, carência cultural,

transtorno de atenção e hiperatividade etc.) que, articulados, sustentam a definição

das queixas escolares que são dirigidas aos alunos e, geralmente, estendidas a

seus familiares (famílias desestruturadas, carência de valores culturais e morais

adequados, inabilidade para educação de seus filhos). Em nosso entendimento, ao

oferecer um olhar sobre as potencialidades e os recursos familiares, assim como

sobre as contraditórias demandas sociais que sobre as famílias se orientam,

estaremos oferecendo a possibilidade do reconhecimento de seu poder construtivo,

do valor das ações rotineiras do exercício das funções protetoras e socializadoras,

estaremos então proporcionando elementos para a ampliação do empoderamento

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dessas famílias, trabalhando, assim, no paradigma da promoção de saúde, que não

é positivista.

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5 OBJETIVO

5. 1 Objetivo Geral

Verificar a partir da realização de um programa de promoção de saúde na escola,

desenvolvido com professores, pedagogas e diretora e com pais e responsáveis, se

houve mudança com relação às suas percepções e expectativas de ação deles na

abordagem das queixas escolares.

5.2 Objetivos Específicos

1. Identificar a percepção dos integrantes do sistema escolar sobre as queixas

escolares antes e depois da intervenção.

2. Identificar a percepção dos pais e responsáveis sobre as queixas escolares

antes e depois da intervenção.

3. Conhecer as expectativas dos integrantes do sistema escolar em relação aos

procedimentos que o sistema familiar deve realizar ao identificar queixa escolar

antes e depois da intervenção.

4. Conhecer as expectativas dos pais e responsáveis pelos alunos em relação aos

procedimentos que os integrantes do sistema familiar devem realizar ao

identificar a queixa escolar antes e depois da intervenção.

5. Conhecer as expectativas dos integrantes do sistema escolar em relação aos

procedimentos que este sistema deve realizar ao identificar queixa escolar antes

e depois da intervenção.

6. Conhecer as expectativas dos pais e responsáveis pelos alunos em relação aos

procedimentos que os integrantes do sistema escolar devem realizar ao

identificar a queixa escolar antes e depois da intervenção.

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6 MÉTODO

Esta é uma pesquisa de campo, um estudo de caso intrínseco, de natureza

qualitativa, na forma de análise das narrativas de acordo com o paradigma

sistêmico, que foi definido anteriormente por Vasconcellos, em 1995, como o novo

paradigma das ciências. Hoje é compreendido como paradigma da ciência

contemporânea emergente, em que o cientista assume os pressupostos da crença:

na complexidade em todos os níveis da natureza; na instabilidade do mundo em

processo de tornar-se e na intersubjetividade como condição de construção do

conhecimento do mundo (VASCONCELLOS, 2006; GRANDESSO, 2007).

Segundo Denzin e Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa se apresenta como

um multimétodo que utiliza uma abordagem interpretativa do objeto de estudo, pois

tem como objetivo alcançar a compreensão dos significados que as pessoas

atribuem aos fenômenos.

A pesquisa qualitativa vem sendo muito utilizada nas investigações orientadas

pela epistemologia construtivista, na medida em que possibilita o desenvolvimento

da investigação a partir de métodos que proporcionam a abordagem do fenômeno

no lugar em que ele ocorre, assim como o alcance tanto do sentido desse fenômeno

quanto da interpretação dos significados construídos nas interações (CHIZZOTTI,

2006).

As pesquisas de orientação qualitativa assumem o pressuposto de que a

investigação dos fenômenos humanos estão carregados de “razão, liberdade e

vontade”, condições que configuram características específicas, pois as pessoas

“criam e atribuem significados às coisas e às pessoas nas interações sociais e estas

podem ser descritas e analisadas, prescindindo de qualificações estatísticas”

(CHIZZOTTI, 2006, p. 29).

Para atuar em consonância com os pressupostos da análise qualitativa, o

pesquisador deve participar das experiências das pessoas para conhecê-las e

compreendê-las. Ao ouvir as histórias contadas pelas pessoas pode identificar as

crenças e ideias que as orientam em suas rotinas (GILGUN,1992).

Os estudos qualitativos se mostraram adequados às investigações

realizadas, já que dispõe de instrumentos que possibilitam o entendimento da rede

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de interações existentes no contexto e na percepção dos sujeitos em relação aos

determinantes sociais de saúde, assim como o impacto destes em suas rotinas de

vida. Segundo as autoras Afonso, Tavares, Luiza (2013, p125.)

Esses elementos privilegiam conexões políticas que reafirmam a perspectiva central da participação dos sujeitos como agentes de mudança, sem perder de vista o compromisso, independente da dinâmica política, com a sustentabilidade dos projetos, envolvidos na nova proposta de saúde, tomada como um constructo sócio-histórico da sociedade moderna tardia. As poucas experiências apresentadas resumidamente neste trabalho confessam a importância da abordagem qualitativa, que considera o contexto em sua especificidade, integralidade e complexidade; destacam a importância da subjetividade (dimensão socioafetiva) dos sujeitos envolvidos e a extensão da intervenção à família como forma de favorecimento à inserção social e fortalecimento dos laços sociais.

6.1 Participantes

Os participantes desta pesquisa foram professores, pedagogos, a diretora,

pais e/ou responsáveis pelos alunos do 6º. ao 9º. ano do ensino fundamental em

uma escola da rede estadual de ensino no interior do Paraná. Em alguns encontros

realizados durante o desenvolvimento do

Programa de Promoção de Saúde na Escola também estiveram presentes: alunos

acompanhando os pais e alunos do curso noturno; estes, porém, não responderam

aos questionários avaliados na pesquisa.

Por se tratar de um programa aberto aos integrantes da comunidade escolar,

o número e as pessoas que participaram variaram tanto na aplicação do

questionário inicial e final quanto nos encontros do programa.

6.2 Local

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Os encontros com os pais e/ou responsáveis pelos alunos e os

professores, pedagogos e diretora se deram no auditório e em salas de aula da

referida escola.

6.3 Instrumentos

Foram utilizados dois instrumentos para coleta de informações: um

questionário aplicado no primeiro e no último encontro; e o Programa de Promoção

de Saúde na Escola.

6.3.1 Questionário

O questionário continha perguntas referentes a quatro casos de queixa

escolar (vide Anexo C e D), sendo dois apresentados na aplicação inicial e dois

apresentados após a realização do Programa. Todos os casos eram reais tendo

ocorrido em outras escolas, cidades e período e cujas identidades dos envolvidos

foram preservadas. Esses fizeram parte da dissertação de mestrado da

pesquisadora (BERGAMI, 1999).

O questionário foi por nós denominado situacional por se referir a situações

reais, conforme explicitado acima. A utilização desse instrumento se justificou por se

tratar de situações pertinentes à realidade em que os participantes estavam

inseridos e que, portanto, poderiam informar sobre suas percepções e expectativas.

As questões tiveram como foco a percepção sobre a queixa escolar, a

expectativa de ação dos sistemas familiar e escolar e quem eram os envolvidos

nessa ação. As perguntas foram baseadas na nossa experiência como orientadora

de pais em escolas e no trabalho de mestrado.

Inicialmente, o caso era apresentado em projeção de slide e a seguir feitas as

perguntas tanto em slide como no papel em que recebiam. Era dada a orientação

para se dividirem em duplas, discutirem o caso e responderem às questões. Este

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questionário foi aplicado em dois momentos, antes e depois do desenvolvimento do

Programa de promoção de saúde na escola.

6.3.2 Programa de Promoção de Saúde a Escola

A proposta das Escolas Promotoras da Saúde, uma iniciativa definida em

1995 pela Organização Pan-Americana de Saúde na região das Américas, por meio

da Iniciativa Regional, se desenvolveu pautada na articulação de três componentes

principais e articulados entre si: a educação para a saúde com enfoque integral;

criação e manutenção de entorno e ambientes saudáveis; provisão de serviços de

saúde, nutrição sustentável e vida ativa. Para tanto, sublinham a promoção da

“interação entre escola, comunidade, pais e mães de famílias, e os serviços

disponíveis no local” a fim de conseguir um enfoque integral pensando saúde num

sentido amplo, base da melhor qualidade de vida (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006,

p.37).

Com base na promoção dessa interação entre os envolvidos na comunidade

escolar, foi desenvolvido um Programa de Promoção de Saúde na Escola. Nosso

objetivo era apresentar temas que promovessem a reflexão sobre as percepções e

expectativas dos integrantes do sistema familiar e do sistema escolar a respeito do

desenvolvimento, das funções de cada parte e da interação entre eles.

A ideia inicial era promover grupos com pais e responsáveis, grupos com

professores, pedagogas e diretora e grupos de toda a comunidade escolar. No

entanto, os grupos com toda a comunidade contaram a presença de pais e

responsáveis, diretora e pedagogas, estando ausentes os professores.

Os temas foram apontados pelos participantes e desenvolvidos à luz da

Teoria Sistema Familiar. O Programa foi estruturado no formato de palestras

interativas e dinâmicas, recorrendo às situações vividas pelos participantes e

compartilhadas no grupo, conforme está sugerido na teoria que sustenta Promoção

de Saúde. A descrição completa do Programa está detalhada adiante, no

procedimento.

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6.4 Procedimentos

A pesquisa de campo foi realizada em três etapas que serão listadas a seguir

e descritas posteriormente:

Fase I: Apresentação da pesquisa, entrega e recolhimento da assinatura do Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B), levantamento de temas a serem

desenvolvidos no programa, apresentação de casos de alunos com queixa no

contexto escolar e aplicação do questionário.

Fase II: Execução do Programa de Promoção de Saúde na Escola por meio de

palestras interativas e dinâmicas e entrega e recolhimento da assinatura do Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido uma vez que o programa era aberto e a

qualquer tempo as pessoas nele podiam ingressar.

Fase III: Apresentação de casos de queixa escolar semelhantes aos apresentados

na Fase I e reaplicação do questionário.

Fase I

Inicialmente foi realizado um encontro com a diretora da escola, quando foi

apresentada a proposta de desenvolvimento do programa e avaliada a possibilidade

de seu desenvolvimento. Nessa ocasião, foi agendada a reunião com os professores

e demais integrantes do sistema escolar e a reunião com pais e/ou responsáveis, a

fim de apresentar a proposta do Programa e a pesquisa para ambos os grupos.

A escola encarregou-se de enviar um convite aos pais e responsáveis por

meio de bilhete encaminhado pelo aluno de convidar verbalmente os professores.

A reunião agendada com os professores não se realizou devido ao não

comparecimento deles e a com os pais e responsáveis foi realizada. Nessa reunião,

além de apresentar o projeto de pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e

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Esclarecido e proposta do programa, foi solicitado que os participantes elegessem

alguns temas pertinentes ao universo da família e da escola para serem

desenvolvidos e que escolhessem as datas prováveis dos encontros.

Para o encontro seguinte foram convidados professores, pedagogos e

diretora, pais e responsáveis, porém os professores não compareceram. Nessa

ocasião, foram apresentados os casos 1 e 2 e aplicado o questionário.

No primeiro encontro com os professores, foi apresentada a pesquisa, a o

Programa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os temas e datas

sugeridos pelos pais para as reuniões em conjunto. Também foi solicitada a

definição das datas das reuniões a serem realizadas somente com professores e

apresentados os dois casos seguidos da aplicação do questionário.

Fase II

Essa fase teve início com a realização do Programa de Promoção de Saúde

na Escola, no qual foram realizados 12 encontros, sendo 8 com pais, responsáveis,

pedagoga e diretora e 4 com os professores, pedagogas e diretora, conforme

descrito na tabela a seguir:

Tabela 1 – Descrição do Programa

No. Data Participante Tema Estratégia 1 13/04/10 Pais,

responsáveis, pedagoga e

diretora

História social da família e da escola

Palestra interativa

2 22/04/10 Professores, pedagoga e

diretora

Pensamento sistêmico e ciclo vital da família –

Jovens solteiros e casal novo

Palestra interativa

3 27/04/10 Pais, responsáveis,

pedagoga

Pensamento sistêmico, Ciclo vital da família e aspectos estruturais,

multigeracionais, contextuais da família.

Palestra interativa

4 04/05/10 Professores, Ciclo vital da família e Palestra

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pedagoga e diretora

aspectos estruturais, multigeracionais,

contextuais da família.

interativa

5 15/05/12 Pais, responsáveis,

pedagoga

Ciclo vital da família e aspectos estruturais,

multigeracionais, contextuais da família.

Palestra interativa

6 11/08/10 Pais, responsáveis,

pedagoga

Comunicação Palestra interativa e dinâmica

7 26/08/10 Pais, responsáveis,

pedagoga

Comunicação cm foco na produção de sintoma e

comunicação não violenta

Palestra interativa

8 11/09/10 Professores, pedagoga e

diretora

Comunicação Palestra interativa e dinâmica

9 16/09/10 Pais, responsáveis,

pedagoga

Comunicação não violenta e Projeto de Lei Anti-

palmada

Palestra interativa

10 07/10/10 Pais, responsáveis,

pedagoga

Comunicação não violenta Palestra interativa

11 30/10/10 Professores, pedagoga e diretora

Comunicação não violenta Palestra interativa

12 11/11/10 Pais, responsáveis, pedagoga e

diretora

Resolução dos casos e habilidades para vida

Palestra interativa

Ressalte-se que o Programa de Promoção de Saúde na Escola era aberto à

comunidade escolar e a qualquer momento podiam ingressar novos participantes.

Dessa forma, em todos os encontros foram entregues o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido àqueles que chegavam pela primeira vez, assim como era

apresentada a perspectiva sob a qual o Programa estava sendo desenvolvido.

Fase III

O último encontro com os professores foi dividido em dois momentos: no

primeiro, foi desenvolvido um tema do Programa de Promoção de Saúde na Escola;

no segundo foram apresentados os dois casos e os questionários foram respondidos

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pelos participantes fora do encontro e entregue posteriormente à coordenadora

pedagógica que os encaminhou à pesquisadora. Na reunião, os professores foram

convidados a participar do último encontro em que estariam os dois grupos. Nesse

dia, os pais inicialmente responderiam ao questionário e, na sequência, seriam

apresentados os encaminhamentos realizados na situação real dos casos

abordados; os professores, porém, não compareceram.

Em conformidade com o que foi citado acima, na reunião final em que

compareceram os pais, responsáveis, pedagoga e diretora, foram apresentados os

dois casos seguidos da aplicação do questionário e ao final foi apresentada a

resolução real dada aos casos na ocasião em que ocorreu o procedimento de

orientação de pais.

6.5 Considerações éticas

Nesta pesquisa, foram seguidos todos os pré-requisitos necessários

recomendados pela Resolução nº. 196/96 (Ministério da Saúde, 1996), que orienta o

desenvolvimento de pesquisas que envolvem os seres humanos.

Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Anexo B), no qual estavam dispostas as informações tanto sobre os objetivos e

procedimentos da pesquisa como de sua liberdade de interromper sua participação

quando achassem necessário, sem qualquer prejuízo.

No referido termo, estava exposta a maneira como seriam registrados os

dados durante os encontros e ressaltada a garantia da manutenção do sigilo sobre

qualquer dado que pudesse permitir sua identificação. Ficou também acordado que

as conclusões desse estudo estarão disponíveis com a pesquisadora ou na

Biblioteca da PUC-SP.

Também consta nesse termo a garantia da preservação da integridade física

e mental dos participantes, assim como o compromisso assumido pela pesquisadora

em fornecer o apoio psicológico caso houvesse necessidade.

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O termo distribuído em duas vias aos participantes, depois de lido e

comentado pela pesquisadora, foi assinado, ficando uma via para o participante e

outra com a pesquisadora.

6.6 Análise dos dados

A análise dos dados está divida em duas partes: a primeira apresenta a

análise das falas dos participantes no Programa de Promoção de Saúde na Escola e

a segunda expõe os resultados da análise dos questionários aplicados antes e

depois do Programa. Concomitantemente está apresentada a discussão com os

autores referidos na parte teórica do trabalho.

A fim de identificar se houve ou não mudança na percepção e expectativa dos

pais e/ou responsáveis e professores, pedagoga e diretora após a intervenção do

Programa de Promoção de Saúde na Escola em relação à abordagem da queixa

escolar, a análise dos dados foi realizada em duas etapas. A primeira foi construída

a partir do conteúdo das conversações, perguntas e comentários dos pais e/ou

responsáveis e professores durante os encontros em que foi desenvolvido o

Programa. A compreensão do problema e as expectativas de atuação da família e

da escola diante da queixa escolar, foi abordada na segunda etapa por meio da

análise do questionário situacional.

A análise do Programa de Promoção de Saúde na Escola, bem como a dos

questionários, teve início com a leitura do conteúdo das transcrições dos encontros e

das respostas dos questionários respectivamente. A seguir foram identificadas as

falas que apontavam ideias que se repetiam e se relacionavam com os objetivos do

Programa e da pesquisa. Com base nesse conteúdo, foram construídas as

categorias e subcategorias de análise. Vale ressaltar que em ambas as análises, se

manteve a separação do que se referiu ao grupo de pais e responsáveis e ao grupo

de professores, pedagogas e diretora. Além disso, o procedimento de análise dos

questionários se deu considerando as respostas dos participantes antes e depois da

intervenção.

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O passo seguinte foi agrupar as respostas que se relacionavam a cada

categoria. A partir da leitura das respostas agrupadas surgiram novas diferenciações

dentro das categorias e subcategorias que foram discriminadas e reunidas por

cores, de acordo com as tabelas a seguir:

Tabela 2 - Categorias e subcategorias da análise do conteúdo das falas dos

pais e responsáveis no Programa de Promoção de Saúde na Escola

Pais e responsáveis Categorias Subcategoria

1 Percepção e expectativa dos

pais em relação à família

1.1 Diferença cultural das famílias

1.2 Evolução histórica e social

1.3 Funções Familiares

Práticas educativas

Colocação de limites

Proteção á frustração Decisões

compartilhadas Função

cuidadora

Influecia cultural Influência das

instâncias exteriores à

família

Reflexões sobre a lei do castigo

físico

2 Percepção e expectativa dos pais em relação

aos filhos

2.1 Fase do desenvolvimento

3 Percepção e expectativa dos

pais em relação à escola e ao professor

3.1 Evolução histórica e social

3.2 Atuação do professor e da

escola

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Tabela 3 - Categorias e subcategorias da análise do conteúdo das falas dos

professores, pedagogas e diretora no Programa de Promoção de Saúde na

Escola

Professores, pedagogas e diretora Categorias Subcategoria

1 Percepção e

expectativa dos

professores,

pedagogas e

diretora em

relação à família

1.1 Diferença cultural, social e

econômica

Sem julgamento

Com julgamento

Reflexão

1.2 Características das configurações

dos núcleos familiares na atualidade

Famílias intactas

Famílias em que houve

separação

Sofrimento Família

monoparental Avós no exercício da parentalidade

Pai e avós no exercício da

parentalidade tecendo críticas ao recasamento

da mãe Influencia

cultural

Influência das instâncias

exteriores à família

Reflexões sobre a lei do castigo

físico

1.3 Funções familiares

Família dos alunos

Negligência no acompanhament

o escolar Negligência no monitoramento

Desempenho de comportamento

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163

que se constituem num

modelo disfuncional

Falta de interesse e incentivo para

com os filhos Ausência de percepção às

capacidades dos filhos

Delegação dos cuidados a terceiros

Substituição de carinho e atenção

por bens materiais

Imaturidade para educar

Família dos professores

Estabelecimento e monitoramento

de limites aos filhos e amigos

desses Ações

educativas, práticas de

cuidado, atenção e orientação

Dúvidas, questionamentos e inseguranças a

exercerem as funções da

parentalidade Modelo ideal Pais estabelecem

a educação dos filhos como prioridade

Mesma linguagem

Afeto sustentando as

práticas educativas

Pais apropriam-se da

posição de autoridade

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164

Manutenção da função

reparadora e intervenções para

mudança na família são

realizadas a partir de um nível

macrossocial 2 Percepção e expectativa dos

professores, pedagogas e diretora em

relação aos alunos

2.1 Diferença cultural

2.2 Fase do desenvolvimento

Intensificação do convívio com

o grupo de iguais

Manutenção da lealdade ao

grupo

Diferenciação do grupo familiar

Assimilação de valores

Pseudoauto- nomia

Vulnerabilidade à droga e álcool

Angústia própria da

adolescência

3 Percepção e expectativa dos

professores, pedagogas e diretora em

relação à escola e ao professor

3.1 Interação com os pais e

responsáveis dos alunos

Providenciar a ida dos pais à

escola

Refletir e apreciar as

atitudes dos pais

Apoiar a família na busca de

serviço público

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165

3.2 Interação com os

alunos

Aspectos promotores de

interação

Perceber as peculiaridades do

adolescente Cuidar do bem-estar do aluno

Ouvir e orientar Acessar recursos

diferentes dos medicamentosos para solucionar

os problemas que constituem a

queixa escolar Aspectos

limitantes da interação

Comportamento displicente dos

alunos Apreciação do

comportamento do aluno –

desqualificação da relação ou do

conteúdo Sentimento Estratégia

Tabela 4 - Categorias e subcategorias das respostas dos pais e responsáveis

ao questionário

Pais e responsáveis

Categorias Subcategoria 1 Percepção do

problema 1.1Família

Interação familiar

Vínculos afetivos Forma de educar

os filhos

Condições socioeconômicas

Genética 1.2 Ambiente 1.3 Escola

1.4 Aluno Psicológico

Desenvolvimento cronológico

Neurológico

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166

Problema inespecífico de

saúde

2 Expectativa dos pais e

responsáveis em relação aos

procedimentos do sistema familiar

2.1 Ações de sistema familiar

Expressar afeto

Assessorar

Orientar

Ser exemplo

Colocar limites

Buscar e receber ajuda

profissional

Ação integrada entre escola e

família

2.2 Justificativas das ações do

sistema familiar

Orientadas pelo reconhecimento

do problema

É importante investigar o problema

A família é a responsável pelo

problema A família não tem

recurso para solucionar

O aluno é o responsável pelo

problema

Orientadas pelo reconhecimento

do recurso

A família é a responsável pela

solução O aluno é o

responsável pela solução

2.3 Envolvidos no procedimento

Família

Família e outros sistemas sociais

3 Expectativa dos pais e

responsáveis em relação aos

procedimentos do sistema escolar

3.1 Ações de sistema escolar

Chamar os pais

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167

Investigar

Orientar Sem função específica

Encaminhamento Parceria

Promover cuidados ao

aluno

Medidas disciplinares

Medidas afetivas Aquisição de

recursos profissionais pela

escola

Desconsideração de ações do

sistema escolar

3.2 Justificativas das ações do sistema escolar

Orientadas pelo reconhecimento

do problema

É importante investigar o problema

O aluno é o responsável pelo

problema A família é a

responsável pelo problema

Orientadas pelo reconhecimento

do recurso

A família é a responsável pela

solução O especialista é o responsável pela solução A escola é

responsável pela solução

A parceria entre família e escola leva à solução

3.3 Envolvidos no procedimento

escolar

Escola e família

Escola, família e profissional especialista

Escola, família e aluno

Um sistema envolvido

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168

Tabela 5 – A categorias e subcategorias das respostas dos professores,

pedagogas e diretora ao questionário

Professores, pedagogas e diretora

Categorias Subcategoria 1 Percepção do

problema 1.1 Família

Disfuncionalidad

e da Família

Investigação 1.2

Aluno Limite e

Agressividade

O aluno como problema

Vitimização Característica de

personalidade

Dificuldade de aprendizagem,

falta de concentração e

desinteresse

Socialização e desenvolvimento

1.3 Sistema

educacional

1.4 Percepção de múltiplas partes do problemas

1.5 Percepção Sistêmica do

problema

2 Expectativa dos professores, pedagogas e diretora em relação aos

procedimentos do sistema familiar

2.1 Ações de sistema

familiar

Função cuidadora

Investigar

Buscar ajuda de especialista

2.2 Justificativas das ações do sistema

familiar

Orientadas pelo reconhecimento

do problema

Problema requer ação

Diagnóstico sem finalidade

Orientadas pelo reconhecimento

do recurso

Família é a responsável pela

solução

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169

Diagnóstico com finalidade

2.3 Envolvidos no procedimento

Família e outros sistemas sociais

Família

3 Expectativa dos professores, pedagogas e diretora em relação aos

procedimentos do sistema escolar

3.1 Ações de sistema escolar

Investigação

Investigar sem função específica

Investigar e encaminhar Investigar e acompanhar

Orientação aos pais

Impositiva Ponderada

Acompanhamento do aluno e

cobrança dos pais

Orientação aos professores

Ações inespecíficas

Ações disciplinares

Ações integradas

Relação entre professor aluno

Ações governamentais e comunitárias

3.2 Justificativas das ações do

sistema escolar

Orientadas pelo reconhecimento

do problema

O aluno é o responsável pelo

problema A família é a

responsável pelo problema

A escola é a responsável por

investigar o problema

Orientadas pelo reconhecimento

do recurso

O aluno tem recursos

Atenção do professor ao

aluno Pais participam

da solução

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170

Ensino de qualidade requer o cumprimento de regras por

parte dos alunos 3.3 Envolvidos no

procedimento escolar

Escola e família

Escola, família e especialista

Apenas um sistema

envolvido

Desconsideração do envolvimento

da escola

Finalmente foram escritos os capítulos de análise do Programa de Promoção

de Saúde na Escola e dos resultados e a discussão do questionário, em que as

categorias foram descritas e exemplificadas com falas e, posteriormente,

confrontadas com a teoria.

Vale ressaltar algumas particularidades na análise do Programa de Promoção

de Saúde na Escola e do questionário, como, por exemplo, o escasso número de

falas dos pais e responsáveis no Programa, quando comparado ao volume de falas

dos professores, pedagoga e diretora.

Quanto à análise dos questionários, cabe informar que no agrupamento de

falas nas tabelas cada número de participante aparece duas vezes porque cada

pessoa ou dupla avaliou dois casos. Além disso, cada questionário foi respondido

por uma dupla de participantes, que significa que o número de resposta representa o

dobro de participantes. Isso ocorreu nas duas aplicações aos pais e na primeira

aplicação aos professores. A exceção foi a última aplicação aos professores em que

estes responderam individualmente.

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171

7 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS FALAS DOS PARTICIPANTES DO

PROGRAMA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA ESCOLA

Os objetivos do Programa de Promoção de Saúde na Escola, conforme

mencionados anteriormente, são relacionados à veiculação de informação e têm,

como propósito, estimular a reflexão sobre diferentes questões que possam estar

relacionadas aos problemas que ocorrem com os alunos no contexto escolar. Nessa

medida, nossa atuação está alinhada às proposições do paradigma da promoção de

saúde,o qual ressalta a disponibilização de informações sobre saúde, como uma das

bases para que os indivíduos possam desenvolver a autonomia necessária, para

melhor agenciar os cuidados com sua saúde. Assim, atendendo essa orientação, o

programa desta pesquisa foi formatado em palestras interativas, na quais a

pesquisadora adotou uma postura não hierárquica, reconhecendo e valorizando o

ponto de vista de cada participante, ao mesmo tempo em que estimulava o

desenvolvimento de novas percepções a respeito da escola, da família e do aluno,

da interação entre eles e dos problemas que emergemnesse contexto, configurando

as queixas escolares.

A queixa escolar inicia-se na escola e é permeada pela percepção e

expectativa dos seus membros, sobre a criança, a família e a escola.

A partir da proposta de Vasconcelos (2006), sobre uma visão sistêmica novo-

paradigmática, que integra os pressupostos da intersubjetividade, da complexidade

e da imprevisibilidade, entendemos que a definição da queixa é identificada e

sustentada pela concordância, entre os integrantes do sistema escolar, sobre os

significados dos diferentes elementos que, articulados, constituem a identificação de

um problema. Esses significados, atribuídos à forma particular de o aluno

comportar-se, à maneira diferente de conduzir a vida escolar, à forma especifica de

dirigir a atenção, às particularidades da estratégia educativa dos pais e/ou

responsáveis, às especificidades relacionais da família, são articulados nas

interações que se estabelecem dentro desse sistema. Por isso, possibilitar reflexão,

a partir dessas percepções e expectativas, foi a estratégia adotada no trabalho, para

promover saúde e disponibilizar, aos envolvidos, uma possibilidade de vislumbrar

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172

uma interação menos culpabilizadora, portanto, mais eficaz na solução dos

problemas.

Ao analisar o conteúdo das falas dos participantes do Programa, acessamos

as percepções e expectativas, no momento em que era proposto, ou disponibilizado,

um novo olhar, uma possibilidade de entrar em contato com outros significados,

atribuídos aos eventos que ocorrem nas interações que eles (participantes)

estabelecem em suas rotinas. Essa possibilidade, em nosso ponto de vista, dar -se -

ia a partir da apresentação de ideias relativas ao desenvolvimento histórico e social

da família, às interações inter e extras sistêmicas, ao ciclo vital, à comunicação, à

estrutura, à dinâmica da família, à comunicação não-violenta e às habilidades para a

vida.

Abaixo, está a descrição de cada encontro realizado e, na sequência, a

análise do conteúdo das falas dos pais e responsáveis e dos professores.

Conforme já mencionado no método, a transcrição, na íntegra, de todos os

encontros pode ser verificada no Anexo F. As categorias, apresentadas

anteriormente nas tabelas 2 e 3 no capítulo de método, serão a seguir descritas e

exemplificadas com as falas dos participantes.

7.1 Descrição do Programa de Promoção de Saúde na Escola

1º Encontro

Data: 13/04/2010.

Tema: História social da família e da escola.

Objetivo: Levar informações sobre as diferentes formas que a instituição familiar e

escolar assumiu nos distintos períodos da história, ressaltando que a abordagem

científica de cada momento influenciou a percepção da realidade social.

Público: Pais e responsáveis e a diretora.

Método: Palestra.

Neste encontro, foram desenvolvidos temas que apontavam as distintas

configurações na organização da família e da escola, foram ressaltadas as maneiras

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173

pelas quais se desenvolviam a educação e os cuidados com os filhos, em diferentes

momentos históricos e sociais. Foi assinalado que as mudanças sociais, culturais,

políticas e econômicas demandavam mudanças na organização da família e da

escola, remetendo, assim, a um processo evolutivo recursivo, estabelecido entre

estes sistemas.

Também foram apontadas crenças que configuram o desenvolvimento do

saber cientifico e a influência deste na formação do senso comum que orienta as

interações sociais.

2º Encontro

Data: 22/04/2010.

Tema: Pensamento Sistêmico e Ciclo vital da família – Jovens solteiros e casal novo.

Objetivo: Desenvolver reflexão sobre as formas habituais de diagnosticar os

problemas, oferecer informações sobre a visão sistêmica da realidade e apresentar

as duas primeiras fases do ciclo de vida da família – Jovens solteiros e Casal novo.

Público: Professores, pedagogos e diretora.

Método: Palestra interativa.

No segundo encontro, foram desenvolvidos assuntos que demonstravam a

diferença entre uma apreciação de problema pautada nos pressupostos de uma

visão linear, especializada, rígida e uma visão sistêmica, que reconhece a

complexidade dos fenômenos. A partir de exemplos similares às situações vividas,

diariamente, dentro da escola, foram construídas reflexões e compartilhadas

opiniões que assinalavam as distintas maneiras de identificar e compreender os

problemas.

A reflexão sobre as ideias e crenças que orientam a percepção delimitada da

realidade pode apontar para a necessidade de ampliação da compreensão dos

eventos. A fim de facilitar essa compreensão, foram desenvolvidos os seguintes

temas: concepção sistêmica da vida, sistemas abertos, propriedades de interação

entre elese compreensão sistêmica dos eventos que ocorrem na família, na escola,

e em outros sistemas sociais, limitação de um único sistema (família, escola) para

resolução de problemas complexos, gerando culpabilização mútua, evolução do

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sistema familiar e escolar ao longo do tempo, demandas atuais das funções

familiares.

Também foram abordadas as características das famílias,nas seguintes fases

do ciclo vital familiar: Jovens solteiros e Casal novo.

3º Encontro

Data: 27/04/2010.

Tema: Pensamento Sistêmico, Ciclo vital da família e Aspetos estruturais,

multigeracionais, contextuais da família.

Objetivo: Desenvolver reflexão sobre as formas habituais de diagnosticar os

problemas e oferecer informações sobre a visão sistêmica de realidade e ciclo vital

da família. Apresentar os conceitos das escolas estruturais, multigeracionais e

contextuais da Terapia Familiar e,a partir dos quais, refletir sobre a queixa escolar.

Público: Pais e responsáveis e pedagoga.

Método: Palestra interativa.

Neste encontro, foram retomados os aspectos do desenvolvimento social da

família, os conceitos de sistema aberto, família e escola como sistemas em interação

e as diferentes fases do ciclo vital familiar.

Foram abordadas questões relativas à transmissão multigeracional de

crenças e valores, lealdade, estrutura, hierarquia familiar – conceitos das escolas

Estrutural, Multigeracional e Contextual da Terapia Familiar. Esses temas foram

desenvolvidos com o objetivo de proporcionar uma ampliação da percepção da

queixa escolar.

4º Encontro

Data: 04/05/2010.

Tema: Ciclo vital da família e Aspectos estruturais, multigeracionais, contextuais da

família.

Objetivo: Contextualizar e assim ampliar a compreensão dos problemas que

acometem a família, ao longo do tempo. Refletir sobre a queixa escolar, a partir da

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175

apresentação dos conceitos das escolas estruturais, multigeracionais e contextuais

da Terapia Familiar.

Público: Professores, pedagogos ediretora.

Método: Palestra interativa.

A pesquisadora destacou, do Ciclo Vital da Família, as fases: família com

adolescente, fase madura e fase última.

Os conceitos de diferenciação/ indiferenciação, triangulação, lealdades

familiares e estrutura familiar foram utilizados para compreender os diferentes

problemas que ocorrem com as famílias, entendidos como sintomas que apontam

para disfunções, como, por exemplo, aquelas que compõema queixa escolar.

5º Encontro

Data: 11/05/2010.

Tema: Ciclo vital da família, Aspectos estruturais, multigeracionais, contextuais da

família.

Objetivo: Contextualizar e assim ampliar a compreensão dos problemas que

acometem a família, ao longo do tempo, destacando a transmissão de valores

familiares. Refletir sobre a queixa escolar, a partir da apresentação dos conceitos

das escolas estruturais, multigeracionais e contextuais da Terapia Familiar.

Público: Pais e responsáveis e pedagoga.

Método: Palestra interativa.

Para abordar a fase da Família com adolescentes, destacaram-setemas

referentes à autonomia e sexualidade. Na fase “Lançando os filhos e seguindo em

frente”, foram enfatizados o luto e divórcio. Para finalizar a apresentação do Ciclo

Vital da Família, foi apresentada a fase tardia.

Os conceitos de diferenciação/ indiferenciação, triangulação, lealdades

familiares e estrutura familiar foram utilizados para compreender os diferentes

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176

problemas que ocorrem com as famílias, entendidos como sintomas que apontam

para disfunções, como, por exemplo, aquelas que compõema queixa escolar.

6º Encontro

Data: 11/08/2010.

Tema: Comunicação.

Objetivo: Promover reflexão sobre a forma como se estabelece a comunicação,nos

diferentes sistemas sociais.

Público: Pais e responsáveis e pedagoga.

Método: Palestra interativa e Dinâmica.

Foi solicitado ao grupo que formassem duplas e, posteriormente, aqueles que

estavam à direita se encaminharam para a sala ao lado, permanecendo, na sala,

metade do grupo. A estedeu-se a orientação para contar um história à sua dupla,

quando esta retornasse. O grupo que saiu foi orientado a impedir que o outro

contasse sua história. Ao final do processo, cada parte contou qual foi sua

sensação, ao desempenhar o papel orientado.

Com base nos relatos da experiência dos professores, foram apresentados os

cinco axiomas da comunicação e ressaltadas as características de um processo

comunicacional bem e mal sucedido,destacando os ruídos e obstáculos que

atrapalham a comunicação, assim como os cuidados que são possíveis ser

tomados, para viabilizar uma comunicação de boa qualidade.

A cultura oferece elementos que, articulados traduzem crenças, valores e a

forma particular da organização do poder de uma sociedade e podem ser

identificados na comunicação estabelecida entre pessoas e diferentes grupos

sociais.

7º Encontro

Data: 26/08/2010.

Tema: Comunicação com foco na produção de sintoma e comunicação não violenta.

Objetivo: Estabelecer relação entre as diferentes formas de comunicação

intersistêmica e a produção de sintomas.

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177

Público: Pais e responsáveis e pedagoga.

Método: Palestra interativa

Tendo como base os conceitos de comunicação e as referências da

comunicação não violenta, vistos no encontro anterior, foram focalizadas, nesse dia,

questões relativas à violência e drogadição, atendendo assim a demanda dos pais e

responsáveis, expressa no levantamento dos temas a serdesenvolvidos no

Programa.

8º Encontro

Data: 11/09/2010.

Tema: Comunicação.

Objetivo: Promover reflexão sobre a forma como se estabelece a comunicação,nos

diferentes sistemas sociais.

Público: Professores, pedagogos e diretora.

Método: Palestra interativa e dinâmica.

Foi solicitado ao grupo que formassem duplas e,posteriormente, aqueles que

estavam à direita se encaminharam para a sala ao lado, permanecendo a outra

metade do. A esta deu-se a orientação para contar um história à sua dupla , quando

retornasse. O grupo que saiu foi orientado a impedir que o outro contasse sua

história. Ao final do processo, cada parte contou qual foi sua sensação ao

desempenhar o papel orientado.

Com base nos relatos da experiência dos professores, foram apresentados os

cinco axiomas da comunicação e ressaltadas as características de um processo

comunicacional bem e mal sucedido destacando os ruídos e obstáculos que

atrapalham a comunicação, assim como os cuidados que são possíveis ser tomados

para viabilizar uma comunicação de boa qualidade.

A cultura oferece elementos que, articulados, traduzem crenças, valores e a

forma particular da organização do poder de uma sociedade e podem ser

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178

identificados na comunicação estabelecida entre pessoas e diferentes grupos

sociais.

9º Encontro

Data: 16/09/2010.

Tema: Comunicação não violenta e Projeto de Lei Anti-palmada.

Objetivo: promover reflexão sobre os padrões comunicacionais estabelecidos nas

famílias, nas escolas e nas interações entre estes sistemas, estabelecendo um

paralelo entre comunicação não violenta e a comunicação alienante. Esclarecer as

dúvidas dos pais e responsáveis a respeito da Lei anti-palmada.

Público: Pais e responsáveis, pedagoga e diretora.

Método: Palestra interativa.

Ao abordar a comunicação não violenta, ressaltaram-seos elementos que

compõem a construção de uma comunicação eficaz ou, na ausência deles, a

comunicação alienante. A falta de empatia, preconceitos, acusação, culpabilização,

manipulação, sedução foram identificados como alguns dos elementos produzem a

comunicação alienante.

Uma psicóloga, com experiência na área da infância e juventude, compareceu

nesse encontro para apresentar e esclarecer as dúvidas dos pais e responsáveis

sobre o Projeto de Lei anti-palmada, que trata da garantia do direito de crianças e

adolescentes a uma educação sem o uso de castigos corporais ou tratamento

degradante.

10º Encontro

Data: 07/10/2010.

Tema: Comunicação não violenta.

Objetivo: Desenvolver habilidade para estabelecer uma comunicação não violenta.

Público: Pais e responsáveis e pedagoga.

Método: Palestra.

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As questões relacionadas à lei da anti-palmadaforam retomadas, assim como

os elementos constituintes da comunicação não violenta.

A partir da apresentação do esquema de Comunicação não violenta, proposto

por Marshall Rosenberg, foi solicitado aos pais que pensassem em uma situação da

rotina e construíssem um esquema de comunicação não violenta para essa situação

e, posteriormente, isso seria discutido no grupo.

11º Encontro

Data: 30/10/2010.

Tema: Comunicação não violenta.

Objetivo: Promover reflexão sobre os padrões comunicacionais estabelecidos nas

famílias, nas escolas e nas interações entre estes sistemas, estabelecendo um

paralelo entre comunicação não violenta e a comunicação alienante. Público:

Professores, pedagogos e diretora.

Método: Palestra interativa.

Ao abordar a comunicação não violenta, ressaltaram-se os elementos que

compõem a construção de uma comunicação eficaz ou, na ausência deles, a

comunicação alienante. A falta de empatia, preconceitos, acusação, culpabilização,

manipulação, sedução foram identificados como alguns dos elementos produzem a

comunicação alienante.

12º Encontro

Data: 11/11/2010.

Tema: Resolução dos casos e Habilidades para vida.

Objetivo: Demonstrar uma abordagem da queixa escolar, pautada no pensamento

sistêmico e orientada pelos pressupostos da Terapia Familiar. Refletir sobre as nove

habilidades para a vida, sugeridas pela OMS, em 1997.

Público: Pais e responsáveis, pedagogos e diretora.

Método: Palestra interativa.

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180

A conduta assumida nos casos utilizados no questionário situacional foi

apresentada e discutida com os participantes, ressaltando que a compreensão e o

encaminhamento do problema foram pautados nos pressupostos da Terapia Familiar

Sistêmica.

Compatível com as premissas de trabalho em promoção de saúde foram

apresentadas as habilidades para vida, sugeridas pela organização mundial de

saúde em 1997, a saber: autoconhecimento, relacionamento interpessoal, empatia,

lidar com estresse, comunicação eficaz, pensamento crítico, pensamento criativo,

tomada de decisão e resolução de problemas.

Como se pode observar, foram realizados oito encontros com pais e

responsáveis e seis com os professores. Em apenas um encontro, os grupos

estiveram reunidos, ao contrário da proposta inicial, que previa a realização de

quatro encontros com os dois grupos,simultaneamente. Isso se deu pela ausência

dos professores nesses grupos comuns.

7.2 Análise das falas dos pais e responsáveis do Programa de Promoção de

Saúde na Escola

Dos encontros realizados com os pais e responsáveis, identificamos as

percepções e expectativas deles em relação à família, aos filhos aos professores e à

escola.

7.2.1 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à família

No que diz respeito à família, a percepção e aexpectativa dos pais e

responsáveis, durante os encontros, apontavam para questões relativas à: diferença

cultural das famílias, evolução histórica e social e funções familiares.

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7.2.1.1 Diferença cultural das famílias

A restrição de acesso à cultura, por parte da família, limita uma apreciação

complexa dos eventos com os quais se depara, conforme pode ser observado nas

falas abaixo:

1º Encontro

Participante: mas uma família que não tem, que não chegou a cultura lá na casa dela...

Como que ela vai ver, ter uma visão ampla disso tudo? Não tem nem condições...

Participante: às vezes ela (família) não tem uma estrutura cultural assim...

7.2.1.2 Evolução histórica e social

A diferença entre o exercício da parentalidade no passado e na atualidade,

destacada pelos pais e responsáveis foi: a rebeldia dos filhos, nos dias de hoje, o

acesso à informação, o sentimento de culpa por qualquer resultado negativo na vida

dos filhos e a menor disponibilidade de tempo dos pais para dedicar aos filhos.

1º Encontro

Participante: Aí que eu falo, antigamente tinha menos cultura e não existia tanta rebeldia, e

agora né... E a psicologia?

Pesquisadora: porque gente é tão idealizado, o papel de pai ou de mãe hoje, (...) o pai faz o

que pode e a mãe faz o que pode e um olha para o outro achando que podia dar mais, é

este o problema.

Participante: E lá na frente fala: Aonde foi que eu errei...

3º Encontro

Pai: Neste tempo tinha tempo para contar as histórias. Hoje em dia parece que a gente não

tem mais tempo, parece que tá todo mundo ocupado, que não tem tempo de ouvir as

histórias.

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182

7.2.1.3 Funções familiares

Sobre o exercício da função educativa, os pais e responsáveis assinalaram

questões relativas à : práticas educativas, influência cultural e de instâncias

exteriores à família e reflexões sobre a lei do castigo físico.

Práticas educativas

Colocação de limite, monitoramento do comportamento dos filhos, proteção à

frustração, decisões compartilha das foram as práticas educativas assinaladas pelos

pais.

Colocação de limite

Os limites para as interações familiares e sociais são estabelecidos por meio de

negociação, diálogo, castigo físico, privação e “no grito”, como pode ser observado,

respectivamente, na ordenação das falas abaixo:

7ºEncontro

Participante: O meu fala que gosto eu gosto do meu quarto, ele tem 17 anos já tá

trabalhando aí roupa mistura a limpa com a do guarda- roupa, com a suja como ele

começou a trabalhar aí o que que eu fiz, eu vou lavá sua roupa e você vai me dar R$ 30,00.

Aí o negócio muda de figura, aí coloco a roupa em outro quarto lá, dobradinha lavada, e

deixo o ferro lá na hora que você for sair você passa veste e sai. Eu lavo e passo só a do

serviço do projeto e da escola, se vira se bagunçar vai não vai ser R$ 30,00 por mês vai ser

R$ 50,00. E se eu tenho que lavar o tênis vai ser R$ 70,00. Assim o meu salário vai todo por

mês. Não importa você já está com 18 anos.

Participante 4: eu tenho um adolescente de 14 anos, eu não me lembro de ter batido nele

desde pequeno, só que assim, a gente conversa muito (...)

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Participante 1: ... meus filhos estão educados, levaram umas palmadinhas, (...) se deixar de

dar uma palmadinha os pais que vão apanhar mais tarde. (...)

Participante 4: aí eu tirava as coisas que ele gostava, computador, videogame,

conversava e tirava alguma coisa que ele gosta, ele adora computador videogame (...). Dali

a pouquinho ele vinha me pedir: Ai mãe posso usar o computador. Pode não...

Pesquisadora: (...) Um filho que fica em casa e deixa tudo jogado, as meias, que deixa o

livro junto com as meias, eu não sei onde ele conseguiu encontrar um exemplo desses deve

ser muito raro não é? (risos).

Participante: Na minha casa nem acontece isso. (fala irônica)

Pesquisadora: Então, entro lá em casa e qual é a primeira coisa que me fica?

Participante: Começa a gritar

A autoridade exercida pela figura paterna foi caracterizada ora como mais

rígida e determinada, ora com mais condescendente.

7º Encontro

Participante 4: (...) só que de vez em quando eu falo e ele não concorda, agora quando o pai

dele fala, é como se tivesse colocando o dedo na ferida dele sabe...

10ºEncontro

Pesquisadora: (...) Aí tem uma outraestatísticaque mostra que 64% das mães batem

nos filhos e que 44% dos pais batem nos filhos, agente tem que dar um desconto que as

mães ficam o tempo todo com os filhos são elas que colocam limites e acabam mais tempo,

ficavam né? Mas, geralmente a mãe fica mais. O que vocês acham disso?

Mãe: É o pai é mais bonzinho (risos).

Proteção à frustração

Cuidar para que o filho não tenha frustração também faz parte do repertório

das práticas educativas mencionadas pelos pais e responsáveis.

7º Encontro

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Participante:E é isso eu imaginei né que quando eu era jovem e eu queria ir no show e meus

pais não deixaram.

Pesquisadora: E aí você fez diferente?

Participante: Aí eu pensei se ela ia sentir o mesmo que eu senti na época que não pude ir.

Decisões compartilhadas

Alguns limites são fruto de conversações estabelecidas entre os pais e entre

eles e os filhos.

7º Encontro

Participante: Eu já me coloquei no lugar da minha filha, ela queria ir num show... lá um show

que ia ter na Expoingá... (não dá para compreender o que a mãe esta dizendo). ... Daí ela

queria muito ir mas eu não queria deixar ela ir de jeito nenhum, porque era lá na Expoingá e

tal longe né? Maringá eu nem sei onde era direito. Ai as amigas estavam com o vizinho aío

pai dela não queria deixar ela ir, conversou, conversou e foi aíque ele resolveu deixar. Eu

conversei com ele sozinho em casa antes dela chegar da escola, daí eu falei para ele que

ah sei lá a gente entende um pouco e já teve uma época que quando eu era jovem eu era

louca por causa de uma banda lá. E eu queria muito ir e meus pais não deixaram então

acabei não indo né no show, como eu senti muito também eu pensei que ela também ia

sentir e aí nós deixamos ela ir. Aí ela foi de circular com os amigos dela lá e para buscar nós

fomos buscar ela. (...)

Função cuidadora

Ajuda e monitoramento foram as ações voltadas aos cuidados dispensados

para com os filhos, apontadas pelos pais e responsáveis.

7º Encontro

Participante: (...) Aíquando acabou o show nós fomos buscar ela e a amiga dela e deu tudo

certo. (...)

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Participante 4: procurava ajudar ele quando ele precisava...

Influência cultural

Diferentes culturas trazidas pelas famílias de origem geram distintos valores

que orientam a educação dos filhos, podendo gerar conflitos.

3º Encontro

Mãe: É só que eu penso da seguinte maneira, eu vejo que é muito relativo, como você

colocou a família aí, família italiana, famílias na Índia e em Portugal. Hoje acontece muito

isso, também aqui mesmo, no Brasil, porque é muita mistura de origem, de raça, japoneses,

brasileiros, e isso acontece comigo, eu sou descendente de alemão com italiano e me casei

com um negro.Na minha família, todo mundo tem que tomar bênção antes de dormir,quando

se vai, quando se chega e de mão fechada.Na família do meu ex-marido, não. Quando o

meu filho vai dar bênção à avó ela diz de novo? Aí de novo não, então boa noite vô, aíde

novo? Então as crianças acabam como? Oscilando, sabe? O que elas são, no que elas

acreditam e acabam se perdendo e buscando lá fora um jeito diferente de ser ahhnão vou

ser nem assim e vou ser assado. Então, às vezes você vê uma criança e você diz :vou

conhecer a família ... mas é tudo muito relativo.

Mãe: É, por exemplo, eu sou muito rígida e as minhas crianças passaram 15 dias com os

pais deles nas férias. Aías crianças chegaram e disseram: E aí mãe, falô? Opa desculpas!

Bênção mãe. Rsrs, iam sair e falô mãe, tô saindo, ô mãe desculpas bênção.

Influência de instâncias exteriores à família

A escola e o Conselho Tutelar foram mencionados pelos pais e responsáveis

como agentes que influenciam nas práticas educativas, à medida que cobram deles

ações imediatas, que restringem as atitudes e atividades indesejáveis dos filhos.

3º Encontro

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Pai: Pra mim é novidade. É novidade. ... quando a gente fala que tem que olhar a história da

criança então a gente ... então no dia a dia as pessoas querem uma resposta imediata, deu

uma martelada ali porque tem uma força, deu a impressão que deu resultado né? ... parece

que fez alguma coisa, e para a gente entender o contexto todo isso leva tempo. E o

problema é que àsvezes você não vê o resultado daquilo ... então a gente sofre na escola...

e as pessoas querem que ele seja como elas são ... porque as pessoas querem achar um

culpado

7º Encontro

Participante 12: eu converso muito com os meus filhos em casa ele é uma ótima criança, na

sala ele é um terror, quase toda semana eu estou aqui, aí a D. fala vou mandar o filho de

vocês prá promotora, chega lá eu sou obrigada a lavar banheiro de rodoviária, o que, que eu

tenho com isso, com o fato de ele não obedecer se eu converso com ele em casa, já não

posso bater, não é mesmo, aí chega uma hora se você chega a bater você acaba

machucando, aí eu vou lavar banheiro de rodoviária, certo, se eu não posso bater...

Participante: tem que mostrar este Estatuto, Conselho Tutelar, tem gente que tem uma visão

assim, o Conselho Tutelar se estiver trabalhando, mas não é assim o Conselho Tutelar, se a

criança apanha, sei lá, agora dela trabalhar o Conselho não vai prender o pai ou mãe

porque o filho está trabalhando, então tem uma imagem meio ruim do Conselho Tutelar.

Conselho tutelar prejudica os pais e apoia os filhos, mesmo assim esse negócio está sendo

mal explicado, mal interpretado, eu acho assim que tem...

Reflexões sobre a lei do castigo físico

A questão da restrição do castigo físico por parte dos pais, como recurso para

as práticas educativas, foi abordada pelos participantes que assinalaram dúvidas,

insegurança, medo e indignação, em relação à nova lei.

7º Encontro

Participante 1: (...) Então eu acredito naquele ditado, se você não der umas palmadinhas

hoje, amanhã é você quem apanha.

Participante 2: eu acho que está difícil, agora com essa questão das palmadinhas, não sei,

mas eu acho que tem hora que...

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Participante 4: Só que eu acho assim, se precisou de uma palmadinha, uma palmadinha não

faz mal

Participante 7: Pai não pode bater nos filhos e quando os filhos batem nos pais como é que

fica?

Participante 8: Cada caso é um caso, nós somos em 7 irmãos, 3 apanharam bastante, 4

nunca precisaram levar uma palmada. Cada caso é um caso...

Participante 13: eu acho que a punição devia ser para os filhos não para os pais, já que a

gente não pode bater mais...

Participante: eu queria só complementar um pouquinho né, sobre a agressão física,

prá saber o que você acha enquanto psicóloga, porque isso tem que ser muito bem

estudado, porque isso tem mostrado dessa forma, porque assim, daqui uns 20 anos... 74%

dos pais que apanharam, daquia 20 anos são os filhos que vão estar batendo neles...

7.2.2 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação aos filhos

A percepção e a expectativa dos pais e responsáveis, em relação aos filhos,

focaram somente a fase do desenvolvimento na atualidade.

7.2.2.1 Fase do desenvolvimento

Ao falar da infância e da adolescência de hoje, os pais e responsáveis

enfatizaram indisciplina, falta de respeito, agressividade, hiperatividade e abuso do

uso do computador.

7º Encontro

Participante: Mas tem preguiça também só fica na frente do computador.

Participante 1: ... só que eu acho que as crianças de hoje estão muito indisciplinadas, com

os professores que a gente vê assim, sofrem muito. Lógico que não uma agressão física,

mas assim, (...) Hoje os adolescentes estão muito mal educados, hoje tem... o hiperativo,

hoje quase todas as crianças são hiperativas, porque hoje dentro de uma sala de aula. .

Participante 4: (...) E a gente vê adolescente de 13, 14 anos batendo no pai e na mãe...

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7.2.3 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à escola e

ao professor

Sobre a escola e o professor, os pais e responsáveis identificaram uma

mudança ocorrida no contexto escolar em relação à expectativa na atuação dos

professores e da escola.

7.2.3.1 Evolução histórica e social

Na evolução histórica e social, viu-sea diminuição de uma atividade que

promovia o desenvolvimento da atitude de respeito.

1º Encontro

Participante: Por que meio que aboliram o hino nacional? Porque antigamente tinha um

respeito tão grande, você chegava na escola já começava daí, do hino nacional e isso eu já

venho não só nessa escola mas de outras escolas, venho questionando isso e não se

resolve nada, e eu fico realmente muito triste, não só por mim,mas algumas pessoas que

me entendam também, que é um máximo né... Mas, eu fico preocupada realmente com

isso, porque já está o respeito ali, posição de sentido, vamos respeitar é um minutinho,

rapidinho, aí fala aí que demora não sei o que, não sei que... Poxa! É tão rápido, não é tão

demorado assim..

7.2.3.2 Atuação do professor e da escola

Ao identificarem em seus filhos comportamentos que diferem do

repertório cultural da família, a expectativa dos pais é que a escola providencie a

mudança de turma. Os pais também reconhecem a condição cuidadora e

orientadora do professor e esperam que ele, juntamente com aescola ofereçaensino

de qualidade.

1º Encontro

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Pesquisadora: Mas gente, não é assim que a gente fala? Olha, começou ir para a escola,

começou a aprender o que não deve. Não é assim?

Participante: Quero que troca de turma...

Pesquisadora: Gente, professor é tão cobrado, é tanta exigência e tão pouco carinho e tão

pouco reconhecimento.

Participante: é uma mãe também...

3º Encontro

Pais: Qualidade de ensino.

Pais: Uma boa escola, bons professores .

7.3 Análise das falas dos professores, pedagogos e diretor do Programa de

Promoção de Saúde na Escola

Os professores, pedagogos e diretor apontaram percepções e expectativas

em relação à família, aos pais dos alunos, aos alunos, aos professores e à escola.

7.3.1 Percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em

relação à família e aos pais

Sobre a percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em

relação à família e aos paisforam ressaltadas questões relativas à: diferença cultural,

social e econômica, características dasconfigurações familiares na atualidade e

funções familiares.

7.3.1.1 Diferença cultural, social e econômica

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Em relação à condição cultural, social e econômica das famílias e dos pais,os

professores ora identificaram, ora atribuíam valores a essas diferenças. A diferença

foi mencionada de três maneiras distintassem julgamento, com julgamentoe com

reflexão.

Sem julgamento

A diferença foi identificada sem qualquer juízo de valor, na fala abaixo:

Participante Z: a cultura deles, a crença ali da família, a mãe tá lá o pai tá lá, hoje eu vi que

eu fui conversar com o pai e com a mãe. Mas é a maneira de falar, não que está ofendendo

a gente...

Com julgamento

A diferença foi acompanhada de julgamento que envolve valores,

quandoidentificados pelos professores, sendo ressaltados níveis hierárquicos de

valores, níveis de adequação da atividade cuidadora e orientadora, níveis de

compreensão da performancedos filhos.

D- (...) outros vivem em outra realidade ...

Pesquisadora - Isso mesmo, a gente sabe por exemplo que “o estudo” é um valor, e que

também é transmitido pelas família, e tem famílias que valorizam outras coisas ...

D- Sim, ter as coisas ... levar a vida ... e estudar, fica aí sem valor...

D – ainda bem que você tá falando isso aqui e não pros pais...

Professora: Viu Nancy e também tem a conta de quando a pessoa simples, humilde

vai até os lugares ali elas não são bem tratadas, bem recebidas as coisas não se resolvem.

Sabe, fica assim: vem daqui atantos meses e não sei o que. Então a gente sente aqui na

escola se não tem o dedo de alguém aqui da escola, da gente aqui de estar telefonando,

marcando pressionando, não caminha. Não caminham, os coitados ficam patinando.

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Reflexão

A reflexão que os professores fazem sobre as diferenças limita-se às

questões culturais e está pautada no respeito à diversidade cultural.

Participante I: (...) acho que tem tudo a vercom as famílias, com o que a gente vive, com o

que cada pessoa vive, só que a gente seesquece muito de toda essa carga cultural, dessa

história familiar.

Participante B: (...) a coisa da cultura que eu fiquei pensando assim, que na verdade

eu li, não sei aonde que eu li, que a gente não nasce humano, a gente se torna humano, e

aí eu falei a gente se torna humano dentro de uma cultura. Então, a carga dessa cultura que

ela vem trazendo é muito forte, né, e às vezes realmente a gente esquece, que a gente está

em contato com outro, que às vezes é o nosso aluno, especificamente aqui na situação e é

muito incrível como que...

7.3.1.2 Características das configurações dos núcleos familiares na atualidade

Os professores identificaram distintas características na composição e

organização das famílias naatualidade. Assinalaram características de famílias

intactas e de famílias em que houve separação entre os progenitores.

Famílias intactas

Das famílias intactas, os professores apontaram a jornada de trabalho de

ambos os pais, implicando: na limitação da dedicação aos filhos, na divisão do

trabalho doméstico e na dupla jornada de trabalho para as mulheres.

2º Encontro

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Professor: Eu acho assim a questão hoje emergencial o pai e a mãe tem que pôr

comida na mesa então a prioridade dele acaba sendo o trabalho, para eles terem essa

condição de ter a comida na mesa.

4º Encontro

Professora: Os casais mais jovens já estão mais fáceis, eles já fazem essa divisão.

Professora Nadir: Só que hoje é diferente, a mulher sai para trabalhar.

Pesquisadora: É, hoje a mulher é responsável por dentro e por fora de casa, então tem que

haver a mesma mudança no papel.

Professora: É e às vezes, até o salário da mulher é maior do que o do homem.

Pesquisadora: É às vezes sim

Professora: É que àsvezes nós temos uma dupla jornada.

Professora1: Tem famílias que têm pai e mãe e uma relação violenta.

Famílias em que houve separação

O sofrimento das crianças durante o processo de separação eespecificidades

das famílias: monoparental, com avós no exercício da parentalidade, com pai e avós

no exercício da parentalidade e reconstituída foram as questões destacadas pelos

professores,nas famílias em que houve separação. Tais assinalamentos estão

ordenados abaixo.

11º Encontro

Professora1: Nancy, aí tem um agravante hoje que tem muitas famílias com pais separados

né?

Sofrimento

4º Encontro

Professora 3: É que quando chega ali, chega tão destruído né? Já passou por um monte de

situações lá em casa, da separação as crianças não sentem direito quando têm uma certa

idade ... sobre os pais. De uma maneira ou de outra, eles demonstram isso pra gente.

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Família monoparental

2º Encontro

Participante Z: mas hoje os pais e mães que criam os filhos sozinhos né... é melhor do que o

casal hoje né, porque tem uma linguagem só...

Participante B: por que daí não dá o conflito, isso que eu to falando

Avós no exercício da parentalidade

2º Encontro

Participante I: você já pensou também a dificuldade que tem morando com os pais, os pais

já sofrem pra educar estas crianças, vão morar com as coitadinhas das avós que já, essas

avós não tem mais a energia...

Participante B: se fosse pra mulher velha ter filho, Deus tinha dado, minha sogra fala...ele dá

para as novas. Por quê? Para as novas aguentar o tranco.

Professora 3: aquele menino que veio para a 8ª série (...) morava com a minha avó, meu pai

mora em Arapongas e minha mãe mora em Apucarana e aí sobra para quem?

Pai e avós no exercício da parentalidade, tecendo críticas ao recasamento da mãe

4º Encontro

Professora 4: Eu sempre dizia que (...) quem virá para a escola buscar boletim já estava

chegando os avós, os bisavós, então tem avós muito novas.

Professora 4: Você perguntou da separação da mãe, do pai, aí veja bem né? Os pais não

se dão bem, separa então a mãe lógico vai viver uma vida do jeito que ela quer e tal,

arrumou namorado e tal casou, tem outra filhinha o pai por outro lado tem namorada, não

estácasado, mas tem namorada, ele vive uma vida de solteiro aí ele não quis ficar com a

mãe, ele quis voltar com o pai e quem é que cuida? A avó.

Professora 3: Aí eu pergunto para ele e ele diz :ah eu não lembro dela , foi há 4 anos, que o

meu pai se separou, mas é claro que lembra né? Por que é que ele quis vir morar com o pai

e agora não quer nem ouvir falar de voltar com a mãe?

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7.3.1.3 Funções familiares

Os professores fazem uma apreciação das funções familiares, considerando

um modelo ideal próximo àquilo que observam nas suas próprias famílias e distante

do que observam nas famílias dos alunos.

Família dos alunos

O que marca a visão dos professores em relação às famílias dos alunos é a

crítica. Sobre a forma como os pais dos alunos desempenham as práticas

educativas e cuidadoras os professores ressaltam: negligência no acompanhamento

escolar, negligência no monitoramento, desempenho de comportamentos que se

constituem num modelo disfuncional, falta de interesse e incentivo para com os

filhos, ausência de percepção às capacidades dos filhos, delegação dos cuidados a

terceiros, substituição de carinho e atenção por bens materiais e imaturidade para

educar.

Negligência no acompanhamento escolar

2º Encontro

Diretora: Aí N. quando chega a época de boletim vem aquele monte, mas aí já aconteceu

tanta coisa que poderia ter sido evitada em um encontro desse...

Negligência no monitoramento

4º Encontro

Professora N: (...) Que coisa estranha ele falou, a mãe não deixa ele jogar porque ele não

sei o que, mais deixa ficar no clube até altas horas, até de madrugada, deixa ficar na praça

ou em outro lugar, então eu acho que assim que tem que proteger, eu sou a favor de dar a

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liberdade, a pessoa tem que ter a individualidade dela ela tem que saber sobre o eu dela,

mas tem que ter uma certa vigilância

Desempenho de comportamentos que se constituem num modelo disfuncional

4º Encontro

Professora Nadir: É uma verdade a gente fala muito dos jovens hoje, ah porque os jovens

não sei o que, mais gente vamos deixar os jovens e analisar os adultos os velhos que vivem

nos bares, que ficam por aqui

Professora: que levam esse exemplo para a casa.

Professora: nós temos isso aqui Nadir, mãe que é drogada.

Professora N: muitos, agora aqui na 5ª E mesmo, as mães são traficantes, aí como ela vai

se espelhar?

Professora: Pegaram ela e fizeram ela tirar a roupa, que vergonha ai que dó.

Professora: Isso aínunca mais vai sair da mente da pessoa.

Professora: Vai ficar marcado, eu falei que você vai ser uma pessoa diferente, uma pessoa

do bem, uma menina de Deus.

Falta de interesse e incentivo para com os filhos

8º Encontro

Pesquisadora: Então é uma espécie de técnica, que eu vou apresentar pra vocês hoje, e os

pais estão bem interessados nisso ...

Professor – Os pais? Ah não sei não ...

D- mas está difícil prender a atenção deles ...daqueles que têm mais problemas ...

principalmente porque muitas vezes não tem incentivo, têm pais que não se interessam ...

nem sabem nem querem saber ...

Ausência de percepção às capacidades dos filhos

8º Encontro

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Professora D - Isso mesmo. A gente aqui percebe coisas nas crianças que muitas vezes os

pais não percebem, que eles subjulgama capacidade dos filhos...

Delegação dos cuidados a terceiros

11º Encontro

Professora3: Nancy só um pouquinho. Já foram citados“n”motivos que podem levar a mãe

ou o pai a falhar, a deixar de desempenhar esse papel em relação aos filhos, mas ah eu

vejo sim também pessoas que são acomodadas. O que levou a essa acomodação? O

histórico de vida, a formação, sei lá, mas têm aqueles que preferem deixar para o outro

cuidar mesmo! (...)eu conheço uma pessoa assim que não precisa trabalhar fora, que pode

estar ali todo dia, abriu mão de cuidar dos filhos e deu para uma outra pessoa cuidar que

não é o pai da criança, acolheu como pai da criança, mas não é pai da criança.

Substituição de carinho e atenção por bens materiais

11º Encontro

Professora1: Mas também, Nancy, a questão do ter está muito assim né, aflorado e as mães

acham assim que dar, eu vejo assim menos de 5 anos fazendo reflexos no cabelo e mais

não sei o que as mães estão muito preocupadas em dar este tipo de coisas achando que

isso é o caminho.

Professora2: Eu também vi isso, não a minha família porque eu nem era (...) é muito ter é

muito dar até porque tem que comprar a sandália tem que ser lilás o negócio do cabelo tem

que combinar, a roupa tem que combinar tem que ir no salão fazer escovas e fazer reflexo e

não sei o que, é dar, dar, dar, dar. Gente!

Professor: Isso é relativo, porque muitas vezes esse dar é para substituir.

Imaturidade para educar

11º Encontro

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Professora: É que hoje as mães são mães muito cedo, elas não têm um amadurecimento

(...) e não tem para ela ali é uma coisa e ela vai levando, não teve esse amadurecimento de

dar uma educação de dar um respeitar as pessoas.

Família dos professores

Contrapondo-se às observações que fizeram sobre as atitudes dos pais e

responsáveis pelos alunos, ao se referirem ao próprio desempenho como pais, os

professores apontaram adequação e eficácia no estabelecimento e monitoramento

de limites aos filhos e amigos desses e nas ações educativas, práticas de cuidado,

atenção e orientação. Apesar de ressaltarem suas competências nas práticas

educativas, os professores também reconheceram suas dúvidas, questionamentos e

inseguranças para exercer as funções da parentalidade.

Estabelecimento e monitoramento de limites aos filhos e amigos desses

2º Encontro

Participante Z: aí você vai podando, sabendo que ele está metido com isso aí, você vai

podar. Não vai?

Participante X: Então você está podando ele, assim né, cuidando, prá não ir, prá não vazar

pelos dedos né...

Participante Z: escapou, tchau.

2º Encontro

Participante I: sábado tinha um menininho lá na minha casa da 5ª série e o meu tá na 6ª, aí

ele dizia vou ficar por aqui mesmo, se convidando pra almoçar, não tá joia daqui uns

minutinhos o almoço tá pronto, mas você pega o telefone e liga pra sua vó, que ele está com

a vó e avisa que você está na casa do Junior e vai almoçaraqui, porque tua vó já deve ter te

procurado por todos os lugares. Ah não minha vó nem liga. Mas você estando aqui na minha

casa você vai ligar, daí ele ligou e eu fiquei assim na espreita, a mãe do Danieli falou pra eu

almoçar aqui, eu falei pera aí, peguei o telefone e falei ó vó eles estavam brincando aqui e

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ele vai ficar pra almoçar e eu pedi pra ele ligar pra avisar a não tá bom, que bom que você

avisou porque eu já tinha ligado na casa do fulano, do ciclano não sei quem pruprupru...eu

falei pra ele isso, por isso que eu pedi pra ele ligar, porque se o meu tá fora de casa na hora

da comida eu já fico preocupada né, sai não volta e daí..

Ações educativas, práticas de cuidado, atenção e orientação

11º Encontro

(...) Eu vou conversando, eu vou ensinando e vou deixando fazer, eu estou ensinando, eu

penso que naquele momento, eu estou dando carinho eu dando amor. Por quê? Porque eu

estou ali com ela, estou ensinando, estou acrescentando de uma forma ou de outra, eu não

sou aquela tia que fica ali... mas eu estou ali ensinando e assim com outros sobrinhos (...) É

então eu penso que dar amor não é só abraçar e beijar, dar amor é você atender ao filho,

um exemplo bobo, ontem passou uma mulher vendendo sonho e meu filho gosta de sonho,

eu comprei o sonho e esqueci e não levei para casa na sacola sai fui ao cemitério e tal e de

lá liguei para o meu filho, filho abre aquela sacola que lá tem sonho que eu comprei pra você

ele falou oh mãe obrigada, e nisso eu acho que não tem um carinho? Não tem uma

preocupação, eu tenho isso comigo, tenho eu vejo a C. como mãe, a I., eu vejo a C. como

mãezona parece que ela é mãezona. A preocupação que ela tem com as filhas sabe, é

muito grande essa preocupação com as filhas.

Professora2: A I. (diretora) tem uns filhos que pelo amor de Deus e ela tem tempo? Não

tem, mas a qualidade da dedicação daquilo que ela faz realmente é qualidade.

Dúvidas, questionamentos e inseguranças a exercerem as funções da parentalidade

2º Encontro

Participante I: pode ser até invasão de privacidade, mas eu falei pro meu marido coloca

aquele sisteminha de registro de conversa, não sei se eu estou certo ou se eu estou errado,

mas a hora que ele não está lá eu entro pra ver o registro de conversas, ele sabe que tem o

registro lá, aí eu entro, ele sabe que tem o registro lá... aí eu entro e leio tudo.

Participante I: por isso que eu falo: Deus sabe o que faz, meu Deus e você não sabe, que eu

perdi o meu sábado, perdi não, gastei o meu sábado inteiro lendo aquilo lá e decifrar aquela

história, eu quero ficar por dentro, eu to perita já em decifrar aquele negócio lá...

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4º Encontro

Professora: Como será que adolescente vê assim, porque eu fico assim numa marcação

cerrada quando tem um amigo eu pergunto quem é? Ele diz já vai levantar a ficha dele

mãe? Eu falo com certeza, eu vou levantar a ficha dele, e eu fico assim como será que eles

veem isso?

Professora: Será que juntou muitos valores?

Professora: Eu acredito eu sei lá eu acho que uma grande possibilidade.

8º Encontro

Pesquisadora - Isso, aquele tênis comunica pra todo mundo que ele pertence ao grupo Emo.

E isso, a gente já sabe que na adolescência é muito normal, porque eles estão naquela fase

de formar a identidade mais adulta, e vão acrescentando novas identidades aquela

identidade infantil. Isso é a tarefa da adolescência, eles mantêm, às vezes encobertos,

aqueles valores da família, vão experimentando novos valores, novos gostos, aquele dos

grupos, e depois fazem uma síntese, uma peneirada de acordo com cada um. Não é

pessoal, isso passa ...

Professora G - Passa mesmo.

Professora G – Nossa, eu quero crer que sim, às vezes parece que vai ser prásempre.

Professora G - Não ... pode ficar sossegada que isso passa sim ...

Professora G –Nossa, lá em casa quase fiquei maluca nessa fase.

Modelo ideal

Para o exercício das práticas educativas na família, os professores apontaram

características de um modelo ideal que se diferencia do que ocorre nas famílias dos

alunos e se aproxima do que se passa nas suas próprias famílias.

Nesse modelo, os cônjuges usam a mesma linguagem para educar os filhos,

pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade, o afeto sustenta as

práticas educativas, os pais apropriam-se da posição de autoridade, há

disponibilidade de tempo dos pais para manter a função reparadora do sofrimento do

filho, diante da frustração por um limite estabelecido e as intervenções, para

mudança na família, são realizadas a partir de um nível macrossocial.

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Pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade

11º Encontro

Professor: Eu acho assim, a questão hoje emergencial o pai e a mãe têm que pôrcomida na

mesa então a prioridade dele acaba sendo o trabalho, para eles terem essa condição de ter

a comida na mesa. Agora o que as senhoras falaram é bem a verdade, mas isso não exime

a família, o pai e a mãe de dar a educação necessária.

Professor: Por que é, eu acho que mesmo ele trabalhando fora,a questão do tempo,

a questão do tempo mais com um valor precioso que ele pode estar ali educando com o filho

(...).

Mesma linguagem

1º Encontro

Participante V: tem que ser a mesma linguagem, porque senão...

Participante B: por que daí não dá o conflito, isso que eu tô falando.

Afeto sustentando as práticas educativas

11º Encontro

Professora: Não,o que tem que mudar é a relação familiar de amor,né? Não é porque eu fico

o dia todo fora de casa que agora se for dar tapinha né? Porque antigamente a mãe tinha...

Eu posso ficar o dia inteiro dentro de casa se não quiser ser mãe, eu não vou dar a atenção

para os meus filhos, se não tiver essa relação de amor ,de compromisso posso ficar o dia

inteiro lá ... com os filhos.

Pais apropriam-se da posição de autoridade

11º Encontro

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Professora 2: (...) Quando o pai trata a criança de 5 anos... A criança não está ouvindo mais.

A mãe também vive falando alto, não sei o que. Não para para falar: Agora eu estou falando,

você vai ter que ouvir. Sabe, essas coisas assim.

Manutenção da função reparadora e intervenções para mudança na família são

realizadas a partir de um nível macrossocial

11º Encontro

Professores: (não dá para entender o que dizem)... que hoje o pai pode,a mãe bate e sai

para o trabalho, antigamente não, tinha essa questão reparadora então eu acho que a gente

entra numa questão lá da semente da violência que é o sistema sócio- político e econômico

e muitas vezes nós acabamos tendo medidas paliativas. Nós estamos mexendo com as

folhas, mas a raiz do problema ...

7.3.2 Percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em

relação aos alunos

Evidenciaram-se, nas falas dos professores, em relação aos alunos, aspectos

das diferenças culturais entre eles e especificidades da fase de

desenvolvimento em que os alunos se encontram.

7.3.2.1 Diferença cultural

No discurso dos professores, não somente há o reconhecimentoda diferença

cultural entre eles e os alunos, como também ações que propiciam que a turma

reconheça e integre essa diferença, que se refere, em especial, à linguagem.

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2º Encontro – Professores

Participante B: e eu achei muito engraçado que o menino estes dias... ele falou né, que a

gente considera palavrão, mas ele falou de uma forma tão normal prá ele, porque ele está

acostumado falar e ele falou pra mim, mas não falou prá me ofender e o outro menino falou:

professora, como que você aceita que ele fala isso? Eu falei, mas ele falou esta palavra?

Que eu já falei prá vocês que eu não gosto que fala palavrão na minha aula, mas ele falou,

me elogiando, aí o menino riu e falou: e é mesmo... Porque eu falei, eu não sei o que ele

falou, que depois ele disse: mas você é foda né professora?!Entendeu?! mas aquele você é

foda ele não estava me... ele estava me elogiando, e daí eu falei pro menino, eu entendi,

mas você não gostou da palavra, mas ele não está me ofendendo e aí eles ficaram meio

assim; como é que pode falar isso para a professora e a professora não dar bronca né...

mas, na hora eu entendi porque é o palavreado também deles, se eu pegar e falar: ó menino

você falou isso pra mim!aí o que, que vai virar? Eu não, eu entendi...

Participante V: Aívai pra coordenação, não vai adiantar nada. Aí eu falei, não... Entendi,

você não gostou da palavra, também não gosto, mas na verdade foi o jeito que ele fez prá

me elogiar. E aí ele deu risada,

Participante Z: e já aconteceu isso comigo, ele falou um palavrão, não sei se deve ser

tratado como um palavrão né..

Participante Z: outra palavra é caraio, não sei o que lá que eles falam, não sei o que lá,

caraio... Mas nada entende que tá ofendendo e não é.

Participante B: ah, então você entende da cultura deles...

Participante B: é a cultura de onde ele saiu.

Participante X: a liberdade dele poder falar.

Participante B: mas sabe, eu falei um negócio e ele entendeu o que eu falei e teve uns que

não entenderam, então prá mim muito mais interessa o que ele entendeu, o contexto do que

eu estava falando quando o aluno diz: você é foda, porque ele entendeu o que eu falei.

7.3.2.2 Fase do desenvolvimento

No que diz respeito à fase do desenvolvimento dos alunos, os professores

enfatizaram a adolescência e destacaram os seguintes aspectos:intensificação do

convívio com o grupo de iguais, manutenção da lealdade ao grupo, diferenciação do

grupo familiar, assimilação de valores,pseudoautonomia, vulnerabilidade à droga e

álcool, angústia própria da adolescência.

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Intensificação do convívio com o grupo de iguais

Professora N.: Eu vejo os alunos daqui da 5ª série eles fazem churrasquinho com um quilo

de carne. Mas tem que fazer o churrasquinho, mas tem que unir, tem que estar junto.

Manutenção da lealdade ao grupo

Professores: E é uma fase que eles querem satisfazer o meio que ele está do que satisfazer

a mãe.

Professora D - é porque eles têmque fazer igual, eles acham que precisam fazer de tudo

igual, não tem individualidade. A gente vê coisas terríveis, aqueles “pearcis” mesmo que

esteja infeccionado, eles tá lá, a gente conversa, mostra que está fazendo mal, esta

infeccionado, ele até tiram um dia, mas amanhã está ali de novo.

Professora G - Como eles não têm individualidade? Têm que cumprir o quemanda a turma.

11º Encontro

Professora 1: Mas a gente tem sentido uma contaminação, o quietinho, o nerd, como eles

falam, o cdf, ele acaba fazendo isso, usando esse tipo de linguagem, né, de defesa para se

defender

Professora 3: Eu acredito que não tenha na família, mas de tanto, ele acaba levando ele

acaba aprendendo.

Diferenciação do grupo familiar

2º Encontro

Participante X: Nancy, mas esta permeabilidade deles é bem difícil de penetrar né. Não é?

Participante B: aí eu fico assim tentando ficar só como professora, mas eu tenho um de

catorze anos né, meu Deus, mas não tem jeito né...

Professora: Não tem uma toalha na mesa.

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4º Encontro

Professores: E é uma fase que eles querem satisfazer o meio que ele está do que satisfazer

a mãe.

Assimilação de valores

2º Encontro

Participante B: (...) eles pegam isso tão facilmente e porque que eles não pegam aquilo que

a gente quer ensinar; matemática, português. Porque não aprende aritmética...

Participante V: é o filtro que eles vão fazendo...

Participante B: e depois que eles vão dar uma peneirada ..., e daí que eles vão seguir...

Participante B: toda hora na propaganda passa aquilo lá ... e aí eles brincam, daí ah você é

bichinha igual ao Serginho daí eles já levam para o outro lado, né. (...) prá ver que é

adolescente que está sugando toda estas coisas...

Participante B: eu acho que essa fase de adolescência, me corrige se eu estiver errada, até

uns 18, 17 anos, mais cedo eu acho que eles estão assim absorvendo, só absorvendo, da

sociedade, da família, da igreja, do pai, da mãe, da escola, só aqui, só sugando...

Pseudoautonomia

2º Encontro

Participante I: ele quis dormir lá, eu falei assim, se você não ligar prá sua vó, você não vai

dormir aqui, porque eu não vou deixar, como que você vai ligar, você vai dormir fora de casa

com 11 anos e tua vó vai ficar lá apavorada, a mesma história, a minha vó não liga, eu falei

liga sim, falei vamos lá, mas de jeito nenhum, não vai dormir fora de casa porque ele está de

castigo, nem era pra ele ter saído de casa não sei o que e já pruprupru... e abre o

portão...então, é outra sabe, outra cabecinha, isso com 11 anos imagina quando tiver com

14.

Participante: então, é outra cultura, é outra coisa, e a cabecinha deles acha que...

Participante I: é outra cultura, porque ele demonstrou que a vó não estava preocupada...

Participante I: mas a vó estava preocupada, ele quis mostrar que ele não tinha problema...

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Vulnerabilidade à droga e álcool

2º Encontro

Participante: essas coisas que ele tá fazendo, são coisas de adolescente, próprio da idade

deles, ele não está partindo para um lado mais preocupante, agora se ele tivesse partindo

pra um lado mais preocupante de droga né...

4º Encontro

Professora Nadir: Eles não comem, não têm comida, eles só bebem.

Professora: Eles fazem uma festinha, a preocupação deles é quanto cada um vai levar.

Professora: Eles querem saber quem bebe mais.

Angústia própria da adolescência

2º Encontro

Participante B: é, mas eu acho que é um momento de muita angústia para o adolescente

também...

Participante B: ele sofre...

Participante V: não sabe se põeboné, ou se tira boné...

7.3.3 Percepção e expectativa dos professores em relação à escola e ao

professor

Naquilo que compete à escola e aos professores, os participantes ressaltaram

aspectos da interação que estabelecem com os alunos e seus pais e responsáveis.

7.3.3.1 Interação com os pais e responsáveis dos alunos

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Nainteração dos professores com os pais e responsáveis, cabe aos

professores, conforme suas percepções e expectativas: providenciar a ida dos pais à

escola, refletir e apreciar aatitude dos pais e apoiar a família,na busca de serviço

público de assistência ao aluno.

Providenciar a ida dos pais à escola

Cabe aos professores chamar os pais na escola, para informar sobre o

comportamento do aluno e para orientar. Quando os pais não se mostram

disponíveis, também é função do professor pressioná-los para comparecer.

4º Encontro

Professora N.: ... a mãe foi chamada lá em maio no dia 20 de maio e disse que não poderia

dia 20 que poderia vir dia 24 de maio, tudo bem eu coloquei lá: mãe disse que só pode vir

no dia 24 de maio. Chegou no dia 24 de maio passou, quando foi ontem, segunda- feira, a

mãe não apareceu na escola e as professoras já haviam falado só entra se for com a

presença da mãe, a mãe não apareceu. Aí eu liguei e disse: olha, seu filho está aqui e só irá

entrar com sua presença. Eu vou te levar para o núcleo, fica enchendo o saco, e não sei o

que, não sei o que, a Marli falou leva. Mais ela veio, ela veio, foi até a sala para conversar

com outros professores, disse que puxou o menino, e disse eu vou para o núcleo

queencheção de saco, eu tenho que trabalhar e eu tenho que ficar aqui, e entrou na

coordenação e alguém chegou e falou para mim: Nadir ela falou que vai para o núcleo eu

disse pode deixar. Ficamos conversando, e eu falei: Você não está contente com a escola?

Você acha que nós perturbamos demais? Que você precisa ir trabalhar,que você não tem

tempo? Eu falei leva para outra escola eu falei. Você é livre, pode levar, você falou

agorapouco que vai para o núcleo e você vai para o núcleo reclamar o quê? Que nós

estamos te perturbando? Que estamos exigindo a sua presença aqui na escola para você

cuidar do seu filho? Faça isso, porque eu também vou para a promotora e vou falar que

você não quer cuidar do seu filho. Eu falei vai para o núcleo e vou para o promotor e vou

dizer que você não está tendo tempo e espaço para cuidar do seu filho, na hora ela

aquietou, ficou boazinha. É como você falou, aqui tem regras, ele não vem aqui para brincar,

vem para estudar então vamos colocar as coisas no lugar.

Professora: Mas ela vai ficar mais atenta não vai?

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Professora: Depois da conversa ela vai ficar mais atenta, de vez em quando fica sabendo, o

que está se passando, porque a gente passa também entendimento também para os pais.

Professora: E ela vai lembrar sempre né, quando tiver que chamar a atenção do filho, olha

eu fui lá outro dia e passei vergonha, agora nós vamos ter que conversar aqui em casa para

resolver essa questão da escola.

Refletir e apreciar as atitudes dos pais

Quando o professor se depara com uma percepção do filho, distinta da que os

professores têm dele comoaluno, há um questionamento, a respeito da veracidade da

informação dos pais.

11º Encontro

Professora: Nancy, nós temos conversado com os pais sobre essa questão do rolo e

da conversa entre eles se atacando, e a gente tem ouvido muito assim, todos os pais que eu

tenho conversado falar assim: Ah,masem casa ele, a gente não permite que ele fale

palavrão, que ele ofenda, que ele briga com o irmão. Em casa não é assim então eu tô

sentindo contaminação talvez ele seja, talvez ele até não tenha, talvez a mãe tenha falado

que não tem.

Professora 2: Mentira dos pais.

Apoiar a família na busca de serviço público de assistência ao aluno

Cabe à escola intervir junto aos órgãosque oferecem serviços públicos, a fim

de garantir que o aluno receba assistência necessária.

11º Encontro

Professora: Viu Nancy e também tem a conta de quando a pessoa simples, humilde

vai até os lugares, ali elas não são bem tratadas, bem recebidas, as coisas não se resolvem.

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Sabe, fica assim: vem daqui há tantos meses e não sei o que. Então a gente sente aqui na

escola se não tem o dedo de alguém aqui da escola, da gente aqui de estar telefonando,

marcando pressionando, não caminha. Não caminham, os coitados ficam patinando.

7.3.3.2 Interação com os alunos

Os professores identificaram aspectos que limitam e que promovem a

interação entre eles e os alunos. Essa interação ocorre em função da

observaçãoque fazem dos comportamentos dos alunos, da apreciação desses

comportamentos, da identificação dos sentimentos gerados, a partir dessa

observação e/ou apreciaçãoda estratégia adotada para interagir.

Aspectos promotores da interação

Dentre os aspectos que promovem uma boa interação é importante, segundo

os professores: perceber as peculiaridades do adolescente, preservar o bem-estar

do aluno, ouvir, orientar e acessar recursos diferentes dos medicamentosos, para

solucionar os problemas que constituem a queixa escolar.

Perceber as peculiaridades do adolescente

2º Encontro

Participante B: (...) Então a gente tem que ter uma flexibilidade assim, pra ver que é

adolescente que está sugando todas estas coisas...

Participante V: Eu acho que a gente não pode perder aquilo que a gente adquiriu lá no

passado, trazendo para o presente, mas também não deixando que estas crianças...

entendendo estas crianças. Que a gente tem que entender eles, mas até chegar nesse

entendimento, já passa por vários setores, já foi na sala, aí já foi para o corredor, já foi com

o amiguinho que agrediu, aí veio pra coordenação, aí foi com pedagogo não adiantou, aí já

vem na sala do diretor (...) tem uns que é demais, que é estranho.

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Participante I: aí quando chega lá chora.

Cuidar do bem-estar do aluno

4º Encontro

Professora N: Eu acho que hoje em dia, Nancy você esta precisando fazer um cuidado,

porque olha tem tanta coisa ai, nós até fizemos na escola para os professores não

mandarem trabalhos em equipe para fazer fora da escola por quê? Nós temos muitos alunos

do sítio aí eles ficam aqui na cidade, nós da escola não temos condições de ficar vendo se

realmente eles estão aqui na escola, às vezes eles saem da escola para fazer alguma coisa

errada, eles ficam desprotegidos, então para evitar é bom que não dê trabalho. Os

professores já estão sabendo, se faz trabalho faz na sala

Professora: Porque geralmente é contra turno, e temos outros alunos para cuidar e como a

gente vai descuidar dos outros?

Professora: Mas a gente, nós estamos aqui para poder ajudar, uma coisa ajuda a outra e a

escola só faz isso só.

Professora Nadir: Eu falo mesmo a gente cuida muito das crianças, mais cuida mesmo.

Ouvir e orientar

Pesquisadora – (...) vejo como vocês valorizam o ouvir ...

Grupo 1 – É, eu valorizo muito, ...converso bastante com os alunos, tem uma aluna que tem

bastante dificuldade, estou com ela há muito tempo, e sempre ela bate papo comigo, sei que

está passando por muitos problemas ... e que não dá pra ajudar muito ... mas eu escuto o

que ela fala ... às vezes dou um conselho, uma orientação ... sei que isso ajudou no final das

contas, pois ela conseguiu se organizar melhor em tudo ...

Professora: (...) eu falei pense que você vai ser uma pessoa diferente, uma pessoa do bem,

uma menina de Deus

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Acessar recursos diferentes dos medicamentosos para solucionar os problemas que

constituem a queixa escolar

12º Encontro

Professora: É assim, digamos que seja simples, que, às vezes, a pessoa acha que dá para

resolver de um jeito, mas que observando detalhes e tal o resultado pode ser positivo,

existem outros tratamentos que têm outros recursos que não só os medicamentos.

Esse posicionamento dos professores apareceu no último encontro,

após apresentação da resolução dada aoscasos, quando desenvolvida a pesquisa

de mestrado (BERGAMI, 1998).

Aspectos limitantes da interação

Os aspectos limitantes são marcados pela observação dos comportamentos

displicentes dos alunos, pela apreciação de que esses comportamentos

desqualificam a relação ou o conteúdo da comunicação com professores, pelos

sentimentos gerados nos professores a partir dessa apreciaçãoe pelas estratégias

adotadas pelos professores na interação.

Comportamentos displicentes dos alunos

8º Encontro

Grupo - Ah então temos vivido com um monte de ruídos (risos).

Grupo - Isso é o que não falta ...

Grupo - A gente, àsvezes, não consegue nem falar...

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Apreciação do comportamento do aluno – desqualificação da relação ou do

conteúdo

8º Encontro

Pesquisadora: Então vocês ao me ouvirem estão recebendo isso de uma certa maneira. Ou

ainda, quando vocês estão lá, falando com os alunos, está implícita uma relação de poder.

Professora G – Pelo menos deveria estar, né? O que a gente percebeé que eles não têm

isso muito claro, não dão importância ...

Grupo 1 - É bem assim mesmo, a gente se sente super mal, quando estamos explicando

um conteúdo e os alunos ficam conversando, pedindo prá sair,práir no banheiro, parece que

eles não precisam saber daquilo que a gente tá ensinando.

Grupo2 – é, parece que tem que pedir por favorprá ser ouvido, e a gente ta ali, ensinando ....

Grupo 3 - parece que só é importante prá nós, prá eles é completamente

descartável....que estão ali obrigados ...

D- E não por vontade própria, muitas vezes a gente tem que convencê-los de que é

importante estudar, falar que não vão ter chances na vida sem o mínimo de estudo....e que

aqui é apenas o básico ... claro que não são todos ... mas têm alguns que são assim mesmo

... não estão nem aí ... pode falar o que quiser...

11º Encontro

Professora: Nancy, por exemplo, como trabalhar com uma criança que estáacostumada na

linguagem violenta né? Você entra na sala de aula boa tarde, numa boa, ninguém te ouve,

ninguém responde, ninguém te vê, como a gente pode estar trabalhando com essas

crianças para elas se acostumar a isso

Sentimento

Grupo 9 –Nossa, me sentia um nada, quando eu tentava falar e não prestava atenção ...É

como a gente se sente em sala de aula em alguns momentos ...

Pesquisadora - Isso mesmo ...

D- mas está difícil prender a atenção deles ...daqueles que têm mais problemas (...)

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Pesquisadora - Então, bem eu queria pedir desculpas por colocar vocês diante de uma

situação que causou tanto mal-estar ...

Grupo - Imagina ...

Grupo - Não, não ... não tem problema, a gente passa isso todo dia quase ...

Estratégia

Professora G - Eu, por exemplo, se a classe esta bagunçando, falando alto, eu paro na

porta, fico olhando, e enquanto não for todo mundo pro lugar, ...enquanto não tiver silêncio

eu não entro na sala ... e todo mundo fica quieto ...

Grupo 4 – Mas, enquanto eles não ficam quietos eu não falo, tem uns que até ficam

com a cabeça longe... tá na cara, se a gente pergunta algo, responde: o quê? Mas pelo

menos não atrapalha ...

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8 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme descrito no método, apresentaremos os resultados da análise do

primeiro e último questionário sobre o teste situacional aplicado aos pais e

professores antes e depois do Programa de Promoção de Saúde, na seguinte

ordem: concomitantemente pais antes/depois e da mesma forma professores

antes/depois. Apontaremos se houve ou não mudança na percepção de pais e/ou

responsáveis e professores após o desenvolvimento do programa a respeito de:

percepção dos problemas do aluno no contexto escolar, expectativa em relação ao

procedimento do sistema escolar e do sistema familiar na resolução do problema,

crenças e valores que permeiam essas expectativas e quem está envolvido nesse

fazer e como deve ser feito.

Cabe esclarecer que a interpretação dos resultados foi orientada pela visão

sistêmica novo-paradigmática que, segundo Vasconcellos (2006, p. 84), abrange: “o

paradigma da complexidade do universo, em todos os níveis; o paradigma da

instabilidade ou da auto-organização dos sistemas; o paradigma do construtivismo,

ou da construção subjetiva da realidade”. Essa posição impossibilita que o

cientista/profissional assuma apenas uma das dimensões.

As categorias apresentadas anteriormente nas tabelas 2,3,4 e 5 no capítulo

de método serão a seguir descritas e exemplificadas com as respostas dos

questionários, assim como serão apresentadas as discussões teóricas.

8.1 Análise das respostas dos questionários dos pais ou responsáveis

Entre as respostas dos pais ou responsáveis foram levantadas as seguintes

categorias: percepção do problema; expectativa dos pais e responsáveis em relação

aos procedimentos do sistema familiar; expectativa dos pais e responsáveis em

relação aos procedimentos do sistema escolar.

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8.1.1 Percepção do problema

Essa categoria apresenta a definição de problema dada pelos pais e

responsáveis. A maneira particular de cada indivíduo interpretar a realidade,

estabelecer julgamentos e realizar apreciações sobre os distintos acontecimentos

que ocorrem em seu dia a dia está relacionada a inúmeros fatores que, articulados,

apontam a complexidade do ato de identificar um problema. Ao questionar os pais e

responsáveis participantes da pesquisa, sobre qual é o problema e onde ele está

localizado, obtivemos respostas que trazem consigo as crenças, a maneira rotineira

de apreciar as situações e focar elementos distintos da constituição do problema,

conforme descrito a seguir.

8.1.1.1 Família

A família foi um dos elementos apontados pelos participantes como

responsável pelo aparecimento e manutenção do problema nos dois momentos em

que foram aplicados os questionários, ou seja, antes e depois da intervenção,

apontando assim que não houve mudança na maneira de perceber a relação entre a

família e o problema.

Essa percepção dos pais está relacionada ao não cumprimento por parte da

família do que está proposto na Constituição Federal, de 1988, no Estatuto da

Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional a

respeito da responsabilidade da família com relação à proteção e desenvolvimento

de crianças e adolescentes. Assim prescreve a lei:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em

geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a

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efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1998).

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1998).

Também assinala a oposição da família às normas apregoadas pelos

higienistas que desde a implantação do Estado moderno industrial pretendiam

adequar as funções da família às necessidades do Estado, propondo a

reorganização da família com a centralização no cuidado e educação para os filhos,

conforme menciona Costa (1999).

A família, ao não cumprir essas deliberações e normas, é chamada pelos

participantes de desestruturada. Cumpre esclarecer que a definição de estrutura

familiar cunhada por Minuchin (1990, p. 57) como “o conjunto invisível de exigências

funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”,

por vezes é distorcida ganhando apenas o significado de adequação/inadequação

ao cumprimento às normas higienistas. A ideia de “família desestruturada”, tão

assinalada pelos profissionais envolvidos com a educação, assistência social e

saúde como uma forma inespecífica de justificar o problema, também foi citada

pelos pais.

(Antes) 1: “O problema está localizado na sua própria família.

(Antes) 3: “e em casa”.

(Antes) 6: “... pode ter algum problema familiar”.

(Antes) 7: “Na criança e na família”.

(Antes) 8: “(...) na casa dele (...)”.

(Depois) 3: (...) muitas vezes dentro da própria família”.

(Depois) 4: “Muitas vezes dentro da família”.

(Depois) 5: “Na família”, “desestrutura familiar”.

(Depois) 6: “A família desequilibrada”.

(Depois) 8: “Na família”.

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(Depois) 10: “A principio a criança pode ter um problema familiar”.

(Depois) 14: “Pode ser que na família há um problema emocional onde está desestruturado

o pilar que seria os pais (...)”.

(Depois) 15: “Tem que ser investigado (...) pode ser (...) no meio familiar”.

(Depois) 15: “Na família”.

(Depois) 16: “Pode estar na família”.

A interação familiar, a forma de educar os filhos, os vínculos afetivos, as

condições socioeconômicas e a genética sustentam a ideia da influência familiar no

problema escolar apresentado pelo aluno. As respostas foram classificadas em

cinco grupos, conforme apresentados a seguir:

Interação familiar

A falta de diálogo, o tratamento agressivo entre os membros da família, o

tempo escasso de contato com os pais e responsáveis em função do excesso de

atividades destes foram os aspectos apontados:

(Antes) 1 “O problema está localizado na sua própria família, talvez um diálogo (...)”.

(Antes) 1 “O problema é a falta de diálogo...”

(Antes) 4: “O problema é a falta de conversar com o filho, poucos pais procuram saber o que

está acontecendo com seu filho. Na família”.

(Depois) 6: “Falta de dialogo em casa com a família”.

(Depois) 7: “(...) falta de dialogo com a família”.

(Depois) 9: “ (...) por falta de diálogo entre pais e filho”.

(Depois) 3: “Dentro de casa (...) Se ouver agressividade entre os pais”.

(Depois) 11: "(...) ele traz a agressividade de fatos de sua família, como o pai e a mãe fazem

em sua casa, e com isso ele tem que ser agressivo na escola”.

(Depois) 12: “(...) esses problemas já vem de casa. Os pais brigam perto dos filhos, se

agridem fisicamente e coisas piores”.

(Depois) 13: “Agressividade em casa”.

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(Depois) 14: “Pode ser que na família há um problema emocional onde está desestruturado

o pilar que seriam os pais, daí vem as agressividades, as ofensas”.

(Depois) 14: “Bom, esse é o meu caso que não consigo, resolver em casa, por isso preciso

de ajuda. Vem da família por ter tantos afazeres que às vezes o cansaço é tanto que

deixamos os filhos um pouco de lado, tudo isso é para chamar atenção dos pais”.

Os pais e/ou responsáveis, ao apontarem as referidas disfunções das

interações familiares, poderiam estar reproduzindo aquilo que Shymanski (2001)

assinalou como falta de discernimento entre a “família pensada” – definida pelo ideal

burguês e reafirmada pelo olhar técnico” e a “família vivida” - reconhecida a partir

das experiências do cotidiano”, na abordagem de temas relativos ao desempenho

das funções de educação e cuidado das famílias.

A família pensada, que tem em sua composição o casal parental, à mãe cabe

o cuidado dos filhos e da casa, ao pai cabe o sustento de toda a família. A condição

da família vivida é, por vezes, distinta, por vezes monoparental. A mãe se vê

obrigada a assumir parcial ou integralmente o sustento do lar, trabalhando

geralmente em período integral, ausentando-se do convívio da família durante o dia

e enfrentando a dupla jornada de trabalho. Nessa condição de sobrecarga de

trabalho, as famílias das classes populares, geralmente, precisam lidar com o

próprio julgamento de sua condição. Como consequência da percepção da

diferença na constituição da família, os integrantes podem desenvolver sentimentos

de inadequação e constrangimento (SHYMANSKI, 2001).

A relação entre os membros da família é assinalada como um fator que

influencia o comportamento problemático do aluno na escola. Como referimos

acima, por vezes a noção de estrutura familiar abstraída da interação que esta

mantém com o meio, foi tomada pelos participantes para apontar a disfuncionalidade

da família.

(Antes) 5: “... o problema está no relacionamento do dois (mãe e menino)”.

(Antes) 7 “(...) no relacionamento familiar (...)”

(Depois) 16: “(...) o problema pode estar na forma de conviver da família”.

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Forma de educar os filhos

Os pais e responsáveis são culpabilizados pelo problema por deixar de

exercer adequadamente as funções parentais de orientação e de cuidado no tocante

a: estabelecer limite e disciplina, educar, incentivar, agir com violência e oferecer um

modelo disfuncional de interação.

As diferentes posições dos integrantes do grupo familiar aparecem nas

respostas insinuando o reconhecimento de uma hierarquia de poder na família. As

funções familiares são executadas, segundo Minuchin (1990), mediante de

diferentes subsistemas que exercem funções específicas. Há uma distinção

hierárquica de poder na família, sendo que os pais têm um nível diferente de poder

em relação aos filhos. O autor ressaltou que a maior autoridade na família deve

estar representada pelo subsistema parental. Isso fica evidente no assinalamento

dos participantes por meio da ressalva da necessária supremacia da autoridade

paterna.

Vale ressaltar que os pais participantes da pesquisa, à exceção de dois,

tinham filhos que não apresentavam problema no contexto escolar. Tal observação

aponta para o fato de que muitas das respostas foram elaboradas por pais oriundos

de famílias que provavelmente compartilham de uma cultura próxima à cultura

escolar, legitimando mais uma vez sua bagagem familiar cultural. Essa perspectiva

corrobora com os apontamentos de Bourdieu (1998), segundo os quais a cultura

escolar, legitimada socialmente, na verdade é a cultura imposta e legitimada pelas

classes dominantes, que, no contexto desta pesquisa, também inclui o grupo de

participantes.

(Antes) 5: “Falta de autoridade, porque deixam fazer tudo que eles querem, o problema já

vem de casa”.

(Antes) 6: Na família (...) exemplo familiar”.

(Antes) 7: “O problema é que ele não teve formação adequada em casa (...)”.

(Antes) 9: “Na formação (família)”.

(Antes) 9: “Nos pais, que não impuseram limite e autoridade”.

(Depois) 7: “(...) falta disciplina na família (...) e como educar”.

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(Depois) 8: “Esta criança deve ter um problema na família (...) e diciplina (...) e no modo de

educar educação com violência”.

Vínculos afetivos

O problema pode, segundo os pais e responsáveis, expressar a reação do

aluno à ausência de amor, carinho, cuidado, incentivo e interesse paternos e

funcionar como um pedido de atenção.

(Antes)1: “(...) uma falta de carinho, sendo assim ele quer chamar a atenção (...), mas o

problema é o menino X família”.

(Antes) 7: “(...) quando ainda criança e falta de atenção quando adolescente. (...)”.

(Antes) 8: “Este é carente de amor dos pais, por isso ele se tornar uma criança agitada e

sem limite, e tudo que ele faz é para chamar atenção, o problema está em casa.”

(Depois) 3: “Falta de insentivo familiar ou responsáveis (...)”.

(Depois) 5: “(...) na família (...) falta de atenção dos pais”.

(Depois) 7: “falta de carinho e amor dos pais (...)”.

(Depois) 9: “ porque não tem atenção de sua família (...)”.

(Depois) 11: “falta de empenho da família para ajudar ele (...)”.

(Depois) 13: “Falta de atenção da família (...) o problema está em casa”.

(Depois) 16: “Eu acho que é falta de atenção pelos pais (...)”.

Observamos que na fala dos participantes fica implícito o conceito de família

burguesa que, de acordo com Galano (2006), conta com uma composição restrita

em que é possível o desenvolvimento do sentimento de individualidade, privacidade

e intimidade, reconhecendo as particularidades das crianças que devem ser

valorizadas, cuidadas e educadas.

Condições socioeconômicas

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As questões relacionadas à moradia, situação financeira e de saúde foram

apontadas por um pai no primeiro questionário. Notamos que a resposta desse

participante foi a que mais se alinhou às diretrizes propostas pela promoção de

saúde que, segundo Sicoli e Nascimento (2003), supõe uma concepção que não se

restringe à ausência de doença, mas que inclui seus determinantes. Assim,

considera e envolve ações em diferentes setores, a saber: educação, saneamento

básico, habitação, renda, trabalho, alimentação, meio ambiente, acesso a bens e

serviços essenciais, lazer, entre outros determinantes sociais da saúde.

(Antes) 1: “Deveria saber se a família teria uma estrutura de moradia, financeira, se os pais

têm algum problema de saúde, porque tudo que se vive na casa é influenciado na vida de

cada um, principalmente das crianças”.

Genética

Ao contrário da resposta apresentada acima, em condições sociais, que

considera múltiplos fatores que atuam na condição de saúde, a resposta a seguir

aponta a genética como fonte do problema, expressando a crença de que as

disposições físicas transmitidas pelos genes determinam o comportamento do

indivíduo. Essa visão aproxima-se do paradigma bacteriológico que explica o

processo saúde-doença considerando uma relação de causa-efeito das doenças e

relegando o doente e o ambiente ao segundo plano, conforme afirmam Rosen

(1980) e Buss e Pellegrini (2007).

Essa maneira determinista de compreender a influência das disposições

genéticas foi reformulada por Maturana (1997), que integra em sua abordagem

sobre os seres humanos tanto os aspectos biológicos, como os sociais, explicitando

que “a célula inicial que funda um organismo humano irá mudando como resultado

de seus próprios processos internos, num curso modulado por suas interações

sociais” (MATURANA, 1997, p. 28).

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(Depois) 7: “(...) na genética (...)”.

(Depois) 8: “(...) na família genética”.

8.1.1.2 Ambiente

Apenas um dos pais e/ou responsáveis participantes em cada etapa da

aplicação do questionário associou o problema do aluno a condições adversas no

meio em que vive e a contato com grupo marginal. A relação de interdependência

entre saúde e meio ambiente foi documentada na III Conferência Internacional sobre

Promoção da Saúde, que ressaltou as influências das dimensões sociais, culturais,

políticas e econômicas sobre as condições de saúde dos indivíduos (BUSS, 2000).

(Antes) 6: “(...) no meio em que vive (drogas) (...)”.

(Depois) 3: “(...) nas mas companhias”.

8.1.1.3 Escola

Os pais e/ou responsáveis parecem convictos de que a escola nada tem a ver

com o comportamento disfuncional do aluno. Isso fica evidente na ausência de

resposta no primeiro questionário associando sistema escolar e problema do aluno.

Aqui observamos uma ínfima diferença nessa percepção entre o primeiro e o

último questionário, uma vez que ao menos um participante ressaltou a possibilidade

dessa associação.

Partindo das ideias propostas por Bourdieu (1975) em que foram ressaltadas

as diferenças entre a cultura escolar e a cultura familiar das classes populares, e

assinado que a cultura escolar, na verdade, é legitimada e imposta pelas classes

dominantes. A cultura escolar parece tão fortemente estabelecida que a escola,

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nesta pesquisa, parece ter ficado protegida de qualquer questionamento de

implicação com o problema do aluno.

(Depois) 16: “(...) pode estar na escola”.

8.1.1.4 Aluno

A ênfase na responsabilização do aluno pelo problema foi tão comum nas

respostas dos pais e responsáveis que deixou de ser citada, somente, por um pai no

último questionário. Isso denota que mesmo quando a família, o ambiente ou a

escola foram responsabilizados pelo problema, a ideia de que o aluno é responsável

também apareceu.

Este dado está compatível com o encontrado em uma pesquisa cujo resultado

apontou que os brasileiros, diferentemente dos demais sulamericanos, identificam

que a maior dificuldade em estudar é decorrente da falta de interesse pessoal dos

jovens. Tal pesquisa intitulada “juventude e integração sulamericana: diálogos para

construir a democracia regional”, coordenada pelo Ibase (Instituto Brasileiro de

Análises Sociais e Econômicas) e Pólis - Instituto de Estudos, Formação e

Assessoria em Políticas Sociais e realizada em conjunto com uma rede de parceiros

nos países pesquisados: Fundación SES (Argentina), Pieb (Bolívia), CIDPA (Chile),

Base-Is (Paraguai) e Cotidiano Mujer (Uruguai), ouviu 14 mil pessoas, 50% jovens

(18 a 29 anos) e 50% adultas (30 a 60anos), no período de agosto a outubro de

2008, em seis países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e

Uruguai.

Quando questionados sobre: “Qual é a maior dificuldade que um (a) jovem de

seu país enfrenta para estudar? “Falta de dinheiro para transporte e outros gastos”

foi o principal fator apontado na Argentina (30%), Chile (39%), Bolívia (43%) e

Paraguai (54%). No Uruguai “dificuldade de conciliar estudo e trabalho” aparece em

primeiro lugar (29%), à frente de “falta de dinheiro para transporte” (28%). No Brasil,

“desinteresse do próprio jovem” é apontado pelos entrevistados como a principal

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dificuldade (36%), seguida por falta de dinheiro para transporte e outros gastos

(27%).

Diante deste dado os pesquisadores observaram que:

É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade ... Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/resumo_pesquisa.pdf) Acesso em 17 mar.2013.

A responsabilização do aluno pelo problema de seu fracasso escolar, e

apontada pelos pais é evidenciada na avaliação de jovens sobre dificuldades de

desenvolvimento escolar. Segundo nosso entendimento essa responsabilização

dirigida ao aluno pode ser explicada a partir do raciocínio de Nogueira e Nogueira

(2009), que assinalam o duplo efeito da legitimação provocada pela dissimulação

das bases sociais do sucesso escolar, que pode ser identificado tanto sobre os filhos

das classes dominantes, como das camadas populares.

Os primeiros que receberam de maneira difusa, desde muito cedo, a herança

cultural de suas famílias e classe social não se reconhecem como “herdeiros”, mas

identificam como naturais suas disposições, competências culturais e linguísticas,

como se tais aptidões fizessem parte de sua personalidade. O segundo grupo por

sua vez, ao ser incapaz de identificar o caráter arbitrário e impositivo da cultura

escolar, apresentaria a tendência a atribuir suas dificuldades à condição inferior que

lhe parece inerente ao ser comparado aos demais, assim os problemas que

precisariam superar seriam compreendidos então como da ordem intelectual (falta

de inteligência) ou da ordem moral (falta de vontade). Cumpre esclarecer que os

participantes desta pesquisa ao se identificarem com a cultura escolar avaliaram os

casos de alunos de famílias das classes populares atribuindo a ela a

responsabilidade pelo problema, assim reafirmando a cultura escolar.

Para responsabilizar o aluno pelo problema, os pais e responsáveis se

apoiaram na identificação de quatro aspectos: psicológico, desenvolvimento

cronológico, neurológico e problema inespecífico de saúde. O conhecimento dos

pais, construídos nas interações cotidianas, a respeito desses aspectos, expressam-

se em um discurso tecnicista sobre a vida.

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Segundo Dantas (2009), esse discurso tecnicista sobre a vida apresenta

similaridades com o discurso místico, na medida em que é construído à margem da

experiência do indivíduo comum e alimentado pela crença na objetividade e na

neutralidade científica. Tal discurso, desde esse ponto de vista, é sustentado por

narrativas fabulosas (em contraponto com o saber do senso comum), e ganha sua

sustentação por deter um elemento misterioso (desconhecido), que dá sentido à vida

e ao viver. Nesse sentido, também o discurso da medicalização pode ser entendido

como um discurso místico.

A autora assinalou que se no discurso místico os fenômenos ganhavam

inteligibilidade a partir do pensamento mágico, no discurso da medicalização a

subjetividade pode ser explicada a partir da interação de substâncias e produtos

químicos, as explicações neurocientíficas sobre o funcionamento cerebral “questões

existenciais são vistas como ‘sofrimentos’ que devem ser aliviados por terapias,

medicamentos ou distrações vultuosas nesta rede de consumo” (DANTAS, 2009, p.

569).

As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo

conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que

acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução

dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação

do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de

informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma

como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos

e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através

dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos

conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos

(DANTAS, 2009). Nas respostas dos pais aos questionários fica evidente a

incorporação desse discurso ao nomearem o problema como sendo psicológico, de

desenvolvimento cronológico, neurológico ou inespecífico de saúde.

Psicológico

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Envolve aspectos emocionais e cognitivos, a saber: busca por atenção,

carência afetiva, solidão, tristeza, agressividade, ausência de reconhecimento do

outro e de limite, dispersão e falta de interesse, atenção e concentração.

(Antes) 1: “(...) (ele quer chamar) atenção da professora e amigos se dispersando e

chamando atenção de todos, chegamos a conclusão que é um menino inteligente(...)”.

(Antes) 1: “(...) se torna um menino sem estrutura, indisciplinado, não tem respeito com o

próximo”.

(Antes) 2: “Na falta de interesse”.

(Antes) 3: “Por não prestar atenção na aula, acaba atrapalhando os outros amigos”.

(Antes) 3: “Um aluno mal educado e agressivo”.

(Antes) 4: “O problema é no Denis, porque não quer estudar”.

(Antes) 6: “Indisciplina, falta de limite, agressividade, falta de interesse”.

(Antes) 7: “Falta de atenção e aprendizado e comportamento de bagunça, falta de limite”.

(Antes) 8: “Ele é rebelde e revoltado com muita dificuldade de se envolver com pessoas, é

uma criança solitária e agressiva”.

(Antes) 9: “Ele é uma criança insubordinada”.

(Antes) 9: “Desrespeito e desconhecimento de autoridade hierárquica”.

(Depois) 1: “(...) psicologico, agressividade” (do aluno).

(Depois) 1: “(...) chamar a atenção para ele” (no aluno).

(Depois) 2: “(...) o problema é a falta de concentração muita agressividade” (no aluno).

(Depois) 2: “(...) com a falta de interesse a nada”.

(Depois) 3: “Falta de respeito e educação ao seu próximo”.

(Depois) 3: “(...) querendo chamar a atenção de varias formas, inclusive prejudicando a si

mesmo”.

(Depois) 4: “(...) falta de vontade de estudar”.

(Depois) 6: “(...) querendo chamar a atenção para si”.

(Depois) 7: “(...) para chamar atenção dos outros (...) por ser uma pessoa carente”.

(Depois) 8: “(...) queria chamar atenção (...) uma pessoa carente”.

(Depois) 9: “(...) chamar a atenção para si mesmo porque não tem atenção da sua família

(...)”.

(Depois) 11: "(...) ele traz a agressividade (...) e com isso ele tem que ser agressivo na

escola”.

(Depois) 12: “(...) ele na escola faz tudo que vê em casa. Mas ele se torna uma criança

triste, marcada e revoltada”.

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(Depois) 13: “Problemas psicológico”.

(Depois) 13: “Chamar a atenção para ele”.

(Depois) 15: “O aluno quer chamar atenção”.

(Depois) 16: “O problema é emocional”.

Desenvolvimento cronológico

A referência ao desenvolvimento cronológico apareceu de duas formas

distintas: uma referindo-se à fase de desenvolvimento em que o aluno se encontrava

e o que era esperado para aquela etapa e outra ressaltando a discrepância de idade

em sala de aula resultante de repetências múltiplas.

(Antes) 2: “(...) (no aluno) prejudicaria a classe toda (...) o problema é com a idade, e esta

cursando a 6ª série”.

(Antes) 3: Está localizado nele mesmo, pois ele deve ter responsabilidade pela idade que

tem”.

(Antes) 10: “Adolescente indisciplinado e desambientado por ser repetente, o problema

pode ser a questão dele estar fora do seu contexto pois seus amigos estão dois anos a

frente, assim ele precisa de uma forma pra se enturmar e se destacar”

(Antes) 11: “(...) ter reprovado, e não acompanha a sua turma (...) ele está fora de contexto,

pois sua idade e faixa etária está asima dos outros alunos, ele para esconder isso ele brinca

na sala”.

(Depois) 9: (...) e porque e um adolecente e esta desenvolvendo sua maturação”.

(Depois) 10: “Pode ter um problema de saúde que muitas vezes só acaba sendo identificado

no inicio da vida escolar”.

-

Neurológico

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O enfoque do aspecto neurológico citado pelos pais e responsáveis como

justificativa do problema apareceu tanto de forma genérica como específica, com

diagnóstico, como hiperatividade e déficit de atenção.

(Antes) 2: “Problema neurológico. No Carlinhos ...”.

(Antes) 6: “O problema a princípio está no Carlinhos. A criança pode ser hiperativa...”.

(Antes) 10: “Ele é hiperativo com déficit de atenção... Esse transtorno está localizado no

desenvolvimento do cérebro”.

(Depois) 7: “É uma criança imperativa”.

Problema inespecífico de saúde

No último questionário, o problema inespecífico na saúde do aluno também foi

assinalado como elemento determinante do problema.

(Depois) 9: “Ele deve ser envestigado si existe problema de saúde e outros mais”.

(Depois) 10: “Pode ter um problema de saúde que muitas vezes só acaba sendo identificado

no inicio da vida escolar”.

As noções de saúde e doença presentes nas respostas dos pais sobre o

problema estão de acordo com o paradigma denominado bacteriológico por Buss e

Pellegrini (2007).

Nessa forma de abordar a saúde e a doença, conforme Santos e Westphal

(1999), foram destacados os elementos: o curativismo, no qual a saúde é entendida

como ausência de doença em um indivíduo e justificava o diagnóstico e a

terapêutica que passam a agregar relevância em todo o processo; o mecanicismo,

noção de causalidade linear, uma disfunção mobilizada por uma causa; o

biologismo, doença e cura no nível biológico; o individualismo, o indivíduo como

objeto das ações em saúde, o qual seria tratado por outro indivíduo, sem relação

com o contexto social e histórico; e a especialização. Assim a prática sanitária

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passou a “ser a busca da cura dos indivíduos que manifestaram alguma doença”

(SANTOS; WESTPHAL, 1999, p. 73).

É importante ressaltar que, nas respostas, os pais e responsáveis não

apontam uma interação entre elementos que constituem o problema como família,

ambiente, escola e aluno, o que indica a ausência de uma visão complexa na

maneira de compreender a situação.

O que observamos nas falas acima foi o predomínio de um pensamento

linear, característico de uma apreciação especialista sob o fenômeno que, segundo

Morin (2003) tem a característica de remover um objeto de seu contexto, de sua

totalidade, impossibilitando o reconhecimento de suas interligações com o ambiente,

colocando-o fechado dentro da disciplina, destituindo-lhe aleatoriamente tanto a

sistematicidade (relação da parte com o todo) quanto à multidimensionalidade.

Nas avaliações dos pais a respeito dos problemas dos alunos que foram a

eles apresentados nos casos, identificamos a influência do pensamento tecnicista

para justificar e explicar o fracasso da performance educacional do aluno. Os

aspectos apontados isoladamente pelos pais referiram-se às interações familiares,

aos vínculos afetivos, à forma como os filhos são educados, às condições

socioeconômicas da família, à genética, às companhias, à escola, ao estado

psicológico do aluno, ao desenvolvimento cronológico, à condição neurológica e a

problemas inespecíficos de saúde. Denota-se, assim, uma visão fragmentada dos

elementos que habitualmente sustentam a queixa escolar, impossibilitando a

percepção sistêmica e multidimensional do fenômeno.

8.1.2 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do

sistema familiar

Para identificar crenças dos pais e responsáveis sobre a maneira como a

família deveria participar da resolução do problema, questionamos o que deveria ser

feito, como e quem estaria envolvido nessa resolução. A partir das respostas, foram

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229

identificadas três categorias: ações do sistema familiar, justificativa das ações do

sistema familiar e envolvidos no procedimento.

8.1.2.1 Ações do sistema familiar

As ações indicadas pelos pais e responsáveis antes e depois da intervenção

foram muito semelhantes, à exceção significativa de que somente no primeiro

questionário apareceram referências à colocação de limites e apenas no último

apontaram a ação integrada entre escola e família.

A função cuidadora da família foi apontada por diferentes ações, por vezes

articuladas entre si, a saber: expressar afeto, assessorar, orientar, ser exemplo,

buscar e receber ajuda profissional e colocar limites.

A família tem a visão de que deve ser ajudada na busca de uma orientação

especialista, a fim de ajustar sua estrutura e desenvolver habilidade para o exercício

adequado de suas funções. Isso é similar às observações de Szynasnki (2001) nos

seus trabalhos com as famílias de classes populares, em que identificou, nos relatos

de seus integrantes sobre suas condições de família, uma constante comparação da

família que realmente interage no dia a dia (família vivida), com a família tradicional,

compatível com o modelo burguês, (família pensada). Tal comparação

impreterivelmente colocava a família da qual se fazia parte em uma posição inferior

à família do modelo tradicional.

A busca da família pela instrumentalização de recursos para o exercício de

suas funções pode estar orientada pela identidade disfuncional que foi construída a

partir das diferentes interações que o grupo familiar realiza no seu dia a dia.

Compreendemos, a partir da crença de que a realidade é construída pelo encontro

das subjetividades individuais (VASCONCELLOS, 2006), que essa identidade

disfuncional da família foi construída nas suas interações cotidianas.

Esta ideia corrobora com o pensamento de Nogueira; Nogueira (2009) que

aponta que no contexto escolar (no qual este estudo se desenvolveu) o efeito da

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230

legitimação provocado pela dissimulação das bases sociais do sucesso escolar atua

sobre as famílias das classes populares reforçando a tendência a atribuir suas

dificuldades à condição inferior que lhe parece inerente e compreendida como de

ordem intelectual ou moral. Enfim, uma visão que não percebe os determinantes

econômico, social, político e sobretudo, ideológico, da sociedade de mercado em

que se vive, daí naturalizar tudo.

Expressar afeto

Demonstrar carinho e amor, manter a união familiar e dar atenção ao filho

foram as expressões de afeto relatadas pelos pais.

(Antes) 3: “Dando amor, carinho e muita atenção e (…)”.

(Antes) 4: “Dar mais carinho e (...) a seus filhos (…)”.

(Antes) 6: “(...) procurar dar mais atenção ao filho, procurar ouvi-lo mais”.

(Antes) 7: “(...). Dando mais atenção, carinho, amor e responsabilidades. Dando mais

atenção, carinho, amor e contando benefícios a ele (...)”.

(Depois) 6: “(...) elogiar sempre (...) dando amor e carinho”.

(Depois) 7: “(...) tendo união na família”.

(Depois) 11: “Essa criança precisa de muito amor e carinho de todas que a rodeiam.

Principalmente dos pais que começou todo esse problema”.

(Depois) 12: “Esse menino tem que ter muito carinho dos pais”.

(Depois) 16: (...) com muito amor e compreensão”.

(Depois) 16: “Se unir mais, mostrar que ele não está sozinho e que eles o amam. (...) seria

feito com muito amor (...)”.

Assessorar

Conhecer e acompanhar as atividades e as pessoas que participam do dia a

dia do filho.

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(Antes) 1:”Deveria os pais parar e prestar mais atenção sobre o filho, (...) os pais deveriam

saber quais as amizades (…)”.

(Antes) 6: “(...) procurar oferrecer outras atividades (como esporte, atividade física, (...)”.

(Antes) 8: “Acompanha sempre seu filho na escola”.

(Depois) 1: “(...) e oferece ajuda”.

(Depois) 15: “Acompanhar as atividades desse aluno. (...)”.

Orientar

Diálogo e conversa para orientar e resolver o problema.

(Antes) 1:”(...) deveria ter mais orientação para o mundo (…)”.

(Antes) 2: “(...) conversando com o filho”.

(Antes) 3: “(...) conversar com o filho”.

(Antes) 3: “(...) dialogo (…)”.

(Antes) 4: “(...) educação (…) na base do diálogo”.

(Antes) 5: “(...) deveriam conversar muito”.

(Antes) 7: “Dialogar para tentar chegar a uma solução para resolver o problema. (...)”.

(Depois) 1: “Conversar (...)”.

(Depois) 2: “(...) para quem com vive tem que ter calma e pulso forte”.

(Depois) 3: “(...) orientando melhor (...) através da conversa”.

(Depois) 5: “ (...) dialogo (...)”.

(Depois) 5: “(...) maior diálogo”.

(Depois) 6: “A família tem que ter mais dialogo com o menino, (...)”.

(Depois) 13: “Conversar”.

Ser exemplo

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O comportamento dos pais é modelo para os filhos, assim, é importante que

atuem adequadamente.

(Antes) 1:”(...), o exemplo vem dos pais, (…)”.

(Antes) 3: “Procurando levar uma vida mais religiosa”.

(Depois) 3: “Se ouver agressividade entre os pais, procurar modificar suas atitudes (...)”.

(Depois) 14: “Os pais precisam mudar o comportamento para que o filho tenha outra visão”.

Colocar limites

Estabelecer regras para as interações e a rotina.

(Antes) 1:”(...) impondo regras (…)”.

(Antes) 3: “Dar disciplina de pequeno (…)”.

(Antes) 6: “Tentar colocar limites (...)”.

(Antes) 7: “(...) e colocando regras (com horário, limitar TV, internet, passeios)”.

As expectativas dos pais e responsáveis em relação às ações que o sistema

familiar deveria realizar para superar o problema dos alunos nos casos

apresentados, conforme consta nas subcategorias supracitadas, estão de acordo

com aquilo que Minuchin (1990) chamou de a principal tarefa do sistema familiar,

que consiste em dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover sentimento de

pertinência aos indivíduos.

Também cabe ao sistema familiar, conforme Minuchin (1990), manter uma

disposição hierárquica em que o subsistema parental ocupe o nível mais elevado

dessa hierarquia. Esta percepção de que a maior autoridade de poder no sistema

familiar deve ser exercida pelos pais é explicitada na expectativa dos participantes

de que os pais orientem, assessorem, sejam exemplos e coloquem limites em seus

filhos.

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Minuchin (1990), ao tecer considerações sobre os padrões relacionais

estabelecidos entre os indivíduos que formam o subsistema conjugal, assinalou que

qualquer disfunção nesse subsistema compromete sobremaneira todo o

desenvolvimento familiar, uma vez que os filhos adotam esse modelo para as

relações de intimidade. As crianças veem nesse subsistema um modelo de

expressão de afeto, uma maneira de lidar com as dificuldades e a forma de

solucionar conflitos no grupo de iguais. A conceituação proposta pelo autor é

reproduzida nas respostas dos pais ao apontarem que eles devem ser exemplos

para seus filhos.

As regras que governam as trocas de informações e de energia entre os

subsistemas são representadas pelo tipo de fronteira estabelecido. Minuchin (1974)

ressaltou que tanto as fronteiras rígidas (extremamente rígidas), quanto as fronteiras

difusas (excessivamente permissiva) representam formas disfuncionais de demarcar

os limites relacionais entre os subsistemas e dificultam o intercâmbio de informações

entre os subsistemas circundantes. Consonante com a conceituação do autor sobre

as disfunções de fronteiras entre subsistemas familiares, os pais identificaram a

implementação do diálogo como uma ação que resolveria o problema.

Buscar e receber ajuda profissional

A busca de ajuda especializada pelo sistema familiar é dirigida à necessidade

de intervenção sobre a criança ou adolescente, seja tal ajuda jurídica, neurológica, e

psicológica. Tal procedimento da família pode estar orientada pelo que Morin (2003)

denominou princípio da objetividade e da racionalidade técnica, em que a realidade

é passível de ser compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada, disjuntiva,

reducionista, em que os problemas são fracionados assim impossibilitando qualquer

reflexão de uma perspectiva multidimensional.

Essa maneira de os pais assistirem seus filhos foi instituída inicialmente pelos

higienistas e eugenistas que focavam tanto as anormalidades físicas, psíquicas, bem

como tudo o que não estava de acordo com os padrões da burguesia. Segundo

Boarini (2003), os preceitos da higiene do corpo passaram a abranger os preceitos

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da alma e a educação é considerada como o principal encaminhamento para

resolução de problemas.

Conforme pode ser constatado nas respostas abaixo, o psicólogo foi o

especialista, que na opinião dos pais mais pode contribuir para a solução do

problema do aluno. Tal percepção dos pais pode estar de acordo com a colocação

de Carvalho, Westfhal e Lima (2007) que assinalaram que o desenvolvimento da

área da psicologia, contribuiu para a consolidação dos preceitos higienistas,

recomendando rotinas disciplinares para o alcance dos bons hábitos, requeridos

para a boa educação, colaborando assim, para a normatização e domesticação da

sociedade.

(Antes) 2: “(...) procurar ajuda de profissionais” (familia).

(Antes) 4: “Chamar o conselho tutelar (…) (chamar) todos que podem ajudar”.

(Antes) 5: “O pai e a mãe tem que admitir o que esta acontecendo (…) escutar o que a

escola ta lhe oferecendo”.

(Antes) 6: “(...) procurar uma orientação profissional, com uma psicóloga”

(Antes) 7: “Diagnostico clinico com psicólogo, psicopedagogo, neurologista, fonoaudiolologa.

Encaminhamento aos profissionais competentes”.

(Antes) 8: “Ajuda urgente da orientadora e concelho de classe e pais e profs”.

(Depois) 1: “Procurar tratamento”.

(Depois) 3: “ (...) a familia procurar a ajuda de um orientador”.

(Depois) 5: “(...) tentar descobrir o motivo dessa agressividade da criança (...)psicologa”.

(Depois) 7: “(...) ajuda com profissional na área”.

(Depois) 7: “Pais deveria conversando com os professores”.

(Depois) 8: “Procurar um profissional nesta área”.

(Depois) 13: “Procurar tratamento. (...) ajuda psicológica”.

(Depois) 15: “Procurar ajuda especializada (médicos) psicólogos (terapeutas)”(...) levar o

aluno até clinicas especializadas”.

(Depois) 16: “Uma ajuda profissional para descobrir o que está acontecendo (...)”.

Ação integrada entre escola e família

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Independente da ação que soluciona o problema, a parceria entre família e

escola foi assinalada pelos pais, somente após terem participado dos encontros.

Entendemos que tal resultado pode estar relacionado ao desenvolvimento do

Programa de Promoção Saúde realizado na escola.

Compatível com as ações de promoção de saúde, o Programa desenvolvido

buscou trazer aos participantes novas informações a respeito da: complexidade dos

fenômenos sejam eles físico, psicológicos, sociais; importância de contextualizar

historicamente as funções familiares; assinalamento das competências familiares;

relevância da abordagem colaborativa das interações entre sistemas para a

resolução de problemas; caráter constitutivo das interações humanas. A reflexão

sobre esses temas está de acordo com as Cartas de Promoção de Saúde (BRASIL,

2002), que sugere intervenções que atuem para aumentar o empoderamento dos

indivíduos e da comunidade, tornando-os agentes do encorajamento da ajuda

mútua no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo.

Também nas Cartas de Promoção de Saúde (BRASIL, 2002), encontramos

orientação para implementação das práticas que promovem a saúde, tais como: o

estímulo à autonomia comunitária e individual por meio do empoderamento da

comunidade e conhecimento sobre saúde e comportamento; fortalecimento de

ações intersetoriais, construção de competências para a promoção da saúde. O

Programa de Promoção de Saúde na Escola, promovido na própria escola

contemplando esses objetivos, no nosso entendimento, possibilitou aos pais

caminharem de uma percepção de ação isolada para uma ação em relação.

Ainda que essa percepção identifique dois sistemas envolvidos no problema,

não se configura como uma apreciação apoiada no princípio da complexidade que,

segundo Morin (2003), permite a identificação de diferentes dimensões do

fenômeno.

(Depois) 8:”(...) esta familha deve converça com os professores (...) deve se uni a escola e

a familha (...) para tentar rezouver”.

(Depois) 10: “A família deve junto com a escola encaminhar a criança para um

acompanhamento medico para então sendo descartado os problemas fisiológicos, buscar

novas soluções”.

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(Depois) 10: “(...) é preciso saber porque das reprovações, a família poderia acompanhar

mais de perto a situação escolar e também emocional do menino porque muito dos

problemas podem ser resolvidos a principio dentro da família juntamente com o

acompanhamento da escola”.

(Depois) 15: “(...) reunião dos pais e professores e aluno”.

(Depois) 16: “(...) neste caso todos deveria se envolver pais e escola”.

8.1.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar

Ambos os grupos apresentaram justificativas para ações orientadas por dois

aspetos: pelo reconhecimento do problema e pelo reconhecimento do recurso. No

primeiro grupo, a família é culpabilizada por deixar de exercer adequadamente as

funções de cuidado e no segundo apenas uma resposta se refere a essa

inadequação. A ausência de cuidados com o filho e de recursos da família

apareceram nas respostas do primeiro questionário e não se repetiram no segundo.

O fato de a família destituída de recursos só ter aparecido no questionário

inicial pode estar relacionado à participação dos pais no Programa de Promoção de

Saúde na Escola.

Um dos pressupostos estruturais de promoção de saúde é a garantia, aos

indivíduos e aos grupos, de acesso contínuo à informação e às oportunidades de

aprendizagem para os assuntos de saúde (BRASIL, 2002). Na mesma linha, Buss

(2000, p. 171) destacou entre aspas, a questão de responsabilidade de diversas

organizações na divulgação dessas informações e ressaltou que este componente

ao avançar no desenvolvimento da ideia de empowerment, entendido como “o

processo de capacitação (aquisição de conhecimento) e de poder político por parte

dos indivíduos e da comunidade” também resgata a dimensão da educação em

saúde.

Na percepção de Maturana e Varela (2001), a vida se desenvolve permeada

por conversações, a existência humana ocorre inserida em um continuo fluir de

linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo sentido e significados

aos eventos.

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Entendemos que a perspectiva da construção subjetiva da realidade traduzida

por Maturana e Varela (2001) explica o processo de empoderamento do indivíduo

por meio do acesso à informação transmitida na conversação. Assim o Programa de

Promoção de Saúde na Escola, nela desenvolvido, pretendeu levar informação aos

pais por meio de uma interação, não hierárquica, com a pesquisadora a fim de

ampliar o conhecimento deles a respeito dos problemas que ocorrem na escola. Isto

justifica, em síntese, associarmos a participação no Programa à ausência de

repostas que assinalam a falta de recurso da família para lidar com o problema.

Justificativas Orientadas pelo reconhecimento do problema

A investigação do problema, a família ou o aluno como centro do problema e

a ênfase na ausência de recursos da família foram as explicações citadas quando as

ações se justificam com foco no problema.

Identificamos nas respostas a seguir elementos do discurso tecnicista sobre a

vida, tais como o mecanicismo, em que a noção de causalidade é linear, uma

disfunção é mobilizada por uma causa; e o individualismo, no qual o indivíduo é tido

como objeto das ações em saúde, o qual seria tratado por outro indivíduo, sem

relação com o contexto social e histórico; e a especialização (SANTOS;

WESTPHAL, 1999, p. 73)

É importante investigar o problema

(Antes) 7: “(...) para investigar o problema”.

(Depois) 9: “(...) para ter uma explicação”.

(Depois) 15: “(...) para identificar o problema”.

A família é a responsável pelo problema

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A família, segundo os pais ou responsáveis, se constitui como núcleo do

problema seja como geradora deste, seja como desprovida de recursos para a sua

solução.

Em nosso entendimento, as inadequações que os participantes ressaltaram

das famílias dos casos apresentados podem ter sido construídas a partir da

comparação do modelo de família burguesa, desconsiderando o contexto familiar,

escolar, social e econômico, no qual a família deve suprir as demandas de

sobrevivência e desenvolvimento dos seus membros, assim como observou

Szimansky (2001).

(Antes) 2: “(...) por ela ter problemas”.

(Depois) 3: “(...) muitas vezes a criança convive com a agressividade na família”.

A família não tem recurso para solucionar

(Antes) 1: “(…) às vezes não esta tendo a atenção necessária (…)”.

(Antes) 4: “(...) sem ela [educação] não vai pra frente”.

(Antes) 4: “(...) porque não está dando conta do problema”.

(Antes) 6: “(...) muitas vezes a família não tem diálogo”.

O aluno é o responsável pelo problema

A justificativa para identificar o aluno como responsável é construída com

base no pensamento linear em que os problemas humanos são localizados no

indivíduo sem levar em conta as relações que este estabelece com o meio (MORIN,

2003; GRANDESSO, 2000). Isso pode ser observado nas seguintes respostas:

(Antes) 2: “(...) para que ele entenda seu problema”.

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(Antes) 6: "(...) pra identificar o que acontece com Carlinhos”.

(Depois): 5: “Tentar descobrir o motivo dessa agressividade da criança”.

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso

Justificar a ação do sistema familiar enfatizando o recurso coloca a família ou

o aluno como protagonista da solução. Tal pensamento parece estar orientado pelo

conceito de prevenção em saúde que, segundo Leavell e Clarck, (1976, p. 17 apud

CZERESNIA, 2003, p. 6) preconiza uma “ação antecipada, baseada no

conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o processo da doença”.

A família é a responsável pela solução

(Antes) 3: “(...) para não chegar a esse ponto (…) Procurando levar uma vida mais religiosa

que tudo seria bem melhor e diferente. Pois Deus é muito importante”.

(Antes) 5: “(...) para poder ter a melhor solução”.

(Antes) 7: “Porque a família tem que ser o fator comum e o apoio para essa pessoa

melhorar na escola”.

(Depois) 1: “Talves seja única forma de ajuda”.

(Depois) 1: “Pode ter uma saída”.

(Depois) 3: “A orientação é um dos melhores remédios”.

(Depois) 5: “Porque na conversação consegue chegar nas soluções”.

(Depois) 8: “(...) para poder ajudar”.

(Depois) 8: “(...)para tentar resolver”.

(Depois) 10: “(...)a sulução do problema”.

(Depois) 13: “Porque seria a única forma de ajudar”.

(Depois) 16: “Porque só assim poderia ajudar de forma correta”.

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O aluno é o responsável pela solução

(Antes) 3: “(...) para tentar mudar o comportamento dele”.

(Antes) 8: “Porque vai percebe e sentir que ele não está bem”.

(Depois) 6: “(...)para ele se tornar um adulto diferente”.

(Depois) 12: “Para ele superar e atraso na vida dele. Que acaba custando muito caro”.

(Depois) 14: “(...) para que o filho tenha outra visão”.

(Depois) 15: “(...) para que ele percebesse a necessidade de mudança”.

(Depois) 16: “Porque mostrando que ele é importante ele vai começar a respeitar”.

8.1.2.3 Os envolvidos no procedimento

Quando questionados sobre quem estaria envolvido no fazer do sistema

familiar, os pais e responsáveis se dividiram em dois grupos, tanto no primeiro como

no último questionário. Parte dos participantes apontou a família como o único

sistema envolvido, e a outra parte acrescentou outros sistemas sociais, como a

escola, profissionais da área da saúde e da justiça.

Em qualquer das respostas, os pais e responsáveis reconhecem sua

responsabilidade em garantir à criança e ao adolescente os direitos propostos pela

Constituição da Republica Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Quando se referem

a outros sistemas reconhecem que a educação abrange processos formativos que

se desenvolvem em sistemas diferentes do sistema familiar, como, por exemplo, as

instituições de ensino, conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (BRASIL, 1998).

Família

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(Antes) 1: “(...) os pais”.

(Antes) 2: “(...) os pais”.

(Antes) 3: “(...) os pais”.

(Antes) 3: “(...) família”.

(Antes) 5: “(...) o pai e a mãe”.

(Antes) 5: “(...) deveriam conversar”(a família).

(Antes) 6 “(...) família”.

(Antes) 7: “ A família”.

(Depois)3: “A família e procurando a ajuda de um orientador”.

(Depois)3: “A família”.

(Depois)5: “A família”.

(Depois)6: “(...) os pais principalmente, porque são eles os responsáveis pelos, seus filhos”.

(Depois)7: “Pai e mãe”.

(Depois)11: “Toda a família que que fazer um tratamento”.

(Depois)12: “(...) criança (...) todas que a rodeiam. Principalmente dos pais (...)”.

(Depois)13: “A família”.

(Depois)14: “(...) os pais”.

Família e outros sistemas sociais

Os profissionais referidos na ação conjunta com a família são, especialmente,

os integrantes do sistema escolar. Quando os pais ou responsáveis identificaram

mais algum envolvido focaram profissionais da saúde, como psicólogo, psiquiatra,

médico especialista e representante do sistema judiciário.

(Antes)2: “(…) conversando com o filho (…) os pais e professores”.

(Antes)4: “(…) os pais e os professores”.

(Antes)4: “(…) (família) chamar (…) conselho tutelar (…) todos que podem ajudar”.

(Antes)6: “(…) os pais e professores devem estar envolvidos”.

(Antes)7: “(…) os pais ou responsáveis, psicólogos, e pessoas capacitadas pela escola em

esta orientando esse jovem aluno”.

(Antes)8: “Pai, mãe, orientadora e psicóloga juntos nesse problema”.

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(Antes) 8: “(…) família e escola. Os professores, a família e a psicóloga e um psiquiatra”.

(Depois)1: “Atravez de profissionais (…) A família”.

(Depois)5: “A família (...) psicologa”.

(Depois)6: “(…) a família (...) escola, pais e psicóloga”.

(Depois)8: “(…) (família) “procurar um proficional nesta aria”.

(Depois)9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista”.

(Depois)10: “(…) a família (...) escola (...) criança (...) médico”.

(Depois)10: “(…) menino, pais e professores”.

(Depois)15: “Pais/ alunos/ especialistas”.

(Depois)15: “(…) pais/ professores e aluno”.

(Depois)16: “(…) principalmente os pais e depois os professores”.

8.1.3 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do

sistema escolar

Da mesma forma que em relação ao sistema familiar, perguntamos aos pais e

responsáveis o que deveria ser feito pelo sistema escolar, como e quem estaria

envolvido nessa ação. Como resultado, obtivemos as três categorias: ações do

sistema escolar, justificativa das ações do sistema escolar e envolvidos no

procedimento.

8.1.3.1 Ações de sistema escolar

Os pais e responsáveis, tanto no primeiro como no último questionário,

acreditam que cabe ao sistema escolar chamar, investigar e orientar a família a

respeito do problema do aluno. Ao verificar o agrupamento dessas ações,

identificamos o continuum de um de processo de resolução de problema, porém é

importante ressaltar que em nenhum questionário tais ações foram citadas de forma

articulada, apareceram de forma isolada, em diferentes questionários.

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Também faz parte das ações da escola promover cuidado ao aluno, seja por

meio de medidas disciplinares ou de expressão de afeto.

Alguns pais apontaram que a aquisição de recursos profissionais por parte da

escola é importante na resolução do problema, outros, porém, desconsideraram

qualquer ação desse sistema, depositando na família a responsabilidade exclusiva

pela solução.

Nas respostas descritas nas subcategorias, “chamar”, “investigar” e “orientar”,

fica implícito o reconhecimento dos pais a respeito da detenção do saber

especializado por parte dos integrantes do sistema escolar. Esse resultado está de

acordo com o que afirmou Guarido (2011) sobre as características atuais do

discurso pedagógico que ganhou caráter normatizador, de validação do saber

especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo substituída pela

autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a

educação. Os professores foram “chamados a ser extensão do olhar especialista na

prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151).

Chamar os pais

A atitude da escola de chamar os pais se refere apenas a essa ação

propriamente dita, sem explicitar a função desse chamado.

(Antes) 3: “Chamar os pais para conversar(...) através de bilhete ou telefone”.

(Antes)5: “Chamar os pais para que juntos resolvam o problema”.

(Antes)5: “Chamar a mãe (...) para ter uma conversa entre ele a mãe”.

(Depois) 11: “Chamar os pais para que eles ajudam em relação a ele”.

Investigar

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O foco a ser investigado é a relação familiar, seja no que se refere à relação

entre pais e filhos ou entre o casal.

(Antes) 1: “(…) primeiramente a escola deveria entrar em contato com a família para saber

como é o convívio da criança com os pais para tentar solucionar o problema”.

(Antes) 2: “A escola tem que chamar a família para saber o que acontece em casa e

resolver o problema”.

(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e mdico especialista para ter uma

explicação”.

(Depois) 10: “Já a escola deve estar atenta e procurar identificar como é a relação dos pais

com esta criança e entre o próprio casal”.

(Depois) 15: “Discutir o problema com os pais e chegar a um consenso. (...) através de

reunião”.

Orientar

Assim como o “chamar” apareceu desconectado de sua função, o “orientar”

também não foi relacionado a uma finalidade específica em algumas respostas, em

outras sugere encaminhamento a especialista ou uma parceira entre pais e escola.

Sem função específica

(Antes) 4: “Mais reuniões com os pais (...)”.

(Antes) 6: “(…) oferecer palestras e orientação (...) . Poderia ser feito reunião com os pais”.

(Antes) 7: “Orientação dos pais ou responsáveis do problema.(...) conversar com os pais na

escola”.

(Depois) 1: “(…) conversar, pedir ajuda, reuniões”.

(Depois) 5: “Conversar com os pais” (a escola).

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Encaminhamento

(Antes) 3: “Encaminhar para o psicólogo”.

(Antes) 7: “Encaminha-lo para conselho de pais e mestre e tomar providencia de comunica

sua familha (...) advertência, suspensão, conselho tutelar, ate mesmo encaminha-lo para

promotoria publica, na vara da infancia ou família”.

(Depois) 15: “(…) orientar os pais, indicar profissionais especializados (...) comunicação com

os pais”.

Parceria

(Antes) 2: “Comunicar aos pais para que seu problema seja resolvido conversando com o

filho os pais e professores”.

(Antes) 6: “A escola deve informar a família (...) orientação e dialogo entre a escola e a

família”.

(Antes) 8: “ (...) se unindo escola e familia”.

(Depois) 6: “Escola e pais juntos (...) psicóloga (...) um tratamento bem sério e bem feito”.

(Depois) 8: “(…) uni se a familha a escola e um proficional nessa area”.

(Depois) 9: “(…) deveria pais e aluno e professores [fazer] um acompanhamento mais

frequente e mais dialogo, mais cooperação de todos”.

(Depois) 11: “Ajudar a família, principalmente o aluno”.

Promover cuidados ao aluno

A escola deve atuar junto ao aluno por meio de medidas disciplinares ou

afetivas. As medidas disciplinares podem ser de punição ou de oportunidade de

desempenho de tarefas reconhecidas como positivas. A oportunidade e a expressão

do afeto carinhoso e amoroso só foram referidas no último questionário.

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Ao indicarem que a escola deve em suas ações incluir a dimensão afetiva, os

pais percebem a importância de considerar as interações como elementos

construtivos da realidade. A dimensão do ato comunicativo, segundo Matura e

Varela (2001), dá-se em um continuo fluir de linguajar e emocionar, em que os

indivíduos vão atribuindo sentido e significados aos eventos. A vida se desenvolve

permeada por conversações.

Medidas disciplinares

(Antes) 4: “Mudar ou expulsar”.

(Antes) 8: “A escola deveria ser mais rígida com esse aluno (...)”.

(Depois) 3: “Exclui-lo do poder de liderança”.

(Depois)8: “(…) dar as disciplina para cada afazer cada um no seu horário a escola devia

tira de se brinca da sala”.

(Depois)16: “A escola poderia envolver ele em trabalhos e organização, ocupando o tempo

dele em algo que ele sentir-se útil. Sem achar-se melhor que os outros”.

Medidas afetivas

(Depois) 12: “Essa criança precisa de muito carinho e amor de todos que rodeiam”.

12: “Esse menino tem que ter muito carinho (...) dos professores e alunos”.

(Depois)16: “Dar uma atenção especial, não separadamente”.

Aquisição de recursos profissionais pela escola

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A necessidade de a escola providenciar profissionais especializados para

solucionar o problema foi mencionada pelos pais e responsáveis em ambos os

questionários. Esta demanda está de acordo com os levantamentos do CRP (2007),

que aponta o crescente número de solicitações para a criação de convênios,

serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito municipal, estadual e

federal), para o tratamento dos supostos transtornos. Tratar as questões das

dificuldades de escolarização com os especialistas mostra um retorno às

concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que atribui a

indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho alcançado nesse

processo.

(Antes) 8: “A escola deveria colocar uma orientadora e uma psicóloga para solucionar o

problema”.

(Depois)7: “Ter psicologo e profissional na área para trabalhar com os alunos atividades

escolares, profissionais religiosos. E policiais”.

Desconsideração de ações do sistema escolar

Alguns pais e responsáveis responderam qual é o papel da família quando

perguntado o que o sistema escolar deveria fazer para solucionar a questão,

desconsiderando qualquer ação desse último sistema.

Sendo a conversação e a coordenação entre as pessoas elementos que

geram processos constitutivos de identidade e mundos sociais, como afirma Fried

Schnitman (2004), entendemos que a identidade da família como única responsável

pelo problema do aluno foi sendo construída, mantida e reforçada por meio da co-

criação de significados e ações através de/e na comunicação e ação conjunta

estabelecidas entre a família e os demais subsistemas sociais. Segundo a autora, o

processo generativo é alcançado a partir da compreensão e coordenação co-

constitutivas de diálogos, sentidos, narrativas e ações.

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(Antes): 1: “(…) os pais deveria ter o controle sobre o filho impondo limites, colocando

respeito sobre ele, se o filho não tem um certo comportamento é devido a falta pai mãe”.

(Depois): 1: “(…) a família (...) procurar tratamento (...) atravez de profissionais”.

(Depois) 2: “(…) para quem com vive tem que ter calma e pulso forte”.

(Depois) 7: “Deve ser feito mais reuniões entre pais e alunos” Com trabalho e MAIS

autoridade”.

8.1.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar

As justificativas permitem alcançar as crenças que sustentam as ações

sugeridas pelos pais e responsáveis. Pudemos identificar que, assim como na

justificativa das ações do sistema familiar, os pais e responsáveis focaram o

reconhecimento do problema ou reconhecimento do recurso.

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema

A justificativa orientada pelo reconhecimento do problema apontou para a

necessidade de investigação e para o fato de o aluno ou a família ser o responsável

pelo problema. Comparando as respostas do questionário aplicado inicialmente e no

último, identificamos que somente no início foi citada a família como responsável

pelo problema.

A maioria das ações do sistema escolar identificadas pelos pais e

responsáveis denotava um conjunto de medidas (chamar os pais, orientar,

investigar) em que a escola transferia para a família a responsabilidade pelo

encaminhamento da solução do problema. Por consequência, o que justificou essas

ações considerou a família e o aluno responsáveis pelo problema ou pela solução,

isentando a escola de qualquer motivo para intervenção.

Partindo da crença da realidade como uma construção social, Anderson e

Goolishan (1991) concebem os seres humanos como sistemas geradores de

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249

significados e de linguagem, que emergem em uma continua atividade recursiva e

intersubjetiva. Desse ponto de vista, tanto a construção de significados e

entendimentos quanto a condução dos sistemas humanos ocorrem em um processo

dinâmico de mudança e criação.

Ao assumirmos o princípio da construção intersubjetiva da realidade,

compreendemos que a crença dos pais e responsáveis de que a família ou o aluno

são os únicos responsáveis pelo problema foi construída e mantida pelas

conversações que se dão nas interações das famílias com os demais sistemas

sociais e determinam a condução para resolução.

É importante investigar o problema

(Antes) 3: “Para saber como é a convivência em casa”.

(Antes) 6: “A família pode não estar sabendo das atitudes do filho”.

(Depois) 15: “(orientar os pais, indicar profissionais especializados) p/ identificação do

problema”.

(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista para ter uma

explicação”.

O aluno é o responsável pelo problema

(Antes) 7: “(…) por que este individuo não pode prejudicar o andamento das coisas na sala

de aula”.

(Antes) 8: “(…) é uma criança agitada”.

(Antes) 8: “Ele pegou o ponto fraco da família e da escola”.

(Depois) 5: “Para poder entender as atitudes da criança, porque ela esta envolvida

indiretamente na situação”.

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A família é a responsável pelo problema

(Antes) 7: “Cabe aos responsáveis os cuidados dos filhos”.

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso

As respostas que indicavam o reconhecimento do recurso apontaram ora a

família, ora o especialista, ora escola, ora a parceria entre família e escola como

responsáveis pela solução do problema. Somente nas respostas após o Programa

de Promoção de Saúde na Escola, esta foi citada como responsável pela solução.

Essas respostas trazem o reconhecimento da potencialidade para a resolução

por várias partes implicadas no problema, ainda que não estejam articuladas entre

si. Assim não se configura uma visão sistêmica do problema que, de acordo Capra

(1987, p. 259), “baseia-se na consciência do estado de inter-relação e

interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos,

psicológicos, sociais e culturais”.

A família é a responsável pela solução

(Antes)1: “(a escola deveria entrar em contato com a família) para tentar solucionar o

problema”.

(Antes) 2: “(escola tem que chamar a família)resolver o problema”

(Antes) 2: “(Comunicar aos pais) para que seu problema seja resolvido (conversando com o

filho os pais e professores)”.

(Depois) 7: “Para ter mais dialogo”.

O especialista é o responsável pela solução

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(Antes) 3: “(psicólogo) porque os professores não consegue mudar uma cabeça de um

adolescente de 14 anos”.

(Depois) 6: “(…) um tratamento bem sério e bem feito pode se resolver”.

A escola é a responsável pela solução

(Depois) 12: “(...) para ele superar e atraso na vida dele. Que acaba custando muito caro”.

(Depois) 16: “(…) mas mostrando que ele é capaz e que ele pode ser melhor e amigo de

todos”.

A parceria entre família e escola leva à solução

(Antes) 4: “(…) os professores ajudar os pais, a escola e a família”.

(Antes) 5: “(...) porque não adianta os pais fazerem de um jeito e a escola de outro”.

(Antes) 6: “(...) para ajudar a solucionar o problema do aluno (...) para juntos (escola e pais)

encontrarem uma solução”.

(Depois) 9: “(…) mais cooperação de todos”.

(Depois) 15: “(Discutir o problema com os pais) para chegar a um consenso (...) para chegar

a uma solução”.

8.1.3.3 Os envolvidos no procedimento do sistema escolar

Alguns pais e responsáveis apontaram que quem deveria estar envolvido na

ação era a escola e a família; outros, a escola, a família e especialistas, outros

ainda, a escola, a família e o aluno e alguns assinalaram apenas um desses

sistemas. Ao se referirem a ações especializadas, mencionaram psicólogos,

religiosos e policiais.

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Ao citar a família e os integrantes do sistema escolar como envolvidos

nessas ações, os pais e responsáveis reproduziram o que delibera a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1998).

Escola e família

(Antes) 1: “(...) escola deveria entrar em contato com a família (...)”.

(Antes) 2: “ Os pais e a escola”.

(Antes) 3: “Professora coordenadora, pais”.

(Antes) 4: “(…) os professores ajudar os pais, a escola e a família”.

(Antes) 4: “Pais e professores”.

(Antes) 5:”A diretora e os pais”.

(Antes) 6: “A escola e a família”.

(Antes) 6: “ (a escola) poderia ser feito reuniões com os pais”.

(Antes) 7: “Orientadora, professora e pais ou responsáveis”.

(Antes) 7: “(…) famílias, orientador e conselho de pais e mestre”.

(Depois) 10: “A escola e pais”.

(Depois) 15: “(…) pais e professores”.

Escola, família e especialista

Collares e Moysés (1994) assinalaram que por influência do crescente

reconhecimento das “patologias” como promotoras do fracasso escolar, a escola

passou a ser um espaço clínico direcionado para erros e distúrbios. As autoras

observaram que essa transformação implementa a desvalorização da atuação do

professor que acaba se percebendo como menos apto para lidar com as disfunções,

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abrindo espaço para a atuação de outros profissionais. Em nosso ponto de vista, os

pais e responsáveis comungam dessa mesma percepção a respeito dos

professores.

(Antes) 8: “(...) orientadora (...) pai e professores junto com uma psicóloga”.

(Depois)6: “Escola e pais juntos com a ajuda de uma psicóloga”.

(Depois) 7: “(…) psicologos e profissionais na area(...) religiosos e policiais (na escola)”.

(Depois) 7: Autoridas e com pessoas que fazem parte desse trabalho (...) pais e alunos”.

(Depois) 8: “(…) professores toda a familha e um profissional ”.

(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista”.

(Depois) 16: “(…) a família, o professor e os amigos”.

Escola, família e aluno

(Antes) 2: “(…) o filho os pais e professores”.

(Antes) 5: (a escola) “chamar a mãe (...) ter uma conversa entre ele e a mãe”.

(Depois) 3: “Professores e alunos, também os familiares”.

(Depois) 5: “Escola (...) pais (...) criança”.

(Depois) 8: “Escola (...) paiz”.

(Depois) 9: “Pais e aluno e professores”.

(Depois) 11: “(…) a escola, os pais (...) ele” (a criança)”.

(Depois) 12: “(…) pais, professores e alunos”.

(Depois) 15: “(…) pais/ educadores e aluno”.

Um sistema envolvido

(Antes) 3: “(…) a família”.

(Antes) 8: “(…) pais tem que se envolver com força e vontade”.

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(Depois) 6: “(…) escola”.

(Depois) 11: “Todos da família deve ser envolvidos”.

(Depois) 16: “(…) escola”.

8.2 Análise das respostas dos questionários dos professores

Entre as respostas dos professores foram levantadas as seguintes categorias:

percepção do problema, expectativa dos professores em relação aos procedimentos

do sistema familiar, expectativa dos professores em relação aos procedimentos do

sistema escolar.

8.2.1 Percepção do problema

A responsabilidade dos pais na interação com os filhos difere da

responsabilidade dos professores na interação com os alunos, o que permite ao

professor, diferentemente do que ocorre com a família, a possibilidade de se

perceber ou não integrante do sistema responsável pelo problema.

Os professores, ao definirem o problema, expressam a visão que

provavelmente orienta sua prática profissional, ou seja, as ideias, crenças e valores

a respeito dos aspectos constituintes do fracasso no desempenho escolar do aluno.

Na apreciação dos professores apareceram três tipos de raciocínio: um

apoiado na percepção de única causa, outro baseado na percepção de diferentes

causas e um terceiro que identifica a integração entre as múltiplas partes do

problema. A percepção de causa única indica como responsável pela origem e

manutenção do problema a família ou o aluno ou o sistema de ensino. Essa

percepção parece estar pautada nos pressupostos de uma visão linear de mundo

em que se analisa separadamente as partes dos todos complexos

(VASCONCELLOS, 2006). Essa visão linear de mundo está fundamentada nos

modelos explicativos racionais e técnicos próprios do pensamento positivista

(HENRIQUES, 2000).

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A percepção que integra as múltiplas partes do problema, citada por somente

um participante, sugere a família, a escola e o aluno como elementos que,

articulados, constituem o problema. Ao considerar as diferentes facetas do

problema, os professores lançam mão de um olhar sistêmico sobre o fenômeno em

que, segundo Capra (1987, p. 250), “baseia-se na consciência do estado de inter-

relação e interdependência essencial de todos os fenômenos”.

Em nenhuma das apreciações pautadas pelo pensamento linear há referência

a si próprio – professor – como elemento implicado na constituição do problema,

nem mesmo a escola é citada. Somente o sistema de ensino é referido por um

participante no primeiro questionário.

Tomando como base o pensamento de Bourdieu (1983), poderíamos

compreender que as apreciações feitas pelos professores sobre os casos

apresentados estariam carregadas de valores construídos no campo social em que

estes se desenvolveram. Na medida em que professores e alunos advêm de

campos sociais diferentes - classe média, e classes populares - e que os

professores tomam como natural e superior a sua cultura, fica implícita em sua

avaliação a desqualificação, a desigualdade e disfuncionalidade do aluno e de sua

família. Este julgamento configura o que o autor denominou violência simbólica.

A seguir, estão explicitadas as respostas dos professores sobre os vários

elementos que constituem o problema.

8.2.1.1 Família

Assim como os pais e responsáveis, os professores colocaram a família como

um dos elementos constituintes do problema. No primeiro questionário, aplicado

antes da intervenção, há apenas ênfase à disfuncionalidade da família como

responsável pelo problema. No último questionário, aparecem essas respostas e

também a referência à necessidade de investigação.

Os professores, ao assinalarem as disfuncionalidades das famílias dos alunos

nos casos apresentados, parecem estar tomando como referência as medidas

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normatizadoras de organização familiar que se desenvolveu, segundo Costa (1990),

num campo próprio de saber e de poder, o do desvio, da anormalidade.

Os professores destacaram a condição da estrutura familiar como

determinante da atuação do aluno na escola. A definição de estrutura familiar

propostas por Minuchin (1990, p. 57) como “o conjunto invisível de exigências

funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”.

Sua principal tarefa é dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover

sentimento de pertinência aos indivíduos.

O autor não descreve a disfuncionalidade familiar em função do modelo

tradicional da família burguesa. Aborda as funções familiares que são executadas

por meio de diferentes sistemas e esclarece que há uma distinção hierárquica de

poder na família, sendo que os pais devem ocupar um nível diferente em relação ao

dos filhos e enfatiza que a maior autoridade na família deve estar apresentada pelo

subsistema parental.

Disfuncionalidade da família

(Antes) 2: “(…) falta de estrutura familiar, (...) família sem estrutura”.

(Antes) 4: “(…) disparidade na relação familiar social(…)”.

(Antes) 4: “(…) falta de limite devido ao protecionismo da mãe”.

(Depois) 5: “(…) e nos pais que provavelmente não colocaram limites.”.

(Depois) 8: “A maioria dos problemas trazidos para a escola são vivenciados em casa”.

(Depois) 9: “Uma família estruturada poderia ajudar muito”.

Investigação

(Depois) 7: “Sem conhecer direito a família, não sabemos”.

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8.2.1.2 Aluno

O aluno foi o foco do problema em grande parte das respostas tanto antes

como depois do programa. Falta de limites, agressividade e o próprio aluno como

problema foram referidos nos dois momentos de aplicação do questionário.

As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo

conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que

acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução

dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação

do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de

informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma

como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos

e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através

dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos

conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos

(DANTAS, 2009).

Quando os professores identificam o foco do problema localizado no aluno e

atribuem às características destes últimos a origem do problema, constroem rótulos.

Conforme discutimos na abertura desta categoria (Percepção do problema), ao

citarmos Bourdieu (1983), tais julgamentos são construídos a partir de valores e

princípios que se articulam no campo social no qual o professor está inserido.

Os professores, ao incorporarem o conhecimento produzido pelo olhar

especialista desenvolvido, principalmente sobre as influências do movimento

higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e técnicas da

psicometria e da psicologia do desenvolvimento, o comportamento de crianças e

adolescentes passou a ser observado a partir de especificidades elencadas nos

quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou de doença. A utilização do

saber especializado a respeito do comportamento dos alunos pode ser identificada

nas respostas dos professores ao referirem-se a eles como agressivos,

indisciplinados, desrespeitosos, com dificuldade de aprendizado, de atenção ou de

concentração. Isto corrobora com a opinião de Guarido (2011, p. 151) segundo a

qual os professores “foram também chamados a ser extensão do olhar especialista

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na prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151), passaram a identificar disfunções e

orientar familiares na busca de tratamento adequado para os problemas que

ocorriam com os alunos no contexto escolar.

Collares e Moysés (1994) assinalaram que a divulgação crescente das

“patologias” promotoras do fracasso escolar são geralmente mal definidas, com

vagos e imprecisos critérios de diagnóstico, isso traz como consequências a

rotulação de crianças normais, que acabam introjetando essas definições negativas

a cerca de si mesmas.

Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto

imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo

de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa

cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa

sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da

subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas

neuronais articulados que, ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado

de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, afirma que “a suposta eficácia das

medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade

enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTA, 2009, p. 565).

Entre as respostas, os professores citam a falta de interesse do aluno como

um dos fatores geradores do problema. Em um estudo realizado na Argentina, Chile,

Brasil, Bolívia e Paraguai (IBASE; PÓLIS, 2008), o fato de os brasileiros

identificarem que a maior dificuldade em estudar é decorrente da falta de interesse

pessoal dos jovens chamou a atenção dos pesquisadores, pois difere-se

significativamente da opinião dos jovens de outros países. Sobre esses dados, os

pesquisadores ressaltaram que:

É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade (...). Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (IBASE; PÓLIS, 2008, p.9, grifo do autor)

Limite e agressividade

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(Antes) 1: “Falta de limite respeito as regras (...) disperso”.

(Antes) 1: “Indisciplina e Agressividade”.

(Depois) “Aluno indisciplinado (...)”.

(Depois) 4: “Agressividade (...)”.

(Depois) 4: “Indisciplina (...)”.

(Depois) 5: “Indisciplina, desrespeito”.

(Depois) 10: “(...) falta limite. (Des) necessidade de chamar a atenção, agressividade

controlada”.

(Depois) 11: “Aluno indisciplinado”.

(Depois) 12: “Comportamento inadequado(...)”.

O aluno como problema

(Antes) 3: “O aluno Denis”.

(Depois) 4: “(...) jeito de ser do aluno (...)”

(Depois)5: (...) na criança (...) o porque disso não é problema da escola (...) exemplo

tradicional que se tem na escola”.

(Depois) 10: “Adolescente confuso necessitando de ajuda – desestimulado, organização

interior”.

Vitimização

Somente no primeiro questionário foram apontados vitimização e

característica de personalidade como elementos constitutivos do problema.

(Antes) 1: “(...) vítima de agressividade”.

Característica de personalidade

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(Antes) 4: “Mania de perfeição: em função de sua demora para fazer bem feito”.

Dificuldade de aprendizagem, falta de concentração e desinteresse

Os professores referiram-se à dificuldade de aprendizagem, de concentração,

falta de interesse, problemas de socialização e no desenvolvimento, apenas no

último questionário.

(Depois) 2: “(...) algum problema de aprendizagem este aluno deve ter (...)”.

(Depois) 3: “(...) e com baixo rendimento escolar (...) na aprendizagem (...)”.

(Depois) 4: “(...)/dificuldade de concentração (...) falta de concentração/psicológico”.

(Depois) 4: “(...) desatenção”.

(Depois) 7: “ na maioria das vezes isso se justifica porque não encontra atrativo na escola”.

(Depois) 9: “Falta de compromisso escolar”.

(Depois) 10: “Aluno com problema de concentração e (...) No sistema nervoso do aluno”.

(Depois) 10: “(...) desestimulado”.

(Depois) 11: “(...) desinteressado, acredito ter algum problema emocional”.

(Depois) 12: “(...) e aprendizagem deficitária (...)”.

(Depois) 12: “Aprendizagem comprometida”.

As respostas apresentadas acima baseiam-se nos diversos rótulos atribuídos

ao aluno. Diferentemente, a resposta a seguir escrita por um professor no último

questionário aponta um diagnóstico.

(Depois) 10: “TDH - hiperatividade – emocional abalado – cognitivo confuso com dificuldade

- organização espacial. O aluno pode ter TDH, quer chamar a atenção hiperativo e falta de

org (...) desajuste escolar e dificuldade do aluno”.

Identificamos nas respostas dos professores a legitimação das ideias dos

especialistas que apontam o aluno como portador de disfunções neurológicas,

psicológicas e de interações sociais. Se, por um lado, o saber construído na área da

psicologia contribuiu para o desenvolvimento desse olhar avaliativo e diagnóstico

das dificuldades que os alunos encontram no seu processo de aprendizagem - como

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261

nos referimos na introdução desta subcategoria (Alunos) - observa-se hoje um

movimento diferente na área, que questiona a produção indiscriminada de

diagnóstico impreciso, que acaba implementando sobremaneira a utilização de

medicamentos no enfrentamento de problemas escolares.

O Conselho Federal de Psicologia, em uma cartilha que reúne material

construído a partir de discussões inter e intra disciplinares de pesquisadores

interessados pelas questões relacionadas à educação, nacionais e internacionais,

assinalou que no Brasil encontramos um crescente aumento na compra e

dispensação de Cloridrato de Metilfenidato (droga controlada que pode provocar

sérias e inúmeras reações adversas) pelos órgãos públicos como estratégia de

enfrentamento para atenuar os sintomas daqueles alunos que foram diagnosticados

como portadores de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA),

que comumente é acompanhado do diagnóstico de dislexia. Um excessivo aumento

de 1.284% (71.000 caixas em 2000 para 2.000.000 de caixas em 2010 – dados do

Instituto de Defesa de Usuários de Medicamentos - IDUM, 2010) durante cinco anos.

Somado a esse fato, o também crescente número de solicitações para criação de

convênios, serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito

municipal, estadual e federal) para o tratamento dos supostos transtornos indicam

que essa forma de abordar as questões das dificuldades de escolarização apontam

um retorno às concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que

atribuem a indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho

alcançado nesse processo (CRP, 2007).

Socialização e desenvolvimento

(Depois) 3: “(...) e no convívio escolar”.

(Depois) 5: “(...) no aluno que não se socializa e que atrapalha a aula”.

(Depois) 7: “Não gosta de estudar Perdeu dois anos da fase certa para estar na 6ª. série (...)

já está fora da faixa etária para a 6ª. série e ainda por estar no meio de alunos de 11 a 12

anos”.

(Depois) 9: “Pode estar na dificuldade de socialização com os demais alunos, dentro e ou

fora da sala de aula”.

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(Depois) 10: “(...) desajustado na turma (...)”.

8.2.1.3 Sistema educacional

O sistema educacional é referido por um professor na primeira aplicação do

questionário.

Chama a atenção, a reduzida referência do professor ou da escola como foco

do problema ao contrário da maciça menção à culpabilização do aluno. Como

assinalado na subcategoria acima (Alunos), a ideia de interesse no contexto escolar

ser de responsabilidade dos alunos e que a falta dele (interesse) está somente a ele

(aluno) relacionada não se sustenta na educação pós-moderna que, segundo Gadotti

(2003), parte do princípio que antes de conhecer, o homem se interessa em conhecer, e é

desse interesse que se ocupa. O autor, identificando assim o caráter prospectivo do

conhecimento, acrescentou que a educação orientada pelos pressupostos da pós-

modernidade trabalha com o significado, com a intersubjetividade e a pluralidade, e

pretende que os conteúdos sejam focados de forma que sejam essencialmente significativos

para os alunos.

(Antes) 2: “O sistema de ensino hoje não está sendo suficiente para “seduzir” o aluno (...)”.

(Antes) 2: “ No próprio sistema educacional, (...)”.

8.2.1.4 Percepção de múltiplas partes do problema

Na opinião dos professores, a escola, o aluno, família e/ou a sociedade

podem fazer parte do problema e investigar a participação dessas pode ajudar a

identificá-lo.

(Antes) 2: “O problema está no sistema de ensino-familia e no aluno”.

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(Antes) 3: Não dá pra definir ainda temos que fazer uma sondagem com professores pais e

especialista”.

(Depois) 1: “(...) dificuldade de relacionamento.(Pode ser família, Escola ou Sociedade)”.

(Depois) 1: “Acredito estar desmotivado e que na família está do mesmo jeito. Pois vivemos

num mundo capitalista, onde os bens materiais ainda vem na frente da educação”.

(Depois) 3: “Aluno indisciplinado e com baixo rendimento escolar (...) no menino na escola e

no convívio familiar”.

(Depois) 12: “(...) depende tem que ser analizado a criança e a familia”.

8.2.1.5 Percepção integrada das múltiplas causas do problema

A percepção integrada de causas múltiplas, conforme dito acima, requer a

identificação da integração de distintas partes implicadas na constituição do

problema, o que só apareceu na resposta de uma participante na aplicação do

último questionário. Cabe observar que essa pedagoga e professora esteve

presente em todos os encontros.

(Depois) 6: “ A agressividade, a falta de concentração comprometem o rendimento escolar

do aluno. A tendência de muitos é pensar que a culpa é do aluno e de sua família, mas

independente do que gerou essa situação, o importante é que o problema seja resolvido.

Para que isso aconteça, é fundamental uma ação conjunta da família, escola e outros

profissionais”.

(Depois) 6: “O aluno está em uma série que não corresponde à sua idade cronológica e está

vivendo um momento em que necessita de autoafirmação. Deve ser mais velho que a

maioria de seus colegas; isso pode contribuir para seu desinteresse e indisciplina,

explicando também sua liderança. Como seu rendimento e de seus colegas pode ficar

comprometido, é importante uma ação conjunta entre família, escola e outros profissionais”.

Como nos referimos no início da categoria “Percepção do problema”, esta

subcategoria pode ser compreendida como uma percepção sistêmica que, segundo

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Morin (2003), não se opõe ao pensamento simplificador, porém o integra, é capaz de

unir a simplicidade à complexidade, denota o pertencimento ao metasistema ao qual

se integra sem desconfigurar sua própria simplicidade. O paradigma da

complexidade “obriga a separar e reduzir; (...) ordena reunir e distinguir (MORIN,

2003, p.75).

Esta compreensão mais abrangente dos eventos contribui para a criação de

ambientes favoráveis à saúde, que, com o reconhecimento das características

complexas da sociedade, tornam imprescindível a consideração dos elementos que

ligam a população ao meio ambiente. As relações estabelecidas entre indivíduos,

comunidades e meio ambiente podem resultar no encorajamento da ajuda mútua

tanto no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo (BRASIL, 2002, p.

22).

8.2.2 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema

familiar

Para identificar crenças dos professores sobre a maneira como a família

deveria participar da resolução do problema, questionamos o que deveria ser feito,

como e quem estaria envolvido nessa resolução. A partir dessas respostas, foram

identificadas três categorias: ações do sistema familiar, justificativa das ações do

sistema familiar e envolvidos no procedimento.

8.2.2.1 Ações do sistema familiar

Para os professores a atuação da família diante do problema apresentado

pelo aluno requer que esta exerça adequadamente sua função cuidadora, faça uma

investigação e busque ajuda de profissionais e especialistas. Nesse aspecto não

houve diferença entre as respostas do primeiro e do último questionário.

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Tomando Bourdieu (1998) como referencia, entendemos que o exercício

adequado da atuação da família está relacionado aos princípios e valores

articulados no campo social em que os professores se desenvolvem enquanto

pessoas. Pertencentes, geralmente, à classe burguesa executiva, os professores

acreditam que as estratégias escolares desenvolvidas pelos pais dos alunos dos

casos apresentados são pouco eficientes. Esse julgamento está baseado na

comparação que esses professores fazem sobre as estratégias escolares sem

considerar as especificidades sociais, econômicas e culturais da família.

Nas respostas dos participantes ficou implícito que os professores contam

com a participação da família para a conclusão de ações pedagógicas. Sobre isso,

Bourdieu (1998) refere que as ações pedagógicas realizadas de forma igualitária

tendem a reproduzir e legitimar as desigualdades preexistentes, uma vez que nem

todos detêm os instrumentos de decodificação dos códigos linguísticos dessa ação

comunicativa. Para uns, a cultura escolar soaria como uma cultura “natal”, para

outros como uma cultura “estrangeira”, demandando neste segundo caso intenso

esforço para efetivar essa interação.

As ações que os professores esperam que a família execute em relação aos

filhos estão de acordo com o que Minuchuin (1990) propõe sobre as funções

desempenhadas pelo sistema familiar, em que cabe à família tanto proteger seus

membros quanto habilitá-los para a interação com o meio social. Segundo o autor, o

funcionamento adequado do sistema familiar seria alcançado a partir de interações

flexíveis entre os subsistemas, organizados hierarquicamente, e cabendo ao

subsistema parental ocupar a posição de maior poder na família. Tal idéia é

reproduzida pelos professores quando afirmam que os pais devem dialogar, colocar

limite, orientar, estabelecer regras e obrigar a serem cumpridas, além de definir

valores.

Função cuidadora

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Na expectativa dos professores, cabe aos pais orientar o filho, estabelecer

limite, dialogar, proporcionar atividade esportiva, ser exemplo, aplicar punições e

acompanhar a realização das atividades escolares.

(Antes) 2: “Impor limites, ter diálogo – respeito – valorização”.

(Antes) 3: “(...) formar rede manter mesmas regras”.

(Antes) 4: “Participar ativamente de todo o processo educacional, integrando-se a escola”.

(Antes) 4: “(...) a mãe deveria matricular o filho em outro colégio ou a mãe lecionar em outro

colégio ou em turnos diferentes, (...)”.

(Depois) 4: “Acompanhamento diário. (...) ajudar na organização do material e dos

conteúdos”.

(Depois) 4: “Ajudar no aprendizado do aluno e tentar descobrir a origem da indisciplina”.

(Depois)5: “Colocar regras, normas e obrigar serem cumpridas. (...) coloca-se regra (pacto),

se não cumprir merece castigo”.

(Depois)5: “Dar educação com exemplos. (...) pais ensinando e fazendo o que é certo”.

(Depois)6: “Em casa, a criança precisa de orientação e atribuição de responsabilidades, a

fim de que melhore sua organização. É importante também que ele ocupe parte do seu

tempo com alguma atividade física que goste muito”.

(Depois)8: “Familia participar mais da vida escolar. Trabalhar e resgatar valores”.

(Depois)10: “A família tem que se envolver mais”.

(Depois)10: “Entende-lo e conversar muito (...) mas precisa de ajuda para se concentrar nas

atividades e limites para respeitar os outros”.

Investigar

Investigar a causa do problema para se chegar a um diagnóstico é uma das

tarefas que a família deve ter diante do problema do aluno, segundo os professores.

Esse tipo de expectativa dos professores parece ser pautada pelos

pressupostos positivistas da ciência que, com o propósito de compreender o mundo

e seu funcionamento, através de seu método passou a analisar separadamente as

partes dos todos complexos, na busca de evidenciar claramente a causa de cada

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fenômeno abordado. Instalou-se “a fragmentação do objeto de estudo, a

compartimentação dos campos do saber, as especializações” (VASCONCELLOS,

2006, p.78).

Nos primórdios da promoção de saúde, o saber especializado, centrado no

indivíduo, focalizando eventualmente a família ou grupos sociais, passou a buscar o

entendimento sobre os agentes causais e os fatores de risco das doenças. O

resultado desse processo viabilizou o desenvolvimento de sofisticadas técnicas de

exames complementares que programaram o aperfeiçoamento das ações

preventivas com base no diagnóstico precoce (BUSS, 2000). Nesse sentindo, com o

intuito de combater o problema enfrentado pelo aluno na escola, descrito nos casos

avaliados pelos professores, estes indicaram que investigar o problema deve ser

uma ação desempenhada pela família.

(Antes) 1: “Investigar o porque desta atitude do aluno”.

(Antes) 1: “Descobrir a causa dessa agressividade”.

(Depois) 3: “(...) Questionários sobre como é a convivência, através de reuniões.”

(Depois) 6: “Sempre é importante investigar se não há um problema físico causador da

desatenção (pode ser um problema auditivo, visual, neurológico, etc.)”.

(Depois) 7: “ Deve se fazer uma sondagem, escola família. Tentar detectar as causas desse

comportamento. (...) Uma parceria escola família para ajudar a criança temos que ouvir as

partes interessadas”.

(Depois) 9: “Estando atenta se seu comportamento é o mesmo em casa com vizinhos,

parentes, etc.”.

Buscar ajuda de especialista

A ideia de que a família deve buscar ajuda de um profissional especializado

foi amplamente assinalada nas respostas dos professores tanto antes como depois

da intervenção.

(Antes) 3: “Parceria c/ escola, e acompanhar, buscar ajuda especialista (...)”.

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(Antes) 3: “Procurar ajuda com os órgãos competentes (...) Envolvimento pleno da família e

escola”.

(Depois)1: “Pessoas especializadas para resolver o problema (Psicólogas ...)”.

(Depois)2: “A família, primeiramente, deveria procurar um médico, fazer exames

laboratoriais, de visão e audição, para descartar a possibilidade de problemas físicos pois

persistindo uma psicopedagoga precisa ser procurada”.

(Depois)2: “A família,deva procurar um médico e fazer exames laboratoriais, de visão e

audição, para depois procurar um psicopedagogo (...)”.

(Depois)3: “Levar a especialistas – neurologista; psicólogo; psicopedagogo; exames –

visuais; audiométricos; neurológicos; pedagógicos”.

(Depois)3: “(...) Levar a especialista para exames diversos que auxiliarão num possível

diagnóstico (...) relatórios, questionários, exames, reuniões”.

(Depois)11: “Procurar ajuda medica para medicar. Talvez clinica neurológica ou psicológica.

A família deveria fazer o encaminhamento”.

(Depois)11: “A família deveria procurar ajuda psicológica”.

(Depois)12: “Procurar profissionais que propiciem o entendimento do problema e como

resolve-los”.

O encaminhamento da família ao especialista está congruente com o discurso

pedagógico de caráter normatizador, que valida o saber especializado sobre a

criança. De acordo com Guarido (2011), a autoridade familiar foi sendo substituída

pela autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a

educação.

Com o aumento do número de encaminhamento de aluno para especialista, o

que vem sendo abordado por distintos estudiosos, a saber: Mannoni (1988), que

criticou a pedagogia, seus efeitos excludentes e o poder técnico do trabalho com

crianças institucionalizadas, que acabam por preservar as práticas de ensino

inadequadas; as reflexões de Patto (2000) sobre a produção do fracasso escolar

como consequência da discriminação das classes trabalhadoras, justificada pelo

discurso psicologizante que culpabiliza as crianças e as famílias pelo

comprometimento da performance do escolar; Moyses e Collares (1997)

ressaltaram a intensidade do discurso médico-especialista na apreciação dos

problemas de aprendizagem e, sob o ponto de vista de transtornos, acaba

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simplificando questões complexas, excluindo a responsabilidade da instituição

escolar na co-construção dessa realidade.

8.2.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar

Na opinião dos professores, a justificativa para as ações que a família deve

realizar está permeada pelo reconhecimento da necessidade de uma compreensão

especializada para o problema, que envolve questões de saúde, desenvolvimento

psicológico, disposições cognitivas. A busca da família pelo diagnóstico foi

ressaltada em todas as respostas à exceção de uma. As respostas foram agrupadas

como orientadas pelo reconhecimento do problema e orientadas pelo

reconhecimento do recurso.

A partir de uma compreensão vaga e imprecisa sobre o problema, os

professores acreditam que a família deve agir no sentido de obter esclarecimento

sobre o que está acontecendo. Esta justificativa foi explorada na subcategoria

acima que explicita a função cuidadora da família (MINUCHIN, 1990).

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema

Houve no primeiro questionário uma resposta que justificou a ação

simplesmente por haver um problema. No último, os professores enfatizaram o

diagnóstico sem finalidade.

Problema requer ação

(Antes) 3: “Porque é um caso diferente”.

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Diagnóstico sem finalidade

(Depois) 2: “ (...) descartar possibilidade de problema físico (...)”.

(Depois)2: “ (...) diagnosticar o seu (do aluno) problema”.

(Depois)3: Exames para detectar se não há problemas psíquicos, neurológicos, ou

pedagógicos. Também observar se não há um problema familiar que influencie na escola”.

(Depois) 7: “(...) para melhor entender essa situação”.

(Depois) 11: “Para descobrir o que esta afetando esse aluno”.

A busca da família pelo saber especializado, o diagnóstico, foi apontada tanto,

quando os professores identificam apenas o problema, como quando identificam os

recursos da família. Ao identificarem apenas o problema, os professores acreditam

que a família deve providenciar a elaboração do diagnóstico. Ao identificarem os

recursos, os professores ressaltam, além do diagnóstico, a necessidade de

providenciar também o tratamento.

Tais justificativas em nosso entendimento se relacionam com o que Collares e

Moysés (1994) afirmam sobre as transformações que ocorreram no contexto da

escola que passou de um espaço saudável, voltado para a aprendizagem, para um

espaço clínico direcionado para erros e distúrbios.

Guarido (2007), dando uma dimensão histórica desse processo, assinalou

que a formação do campo escolar, a partir da modernidade, se fundamentou na

organização da atuação de especialistas e do Estado sobre a educação das

crianças. Segundo ele,

Se até o início do século XX a criança é basicamente objeto da pedagogia, é nesta que os primeiros médicos dedicados a enfrentar os problemas graves do desenvolvimento infantil vão encontrar parceria fértil para propor formas de tratamento a essas crianças. (...) o campo de tratamento da criança se instala imbricado a certo ideal de educação do início do séc. XIX. (...) o domínio do saber sobre a criança passa cada vez mais do universo pedagógico ao universo médico-psicológico (GUARIDO, 2007, p. 155).

A autora assinalou que a medicalização tem sido um dos caminhos mais

rápidos e eficientes no enfrentamento do sofrimento psíquico e dos problemas que

emergem em nosso dia a dia. Ressaltou que tanto o uso abusivo de medicamentos,

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quanto o crescente uso indiscriminado de psicofármacos estão relacionados com a

busca de soluções técnicas para a eliminação dos desconfortos e inquietações

frente à cobrança social de um estado de assertividade e felicidade constante que

está atrelado às noções de status e sucesso difundidos em uma sociedade

capitalista.

Nessa mesma linha de pensamento, Dantas (2009) apontou que em nossa

sociedade são fabricadas receitas para tratamento dos sofrimentos humanos sem

levar em conta o contexto turbulento em que as relações sociais acontecem,

(...) como uma resposta quase que obrigatória e exclusiva em busca da solução mais rápida que nos traga o tão almejado bem-estar. São substâncias artificiais que com suas inúmeras promessas nos oferecem nada menos que soluções também artificiais e paliativas para o bom viver na atualidade. Em busca de alívio, cura e conforto, nos privamos daquilo que seria originalmente humano: angústia, culpa, vergonha, tristeza, frustração e consciência de si (DANTAS, 2009, p.578).

Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto

imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo

de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa

cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa

sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da

subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas

neuronais articulados que, ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado

de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, “a suposta eficácia das

medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade

enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTAS, 2009, p. 565).

Finalmente Luz (1998) argumentou que a expressão medicalização do corpo

social pode estar relacionada tanto à forma pela qual a evolução da tecnologia vem

imprimindo transformações sobre a prática da medicina, através da influência da

indústria farmacêutica e de equipamentos médico e das inovações diagnósticas e

terapêuticas, quanto às consequências envolvidas no jogo de interesses que

envolvem a produção do ato médico.

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso

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Em ambos os questionários, a família como responsável pela solução e a

realização do diagnóstico com uma finalidade foram as justificativas citadas quando

orientadas pelo reconhecimento do recurso. No primeiro questionário, porém, a

finalidade do diagnóstico foi inespecífica e no último teve como objetivo reduzir a

agressividade, indicar medicalização ou apontar outras soluções.

Hoyweghen (1976), ao abordar a questão da medicalização na sociedade

ocidental contemporânea, ressaltou a importância em considerar a utilização

desmedida dos serviços médicos compatível com a atitude consumista dos

indivíduos na atualidade. Ressaltou o autor que, embora integrados ao processo da

medicalização, os médicos não mais atuam como principais impulsionadores desse

processo que, ainda que, o centro de definição da medicalização se situe dentro da

medicina, fatores de mercado, como o marketing para o cuidado com a saúde, dos

produtos de biotecnologia e dos produtos farmacêuticos, vão despontando como os

atuais propulsores da medicalização da sociedade. O autor enfatizou que o consumo

de medicamento está diretamente relacionado ao desejo humano de estar bem, e

que é esse desejo, mediado pelos demais indivíduos e pelo meio cultural, que

precisar ser analisado e compreendido à luz da sociologia.

Família é a responsável pela solução

(Antes) 2: “Porque a família é a referencia para todo o processo”.

(Antes) 4: “... para o aluno não se sentir protegido com a mãe por perto”.

(Depois) 5: “ Porque eles são os pais e tem esse dever”.

(Depois)5: “É o melhor caminho”.

(Depois)9: “(...) a família tem mais tempo de convívio”.

Diagnóstico com finalidade

(Antes) 1: “Descobrindo a causa podemos lidar com o efeito”.

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(Antes) 3: “Para resolver a situação (...)”.

(Depois)3: ”Para evitar diagnósticos escolares sem exames extras”.

(Depois) 4: “Para ver o rendimento/desenvolvimento”.

(Depois)6: “Isso costuma contribuir para redução da agressividade”.

(Depois)10: “(...) para ajudá-lo nas suas dificuldade”.

(Depois)11: “Para medicar”.

8.2.2.3 Os envolvidos no procedimento

A maioria das respostas dos professores no primeiro e no último questionário

apontou a família, juntamente com outro sistema social, como a escola ou os

especialistas como os envolvidos no processo de solução do problema. A visão de

que a família é a única responsável também foi citada por alguns participantes nos

dois momentos de aplicação do questionário.

Família e outros sistemas sociais

Ao identificarem diferentes subsistemas envolvidos na solução dos

problemas, os professores estariam se orientando por uma visão sistêmica do

problema que, segundo Morin (2003, p. 265), exprime:

(...) a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e a parte (...); conjunto das relações que se efetuam e se tecem num sistema; (...) o caráter constitutivo dessas interações - aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à ideia de sistema a sua coluna vertebral.

Destacamos que os professores em suas respostas assinalam aquilo que,

nas palavras de Sluzki (1997), se constituiria no sistema determinado pelo problema

em que uma conversação produzida por um sistema sobre um problema (descrição

consensual do que constitui um problema e as soluções possíveis) consolida o

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sistema e o mantém em funcionamento. O autor utilizou como exemplo a rede

constituída pelos pais, professora e diretora da escola, que definiram o

comportamento hiperativo de uma criança como rebelde ou bobo e assinalou que,

ao estabelecerem uma rede que concorda com a descrição do problema, conformam

um sistema determinado pelo problema. Esclarecemos que nas respostas não

houve referência da função construtiva da interação entre os indivíduos implicados

na resolução do problema, mas está explicita a identificação dos indivíduos que

devem estar envolvidos nesse fazer.

(Antes) 1: “Os pais, a família e a escola”.

(Antes) 1: “Através do dialogo escola-familia-aluno”.

(Antes) 2: “Quem deveria estar envolvido seria a família com ajuda de um profissional

(psicóloga).

(Antes) 3: “Família/Especialista/Escola”.

(Antes) 3: “Família e escola”.

(Antes) 4: “Família, escola”.

(Depois) 1: “Todos estão envolvidos. (Pode ser família, Escola ou Sociedade)”.

(Depois) 2: “Tanto família, quanto escola (prof./coord.) deverão estar envolvido neste

tratamento e acompanhar este aluno”.

(Depois) 3: “Família atuante (participativa), posteriormente escola (sua equipe).”

(Depois) 3: “Família, equipe escolar, especialistas”.

(Depois) 4: “Família e equipe pedagógica”.

(Depois) 4:“Escola/família/conselhos psicológicos”.

(Depois) 6: “(...) é fundamental uma ação conjunta da família, escola e outros profissionais”.

(Depois) 6: “Os profissionais que com ele trabalham e sua família devem fazer o mesmo”.

(Depois) 7: “Família escola”.

(Depois) 10: “A escola e a família juntas”.

(Depois) 10: “Todos a sua volta professor pais”.

(Depois) 12: “Familia, coordenação pedagógica, professores envolvidos e a criança”.

(Depois) 12: “Escola/profs/pedagogo, família e adolescente”.

Família

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Também encontramos nas respostas uma percepção que, em nosso

entendimento, é fruto de uma visão linear da realidade, que, conforme Vasconcellos

(1995), Morin, (2003) e Capra (1987), se mostra insuficiente para promover a

compreensão e o enfrentamento de problemas que se mostram tão complexos.

(Antes) 4: “(...) mãe (...) filho”.

(Depois) 5: “Principalmente família”.

(Depois) 5: “Família”.

(Depois) 9: “A família”.

8.2.3 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema

escolar

Ações do sistema escolar, justificativa dessas ações e envolvidos no

procedimento foram as categorias que permitiram acessar o que os professores

pensam a respeito do seu papel e do sistema em que estão inseridos para a

resolução do problema do aluno.

8.2.3.1 Ações do sistema escolar

Na percepção dos professores, as ações desenvolvidas pelo sistema escolar

se referem a: investigar o problema, encaminhar a especialista, acompanhar o

aluno, orientar ou cobrar o envolvimento dos pais, orientar os professores, aplicar

ações inespecíficas, disciplinares e integradas.

O número de ações do sistema escolar foi menor entre as respostas dos

participantes no primeiro questionário, quando comparado às do segundo. Os

professores do primeiro apontam: investigação sem função específica, orientação

aos pais, sejam impositivas ou ponderadas e ações inespecíficas. No último

questionário, há respostas em todas as subcategorias à exceção de ações

inespecíficas. Nessa mesma linha, as respostas do primeiro questionário foram

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curtas e diretas, enquanto às do último, mais completas e explicativas, sugerindo

maior dedicação do professor ao responder. Pode ser que a participação no

Programa de Promoção de Saúde na Escola tenha possibilitado a eles ampliar as

suas possibilidades de ação e comprometer-se com a reflexão sobre as ações do

sistema escolar.

Outra mudança, agora em relação às categorias de percepção do problema e

de ações do sistema familiar, foi que nesta categoria, os professores demarcaram a

interação entre a escola e a família nas ações, o que os colocou como participantes

ao invés de avaliadores ou culpabilizadores.

Nas categorias anteriores sobre percepção do problema e ações do sistema

familiar, assim como nas categorias levantadas na análise das respostas dos pais,

ficaram mais explícitos os conceitos Bourdieu (1983) do arbitrário cultural e da

violência simbólica, conforme já apontado ao longo do texto. As respostas

elaboradas após a participação no Programa, indicaram algo diferente, identificamos

um discurso em que os professores passaram a se ver como participantes. Ao ler as

respostas, é possível observar que o julgamento, dá lugar à interação, à parceria

entre pais, alunos, professores e profissionais especializados. Ainda que o

conhecimento técnico, especializado, que se soma a seu capital cultural, próprio do

seu campo social de classe média, descrita por Bourdieu (1983), esteja presente nos

comentários dos professores, observamos um posicionamento diferente.

Nesse sentido, nos cabe questionar o que tornou essa percepção possível

entre os professores. Será que a participação num Programa que se propôs dar voz

e espaço a eles e mostrar aspectos pouco reconhecidos anteriormente a respeito da

família do aluno colaboraram com essa mudança? Podemos inferir que de alguma

forma tenha colaborado na medida em que a interação dos participantes com a

pesquisadora promovendo o acesso a novas formas de abordar o problema escolar

pôde movimentar e transformar a compreensão e a perspectiva de ação do

professor.

A mudança a partir da interação pode ser compreendida apoiada nos

pressupostos da construção intersubjetiva da realidade. Segundo Anderson e

Goolishian (1991), os sistemas humanos como sistemas linguísticos, que, por deter

características relacionais, recursivas, são geradores de significados que emergem

constantemente como uma rede fluida de ideias interatuantes e ações correlatas.

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Os autores utilizam uma concepção de linguagem como parte integrante do

processo humano criativo de interagir com a realidade, que permite o contato

significativo entre os seres humanos, tornando possível o “compartilhar” da

realidade. A linguagem, definida como ferramenta humana de utilização especifica,

só pode ser compreendida no contexto em que é produzida, pois “existir na

linguagem” significa existir em um processo de criação social de realidades

intersubjetivas que os seres humanos compartilham entre si em um determinado

tempo.

A linguagem foi abordada por Matura e Varela (2001) a partir de uma extensa

observação do ato comunicativo que se destacaram desse evento, ou seja, a

coordenação de coordenação de comportamentos entre os organismos envolvidos

por meio de uma acoplagem estrutural mútua. Observaram que as interações

recorrentes entre os organismos mobilizavam mudanças estruturais simultâneas –

uma coordenação de coordenações de comportamentos. Tais coordenações

coordenadas emergem em um fluxo contínuo de fazeres e de emoções que ganham

existência no viver juntos na linguagem. Assim, na perspectiva dos autores, a vida

se desenvolve permeada por conversações, a existência humana ocorre inserida em

um contínuo fluir de linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo

sentido e significados aos eventos.

A vida e a atuação humana se dão em um mundo que é definido por meio das

descrições que ocorrem nas interações, em linguagem, ou seja, vivemos e atuamos

socialmente em um multiverso de mundos descritos. Assim, toda ação humana se

dá na linguagem e toda ação na linguagem traz consigo o mundo criado a partir de

uma relação com os outros.

Investigação

Investigar o problema foi citado de forma isolada no primeiro questionário e

associado ao encaminhamento a especialista e/ou acompanhamento do aluno ou da

família, no último.

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A ação de investigar pode ser compreendida como compatível com as

características da pedagogia tecnicista descrita por Saviani (2008), em que nem o

professor nem o aluno são reconhecidos como elementos principais no processo de

ensino. Este lugar de destaque é ocupado pelo especialista, supostamente

habilitado, neutro, objetivo e imparcial, capaz de conceber, planejar, coordenar e

controlar todo o processo.

Investigar sem função específica

(Antes) 1: “Conhecer bem o aluno (...) observa-lo”.

(Depois) 8: “ Identificar o problema, conversar com pais e com a criança”.

Investigar e encaminhar

(Depois) 12: “Conversar com pais para saber como é a família em si, seus relacionametos e

encaminhamentos necessários”.

(Depois) 12: “Conversar com o adolescente e família (...) aconselhar a procurar profissionais

especializados”.

Investigar e acompanhar

(Depois) 7: “Deve se fazer uma sondagem, escola família. Tentar detectar as causas desse

comportamento. (...) A escola faz acompanhamento, conversa 1º com a criança depois com

os pais”.

(Depois) 7: “Chamar a família para ver se existe algum problema em casa. (...) resolver o

problema de imediato chamando os pais”.

(Depois) 10: “Investigar e conversar com os pais e se possível psicóloga para ajudar esse

aluno a se organizar”.

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A ação de investigar e acompanhar citada acima, assim como a de orientar os

pais referida abaixo, fundamenta-se, de acordo com Guarido (2011), nos princípios

do movimento higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e

técnicas da psicometria e da psicologia do desenvolvimento. A autora assinalou que

o comportamento de crianças e adolescentes passou a ser observado a partir de

especificidades elencadas nos quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou

de doença). Os professores “foram também chamados a ser extensão do olhar

especialista na prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151), passaram a identificar

disfunções e orientar familiares na busca de tratamento adequado para os

problemas que ocorriam com os alunos no contexto escolar.

Orientação aos pais

A necessidade de orientação aos pais sobre o problema do aluno foi citada

pelos professores em ambos os questionários como uma ação que deveria ser

realizada pela escola. A orientação se apresentou segundo duas características:

uma impositiva, indicando o que deveria ser feito, e uma ponderada, que sugeria

uma direção e promovia uma reflexão.

Talvez a orientação aos pais possa ser justificada pelo discurso pedagógico,

que, segundo Guarido (2001), ganhou caráter normatizador, de validação do saber

especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo substituída pela

autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a

educação, das crianças e adolescentes.

Impositiva

(Antes) 1: “Conversar com o aluno com os pais, mostrar que ele está errado, que deve

mudar”.

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(Depois) 3: “Conscientizar a família e induzi-los a importância de realizar os exames e o

contato com especialista (...) Avisar que o menino estaria passando por um processo

avaliativo com diversos profissionais (...) relatório do comportamento e aprendizagem do

menino”.

Ponderada

(Antes) 3: “Orientar a família a procurar ajuda (...) ficar bem atenta (...)”.

(Antes) 4: “Estimular, motivar a participação dos pais (...) por meio de diálogo e atividade

escolar (...).

(Antes) 4: Conversar com a família, especialmente a mãe a respeito dessa relação de

protecionismo”.

(Depois) 2: “A escola precisa acompanhar, cobrar da família o encaminhamento ao medico,

e /ou psicopedagogo”.

(Depois) 11: “Orientar os pais que o filho precisa de ajuda (...) a escola ajuda nesse

encaminhamento”.

(Depois) 11: “Chamar os pais e ajuda-lo no encaminhamento a um profissional da

psicologia, após conversar com aluno e familia”.

Acompanhamento do aluno e cobrança dos pais

A ação de acompanhar o rendimento escolar do aluno e comunicar aos pais

seu desempenho cobrando cooperação e/ou encaminhamento, foi uma ação que os

professores apenas se referiram no segundo questionário.

(Depois) 4: “Acompanhar o rendimento junto com a família (...), levar todas as informações

da vida escolar do aluno e cobrar dos pais cooperação máxima”.

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(Depois) 4: “Conversar com o aluno, encaminha-lo à psicólogo, mostrar seu rendimentos

aos país (...) com a ajuda de psicólogos e também acompanhamento dos pais sobre a vida

escolar do aluno”.

Orientação aos professores

Apenas no último questionário respondido pelos professores, foi ressaltado

que a escola deve orientar os professores quando um aluno estiver passando por

processo avaliativo.

Ao tomarmos a escola como um subsistema social integrado pelos indivíduos

que fazem parte desse sistema maior, entendemos que a orientação ao professor

propõe uma interação no próprio sistema escolar, diferentemente das outras ações

que aparecem dirigidas à família ou ao aluno.

(Depois) 3: “Avisar os professores que o aluno estaria passando por um processo avaliativo.

(...) relatórios constantes”.

Ações inespecíficas

As ações inespecíficas foram citadas somente no primeiro questionário, e

indicaram a oferta de atividades no contra turno escolar.

(Antes) 2: “ Oferecer atendimento diferenciado para o aluno (contra-turno)”.

Ações disciplinares

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As ações disciplinares,referidas apenas no último questionário sobre tal,

sugeriam a imposição de regras e a punição para o não cumprimento delas.

(Depois) 5: “Fazer ele obedecer às normas, caso não siga regras à castigo (...) conversar e

estabelecer regras e sansões caso não se cumpra(...)”.

(Depois) 5: “ Estabelecer regras (...) cumprir as regras”.

Ações integradas

Mesmo já tendo escrito no início da subcategoria ações do sistema escolar

que houve mudança a partir da participação dos professores no Programa, vale aqui

retomar essa informação. Observamos uma transformação significativa entre a

ausência inicial e a presença na última aplicação do questionário de referência a

ações que ocorrem nas interações dentro do sistema escolar e dele com outros

sistemas sociais: ora focando a relação entre professor e aluno, ora enfatizando

ações governamentais e comunitárias.

Essa apreciação é compatível com a visão sistêmica de realidade na medida

em que reconhece os elementos que integram o sistema escolar, as interações que

eles estabelecem entre si e com o meio social. Segundo Capra (1987, p.259, 260)

esta visão:

(...) baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. (...) vê o mundo em termos de relações e de integrações. Os sistemas são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. (...) enfatiza princípios básicos de organização.

Relação entre professor/aluno

Aquelas questões que focaram a relação entre professor e aluno propuseram

que o professor esteja atento ao aluno, incentive, elogie e promova a integração

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deste com os demais, atue no sentido de transformar a situação disfuncional em

possibilidade de desenvolvimento, propicie oportunidade para que o aluno expresse

seus desejos e necessidades, ministre aulas mais interessantes, esclareça os

direitos e deveres do aluno.

Tais ações são compatíveis com o pensamento pedagógico da pós-

modernidade, descrito com Gadotti (2003), em que a educação é orientada pelos

pressupostos que trabalham com o significado, com a intersubjetividade e a

pluralidade, e pretende que os conteúdos sejam focados de forma que sejam

essencialmente significativos para os alunos. Opera a partir da noção de poder local,

de grupos pequenos, valorizando o imediato, a intensidade, o movimento, a relação,

o envolvimento afetivo, a solidariedade e a autogestão. Focaliza temas relacionados

ao belo, à alegria, à esperança, ao ambiente saudável. Orienta-se pelo conceito-

chave da equidade e seu pressuposto básico é a autonomia, ou seja, a capacidade

de cada individuo em se auto-gerir.

A educação pós-moderna parte do princípio segundo qual antes de conhecer,

ser humano se interessa em conhecer, e é desse interesse que se ocupa,

identificando, assim, o caráter prospectivo do conhecimento. Nas respostas abaixo

pode se observar a inclusão do professor na construção de um contexto que

desperte o interesse do aluno.

(Depois) 6: “Pela sua falta de concentraçao, é importante uma atenção especial do

professor, que deve intervir um maior numero de vezes incentivando-o a realizar as

atividades propostas e encontrando espaço para dialogar com o aluno. (...) a cada avanço o

aluno deve ser elogiado, e em momento de conflito, vale a pena tentar direcionar a sua ação

para outra situação. Atividades que contribuam para sua socialização devem ser

propiciadas. (...) o acompanhamento de um psicólogo é importante (...)”.

(Depois) 6: “Sempre é importante investigar se não há um problema físico causador da

desatenção (pode ser um problema auditivo, visual, neurológico, etc.). Várias oportunidades

devem ser dadas para que o aluno expresse o que sente e o que precisa. (...) Em relação à

sua desorganização e desatenção, precisa ser feito o mesmo que no caso anterior. É

importante proporcionar atividades em grupo nas quais ele possa exercer sua liderança,

possibilitando-lhe inclusive ser o aluno representante da turma”.

(Depois) 8: “Aulas mais interessantes para despertar o interesse”.

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(Depois) 9: “Conversas, mudança de sala, atividades que valorizam o individiduo,

estratégias com conteúdo de seu interesse, que possa integralo de maneira lúdica. Poderia

atribuir-lhe deveres (responsabilidade) com grupo realizando e cobrando tarefas”.

(Depois) 9: “Atividades ao ar livre recreativas/educacionais podem ajudar. Trabalhar junto

com a família tentando identificar a causa do comportamento”.

(Depois) 10: “1º. conversa para tentar ajudá-lo, 2ª. limite, dizer (deixar claro) (organizar seus

deveres e direitos)”.

Ações governamentais e comunitárias

Influenciada pelo princípio da intersubjetividade, a educação neste século tem

como traço mais original “o deslocamento da formação puramente individual do

homem para o social, o político, o ideológico” (GADOTTI, 2003, p. 269). A fim de

ampliar as possibilidades dos recursos profissionais e físicos e a mudança de hábito

de leitura, os professores citam a necessidade de ações governamentais e

comunitárias direcionadas à escola e à família.

(Depois) 1: “Ter um numero maior de profissionais nas diversas áreas, envolvimento de

todas à comunidade (...) + Pessoas especializadas + participação ativa da comunidade +

locais e horario de estudo + salas com menos alunos + ações governamentais”.

(Depois) 1: “Locais apropriados e horários flexíveis, incentivo da leitura desde os pais,

escola, sociedade ...ampliar horário e diversos curso: artes, musica, laboratórios, esportes,

hortas (...)”.

(Depois) 5: “ (...) acredito que é possivel trabalhar com esse tipo de aluno, mas não em uma

turma super lotada, como sempre acontece”.

8.2.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar

Dois critérios nortearam as justificativas para as ações do sistema escolar, na

visão dos professores: ações orientadas pelo reconhecimento do problema e

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orientadas pelo reconhecimento do recurso. A partir desses critérios, identificamos

algumas crenças desses profissionais.

Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema

Entre as respostas orientadas pelo reconhecimento do problema do aluno

como justificativa da ação, as do primeiro questionário sobre tal trazem uma

conotação de responsabilização, seja do aluno, seja dos pais. Após o Programa de

Promoção de Saúde na Escola, as resposta com este foco ressaltaram o dever da

escola de compreender o que está acontecendo e fazer cumprir regras. Observamos

que, após a intervenção, a responsabilização ficou ausente e deu lugar à

participação da escola, ainda que focando o problema.

Assinalamos que as justificativas dos professores nos dois momentos foram

elaboradas, em nosso ponto de vista, a partir de um pensamento compatível com o

paradigma tradicional de ciência que, segundo Morin (2003), desenvolveu-se

apoiada no princípio da objetividade, tornando a realidade passível de ser

compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada, disjuntiva, reducionista, em

que os problemas são fracionados assim impossibilitando qualquer reflexão de uma

perspectiva multidimensional.

Ainda que numa visão lógica, linear, após o Programa, os professores

apontaram mais um responsável pelo problema e, nessa medida, também

responsável pela solução.

O aluno é o responsável pelo problema

(Antes) 1: “(...) Conhecer bem o aluno para saber o seu limite”.

A família é a responsável pelo problema

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(Antes) 4: “(...) pois eles (os pais) são os primeiros responsáveis e as possíveis origens dos

problema(...)”.

A escola é a responsável por investigar o problema do aluno e fazer cumprir regras

(Depois) 3: “Os professores também poderiam contribuir na investigação da causa do

problema”.

(Depois) 5: “Porque vivemos em sociedade e temos normas para seguir. (...) Para conseguir

ensino de qualidade”.

(Depois)7: “Porque é o papel da escola”.

(Depois)7: ”Porque a escola tem que fazer esse tipo de sondagem (...) porque 1 aluno na

maioria das vezes atrapalha sala toda deixa alunos professores todos da escola em

pânico”.

(Depois)12: “Entender o porque de tal comportamento”.

Percepções orientadas pelo reconhecimento do recurso

A análise das justificativas para ação nos permitiu identificar nas duas

aplicações dos questionários as seguintes crenças: o aluno tem recursos para

superar o problema e a atenção do professor ao aluno pode mobilizar esses

recursos. Os recursos familiares só são reconhecidos no último questionário, quando

mencionada a participação dos pais no processo de solução do problema do aluno.

O aluno tem recursos

(Antes) 3: “(...) ele tem que ser valorizado no que apresenta de bom”.

(Antes) 4: “(...) para o aluno não se sentir protegido com a mãe por perto”.

(Depois)10: “(...) descobrir como esse aluno adquire conhecimento”.

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