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NANCY BENEDITA BERRUEZO BERGAMI
A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A (DES)CONSTRUÇÃO
DA QUEIXA ESCOLAR
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
PUC/ SÃO PAULO
2014
NANCY BENEDITA BERRUEZO BERGAMI
A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A (DES)CONSTRUÇÃO
DA QUEIXA ESCOLAR
PUC/ SÃO PAULO
2014
Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de doutora em Psicologia Clínica, sob supervisão da Profa. Dra. Rosa Maria Stefanini de Macedo e apresentada à Comissão Julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
BERGAMI, N. B. B. A promoção da saúde e a (des)construção da queixa escolar. São Paulo, 2014. Tese – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP - Doutorado em Psicologia Clínica 1. Promoção de saúde. 2. Queixa escolar. 3. Pensamento Sistêmico. 4. Escola. 5. Família.
Banca Examinadora
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Nota: _________________
Data: _________________
A Deus – Criador.
A meu pai Benedito Bergami – o chão.
A mãe, Antonia – a determinação.
A tia Amélia – a direção.
Aos filhos amados: Lucas e Thomas - o caminhar.
A todos os alunos que encontram dificuldades no processo de
escolarização. A seus familiares e a seus professores.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida, pela família, pelos amigos, pelas oportunidades de
conhecer e fazer escolhas.
À profa. Dra. Rosa Maria Stefanini de Macedo agradeço por mais essa
oportunidade de aprender e crescer. Agradeço pela disposição impar em ensinar, pela
confiança, pelo respeito e acima de tudo pelo exemplo sensível, firme e construtivo de
ser e estar nas interações que envolvem o processo de ensinar e aprender – a vida.
Às Profas. Dra. Mary Okamoto, Dra. Mariane Feijó e Mathilde Neder, pelas
valiosas orientações na banca de qualificação.
Meu carinho e admiração às professoras do Pós-Graduação da PUC-SP,
Ceneide Cerveny e Ida Kublikowski e aos colegas,
À meu pai, à minha mãe e à minha tia, registro minha gratidão por cada gesto de
cuidado, orientação e amor.
Ao Lucas, pingo de chuva e raio de sol, agradeço a confiança, a parceria, o amor
e a admiração mútua. Ao Thomas, pulsar do coração, pulsar da quebra das ondas do
mar... agradeço, pelo amor, pelo carinho e pela lembrança de que a vida não para.
Ao Jair Lourenço da Silva, agradeço a experiência de ampliar a cada encontro o
sentido de ter um amigo.
À Aline, à Eidicléa, ao Fernando, agradeço o apoio amoroso com os aparatos
técnicos das gravações e transcrições. À Mariana Lugli, agradeço o carinho e a
colaboração na interação com a escola.
Às queridas primas, Marilena, Angela, Tainâ, Nena, Terezinha, pelo apoio na
atenção às minhas idosas e, e em especial à Mariza, que amorosamente esteve
presente durante a minha ausência em casa.
Ao amigo Fernando, agradeço pela confiança, carinho, incentivo e apoio.
À Universidade Estadual de Maringá, agradeço pelo período de afastamento
concedido. Aos colegas do Departamento de Psicologia da UEM, agradeço o apoio. À
Dra. Lucia Cecília e ao Dr. Paulo Seron, além do apoio, a confiança e incentivo, assim
como ao Antonio da PPG.
À Carolina Sales, agradeço o incentivo, as trocas, interlocuções extremamente
valiosas para o desenvolvimento do método desta pesquisa. À amiga Jussara e a prof.
Ana, agradeço o apoio com as correções de português e na formatação deste trabalho.
RESUMO Ao tomarmos o pensamento sistêmico novo-paradigmático como referência teórica para o entendimento da construção da queixa escolar, estamos utilizando uma forma de compreender os fenômenos da saúde humana que é compatível com o pensamento que orienta as práticas em promoção de saúde. Assim, pretendemos verificar a partir da realização de um Programa de Promoção de Saúde na Escola, desenvolvido com professores e com pais e responsáveis, se haveria mudança nas percepções e expectativas de ação para abordagem das queixas escolares. Este estudo caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa realizada com professores, pedagogas, diretora e com pais e responsáveis de alunos de uma escola pública localizada no interior do Paraná. As informações analisadas advêm das respostas aos questionários situacionais aplicados antes e depois da realização do referido programa. O Programa foi construído e temas pertinentes à realidade dos participantes, inclusive por eles selecionados. Na análise das respostas, constatamos que, após a participação no Programa, ocorreram as seguintes mudanças: os professores, pedagogas e diretora ampliaram sua percepção sobre o problema escolar; deixaram de culpabilizar a família passando a reconhecer a necessidade de investigação antes de julgar a situação; identificaram o problema não somente no indivíduo, mas também nas interações que este estabelece; flexibilizaram a justificativa do seu posicionamento frente ao problema; enfatizaram a importância de implementar ações dirigidas aos pares, ações integradas e governamentais, além de ressaltar a necessidade de manter uma relação de boa qualidade com o aluno; perceberam-se implicados com o problema escolar, além do aluno e da família, aliás a família passou de responsável pelo problema para participante da solução. Os pais e responsáveis incluíram a escola entre as possíveis causas do problema; não se viram mais isolados da escola e nem recriminados por falta de habilidade em manter os limites para com os filhos; perceberam-se capazes de vislumbrar uma ação integrada entre a família e a escola no enfrentamento dos problemas dos filhos; passaram a perceber que têm recursos para enfrentar o problema; acrescentaram medidas afetivas dos professores para com os alunos na solução do problema; substituíram a responsabilidade da família pelo reconhecimento da responsabilidade da escola sobre o problema. Palavras-chave: promoção de saúde; queixa escolar; pensamento sistêmico; escola; família.
ABSTRACT
By taking the new-paradigm of systems thinking as theoretical basis for understanding the construction of school complaint, we are using a way of perceiving the phenomena of human health that is compatible with the thought which guides the practices in health promotion. Thus, we intend to verify through the achievement of a Program for Health Promotion in School, developed with teachers and with parents and guardians, if there would have a change in the perceptions and expectations of the action for the approach of the school complaints. This study was qualified as a qualitative survey done with teachers, pedagogues, school director and with parents and guardians of pupils of a public school located in the interior of Parana state. The information analyzed stem from responses to the situational questionnaires applied before and after the completion of this program. The Program was built and themes relevant to the reality of the participants and also selected by them. In analyzing the responses, we found that, after participating in the Program, the following changes have occurred: teachers, pedagogues and the school director expanded their perception about the school problem; no longer blame the family coming to recognize the need for research before judging the situation; they identified the problem not only on the individual citizen but also the interactions that this one establishes; they eased the justification of their position overcome the problem; they emphasized the importance of implementing policies directed at peers, integrated and governmental actions, in addition to emphasizing the need to maintain a relationship of good quality with the student; they get themselves involved with the school problem, besides to the student and the family, moreover the family that was the responsible for the problem became the participant of the solution. Parents and guardians included the school among the possible causes of the problem; they were no more viewed as isolated from school nor impugned for lack of ability to maintain the limits for their kids; they perceived themselves able to envision an integrated action between family and school in the confrontation of the problems of children; they began to realize that they have resources to tackle the problem; they added affective measures of teachers to the students in the solution of the problem; they replaced the family responsibility by the recognizing the responsibility of the school about the matter. Keywords: health promotion; school complaint; systems thinking; school; family.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................. 17 1 PENSAMENTO SISTÊMICO NOVO PARADIGMÁTICO ............. 23 1.1 Família como foco de intervenção ........................................... 30 1.1.1 Mudança de foco do indivíduo para a família ....................... 32 1.1.2 Mudando o foco da família para as pautas conversacionais 45 2 FAMÍLIA: as diferentes formas de organização ao longo do tempo ..............................................................................................
51
2.1 Aspectos históricos da constituição do grupo familiar .......... 51 2.2 Considerações sobre a particularidades do grupo familiar na atualidade ........................................................................................
58
3 A EDUCAÇÃO PENSADA A PARTIR DAS IDEIAS PEDAGÓGICA 61 3.1 As primeiras ideias .................................................................... 61 3.2 Pensamento pedagógico na Escola Nova ............................... 67 3.3 O pensamento pedagógico crítico ........................................... 69 3.4 O pensamento pedagógico dos povos colonizados .............. 72 3.5 As tendências pedagógicas desde os primeiros anos do século XXI até a atualidade .............................................................
73
3.6 As ideias pedagógicas no Brasil .............................................. 78 4 PARADIGMAS ORIENTADORES DO TRABALHO EM SAÚDE 93 4.1 A saúde e a doença na História: uma visão antropológica e epidemológica .................................................................................
93
4.1.1 Saúde e doença na Antiguidade ........................................... 93 4.1.2 Saúde e doença na Idade Média ............................................ 95 4.1.3 Saúde e doença no Renascimento ........................................ 95 4.1.4 Saúde e doença na Idade Moderna ....................................... 97 4.2 Promoção da saúde ................................................................... 102 4.3 A saúde no Brasil ....................................................................... 117 4.3.1 O movimento higienista e os impactos sobre os hábitos e costumes dos indivíduos e das famílias brasileiras .....................
119
4.3.2 A saúde no Brasil após a Ditadura Vargas ........................... 124 4.3.3 A saúde na fase da redemocratização – a reforma sanitária e a Constituição de 1988 .................................................................
127
4.4 A promoção da saúde no Brasil ................................................ 130 4.4.1 Escolas promotoras de saúde ............................................... 134 4.5 Medicalização .............................................................................. 140 4.5.1 Medicalização do fracasso escolar ....................................... 143 5 OBJETIVO ...................................................................................... 151 5.1 Objetivo Geral ............................................................................. 151 5.2 Objetivos Específicos ................................................................ 151 6 MÉTODO ......................................................................................... 152 6.1 Participantes ............................................................................... 152 6.2 Local ........................................................................................... 152 6.3 Instrumentos ............................................................................... 154 6.3.1 Questionário ............................................................................ 154 6.3.2 Programa de Promoção de Saúde a Escola .......................... 155 6.4 Procedimentos ........................................................................... 156 6.5 Considerações Éticas ................................................................ 159
6.6 Análise dos dados ...................................................................... 160 7 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS FALAS DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA ESCOLA ............
171
7.1 Descrição do Programa de Promoção de Saúde na Escola ... 172 7.2 Análise das falas dos pais e responsáveis do Programa de Promoção de Saúde na Escola .......................................................
180
7.2.1 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à família ...............................................................................
180
7.2.1.1 Diferença cultural das famílias ............................................ 181 7.2.1.2 Evolução histórica e social .................................................. 181 7.2.1.3 Funções familiares ............................................................... 182 Práticas educativas ......................................................................... 182 Colocação de limite............................................................................. 182 Proteção à frustração ......................................................................... 183 Decisões compartilhadas................................................................... 184 Função cuidadora ............................................................................ 184 Influência cultural ............................................................................. 185 Influência de instâncias exteriores à família ................................... 185 Reflexões sobre a lei do castigo físico ............................................... 186 7.2.2 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação aos filhos .............................................................................
187
7.2.2.1 Fase do desenvolvimento ................................................... 187 7.2.3 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à escola e ao professor ......................................................
188
7.2.3.1 Evolução histórica e social .................................................. 188 7.2.3.2 Atuação do professor e da escola ....................................... 188 7.3 Analise das falas dos professores, pedagogos e diretor do Programa de Promoção de Saúde na Escola ................................
189
7.3.1 Percepção e expectativa dos professores,pedagogos e diretor em relação à família e aos pais ...........................................
189
7.3.1.1 Diferença cultural, social e econômica ............................... 189 Sem julgamento ............................................................................... 190 Com julgamento ............................................................................... 190 Reflexão ............................................................................................ 191 7.3.1.2 Características das configurações dos núcleos familiares na atualidade ....................................................................................
191
Famílias intactas .............................................................................. 191 Famílias em que houve separação ................................................. 192 Sofrimento ......................................................................................... 192 Família monoparental ........................................................................ 193 Avós no exercício da parentalidade ................................................... 193 Pai e avós no exercício da parentalidade tecendo criticas ao recasamento da mãe .........................................................................
193
7.3.1.3 Funções familiares ............................................................... 194 Família dos alunos ............................................................................ 194 Negligência no acompanhamento escolar ......................................... 194 Negligência no monitoramento .......................................................... 194 Desempenho de comportamentos que se constituem num modelo disfuncional ........................................................................................
195
Falta de interesse e incentivo para com os filhos ............................ 195
Ausência de percepção às capacidades dos filhos ........................... 195 Delegação dos cuidados a terceiros .................................................. 196 Substituição de carinho e atenção por bens materiais .......................... 196 Imaturidade para educar .................................................................... 196 Família dos professores .................................................................. 197 Estabelecimento e monitoramento de limites aos filhos e amigos desses ...............................................................................................
197
Ações educativas, práticas de cuidado, atenção e orientação ......... 198 Dúvidas, questionamentos e inseguranças a exercerem as funções da parentalidade ................................................................................
198
Modelo ideal 199 Pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade ................ 200 Mesma linguagem ............................................................................. 200 Afeto sustentando as práticas educativas ......................................... 200 Pais apropriam-se da posição de autoridade .................................... 200 Manutenção da função reparadora e intervenções para mudança na família são realizadas a partir de um nível macrossocial .................
201
7.3.2Percepção e expectativa dos professores,pedagogos e diretor em relação aos alunos ........................................................
201
7.3.2.1 Diferença cultural ............................................................... 201 7.3.2.2 Fase do desenvolvimento ................................................... 202 Intensificação do convívio com o grupo de iguais ........................ 203 Manutenção da lealdade ao grupo .................................................. 203 Diferenciação do grupo familiar ........................................................ 203 Assimilação de valores .................................................................... 204 Pseudoautonomia ........................................................................... 204 Vulnerabilidade à droga e álcool ...................................................... 205 Angustia própria da adolescência .................................................. 205 7.3.3 Percepção e expectativa dos professores em relação à escola e ao professor ......................................................................
205
7.3.3.1Interação com os pais e responsáveis dos alunos ............ 205 Providenciar a ida dos pais à escola ............................................. 206 Refletir e apreciar as atitudes dos pais ......................................... 207 Apoiar a família na busca de serviço público de assistência ao aluno .................................................................................................
207
7.3.3.2Interação com os alunos ...................................................... 208 Aspectos promotores da interação ............................................... 208 Perceber as peculiaridades do adolescente ..................................... 208 Cuidar do bem-estar do aluno ........................................................... 209 Ouvir e orientar ................................................................................. 209 Acessar recursos diferentes dos medicamentosos para solucionar os problemas que constituem a queixa escolar .....................................
210
Aspectos limitantes da interação ................................................... 210 Comportamentos displicentes dos alunos ......................................... 211 Apreciação do comportamento do aluno – desqualificação da relação ou do conteúdo .................................................................................
211
Sentimento ........................................................................................ 211 Estratégia .......................................................................................... 212 8 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................... 213 8.1 Análise das respostas dos questionários dos pais ou
responsáveis .................................................................................. 213 8.1.1 Percepção do problema .......................................................... 214 8.1.1.1 Família .................................................................................. 214 Interação familiar .............................................................................. 216 Forma de educar os filhos .............................................................. 218 Vínculos afetivos .............................................................................. 219 Condições socioeconômicas ......................................................... 219 Genética ............................................................................................ 220 8.1.1.2 Ambiente .............................................................................. 221 8.1.1.3 Escola ................................................................................... 221 8.1.1.4 Aluno...................................................................................... 222 Psicológico ....................................................................................... 224 Desenvolvimento cronológico ........................................................ 226 Neurológico ..................................................................................... 226 Problema inespecífico de saúde .................................................... 227 8.1.2 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do sistema familiar ...............................................
228
8.1.2.1 Ações de sistema familiar ................................................... 229 Expressar afeto ................................................................................ 230 Assessorar ....................................................................................... 230 Orientar ............................................................................................. 231 Ser exemplo ..................................................................................... 231 Colocar limites ................................................................................. 232 Buscar e receber ajuda profissional ............................................... 233 Ação integrada entre escola e família ........................................... 234 8.1.2.2Justificativas das ações do sistema familiar ..................... 236 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ....... 237 É importante investigar o problema ................................................... 237 A família é a responsável pelo problema .......................................... 237 A família não tem recurso para solucionar......................................... 238 O aluno é o responsável pelo problema............................................. 238 Justificativas orientadas pelo reconhecimento dorecurso ........... 239 A família é a responsável pela solução ............................................. 239 O aluno é o responsável pela solução .............................................. 240 A escola é a responsável pela solução ............................................. 240 A parceria entre família e escola leva à solução ............................... 240 8.1.2.3 Os envolvidos no procedimento.......................................... 240 Família .............................................................................................. 240 Família e outros sistemas sociais .................................................. 241 8.1.3 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do sistema escolar ................................................
242
8.1.3.1 Ações de sistema escolar .................................................... 242 Chamar os pais ................................................................................. 243 Investigar ......................................................................................... 243 Orientar ............................................................................................. 244 Sem função específica ....................................................................... 244 Encaminhamento ............................................................................... 245 Parceria............................................................................................... 245 Promover cuidados ao aluno........................................................... 245 Medidas disciplinares .......................................................................... 246
Medidas afetivas ................................................................................ 246 Aquisição de recursos profissionais pela escola .......................... 246 Desconsideração de ações do sistema escolar ............................. 247 8.1.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar ..................... 248 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ....... 248 É importante investigar o problema ................................................... 249 O aluno é o responsável pelo problema ............................................ 249 A família é a responsável pelo problema.......................................... . 250 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso .......... 250 A família é a responsável pela solução ............................................. 250 O especialista é o responsável pela solução .................................... 250 A escola é responsável pela solução ................................................. 251 A parceria entre família e escola leva à solução ............................... 251 8.1.3.3 Os envolvidos no procedimento escolar............................ 252 Escola e família ................................................................................ 252 Escola, família e profissional especialista ...................................... 252 Escola, família e aluno ..................................................................... 253 Um sistema envolvido ..................................................................... 253 8.2 Análise das respostas dos questionários dos Professores ... 254 8.2.1 Percepção do problema .......................................................... 254 8.2.1.1 Família ................................................................................... 255 Disfuncionalidade da Família .......................................................... 256 Investigação ..................................................................................... 256 8.2.1.2 Aluno .................................................................................... 257 Limite e Agressividade .................................................................... 258 O aluno como problema .................................................................... 259 Vitimização ........................................................................................ 259 Característica de personalidade ..................................................... 260 Dificuldade de aprendizagem, falta de concentração e desinteresse ....................................................................................
260
Socialização e desenvolvimento .................................................... 261 8.2.1.3Sistema educacional ............................................................ 262 8.2.1.4 Percepção de múltiplas partes do problema ..................... 262 8.2.1.5 Percepção integrada das múltiplas causas do problema 263 8.2.2 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema familiar ...........................................................................
264
8.2.2.1 Ações do sistema familiar ................................................... 264 Função cuidadora ............................................................................ 265 Investigar .......................................................................................... 266 Buscar ajuda de especialista ............................................................. 266 8.2.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar ..................... 269 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ........ 269 Problema requer ação ....................................................................... 269 Diagnóstico sem finalidade................................................................. 270 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso 271 Família é a responsável pela solução ............................................... 272 Diagnóstico com finalidade ............................................................... 272 8.2.2.3 Envolvidos no procedimento .............................................. 273 Família e outros sistemas sociais .................................................. 273 Família .............................................................................................. 274
8.2.3 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema escolar ..........................................................................
275
8.2.3.1 Ações de sistema escolar ................................................... 275 Investigação .................................................................................... 277 Investigar sem função específica ...................................................... 278 Investigar e encaminhar .................................................................... 278 Investigar e acompanhar ................................................................... 278 Orientação aos pais ......................................................................... 279 Impositiva........................................................................................... 279 Ponderada ......................................................................................... 280 Acompanhamento do aluno e cobrança dos pais ......................... 280 Orientação aos professores ............................................................ 281 Ações inespecíficas ......................................................................... 281 Ações disciplinares............................................................................. 281 Ações integradas ............................................................................. 282 Relação entre professor aluno .......................................................... 282 Ações governamentais e comunitárias ............................................. 284 8.2.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar ..................... 284 Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema ........ 285 O aluno é o responsável pelo problema ............................................ 285 A família é a responsável pelo problema........................................... 285 A escola é a responsável por investigar o problema e fazer cumprir regras ................................................................................................
286
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso 286 O aluno tem recursos ......................................................................... 286 Atenção do professor ao aluno .......................................................... 287 Pais participam da solução ................................................................ 288 8.2.3.3 Envolvidos no procedimento escolar ................................ 289 Escola e família ................................................................................ 289 Escola, família e especialista ........................................................... 299 Apenas um sistema envolvido .......................................................... 291 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 293 REFERÊNCIAS .................................................................................. 302 ANEXOS vol lI .................................................................................... 01
17
INTRODUÇÃO
Parte constituinte dos discursos da maioria dos políticos brasileiros em
campanha, a educação no Brasil desenvolve-se num meio social de interesses
diversos e conflitantes com promessas de ampliação, melhoria de qualidade e
necessidade de maior investimento público. A infinidade de olhares para os
acontecimentos que ocorrem ou interferem diretamente nas atividades relacionadas
ao ensino-aprendizagem denota a complexidade dos fenômenos desse contexto. Os
jornais e noticiários apontam problemas de todas as ordens, que, muitas vezes, se
transformam em objeto de estudo dos mais diferentes campos da ciência, dos
órgãos públicos nacionais e de instituições internacionais.
Apurar e atuar nos gargalos que estancam o desenvolvimento na área da
educação vem sendo um desafio intenso tanto por parte dos atores sociais direta e
indiretamente nela, envolvidos quanto para estudiosos e pesquisadores que se
debruçam sobre essa questão. Focam-se: os problemas de aprendizagem; os
problemas da ensinagem; a precariedade instrumental das escolas; o despreparo
dos professores; a acanhada valorização dos profissionais, principalmente daqueles
que realizam no corpo a corpo a tarefa de ensinar, a violência tanto no ambiente
escolar como no seu entorno, as dificuldades de transporte para chegar à escola, a
disparidade entre o ensino público e o privado; o diálogo escasso entre a escola e as
famílias dos escolares; a falta de perspectivas de futuro dos jovens de determinadas
classes sociais, enfim, em meio a tantos outros problemas esses citados já
reafirmam a complexidade de qualquer fenômeno no contexto da educação.
E é exatamente nesse contexto complexo que todos os indivíduos, desde
muito cedo, de maneira singular, envolvem-se com diferentes pessoas e grupos
sociais, construindo sua identidade e fazendo suas “escolhas”. Na nossa cultura, a
família e a escola constituem os subsistemas sociais mais implicados com esse
desenvolvimento, promovendo proteção e cuidados com as crianças e adolescentes.
Em nossa Constituição (BRASIL, 1998), no Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996) encontramos referencias aos deveres da família e do Estado em
garantir um contexto que favoreça o desenvolvimento saudável das crianças.
18
Em nossa Constituição (BRASIL, 1998) consta que:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
No Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), encontramos a
seguinte referência:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996)
encontramos:
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Destacamos aqui os compromissos assumidos pelo Estado na promoção de
um contexto propício ao desenvolvimento das crianças e do adolescente
relacionados à educação formal. A garantia do acesso à escola para todos; uma
escola que deve se configurar como um espaço relacional que favoreça não
somente o desenvolvimento intelectual, mas possibilite o desenvolvimento humano
integral. Por outro lado, é importante frisar o papel da família e da escola relacionado
à educação, reforçando a questão de que educação é tarefa que deve ser executada
por esses dois sistemas. Nesse sentido, seria óbvia a pretensão de uma boa relação
complementar entre eles; por essa razão a relação família-escola configura-se como
em um tema amplamente estudado por diversas áreas do conhecimento, a saber:
antropologia, administração, sociologia, distintas áreas da educação e da psicologia.
A diversidade de áreas de interesse focalizando o mesmo tema, de certa forma
19
também aponta a complexidade dos fenômenos que compõem a interação desses
dois subsistemas sociais.
O nosso interesse em pesquisar as peculiaridades da relação estabelecida
entre a escola e as famílias dos escolares vem nos acompanhando desde a época
em que desenvolvemos um trabalho de orientação psicológica aos pais de alunos
em uma escola da rede particular de ensino na capital do estado de São Paulo,
entre os anos de 1994 a 1996.
A prática com pais e alunos do ensino público desenvolveu-se posteriormente
por meio de supervisão em estágio na área de psicologia escolar com foco
orientação de pais.
O olhar diferenciado de terapeuta familiar, pautado em uma visão sistêmica
da realidade, trouxe uma compreensão bastante ampliada dos problemas que
ocorriam no contexto escolar. Dessa prática, emergiu a necessidade de sistematizar
os conceitos e as técnicas que orientavam nosso trabalho, e foi assim que se
desenvolveu a pesquisa, em nível de mestrado em Psicologia Clínica na Pontifícia
Universidade Católica – São Paulo, no ano de 1999, sob o título de Orientação de
pais no contexto escolar: uma prática sistêmica (BERGAMI, 1999).
A pesquisa demonstrou a eficiência do apoio à família pela utilização dos
conceitos e técnicas desenvolvidos na área da terapia familiar em relação aos
problemas surgidos no contexto escolar. Em todos os casos analisados, foi possível
observar a mobilização dos recursos familiares para ajudar a criança ou o
adolescente a superar as dificuldades identificadas naquele contexto (BERGAMI,
1999). A abordagem centrada nos recursos e potencialidades, tanto das famílias
como dos escolares, ao invés de nas disfunções, propiciou um engajamento efetivo
dos pais no enfrentamento e superação das dificuldades apresentadas inicialmente
pela escola.
As reclamações da escola em relação aos alunos, vindas dos professores,
orientadores e diretores, se referiam a: TDAH, comportamento inadequado,
dificuldade em acatar limite, dificuldade de socialização, comportamento violento,
dificuldade de organização, falta de maturidade, falta de orientação familiar, omissão
da função educativa por parte dos pais, integrantes de famílias desestruturadas.
Ressaltamos que tais queixas apontam a causa dos problemas localizada nas
famílias ou nos próprios alunos (BERGAMI, 1999).
20
As reclamações dos familiares em relação à escola diziam respeito a:
despreparo de professores, falta de envolvimento por parte da equipe pedagógica,
falta de tato dos orientadores e professores para lidar com alunos com ritmos
diferentes, falta de recursos familiares para orientação adequada, dificuldades
herdadas de parentes, falta de responsabilidade dos filhos. Na avaliação da família,
o problema ora é focalizado nos integrantes do sistema escolar, ora no próprio filho
e ainda em algumas situações na falta de habilidade dos próprios pais em educar
adequadamente os filhos. É importante destacar a flexibilidade na percepção dos
sistemas familiares em avaliar as situações-problemas na medida em que
ampliavam sua percepção (BERGAMI, 1999).
Sobre a intervenção realizada no contexto escolar, a pesquisa apontou a
necessidade de um planejamento mais abrangente de ações, um contato mais
significativo em que também fossem mobilizados os recursos dos professores e
demais integrantes desse sistema para ajudar na superação das dificuldades
apresentadas pelos escolares.
Para compreendermos a forma como são entendidos e encaminhados os
problemas que ocorrem no sistema escolar, utilizamos o referencial sistêmico novo-
paradigmático que, segundo Vasconcellos (2006), contempla os pressupostos da
complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade. Para possibilitar o
desenvolvimento de uma nova perspectiva para a compreensão dos conflitos e
dificuldades no desempenho das funções educativas da família e da escola, mais
livre de culpabilização e determinismo relacionados à disfuncionalidade de um
subsistema ou de outro, utilizamos as estratégias propostas pelo novo paradigma de
saúde – a promoção de saúde. A Promoção de saúde foi definida pela Carta de
Ottawa como:
Um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem--estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar as aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente (BRASIL, 2002, p. 19).
Um dos principais focos destacados para a promoção da saúde relaciona-se
ao alcance da equidade em saúde, ou seja, deve ser assegurado a todos os
indivíduos o direito de desenvolver seu potencial de saúde. Para isso, destacou-se a
21
necessidade de garantir uma base sólida, constituída de: “ambientes favoráveis,
acesso à informação, as experiências de habilidades na vida, bem como
oportunidades que permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia” (BRASIL,
2002).
Nesta nova perspectiva pensamos promover uma reflexão, um ponto de
bifurcação no caminho conhecido, uma possibilidade de mudança, uma visão mais
ampliada acerca da constituição e manutenção de situações que envolvem
problemas, conflitos e sofrimento humano, criando alternativas de ação. Desenvolver
um novo olhar significa, nesse caso, elaborar uma nova apreciação sobre as
queixas, que não busca tão somente as causas dos problemas nos resultados
indesejados das interações, mas traz o foco para o que há de positivo nas
interações humanas, reconhecendo os limites de uns e de outros e buscando realçar
suas potencialidades, conhecer a dificuldade e também identificar habilidades
relacionais.
Ao identificarmos, por um lado, a visão limitada e limitadora que os
integrantes da comunidade escolar mantêm a respeito das famílias, e por outro,
como terapeutas de família, as grandes conquistas que as famílias alcançam
quando apoiadas e esclarecidas, a questão que emerge é a importância de
desenvolver no contexto escolar um espaço interacional em que fosse possível levar
informações para subsidiar uma apreciação menos culpabilizadora da família. Nessa
ação ressaltaríamos as potencialidades da família, buscando compreender os
esforços que esse subsistema social vem realizando para se manter como o espaço
relacional que assegura o desenvolvimento dos indivíduos por meio das funções de
proteção e socialização (MACEDO,1994).
Um questionamento surgiu a partir daí: a realização de um Programa de
Promoção de Saúde na Escola desenvolvido com professores, pedagogos e diretor
e com pais e responsáveis promoveria mudança nas percepções e expectativas de
ação para abordagem das queixas escolares? Assim, tivemos por objetivo verificar,
antes e depois da participação no programa, as percepções e expectativas dos
integrantes dos sistemas escolar e familiar a respeito da identificação da queixa
escolar e das ações de um e de outro sistema.
A fim de respondermos a essas questões, selecionamos uma escola pública
localizada no interior do Paraná e desenvolvemos lá a pesquisa que se constitui da
22
aplicação de um questionário inicial avaliativo sobre dois casos de alunos que
apresentavam problema no contexto escolar, desenvolvimento do Programa de
Promoção de Saúde na Escola e aplicação de um questionário igual ao inicial,
relativo a dois novos casos. Na análise das informações acessadas pelos
questionários, foi utilizada a abordagem qualitativa que tem como objetivo alcançar a
compreensão dos significados que as pessoas atribuem aos fenômenos.
Para melhor compreender o fenômeno estudo foi utilizado o referencial teórico
foi estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo – Pensamento Sistêmico
Novo-Paradigmático – apresentou o processo de evolução das teorias sistêmicas
que fundamentaram inicialmente as intervenções terapêuticas com foco na família e
posteriormente dirigidas às pautas conversacionais.
No segundo capítulo – Família: as diferentes formas de organização ao longo
do tempo – foram descritas as particularidades que o grupo família foi assumindo ao
longo da história.
No capítulo três – A educação pensada a partir das ideias pedagógicas –
discorremos sobre as transformações que ocorreram na forma de pensar e
desenvolver as práticas em pedagogia ao longo do tempo destacando as
especificidades deste processo no Brasil.
No capítulo quatro – Paradigmas orientadores do trabalho em saúde –
buscamos descrever os distintos conceitos sobre saúde, assim como as práticas
elaborados a partir deles e destacamos o trabalho em promoção de saúde no Brasil.
Na sequência estão apresentados os objetivos, o método, a análise
das falas dos participantes do programa de promoção de saúde, os resultados e a
discussão das informações encontradas nas respostas dos questionários aplicados
antes e depois do programas e as considerações finais.
23
1. PENSAMENTO SISTÊMICO NOVO PARADIGMÁTICO
Para apresentarmos as teorias e ideias que orientam nossa pesquisa,
tomaremos como ponto de partida a observação das transformações que vêm
ocorrendo na própria natureza do conhecimento científico, que apontam para uma
crise no paradigma positivista que manteve o domínio do universo científico até o
início do século XX.
Alcançando a hegemonia no pensamento ocidental, o percurso da ciência
consolidou-se na primazia dos modelos explicativos racionais e técnicos em relação
às narrativas simbólicas e mitológicas produzidas pelo senso comum (HENRIQUES,
2000).
Com o propósito de compreender o mundo e seu funcionamento, a ciência
através de seu método passou a analisar separadamente as partes dos todos
complexos, na busca de evidenciar claramente a causa de cada fenômeno
abordado. Instalou-se “a fragmentação do objeto de estudo, a compartimentação
dos campos do saber, as especializações” (VASCONCELLOS, 2006, p.78).
Segundo Morin (2003), a especialização remove um objeto de seu contexto,
de sua totalidade, impossibilitando o reconhecimento de suas interligações com o
ambiente, colocando-o fechado dentro da disciplina, destituindo-lhe aleatoriamente
tanto a sistematicidade (relação da parte com o todo) quanto a sua
multidimensionalidade.
A racionalidade técnica, apoiada no princípio da objetividade tornou a
realidade passível de ser compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada,
disjuntiva, reducionista, em que os problemas são fracionados assim
impossibilitando qualquer reflexão de uma perspectiva multidimensional.
Para transpor os limites do entendimento especializado sobre os elementos
que constituem o contexto em que são identificadas e encaminhadas as queixas
escolares, o cenário em que se desenvolvem as relações entre a escola e as
famílias dos alunos, e a maneira pela qual são articuladas as percepções sobre o
desempenho dos escolares, adotaremos o referencial teórico oferecido pelo
pensamento sistêmico novo paradigmático.
O saber especializado fruto do desenvolvimento da ciência desde o século
XVII, apesar de ter trazido progressos técnicos extraordinários, hoje, se mostra
24
insuficiente para promover a compreensão e o enfrentamento de problemas que se
mostram tão complexos (VASCONCELLOS 1995; MORIN; 2003; CAPRA,1987).
Sobre a renovação no plano do conhecimento cientifico, que vem ocorrendo
há algum tempo, Morin (2003) questionou se não seriam exatamente todos esses os
indícios daquilo que Kuhn chamou de revolução científica, que promove uma
mudança de paradigmas e da visão de mundo.
Pearce (1996) se referiu ao novo paradigma como uma nova maneira de
pensar sobre as relações que estabelecemos com a sociedade, com nossos pares
ou com nós mesmos, esclarecendo que este novo paradigma não surgiu do nada,
mas foi fruto da necessidade de dar respostas às questões que se configuram nas
condições sociais em que vivemos.
A visão de mundo oferecida pelo pensamento sistêmico, que utilizaremos em
nosso estudo, inicialmente pautada nos pressupostos da teoria geral dos sistemas
de von Bertalanffy (1975, original 1968) e da teoria cibernética, de NorbetWiener
(1948), apontou que os problemas urgentes localizados em diferentes áreas de
especialização assinalam uma profunda interconexão de elementos que constituem
esses fenômenos.A visão sistêmica de realidade referida por Capra (1987) “baseia-
se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos
os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais” (p.259).
Morin (2003), ao discorrer sobre o conceito de sistema, destacou três facetas
dessa forma de apreender os fenômenos:
- sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e a parte);
- interação (que exprime o conjunto das relações que se efetuam e se tecem num sistema);
- organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações -aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à idéia de sistema a sua coluna vertebral) (MORIN, 2003, p. 265).
Vasconcellos (2006) assinalou que o pensamento sistêmico pode ser
considerado novo ao ser comparado ao pensamento analítico e linear, característico
do paradigma tradicional da ciência e que os avanços das teorias sistêmicas
puderam contribuir para o desenvolvimento radical na epistemologia sistêmica. A
25
autora se referiu ao fato de que o próprio desenvolvimento da ciência trouxe a
necessidade da revisão dos seus pressupostos e crenças básicas. Segundo ela,
O “princípio da incerteza”, do físico Heisenber, o funcionamento das partículas subatômicas, os saltos qualitativos dos sistemas dissipativos químicos nos pontos de bifurcação, o funcionamento fisiológico dos seres vivos, apontaram: a complexidade organizada do universo; a instabilidade e a auto-organização dos sistemas; a construção intersubjetiva da “realidade” por aqueles que a percebem, construção essa que se dá num espaço consensual, construído na linguagem (VASCONCELLOS,2006,p. 78).
A revisão desses princípios e pressupostos básicos da ciência deflagrou o
que se tem chamado de revolução paradigmática. Tal revolução foi alcançada,
segundo a autora, através da contribuição de cientistas e epistemólogos da ciência:
“(...) o químico russo Ilya Prigogine; o físico e ciberneticista austríaco Heinz Von Foerster; o biofísico Frances Henri Atlan; os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela; o sociólogo e filósofo da ciência francês Edgar Morin, e tantos outros” (VASCONCELLOS, 2006, p. 78).
Vasconcellos (2006, p.84) enfatizou que o pensamento sistêmico abrange: “o
paradigma da complexidade do universo, em todos os níveis; o paradigma da
instabilidade ou da auto-organização dos sistemas; o paradigma do construtivismo,
ou da construção subjetiva da realidade”. Assinalou ainda que a relação recursiva
entre estes pressupostos, a impossibilidade de o cientista/profissional assumir
apenas uma dessas dimensões. A autora esclareceu que tem distinguido:
“(...) o mesmo tipo de relação que von Foerster (1974) identificou entre o observador, a linguagem e a sociedade. Uma conexão não trivial, uma relação triádica fechada, em que se necessita das três dimensões para se ter cada uma das três” (VASCONCELLOS,2006, p. 83).
Segundo Morin(2003), o paradigma da complexidade pode estimular a
inteligência e a estratégia do investigador, mas não oferece (não produz nem
determina) uma inteligibilidade, nessa medida o paradigma da complexidade pode
inspirar o investigador a: considerar a complexidade da questão estudada;abordar o
fenômeno de maneira tal que reconheça os traços de sua singularidade e sua
26
historicidade; conceber a unidade/multiplicidade de toda entidade; alcançar os
caracteres multidimensionais da realidade estudada.
O princípio da complexidade. além de se basear na necessidade de distinguir
e analisar os elementos constituintes dos fenômenos, também focaliza a
comunicação entre suas partes constitutivas. Tal princípio, complementou o autor,
se esforça em possibilitar e implementar o diálogo entre ordem, desordem e
organização, possibilitando o reconhecimento da especificidade, em cada nível
correspondente dos fenômenos ao mesmo tempo em que permite a identificação de
suas diferentes dimensões: física, biológica, espiritual, cultural, sociológica e
histórica, favorecendo, dessa forma, o desenvolvimento de uma visão “poliocular”
(MORIN 2003p. 30).
O pensamento complexo não se opõe ao pensamento simplificador, porém o
integra, é capaz de unir a simplicidade à complexidade, denota o pertencimento ao
metassistema ao qual se integra, sem desconfigurar sua própria simplicidade. O
paradigma da complexidade “obriga a separar e reduzir; (...) ordena reunir e
distinguir (MORIN, 2003, p.75).
Para discorrer sobre a crença na intersubjetividade como condição de
construção do conhecimento, Vasconcellos (2006) se reportou às descobertas de
Maturana e Varela (1983) sobre o processo de conhecer. Ressaltou desses estudos
que“a dificuldade da objetividade não se deve à natureza do objeto do
conhecimento... e sim à natureza do sujeito do conhecimento, como ser vivo”
(VASCONCELLOS, 2006, p. 83).
Os seres vivos, segundo Maturana e Varela (2001), dispõem de uma
organização autopoiética, são capazes de autogeração, criam redes vivas, ou seja,
os componentes necessários à manutenção da própria organização. Os organismos,
segundo os autores, se ligam ao meio ambiente por meio de interações recorrentes,
sendo que estas desencadeiam mudanças estruturais no próprio sistema, sendo seu
comportamento determinado por essa estrutura autônoma. Assim na concepção dos
autores, os seres humanos, fechados estruturalmente, se relacionam com o
ambiente por meio das respostas às perturbações por ele mobilizadas.
Nos seres humanos, tanto a estrutura quanto a organização se encontram
interligadas e implicam a configuração do seu desenvolvimento. Para esses autores,
A célula inicial que funda um organismo constitui sua estrutura inicial dinâmica, aquela que irá mudando como resultado de
27
seus próprios processos internos, num curso modulado por suas interações sociais. Segundo uma dinâmica histórica na qual a única coisa que os agentes externos fazem é desencadear mudanças estruturais determinadas nessa estrutura. O resultado de tal processo é um devir de mudanças estruturais contingente com as seqüências de interações do organismo que dura desde seu início até sua morte como um processo histórico, porque o presente do organismo surge em cada instante como uma transformação do processo do organismo nesse instante. O futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem. É com base nessa compreensão que devemos considerar a educação e o educar (MATURANA, 1997b, p. 28).
Ressaltamos que, na perspectiva de Maturana (1997) sobre os seres
humanos, estão presentes tanto a consideração dos sistemas biológicos quanto dos
aspectos sociais, apontando a necessidade em abordar simultaneamente o
individual e o social para apreender a dimensão humana.
A linguagem foi abordada por Matura e Varela (2001) a partir de uma extensa
observação do ato comunicativo, destacando deste a coordenação de coordenação
de comportamentos entre os organismos envolvidos por meio de uma acoplagem
estrutural mútua. Observaram que as interações recorrentes entre os organismos
mobilizavam mudanças estruturais simultâneas – uma coordenação de
coordenações de comportamentos. Tais coordenações coordenadas emergem em
um fluxo contínuo de fazeres e de emoções, que ganham existência no viver juntos
na linguagem. Assim, na perspectiva dos autores, a vida se desenvolve permeada
por conversações, a existência humana ocorre inserida em um contínuo fluir de
linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo sentido e significados
aos eventos.
A vida e a atuação humana se dão em um mundo que é definido por meio das
descrições que ocorrem nas interações, em linguagem, ou seja, vivemos e atuamos
socialmente em um multiverso de mundos descritos. Assim, toda ação humana se
dá na linguagem e toda ação na linguagem traz consigo o mundo criado a partir de
uma relação com os outros.
Maturana e Varela (2001) partindo de uma perspectiva sistêmica, circular,
recursiva, assinalaram que a “realidade” apreendida pelo sujeito do conhecimento
emerge das distinções por ele realizadas, deixando explícita a ideia da referência do
observador no processo de construção do conhecimento (MATURANA; VARELA,
2001).
28
A realidade, segundo Vasconcellos (2006), passou a ser compreendida a
partir das proposições de Maturana e Varela como
(...) uma construção de um grupo de observadores, quando esses compartilham suas experiências individuais e definem , por consenso, o que vão tomar como “realidade” para si, qualquer que seja a “realidade” a que estejam se referindo: física, biológica ou social. Assim nesses espaços consensuais de intersubjetividade, a ciência pode se desenvolver sem cair no solipsismo, sem que o sujeito, com sua experiência individual e privada seja a única referência (VASCONCELLOS, 2006, p. 82).
A construção intersubjetiva da realidade foi também explorada por Anderson e
Goolishian (1991) ao discorrerem sobre os sistemas humanos como sistemas
lingüísticos, que, por deter características relacionais, recursivas, são geradores de
significados que emergem constantemente como uma rede fluida de ideias
interatuantes e ações correlatas.
Os autores utilizam uma concepção de linguagem como parte integrante do
processo humano criativo de interagir com a realidade, que permite o contato
significativo entre os seres humanos, tornando possível o “compartilhar” da
realidade. A linguagem, definida como ferramenta humana de utilização específica,
só pode ser compreendida no contexto em que é produzida, pois “existir na
linguagem” significa existir em um processo de criação social de realidades
intersubjetivas que os seres humanos compartilham entre si em um determinado
tempo.
Partindo da crença da realidade como uma construção social, os autores
concebem os seres humanos como sistemas geradores de significados e de
linguagem, que emergem em uma continua atividade recursiva e intersubjetiva.
Desse ponto de vista, tanto a construção de significados e entendimentos quanto a
condução dos sistemas humanos ocorrem em um processo dinâmico de mudança e
criação (ANDERSON E GOOLISHIAN,1991).
Ao abordarem a questão da elaboração do diagnóstico no campo da saúde
mental, Anderson e Goolishian (1991) assinalaram que esse procedimento da
prática em terapia familiar, pautado no pensamento sistêmico de primeira ordem,
oferece ao especialista as explicações, as descrições dos problemas a partir do
conhecimento já construído a respeito de uma determinada disfunção da família.
Assim o diagnóstico está baseado nas suas observações e experiências
particulares, relativas a um tipo determinado de conduta dos clientes. Partindo
29
dessas observações pessoais, o especialista em uma posição passiva e receptiva,
sustentada pela crença dos critérios objetivos dessa investigação, elabora um mapa
normativo ancorado em categorizações universais de problemas e estruturas a ele
relacionadas. Na opinião dos autores, esse procedimento diagnóstico não parece
ser adequado para o trabalho com sistemas humanos, que se definem a partir das
constantes mudanças que ocorrem na linguagem, na forma de entender e significar
eventos.
Conforme Anderson e Goolishian (1991), cada descrição, cada entendimento
e cada tratamento, ao contrário da proposição usual diagnóstica, dever-ser únicos
para cada uma das realidades em que se participa, pois as realidades sempre estão
se transformando. Cada problema, suas descrições e pessoas envolvidas estão em
constantes transformações. As descrições particulares sobre os problemas,
construidas intersubjetivamente, são passíveis de transformações por meio do
diálogo.
De acordo com Vasconcellos (2006), em sua forma de apreender o
pensamento sistêmico já está implícita o pressuposto da construção intersubjetiva
da “realidade” ou pressuposto construtivista (como pressuposto epistemológico da
intersubjetividade), assim explicitando a crença da realidade construída pelo
encontro das subjetividades individuais, que emerge das teorias psicológicas sobre a
construção individual ou coletiva da realidade (teorias construtivistas e
construcionistas).
Vasconcelos (2006) elencou artigos de autores que discorrem sobre práticas
sistêmicas em diversos contextos: escolar, saúde (física e mental), políticas públicas;
agroecossistemas e mediação. A mesma constatação, da pertinência da utilização
do paradigma sistêmico como base para compreensão de problemas e para a
orientação de propostas de intervenções, vem sendo confirmada pela ampla
utilização dos pressupostos acima mencionados na orientação de estudos e
pesquisas realizadas por diferentes programas de pós-graduação no Brasil.
Grandesso (2007), ao conceber a comunidade a partir do ponto de vista novo
paradigmático, ressaltou a intersubjetividade das trocas que se dão na linguagem,
co-construíndo e compartilhando significados que organizam tanto os valores como
as práticas de convivência. Assim definiu a autora:
30
(...) numa comunidade, compreendida como um sistema complexo, autopoiético e auto-organizador, as relações sociais entre seus membros e a qualidade dessas relações definem a forma como as pessoas constroem suas singularidades, bem como as configurações da própria comunidade como sistema (GRANDESSO, 2007, p. 183).
Sluzki (1997), explica como uma conversação produzida por um sistema
sobre um problema (descrição consensual do que constitui um problema e as
soluções possíveis) consolida o sistema e o mantém em funcionamento. O autor
utilizou como exemplo a rede constituída pelos pais, professora e diretora da escola,
que definiram o comportamento hiperativo de uma criança como rebelde ou bobo e
assinalou que, ao estabelecerem uma rede que concorda com a descrição do
problema, conformam um sistema determinado pelo problema.
Não pretendemos aprofundar em nosso trabalho a proposta de intervenção
com o sistema determinado pelo problema, porém tal explicitação tem o objetivo de
demonstrar a relevância de abordar as interações entre os integrantes da família e
do sistema escolar, as interações que mantêm com os demais subsistema sociais,
como o contexto no qual são articulados os valores e crenças que promovem a
identificação da queixa escolar.
Tomando como base os pressupostos da complexidade, da incerteza e da
intersubjetivade, levantamos a hipótese de que ao levarmos informações sobre:
visão sistêmica; contexto socio-histórico, desenvolvimento familiar, comunicação,
habilidades para vida para serem apreciadas e discutidas com os pais e/ou
responsáveis pelos alunos e com os integrantes do sistema escolar, estaríamos
proporcionando uma ampliação da visão restrita sobre os problemas que ocorrem no
contexto escolar, que vem sendo expressos através das queixas escolares que
culpabilizam e responsabilizam os alunos e/ou os familiares pela sua ocorrência.
1.1 Família como foco de intervenção
Ressaltando que a temática a ser desenvolvida neste estudo relaciona-se
com a análise da maneira como a escola e a família encaminham as resoluções dos
problemas identificados no contexto escolar, estaremos utilizando um modelo de
31
entendimento dessa interação apoiado nos pressupostos da complexidade, da
incerteza e da intersubjetividade. A adoção deste modelo sistêmico novo
paradigmático também se justifica quando refletimos sobre as implicações
características da interação desses subsistemas como elemento que potencializa ou
inibe a mobilização de recursos humanos para resolução dos problemas da rotina
dos indivíduos.
Destacamos que a abordagem das questões relacionais intra e entre sistemas
que utilizaremos está fundamentada no arcabouço teórico desenvolvido pela área da
terapia familiar. Faz sentido a escolha deste referencial, uma vez que inicialmente
mobilizava os integrantes da família para a superação de sintomas e mais
recentemente enfoca a família e os demais sistemas sociais com o propósito de
ampliar as competências humanas para gerenciamento de suas vidas
(VASCONCELOS; 2006, SCHNITMAN, 2004; GRANDESSO, 2000).
Para focalizar a relação entre a abordagem da família e as questões relativas
à saúde física e mental, discorreremos a seguir sobre o próprio desenvolvimento da
área. Assim, destacando passos desse processo que apontam o envolvimento dos
procedimentos clínicos com as famílias em direção à superação do sofrimento
humano decorrente das mais variadas condições de limitação da saúde física e
mental de indivíduos e grupos.
As questões relativas às queixas escolares, na maioria das vezes, assinalam
disfunções localizadas nas crianças e/ou adolescentes ou em suas famílias. Nos
capítulos seguintes que focam a educação e a saúde, abordaremos como foi sendo
construída essa concepção de que os problemas escolares apontam déficit
intelectual e/ou emocional dos alunos e a responsabilização destes e de suas
famílias pela resolução desses problemas. Na sequência, apresentaremos como
foram sendo abordados os problemas humanos pelos terapeutas de famílias,
destacando alguns conceitos propostos pelas diferentes abordagens da área da
terapia familiar. Cumpre esclarecer que os conceitos que serão apresentados a
seguir foram utilizados no Programa de Promoção de Saúde na Escola,
apresentados nos encontros da pesquisadora com pais e/ou responsáveis pelos
alunos, assim como com os professores, orientadores e diretora da escola.
A história da terapia familiar foi descrita por diferentes autores. Utilizaremos
as abordagens de Grandesso (2000), Vasconcelos (1995), Sluzky (1997)Schnitman
32
e Fuks(1996), Schnitman (2004), Nichols (2007) e JUTORÁN, (1994)para organizar o
quadro evolutivo dos conceitos elaborados pelos diversos autores da área de terapia
familiar.
1.1.1 Mudança de foco do indivíduo para a família
Ao enfocar o início do desenvolvimento da área da terapia familiar, Grandesso
(2000) ressaltou que em meados da década de 1950, um contexto propício ao
encontro de novas formas de compreender e tratar os dilemas humanos foi
elaborado nos Estados Unidos. O ingresso da psicanálise no contexto das escolas
de medicina, o reconhecimento da psiquiatria como um campo amplo a ser
conquistado, juntamente com a urgência de dar conta dos problemas que emergiam
com as famílias no período de pós-guerra, apontavam a necessidade de realizar o
enfrentamento dos problemas humanos a partir de uma abordagem que não
desconsiderasse as particularidades de sofrimento e a precariedade do contexto.
Tais circunstâncias, somadas ainda à insatisfação com os resultados dos
tratamentos psicoterápicos com delinquentes, esquizofrênicos e pacientes de
classes menos favorecidas, sem dúvida configuraram o contexto para a busca de
novas formas de compreender e desenvolver intervenções clínicas que pudessem
promover o alívio do sofrimento humano.
Grandesso (2002) enfatizou que a teoria sistêmica, formulada por Bertalanffy
desde 1930, e a cibernética proposta por Wiener na década de 1940 se constituíram
em um sistema de inteligibilidade que permitiu o desenvolvimento da nova prática
em psicoterapia.
Os profissionais e estudiosos interessados pelas relações entre os indivíduos
e os grupos humanos encontraram na cibernética e na teoria geral dos sistemas as
bases teóricas para o novo campo que emergia, “que mais tarde se converteu no
campo da terapia familiar: a investigação sobre as interações e a comunicação em
relações estáveis e recorrentes” (SCHNITMAN, FUKS, 1996, p. 244).
A área da terapia familiar se desenvolveu em um contexto marcado pela
interdisciplinariedade, assinalou Grandesso (2000), fato que possibilitou o
33
intercâmbio de ideias a partir de múltiplas perspectivas, a saber: a influência da
antropologia veio dos conceitos propostos por Bateson desde os anos de 1950, na
prática em psicoterapia, em parceria com a assistência social e a psiquiatria
expressa nas figuras de Virginia Satir e Don Jackson; os aportes da química por
meio de Weakland; da áreas da comunicação as apreciações de Jay Haley. A autora
destacou que desde essa multiplicidade de percepções a área da terapia familiar
passou a se empenhar em descrever e compreender os dilemas humanos no
contexto de interações estabelecidas entre os integrantes das famílias.
Ainda que a teoria geral dos sistemas e a cibernética tenham oferecido os
limites paradigmáticos para o desenvolvimento de uma teoria clínica, distintos
sistemas de crenças orientaram as práticas terapêuticas, assim propiciando a
emergência de diferentes modelos de terapia familiar. Esses diferentes modelos,
ainda que divergissem em relação a descrições, compreensões e interpretações,
“estavam sob o mesmo guarda-chuva paradigmático” (GRANDEESSO, 2000, p.
119).
Os distintos modelos, por vezes denominados como escolas da terapia
familiar, segundo Vasconcellos (2006), se configuraram a partir da construção de um
corpo de conhecimento teórico consistente no qual estavam descritas as seguintes
definições: sistema familiar; funcionamento familiar; saúde e doença; e mudanças.
As terapias sistêmicas foram consideradas como um conjunto de práticas que
não apresentaram um desenvolvimento linear. A evolução desses modelos se deu
como um conjunto de noções fundamentadas na cibernética que em um movimento
recursivo teoria e práticas co-evoluiam. Sobre a articulação das duas teorias que
sustentam as práticas sistêmicos-cibernéticas, os estudiosos destacaram que: as
sistêmico práticas são sistêmicas e a epistemologia é cibernética (GRANDESSO,
2000; VASCONCELOS 1995).
Tendo como fundamento os princípios definidores dos sistemas a terapia
familiar sistêmica considerava:
A família como um sistema aberto, mantendo uma interdependência entre seus membros (globalidade) e com o meio, no que dizia respeito as trocas de informação, usando de recursos de retroalimentação para manutenção da sua estabilidade (organização). Do ponto de vista sistêmico, pode-se falar, portanto, em uma homeostase familiar, obtida por meio de regras que governam as transações da família.(...) o sintoma de um individuo – o
34
paciente identificado – era considerado um porta-voz da disfunção familiar, funcionando como um mecanismo homeostático para restabelecer o equilíbrio do sistema perturbado (...) (GRANDESSO 2000 p. 121).
A ênfase no contexto e a orientação para o presente na compreensão dos
problemas dos indivíduos caracterizou a influência da epistemologia sistêmico-
cibernética no desenvolvimento das práticas de terapia sistêmica. A compreensão
do comportamento sintomático só seria possível se fossem consideradas as
particularidades do contexto interacional no qual o individuo estivesse inserido.
O conceito de homeostase familiar que foi definido por Jackson (1954) teve
como ponto de partida a observação clínica das famílias em atendimento, porque a
melhora do paciente identificado era seguida de uma disfunção em um outro
membro da família. Dessa forma, explicitou Grandesso (2000), as famílias passaram
a ser definidas a partir dos padrões de interações entre seus integrantes e não mais
a partir das características de cada um.
A epistemologia cibernética, mais especificamente a cibernética de primeira
ordem, possibilitou o desenvolvimento dos modelos comunicacionais, interacionais e
de terapia breve. Para esse grupo, os problemas familiares eram gerados pelos
problemas de comunicação entre as pessoas (SLUZKY, 1997).
A ideia de que o sistema operava a partir dos mecanismos de manutenção da
homeostase, para a correção dos desvios (as mudanças de primeira ordem),
norteou a prática em terapia de família orientada pelos conceitos de “padrões
interacionais” (HALEY, 1971, 1979, 1991; WATZLAWICK, WEAKLAND, FISCH,
1973); “mitos familiares” (SELVINI- PALAZZOLI et AL., 1982) e “regras familiares”
(JACKSON, WEAKLAND, 1961) (GRANDESSO, 2000).
O termo regras familiares foi utilizado por Jackson (1974) para designar o
conjunto de regras implícitas que dirigem a vida familiar. As regras familiares,
sempre identificadas por um observador externo, foram consideradas como um
conjunto de leis aceitas tacitamente pelos integrantes da família que definem os
direitos e deveres de cada elemento do sistema. Demarcando assim as estruturas
relacionais vinculadas às expectativas de uns para com os outros, as regras
familiares atuam com a finalidade de manter a homeostase do grupo familiar.
Sintetizando, a mudança pretendida pelo grupo de Palo Alto estava relacionada a
mudanças nas regras familiares.
35
O grupo de Chicago – I.J.R. (Institute for Juvenil Research) contou com a
participação de Célia Falicov, Lee Combrick, Betty Karrer, Douglas Breulin, Richar
Schwartz e Rocco Cimarrusti, apoiados por uma visão normativa de funcionamento
do grupo familiar, definiu que um sintoma tanto mantém um sistema familiar
disfuncional, como é mantido por ele (JUTORÁN, 1994).
Essa escola apontou que a disfunção do grupo familiar estava relacionada à
manutenção de sequências isomórficas de comportamento. Segundo Umbarger
(1983),o termo sequência “designa um ciclo repetitivo de condutas encadeadas ou
descreve um desdobramento circular e repetitivo dessas condutas” (UMBARGER,
1983, p. 252).
Segundo o autor, as sequências apresentam-se organizadas em um
determinado espaço de tempo. Distinguem-se quatro classes de sequencias
interligadas, chamadas de geradoras ou “calibradoras”: S1– Padrões de interação
que se repetem com intervalo de segundos até uma hora; S2– Padrões que
aparecem com um intervalo de um dia ou até uma semana; S3– Padrões que variam
desde algumas semanas até um ano; S4– Padrões que se repetem de geração em
geração.
As sequências repetitivas, segundo Umbarger (1983), poderiam imprimir uma
certa rigidez à dinâmica familiar, dificultando, por vezes, a adaptação da família tanto
a novas fases de desenvolvimento, como a mudanças impostas pelas
transformações sócioculturais.
A mudança, proposta pelo grupo de Chicago, pretendia promover uma
interrupção do ciclo de condutas que constituem uma dada sequência, isso porque
acreditavam que a quebra do circuito pode provocar o desenvolvimento de novos
padrões relacionais.
Sluzky (1997) ressaltou que a concepção de problema utilizada por uma parte
dos integrantes desse grupo de terapeutas que observavam os processos interativos
postulava que os problemas que acometiam as famílias eram comportamentos,
conectados em uma sequência interativa, que acabavam contribuindo para a sua
própria manutenção. Os demais terapeutas familiares, que mantinham o foco no
mesmo tema, elaboraram outra hipótese e propunham a compreensão dos
problemas como resultado da maneira peculiar de tentar resolver o problema.
36
Dos modelos historicamente orientados, Vasconcelos (2006) destacou o
trabalho de: Murray Bowen, que desenvolveu os conceitos de cadeia das
retribuições deslocada, noção da trama de lealdades invisíveis, noção de justiça,
concepção de que a chave da terapia é o perdão; Norman Paul, que propôs o
conceito de luto não resolvido; Ivan Boszormenyi-Nagy, idealizador dos conceitos de
triangulação, fusão e diferenciação.
Desses modelos, inicialmente, articulados com as terapias sistêmicas, Sluzky
(1997) ressaltou que focalizaram os processos interacionais, explicativos e
justificativos sobre o problema presente, como a solução de um problema no
passado, ocorrido em gerações anteriores.
O termo enfoques historicamente orientados foi utilizado para denominar as
abordagens multigeracionais, de Bowen; e contextual, de Boszormenyi Nagy.
Apesar de o trabalho terapêutico ser desenvolvido com as famílias e não com os
indivíduos, a teoria de mudança, nessas abordagens, era orientada por objetivos e
técnicas semelhantes àquelas utilizadas pelas terapias psicodinâmicas (Hoffman,
1987; Sluzky,1997).
Bowen (1974) focalizou os aspectos emocionais e intelectuais que permeiam
as interações entre os membros do sistema familiar. Descreveu, no conceito massa
indiferenciada do ego familiar, um alto grau de fusão emocional que pode ocorrer
em um sistema família. Considerou que esse estado de fusão emocional contribui de
forma negativa ao processo de diferenciação do self de cada membro do sistema
familiar, pois a autonomia de um é interpretada como traição pelos demais. Essa
dinâmica produz um forte temor de abandono por parte de cada integrante da
família.
Bowen (1974) apontou a dificuldade de diferenciação como fonte das
disfunções apresentadas pelos integrantes de um grupo familiar. Para esse autor, as
patologias individuais podem se desenvolver a partir de uma crescente
indiferenciação entre os membros da família, durante várias gerações.
Ressaltamos que o objetivo da terapia proposta por Bowen (1974) está
vinculado à busca da diferenciação do self de cada integrante do sistema. Uma vez
que a família é compreendida por ele como uma rede de pessoas interligadas, a
transformação em um ponto da rede, por exemplo, uma pessoa, repercurte em toda
37
a rede, em todos os integrantes do sistema familiar. Sua proposta terapêutica se
direciona ao crescimento e desenvolvimento de cada membro da familiar.
O modelo contextual teve início a partir da prática clínica e de elaborações
teóricas de Y. Boszormenyi-Nagy e Geraldine M Spark (1983). Os autores abordam
as interações familiares focalizando a natureza dos intercâmbios existentes entre os
membros da família nuclear e da família extensa. Desenvolveram a noção de ética,
de justiça e de lealdade e propuseram a metáfora do grande livro para representar a
“contabilidade” familiar, ou seja, o equilíbrio entre o “dar” e o “receber”, que permeia
as relações entre pais e filhos ou entre a família nuclear com a família extensa.
Boszormeny-Nagy e Spark (1983) identificam uma disfunção familiar como
resultado de um acúmulo de dívidas ou de injustiças cometidas pela família. Sob
essa ótica, justiça está relacionada com a forma de distribuir os recursos familiares,
tanto os materiais, como os imateriais (amor, cuidado e atenção).Tal distribuição é
feita com base na ética que governa as relações familiares. Tomaram o conceito de
ética como um conjunto de conceitos e valores que atuam para manter o equilíbrio
nas interações dos indivíduos, operando segundo a lei da reciprocidade, que leva
em consideração tanto os interesses individuais como os interesses do grupo.
A ideia de que os fatos ocorridos em uma geração influenciam as gerações
seguintes, assinalados por Boszormeny-Nagy e Spark (1983), destaca o aspecto
multigeracional que permeia as relações familiares, que são melhor compreendidas
a partir do conceito proposto de lealdade.
O conceito de lealdade constitui uma das ideias centrais da terapia
contextual, está relacionada a noções de vínculos e pautada na ética do sistema
familiar. É considerada como um sentimento de compromisso e solidariedade, que
estabelece uma unidade comum tanto às expectativas, quanto às necessidade dos
integrantes de um sistema social (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1983).
A emergência de comportamentos patológicos em um membro da família,
muitas vezes expressos em lealdades invisíveis, pode estar relacionada a um
conflito de lealdade localizado em gerações anteriores, a uma injustiça com um
membro da família, a dívidas não saldadas, a méritos não reconhecidos, enfim, às
circunstâncias que promovem um desequilíbrio no âmbito da ética que governa as
relações da família. Assim, a natureza do comportamento patológico estaria
38
diretamente relacionado com um “acerto de contas” entre os integrantes de um
determinado grupo familiar. A proposta de trabalho terapêutico se direciona à
explicitação das injustiças contabilizadas, na tentativa de propiciar um contexto no
qual seja possível saldar as dívidas e dar início a um novo estágio da contabilidade
familiar (Boszormenyi-Nagy & Spark, 1983).
No segundo período da cibernética de primeira ordem, ressaltou Grandesso
(2000) que a noção de mudança de segunda ordem somada à definição
epistemologica dos sistemas observados possibilitou o desenvolvimento dos
modelos que propunham mudanças nas interações familiares a partir da introdução
de crises desestabilizadoras da homeostase familiar. Partindo dessa orientação,
destacaram-se os modelos que focalizavam a “estrutura” (MINUCHIN, 1982;
MINUCHIN, FISCHMAN, 1990;UMBARGER, 1987) e a “terapia experiencial
simbólica” (WHITAKER, BUMBERRY,1990).
Além da influência da cibernética, da obra de Claude Leví-Strauss, as práticas
voltadas às famílias marginais contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento
da hipótese de que “os problemas estruturais da família e em torno social
significativo constituem o problema” (SLUZKY, 1997, p. 128). Das contribuições de
Minuchin (1974) e de Minuchin e Fischman (1981), Sluzky (1997) ressaltou que os
terapeutas, além de proporem os conceitos de subsistemas e fronteiras,
desenvolveram metodologia para a representação gráfica das interações familiares.
Da mesma forma, elaboraram estratégias de intervenção que se propunham, a
modificar as relações intra e extrafamiliares relacionadas à disposição de poder e de
responsabilidade vinculada a conflitos e sintomas.
A partir de uma visão normativa da família, Minuchin (1990) propôs a noção
de que o funcionamento do sistema familiar opera a partir da interação entre os seus
subsistemas, e que estes têm demarcadas suas funções específicas. A família,
segundo o autor, deve tanto proteger seus membros quanto habilitá-los para a
interação com o meio social.
Apoiado na ideia de ciclo vital, Minuchin (1990) indicou que o grupo familiar se
desenvolve, e que as funções familiares se alteram no decorrer desse processo.
Apontou que um sintoma expresso por um membro da família pode estar vinculado
39
tanto a uma dificuldade em superar as etapas de desenvolvimento, quanto à
dificuldade dos subsistemas em exercer suas funções.
O sistema familiar tem se transformado, ao longo da história, em uma
contínua adaptação às mudanças que ocorrem na sociedade. Para cumprir as
funções de socialização de seus integrantes, a família deve promover tanto a
proteção psicossocial dos seus integrantes quanto atuar na acomodação em uma
determinada cultura e à transmissão dessa mesma cultura. Como nos esclarece o
autor:
A mudança sempre se desloca da sociedade para a família, nunca da unidade menor para a maior. A família mudará, mas também permanecerá, porque é a melhor unidade humana para sociedades rapidamente mutáveis. Quanto mais flexibilidade e adaptabilidade requer de seus membros, mais significativa se tornará a família, como matriz do desenvolvimento psicossocial (MINUCHIN 1990, p. 56).
O autor compreendeu a família como subsistema social, um grupo natural
que, gradualmente, desenvolveu padrões de interação definidores da sua estrutura.
Sua principal tarefa é dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover
sentimento de pertinência aos indivíduos.
A definição de estrutura familiar foi descrita por Minuchin (1990, p. 57) como
“o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais
os membros da família interagem”. Os integrantes do sistema familiar incorporam,
por meio da experiência, o mapeamento desse sistema, que é expresso pelos
padrões transacionais que surgem a partir de transações repetitivas, desenvolvidas
pela família. Identificam os limites tanto individuais, como os do subsistema familiar.
A noção de que a família pode ser compreendida como um sistema,
composto por subsistemas, que operam segundo padrões transacionais que
regulam o comportamento de seus integrantes, foi proposta por Minuchin (1995).
Partindo da ideia de organização em diferentes níveis, ressaltou a importância da
hierarquia de poder distribuído entre os integrantes do sistema familiar.
As funções familiares são executadas, segundo Minuchin (1990), através de
diferentes subsistemas que exercem funções específicas. Há uma distinção
hierárquica de poder na família, sendo que os pais têm um nível diferente de poder
40
em relação aos filhos, ressaltou que a maior autoridade na família deve estar
representada pelo subsistema parental.
O subsistema conjugal é constituído pelos cônjuges, cujo espaço relacional
tem início na formação da família. Os padrões relacionais estabelecidos determinam
também os limites e fronteiras que preservam o casal e o indivíduo no casal.
Segundo o autor, esse é um fator estrutural da funcionalidade do sistema familiar.
Qualquer disfunção no subsistema conjugal compromete sobremaneira todo o
desenvolvimento familiar, uma vez que os filhos adotam esse modelo para as
relações de intimidade. As crianças veem nesse subsistema um modelo de
expressão de afeto, uma maneira de lidar com as dificuldades e a forma de
solucionar conflitos no grupo de iguais (MINUCHIN, 1990).
O subsistema parental é integrado pelos indivíduos responsáveis pelos
cuidados com os filhos, pode incluir pessoas diretamente relacionadas com a guarda
e com as questões de disciplina dos filhos. Ressaltamos que compete a esse
subsistema as responsabilidades correspondentes à socialização e à educação das
crianças. Os filhos aprendem a trabalhar com a autoridade a partir do modelo
estabelecido, com o qual aprendem, também, a contar ou não com o apoio dos mais
poderosos. A partir disso, as crianças experimentam o estilo com o qual a família
realiza negociação e trabalha os conflitos. Esse subsistema deve se transformar na
medida em que as crianças se desenvolvem, devendo atribuir a elas mais
responsabilidade e autoridade com o passar do tempo.
O grupo de irmãos integra o subsistema fraternal. Nesse subsistema, se
configura o contexto no qual as crianças experimentam o primeiro grupo de
companheiros. Elas desenvolvem padrões interacionais que as habilita para
trabalhar as questões relativas à cooperação e à competição; assim, promove-se o
processo de senso de pertinência, de escolha e de competência.
As regras que governam as trocas de informações e de energia entre os
subsistemas são representadas pelo tipo de fronteira estabelecido. O termo fronteira
foi utilizado por Minuchin para representar os limites que configuram um subsistema.
São “as regras que definem quem participa e como cuja função é proteger a
diferenciação do sistema” (MINUCHIN, 1990 p.57).
O autor propôs três tipos de fronteiras que determinam três formas diferentes
de organizar o intercâmbio entre os subsistemas familiares:
41
As fronteiras nítidas permitem aos membros do subsistema desenvolver, sem
interferência, as suas funções e facilitam a manutenção do contato com os demais
subsistemas.
As fronteiras rígidas podem promover dificuldade na comunicação entre os
subsistemas. Quando esse tipo de fronteira é estabelecido entre o subsistema
conjugal e o subsistema filial, caracteriza-se por ser uma família do tipo desligada.
Nessas famílias, as funções protetoras estão prejudicadas. A diferenciação de seus
membros ocorre em ambiente de intensa autonomia, podendo gerar um sentimento
distorcido de independência. A capacidade de apoio familiar fica comprometida na
medida em que os membros dessas famílias podem apresentar dificuldade em
desenvolver sentimento de pertinência e de lealdade (Minuchin, 1974).
As fronteiras difusas, segundo o autor, intensificam a comunicação entre os
integrantes dos subsistemas, caracterizando famílias emaranhadas. A diferenciação
entre seus membros pode ser dificultada pelo implemento das funções protetoras. O
sentimento de pertencimento opõe-se de forma intensa à autonomia, o que
desencoraja as investidas no universo externo à família.
Minuchin (1974) ressaltou que tanto as fronteiras rígidas (extremamente
rígidas), quanto as fronteiras difusas (excessivamente permissiva) representam
formas disfuncionais de demarcar os limites relacionais entre os subsistemas e
dificultam o intercâmbio de informações entre os subsistemas circundantes.
Slusky (1997) ressaltou ainda que a metodologia desenvolvida pelos referidos
terapeutas ofereceu marcos de compreensão de problemas e estratégias de
mudança para o trabalho com redes sociais.
Dentre aqueles que focaram as redes sociais, Schnitman (2004) ressaltou
que, orientados pela noção de relações entre sistemas, trabalharam: as relações
que ocorriam dentro do sistema familiar; as relações que as famílias e seus
integrantes estabeleciam com a rede social que integrava o contexto de assistência
à família. A autora destacou que a capacidade de se estabelecerem conexões que
implementam os recursos dos sistemas, tanto ampliam o capital social da família,
como o seu potencial para o trabalho colaborativo.
42
Schnitman (2004), ao discorrer sobre os modelos de terapia familiar, apontou
o conjunto conceitual evolutivo que focalizou o desenvolvimento da família ao longo
do tempo, forneceu uma perspectiva longitudinal para compreender e trabalhar com
mudanças evolutivas. Os conceitos de ciclo vital da família, de crises previsíveis e
de crises imprevisíveis, propostos por Betty Carter e Monica McGolgrick, ajudaram a
compreender as diferentes transformações na organização da família em seu
processo evolutivo, assim como o processo de mudança de uma determinada fase
para a fase seguinte.
O conceito de ciclo vital possibilita-nos compreender uma família, visualizando
as fases de desenvolvimento percorridas e as que provavelmente se seguirão.
Observamos que cada fase impõe à família inúmeras tarefas e uma organização
específica, implicando, portanto, mudanças no contexto familiar para atender às
demandas do novo ciclo vital. “É impossível pensar em ciclo vital dissociado de
desenvolvimento (...)” (CERVENY, 1997, p.23).
Distintos teóricos trabalharam o conceito de ciclo vital, nessa pesquisa
adotaremos o conceito proposto por Cerveny (1997), que propõe as seguintes fases
para o desenvolvimento da família:
A fase de aquisição marca o início da família, o casal ocupa-se das
aquisições pertinentes ao desenvolvimento: filhos, moradia, acessórios domésticos e
bens que facilitem a organização de sua rotina.
É uma fase marcada por intensa negociação entre os esposos que, vindos de
famílias diferentes, trazem modelos específicos de interação, os quais precisam ser
reajustados para viabilizar a convivência.
O casal, nessa fase, por vezes se encontra sobrecarregado de funções.
Trabalha para firmar o relacionamento conjugal - tarefa um tanto árdua, pois implica
a acomodação da nova identidade de cônjuge - geralmente também precisa dar
conta das transformações impostas pela chegada dos filhos
(BERTHOUD,BERGAMI, 1997).
O termo família adolescente foi utilizado por Cerveny (1997) para designar
famílias que apresentam filhos na adolescência – período em que intensas
transformações físicas, psicológicas e de interação social são experimentadas pelos
jovens a partir da puberdade.
43
Segundo Luisi e Cangelli Filho, (1997) os pais, em relação à fase de
desenvolvimento dos filhos, nesse momento do ciclo vital da família, precisam
assumir a posição de promover cada vez mais a autonomia dos filhos, ao mesmo
tempo em que devem acompanhar suas investidas no mundo exterior à família.
A necessidade dos jovens de se diferenciar do grupo familiar coloca-os
progressivamente mais próximos do grupo de iguais, os amigos. Isso, geralmente,
repercute em conflitos intensos, em famílias que se organizam a partir de regras
rígidas de interação (LUISI, CANGELLI FILHO, 1997).
Os autores enfatizaram que, em famílias flexíveis, os adolescentes encontram
espaço para se integrar ao grupo de amigos, realizar suas experiências e, quando
necessário, voltam-se para a família na busca de segurança. Esse processo ocorre
de forma dinâmica e propicia também transformações significativas na vida dos pais.
Os pais, nesse momento, têm a oportunidade de refletir sobre seus
envolvimentos sexuais e, por vezes, deparam com sentimentos de insatisfação, com
problemas conjugais que, até então, eram mantidos guardados, esquecidos pelo
casal. Nessa fase, são intensificadas as reflexões sobre o posicionamento
profissional, podendo ocorrer reformulações que visam ao maior bem-estar no
futuro. Essa intensidade de transformações pode provocar, em casos de maior
rigidez nos padrões relacionais familiares, muitos divórcios (CERVENY, 1997).
Notamos que a família, mantendo-se rígida em oposição às mudanças,
dificulta o diálogo e a interação entre filhos e pais. Tal postura pode determinar uma
quebra e não um distanciamento natural nas relações familiares, deflagrando
conflitos e indisposições na família durante essa fase (LUISI, CANGELLI FILHO,
1997).
A fase madura se caracteriza pelo fato de filhos e pais se encontrarem na
fase adulta de desenvolvimento (CARBONE ,COELHO, 1997).
A grande maioria dos filhos já não mora mais com os pais; alguns se afastam
para estudar em outras cidades e moram em repúblicas; outros, estão envolvidos
com sua formação profissional, a maioria já constitui sua própria família,
promovendo com a chegada dos netos uma profunda transformação nas posições
44
familiares. Desse modo, processa-se um realinhamento de funções e papéis, os
filhos passam também a ser pais; os pais, agora, passam a ser avós.
A saída dos filhos da casa dos pais implica uma nova situação do casal. Após
muitos anos de convivência e trabalho voltado à criação e educação dos filhos, à
construção do patrimônio familiar, à conquista de estabilidade econômica, o casal
encontra-se sozinho novamente.
Os conflitos não resolvidos pelo casal, durante as fases anteriores, nesta
podem vir à tona, pois a rotina revela que as preocupações e os afazeres não são
mais relacionados aos cuidados com os filhos, e sim na relação de um cônjuge com
o outro.
Os cuidados com a saúde podem significar “uma real preparação para um
melhor envelhecimento e o início da degeneração física” (CERVENY, 1997, p. 15).
Esse casal, por vezes, encontra-se sobrecarregado de preocupações, pois
seus pais começam a requisitar cuidados especiais com a saúde. Às vezes a morte
de um dos pais implica tanto a elaboração do luto, como um remanejamento familiar
para amparar o cônjuge viúvo.
Em muitas famílias, observamos que esses pais, agora avós, ajudam os filhos
nos cuidados para com os netos. Há casos, também, em que os avós assumem
totalmente a tarefa de cuidado e educação dos netos, geralmente em casos
especiais de divórcio ou doença, em famílias de progenitor único. O mais comum é
os avós ajudarem nos cuidados com as crianças, durante o período em que os pais
estão trabalhando.
Dois aspectos importantes marcam a fase última do ciclo vital da família:
ruptura e continuidade (SILVA, ALVES, COELHO, 1997).
A ruptura, representada pela aposentadoria promove, a perda dos vínculos e
da rotina determinada pela organização da vida a partir das atividades profissionais.
Em alguns casos também representa perda do poder aquisitivo. O casal passa por
uma reformulação na organização dos afazeres domésticos. Nos casais em que
apenas o marido trabalhava, esse momento pode ser permeado por profundas
transformações, pois o espaço do lar, dominado quase que exclusivamente pela
esposa, agora precisa ser dividido com o esposo. Não é raro que muitas discussões
45
e indisposições aconteçam nesse período. As limitações físicas, por problemas de
saúde, colocam o casal na posição de necessitar de cuidado dos filhos.
A continuidade está relacionada à aquisição do papel de avós, que pode
significar a sobrevivência da espécie pela família. O encontro na intimidade do casal,
sem a mediação dos filhos, pode contribuir para um encontro mais prazeroso, na
medida em que ocorreram transformações no posicionamento individual decorridas
do amadurecimento de cada cônjuge (SILVA, ALVES, COELHO, 1997).
1.1.2 Mudando o foco da família para as pautas conversacionais
A inscrição da terapia familiar na pós-modernidade impulsionada pelo
construtivismo, que se apoiou na oposição à crença da objetividade e focalizou a
ambiguidade da experiência humana, apontou que os fragmentos dessa experiência
se tornam compreensíveis na medida em que passam por um processo de
organização, em que são atribuídos significados aos seus elementos constituintes.
O significado que os integrantes da família atribuíam aos problemas, às interações
que estabeleciam entre si e com o meio social é que deveriam ser trabalhados nas
sessões terapêuticas (NICHOLS, 2007). (grifo nosso)
Sobre as mudanças ocorridas na área da terapia familiar a partir dos anos
1980, Schnitman e Fuks (1996) ressaltaram que os estudos que até então se
centravam nas pautas de interação e na estrutura das famílias abriram espaço para
novas perspectivas que focavam a transversalidade da significação, a
generatividade comucacional na construção de marcos de sentido, de práticas e a
semiose social. Segundo a autora a sistêmica progressivamente centrou-se em:
1) o estudo dos contextos comunicacionais e interacionais com ênfase na pragmática; 2) o estudo das interfaces entre contextos expandindo-se até redes, cascatas generacionais, organizações, comunidades; 3) o estudo das construções narrativas por meio de modelos textuais e hermenêuticos; 4) o estudo da terapia como hipertexto com metáforas dialógicas abertas multidimensionais. (SCHNITMAN, FUKS,1996, p. 245).
46
A direção tomada pelo campo da terapia familiar e das práticas sistêmicas na
pós-modernidade acabou organizando e originando as terapias sistêmicas
construtivistas e construcionistas sociais, que configuraram, por sua vez, os modelos
conversacionais, dialógicos ou narrativos. Estes modelos questionam os modelos
tradicionais que, partindo de modelos normativos, identificavam patologia e
disfuncionalidade (diagnósticos), que orientados pelas teorias clínicas, propunham
mudanças direcionadas à conquista de maior funcionalidade para o sistema familiar.
(GRANDESSO, 2000).
Assim como o construtivismo proposto por Von Glasersfeld (1984), o
construcionismo social, nomeado por Gergen (1985), também compartilhou da
posição de confronto tanto em relação à crença da possibilidade de conhecimento
objetivo da realidade, quanto da noção de linguagem como representação dessa
realidade. “Ambas as posições coincidem no papel construtivo do conhecimento e
da linguagem.(...) a auto-referência e a reflexividade atravessaram a construção do
conhecimento” (FRIED SCHINTIMAN,FUKS, 1996, p. 246).
Corroborando com o assinalamento de Fried Schnitman e Fuks (1996),
Grandesso (2000), a partir de uma análise profunda das posições construtivista e
construcionista, ressaltou as seguintes interfaces entre as epistemologias:
confrontam a certeza e a objetividade e enfatizam a natureza construtiva do
conhecimento; mantêm uma compatibilidade metodológica, em que o observador
age, experimentando o mundo como construção; o observador cria as distinções, as
quais denomina de realidade; confrontam a noção de mente enquanto dispositivo
para refletir a natureza; rejeitam a visão correspondista da linguagem como
representação iônica do mundo; reconhecem o contexto social como espaço em
que a realidade; rejeitam a concepção essencialista do self (GRANDESSO 2000, p.
104).
Sobre as divergências das posições construcionista social e construtivista, a
autora destacou as seguintes diferenças, apresentadas resumidamente no seguinte
quadro:
47
Principais divergências entre o construtivismo
e o construcionismo social
Construcionismo social Construtivismo
- ênfaseà práticas sociais de intercâmbio
entre pessoas
- ênfaseà indivíduo biológico e psicológico
- “mundo da experiência” à construído nas práticas discursivas decorrentes dos processos microssociais
- “mundo da experiência”à construído pelos processos mentais
- mundo e menteà definidos como práticas discursivas sujeitos à contestação e à negociação
- mundo e mente à definidos como experiência individual, organizados pela cognição e suas operações
- ideias, lembranças e conceitosà derivados dos relacionamentos sociais
- ideias, lembranças e conceitosà derivados das operações mentais do individuo
- ação humanaà vinculada aos relacionamentos à ação conjunta (Shotter)
- ação humanaà vinculada aos processos intrínsecos do indivíduo
- funcionamento individual sujeito ao intercâmbio comum das práticas sociais
- funcionamento individual
sujeito ao determinismo estrutural (Maturana),
operando somente a partir de dentro de sua
organização sistêmica
- processo psicológicoà histórica e
culturalmente contingentes e não possessões
do indivíduo
- processo psicológicoà possessões do indivíduo
- aspecto enfatizado à discurso sobre a
experiência privada e sistemas linguísticos de
descrição
- aspecto enfatizado à crenças, esquemas e a priori cognitivos, organizados e expressos na linguagem
Original GRANDESSO, 2000 p. 103.
Sob a influência do construcionismo social se desenvolveu o conjunto
discursivo-narrativo, que propôs que a conversação e a coordenação entre as
pessoas geram processos constitutivos de identidade e mundos sociais. Fried
Schnitman (2004) ressaltou que esse grupo identifica a co-criação de significados e
ações através de e na comunicação e ação conjunta. O processo generativo é
alcançado a partir da compreensão e coordenação co-constitutivas de diálogos,
sentidos, narrativas e ações. A inclusão dos modelos textuais e hermenêuticos
viabilizou a inserção das dimensões simbólicas e intersubjetivas, possibilitando o
trabalho com a coordenação de sentido, incremento do empowerment,
reconstruções narrativas e recriações autobiográficas.
O conjunto epistêmico-interpretativo, desenvolvido a partir do modelo
construtivista, focalizou o processo de construção e interpretação do conhecimento e
48
de crenças as quais, uma vez co-construídos familiar e culturalmente, podem ser
trabalhado, e, de acordo com seu potencial, é possível produzir coordenações
cognitivas e interpretativas alternativas e inovadoras. Assim, como esclareceu a
autora, “as propriedades dos problemas se deslocam para as propriedades dos
sujeitos-atores – cognoscentes-interpretativos-atuantes – em busca de soluções
para os problemas que levam as pessoas à consulta” (FRIED SCHNITMAN, 2004 p.
77). O trabalho realizado pelos integrantes desse conjunto é construído a partir das
competências conversacionais que permitem a compreensão das especificidades
dos diálogos que promovem mudanças ou estagnação.
Alguns terapeutas, segundo assinalou Fried Schnitman (1996), trocaram as
metáforas da cibernética pelas metáforas da hermenêutica. Harlene Anderson e
Harold Goolishian (1988) tomaram a conversação como a metáfora central da
terapia, sendo mobilizada pelos circuitos intersubjuntivos de diálogo. A metáfora
central para a terapia passou a ser a conversação.
A ênfase na construção dos significados e a maneira peculiar de os indivíduos
os atribuírem aos seus problemas se tornou o foco das terapias denominadas
colaborativas, pois foi demarcada uma posição igualitária entre terapeuta e
pacientes (GRANDESSO, 2000).
O terapeuta não mais ocupava o lugar de interventor que opera um sistema,
seja um indivíduo ou uma família, dirigindo-o a alguma meta idealizada como mais
funcional. Assumindo a condição de ser mais um que integra o sistema, o terapeuta
passou a atuar no sentido de co-participar do sistema terapêutico, “atuando para
uma transformação co-evolucionária, que conta com a surpresa e o imprevisível à
medida em que os sistemas produzem sua própria mudança” (GRANDESSO, 2000,
p. 131). Acrescentou ainda a autora que assim como a cibernética de segunda
ordem enquanto epistemologia se apresentou como construtivista, as terapias
originárias desses modelos passaram a ser chamadas de terapias sistêmicas
construtivistas, ou de terapias de segunda ordem.
Schnitman (2004) enfatizou que a terapia sistêmica ao se apoiar nas
perspectivas de autorreferência e reflexividade, assim como ao tomar o observador
enquanto agente de experimentação e criação da realidade, focalizou a
subjetividade e o sujeito em contexto, assim demarcando uma abordagem em que o
“si mesmo” e as relações são apreendidas simultaneamente.
49
As metáforas de self e rede como processo possibilitam pensar intervenções
revestidas de busca e criatividade. Tais intervenções estão implicadas com aspectos
éticos e políticos, uma vez que envolvem os integrantes das trocas comunicativas
em uma situação de escolhas, opções, responsabização, eleição entre a antiga e
nova forma de identificar e compreender um dado aspecto da realidade.
As possibilidades cognitivas, afetivas e de ação se atualizam quando podem ser incorporadas em marcos geradores de sentido, novas práticas e novos contextos. (...) A emergência do self e dos ‘mundos possíveis’ pode voltar-se assim ao centro de processos singulares articulados ao redor da reflexão e da ação específica, e de aquilo que tem o potencial de produzir a dita emergência. Esta perspectiva restaura a ‘apropriação’ de um lugar ativo – o de sujeito em contexto – a partir do qual se pode operar sobre as próprias circunstancias e na dissolução de problemas e a criação de possibilidade (FRIED SCHNITMAN, 2004, p. 75).
A autora, ao abordar os diferentes modelos de terapia familiar, enfocou um
novo marco conceitual operativo e transversal para ser utilizado no trabalho com a
diversidade das situações que as famílias vivenciam: a perspectiva generativa, de
desempenho e transformadora que podem ser identificadas em qualquer um dos
modelos. Na perspectiva generativa, as intervenções se orientam no sentido de
ampliar e potencializar o número de opções disponíveis para a família. Sobre a
perspectiva de desempenho, há o foco sobre o exame da maneira como a
comunicação possibilita e fortalece formas viáveis de ação. A perspectiva
transformadora se refere à maneira como os integrantes das conversações
reconhecem as inovações que operam, reconhecem a si próprio e aos demais como
produtores de conhecimento e ações, empoderando-se de seu poder pessoal.
A terapia familiar, pode a partir da ênfase na compreensão dos sistemas
humanos como geradores de significação, ser entendida como uma prática social
em que é oferecida a indivíduos, famílias e comunidades uma oportunidade de
envolver-se de maneira ativa na construção de sua realidade. No espaço
terapêutico, emerge a possibilidade de explorar competências antes ignoradas, que,
por sua vez, atuam na construção de novas possibilidades. A reflexão sobre esse
processo criativo vai implementando a capacidade de criação de novos horizontes
de possibilidades, característicos de um processo recursivo (SCHNITMAN, 2004).
A partir dessa breve descrição das mudanças que ocorreram na área da
terapia familiar sistêmica, podemos identificar como os problemas humanos foram
50
sendo abordados de maneira peculiar em distintos momentos desse processo de
desenvolvimento. A mudança do foco na família enquanto lócus dos problemas para
o foco sobre as conversações entre os indivíduos como construtoras e
mantenedoras de problemas, abriu espaço para reflexões sobre as conversações
que ocorrem em diferentes pontos do contexto social, nos quais os integrantes das
famílias interagem. O trabalho em rede, em comunidade, com segmentos
específicos dos serviços de saúde, vem se desenvolvendo baseado, nesses
mesmos princípios que orientaram as práticas em terapia familiar sistêmica a partir
dos anos de 1980.
Esclarecemos finalmente, que adotamos o pensamento sistêmico novo
paradigmático descrito por Vasconcellos (2006) como referencial teórico desta
pesquisa. Esse referencial ao contemplar “o paradigma da complexidade do
universo, em todos os níveis; o paradigma da instabilidade ou da auto-organização
dos sistemas; o paradigma do construtivismo, ou da construção subjetiva da
realidade” nos proporciona fundamentos teóricos apropriados para a abordagem do
nosso problema de pesquisa que se constitui da investigação sobre as crenças e
expectativas, dos integrantes do sistema escolar e do sistema familiar, tanto na
identificação dos problemas que se expressam como queixas escolares como na
condução das ações orientadas a para resolução desses problemas.
Orientados pela crença na intersubjetividade, na complexidade e na
imprevisibilidade, buscamos verificar se a partir da apresentação de novas formas
de pensar e abordar problemas de indivíduos e de famílias é possível desenvolver
nos integrantes da comunidade escolar uma visão mais ampla sobre os problemas
que ocorrem com os alunos no contexto escolar, ou seja uma percepção de
problema que não tenha: como principio o diagnostico das “disfunções da crianças
ou de seu grupo familiar”; como propósito o encaminhamento tanto da criança como
de sua família para especialistas que teriam a função de transformação da
performance da criança ou adolescente na escola.
51
2 FAMÍLIA - AS DIFERENTES FORMAS DE ORGANIZAÇÃO AO
LONGO DO TEMPO
Como o foco deste trabalho envolve a família, a escola e a relação
estabelecida entre estes dois subsistemas sociais, acreditamos ser necessário
apresentar a concepção de família sobre a qual nos referimos.
Falar de família requer, pelo menos, dois cuidados iniciais: o primeiro é
reconhecer o desenvolvimento que esse sistema foi operando ao longo do tempo; o
segundo é explicitar as diferentes configurações que a família vem assumindo na
atualidade.
2.1 Aspectos históricos da constituição do grupo familiar
Inicialmente, destacamos a questão do desenvolvimento desse subsistema
social enquanto uma instituição, pois a família de que falamos hoje, composta por
pai, mãe e filhos, nem sempre teve essa mesma composição. Essa família nuclear
conjugal moderna pode ser compreendida como o resultado da relação recursiva
com os demais subsistemas sociais em desenvolvimento.
Ao discorrer sobre a história da família, Poster (1979) ressalta que esse
processo deve ser compreendido como descontínuo, não linear e não homogêneo.
Faz referência a quatro modelos de família do século XVI até o começo da
Revolução Industrial. Descreve a família aristocrática e a família camponesa dos
séculos XVI e XVII, a família burguesa de meados do século XIX e as famílias das
classes trabalhadoras da primeira metade do século XIX. O argumento central de
suas análises é que “a família moderna nasceu no seio da burguesia da Europa (...)
a burguesia desenvolveu uma forma de família em nítido contraste com a da
aristocracia e a do campesinato” (POSTER,1979, p49.). Assinala com veemência
que a família atual apresenta, em sua constituição, uma mistura de elementos
históricos, porém destaca as características predominantes da família burguesa na
família moderna.
52
Ainda com relação a mudanças históricas no conceito de família, vale
distinguir o conceito de público e privado. Galano (2006) ressaltou que a distinção
entre o público e o privado é um fenômeno recente na história. Durante a Idade
Média, na Europa, a vida política e social organizava as relações de trabalho e de
consanguinidade, assim os homens se reuniam em clãs, fraternidades, linhagens,
formando grupos com características corporativas. Tanto a aristocracia, como os
menos favorecidos se apoiavam mutuamente no sentido do cuidado comunitário.
Os indivíduos transitavam em um espaço que não se definia nem como
público nem como privado, a vida transcorria entre ações de solidariedade senhoral
estabelecida entre as linhagens e os vínculos de vassalagem (GALANO, 2006).
As casas da aristocracia refletiam em sua grandiosidade o poder que o
senhor exercia sobre os campesinos. Nela transitavam dependentes, parentes,
clientes e criados em fluxo continuo entre os cômodos que não guardavam qualquer
privacidade. As relações estabelecidas entre os membros da casa eram organizadas
a partir de uma hierarquia que ditava normas rígidas para o desempenho de papéis
e funções especificas. A rotina da família aristocrática, segundo Poster (1979,
p.56..), se dava em “uma roda viva de trocas publicas, cujo centro era o status da
casa e não a unidade conjugal”.
Sobre os cuidados com as crianças, o autor ressaltou que eram os
agregados e empregados que se ocupavam delas, amamentadas por amas de leite,
mantinham pouco contato com os pais, não se constituíam assim em objeto de amor
e afeição. A vida emocional da criança se desenvolvia mediante interação com uma
rede de adultos que não mantinham com ela qualquer investimento afetivo. O mais
importante na criação dos infantes era a aprendizagem da obediência à hierarquia
social.
As famílias dos campesinos dependiam da unidade da aldeia para
sobrevivência. Assim, apesar de contarem com um numero reduzido de integrantes,
mantinham relações intensas com o meio social. A autoridade social vinha da figura
dos senhores de terra e dos representantes da Igreja e os costumes que
organizavam a rotina se fundamentavam nas tradições que eram transmitidas nas
interações sociais (POSTER, 1979).
Sobre as crianças campesinas, o autor ressaltou que eram cuidadas pelas
mães que contavam com o apoio das mulheres mais velhas ou das meninas da
53
aldeia. As práticas de cuidado eram realizadas com pouco envolvimento emocional.
As crianças a partir dos sete anos eram enviadas a outra casa para a aprendizagem
de atividades diversas, assim desenvolviam a noção de que deveriam depender da
comunidade para sobreviverem, não dos pais. Circulando entre os adultos e
participando de todas as atividades, as crianças deveriam assimilar os valores e
costumes das tradições culturais e religiosas da aldeia.
Com o passar do tempo, assinalou Galano (2006), essas organizações foram
ganhando novas configurações, e a luta para ampliar e manter o território deu
origem a uma nova organização dos indivíduos. Foram formados os feudos que
eram defendidos pelos senhores e guerreiros e assim também uma nova ordem de
poder político e econômico se formava – a nobreza.
Composta de artesões, camponeses, religiosos, soldados, chefes, lideres
militares e os excluídos, a sociedade rural que se formou mantinha os laços entre os
indivíduos através da honra, lealdade ao rei e moralidade religiosa. A integração ao
clã ou linhagem oferecia aos indivíduos a vivencia de família da época e se
sustentava pela articulação de patrocínio e apoio político que asseguravam a
manutenção da unidade e da estrutura social. Os casamentos, exogâmicos,
destinados à manutenção da patronagem, aconteciam por meio da união das filhas
dos senhores com homens de extrato social inferior. O acesso à escrita só ocorria
aos integrantes do clero e da nobreza, e os valores e a moral fundamentados no
cristianismo eram transmitidos quase que integralmente de forma oral
(GALANO,2006).
As práticas coletivas e comunitárias, ressalta a autora, foram ao poucos
dando lugar a uma nova forma de organização social. A unidade social promovida
pela manutenção dos valores e da obediência aos desígnios da Igreja foi quebrada
pelo movimento protestante que instaurou um novo foco de referência reflexiva;
nesse sentido, a valorização do homem suplantou a valorização de Deus, assim o
novo refúgio dos indivíduos começou a ser construído dentro do espaço familiar, o
sagrado dá lugar à família e ao indivíduo.
Os casamentos consanguíneos surgiram como tentativa de manutenção do
poder das grandes famílias, que passaram a agenciar as uniões de suas herdeiras,
ou as mulheres eram levadas a casar com os homens que pudessem garantir ou
avolumar o patrimônio familiar, ou eram encaminhadas para os conventos.
54
As aventuras para além das fronteiras terrestres com o intuito de conquista de
novos territórios e fortalecimento do comércio levaram portugueses, espanhóis,
holandeses e ingleses ao encontro das terras que se constituíram em suas colônias.
Nasceu assim o Brasil, no período colonial, que constituiu seu povo a partir da
integração de nativos, portugueses e africanos, que se organizou em uma sociedade
agrária, híbrida e escravocrata (GALANO,2006).
A colonização do Brasil, polarizada na Bahia e Pernambuco, se desenvolveu
através do plantio da cana de açúcar, e, em São Paulo e Minas, pelavoltadas a
plantação de café. Tal colonização, foi feita com a integração dos viajantes que aqui
chegavam sem suas famílias, com os povos indígenas, e posteriormente, com os
negros trazidos da África. A autora ressaltou que as portas da colônia eram abertas
aos estrangeiros, desde que fossem católicos.
Ainda que a convivência entre portugueses e negros fosse organizada numa
relação social mantida pelo regime da escravidão, dentro da “casa grande” as raças
se misturavam, configurando um espaço de intercâmbio cultural e alterando as
relações sociais.
Ressaltamos que a partir desse período histórico, duas grandes questões
começaram a se impor às sociedades e às famílias: a manutenção da saúde e a
promoção da educação das crianças. Como o interesse de nossa pesquisa está
voltado para a intersecção desses dois campos, discorremos mais detalhadamente
sobre eles em capítulos distintos.
No século XVIII, grandes revoluções implementaram profundas
transformações políticas e econômicas que culminaram na crescente urbanização e
na estratificação social das sociedades. O surgimento das Repúblicas na Europa e a
ascensão e fortalecimento da burguesia consolidaram: o desenvolvimento da
sociedade industrial urbana, o estabelecimento do livre comércio, garantia da
igualdade dos indivíduos e muitas outras condições que demonstravam mudanças
definitivas na organização social (GADOTTI, 2003).
A família burguesa veio se formando desde o final da Idade Média e início da
Renascença no espaço urbano, com um padrão demográfico que aponta para a
restrição cada vez maior do número de filhos. A definição moral da família burguesa
se deu por meio da oposição à promiscuidade do proletariado e da sensualidade da
nobreza, constituindo-se em uma classe que se considerava dotada de virtuosa
55
renuncia. Os casamentos na sociedade burguesa inicialmente consolidavam
interesses financeiros e sociais, porém posteriormente, a partir da escolha dos
próprios cônjuges em razão do amor romântico, consolidou a moral de união
definitiva dos esposos, conforme também preconizava a Igreja Católica. Em
oposição à hostilidade do mundo das relações sociais permeadas pela competição
imposta pelo capitalismo, a família foi se desenvolvendo como um espaço de
relações afetuosas, intimas e cordiais (POSTER, 1979).
A sexualidade foi rechaçada da família burguesa, e a interação entre os
membros das famílias se dava a partir de papéis bem definidos. As mulheres
chegaram a ser consideradas como seres assexuados, angelicais, dependiam da
posição social e econômica de seus maridos, a elas cabiam os afazeres domésticos,
o cuidado amoroso e a orientação dos filhos. Os esposos cumpriam a função
provedora e exercia a autoridade na família, podendo que sua sexualidade ser
também vivida com prostitutas (POSTER, 1979).
A criança de idade pré-escolar da família burguesa não se relacionava com
outras crianças, seu contato era estabelecido com um número reduzido de adultos
que circulavam pelo espaço da família e as normas de interação entre pais e filhos
deixaram de ser estabelecidas pelos valores e costumes da comunidade e passaram
a ser ditadas pelos livros e revistas especializadas, causando, segundo Poster
(1979), um colapso das normas tradicionais.
O desenho mais restrito na forma de constituição da família possibilitou o
desenvolvimento dos sentimentos de individualidade, privacidade e intimidade que,
como ressaltou Galano (2006), se tornaram imperativos da ideologia burguesa. Essa
família menos numerosa acabou reconhecendo as particularidades das crianças,
que passaram a ser valorizadas, cuidadas e educadas. Nasceu então o que hoje
identificamos como sentimento de família e o reconhecimento de infância.
A invenção da imprensa, daí o acesso aos livros fora do espaço controlado
pela Igreja, abriu caminho para a ascensão de novos valores que foram
disseminados através: da nova classe social dominante, a burguesia que assumiu o
encargo de ditar as novas regras para orientar a interação entre as pessoas; dos
cientistas, que propunham explicações objetivas da realidade; dos escritores, que
criavam os modelos de heróis humanos. Dessa fase, ressaltou Galano (2006), uma
nova classe de excluídos se formou – os analfabetos.
56
O desenvolvimento da indústria e do comércio não foi suficiente para absorver
o grande número de migrantes que deixaram a vida do campo em busca de novas
práticas laborais. As cidades não contavam com estrutura suficiente para integrar a
todos, assim dando início à formação de agrupamentos de pessoas, que perderam o
contato e a referência com suas comunidades, estabelecendo-se ao redor dos
centros urbanos, e formando um cinturão de pobreza sem coesão social
(GALANO,2006).
A estrutura das famílias dos trabalhadores urbanos, segundo Poster (1979),
se desenvolveu sob condições de angústia social e econômica. Inicialmente o grupo
de trabalhadores mantinha relações próximas entre si, principalmente no que diz
respeito às mulheres. Elas mantinham intenso contato e se apoiavam no cuidado
das crianças com a ajuda das avós. Os homens se relacionavam com maior
proximidade nas fábricas e nos bares. As crianças mais velhas, por vezes,
acompanhavam os pais no trabalho, porém, chegando a juventude, se emancipavam
dos domínios da família, integrando-se a grupos de iguais que muitas vezes, pelos
infortúnios que causavam, foram reconhecidos pelas classes dominantes como
“delinquentes juvenis”.
A burguesia industrial propiciou o espaço para o desenvolvimento e o
estabelecimento da classe dos empregadores e dos empregados, e estes últimos, a
partir da organização de classe fizeram emergir uma nova figura de poder, os
sindicalistas. O poder político, outrora transmitido pela herança familiar, naquele
momento, passou a ser disputado com os representantes das classes operárias
(GALANO, 2006).
O espaço de trabalho se distanciou do espaço de moradia, o espaço
doméstico, privado, revestido de romantismo se constituiu no contexto em que o
carinho e a atração sexual poderiam ser vividos. Distinto, o espaço da coletividade
reunia e requeria relações entre indivíduos sem qualquer proximidade emocional.
Uma nova organização dos laços afetivos se estabeleceu a partir da nítida
separação entre o público e o privado. A família, no modelo burguês, da Idade
Moderna, constituída por pais e filhos, se manteve como um grupo solitário, distante
das interações sociais que anteriormente estabelecia com a comunidade (GALANO,
2006).
57
As esposas das classes trabalhadoras que por muito tempo ainda
preservaram o contato com a comunidade passaram a permanecer isoladas nos
lares, os esposos também se recolheram ao ambiente doméstico, e ambos
centraram seus interesses nos filhos e no futuro (POSTER, 1979).
Os costumes e hábitos de cuidado e higiene burgueses disseminados foram
assumidos pela família dos níveis superiores da classe trabalhadora, assim como a
estrutura de autoridade e amor durante a primeira fase de desenvolvimento das
crianças. Poster (1979) ressaltou que importantes setores da classe trabalhadora
“reconheceram a legitimidade moral da burguesia ao adotar a sua estrutura de
família” (POSTER, 1979 p. 214).
A interação da família com os jovens também foi altamente modificada a partir
do reconhecimento da adolescência como um período preparatório para o exercício
das funções que deveriam ser assumidas na vida adulta. A valorização do estudo e
do trabalho para a conquista de status levou a família a exigir cada vez mais
envolvimento dos jovens com seu futuro (GALANO, 2006).
Ao finalizar a abordagem da história da família, Galano (2006) ressaltou dois
momentos não tão distantes que merecem destaque em nossa apreciação. Da Idade
da pós-moderninade, que teve inicio a partir dos anos 60-70 do século passado, na
revolução cultural ocorrida na Europa e Estados Unidos, a autora destacou que os
estudos em diversas áreas demonstravam a ineficiência do discurso moderno
juntamente com seus paradoxos e contradições. Uma sociedade marcada pela
obrigatoriedade do consumo viu nascer nos anos de 1960 e 1970 uma sociedade
alternativa, constituída de naturalistas, hippies, ativistas de esquerda, os
homossexuais, as feministas que lutavam por direitos, e todos aqueles que se
opunham à sociedade de consumo.
O desenvolvimento dos métodos contraceptivos possibilitou aos casais a
vivência da experiência sexual distante do risco de gravidez, mobilizados pelo
desejo passaram a valorizar o prazer sexual. Os laços emocionais que se
estabeleciam nas relações afetivas eram frouxos, instaurando a ética relacional do
não compromisso em que é valorizada apenas a vivência do momento (GALANO,
2006).
A inconstância das relações e a fragilidade dos vínculos afetivos, segundo a
autora, desencadearam tanto o aumento do número de divórcio como o
58
estabelecimento de novas formas de união, a saber: lares monoparentais, famílias
reconstituídas, homoparentalidade.
Nos anos de 1990 do século passado, o fenômeno da globalização da
informação delimitou, segundo Galano (2006), a Idade Cibernética. A autora citando
Piscitelli (2005) ressaltou que, a partir da invenção da World Wide Web (WWW),
uma nova era se configurou, pois instaurou a possibilidade de comunicação, por
vezes em tempo real, de milhões de usuários independente de nacionalidade, etnia,
gênero e religião. Novas possibilidades de viver e se relacionar foram possíveis a
partir do desenvolvimento das novas tecnologias: o hipertexto e a virtualidade.
As novas tecnologias promovem novas formas de viver e se relacionar aos
indivíduos, influenciando sobremaneira no estabelecimento e na manutenção dos
vínculos familiares.
2.2 Considerações sobre particularidades do grupo familiar na
atualidade
Não podemos contestar que essa família conjugal nuclear, criada com base
no amor romântico, voltada aos cuidados dos filhos e com o firme propósito de
conquistar uma rotina de bem-estar para todos, habita em nossa mente. Nós,
terapeutas familiares, muito temos nos dedicado para distinguir essa família
idealizada das famílias reais, que povoam e constituem nosso meio social.
Hoje, a diversidade de arranjos forjados pelas mudanças sociais, culturais e
econômicas dá uma nova imagem da constituição da família, ainda na grande
maioria nuclear, mas não necessariamente composta pelo pai, mãe e filhos. Ao lado
das famílias compostas por pai, mãe e filhos, temos encontrado: crianças
convivendo com apenas um dos progenitores, que pode ou não contar com a
presença de avós, tios ou outro parente; avós que assumem a criação dos netos, em
função da ausência de ambos os pais; famílias recasadas; famílias sem filhos,
famílias homossexuais; e famílias em que os filhos mais velhos assumem sozinhos
os cuidados com os mais novos entre outros. Esses arranjos não só podem
desempenhar as funções protetoras da integridade física e mental dos integrantes
59
do sistema familiar, como também promover as trocas com o meio social
necessárias ao desenvolvimento da família e de cada um (VICENTE , 2004;
GALANO, 2006).
Alguns fenômenos podem ser destacados sobre as novas formas de
organização da família. Da família em que houve divórcio, pode-se destacar a
multidomiciliaridade dos filhos, ou também o retorno do filho adulto, que se divorciou
para a casa dos pais. Também houve um aumento significativo no número de
pessoas que vivem sozinhas.
Segundo uma visão da sociologia, Singly (2007) observou o declínio da
instituição do casamento, a aceitação social do divórcio e a diminuição do número
de filhos como elementos que assinalam as mudanças que vêm ocorrendo no grupo
familiar na atualidade. O autor em seus estudos ressaltou a dependência em relação
ao Estado, a independência da família extensa como especificidade da família
burguesa contemporânea, que traz consigo características de ser pública e privada,
relacional, individualista e com demandas de horizontes intergeracionais. As
relações estabelecidas no interior da família se dão de forma menos hierárquica,
isso ocorre tanto nas relações conjugais, quanto nas relações estabelecidas entre
pais e filhos. As funções de reprodução biológica e social assumidas pelas famílias
antigas ainda se mantêm na família contemporânea.
Da área da terapia familiar, algumas mudanças foram assinaladas por
Cerveny (2012) sobre a família brasileira em conformidade com o desenvolvimento
das famílias de outros continentes. Em função dos recursos médicos e de atenção á
saúde, os indivíduos vivem mais tempo. A família que perdia seus membros mais
rapidamente, atualmente, se adapta para integrar relações mais duradouras com
seus idosos. Como resultado dessa transformação na família, pode-se apreender,
por um lado, um movimento de articulação entre três gerações com demandas
distintas em um grupo familiar. Essa família tem se mobilizado para construir ações
de cuidado com a saúde física e mental do idoso praticamente sem contar com o
apoio social adequado, apesar de ser expressivo o movimento do Estado na criação
de órgãos e políticas públicas que possam dar conta das demandas específicas das
necessidades dessa população. Por outro lado, é relevante assinalar que o idoso
atualmente não desempenha apenas um papel passivo, mas ao contrário, com uma
manutenção de boa condição física e mental, contribui efetivamente no desempenho
60
de tarefas domésticas e apoio no cuidado com os netos. O idoso, contribui ainda
economicamente, principalmente na famílias mais pobres, em que a sua
aposentadoria muitas vezes significa a maior renda familiar.
Outro fenômeno identificado por Cerveny (2012), nas camadas médias e altas
da população, é a maior permanência de filhos adultos (com idade entre 25 e 35
anos, inseridos no mercado de trabalho, detentores de condições para sustento
próprio, graduados e pós-graduados) na casa paterna – os filhos cangurus. A autora
ressaltou que a permanência desses filhos na casa paterna, por sua vez, beneficia o
acúmulo de recursos financeiros e de instrumentação profissional para os filhos e,
ao mesmo tempo, oferece aos pais o alívio do estresse do contato com o “ninho
vazio”, fase que pode possibilitar a emergência de conflitos para o casal. De
qualquer forma, pais e filhos ainda se vêem envolvidos na construção da conquista
de um posicionamento profissional diferenciado.
Bauman (2013), ao refletir sobre as atuais dificuldades de entrada no
mercado de trabalho de jovens extremamente bem qualificados, explica que, em
gerações anteriores, as expectativas dos pais em relação ao acesso e
desenvolvimento profissional dos filhos eram ascendentes. Ou seja, esperavam que
os filhos, mais qualificados, iniciassem suas carreiras a partir do ponto que eles
(pais) haviam alcançado. Atualmente essas expectativas não mais se sustentam,
pelo menos, no continente europeu, as expectativas ao contrário, a partir da
constatação das restritas oportunidades de emprego são descendentes, ou seja, os
filhos, quando empregados, ocupam postos menos qualificados que os pais da
hierarquia ocupacional.
Finalizando nossa abordagem sobre as distintas características que o grupo
familiar veio assumindo ao longo do tempo, ressaltamos a importância de não só
levar em consideração os aspectos históricos e contextuais em que as famílias e
suas características são definidas, mas também, acima de tudo, observar que cada
família é única, com sua singularidade.
61
3 A EDUCAÇÃO PENSADA A PARTIR DAS IDEIAS PEDAGÓGICAS
A revisão de um processo histórico tem sido um caminho bastante eficiente
na busca para alcançar um maior entendimento sobre os eventos atuais. Para
melhor compreender os problemas que a população brasileira enfrenta em relação à
educação, abordamos de forma sucinta os aspectos históricos das ideias
pedagógicas, desde os povos primitivos até a atualidade, destacando o
desenvolvimento dessas ideias no Brasil.
Dessa forma, esperamos alcançar um entendimento contextualizado das
dificuldades encontradas pelas crianças e adolescentes na interação com o sistema
escolar durante seu processo de escolarização.
3.1 As primeiras ideias
A educação dos povos primitivos se deu de maneira similar umas das outras,
mantendo como características comuns a influência da tradição e o culto aos mais
velhos sob a responsabilidade da própria comunidade. Ainda que a organização
social determinasse os sujeitos,aos quais a educação seria oferecida, ainda não
havia a escola como uma instituição formal, pois segundo Gadotti (2003), o
desenvolvimento e a estruturação dessas doutrinas pedagógicas se deram a partir
da emergência da sociedade de classes.
A escola, como instituição formal, surgiu como resposta à divisão social do trabalho e ao nascimento do Estado, da família e da propriedade privada [...] Com a divisão do trabalho, onde muitos trabalham e poucos se beneficiam do trabalho de muitos, aparecem as especialidades: funcionários, sacerdotes, médicos, magos, etc.: a escola não é mais a aldeia e a vida, funciona num lugar especializado onde uns aprendem e outros ensinam (GADOTTI, 2003, p. 23).
O autor ainda ressaltou que a escola da atualidade surgiu com a
hierarquização e a desigualdade econômica provocada pela apropriação de tudo
aquilo que excedia na produção das comunidades primitivas. Assim, afirmou Gadotti
(2003, p.23): “a história da educação, desde então, constitui-se num prolongamento
62
da história das desigualdades econômicas”. O saber extraído dos indivíduos da
comunidade passa a ser administrado por apenas alguns sujeitos que por meio da
educação produziam e mantinham a dominação e a obediência.
O surgimento das universidades no século XIII foi impulsionado pela evolução
das escolas monásticas, pela organização gremial da sociedade e pelo vigor da
ciência trazida pelos árabes. Essas instituições, que se constituíam em centros que
buscavam a universalidade do saber, ofereceram aos burgueses que surgiam no
final da Idade Média as oportunidades que eram possíveis apenas aos nobres e aos
integrantes do clero. Ainda que alguns historiadores sustentem que as universidades
medievais se caracterizavam por ser menos elitistas e mais populares do que as
universidade humanistas e aristocráticas do Renascimento, foi constatado“que o
saber universitário aos poucos foi se elitizando, guardado em Academias, submetido
à censura da Igreja e burocratizado pelas Cortes” (GADOTTI, 2003, p. 56).
As características do Renascimento que encontramos no pensamento sobre
educação se constituiu como um sinal de protesto às orientações do Estado-Igreja
medieval, surgindo como um germe da educação moderna e leiga (GADOTTI, 2003;
PILETTI, PILETTI, 1995).
A oposição de alguns líderes religiosos àquilo que foi percebido como abuso
da autoridade papal, resultou na reforma protestante considerada a primeira grande
revolução burguesa, iniciada por Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano
nascido na Alemanha. (GADOTTI, 2003;PILETTI, PILETTI, 1995).
Embora o foco predominante da reforma protestante estivesse voltado para
as questões religiosas, foram desestabilizados todos os aspectos constituintes
daquelas sociedades, pois mobilizaram transformações nos níveis econômicos,
político e social:
A expansão marítima e comercial fortaleceu a burguesia europeia, interessada na reforma religiosa que lhe desse mais liberdade de ação: para os protestantes os homens não se justificavam pelas obras – controle das extremamente pelo clero -, mas pela fé, que é íntima e individual. A partir do protestantismo, os lucros deixaram de ser condenados e passaram a ser vistos como expressão da vontade de Deus e prova de sucesso na vocação escolhida pelo individuo, o que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Com a queda do feudalismo e o surgimento dos Estados centralizados, o poder real entrou em conflito com a Igreja. Em sua luta contra os obstáculos por ela criados com relação ao fortalecimento do poder dos reis, estes se viram apoiados pelos reformadores protestantes. O renascimento cultural desenvolveu uma cultura centralizada no homem, e não mais em Deus, e
63
favoreceu o surgimento do espírito critico e do individualismo, aspectos ligados às ideias protestantes.(PILETTI, PILETTI, 1995, p. 74).
A reforma protestante teve como principal consequência à educação a
transferência da escola para o controle do Estado, ao invés de ficar sob a regência
da Igreja. Nos países protestantes se desenvolveu a escola pública religiosa, que
tinha como base o ensino da língua pátria, do canto e da religião, oferecida
prioritariamente às classes superiores burguesas, mas às classes populares
deveriam ser apresentados apenas os ensinamentos da doutrina cristã reformada
(GADOTTI, 2003).
Piletti e Piletti (1995) destacaram que vários Estados da época deram início à
organização de sistemas próprios de ensino, assumindo o controle de antigas
escolas monacais e paroquiais.
A reação da Igreja Católica às investidas dos protestantes na educação se
concretizou mais especificamente através da criação da Companhia de Jesus, que
se constituiu em uma nova ordem religiosa, que priorizava a atenção ao ensino. Os
jesuítas, dedicados mais intensamente à educação de líderes, dispensaram pouca
atenção à educação elementar e propunham dois tipos de escolas: os colégios
inferiores (ginásios) e os colégios superiores (universidades e seminários de
teologia). O êxito dos jesuítas na educação da juventude foi resultado da preparação
cuidadosa de professores somados às particularidades do método de ensino
utilizado (PILETTI; PILETTI, 1995).
Os jesuítas atuaram no mundo colonial em duas frentes: na formação
catequética das populações indígenas e na formação burguesa dos dirigentes, fato
que significava: “a ciência do governo para uns, a catequese e a servidão para
outros. Para o povo sobrou apenas o ensino dos princípios da religião cristã”
(GADOTTI, 2003, p. 65).
Durante os séculos XVI e XVII uma nova e influente classe social, a
burguesia, surgiu e ascendeu. Esta nova classe que se opunha ao modo de
produção feudal, impulsionou, transformou e centralizou os novos meio de produção,
dando início a um sistema de cooperação, a produção deixava de ser realizada a
partir de atos isolados e passando a se constituir em um empreendimento coletivo.
(GADOTTI, 2003).
64
De acordo com o autor, todo o conhecimento até então alcançado era
considerado como suspeito. O homem nessa época se lançou ao domínio da
natureza desenvolvendo técnicas, arte e estudos em diversas áreas: biologia,
medicina, física, matemática, astronomia.
Segundo PilettiePiletti(1995), a transição da Idade Média para a Idade
Moderna foi marcada por inúmeras e profundas transformações sociais, políticas,
culturais e religiosas. Ao lado do desenvolvimento do mercantilismo, fase inicial do
capitalismo, que promoveu o desenvolvimento da burguesia, desenvolveu-se
também: a ciência moderna que possibilitou a realização de inúmeras invenções; a
política com a formação do Estado moderno, apoiado pelo poder absoluto dos reis e
da classe aristocrática; e a religião, com a reforma protestante, que impulsiona a
reforma na Igreja Católica. A educação influenciada por essas mudanças, “tanto em
suas ideias orientadoras quanto em seus fatos escolares, não poderia deixar de
interagir com essas transformações, mais no sentido de sofrer sua influência do que
atuando em sua ocorrência”(PILETTI; PILETTI, 1995, p. 72).
Já próximo ao final do século XVIII, surge o Iluminismo, movimento que reuniu
intelectuais rebelados contra a ordem absolutista de organização política e social
que era controlada pelo Estado e pela Igreja. Esses pensadores, filósofos, também
chamados de enciclopedistas (por compartilharem das ideias liberais contempladas
na obra de Diderot e D'Alambert – A Enciclopédia), desenvolveram um discurso
voltado à racionalidade em defesa das lutas e a favor das liberdades individuais.
Suas ideias sobre a liberdade intelectual e a independência do homem influenciaram
sobremaneira as sociedades da época, que acabaram se posicionando contra o
obscurantismo da Igreja e a permanência dos governantes (GADOTTI, 2003).
Gadotti (2003) destaca Jean-Jacques Russeau (1712-1778), dentre os
iluministas, como o pensador que instaurou uma nova fase na história da educação.
Segundo o autor:
Ele se constituiu no marco que divide a velha e a nova escola. Suas obras, com grande atualidade, são lidas até hoje. Entre elas citamos: Sobre a desigualdade entre os homens, O contrato social, e Emílio. Rousseau resgata primordialmente a relação entre a educação e a política. Centraliza, pela primeira vez, o tema da infância na educação. A partir dele, a criança não seria mais um adulto em miniatura: ela vive em um mudo próprio que é preciso compreender; o educador para educar deve fazer-se educando de seu educando; a criança nasce boa, o adulto com sua falsa
65
concepção de vida, é que perverte a criança (GADOTTI, 2003, p. 87, grifo do autor).
A educação, na concepção de Rousseau, não deveria se ocupar apenas de
instruir as crianças, mas deveria permitir que a natureza nelas desabrochasse, em
função disso, não se deveria lançar mão de recursos de repressão, mas ao
contrário, apoiado pela teoria da bondade natural dos homens, propunha a ideia de
que os instintos e os interesses naturais das crianças deveriam assumir a direção
dos estudos. Rousseau propunha três momentos distintos para a educação: a
infância (idade da natureza, até os 12 anos), a adolescência (idade da força, da
razão e das paixões, dos 12 aos 20 anos) e a maturidade (idade da sabedoria e do
casamento, dos 20 aos 25 anos) (GADOTTI, 2003).
No século XVIII, foram realizados grandes esforços da burguesia no objetivo
de estabelecer um controle civil da educação, a finalidade era alcançar a disposição
institucional do ensino público nacional ainda que permeado pelo recém poder
emergente da sociedade econômica. A Revolução Francesa levou em conta as
exigências populares na elaboração de diversos projetos de sistema educacional,
sendo que o de maior relevância foi proposto por Condocert (1743-1794) que:
reconhecia que as mudanças políticas deveriam ser acompanhadas de reformas no
ensino e ressaltava a necessidade de implementar a educação feminina e
acreditava que o ensino universal era entendido como um meio para se extinguir a
desigualdade entre os homens.
As ideias de Rousseau se tornaram precursoras da escola nova, e
influenciaram sobremaneira os educadores da época, são eles: Froebel (1782-
1852), cujo interesse esteve voltado para a criança, propôs a ideia de que a criança
se desenvolvia a partir de uma atitude espontânea (jogo) e uma atividade construtiva
(trabalho manual), considerava o brincar como uma forma de autoexpressão e a
linguagem como a primeira forma de expressão social, foi o idealizador do jardim da
infância. Pestalozzi (1746-1827) acreditava que a reforma da sociedade se daria a
partir da educação oferecida às classes populares. Criou um instituto para cuidar e
educar crianças órfãs e desenvolvia um trabalho educativo voltado ao contato direto
da criança com o ambiente, seguindo gradualmente o método natural de cada um.
Apesar de não ter tido muito sucesso em seu projeto, suas ideias são
reconhecidamente respeitadas até hoje. Herbart (1776-1841), professor
66
universitário, considerado como um dos pioneiros nos estudos da psicologia
científica,propôs quatro passos formais para o desenvolvimento do processo de
ensino (etapa da demonstração do objeto, etapa da comparação, etapas da
generalização e etapa da aplicação). Acrescenta ainda o autor: “Os objetivos
deveriam ser apresentados mediante os interesses dos alunos e segundo as
diferenças individuais, por isso seriam múltiplos e variados” (GADOTTI, 2003, p. 92,
grifo do autor).
Na segunda metade do século XVIII, as três grandes revoluções burguesas
(Revolução Industrial, Revolução Americana e Revolução Francesa) implementaram
grandes transformações na vida social, política e econômica, além de ter grande
influência nas mudanças na educação da época. A produção em fábricas, o trabalho
assalariado, o desenvolvimento da sociedade industrial urbana, o rompimento do
pacto colonial, a independência das colônias, o estabelecimento do livre comércio, a
igualdade perante a lei, a garantia de direito dos governados, princípio que garante
que o poder dos governos depende do consentimento dos governados, liberdade e
tantas outras condições atestavam a mudança definitiva do cenário em que a
sociedade se desenvolvia.
Contudo, ainda muito cedo com o final da Revolução Francesa ficou explícito
que a igualdade dos homens na sociedade e na educação não estava de acordo
com o projeto burguês, já que uns tinham mais acesso que outros à educação.
Gadotti (2003) utiliza as palavras do economista, político burguês Adam Smith
(1723-1790) para explicitar essa ideia: “aos trabalhadores será preciso ministrar
educação apenas com conta gotas”. O autor ainda cita Pestalozzi explicitando sua
ideia de que a educação popular deveria ser desenvolvida de maneira que os pobres
aceitassem sua condição de pobreza.
Paulatinamente o sistema de duas escolas, uma para pobres e outra para
ricos vai sendo substituído por um único sistema de ensino. A escola com a mesma
base para todos, a escola única, começa a ser implantada através do sistema
gratuito e obrigatório de ensino em alguns países. Inicialmente na Alemanha, depois
na França, em seguida da Inglaterra e Estados Unidos. Cada Estado a seu modo foi
tomando para si a educação que esteve anteriormente sob a responsabilidade da
Igreja. Esse sistema de escola única, ainda que traduzisse as aspirações e
representasse as necessidades dos trabalhadores, não foi capaz de suprimir a
67
dicotomia: escola boa para poucos, escola precária para muitos, pois nessa época a
separação se consolidou em função das diferenças de recursos econômicos
(PILETTI; PILETTI, 1995).
A partir do final do século XVIII, Gadotti (2003) afirmou que o pensamento
pedagógico positivista consolidou a percepção da classe burguesa sobre a
educação. Duas forças antagônicas de pensamento começaram a ser delimitadas
no interior do Iluminismo e da sociedade burguesa, a partir do final do século XVIII.
De um lado, o movimento elitista burguês que chega ao século XIX sob o rótulo de
positivismo e, de outro lado, o movimento popular socialista que foi denominado
marxismo.
Augusto Comte (1789-1857), que teve sua formação na escola politécnica de
Paris, levou adiante a ideia que os fenômenos sociais assim como os fenômenos
físicos poderiam ser reduzidos às leis e que o conhecimento científico e filosófico
deveria se orientar para o aperfeiçoamento moral e político da humanidade. Comte
entendeu que a falta de concepções científicas comprometeu a prosperidade do
Iluminismo e dos ideais revolucionários, ainda afirmava que a política deveria ser
uma ciência exata. Em suas ideias ficava clara a crença segundo a qual apenas uma
doutrina positiva serviria de base para a formação científica da sociedade,dessa
forma tanto as ciências da natureza quanto as ciências humanas deveriam se
desenvolver afastadas de qualquer ideologia, preservando a neutralidade na
observação da natureza dos fenômenos (GADOTTI, 2003).
Na pedagogia, o pensamento positivista caminhou para o pragmatismo, ou
seja, a formação educacional válida deveria estar voltada para as questões
imediatas, presentes na vida atual. As ideias desenvolvidas por Alfred
NotrthWhitehead (1861-1947) se relacionavam à concepção de educação como a
arte de utilizar os conhecimentos. Destacaram-se também nessa época Bertrand
Russel (1872-1970) e Ludwig Wittgentein (1889-1951), que se preocuparam
principalmente com o desenvolvimento da lógica e a formação do espírito científico.
3. 2 O pensamento pedagógico da Escola Nova
68
A Escola Nova representou um profundo movimento de renovação da
educação depois da concretização da proposta da escola pública burguesa. A
concepção do ato pedagógico centrado na atividade da criança já era anunciada por
Vitorino Feltre na “Escola Alegre”, seguida posteriormente pela concepção
pedagógica de Rousseau, no início do século XX, configurando assim uma forma
concreta que influenciou sobremaneira os sistemas educacionais (GADOTTI, 2003).
A concepção do aluno como centro da educação estava relacionada ao fato
de ele aprender quando está envolvido com questões que são significativas para ele.
Assim os programas de ensino deveriam ser elaborados a partir tanto das
necessidades do aluno, como das particularidades dos contextos nos quais ele está
inserido, para posteriormente chegar aos objetivos educacionais mais gerais
(PILETTI; PILETTI, 1995).
De acordo com tal visão, a educação era essencialmente processo e não produto; um processo de reconstrução e reconstituição da experiência; um processo de melhoria permanente da eficiência individual. O objetivo da educação se encontraria no próprio processo. O fim dela estaria nela mesma. Não teria um fim ulterior a ser atingido. A educação se confundiria com o próprio processo de viver (GADOTTI, 2003, p. 144).
Essa proposta de educação estaria de acordo com os interesses da nova
sociedade burguesa. Direcionada à implementação da potencialidade de
desenvolvimento de cada criança, partindo do seu próprio centro de interesse, a
criança alcançaria o máximo de seu rendimento. Tal abordagem da Escola Nova,
sobre muitos aspectos, acompanhou o desenvolvimento e o progresso da sociedade
capitalista, chegando a idealizar a construção de um homem novo concebido a partir
do projeto burguês de sociedade. Apenas alguns poucos pedagogos da Escola Nova
evidenciaram a exploração do trabalho e a dominação política simbólicas da
sociedade burguesa peculiar a uma sociedade de classes (GADOTTI, 2003).
Uma visão mais crítica sobre educação passou a questionar os avanços da
Escola Nova a partir da segunda metade do século XIX. E trouxe à tona o fato de
que o compromisso da Escola Nova com os ideais da sociedade burguesa
comprometia sobremaneira a implantaçãode programas educativos que pudessem
promover o pleno desenvolvimento dos alunos. Esses novos educadores
assinalaram que:
69
Toda educação é política, e que ela, na maioria das vezes, constitui-se, em função dos sistemas educacionais implantados pelos Estados modernos, num processo através do qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia, a conduta das crianças para reproduzirem a mesma sociedade e não para transformá-la. (GADOTTI, 2003, p. 147).
Paulo Freire (1921-1997) educador brasileiro, que após alcançar inúmeras
conquistas na Escola Nova, denunciou que essa visão escolanovista apresentava
um caráter conservador de educação. Esclareceu que a escola poderia servir à
educação como prática tanto a serviço da dominação como a serviço da libertação.
Reconheceu que a Escola Nova representou um imenso avanço na história das
ideias e práticas pedagógicas (GADOTTI, 2003).
Para o autor, acima citado, a Escola Nova foi se construindo como uma
escola moderna, pública e científica, influenciada tanto pelo positivismo como pelo
marxismo, constitui-se em um movimento complexo e contraditório que não pode ser
entendido apenas como um movimento liberal da educação.
3.3 O pensamento pedagógico crítico
A partir da segunda metade do século XX se acentuou a crítica à educação e
à escola, o otimismo pedagógico do início do século, deu lugar à crítica radical
elaborada por filósofos, sociólogos e teóricos do pensamento crítico. (GADOTTI,
2003).
Destacaremos as ideias dos críticos mais importantes iniciando pela
exposição mais detalhada do pensamento de Pierre Bourdieu (1930-2002). Com
formação inicial em filosofia, se encaminhou às Ciências Sociais, mais
especificamente à Antropologia e à Sociologia, e formulou, a partir dos anos 60, uma
resposta incomum e abrangente fundamentada teórica e empiricamente para os
problemas das desigualdades escolares. Tal resposta se constituiu em um marco
não apenas na história da Sociologia da Educação, mas do pensamento e da prática
educacional do mundo todo.
Durante os anos 60 ocorreu uma profunda crise da concepção funcionalista
de escola, ou seja, como instituição pública e gratuita que garantiria ao menos, em
70
principio, a igualdade de oportunidade para todos os indivíduos. As avaliações dos
programas em educação não referendavam as propostas iniciais. As pesquisas (na
Inglaterra, Estados Unidos e França) apontavam claramente a influência da origem
social sobre os destinos escolares. Nem todo aluno concluía sua formação, e
àqueles que obtinham seus diplomas, não estariam asseguradas colocações
profissionais, a menos que viessem de instituições notadamente reconhecidas e
com condições diferenciadas em suas formações. Bourdieu (1983), opondo-se ao
paradigma funcionalista de educação, utilizou os dados apontados pelos estudos
realizados, que assinavam uma intensa relação entre a origem social e o
desempenho escolar, como elemento de sustentação para o desenvolvimento de
sua teoria.
Bourdieu (1983) considerou que cada grupo social, segundo suas condições
objetivas adotaria um conjunto de estratégias em relação à escola e aos estudos, e
que tais estratégias, com o passar do tempo seriam incorporadas pelos sujeitos, por
meio de um procedimento continuo e difuso de socialização familiar integrando-se
ao habitus familiar ou de classe.
Numa perspectiva ampla e global do funcionamento social, Bourdieu (1983)
considerou que as estratégias escolares assumidas pelos distintos grupos sociais
constituíram-se no ponto central das demais estratégias de reprodução social, a
saber: educativas, matrimoniais, econômicas.
As estratégias escolares não são apenas relevantes para as estratégias
educativas, relacionam-se a campo mais amplo, corroborando com a produção de
agentes sociais que comprovem capacidade e dignidade para receber a herança do
grupo social ao qual pertencem. Efetivado a partir de um processo que estabelece
no espaço familiar, por meio dos procedimentos rotineiros, a família reproduz o
agente social, sujeito detentor de disposições, competências e habilidades
adequadas para ocupar um lugar específico no meio social.
A estreita relação entre o sistema de ensino e a estrutura social dividida em
classes foi intensamente explorada por Bourdieu e Parseron (1975). As classes mais
favorecidas usufruem de um ensino de qualidade, enquanto as classes subalternas
de um de má qualidade. O conceito de arbitrário cultural aproxima-se da concepção
antropológica de cultura, a qual aponta a impossibilidade de uma cultura ser definida
superior à outra. Para Bourdie (1998), porém os valores orientadores do
71
comportamento e das atitudes dos integrantes de distintos grupos sociais seriam
arbitrários; assim não estariam embasados em nenhuma razão de natureza objetiva
ou universal.
A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitraria na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum principio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna à natureza das coisas ou a uma natureza humana (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p.23).
Na perspectiva de Bourdieu (1998), a cultura escolar, legitimada socialmente,
na verdade é a cultura imposta e legitimada pelas classes dominantes. O estilo
dissimulado da imposição do caráter arbitrário da cultura escolar ocorre quando a
escola trata semelhantemente aqueles que têm origem social diferentes,
desconsideraria então a bagagem familiar de cada um.
(...) para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais
Neste processo, esclareceu Nogueira (2009), as ações pedagógicas
realizadas de forma igualitária tenderiam a reproduzir e legitimar as desigualdades
pré-existentes, uma vez que nem todos detêm os instrumentos de decodificação dos
códigos linguísticos dessa ação comunicativa. Para uns, a cultura escolar soaria
como uma cultura “natal”, para outros como uma cultura “estrangeira”, demandando
neste segundo caso intenso esforço para efetivar essa interação. Os efeitos dessa
igualdade de transmissão e desigualdade de recepção, dos elementos que
constituem as ações educativas determinaria então o sucesso daqueles que desde o
nascimento vem se desenvolvendo na cultura típica das classes dominantes em
detrimento do fracasso ou do bom desempenho alcançado através de intensos
esforços dos alunos advindos das classes populares. A escola, ao propor uma
avaliação igualitária nega a diferença das habilidades e referências culturais entre os
grupos de alunos, entendendo:
72
As diferenças entre os resultados escolares dos alunos como diferenças de capacidade (dons desiguais), enquanto que, na realidade, decorreriam de maior ou menor proximidade entre a cultura escolar e a cultura familiar do aluno. A escola cumpriria assim, simultaneamente, a função de reprodução e legitimação das desigualdades sociais. (NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2009, p. 75).
O duplo efeito da legitimação provocada pela dissimulação das bases sociais
do sucesso escolar, segundo os autores, pode ser identificado tanto sobre os filhos
das classes dominantes como das camadas dominadas. Os primeiros que
receberam de maneira difusa, desde muito cedo, a herança cultural de suas famílias
e classe social não se reconhecem como “herdeiros”, mas identificam como naturais
suas disposições, competências culturais e linguísticas, como se tais aptidões
fizessem parte de sua personalidade. O segundo grupo por sua vez, ao ser incapaz
de identificar o caráter arbitrário positivo da cultura escolar, apresentaria a tendência
a atribuir suas dificuldades à condição inferior que lhe parece inerente ao ser
comparado aos demais. Os problemas que precisariam superar seriam
compreendidos então como da ordem intelectual (falta de inteligência) ou da ordem
moral (falta de vontade).
O maior efeito da violência simbólica praticada pela escola e sofrida pelas
classes dominadas não é apenas a perda da cultura familiar e a apreensão (ainda
que limitada) de uma cultura que lhe é estranha, mas o reconhecimento pelos
integrantes das classes mais privilegiadas, da superioridade e legitimidade da
cultura das classes dominante. Esse reconhecimento levaria à desvalorização do
saber e do saber-fazer (relacionadas à arte, à medicina e à linguagem popular)
particulares das classes dominadas anteriormente legitimado (BOURDIEU;
PASSERON, 1975).
3.4 O pensamento pedagógico dos povos colonizados
A partir da experiência da colonização, tanto os povos da América Latina
quanto os povos da África desenvolveram uma pedagogia original engajada no
processo de emancipação social e política. Condicionados às necessidades dos
colonizadores, os dois continentes tiveram seus territórios divididos segundo os
73
interesses econômicos, políticos e ideológicos dos europeus, que tornaram os
países colonizados cada vez mais dependentes. A colonização combatia a
educação e a cultura nativa, disseminava novos costumes, hábitos, crenças.
Impunha, além da escravidão de índios e negros, uma língua estrangeira.Ademais, a
Igreja Católica catequizava e impunha aos colonizados uma religião difundida por
ela como universal.
Sobre a teoria educacional latino-americana, Gadotti (2003) considerou ser
difícil encontrar marcos que unifiquem seu desenvolvimento, mas salientou
quedepois dos movimentos de independência das colônias e o estabelecimento da
República em todos os países, foi possível identificar a influência da visão otimista
da construção democrática pautada sobre os pilares da educação.
O autor identificou que entre a década de 1930 e 1960 houve o predomínio da
teoria da modernização desenvolvimentista, e a partir dos anos de 1960 pela
influência das lutas de libertação surgiu ateoria da dependência, que constituiu uma
educação de crítica radical à escola, de caráter denunciatório. Contando com a forte
presença do autoritarismo do Estado e dos militares, essa educação prosperou até
meados dos anos de 1970 levando ao desencanto com a escola.
Sobre as teorias ou paradigmas pedagógicos da década de 1980, Gadotti
(2003) observou que foi uma época marcada tanto pelo aumento do número de
institutos de pós-graduação em educação quanto na implementação das
organizações não governamentais. O autor ressaltou o fato de não ter havido
escassez de produção, ao contrário, afirmou que a vasta produção não foi suficiente
para a resolução dos problemas educacionais na América Latina.
3. 5 As tendências pedagógicas desde os primeiros anos do século
XXI até a atualidade
Ao observar as diferentes práticas educativas do final do século XX, Gadotti
(2003) assinalou que é possível encontrarmos tantos elementos que apontam as
bases da educação tradicional bancária, centrada na figura do professor e na
transmissão de conteúdos de ensino, apoiada nas ideias que orientavam uma
74
sociedade de classe escravagista e destinada às classes mais privilegiadas, quanto
elementos da educação nova, desenvolvida nos últimos séculos e que trouxe
inúmeras conquistas na área da ciência da educação e metodologia de ensino.
Dentre tantos elementos distintos desses dois movimentos da história do
pensamento pedagógico, pedagogia tradicional e pedagogia nova, o autor ressaltou
um aspecto comum – a concepção de educação entendida como processo de
desenvolvimento individual. Opondo-se a essa forma de pensar, a educação que
vem desenvolvendo novas práticas pedagógicas, “o traço mais original deste século,
na educação, é o deslocamento da formação puramente individual do homem para o
social, o político, o ideológico” (GADOTTI, 2003, p.269).
Apesar das profundas diferenças socioeconômicas e culturais dos distintos
países, o autor aponta duas tendências universais das diferentes práticas em
educação: a concepção de que a educação é neutra e se estende pela vida toda
(permanente), segundo essas duas pedagogias, até então predominante.
Em 1942, mesmo antes do término da Segunda Grande Guerra, alguns
países europeus, que enfrentaram as forças nazistas, se reuniram com o propósito
de pensar em estratégias de reconstrução do processo educacional no momento em
que a paz fosse finalmente alcançada. Com esse propósito, foi realizada na
Inglaterra a Conferência de Ministros Aliados de Educação (CEMA). Rapidamente
muitos países começaram a se juntar aos pioneiros desse processo. Em 1946, com
o fim da guerra, também na Inglaterra, seguindo as orientações da CEMA, reuniram-
se 40 países na Conferência das Nações Unidas para que fosse instituída uma
organização educativa e cultural no intuito de promover uma verdadeira cultura da
paz,e também para que se estabelecesse a solidariedade intelectual e moral da
humanidade. Ao final dessa conferência 37 países, dentre eles o Brasil, firmaram a
Constituição que dá origem a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), que se constituiu em um órgão da Organização das
Nações Unidas (ONU).
A UNESCO representou a possibilidade de uma educação
internacionalizada, idealizada por educadores e políticos educacionais. Impulsionou
o desenvolvimento da educação comparada, uma disciplina que contava com o
estudo e intercâmbio de informações sobre diferentes práticas e teorias da
educação.
75
Além disso, a UNESCO propôs em sua 15ª. Conferência a educação
permanente, que parte do princípio de que o homem se educa durante toda a sua
vida. “Esse novo conceito de educação era extremamente amplo, mas era em sua
essência uma educação para a paz. Depois de meio século de guerras mundiais, a
todos parecia necessário que a educação fosse um baluarte da paz” (GADOTTI,
2003, p.270).
No Ano Internacional da Educação (1970), o conceito de educação
permanente retornou como princípio fundamental que deveria orientar as políticas
educacionais dos países-membros. Porém, com a ênfase na necessidade da
educação estar integrada na planificação social e econômica, já emergiam as
contradições inerentes a esse conjunto heterogênico de Estados detentores de
distintos sistemas políticos, sociais e econômicos.
Partindo dos Informes de Seguimentos da Escola para Todos no Mundo, a
UNESCO ressalta os mais importantes desafios educativos, fomenta a coordenação
entre os principais interessados e viabiliza o intercâmbio de informação para que se
possa fortalecer o compromisso político com a Escola para Todos (GADOTTI, 2003).
Se, por um lado, destacamos acima os esforços da UNESCO e das demais
organizações a ela associadas em atingir os objetivos de conquistar uma educação
de qualidade para a vida toda, a todos os cidadãos, não poderíamos deixar de
ressaltar que o contexto mundial, constituído por países detentores de culturas
diversas, com diferentes condições econômicas e distintas formas de organização
social, atravessa crises de proporções globais.
Para descrever o panorama geral dessa crise, Gadotti (2003) lançou mão das
ideias de Fritjof Capra, que apontou a necessidade de ir além dos sistemas de
valores que sustentam as bases de nossa cultura e lançar mão de um novo
paradigma para alcançar a compreensão dos problemas atuais.
Os educadores, nesses últimos tempos, vêm, conforme Gadotti (2003),
demonstrando grande interesse pelas teorias desenvolvidas pelo paradigma
holonômico, que se relaciona com a manutenção da percepção da totalidade na
análise dos fenômenos. Os holistas apontaram que os paradigmas clássicos,
identificados no positivismo e no marxismo, operam com categorias que restringem a
totalidade da realidade, e anseiam, com essa nova maneira de pensar, restituir a
76
totalidade do sujeito individual, atribuindo valor à criatividade, à iniciativa, ao micro, à
singularidade, à convergência e à complementaridade.
Em 1999, Frederico Mayor, presidente da UNESCO, solicitou a Morin que
desenvolvesse um conjunto de reflexões que pudesse sustentar um ponto de partida
para pensar a educação no próximo milênio. Dessa solicitação surgiu a obra de
Morin intitulada: Os sete saberes necessários à educação do futuro, que foi
submetida à apreciação de inúmeras personalidades acadêmicas e funcionários
internacionais.
Segundo Morin (2006), há sete saberes que deveriam ser considerados como
fundamentais à educação do futuro em qualquer cultura ou sociedade: as cegueiras
do conhecimento; o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente;
ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas;
ensinar a compreensão; e a ética do gênero humano.
As escolas dos países capitalistas e dos países do Terceiro Mundo ainda se
caracterizam pelas políticas privatistas e elitistas, assim a educação pública nesses
estados, ainda se constitui como elemento de reivindicações populares, tornando-se
instrumento de luta e emancipação e ligando a luta social à luta pedagógica para
alcançar a democracia. Ultrapassando os limites das “recomendações”, os
movimentos populares e os trabalhadores da educação e cultura organizaram-se em
entidades representativas (Confederação Mundial das Organizações de
Profissionais de Ensino – CMOPE, Federação Latino-americana de Trabalhadores
na Educação e Cultura – FLATEC) e buscaram edificar as bases da educação como
instrumento de construção da paz (GADOTTI, 2003).
A escola única e popular visualizada a partir das novas sistematizações
teóricas não suprimem as experiências anteriores do campo educacional, porém não
está comprometida com a concepção burguesa de educação, cujo objetivo era a
formação de dirigentes das classes dominantes e a disciplinação da classe
trabalhadora.
Essa escola busca o desenvolvimento unilateral de todas as potencialidades humanas, hoje possível graças a concorrência de muitos meios dentro e fora da escola [...] Situando o fenômeno da educação não mais nas questões política (como queria o iluminismo), não mais nas questões cientificas (como queria o positivismo), não mais nas questões metodológicas (como queria o escolanovismo), essa nova concepção de educação se fundamenta na antropologia. Nessa nova concepção é possível encontrar a síntese, o fundamento perdido abaixo da montanha de numerosas teorias e métodos
77
acumulados historicamente. Eles passam a ganhar outro sentido(GADOTTI, 2003, p.278).
Finalizando sua obra, Gadotti (2003) chamou a atenção para a necessidade
de refletir sobre a educação pós-moderna e multicultural. Alavancado pelas
mudanças que ocorreram nas artes, nas ciências e nas sociedades, desde a década
de 1950, o pós-modernismo foi influenciado sobremaneira pela filosofia e pela
cultura ocidental.
Tendo como influência a invasão da tecnologia eletrônica, da automação, da
informação e do capitalismo neoliberal, a pós-modernidade demandou uma
adaptação do ser humano às novas condições de ser no mundo, que, segundo o
autor, gerou certa perda da identidade individual. A desintegração dessa dimensão
individual, somada à crise de paradigmas, à falta de referências e orientados pela
certeza, pela crença da verdade absoluta, levou à compreensão da educação na
pós-modernidade como a educação que levava em conta a diversidade cultural,
melhor definida como “educação multicultural”.
A educação multicultural não vem se apresentando como substituta à
educação atual, porém pretende uma transformação. Apoiada em uma concepção
geral que “defende a educação para todos que respeite a diversidade, as minorias
éticas, a pluralidade de doutrinas, os direitos humanos, eliminando os estereótipos,
ampliando o horizonte de conhecimentos e de visões de mundo” (GADOTTI, 2003,
p.311).
O autor ressaltou que a educação pós-moderna tem como característica
marcante a crítica, e visa ao resgate da unidade existente entre a história e o sujeito
que não foi sustentada pelas operações modernizadoras de desconstrução da
educação e da cultura. Intensamente relacionada à cultura, a educação pós-
moderna se apresenta como multicultural e permanente, priorizando o processo do
conhecimento e suas finalidades em detrimento do conteúdo dos conhecimentos
universais. A educação pós-moderna parte do princípio de que antes de conhecer, o
homem se interessa em conhecer, e é desse interesse que se ocupa, identificando,
assim, o caráter prospectivo do conhecimento.
Gadotti (2003) completou, afirmando que a educação orientada pelos
pressupostos da pós-modernidade trabalha com o significado, com a
intersubjetividade e a pluralidade, e pretende que os conteúdos sejam focados de
forma que sejam essencialmente significativos para os alunos. Opera a partir da
78
noção de poder local, de grupos pequenos, valorizando o imediato, a intensidade, o
movimento, a relação, o envolvimento afetivo, a solidariedade e a autogestão.
Focaliza temas relacionados ao belo, à alegria, à esperança, ao ambiente saudável.
Orienta-se pelo conceito chave da equidade e seu pressuposto básico é a
autonomia, ou seja, a capacidade de cada individuo em se autogerir.
Como valoriza a cultura local, a educação pós-moderna se propõe a alcançar
o equilíbrio entre esta cultura regional e a cultura universal. Tanto a elaboração do
currículo como a formação dos professores devem se dar a partir da reflexão crítica
que leve em consideração as especificidades econômicas e socioculturais da
comunidade local. Tais procedimentos pretendem promover uma maior
compreensão sobre as particularidades da educação das camadas populares na
totalidade de sua cultura e visão de mundo.
Ao abordar a cultura universal, a escola pós-moderna também se dispõe a
assinalar aos educandos a existência de outras culturas, outras formas de organizar
a vida que por sua vez são orientadas por outros valores. A escola deve ter “o local”
como ponto de partida, porém deve buscar o internacional e intercultural como ponto
de chegada. A falta de reconhecimento da necessidade de articulação entre a
cultura local e a cultura universal e a atitude impositiva de valores, na opinião do
autor, contribuíram sobremaneira para efetivar o fracasso da escola moderna.
A autonomia passou a ser um tema fundamental da pedagogia pós-moderna. [...] Escola autônoma significa escola curiosa, ousada, buscando dialogar com todas as culturas e concepções de mundo. [...] Pluralismo significa, sobretudo, diálogo com todas as culturas, a partir de uma cultura que se abre às demais, e entendimento das especificidades como modos de manifestação e representação da mesma totalidade. Mas a escola sozinha não pode dar conta dessa tarefa. Por isso, ela, numa perspectiva intercultural da educação, alia-se a outras instituições culturais(GADOTTI, 2003, p.313).
3. 6 As ideias pedagógicas no Brasil
Neste item, pretendemos apresentar alguns elementos da evolução das ideias
pedagógicas que ocorreram no Brasil. Partindo do entendimento de Saviani (2008,
p.444) sobre ideias pedagógicas “como se referindo ao modo específico pelo qual as
ideias educacionais se encarnam na práticaeducativa”, buscaremos assinalar que a
históriadas ideias pedagógicas foi desenvolvida em nosso território a partir da
79
colonização dos portugueses. Seguiu um percurso próprio, articulando as
especificidades dos povos que aqui já estavam com as distintas demandas culturais,
sociais e econômicas dos colonizadores.
O autor propôs aindauma periodização de quatro fases distintas para a
históriado desenvolvimento das ideias pedagógicas no Brasil:
O primeiro período (1549-1759) identificou-se com o monopólio da vertente
religiosa da pedagogia tradicional que, em sua primeira fase (1549-1599) tem o
predomínio de uma pedagogia brasilística ou ainda conhecida como período heróico,
seguida de uma fase posterior(1599-1759), em que foi reconhecida a
institucionalização da pedagogia realizada pelos jesuítas ou o RatioStudiorum.
O segundo período (1759-1932), em que coexistiam as vertentes leigas da
pedagogia tradicional e as pedagogias religiosas, também configurou duas fases
distintas: a primeira (1759-1827) em que vigora a pedagogia pombalina também
conhecida como ideias pedagógicas do despotismo esclarecido; e a segunda fase
(1927-1932), na qualfoi identificado o desenvolvimento da pedagogia leiga, o
ecletismo, o liberalismo e o positivismo.
O terceiro período (1932-1969) teve a predominância da escola nova
apresentado em três fases: fase inicial (1932-1947), caracterizada pelo equilíbrio
entre a pedagogia nova e a pedagogia tradicional; uma fase intermediária (1947-
1961), com preponderante influência da escola nova; e a fase final (1961-1969), em
que ocorreu a crise da pedagogia nova e a implementação da pedagogia tecnicista.
Noquarto período (1969-2001), configurou-se a concepção pedagógica
produtivista, também subdividida em três fases: a primeira (1969-1980), em que
houve o predomínio da pedagogia tecnicista, expressões da concepção analítica de
filosofia da educação ao lado do desenvolvimento da visão crítico-reprodutivista;
uma fase intermediária (1980-1991), com predomínio dos ensaios contra-
hegemônicos, a pedagogia - da educação popular, da prática, crítico-social dos
conteúdos e histórico-crítica; e a última fase desse período (1991-2001) se
caracterizou pelo neoprodutivismo e suas variantes em que se destacaram o neo-
escolanovismo, o neoconstrutivismo e o neotecnicismo.
Ressaltamos, através da periodização realizada por Saviani (2008), que a
segunda fase do segundo período, a qual foi caracterizada pelo desenvolvimento
das ideias pedagógicas leigas e que compreende o período de 1827 a 1932, ocorreu
80
inicialmente em um contexto político, econômico e administrativo conturbado.
Portugal, tanto pressionado pelo vínculo de proteção oferecida pela Inglaterra
quanto pela força opressiva francesa, que impunha a obrigatoriedade de bloqueio
continental aos ingleses, vislumbrou a integração, entendida na fórmula do Reino
Unido, como a saída viável para as disposições conflituosas que predominavam nas
interações com os dois países europeus. Para efetivar acertadamente tal estratégia,
Portugal deveria promover o desenvolvimento da antiga colônia em direção à
modernização e mobilizar o pensamento crítico, para subsidiar as reformas
necessárias, porém controlando o processo para que não fosse revelada a face
revolucionária dessas transformações.
Em 1891, a Primeira Constituição prioriza o ensino leigo nas escolas públicas
em oposição ao ensino religioso que predominou em todo o período colonial. Assim,
o país entra no século XX realizando diversas reformas educacionais, em que cada
estado elaborava a sua, de acordo com a necessidade e realidade local. Essas
reformas tentaram reconduzir a educação para novos métodos de ensino.
Durante a Primeira República, o novo regime assumiu o compromisso de criar
e prover as instituições de ensino secundário e superior, porém delegou aos estados
a responsabilidade sobre desenvolvimento do ensino primário.
Assim o caminho da implantação dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio do qual os principais países do Ocidente logram universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo, não foi trilhado pelo Brasil. E as conseqüências desse fato projetam-se ainda hoje, deixando-nos um legado de agudas deficiências no que se refere ao atendimento das necessidades educacionais do conjunto da população (SAVIANI,2008, p. 138).
O estado de São Paulo organizou o primeiro sistema orgânico de educação,
inspirado nos modelos adotados pela Alemanha, Estados Unidos e Suíça. Caetano
de Campos e Rangel Pestana, em 1890, criaram a Escola-Modelo anexa à Escola
Normal de São Paulo, com o objetivo de demonstrar metodologicamente a nova
proposta de educação (SAVIANI, 2008).
Destacando a atenção para a escola primária, a reforma de 1892 era proposta
para a instrução pública geral. A grande inovação foi a criação dos grupos escolares,
que acabou reunindo em um só local, entre quatro a dez escolas, ou seja, as
escolas de primeiras letras que ficavam sob a responsabilidade de um só professor.
O grupo escolar possibilitou a criação de salas distribuídas em séries em que os
81
alunos integravam segundo a instrução já alcançada, permitindo a progressão da
aprendizagem. Os princípios pedagógicos, que orientavam os conteúdos a serem
trabalhados pelos professores, foram os mesmos que posteriormente receberam a
denominação de pedagogia tradicional: simplicidade, análise e progressividade;
formalismo; memorização; autoridade; emulação e intuição. Esse modelo foi
disseminado paulatinamente por todo o país, configurando a forma de organização
da escola primária, que pode ser identificada nas quatro séries do ciclo de ensino
fundamental (SAVIANI, 2008).
Dentro do movimento conhecido como “entusiasmo pela educação”, na
década de 1920, que se orientava pela ideia da vertente leiga da concepção
tradicional de educação, predominou a crença que a escola poderia transformar
indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos. Duas grandes forças concorriam
para a realização do projeto de hegemonia da burguesia industrial. De um lado os
liberais, as forças do movimento renovador com o apoio do desenvolvimento
industrial e urbano, propunham um conteúdo escolar de características mais
democráticas, do outro lado, a Igreja Católica, que se articulava procurando resgatar
sua força formativa em educação, propunha um conteúdo mais voltado para o
aspecto espiritual. Cabe aqui ressaltar que apesar da concorrência, ambas
representavam facções da classe dominante, não questionavam o poder econômico,
o qual implementava os privilégios e não objetivava pôr fim à carência de escolas
populares (GADOTTI, 2003; SAVIANI, 2008).
A mudança apregoada pelos dois grupos estava centrada mais nos métodos do que no sentido da educação. A análise da sociedade de classe com poucas exceções estava ausente da reflexão dos dois grupos. Só o pensamento pedagógico progressista [...] é que coloca a questão da transformação radical da sociedade e o papel da educação nessa transformação(GADOTTI, 2003, p. 262, itálico do autor).
Em 1930, Getúulio Vargas assumiu o poder como presidente provisório e
dissolveu o Congresso. A mão de obra especializada tornou-se uma exigência
ficando em segundo plano os estudos literários e clássicos da educação. No mesmo
ano,foi criado o Ministério da Educação e Saúde Publica. Em 1931, o governo
provisório sancionou decretos organizando o ensino secundário e as universidades
brasileiras.
Sintetizando os eventos ocorridos no período que vai de 1932 a 1947, Saviani
(2008) destacou que as ideias pedagógicas que se desenvolveram no Brasil, no
82
terceiro período, foram marcadas por um equilíbrio estabelecido entre as influências
da pedagogia tradicional, defendida pela Igreja Católica e as influências da escola
nova, que representava o pensamento dos diferentes profissionais envolvidos
politicamente com as questões de educação.
Combatendo principalmente o analfabetismo, Maria Lacerda de Moura (1887-
1944) destacou em sua obra Lições de pedagogia (1925)que a educação deveria ir
além do ensino de cálculo, história, leitura e língua pátria, ressaltando que as
instituições deveriam também oferecer meios para mobilizar o desenvolvimento
interior das crianças. Apregoava a ideia do combate à mediocridade, à prepotência e
à autoridade garantida pelo acesso ao diploma de bacharelado (SAVIANI, 2008).
A partir do início da República Velha, período em que as oligarquias cafeeiras
paulista e mineira se mantiveram no poder a partir das alianças estabelecidas com
os partidos republicanos dos devidos estados, ficou caracterizado o coronelismo que
explicitava uma relação de compromisso, de troca de favores entre o poder público e
os proprietários de terra que detinham o poder local.
Saviani (1999) esclareceu que após a Revolução de 30, Francisco Campos, à
frente do então criado Ministério da Educação e Saúde Pública, se empenhou em
realizar uma Reforma Educacional que tinha como finalidade organizar a educação
no Brasil com caráter de sistema. O plano de educação, como instrumento de
introdução da racionalidade científica na educação, balizou as propostas
apresentadas pelos escolanovistas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Na visão desse grupo, esse era o caminho proposto para que se alcançasse a
modernização da educação no país e a organização de um sistema nacional de
educação.
Surge um período de contexto político conturbado, inicialmente determinado
pela eleição de Getúlio Vargas, que, ao assumir em 1934, promulga a terceira
Constituição do Brasil, a qual preconiza a educação como direito de todos, sob a
responsabilidade das famílias e dos poderes públicos. Com a nova Constituição
promulgada em 1937, uma nova ruptura política e educacional foi deflagrada e, em
vigor, a Constituição de Francisco Cândido extinguiu os partidos políticos e atribuiu
ao presidente o controle dos poderes legislativo e judiciário, instituindo assim uma
nova forma de governo – o Estado Novo. Esse retrocesso político trouxe
consequências negativas na área da educação, uma vez que foi retirada da
83
Constituição a referência que assegurava a educação como um direito de todos e
foram realizadas reformas no ensino secundário e industrial por meio de decreto lei
(SAVIANI, 1999).
Ainda, segundo o autor, em 1945, o governo de Eurico Gaspar
Dutrapromulgou uma nova Constituição de cunho democrático e liberal. Tal
Constituição resgatou a educação como um direito de todos e ressaltou a
determinação da obrigatoriedade do ensino primário.
A terceira fase do terceiro período, enunciado por Saviani (2008), que vai de
1961 a 1969, foi marcada pela crise da pedagogia nova e a articulação da
pedagogia tecnicista. Nesse período, em 1962, entrou em vigor a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação com a imediata instalação do Conselho Federal de
Educação, tendo como resultado a elaboração do Plano Nacional de Educação.
Saviani (1999) destacou que a escola pública representaria o instrumento
através do qual tal consciência poderia ser alcançada, uma vez que se constituísse,
objetivamente, como lugar do estudo e do conhecimento do Brasil.
A Educação Popular, noBrasil, era entendida, até o início dos anos 1960,
como o processo de instrução elementar que cada país oferecia a toda população
através da implantação de escolas primárias. A partir de 1961, a expressão
Educação Popular ganhou uma nova significação.
Diferentes elementos constituíam o contexto sociocultural que influenciaram o
desenvolvimento da Educação Popular no país. Os movimentos vindos do exterior
se deram a partir das reflexões realizadas pelos pensadores cristãos e marxistas no
pós-guerra e pelas mudanças ocorridas na Igreja Católica, a partir do Concílio
Vaticano II, que pretendia introduzir a doutrina social na Igreja. Internamente se
intensificavam as discussões e análises da realidade brasileira no Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (ISEB) e no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE). Dentre os diferentes movimentos que se desenvolveram nesse mesmo
período, destacaram-se o Movimento de Educação de Base - MEB (criado e dirigido
pela hierarquia da Igreja Católica), os Centros Populares de Cultura Popular (MCPs)
e os Centros Populares de Cultura (CPCs). Sobre os movimentos mencionados,
Saviani (2008) ressaltou que mesmo possuindo diferenças e particularidades em
suas Constituições, apresentavam em comum:
84
O objetivo da transformação das estruturas sociais e, valorizando a cultura do povo como sendo a autêntica cultura nacional, identificavam-se com a visão ideológica nacionalista, advogando a liberdade do país dos laços de dependência com o exterior (SAVIANI, 2008, p. 318).
Em meio a esses movimentos sociais e políticos conjunturais emergiram as
ideias pedagógicas libertadoras de Paulo Freire, sendo sua obra construída junto
àqueles que necessitavam verdadeiramente da solidariedade para “ser mais”, ou
seja, para desenvolver a própria humanidade (STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2010).
Paludo (2010) enfatizou que, em meio aos movimentos reivindicatórios de
libertação e luta pelo poder político no século XX as discussões tanto do destino
quanto da finalidade da educação do/e parao povo foram foco de intenso debate
entre políticos educadores e ativistas sociais dentre outros. Com Freire, à partir de
1960, surgiu a preocupação com a educação popular, para tanto, foram
desenvolvidas práticas pedagógicas para a educação das classes populares com
então, a sua liberação.
Aqui ressaltamos a síntese de Paludo (2010) sobre o sentido da educação
popular para Paulo Freire:
Para Freire, a expressão educação popular designa a educação feita com o povo, com os oprimidos ou com as classes populares, a partir de uma determinada concepção de educação: a educação libertadora, que é, ao mesmo tempo, gnoseológica, política, ética e estética (FREIRE, 1997). Esta educação, orientada para a transformação da sociedade, exige que se parta do contexto concreto/vivido para se chegar ao contexto teórico, o que requer a curiosidade epistemológica, a problematização, a rigorosidade, a criatividade, o diálogo, a vivência e o protagonismo dos sujeitos(FREIRE, 1995, 1997 apud PALUDO, 2010, p.139).
Baquero (2010) ressaltou que a obra de Paulo Freire se constituiu em uma
resposta, no âmbito da pedagogia, às necessidades da sociedade brasileira da
época. Propôs a educação como processo de promoção da emancipação humana,
relacionada à transformação social (educação libertadora), opondo-seà educação
que servia à dominação (educação bancária). O homem, entendido como sujeito da
ação educativa, como educando, experienciaria o desvelamento do mundo mediante
o método de problematização da realidade e de uma relação dialógica. Assim, o
processo de educação de adultos, sob o ponto de vista de Paulo Freire, implicaria o
desenvolvimento crítico da leitura do mundo, que deveria ser investido de um
85
trabalho político de conscientização. A tomada de consciência se daria a partir das
relações que os homens estabelecem entre si, mediados pelo mundo.
A educação problematizadora advém da força criadora do ato de aprender,
que agrega a comparação, a constatação, a repetição, a dúvida rebelde e a
curiosidade. Essa educação comprometida com o desenvolvimento das capacidades
dos indivíduos, apoiada na crença de que os seres humanos podem capacitar-se e
tornar-se senhores de seus destinos e de seu conhecimento pode, certamente,
promover a autonomia (FREIRE, 1996).
Sartori (2010) assinalou que tanto Freire (1987) como Gadotti (1985)
ressaltaram que o ato pedagógico é também um ato político, que opera em um
contexto histórico e guarda suas especificidades de interesses de classes, assim
não podendo ser compreendido como neutro ou desconectado das questões sociais
emergentes.
Na perspectiva de Freire, a educação bancária(depósito de informações) se
expressa em uma narrativa alienante e alienada, numa perspectiva de educar para a
submissão e apoiada na crença de uma realidade estática, exatamente delimitada e
de um sujeito acabado. A força que atua nessa prática educacional promove a
supressão da curiosidade, da criatividade, desestimulando a capacidade dos sujeitos
em desafiar-se, contribuindo assim para a preservação de sua passividade. Dessa
forma, essa educação estaria a serviço da manutenção da consciência ingênua e
sem crítica que impossibilitaria a reflexão sobre os conflitos e contradições que
emergem no cotidiano da vida na escola (SARTORI, 2010).
Contrário aos efeitos da educação bancária, a educação problematizadora,
está ancorada no diálogo que deve ser entendido como: próprio da condição
histórica dos homens; emergente dentro de um contexto sócio político; postura
necessária para a conquista cada vez maior da libertação da opressão e exploração,
formando seres criticamente comunicativos; unificador do relacionamento entre os
sujeitos cognitivos; tensão permanente entre liberdade e autoridade.
Continuando com a periodização proposta por Saviani (2008), adentramos o
quarto período do desenvolvimento das ideias pedagógicas no Brasil, de 1969 a
2001.Para discorrer sobre o contexto político conturbado, o autor tomou como
referência a obra de Pereira (1977) e esclareceu que tal contexto, alimentado pela
luta de distintos grupos partidários que assumiram o poder, poderia ser identificado
86
nas diferentes formas de regime político assumidas pelo Estado brasileiro a partir de
1930.
Um Estado, obviamente, de tipo capitalista, que assumiu como regime político
as seguintes formas: 1º nacionalista autoritário (Estado Novo); 2º internacionalismo
liberal (período do Governo do Presidente Dutra); 3º nacionalismo liberal (de 1951
até 1964 a vigência do modelo nacional-desenvolvimentista, época do retorno de
Getúlio Vargas ao poder por vias eleitorais, seguido pelo governo de Café Filho e,
posteriormente, pelo governo de Juscelino Kubitschek); 4º internacionalismo
autoritário (na vertente militarística, vigente desde a Revolução de 1964 até 1985).
Saviani (2008) propôs, para a atualização do pensamento de Pereira (1977) um
quinto período, o qual identificou como internacionalismo liberal(desde 1985, com o
advento da Nova República até meados da primeira década do século XXI.
O estreito vínculo estabelecido com os Estados Unidos influenciou
marcadamente no desenvolvimento sócio-político e econômico do Brasil. O regime
nacional-desenvolvimentista que levou o país a atingir as expectativas de autonomia
na produção de bens de consumo duráveis trouxe também, através da abertura de
espaço para as indústrias internacionais, um caráter desnacionalizante.
O rápido desenvolvimento econômico e social, assim como a supressão das
forças de mobilização populares, foram os focos das propostas para a elaboração de
um plano de educação para o Brasil. Sem ruptura no plano socioeconômico e sem
ruptura no plano educacional, as reformas do ensino, realizadas na ditadura militar
objetivavam transformação nas bases organizacionais para que atendesse as
necessidades “do modelo econômico do capitalismo de mercado associado
dependente, articulado com a doutrina de interdependência” (SAVIANI, 2008, p.
364).
Com a finalidade de dar conta da demanda de mão de obra qualificada e do
alcance da meta de elevação geral da produtividade escolar, o mesmo modelo
organizacional foi transferido para o campo da educação. Assim, concluiu Saviani
(2008): a educação tecnicista que teve por base as ideias relacionadas à
organização social do trabalho, ao enfoque sistêmico e ao controle do
comportamento, se constituiu como tendência no campo da educação e através da
pedagogia tecnicista se estendeu a todas as escolas brasileiras.
87
A pedagogia tecnicista fundamentada tanto nos pressupostos da neutralidade
científica quanto nos princípios da racionalidade, produtividade e eficiência, essa
pedagogia apontou para uma reestruturação do processo educativo, com a
finalidade de torná-lo objetivo e operacional. A objetivação do trabalho pedagógico
visava alcançar uma organização tal, que fosse capaz de minimizar as interferências
subjetivas que pudessem prejudicar a eficiência do processo educativo. Distintas
propostas pedagógicas, tais como: o microensino, o enfoque sistêmico, a instrução
programada, somadas ao parcelamento do trabalho pedagógico, realizado por uma
infinidade de técnicos advindos de diferentes matizes, buscaram a padronização do
sistema de ensino partindo de esquemas previamente planejados, aos quais as
distintas modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas deveriam se adaptar.
Saviani estabeleceu uma série de comparações entre as diferentes práticas
pedagógicas:
Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo; e se na pedagogia nova a iniciativa se desloca para o aluno, situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto relação interpessoal, intersubjetiva; na pedagogia tecnicista o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posições secundárias, relegados que são a condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. [...] Do ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender, e para a pedagogia nova, aprender a aprende, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender fazer (Saviani, 2008, p. 383).
A base teórica sistêmica do tecnicismo pedagógico, segundo o autor,
apontava para o trabalho na educação em busca do alcance do equilíbrio social.
Assim a educação, como parte integrante do sistema social, deveria realizar
adequadamente sua função de proporcionar o treinamento adequado para a
realização de distintas tarefas solicitadas pelo sistema social. Porém, a
intensificação dos procedimentos burocráticos e o crescente empenho na
planificação minuciosa das diferentes funções desempenhadas, pelos distintos
especialistas, acabaram fragmentando o ato pedagógico, dessa forma, a pedagogia
tecnicista comprometeu o desenvolvimento do campo da educação, gerando
descontinuidade, fragmentação e heterogeneidade, compatível com a ideia de que
aquele que não se integra tem um problema.
88
Ainda na década de 1970, no Brasil, foram desenvolvidos estudos voltados à
crítica da educação dominante que ressaltavam as funções da política educacional
encobertas pelo discurso político-pedagógico oficial.
A tendência crítico-reprodutivista, descrita por Saviani (2008, p. 393, itálico do
autor), foi justificada por tratar-se de:
(...) uma tendência crítica porque as teorias que a integram postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais. Empenham-se, pois, em explicar a problemática educacional remetendo-a sempre a seus determinantes objetivos, isto é, à estrutura socioeconômica que condiciona a forma de manifestação, do fenômeno educativo. Mas é reprodutivista porque suas análises chegam invariavelmente à conclusão que a função da educação é reproduzir as condições sociais vigentes.
As principais teorias que orientaram os estudos e se constituíram referência
da tendência crítico-reprodutivista foram: “teoria do sistema de ensino enquanto
violência simbólica” de Bourdieu e Passeron (1975), descrita anteriormente neste
capítulo; “teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado”, esboçada por
Louis Althusser e publicada como artigo em 1970; e “teoria da escola dualista”, de
ChristiamBaudelot e Rogers Estamblet (1971).
O período que vai de 1980 a 1991, segundo as apreciações de Saviani
(2008), foi marcado pelo intenso desenvolvimento das ideias críticas que
mobilizaram as expectativas de superação da influência das ideias pedagógicas,
inspiradas a partir da teoria do capital humano, juntamente com a crença na
educação como instrumento poderoso de crescimento econômico e aprimoramento
pessoal e justiça social.
A década de 1980 ainda que muitas vezes chamada de “década perdida”, em
função de inúmeros descaminhos na condução da política econômica brasileira, foi
um período de intensa prosperidade no campo da educação. A época foi marcada
pelo desenvolvimento das propostas pedagógicas contra-hegemônicas: pedagogias
da “educação popular”; pedagogias da prática; pedagogia crítico-social dos
conteúdos; pedagogia histórico-crítica.
Na década de 1990, com ritmo mais moderado, as “pedagogias da educação
popular” se desenvolveram de maneira menos intensa do que na década anterior,
porém a elaboração da Escola Cidadã, formulada pelo Instituto Paulo Freire, veio
demonstrar a possibilidade de inserção da “visão da pedagogia libertadora e os
89
movimentos de educação popular no novo clima político (neoliberal) e cultural da
(pós-modernidade)” (SAVIANI, 2008, p. 423).
O último período analisado por Saviani (2008), vai de 1991 a 2001 e foi
caracterizado como a época do neoprodutuvismo e suas variantes, a saber: neo-
escolanovismo, neoconstrutivismo e neotecnicismo.
O autor ressaltou que o grande movimento dos educadores brasileiros,
expresso mais especificamente nas CBEs, foi perdendo vigor e demarcando uma
nova fase das ideias pedagógicas no país, que ganhou expressão nas discussões
sobre questões que envolviam: Educação, Trabalho e Estado.
O contexto cultural da época do neoliberalismo influenciado pelo
desenvolvimento da informática, que possibilitava o acesso sem precedentes à
informação, e pela descrença nos princípios que legitimavam a ciência moderna, foi
chamado de pós-modernidade.
Tomando como referência a obra de Lyotard (1979), Saviani (2008) destacou
a falta de confiança em relação às metanarrativas que sustentavam as ciências
modernas, enfatizando o risco do ensino e da pesquisa estar atrelado à lógica do
melhor desempenho, na qual a pura performance reduziria a ciência ao aspecto
comercial e lucrativo. O modelo de legitimação proposto estaria a cargo do convívio
harmonioso com as diferenças, o bom saber seria aquele que viesse a identificar as
anomalias e construiria novos conceitos, focalizando o aspecto criativo do saber.
O autor ressaltou também que as ideias pedagógicas desenvolvidas no Brasil,
durante a década de 1990, podem ser expressas no neoprodutivismo, que, segundo
ele, objetiva uma nova versão da teoria do capital humano, marcando as
transformações da passagem do fordismo ao toyotismo, imprimindo no campo da
educação uma orientação que ganhou expressão na “pedagogia da exclusão”. O
neoescolanovismo resgatou o lema “aprendendo a aprender” para a orientação
pedagógica e prescreveu, através do neoconstrutivismo, a concepção psicológica do
aprender como atividade construtiva do aluno. Todo esse processo ganhou
objetividade através do neotecnicismo, que se apresentou como a maneira de
organização das escolas pelo Estado, para minimizar os gastos e maximizar os
resultados, culminando finalmente na “pedagogia da qualidade total” e a “pedagogia
corporativa”.
90
Utilizando as ideias de Kuenzer (2005), Saviani (2008) concluiu que a
concepção pedagógica dominante poderia ser caracterizada como a da “exclusão
includente” e “inclusão excludente”. A “exclusão includente” ocorre no campo da
produção como fenômeno de mercado, no qual o trabalhador é levado a perder seu
lugar no mercado de trabalho, inserindo-se, assim, no mercado informal e podendo
retornar ao mercado formal com prejuízo em sua condição profissional. A “inclusão
excludente” se dá no terreno da educação, a face pedagógica da “exclusão
includente”. Os estudantes são levados a ingressar em instituições de ensino que
não oferecem as mesmas condições, os mesmos níveis e modalidades de ensino, a
qualidade da formação fica invariavelmente distante dos padrões de qualidade
necessários para o ingresso no mercado de trabalho. A inclusão de um grande
número de crianças e adolescentes no sistema escolar pode demonstrar o alcance
das metas de universalização do ensino fundamental, porém em função da
precariedade da aprendizagem efetiva, os estudantes acabam ficando excluídos do
mercado de trabalho e da atuação na vida em sociedade. O autor ressaltou que não
são apenas os alunos que se tornam vítimas da inclusão excludente, nesse
processo educativo de características neoprodutivista, os professores também são
prejudicados, pois os dirigentes esperam que esses profissionais desempenhem um
enorme conjunto de funções, com máximo de produtividade a partir do mínimo de
investimento.
A ampla pesquisa “Juventude e integração Sulamericana: diálogos para
construir a democracia regional”, coordenada pelo Ibase (Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas) e Pólis - Instituto de Estudos, Formação e
Assessoria em Políticas Sociais for realizada em conjunto com uma rede de
parceiros nos países pesquisados: Fundación SES (Argentina), Pieb (Bolívia),
CIDPA (Chile), Base-Is (Paraguai) e Cotidiano Mujer (Uruguai),foram ouvidos 14
mil pessoas (IBASE; PÓLIS, 2008). Os integrante do grupo pesquisado eram
50%jovens (18 a 29 anos) e 50% adultos (30 a 60anos) A pesquisa ocorreu no
período de agosto a outubro de 2008, em seis países da América do Sul: Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. A pesquisa buscou detectar diferenças e
semelhanças entre gerações (opiniões,valores, educação, visões sobre o trabalho,
etc.), bem como as representações existentes sobre a juventude no continente. O
91
objetivo da pesquisa foi contribuir para a vigência e ampliação de direitos dos jovens
nos marcos do exercício da democracia plena no Brasil e na América do Sul.
Tal pesquisa trouxe dados que acreditamos ser relevantes para identificarmos
a apreciação dos jovens sobre a educação oferecida na região.
Ainda que o nível de escolaridade dos jovens brasileiros, da geração atual,
seja maior do que aqueles encontrados em gerações anteriores (43% dos jovens
chegam ao ensino médio completo ou incompleto contra 16% dos adultos) a
situação escolar destes jovens ainda é precária, pois, é alta a porcentagem (41%)
dos jovens que não alcançam sequer o ensino médio, sendo que apenas 14,5% dos
jovens chegam à universidade.
Ao ser perguntado “o que é mais importante para os jovens?” nos seis países
os/as entrevistados (jovens e adultos) responderam em primeiro lugar: “ter mais
oportunidade de trabalho” (maior percentual encontrado no Brasil e Uruguay – 61%)
e em segundo lugar: “estudar e ter um diploma universitário” (Brasil: 20%).
Ao serem indagados sobre: “o que é mais importante para que o jovem
consiga trabalho?”, as respostas apontaram a “experiência” e “nível de
escolaridade”, em primeiro e/ou segundo lugares em todos os 6 países pesquisados
(jovens e adultos) na América do Sul. No Brasil a “experiência” se iguala com a de
que “é o nível de escolaridade” (37% em ambos os casos).
Quando questionados sobre: “qual é a maior dificuldade que um (a) jovem de
seu país enfrenta para estudar? “Falta de dinheiro para transporte e outros gastos”
foi o principal fator apontado na Argentina (30%), Chile (39%), Bolívia (43%) e
Paraguai (54%). No Uruguai “dificuldade de conciliar estudo e trabalho” aparece em
primeiro lugar (29%), à frente de “falta de dinheiro para transporte” (28%). No Brasil,
“desinteresse do próprio jovem” é apontado pelos entrevistados como a principal
dificuldade (36%), seguida por falta de dinheiro para transporte e outros gastos
(27%).
O fato de os brasileiros identificarem a maior dificuldade em estudar ser
decorrente da falta de interesse pessoal dos jovens chamou a atenção dos
pesquisadores que ressaltaram que:
É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade ... Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola
92
tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (IBASE; PÓLIS, 2008, p. 9)
Algumas reflexões nos ocorreram a partir da observação dos dados da
pesquisa: tanto o alto índice de evasão escolar (41% não chegam ao ensino médio,
e somente 14% chegando à universidade), quanto a primazia da necessidade de
inserção no mercado de trabalho sobre a necessidade de estudo entre os jovens
podem estar relacionados com a questão assinalada anteriormente por Saviani
(2008) neste capitulo que apontou a ineficiência do ensino, razão pela qual não há
profissionais, na garantia de colocações profissionais caracterizada como “inclusão
excludente”.
Finalizando, procuramos apresentar neste capítulo III a evolução das ideias
pedagógicas e suas respectivas práticas pedagógicas em educação, as quais
fundamentarão nossa abordagem para melhor compreender a apreciação que pais e
professores expõem a respeito dos problemas que ocorrem no contexto escolar,
com crianças e adolescentes.
93
4 PARADIGMAS ORIENTADORES DO TRABALHO EM SAÚDE
Este estudo envolve questões da promoção da saúde no contexto da escola,
portanto considerando a pertinência da intervenção proposta, pelo Programa de
Promoção de Saúde na Escola, acreditamos ser imprescindível abordar neste
capítulo os distintos significados que os conceitos de saúde/doença/intervenção
assumiram ao longo do tempo até o surgimento do conceito de promoção de saúde,
através de um breve histórico sobre o conhecimento acerca do processo
saúde/doença. Além disso, consideramos ser importante discorrer sobre o
higienismo e as questões relativas à medicalização, além das especificidades da
saúde e da doença que permeiam a identificação da queixa escolar.
4.1 A saúde e a doença na História: uma visão antropológica e epidemológica
Como já mencionamos acima, para focalizar as questões relativas à
saúde/doença, precisamos identificar os significados atribuídos a esses conceitos. A
doença acompanha a espécie humana desde sempre e, em cada momento, os
homens a enfrentaram de maneira diferente, segundo a compreensão e os recursos
de sua época. Assim na definição de saúde e de doença estão contidos elementos
econômicos, sociais, políticos e culturais (SCLIAR, 2007).
Para melhor compreender o conceito de saúde-doença na atualidade, é
necessário entender as modificações desse conceito que ocorreram ao longo da
história em diferentes culturas.
4.1.1 Saúde e doença na Antiguidade
94
Na Antiguidade, acreditava-se que a causa das doenças poderia estar
relacionada aos elementos naturais ou sobrenaturais: ao ambiente físico, aos astros,
ao clima, aos insetos e aos animais (BARATA, 1985).
A teoria mística explicava a doença como um fenômeno sobrenatural, situado
fora do alcance da compreensão da época. Em cada cultura, ganhava significados
específicos. Para os hebreus, a doença sinalizava a cólera divina mobilizada pelos
pecados dos homens, a enfermidade apontava o pecado. Os preceitos religiosos
expressos no Torá tinham por finalidade a manutenção da coesão grupal, todavia
também operava na prevenção de contágio de doenças transmissíveis (SCLIAR,
2007).
Scliar (2007) apontou ainda que em outras culturas, as doenças significavam
a apropriação do corpo do enfermo por maus espíritos. O xamã, feiticeiro tribal, era
quem se encarregava de expulsar os maus espíritos por meio de rituais, graças aos
quais os doentes se integravam novamente ao grande equilíbrio do mundo natural e
espiritual.
Na cultura grega, já se identificava a associação de elementos da natureza
com os elementos divinos. Na mitologia aparecem divindades relacionadas à saúde,
porém a cura era obtida através da utilização de métodos e plantas, não
dependendo assim apenas de procedimentos ritualísticos (SABROZA, 2001).
Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina, não considerava a doença
como sagrada, acreditava ser causada por agentes naturais, ainda que
desconhecidos em função da limitação do saber humano. Defendeu um conceito
ecológico de saúde e enfermidade pautado na percepção de homem como unidade
organizada. No texto “Ares, águas, lugares”, discutiu os fatores ambientais ligados à
doença e afirmava que a saúde era o resultado do equilíbrio de quatro principais
fluidos corporais (bile amarela, bile negra, fleuma e sangue) e qualquer desequilíbrio
desses elementos levaria o homem a adoecer (SCLIAR, 2007).
Segundo Nordenfelt (2000), Galeno (129-199 DC) identificava uma causa
endógena das doenças, situada dentro do próprio homem, em sua constituição física
ou em hábitos de vida, que levavam ao desequilíbrio. Estabeleceu a teoria das
latitudes de saúde e elaborou uma divisão de estados de saúde: saúde, estado
neutro, má/saúde. Essas dimensões, por ele visualizadas, poderiam ocorrer
isoladamente ou em combinação de uma com as outras, totalizando nove formas de
95
combinações possíveis. Esse esquema de Galeno foi utilizado por mais de mil anos
pela medicina ocidental.
A concepção de saúde e doença desenvolvida no Oriente assinalava a crença
na existência de uma força vital abrigada no corpo humano. O funcionamento
harmonioso dessa força propiciava saúde e o desequilíbrio produzia doença
(SCLIAR, 2007).
Com a crescente urbanização e a estratificação social das sociedades, o
poder de diagnosticar e tratar as doenças ficou concentrado nos centros urbanos,
nas mãos dos sacerdotes que eram vinculados aos grupos dominantes, assim, “o
modo mágico de lidar com as doenças foi suplantado pelo modelo místico ou
religioso que se tornou hegemônico (...) o sentimento de culpa passou a ser uma
dimensão importante do processo social de adoecer.” (SABROZA, 2001, p.6).
4.1.2 Saúde e doença na Idade Média
Scliar (2007) assinalou que durante a Idade Média na Europa o conteúdo
religioso reapareceu atrelado às concepções de saúde e doença. A crença que a
doença era resultado do pecado e a sua cura, somente por meio da fé, foi mantida
por influência da religião cristã durante muito tempo. Os cuidados oferecidos aos
enfermos se desenvolviam, em sua maioria, nas instituições religiosas que se
comprometiam mais com o abrigo e o conforto do que propriamente com a cura. O
controle dos prazeres (alimentares, sexuais e das paixões) objetivava colocar ao
homem uma forma de vida que não o dispusesse de maneira contrária à natureza.
4.1.3 Saúde e doença no Renascimento
No final da Idade Média, com as epidemias, surgiu novamente a ideia de que
a doença era transmitida pelo contato entre pessoas. No século XIV, uma pandemia
de peste arrasou as populações da Europa que, diante da impossibilidade de
enfrentamento pelas diferentes práticas médicas, retomaram os conceitos de saúde
96
e doença relacionados às condições de pecado e culpa (SABROZA, 2001; SCLIAR,
2007).
Ainda que desvinculada da concepção religiosa e desenvolvida a partir de
observações empíricas, o isolamento de pessoas doentes (quarentena) se constituiu
como a defesa da saúde da população das cidades (SABROZA,2001).
O autor ressaltou que o estudo da constituição do corpo humano por médicos
e artistas no período do Renascimento possibilitou um maior entendimento sobre o
corpo sadio e as doenças eram entendidas como resultantes de causas naturais.
O desenvolvimento na química e da física trouxe em uma nova concepção do
corpo humano. O funcionamento do corpo foi abordado a partir da ideia do
funcionamento das máquinas, ou seja, um mau funcionamento do corpo era
compreendido como um defeito em umas das suas partes constituintes, e esse
defeito ao ser identificado e corrigido levaria o corpo a alcançar um nível bom de
operação.
Seguindo o processo de desenvolvimento das ciências naturais, a ciência
médica se empenhou sobremaneira para identificar, classificar e descrever as
antigas e as novas doenças e objetivava sempre as intervenções no nível individual.
A formação das ciências básicas, a partir dos estudos empíricos, influenciou a
ciência médica na busca incessante do descobrimento da origem dos elementos que
sustentavam as causas dos contágios. Tal empreitada resultou na elaboração da
teoria do miasma que entendia que a saúde das populações estava à mercê do
equilíbrio entre a água, o sol e o ar. Os gases provenientes de diferentes tipos de
putrefação, processos químicos gerados pela acumulação de gases patogênicos no
meio ambiente, poderiam interferir nesse equilíbrio causando as doenças
(SABROZA, 2001; BACKES et al., 2009; SCLIAR 2007).
Na Europa, no século XVII, ocorreu a diminuição da intensidade da
devastação da saúde causada pela peste, porém ocorreu o desenvolvimento de
outras doenças epidêmicas. Os percalços da destruição das plantações de batata,
que na época representavam o principal alimento das classes populares,
ocasionaram uma epidemia de fome e, segundo Sabroza (2001), mobilizou intenso
êxodo da população para outros continentes.
O crescente intercâmbio de produtos e de pessoas entre os povos também foi
responsável pela disseminação de inúmeras doenças no continente europeu e
97
americano, incluindo assim, as colônias. Nestas, a situação era ainda pior, os níveis
elevados de desgaste e uma organização socioeconômica, que inviabilizavam
qualquer desenvolvimento de conhecimento e técnica, acarretaram o genocídio das
populações nativas (SABROZA, 2001).
Tais circunstâncias, ressaltou o autor, acrescida da prática do tráfico de
escravos tiveram como consequências níveis impensáveis de sofrimento, doença e
morte. As condições relativas à saúde e à doença, a partir dessa época, eram
consideradas sob o ponto de vista de um grupo social específico: os colonizadores.
Fato que resultou em uma história tendenciosa, deixando como marca, no projeto
capitalista de saúde, a diferença de valor atribuído à vida humana.
Sabroza (2001) assinalou que especulações, práticas alternativas e o retorno
às observações dos fenômenos, como fonte de conhecimento confiável,
caracterizaram a nova ordem de tendências na medicina dos séculos seguintes. Tais
disposições se integraram à nova concepção de mundo que emergia, configurando
transformações nas distintas instâncias da organização social. A concepção religiosa
foi perdendo vigor em detrimento do crescente fortalecimento do humanismo que
colocou o homem como centro de referência da ideologia.
4.1.4 Saúde e doença na Idade Moderna
Entre o final do século XVIII e meados do século XIX, o desenvolvimento do
processo de industrialização e de urbanização na Europa mobilizou intensas
transformações sociais. Czeresnia (2003) assinalou que, em decorrência da
deterioração das condições de vida e trabalho, as populações ficaram expostas ao
aumento das ocorrências de epidemias.
A incidência de doenças conhecidas somadas às novas que foram trazidas
das colônias, o ambiente de precária distribuição de água urbana, a desnutrição, as
doenças mentais, o alcoolismo e a violência urbana configuraram o agravamento
das condições de saúde das populações, ameaçando a capacidade de
sobrevivência desses grupos sociais (SABROZA, 2001).
A consequência desse agravamento das condições de saúde e os ínfimos
resultados positivos das práticas médicas desenharam o contexto da crise sanitária,
98
que, segundo o autor, apontava para “os impasses e contradições acumulados no
processo de reprodução daquela organização social” (SABROZA, 2001, p. 7).
Apoiado em uma compreensão sistêmica da realidade social, o autor apontou
que tanto a crise sanitária quanto as revoltas populares contra as condições
precárias de vida e trabalho, resultante do confronto de interesses entre
trabalhadores e capitalistas, detentores dos meios de produção, se constituíram
como elementos indispensáveis à auto-organização e à mobilização da capacidade
criativa do sistema social para a superação da crise.
Somados aos efeitos positivos resultantes das revoltas populares, Sabroza
(2001) ressaltou a competência dos Estados Nacionais em garantir o
desenvolvimento de melhores condições de vida para os integrantes das classes
trabalhadoras, através da regulamentação das condições de trabalho e de utilização
dos espaços urbanos.
Ocorreram profundas modificações nas disposições urbanas, orientadas pelo
paradigma da teoria do miasma, que tiveram como consequência a diminuição
significativa da transmissão de doenças e da mortalidade infantil. Porém apenas
posteriormente, os valores da burguesia na forma de encaminhar a vida, a
sexualidade, os cuidados com as crianças foram sendo difundidos através das
práticas do modelo higienista (SABROZA, 2001).
A exploração das colônias como referimos anteriormente, era necessária à
manutenção do equilíbrio econômico e político, porém implicava a exposição dos
colonizadores às inúmeras doenças transmissíveis endêmicas e epidêmicas. A
necessidade de conhecer e intervir nas condições em que se propagavam as
doenças impulsionou o desenvolvimento da medicina tropical. Nesse mesmo
período despontavam os primeiros trabalhos da área da epidemiologia, John Snow
(1813-1858) em Londres estudava a cólera e visualizou a possibilidade de estender
ao entendimento sobre a saúde do corpo social os conhecimentos sobre a saúde do
corpo individual.
Se a saúde do corpo individual podia ser expressa por números - os sinais vitais -, o mesmo deveria acontecer com a saúde do corpo social: ela teria seus indicadores, resultado desse olhar contábil sobre a população e expresso em uma ciência que então começava a emergir, a estatística (SCLIAR, 2007, p. 34).
99
No final do século XIX. as pesquisas no laboratório de Louis Pasteur e de
outros pesquisadores levaram à descoberta dos micro-organismos que causavam as
doenças, finalmente os fatores etiológicos desconhecidos passaram a ser
identificados. A bacteriologia combinada com a noção de que para cada doença
havia um agente etiológico específico possibilitou o enfretamento das enfermidades
através do uso de produtos químicos e vacinas, assim as doenças puderam ser
curadas e prevenidas. Afirmou-se então o novo paradigma para explicar o processo
saúde/doença (BUSS, 2007; BACKES et al., 2009; SCLIAR, 2007).
Por influência dessas ideias, a ocorrência das doenças foi associada às
condições de vida e existência dos indivíduos. Esse pensamento era compatível
com a perspectiva anticontagionista que compreendia a doença como resultado do
desequilíbrio do conjunto de circunstâncias que interferiam na vida dos indivíduos.
O movimento contagionista, que ressaltava a necessidade de identificar uma
causa específica como origem das doenças, que na época parecia ultrapassado,
ganhou destaque e relevância a partir da teoria dos germes, pois a explicação
microbiológica para a causa das enfermidades finalmente possibilitou a intervenção
no curso das doenças transmissíveis. Assim, concluiu Czeresnia (1997, 2003), a
influência poderosa da bacteriologia no desenvolvimento da medicina atuou de
maneira a privilegiar:
(...) intervenções especificas, individualizadas, de cunho predominantemente biológico, centradas no hospital e com progressiva especialização e incorporação indiscriminada de tecnologia. Consolidou-se a posição privilegiada da medicina e dos médicos na definição dos problemas de saúde e na escolha das ações necessárias ao controle, tratamento e prevenção das doenças. (CZERESNIA, 2003, p. 4).
Em diferentes países da Europa e nos Estados Unidos, a preocupação do
Estado com as condições de saúde da população se traduzia na implementação da
formação profissional na área da saúde e com a estruturação de modelos de
atuação que pudessem alcançar a saúde dos trabalhadores, pois assim a estrutura
social alicerçada nas premissas do Estado capitalista não seriam abaladas (BUSS;
PELLEGRINI, 2007; SCLIAR, 2007; SABROZA, 2001).
Das inúmeras transformações no ensino da medicina, o destaque ficou a
cargo do projeto da Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino, que deu
origem ao Relatório Flexener. Desde 1910, este relatório instituiu o ideário
hegemônico no campo da saúde, que, através da prática, do ensino e das
100
pesquisas, consolidaram o paradigma até hoje vigente. Tal paradigma proporcionou
uma forma de abordar a saúde e a doença em que foram destacados os seguintes
elementos: o curativismo, no qual a saúde era entendida como ausência de doença
em um indivíduo e justificava o diagnóstico e a terapêutica que passaram a agregar
relevância em todo o processo; o mecanicismo, noção de causalidade linear, uma
disfunção mobilizada por uma causa; o biologismo, doença e cura no nível biológico;
o individualismo, o indivíduo como objeto das ações em saúde, o qual seria tratado
por outro indivíduo, sem relação com o contexto social e histórico; e a
especialização. Assim a prática sanitária passou a “ser a busca da cura dos
indivíduos que manifestaram alguma doença.” (SANTOS; WESTPHAL, 1999, p. 73).
A possibilidade do reestabelecimento da saúde, ausência de doença, nessa
época, ficava por conta do atendimento clínico, oferecido principalmente pelos
hospitais.
Buss e Pellegrini (2007) assinalaram que a afirmação desse paradigma que
explicava o processo saúde/doença, por ele chamado de “bacteriológico”, foi se
fortalecendo e ganhou maior expressão com os debates entre as distintas
abordagens e concepções sobre a estruturação do campo da saúde pública nos
Estados Unidos.
Rosen (1980) ressaltou que a classe médica esteve envolvida com os
movimentos sociais que emergiram nesse período e que, ao abordarem as questões
que relacionavam as doenças ao meio ambiente, também reconheciam as
influências das relações sociais que produziam as condições físicas e sociais.
Se, por um lado, o desenvolvimento do paradigma bacteriológico ganhou todo
o reconhecimento devido aos benefícios que alcançou ao enfocar a relação causa-
efeito das doenças, por outro, o doente e o ambiente foram relegados ao segundo
plano (ROSEN, 1980).
Buss e Pellegrini (2007) assinalaram que no centro do debate sobre a
configuração desse novo campo de conhecimento, de prática e de educação,
sempre se fez presente o conflito entre saúde pública e medicina e entre os
enfoques biológico e social do processo saúde/doença.
Sobre esse conflito, Czeresnia (2003) ressaltou que o confronto de posições
continuou existindo entre aqueles que propunham prioritariamente causas e
intervenções gerais (como, por exemplo, sobre as condições precárias de vida,
101
sobre a fome e a miséria), contra aqueles que buscavam prioritariamente causas e
intervenções específicas.
Apesar das evoluções alcançadas pelas práticas orientadas com base nos
conhecimentos produzidos a partir do paradigma flexeneriano, o próprio
desenvolvimento da epidemiologia e da imunologia criou uma situação de crise para
alguns elementos constituintes desse paradigma. Nesse sentido, ressaltem-se as
considerações dos autores a seguir:
Crise no mecanicismo – com o desenvolvimento da noção de risco, de exposição e suscetibilidade, uma causa atuando sobre um corpo nem sempre vem a produzir o efeito esperado; crise no biologicismo e na unicausalidade – com a extensão das noções próprias da epidemiologia das doenças transmissíveis para as não transmissíveis, e com a ideia de multicausalidade; igualmente, com a conceituação de fator de risco nas doenças degenerativas, quase sempre associado ao meio físico e/ou social (SANTOS; WESTPHAL, 1999 p. 75).
Como consequência dessa crise deflagrada, houve uma reorientação da
ênfase do curativismo para a prevenção. Santos e Westphal (1999) ressaltaram que:
os elementos assinalados como condicionantes de saúde ultrapassavam os limites
daqueles reconhecidos como tradicionais do processo saúde-doença (doença,
diagnóstico, terapia, recuperação da saúde); o ato médico perdeu o ponto central e
hegemônico do paradigma flexeneriano, ainda que mais intensamente no nível
teórico. Assim, uma nova forma de pensar sobre saúde-doença se configurou e se
instaurou o paradigma social em saúde.
No período entre 1920 e 1950, em um contexto de crítica ao modelo da
medicina curativa surgiu o movimento da medicina preventiva. Este movimento, que
emergia na Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, propunha profundas
transformações nas práticas médicas por meio de reformas no ensino da medicina.
Tais reformas pretendiam: promover o desenvolvimento de novas posturas
profissionais com os órgãos de atenção à saúde; ressaltar a responsabilidade dos
médicos na promoção da saúde e na prevenção de doenças; introduzir a
epidemiologia dos fatores de risco; privilegiar a estatística como critério científico de
causalidade (AROUCA, 1975;TORRES, 2002 apud CZERESNIA, 2003).
O contexto que configurou o desenvolvimento do discurso próprio da medicina
preventiva contava com três vertentes: o modelo higienista desenvolvido no século
XIX; a redefinição das responsabilidades médicas durante a sua formação; a
102
discussão dos custos elevados da assistência médica (AROUCA, 1997 apud
CZERESNIA, 2003).
Como nos referimos anteriormente no capítulo sobre o desenvolvimento das
ideias pedagógicas, as transformações ocorridas no contexto sociopolítico e
econômico mundial na época do pós-guerra fizeram emergir a consciência de que as
promessas feitas pelos estudiosos apoiados na crença do positivismo
definitivamente não foram alcançadas. O projeto de desenvolvimento sem limites
para o homem e as sociedades, elaborado a partir do conhecimento produzido
através do método cientifico, acabou colocando a própria sobrevivência da espécie
em risco.
4.2 Promoção da saúde
Scliar (2007) destacou o fato de que até o final da década de 1940 ainda não
havia um conceito de saúde aceito universalmente. O autor ressaltou que era
necessário alcançar um consenso entre as diferentes nações, o que de fato ocorreu
apenas em 1948, após a 2ª. Grande Guerra, com a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Sobre a influência das diferentes tendências na abordagem da saúde, Buss e
Pellegrini ressaltaram que:
Apesar da preponderância do enfoque médico biológico na conformação inicial da saúde pública como campo cientifico, em detrimento dos enfoques sociopolíticos e ambientais, observa-se, ao longo do século XX, uma permanente tensão entre essas diversas abordagens, a própria história da OMS oferece interessante exemplo dessa tensão, observando-se períodos de forte preponderância de enfoques mais centrados em aspectos biológicos, individuais e tecnológicos, intercalados com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais (BUSS; PELLEGRINI,2007, p. 80).
O conceito de saúde, formulado pela OMS e divulgado na sua carta de
princípios elaborada em 1948 tanto apontava o reconhecimento do direito universal
à saúde, como a obrigação do Estado com a promoção e a proteção da saúde. Um
conceito amplo dessa carta que refletia as aspirações oriundas dos movimentos pós-
guerra, traduzida por uma vida plena sem qualquer privação: “Saúde é o estado do
103
mais completo bem-estar físico mental e social e não apenas ausência de
enfermidade” (SCLIAR, 2007, p. 37).
Rosen (1980) destacou o pensamento do alemão Virchow que antes mesmo
da revolução de 1848 nos estados alemães, ao liderar uma reforma na área médica
dizia que a medicina era uma ciência social e que a política por sua vez, era a
medicina em grande escala. Chardwick (1840) reconheceu a precariedade das
condições de vida das classes populares da Inglaterra e as influências que tais
condições imprimiam à saúde destes grupos sociais e apontou a pobreza como
consequência do adoecer. Chardwick considerava ainda que as doenças acometiam
os indivíduos sem que estes pudessem ser responsabilizados, assim, as doenças
deveriam ser entendidas como um dos elementos pelo incremento do número de
pessoas pobres.
Rosen (1980) esclareceu que Sigerist, historiador da medicina, em 1945
utilizou pela primeira vez o termo “promoção de saúde” ao definir as quatro tarefas
essenciais da medicina (promoção da saúde, prevenção das doenças, recuperação
e reabilitação de enfermos). Aprofundando os debates da época, propôs que para
promover a saúde seria necessária uma conjunção de esforços de distintas áreas e
setores sociais (político, médico, educacional, sindical), com o objetivo de promover
boas condições de vida, trabalho, educação, cultura, lazer e descanso para todas as
pessoas.
Buss (2000) ressaltou a importância do trabalho do austríaco Johann Peter
Frank que, no século XVIII, reconhecia que a pobreza, a desnutrição e as más
condições de vida e trabalho eram as principais causas das doenças. O autor
ressaltou que o conjunto dessas ideias se constituiu nos alicerces das formulações
que posteriormente relacionaram saúde à qualidade de vida.
Leavell e Clark (1976), segundo Buss (2000), utilizaram o conceito de
promoção da saúde para o desenvolvimento do modelo da história natural da
doença, que conformava três níveis de prevenção, cada uma contendo pelo menos
cinco outros níveis distintos, os quais poderiam se constituir em contexto de
aplicação de medidas preventivas, de acordo com o grau de conhecimento de cada
doença.
Czeresnia (2003) destacou a relevância do trabalho de Leavell e Clarke
(1976) e assinalou que aquele trabalho se constituiu na base conceitual do
104
movimento que configurou a medicina preventiva, ao descrever tanto o modelo da
causalidade das doenças a partir da relação entre agente, hospedeiro e meio-
ambiente – a tríade ecológica, quanto o conceito de história natural das doenças
definido como:
Todas as inter-relações do agente, do hospedeiro e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estimulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar (pré-patogênese), passando pela resposta do homem ao estimulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (patogênese).(LEAVELL; CLARCK, 1976, p.17 apud CZERESNIA, 2003, p. 6).
O conceito de prevenção foi definido como “ação antecipada, baseada no
conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o processo da doença”.
Essas ações puderam ser efetivadas em três níveis distintos: prevenção primária,
secundária e terciária (LEAVELL; CLARCK, 1976, p. 17 apud CZERESNIA, 2003, p.
6).
Sobre a prevenção primária, Buss (2000) esclareceu que deveria ser
desenvolvida na fase de patogênese, em que se integram medidas que viabilizam o
desenvolvimento de uma saúde geral melhor e se efetiva a partir da proteção
específica do homem contra agentes patológicos ou através da construção de
barreiras contra os agentes do meio ambiente, sendo a educação em saúde um
elemento importante para esse objetivo.
A prevenção secundária foi também apresentada em duas fases: a primeira
que contempla o diagnóstico e o tratamento precoce; a segunda, a limitação da
invalidez. A prevenção terciária ficou focada em ações de reabilitação. Tal
abordagem da medicina preventiva acabou produzindo uma limitação do enfoque
sobre os aspectos sociais do processo de saúde e doença, naturalizando-os na
medida em que construiu modelos explicativos e históricos sobre o processo do
adoecer humano (LEAVELL; CLARCK, 1976 apud CZERESNIA, 2003).
Buss (2000) ressaltou que tal enfoque, da promoção da saúde, centrado no
indivíduo, focalizando eventualmente a família ou grupos sociais, foi inapropriado
para o combate às doenças não transmissíveis e crônico-degenerativas que
mobilizaram as pesquisas biológicas e epidemiológicas sobre agentes causais e
fatores de risco. O resultado desse processo viabilizou o desenvolvimento de
105
sofisticadas técnicas de exames complementares que programaram o
aperfeiçoamento das ações preventivas com base no diagnóstico precoce.
A ampliação da tendência de intensa capitalização e aumento nos custos dos
serviços médicos, somados à crescente demanda de tais serviços, levaram os
sistemas de saúde dos países ocidentais a uma crise estrutural, que somente a
partir da ampliação do conceito de saúde pode ser enfrentada (CZERESNIA, 2003).
Desenvolvido no interior do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá,
em 1974 por Marc Lalonde o conceito de campo da saúde (healthfield) demonstrou
ser um conceito útil na análise dos fatores que intervinham sobre a saúde e sobre os
quais a saúde pública deveria intervir (SCLIAR, 2007).
Os fundamentos do Informe de Lalonde (correspondente à publicação do
documento “A New Perspective on the Health of Canadians”) estavam descritos no
conceito de campo de saúde os chamados determinantes de saúde. Segundo Buss
(2000, p. 167), esse conceito “contempla a decomposição do campo de saúde em
quatro amplos componentes: biologia humana, ambiente, estilo de vida e
organização da assistência à saúde, dentro dos quais se distribuem inúmeros
fatores que influenciam a saúde”.
As conclusões desse documento também apontavam que as principais
causas das enfermidades e mortes correspondiam às questões relacionadas à
biologia humana, ambiente e estilo de vida (BUSS, 2000).
A parceria entre a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das
Nações Unidas para a Infância em 1978 possibilitou a realização da I Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata que resultou na
elaboração de um novo enfoque para o campo da saúde.
Scliar (2007), ao discorrer sobre o contexto sociopolítico no qual se deu a
conferência de Alma-Ata, ressaltou o papel relevante na organização,
desempenhado pelos países socialistas. O enfoque da conferência recaiu sobre: a
intensa desigualdade na situação de saúde entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos; a responsabilidade governamental na provisão da saúde da
população e a importância da participação dos indivíduos e comunidades no
planejamento e implementação das ações de cuidados à saúde. As estratégias e as
estruturas dos serviços de saúde foram definidas como:
1) as ações de saúde devem ser práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; devem estar ao alcance de todos, pessoas e famílias –
106
portanto, disponíveis em locais acessíveis a comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do país. Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados primários à saúde representam a porta de entrada para o sistema de saúde (...) a base. O sistema nacional de saúde, por sua vez, deve estar inteiramente integrado ao processo de desenvolvimento social do país, processo este do qual saúde é causa e consequência (SCLIAR, 2007, p. 38).
Os cuidados primários à saúde propostos pela Conferência de Alma-Ata,
segundo Scliar (2007), deveriam estar adaptados às condições sociopolíticas,
culturais e econômicas locais e incluiriam: nutrição adequada; saneamento básico;
educação em saúde; cuidados materno-infantis; planejamento familiar; imunizações;
controle e prevenções de doenças endêmicas e de outros fatores de agravo à
saúde; provisões de medicamentos essenciais.
Scliar (2007) ao analisar as conotações contidas no conceito de cuidados
primários de saúde tece uma extraordinária reflexão:
É uma proposta racionalizadora, mas é também uma proposta política; em vez da tecnologia sofisticada oferecida por grandes corporações, propõe tecnologia simplificada, “de fundo de quintal”. No lugar de grandes hospitais, ambulatórios; de especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma lista básica de medicamentos – enfim, em vez de uma “mística de consumo”, uma ideologia da utilidade social. Ou seja, uma série de juízo de valores, que os pragmáticos da área rejeitam. A pergunta é: como criar uma política de saúde pública sem critérios sociais, sem juízo de valor SCLIAR (2007, p. 39).
Para Buss (2007) a Conferência de Alma-Ata e as atividades desenvolvidas a
partir do tema “Saúde para todos no ano de 2000” recolocaram em destaque a
questão dos determinantes sociais da saúde.
A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em
1986 em Ottawa (Canadá), configurou-se como uma resposta às demandas em
nível mundial às questões de saúde pública. As reflexões e discussões foram
realizadas com base nos progressos alcançados por meio da Declaração de Alma-
Ata para os Cuidados Primários em Saúde: no documento da Organização Mundial
de Saúde (OMS) sobre Saúde para Todos, e no debate realizado na Assembleia
Mundial de Saúde sobre as ações intersetoriais necessárias para o setor.
A Carta de Ottawa, documento produzido nesta conferência, como Carta de
Intenções, definiu promoção da saúde como:
107
Um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem--estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar as aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente (BRASIL, 2002, p. 19).
A saúde, a partir de então, deveria ser compreendida como um recurso para a
vida, um conceito positivo que põe em relevo os recursos sociais, pessoais e
capacidades físicas. Nesse sentido, a promoção da saúde ficaria a cargo não
apenas do setor de saúde, mas deveria envolver todos os setores que se articulam
no alcance do bem-estar global.
A implementação das condições de saúde de uma determinada população
ficou relacionada à necessidade de articulação de recursos básicos de alimentação,
habitação, educação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, paz, justiça
social e equidade. Tais aspectos das disposições sociais foram considerados como
pré-requisitos para o alcance das condições de saúde em uma sociedade. A partir
de então, as práticas comprometidas com a promoção da saúde deveriam tanto
potencializar o desenvolvimento pessoal, social e econômico, quanto articular a
ampliação dos níveis de qualidade de vida.
Um dos principais focos destacados para a promoção da saúde relaciona-se
ao alcance da equidade em saúde, ou seja, deve ser assegurado a todos os
indivíduos o direito de desenvolver seu potencial de saúde. Para isso, destacou-se a
necessidade de garantir uma base sólida, constituída de: “ambientes favoráveis,
acesso à informação, as experiências de habilidades na vida, bem como
oportunidades que permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia ”(BRASIL,
2002).
A Carta de Ottawa definiu cinco campos centrais de ação: elaboração e
implementação de políticas saudáveis; criação de ambientes favoráveis à saúde;
reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades pessoais; reorientação
do sistema de saúde (BRASIL, 2002).
Segundo a Carta de Ottawa (1986), para atingir os objetivos da promoção de
saúde, não se pode compreender a responsabilidade das ações necessárias apenas
no âmbito da saúde, as ações devem ser coordenadas e abrangentes, de modo que
articule todos os setores da sociedade: governo, setor de saúde, setores sociais e
108
econômicos, organizações não governamentais, autoridades locais e mídia. Todas
as pessoas devem ser envolvidas nesse processo: indivíduos, famílias e
comunidades. As estratégias para a promoção da saúde devem ser estabelecidas
segundo as necessidades e peculiaridades de cada região, considerando as
características sociais, culturais e econômicas de cada sociedade.
Para se construir políticas públicas saudáveis, o documento de intenções da
Conferência Internacional de Promoção de Saúde (1986), assinalou que:
A promoção da saúde vai além dos cuidados de saúde. Ela coloca a saúde na agenda de prioridades dos políticos e dirigentes em todos os níveis e setores, chamando-lhes a atenção para as consequências que suas decisões podem ocasionar no campo da saúde e a aceitarem suas responsabilidades políticas com a saúde. (...) a política de promoção da saúde requer a identificação e a remoção de obstáculos para a adoção de políticas públicas saudáveis nos setores que não estão diretamente ligados à saúde. O objetivo maior deve ser indicar aos dirigentes e políticos que as escolhas saudáveis são as mais fáceis de realizar (BRASIL, 2002, p. 22).
A criação de ambientes favoráveis à saúde foi relacionada ao reconhecimento
das características complexas da sociedade, esse fato apontou a necessidade de
uma compreensão mais abrangente dos fenômenos relacionados à saúde, tornando-
se, então, imprescindível a consideração dos elementos que ligam a população ao
meio ambiente. Foi ressaltado o fato de que as relações estabelecidas entre
indivíduos, comunidades e meio ambiente podem resultar no encorajamento da
ajuda mútua tanto no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo.
O acompanhamento sistemático do impacto que as mudanças no meio ambiente produzem sobre a saúde – particularmente nas áreas de tecnologia, trabalho, produção de energia e urbanização – é essencial e deve ser seguido de ações que assegurem benefícios positivos para a saúde da população. A proteção do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais devem fazer parte de qualquer estratégia de promoção da saúde (BRASIL, 2002, p. 23).
O reforço da ação comunitária estaria então relacionado ao incremento do
poder técnico e político das comunidades (empowerment). A promoção da saúde
deve ser realizada a partir de ações comunitárias concretas e efetivas, desde a
identificação de prioridades e tomada de decisões, até a elaboração e
implementação de estratégias com vista à melhoria das condições de saúde da
população. Foi destacado como aspecto central desse processo o fortalecimento do
poder das comunidades que devem passar pela apropriação e o controle dos
109
esforços e metas a serem alcançadas. O desenvolvimento das comunidades seria
construído a partir da mobilização de recursos humanos e materiais já existentes e,
sobretudo, intensificando a capacidade de autoajuda e apoio social. Todo esse
processo só seria possível a partir de apoio financeiro e da garantia, aos indivíduos
e aos grupos, de acesso contínuo à informação e às oportunidades de
aprendizagem para os assuntos de saúde (BRASIL, 2002).
O desenvolvimento de habilidades pessoais e atitudes favoráveis à saúde nas
diferentes fases da vida também se constituíram em um campo importante da
promoção da saúde. Para alcançar esse objetivo seria imprescindível a divulgação
de informações dirigidas à educação para saúde em diversos contextos, no lar, na
escola, no trabalho e outros espaços coletivos (BRASIL, 2002).
Buss destacou do documento de intenções da Conferência Internacional de
Promoção de Saúde, a questão de responsabilidade de diversas organizações na
divulgação dessas informações e ressaltou que essa divulgação possibilita avançar
no desenvolvimento da ideia de empowerment, entendido como “o processo de
capacitação (aquisição de conhecimento) e de poder político por parte dos
indivíduos e da comunidade” (BUSS, 2000, p.171), o que também resgata a
dimensão da educação em saúde.
A reorientação para os serviços de saúde apontaram a necessidade de uma
aproximação gradativa no sentido da promoção da saúde, além das já assumidas
responsabilidades de prover serviços clínicos e de urgência. Tais serviços deveriam
ser dirigidos por uma postura “(...) abrangente, que perceba e respeite as
peculiaridades culturais. Esta postura deve apoiar as necessidades individuais e
comunitárias para uma vida mais saudável, abrindo canais entre o setor de saúde e
os setores sociais, políticos, econômicos e ambientais” (BRASIL, 2002, p. 24).
Também foram destacados os esforços que deveriam focalizar tanto a
implementação de pesquisa em saúde, como mobilizar mudanças na educação e no
ensino dos profissionais da área de saúde. Verificou-se que seria necessária uma
mudança na atitude e na organização dos serviços de saúde, para o
desenvolvimento de ações de promoção de saúde, pois estes deveriam focalizar as
necessidades globais dos indivíduos (BRASIL, 2002).
Buss (2000) ressaltou que, na abordagem da promoção da saúde e qualidade
de vida, deveriam ser destacadas as questões relativas: às políticas públicas
110
saudáveis, à governabilidade, à gestão social, à intersetorialidade, às estratégias
dos municípios saudáveis e ao desenvolvimento local. Segundo o autor, estes
seriam os mecanismos operacionais, práticos e concretos, para produzir a
implementação de estratégias em promoção da saúde e qualidade de vida.
Embora as contribuições das políticas públicas na implementação de ações
que beneficiaram significativamente a condição de saúde das populações ao longo
da história tenham sido muito relevantes, a limitação da ação sanitária acabou
prescrevendo um espectro de intervenção determinado pelo paradigma clássico em
saúde pública (BUSS, 2000).
As políticas que impulsionaram a economia industrial com alta concentração
de pessoas nos espaços urbanos ao longo do século XX geraram, como referimos
anteriormente, danos ambientais irreparáveis, desigualdades sociais, ambientes
sociais mórbidos de sociopatias e psicopatias que, desde o Informe de Lalonde
(1974), passaram a ser questionadas em função da relação de recursividade entre
políticas públicas e saúde das populações.
Como verificaremos a partir da observação dos próximos temas das
conferências mundiais sobre promoção da saúde, as questões sociais foram se
revelando como elementos primordiais na produção de saúde das populações, e
recursivamente apontando as políticas públicas como escopo de enfrentamento
dessas condições.
A II Conferência de Adelaide (1988) sobre Promoção da Saúde abordou a
Promoção da Saúde e Políticas Saudáveis, focalizando os temas relacionados: ao
interesse explícito das diferentes áreas das políticas públicas em relação à saúde; à
equidade; ao compromisso com os impactos dessas políticas sobre a saúde da
população. A intersetorialidade foi ressaltada nesse documento, assim como as
responsabilidades dos governos no gerenciamento das políticas econômicas e suas
influências nos sistemas de saúde (BUSS, 2000).
Buss (2000, p. 271) ressaltou que, com essa Conferência:
(...)se afirmou a visão global e a responsabilidade internacionalista da promoção de saúde, quando se estabelece que devido ao grande fosso existente entre os países quanto ao nível de saúde, os países desenvolvidos teriam a obrigação de assegurar que suas próprias políticas públicas resultassem em impactos positivos da saúde das nações em desenvolvimento.
111
Na Suécia, em 1991, na cidade de Sundsvall, segundo o autor, foi realizada a
III Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, abordando a “Promoção da
Saúde e Ambientes Favoráveis”, através desta, foi observado claramente a relação
de interdependência entre saúde e meio ambiente, ressaltando as dimensões
sociais, culturais, políticas e econômicas.
Da dimensão social, ou seja, na forma como os costumes, as normas e os
processos sociais afetam a saúde foi ressaltado o risco da perda de valores
tradicionais e da herança cultural das populações, assim como o isolamento social
em muitas sociedades. Na dimensão política foi abordada a necessidade de ações
governamentais que garantissem a participação democrática da população nos
processos de decisão e a descentralização dos recursos e responsabilidades. No
âmbito da economia, foi focalizada a necessidade de reordenamento de recursos
para fins sociais, assim como para a saúde e desenvolvimento sustentável. Também
foi destacada a necessidade da implementação da participação das mulheres nos
diferentes setores e instâncias sociais (BUSS, 2000).
O documento ressaltou a eficácia de ações isoladas de cunho local que
objetivaram práticas em educação, nutrição, habitação, vizinhança, transporte e
trabalho (cenário articulado que constitui a pirâmide dos ambientes favoráveis de
Sundsvall).
A IV Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde discutiu a
“Promoção da Saúde no Século XXI” e foi sediada em Jacarta (Indonésia) em 1997.
A Conferência resgatou elementos da Carta de Ottawa, reinterando a eficácia da
abordagem da promoção da saúde em diferentes espaços físicos e sociais (escolas,
locais de trabalho, cidades, comunidades locais).
A promoção da saúde, mediante investimentos e ações, atua sobre os determinantes da saúde para criar o maior beneficio para os povos, para contribuir de maneira significativa para a redução das iniquidades em questões de saúde, para assegurar os direitos humanos e para a formação do capital social (BRASIL, 2002, p. 49).
Sobre os determinantes da saúde, o documento ressaltou que os pré-
requisitos para a saúde seriam: paz, abrigo, instrução, segurança social, justiça
social, alimento, renda, instrução, ecossistema estável, direito de voz às mulheres,
respeito aos direitos humanos, equidade e a pobreza foi destacada como a maior
ameaça à saúde. Nesse sentido, a Carta de Jacarta assinalou a importância em
fazer frente aos determinantes da saúde, pois além das doenças crônicas e
112
infecciosas, os fatores transacionais representam um impacto significativo sobre a
saúde:
Incluem-se entre estes a integração da economia global, os mercados financeiros e o comércio, o acesso aos meios de comunicação de massa e à tecnologia de comunicações, assim como a degradação ambiental devida ao uso irresponsável dos recursos (...) Essas mudanças moldam os valores, os estilos de vida durante toda a existência das pessoas e as condições de vida em todo o mundo (...) As pesquisas e os estudos de casos realizados mundialmente apresentam provas convincentes de que a promoção da saúde funciona. As estratégias de promoção da saúde podem provocar e modificar estilos de vida, assim como as condições sociais, econômicas e ambientais que determinam a saúde. A promoção da saúde é um enfoque prático para a obtenção de maior equidade em saúde (BRASIL, 2002, p. 50).
Em 2000, foi realizada na Cidade do México, a V Conferência Internacional
Sobre Promoção de Saúde, que abordou o seguinte tema: “Promoção de saúde
rumo a uma maior equidade”, destacando que as ações deveriam ser efetivadas
para que as propostas anteriores de promoção da saúde, nos países-membros da
organização, fossem alcançadas. A Declaração do México ressaltou: a construção
do nível mais alto possível de saúde se constitui em um elemento positivo para o
aproveitamento da vida e imprescindível para o desenvolvimento socioeconômico e
a equidade; tanto os governos quanto a sociedade civil são responsáveis pela
promoção da saúde e pelo desenvolvimento social; a necessidade de implementar a
articulação dos diferentes setores sociais para a abordagem dos determinantes
econômicos, sociais e ambientais da saúde.
Os destaques das ações propostas ressaltaram a colocação da promoção da
saúde como prioridade fundamental das políticas e programas locais, regionais,
nacionais e internacionais, viabilizando, assim, as ações intersetoriais.
A VI Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, com o tema:
“Promoção da saúde num mundo globalizado”, foi realizada em Bangkok, na
Tailândia, em 2005. A carta de Bangkok identificou compromissos, ações e
intenções “(...) para abordar os determinantes de saúde em um mundo globalizado
através da promoção da saúde” (WHO, 2005, p.1).
Esse documento reitera os conceitos e propostas de promoção da saúde
apresentadas nos documentos oficiais das conferências anteriores e ressalta que as
políticas e as parcerias que têm como objetivo comum tanto o empoderamento das
113
comunidades como a melhoria das condições e equidade na saúde deveriam ser
priorizadas nos planos e projetos de desenvolvimento global e nacional.
A carta da conferência realizada em Bangkok, na Tailândia, dirigida aos
governos, à sociedade civil, ao setor privado e às organizações internacionais,
enfatizou que:
A promoção da saúde se baseia no direito humano fundamental que oferece um conceito positivo e inclusivo de saúde como um determinante da qualidade de vida, incluindo o bem-estar mental e espiritual. (...) é o processo que permite as pessoas aumentar o controle sobre sua saúde e seus determinantes, mobilizando-se (individual e coletivamente) para melhorar a sua saúde. É uma função central da saúde pública e contribui para o trabalho de enfrentar doenças transmissíveis e não transmissíveis, além de outras ameaças à saúde (WHO, 2005, p. 1).
Ao abordar os determinantes sociais, a carta de Bangkok assinalou a situação
crítica, em decorrência do aumento da crescente da desigualdade tanto no interior
dos países, quanto entre os países; dos atuais padrões de comunicação e consumo;
das práticas globais de comercialização; das mudanças globais no meio ambiente; e
do contínuo crescimento do processo de urbanização.
Esses elementos do contexto mundial somados aos desafios das rápidas
mudanças sociais e econômicas que afetam de maneira adversa as condições de
vida, trabalho, ambiente de aprendizagem, padrões familiares, cultura local e o
tecido social da comunidade devem ser equacionados por de políticas públicas e
privadas coerentes, em um processo comunicativo eficiente.
As estratégias propostas para a promoção da saúde em um mundo
globalizado apontaram intervenções efetivas, pela ação política, mas com ampla
participação das populações e a advocacia sustentável.
O desenvolvimento dessas estratégias ficou atrelado ao apoio de todos os
setores e meios a fim de contribuir para:
Advogar pela saúde com base nos direitos humanos e na solidariedade; investir em políticas sustentáveis, ações e infraestrutura para atuar nos determinantes da saúde; desenvolver capacidades para desenvolvimento de políticas, liderança, prática de promoção da saúde, transferência de conhecimento, pesquisa e conhecimentos básicos de saúde; regular e legislar para assegurar um alto nível de proteção de agravos e criar oportunidades iguais de saúde e bem-estar para todas as pessoas; construir parcerias e alianças com
114
organizações públicas, privadas, não governamentais e sociedade civil com o objetivo de criar ações sustentáveis (WHO, 2005, p.3).
Essas estratégias propostas na Conferência de Bangkok, na Tailândia
surgiram através do entendimento de que não só o setor da saúde é capaz de
viabilizar o estabelecimento de lideranças na construção de políticas e parcerias
para a promoção da saúde, como também o enfoque político integrado (governo,
sociedade civil, setor privado, organizações internacionais), com a utilização de
todos os meios, pode atuar de forma a promover o avanço da abordagem dos
determinantes sociais de saúde.
A intenção de implementar o enfrentamento dos determinantes sociais da
saúde foi também traduzida nos compromissos assumidos que pretendem tornar a
promoção da saúde : “uma preocupação central na agenda do desenvolvimento
global; uma responsabilidade central para o governo como um todo; um dos
principais focos das comunidades e sociedade civil; uma exigência para a boa
pratica corporativa” (WHO, 2005, p. 4).
A VII Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde realizada em
Nairobi, no Quênia, em 2009, focalizou o tema: “Promovendo a saúde e o
desenvolvimento: quebrar as lacunas de implementação”. Abordou os seguintes
assuntos: a autonomia comunitária e individual, através do desenvolvimento de
temas relacionados ao empoderamento da comunidade e conhecimento sobre
saúde e comportamento; a pertinência social e saúde, destacando o Reforço dos
Sistemas de Saúde; o fortalecimento do trabalho em rede, através das discussões
sobre parcerias e ação intersetorial; a questão da capacitação para o trabalho em
promoção da saúde, através da construção de competências para a promoção da
saúde.
A Conferência se tornou uma chamada à ação, com o objetivo de fechar o
abismo entre desenvolvimento e a promoção da saúde. Os delegados lançaram um
apelo para governos, organizações de desenvolvimento e serviços de saúde,
sociedade civil, famílias, indivíduos, comunidade e redes sociais para unirem
esforços e reestabelecerem políticas e programas de promoção da saúde a fim de
evitar o crescimento das taxas de doenças e morte evitáveis. Foi construído um
documento denominado “NairobiCalltoAction”, que apontou a urgência em construir
e aplicar conhecimento; promover o ensino sobre promoção da saúde; empoderar
115
indivíduos e comunidades; promover processos participativos e reforçar liderança e
a força de trabalho.
A partir da descrição sucinta de temas, discussões, compromisso, propostas
de ações das conferências internacionais sobre promoção da saúde apresentadas
anteriormente, promovidas formalmente pela OMS, procuramos construir um
caminho para o entendimento contextualizado dos elementos que constituiriam a
definição de condição de ter saúde.
Concordamos com Buss (2007), que ressaltou que, apesar de predominar, na
década de 1980, a visão de saúde como um bem privado com enfoque no indivíduo,
na década de 1990, o debate sobre as metas do milênio recolocou a ênfase sobre
os determinantes sociais, que foi reafirmada a partir de 2005 com a criação da
Comissão sobre Determinantes Sociais da OMS.
O autor, citando o pensamento de Almeida Filho (2002), ressaltou que vem se
firmando nas últimas décadas um extraordinário desenvolvimento nos estudos sobre
os determinantes sociais da saúde, ou seja, sobre as relações existentes entre a
maneira como uma sociedade se organiza e se desenvolve e a situação de saúde
de sua população.
A grande maioria dos estudos gira em torno das desigualdades nas condições
de saúde entre distintos grupos de população - iniquidades em saúde – que se
apresentam de formas sistemática e relevante, estáveis, injustas e desnecessárias,
segundo Whitehead (2000 apud Buss, 2007).
Esse grande número de estudos sobre iniquidades em saúde podem ser
agrupados em três gerações: os primeiros, aqueles que descreviam as relações
entre pobreza e saúde; os segundos, aqueles que se dedicaram a descrever os
gradientes de saúde, conforme os vários critérios de estratificação socio-
econômicos; e os terceiros, a atual geração de estudos que enfocam os
mecanismos de produção das iniquidades, que com base nas ideias de Adler (2006
apud Buss, 2007) corresponde a questionamentos sobre as maneiras pelas quais a
estratificação socioeconômica “entra” no corpo humano.
Dos diferentes estudos sobre os mecanismos, através dos quais os
determinantes sociais de saúde promovem as iniquidades de saúde, Buss (2007)
destacou as seguintes abordagens: as que privilegiam o aspecto físico-material;
aquelas que focalizam aspectos psicossociais; e aquelas que buscam identificar o
116
desgaste do “capital social” (das relações de solidariedade e confiança entre
pessoas e grupos). Este último enfoque explicita que locais onde se encontram
populações com frágeis laços de coesão social, mobilizadas pelas iniquidades de
renda, contam com uma organização política e social que pouco investe em capital
humano e em redes de apoio social, e, ao contrário, as sociedades mais igualitárias,
com maior coesão social, atingem os melhores níveis de saúde.
As intervenções sobre os determinantes sociais da saúde podem se dar
mediante políticas que atuam em distintos níveis, conforme explicitaram Buss e
Pellegrini Filho (2007).
(...) relacionado aos fatores comportamentais e estilos de vida (...) de abrangência populacional (...) programas educativos, comunicação social, acesso facilitado a alimentos saudáveis, criação de espaços públicos para pratica de esportes e exercícios físicos (...) proibição à propaganda do tabaco e álcool. (...)corresponde às comunidades e suas redes de relações. (...) políticas que busquem estabelecer redes de apoio e fortalecer a organização e a participação de pessoas e das comunidades, especialmente dos grupos vulneráveis, em ações coletivas para a melhoria de suas condições de saúde e bem-estar. (...) sobre as condições materiais e psicossociais nas quais as pessoas vivem e trabalham, buscando assegurar melhor acesso à água limpa, esgoto, habitação adequada, alimentos saudáveis, emprego seguro e realizador, ambientes de trabalhos saudáveis, serviços de saúde e de educação de qualidade e outros. (...) dos macro x determinantes, políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteção ambiental e de promoção de uma cultura da paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindo as desigualdades sociais e econômicas, as violências, a degradação ambiental (BUSS, 2007).
Os autores assinalaram que as intervenções sobre os distintos níveis dos
determinantes sociais de saúde que buscam diminuir as iniquidades relativas à
estratificação social demandam, obrigatoriamente, ações intersetoriais coordenadas,
envolvendo diversos níveis da administração publica, com características
transversais visando em última instância ao fortalecimento e à ampliação do capital
social das comunidades.
Procuramos através da abordagem histórica e antropológica explorar o campo
em que foram se desenvolvendo as diferentes ideias e concepções sobre saúde e
doença. Ressaltamos que as distintas significações que o “adoecer” foi ganhando ao
longo do tempo esteve sempre atrelado aos sistemas explicativos disponíveis em
cada época, mobilizando condições para o enfrentamento dessa condição.
Ressaltamos que este processo histórico proporcionou o fortalecimento de uma
117
visão cada vez mais complexa da condição humana relativa à saúde e à doença.
Vimos se reafirmarndo cada vez mais uma concepção integrativa de homem, com
enfoque de níveis individuais, sociais, culturais, micro e macro político e econômico.
Se, por um lado, a incomensurável ampliação do conhecimento desenvolvido
através da especialização da área médica vem subsidiando o enfrentamento das
condições individuais adversas à manutenção da ausência de doença, o
conhecimento produzido pelas ciências humanas e sociais vem contribuindo para a
compreensão dos fenômenos que envolvem o ser humano em cada contexto
econômico, social e político e as condições de saúde.
4.3 A saúde no Brasil
Diante das recentes definições de saúde e do processo saúde-doença, torna-
se fácil identificar a complexidade da abrangência e os determinantes sociais das
condições de saúde. Considerando o entendimento de saúde em um sentido amplo,
Almeida et AL. (1998) propuseram uma abordagem da saúde como componente da
qualidade de vida, como “um bem comum” e um direito social que deve ser
assegurado a todos, enfim, se relaciona com o exercício da cidadania.
Os autores assinalaram que o processo saúde-doença, quando focado a
partir da determinação causal poderia representar “o conjunto de relações e
variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população,
que se modifica, nos diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico
da humanidade” (ALMEIDA et al., 1998, p. 11).
Para realizar essa apreciação sobre as mudanças ocorridas ao longo do
tempo, na forma de abordar e encaminhar os problemas da saúde no território
nacional, adotaremos a visão histórica a partir da saúde pública, pois esta nos
permite identificar tanto a significação e a responsabilização pela condição de
saúde/doença, quanto as especificidades do contexto social, político e econômico
em que estas se dão. Destacaremos desse percurso no decorrer do tempo sobre
saúde/doença alguns pontos mais significativos como o movimento higienista
distintivo do paradigma biológico, a crítica à medicalização desmedida e a
118
implantação e fortalecimento das estratégias de promoção de saúde como
representante característico das ações em saúde quando esta é entendida na
congruência de aspectos físicos, psicológicos, comunitários, culturais e espirituais do
homem.
Certamente as transformações ocorridas na abordagem das questões de
saúde, em diferentes partes do globo, se faziam também presentes no território
nacional, porém sempre muito tempo após os primeiros sinais das mudanças
ocorridas no continente europeu e norte americano.
Paim et al. (2011), ao discorrerem sobre o sistema de saúde brasileiro
explicitaram que este foi construído por meio de uma intensa variedade de
organizações públicas e privadas estabelecidas em distintos períodos.
O contexto sociopolítico e econômico durante o período do Brasil Colônia
(1500 a 1822) se caracterizou pelo controle português, que monopolizava o
comércio, e pela exploração de matéria-prima. Em termos de saúde, o Brasil contava
com uma organização sanitária incipiente que a partir da criação de alguns hospitais
da Santa Casa, localizadas em algumas poucas cidades mais populosas,
procuravam dar conta das doenças pestilenciais e de outros problemas de saúde da
população (SINGER; CAMPOS, 1978 apud PAIM et al., 2011).
Carvalho, Westphal e Lima (2007) destacaram que, nesse período e na época
do Brasil Império, o Estado não intervinha diretamente nos problemas de saúde, a
não ser por medidas que tinham por finalidade a contenção das epidemias e por
meio de núcleos educacionais que disseminavam as normas higiênicas em meio a
diferentes atividades educacionais.
Contando com um centralismo político e um sistema de coronelismo, que
atribuía-se aos grandes proprietários de terra o controle político sobre as populações
das províncias, assim, o Brasil assistiu e integrou-se ao surgimento do capitalismo
moderno a da industrialização a partir da abertura dos portos para o comércio. Esse
novo direcionamento econômico e social demandou a estruturação do sistema de
saúde voltado para a política sanitária, que se dava pela administração municipal
principalmente para controle e vigilância dos portos e do comércio (MACHADO;
LOUREIRO, 1978 apud PAIM et al., 2011).
O Estado liberal-oligárquico da República Velha (1889-1930), na área
econômica e política, enfrentava revoltas militares, diversas emergências sociais e a
119
crise na comercialização do café. Fragilizado, o Estado precisou enfrentar, no âmbito
da saúde, além das condições insalubres dos portos, as doenças pesticilenciais, as
doenças de massa e as endemias rurais. O sistema de saúde efetivou a reforma das
competências da Diretoria Geral de Saúde Pública, porém continuou oferecendo
uma incipiente assistência à saúde por meio da previdência social (BRAGA e
PAULA, 1981 apud PAIM et al., 2011).
Carvalho, Westphal e Lima (2007) ressaltaram que do final do século XIX ao
início do século XX a medicina liberal se ocupava da atenção à saúde da classe
média das cidades e dos setores dominantes da sociedade brasileira. Ao mesmo
tempo em que as medidas saneadoras coletivas focavam a identificação dos
enfermos e o seu confinamento em desinfetórios organizados pela política sanitária,
também organizavam a vacinação compulsória altamente rejeitada pela população.
Os autores acima citados destacaram que as formas encontradas de
intervenção foram reforçadas pela concepção da educação tradicional, que tais
formas tinham por finalidade a eliminação da ignorância e melhorar as condições de
saúde da população.
4.3.1 O movimento higienista e os impactos sobre os hábitos e costumes dos
indivíduos e das famílias brasileiras
Jurandir Freire Costa (1999), ao discorrer sobre o controle e o poder da
ordem médica, exercidos sobre a sociedade brasileira, assinalou seu início na época
do Brasil colônia. A fragilidade política do governo para efetivar o controle das
regiões urbanas abriu espaço para a medicina higiênica integrar-se ao governo
político dos indivíduos que até então era composto pelo Estado, o clero e as
famílias.
Com a expulsão dos jesuítas, o Estado brasileiro se apoiou na medicina
higiênica para influenciar a população no estabelecimento de uma nova ordem
social, pois congregava os interesses da corporação médica e os objetivos da elite
agrária. Não sem conflito, essas forças acabaram construindo um denominador
120
comum, “(...) o Estado aceitou medicalizar suas ações políticas, reconhecendo o
valor político das ações médicas” (COSTA, 1999, p. 29).
A necessidade de acomodação das populações urbanas exigiu
transformações na organização física e social das cidades, assim a medicina,
através de métodos e técnicas, pôde contribuir para a resolução dos problemas de
saúde, mais especificamente através da higienização.
Ainda que a higienização das cidades contasse com a resistência da tradição
familiar que permeava os hábitos e os costumes dos indivíduos, a ordem médica ao
apontar os benefícios e ganhos resultantes da sujeição da família a essa nova
ordem, pode juntamente com o apoio do Estado se consolidar, ainda que tendo
como modelo a família de origem elitista. Os excluídos desse padrão, a saber: os
escravos, ciganos, vagabundos, loucos, mendigos e tantos outros grupos tidos como
marginais, serviriam de contraponto, exemplos do não cumprimento as normas
propostas pela higiene (COSTA, 1999).
Apoiado nos aportes de Foucault, o autor assinalou que a norma,
diferentemente da lei, se fundamenta histórica e politicamente nos pressupostos do
Estado moderno dos séculos XVIII e XIX, com a compreensão teórica explicitada
pela ideia de dispositivo que, constituído por práticas discursivas e não discursivas,
atua de maneira marginal promovendo a sujeição dos indivíduos.
Segundo Costa (1999), a tecnologia da norma utilizada para solucionar
problemas políticos atuou sobre os loucos com o objetivo de “preservar a integridade
do contato social democrático-burguês”. Sob a tutela da psiquiatria, a loucura foi
penalizada sem que houvesse agressão aos preceitos humanistas dos princípios
liberais do Estado moderno.
Sobre a família, a norma cumpriu a função de adequar suas funções às
necessidades do Estado moderno industrial, esclareceu o autor. Propunha, ainda, a
reorganização da família com a centralização no cuidado e educação para os filhos
das classes dominantes e a prevenção contra as consequências políticas da miséria
às famílias pobres, através de campanhas de moralização e higiene da coletividade
(COSTA, 1999).
Este autor ressaltou que tanto a assistência social quanto a medicina uniram-
se, com a finalidade de controlar os laços de solidariedade da família, utilizando
seus recursos na contenção dos insubordinados e insatisfeitos. Os ricos exerciam a
121
vigilância da ordem, os pobres com seu do posicionamento dócil supriram a
necessidade da proliferação de filhos para a oferta da mão de obra para o mercado
de trabalho.
A normatização tornou-se indispensável ao funcionamento do Estado e tendeu a crescer e estabelecer-se num campo próprio de poder e saber, o do “desvio”, da “anormalidade” (...) A higiene da elite familiar brasileira seguiu de perto este rumo, integrando a série de medidas normatizadoras que buscavam organizar a sociedade independente (COSTA, 1999, p. 52, grifo do autor).
Ainda que não fosse esta a única meta dos higienistas, a ideia de que a
saúde e a prosperidade familiar dependiam da sujeição da família ao Estado, que
orientou todo desenvolvimento do trabalho de persuasão higiênica do século XIX.
Um a um, os hábitos da família brasileira colonial foram sendo substituídos
pela nova estrutura de família pretendida pelo Estado e pelo movimento higienista. A
disposição física da casa, a realização dos serviços que era realizado pelos
escravos, o cuidado com as crianças, a vestimenta, o relacionamento do pai com a
mãe e os filhos, enfim, a família e os indivíduos se orientavam pelas regras morais e
sanitárias que garantiam a continuidade da ordem socioeconômica (COSTA, 1999).
Costa (1999) afirmou que a família se fechava em si mesma para se proteger
de todos os riscos do ambiente externo na mesma medida em que, através das
constantes novas descobertas científicas, era informada de que em seu interior
também existiam elementos nocivos ao desenvolvimento de seus integrantes
(paixões, impulsos sexuais, desvelo, autoridade). O lar recém-organizado ganhava
uma nova configuração, intimidade, proximidade, corte com seus prolongamentos,
contato seletivo com o meio social, em obediência às leis da saúde, a família de
grande corpo socioeconômico transformou-se na célula da sociedade – a família
nuclear.
Demonstrar que o investimento no modo de ser e operar da família seria mais
lucrativo foi uma estratégia utilizada pelos higienistas para consolidar a nova
organização proposta para as famílias, assim o emprego do capital econômico da
família foi desviado para investimentos em saúde e educação dos filhos (COSTA,
1999).
Costa (1999) se referiu às intensas transformações ocorridas nas interações
familiares, ressaltando que as posições ocupadas pelos diferentes membros da
122
família deveriam ser modificadas de acordo com os valores preconizados pela
política higienista, a saber:
Entre o adulto e a criança as ligações existentes eram a da propriedade e da religião. (...) um fosso os separava. Os elos que uniam a cadeia das gerações só foram criados quando a família dispôs da representação da criança como matriz físico-emocional do adulto. Por meio das noções de evolução, diferenciação, e gradação, heterogeneidade e continuidade conciliam-se. A família pôde, então, ver na criança e no adulto o mesmo outro. (...) a criança passa a determinar a função e o valor do filho (COSTA, 1999, p. 162).
O autor ainda ressaltou que a falta de cuidado adequado dispensado às
crianças foi vastamente explorada pelos higienistas, que identificavam no
afrouxamento dos laços afetivos entre pais e filhos as maiores causas da alta taxa
de mortalidade infantil. A assistência oferecida pelas escravas na amamentação e
cuidados com os pequenos passou a ser rejeitada, a mãe deveria cuidar e iniciar a
educação dos filhos e promover a organização do lar, o pai deveria providenciar os
meios para garantir a satisfação das necessidades materiais da família,
principalmente dos filhos.
O contato dos pais com os filhos, a partir do ponto de vista dos higienistas,
deveria ser permeado por exemplos morais e de bons costumes, valorizando os
hábitos desenvolvidos nos colégios que desde então passaram a representar o
melhor meio de educação por definir e manter claras regras disciplinares. Os
colégios deveriam controlar as “más” inclinações decorrentes dos impulsos do corpo
e dos devaneios da mente, e, ao mesmo tempo em que ao disseminarem bons
hábitos, se contrapunham aos costumes “negligentes” da família.
A ideia de nocividade da família ganhou maior expressão nas teses sobre a
alienação mental, em que esta foi identificada como um dos principais determinantes
morais da loucura, sendo imprescindível o afastamento do paciente de sua família
para o tratamento. Como expressa Costa (1999, p. 173):
Reduzida à condição de fator patogênico, a família encontrava-se, enfim, preparada para sofrer a intervenção médica. Intervenção que revelava os segredos da vida e da saúde infantis, ao mesmo tempo em que prescrevia a boa norma do comportamento familiar dos adultos. Na família higiênica, pais e filhos vão aprender a conservar a vida para poder colocá-la a serviço da nação.
O autor ainda ressaltou que os interesses médicos e estatais se impuseram
entre a família e a criança, operando transformações na natureza e na
123
representação das suas características físicas, morais e intelectuais. Em longo
prazo, o resultado alcançado aponta para o atual indivíduo urbano: obcecado pelo
corpo; centrado na sua dor e prazer; racista e burguês; politicamente convencido de
que o progresso do Estado se deva a sua disciplina repressiva.
Apesar de todos os esforços dos higienistas para levar o povo brasileiro ao
mesmo nível dos povos das grandes nações, seus objetivos não foram alcançados.
Esse projeto higienista de cunho coletivo ao utilizar a estratégia da abordagem do
corpo individual para a transformação de hábitos não deu conta de enfocar as
questões de caráter social.
Boarini (2003) ressaltou que a higiene individual e coletiva tornou-se um
imperativo social. Em busca da higiene, a sociedade brasileira criou suas condições
básicas marginalizando os mais pobres, que não desfrutavam dessas condições. A
responsabilidade pela saúde recaia exclusivamente sobre o indivíduo, sendo negado
o fato de que a natureza do indivíduo era facilmente influenciada pelas condições de
extrema limitação enfrentadas pelas camadas mais pobres da sociedade. A
precariedade das condições de vida dessa parcela da população não foi levada em
consideração, sendo apenas enfatizada sua carência de informação, e a ignorância
da população foi responsabilizada pelas condições precárias de subsistência, dito de
outra forma, foram negadas as diferenças entre classes sociais.
A moralidade, os bons costumes, as doenças físicas e psíquicas tornaram-se
um problema de higiene. Os higienistas e eugenistas passaram a se preocupar com
as diferenças raciais, de anormalidades física ou psíquica, bem como tudo o que
não estava de acordo com os padrões da burguesia. Com esse movimento, os
preceitos da higiene do corpo passam a abranger os preceitos da alma e a
educação considerada como principal encaminhamento a para resolução de
problemas. A autora assinalou que o questionamento da educação como redentora
das mazelas sociais seria uma forma de ressaltar a disfunção atribuída à educação
(BOARINI, 2003).
Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a
partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista
a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se
deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da
puericultura. Tais políticas, segundo a autora, observavam as condições físicas dos
124
locais e as condições de saúde dos envolvidos que eram monitorados pelos órgãos
e autoridades do Estado que ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que
deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde
(LIMA, 1985).
4.3.2 A saúde no Brasil após a Ditadura de Vargas
A partir da organização e efetivação do golpe político o país entrou em um
período conhecido como o período da Ditadura de Vargas (1930-1945). Apesar da
industrialização, manteve ainda a estrutura baseada na agricultura. Nessa época, foi
instituída uma legislação trabalhista e criados os Centros de Aposentadoria e
Pensão que vieram em substituição aos Centros de Saúde e tinha como proposta
garantir a previdência social para maioria dos trabalhadores urbanos brasileiros. O
sistema de saúde pública e institucionalizada era organizada a partir do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, que desenvolveu campanhas de saúde pública para
combater a febre amarela e a tuberculose, assim como enfrentou o desafio de
erradicar as endemias rurais (esquistossomose, doença de chagas, malária e
ancilostomíase), a sífilis e os problemas decorrentes de condições precárias de
nutrição da população (FONSECA, 2007 apud PAIM et al., 2011).
O Brasil viveu um grande período de instabilidade democrática após a
ditadura, de 1945 a 1964, período este em que foi comandado por governos liberais
e populistas. A economia prosperava na medida em que crescia o número e a
diversificação das indústrias, que por sua vez implementavam ainda mais o
crescimento urbano, o qual disparava por conta da imigração. O sistema de saúde
deveria enfrentar os acidentes de trânsito e do trabalho, assim como a emergência
das doenças modernas, como as doenças crônicas degenerativas. A criação do
Ministério da Saúde, em 1953, possibilitou a expansão dos serviços de saúde,
levando à expansão dos números de hospitais, e a aprovação de leis que unificavam
os direitos dos trabalhadores das cidades, também nessa época foram criadas as
primeiras empresas de saúde (DONNANGELO, 1975 apud PAIM et al., 2011).
125
Com o fim do período da ditadura e com a democratização; a intensificação
das discussões sobre uma nova concepção do processo saúde/doença, apoiada nos
pressupostos da história natural das doenças, teve início a época do sanitarismo
desenvolvimentista, que, com o apoio dos movimentos políticos populistas,
possibilitou a criação de novas formas de trabalhar em saúde (CARVALHO;
WESTPHAL; LIMA, 2007).
Melo (1987) assinalou que entre os anos 1950 e 60 o movimento da
educação sanitária no Brasil se destacou sensivelmente. Articulou educação e
saúde, que se integravam nas propostas das políticas públicas oficiais e, assim,
propiciaram o desenvolvimento institucional em diferentes campos: valorização da
higiene mental, implantação de creches, parques infantis e escolas maternais. O
autor destacou que a educação sanitária desempenhou um papel central no apoio e
consolidação das ações dos médicos sanitárias, pois existia a crença de que por
meio da educação poderiam ser promovidas mudanças no comportamento dos
indivíduos que estivessem incompatíveis com as normas e prescrições pautadas nos
valores das classes dominantes. Foram desenvolvidas campanhas educativas como
estratégia para enfrentar, situações especiais assim atuando contra a ignorância e a
falta de higiene.
Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a
partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista
a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se
deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da
puericultura. Tais políticas, segundo a autora, fizeram com que as condições físicas
dos locais, as condições de saúde dos envolvidos fossem monitorados pelos órgãos
e autoridades do Estado, que, ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que
deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde.
(LIMA, 1985)
A assistência à criança e ao adolescente ressaltadas no início do século XX,
justificada em função da necessidade de cuidado para com aqueles que seriam os
construtores da nação brasileira, se baseava nas concepções higienistas e
normativas e se expandiu subsidiada em grande parte pelo campo filantrópico. O
discurso hegemônico sobre a importância da saúde de crianças e adolescentes não
foi acompanhado por uma correspondente atitude responsável do Estado brasileiro
126
que “oficializava o modelo em curso e a concepção da criança a ser assistida: a
deficiente social (pobre), deficiente mental e deficiente moral (delinquente)” . O
resultado do descaso do Estado a longo prazo implicou um quadro de
desassistência, exclusão e abandono. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 8 )
Carvalho, Westphal e Lima (2007) ressaltaram que nessa fase houve uma
ênfase acentuada das questões biológicas que influenciavam o estado de saúde em
detrimento do reconhecimento dos aspectos sociais que influenciavam sobremaneira
o contexto em que se vivia. A psicologia que recomendava rotinas disciplinadas para
o alcance dos bons hábitos também atuou nas ações de higiene, normatização e
domesticação da sociedade.
No início da ditadura militar, sobretudo a partir do AI-5, 13 de dezembro de
1968, o povo brasileiro assistiu a uma profunda reforma administrativa, que se
estendeu até 1974, época de nova crise política. Os progressos na área da saúde se
efetivaram tanto a partir da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAPS) unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), quanto por
meio da privatização da assistência médica que resultaram em meados da década
de 1960 na capitalização do setor da saúde (ESCOREL, 1998 apud PAIM et al.,
2011).
Segundo Carvalho, Westphal e Lima (2007), os bons resultados alcançados
pela economia não foram suficientes para transformar as condições de vida de um
grande número de marginalizados. As populações mais pobres enfrentavam as
doenças vinculadas à pobreza e à riqueza, sofriam as consequências do aumento
das iniquidades sociais e das condições degradantes de serviços de saúde que
eram organizados a partir de um modelo de atenção privatista e curativo, pautado no
paradigma da biomedicina.
Passados os momentos de prosperidade econômica de 1968 a 1973, as
crises da previdência social e do sistema de saúde foram sucedidas pela criação do
Instituto Nacional da Assistência Médica e Previdenciária Social (INANPS) em 1977
e a partir de então se iniciou um processo de centralização do sistema de saúde
que, em função da fragmentação institucional pelo financiamento de estados e
municípios, possibilitou o pleno desenvolvimento do setor privado de saúde
(ESCOREL, 1998 apud PAIM et al., 2011).
127
Ainda, de acordo com Escorel (1998 apud Paim et al., 2011), sob a influência
da liberalização, dos movimentos sociais, da criação do Centro Brasileiro de Estudos
da Saúde, da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva e do
Primeiro Simpósio de Política da Saúde do Congresso, novos rumos impulsionaram
e delimitaram os passos do desenvolvimento do setor de saúde no Brasil, com o
objetivo de enfrentar os mais variados problemas: doenças crônicas degenerativas,
acidentes de trabalho e de trânsito nos centros urbanos, doença infecciosas e
parasitárias no Centro-Oeste e regiões Nordeste e Norte somados à persistência de
endemias rurais com a urbanização.
4.3.3 A saúde na fase da redemocratização – a reforma sanitária e a Constituição Federal de 1988
Conforme Teixeira (1998 apud Paim et al., 2011), com o final da ditadura e a
superação da crise do sistema social, o Brasil entrou em um processo de
redemocratização. Os primeiros anos desse processo (fase de transição
democrática) foram marcados pelo final da recessão, pelo desenvolvimento de
planos de estabilização econômica e pelo reconhecimento por parte dos
representantes do Estado da dívida social com o povo brasileiro.
A saúde ganhou espaço na agenda política nacional por meio da realização
da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da ampliação do movimento em prol da
realização da reforma sanitária, bem como pela proposição da nova Carta
Constitucional promulgada em 1988. O sistema de saúde ainda contava com o
financiamento do INANPS sobre as ações estaduais e municipais que
posteriormente contou com a organização dos Sistemas Unificados e
Descentralizados de Saúde (SUDS) e com a abertura de novos canais de
participação popular. Cabe ressaltar que tais mudanças colocavam a organização da
saúde do Estado brasileiro em adequação com as proposições da Organização
Mundial de Saúde. Os serviços de saúde enfrentavam nesse período o desafio de
resolver problemas relacionados: às doenças cardiovasculares; aos cânceres; aos
acidentes de trânsito e do trabalho; aos atendimentos às vítimas de violência e
agressão; ao aumento do número de mortes relacionadas à AIDS; à redução da
128
mortalidade infantil; à redução da mortalidade por doenças previsiveis por
imunização; e à epidemia de Dengue (TEIXEIRA, 1988 apud PAIM et al., 2011).
Os profissionais progressistas da área de saúde, insatisfeitos com o
desenvolvimento e o avanço das propostas preventivistas, ao se engajarem nas
ações relacionadas à pedagogia problematizadora de Paulo Freire, intensificaram as
discussões da área, pois buscavam encontrar novos paradigmas para orientar as
programações de saúde e da educação. Assim foi possível direcionar as políticas
públicas do setor de saúde a partir do enfoque sobre os determinantes sócio-
históricos do processo de saúde-doença (CARVALHO; WESTPHAL; LIMA, 2007).
Segundo PAIM (2008 apud PAIM et al., 2011), após a Constituição de 1988
teve início a fase da democracia em meio a um período de crise econômica. Nessa
fase em que houve a criação do Sistema Único de Saúde, através da Lei 8080//90,
que propôs a descentralização do sistema de saúde. Posteriormente, com a criação
do plano Real, o país alcançou certa estabilidade econômica com o aumento dos
níveis de renda, porém persistindo a desigualdade social e a política monetarista.
Essa fase foi marcada por importantes mudanças e inovações na área da
saúde, com a 9ª Conferência Nacional de Saúde, houve a extinção do INAMPS, a
criação do Programa de Saúde da Família e iniciado o fornecimento de tratamento
gratuito para HIV/AIDS pelo SUS. Ocorreram também as 10ª e 11ª Conferências
Nacionais de Saúde, a criação das Normas Operacionais Básicas (NOB) e de
assistência à saúde. Em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
e, em 2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar para regulamentar e
supervisionar os planos de saúde privados. Um importante acontecimento que
marcou essa época foi a reforma psiquiátrica (2001), com a substituição dos
hospitais psiquiátricos por serviços alternativos de atendimento. Além disso, foi
criada a lei dos medicamentos genéricos e a Lei Arouca, a qual institui a saúde do
indígena como parte integrante do SUS. Em 2006, com a Política Nacional de
Promoção da Saúde, surge a preocupação com a promoção da saúde, com a
promoção da qualidade de vida e redução dos riscos de saúde ligados a
determinantes sociais. Ocorreram as 12ª e 13ª Conferências Nacionais de Saúde e a
criação da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde e Política
Nacional de Saúde Bucal. E em 2008 foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde
da Família, atuando juntamente com o PSF (PAIM, 2008 apud PAIM et al., 2011).
129
Todas essas mudanças no sistema de saúde brasileiro deveriam enfrentar
além das doenças cardiovasculares, considerada principal causa de morte, os
problemas com a dengue e a cólera. Houve nessa época redução da mortalidade
infantil e estabilização da prevalência de AIDS, aumento na expectativa de vida e
redução da prevalência das doenças preveníveis por imunização.
Segundo Carvalho, Westphale Lima (2007), a abordagem político-pedagógica
de Paulo Freire, as novas propostas metodológicas de educação em saúde
propostas por Hortência de Holanda e os princípios e procedimentos de Carlos
Brandão sobre pesquisa participante, dentre outros trabalhos, fortaleceram as
iniciativas que surgiam nas áreas de educação, educação em saúde e pesquisa
social em saúde e educação.
Essas inovações acabaram favorecendo as mudanças tanto nas concepções,
quanto nos procedimentos da medicina comunitária, consubstanciando uma postura
emancipatória e transformadora, ultrapassando os limites da visão conservadora
pautada pelo moralismo e higienismo. Tais concepções foram sendo incorporadas
tanto pelos técnicos da saúde que criticavam a educação higiênica e
comportamentalista, quanto pelos integrantes dos movimentos de educação popular
em saúde, que, por sua vez, apoiavam o movimento sanitário que se organizava
(CARVALHO; WESTPHAL; LIMA, 2007).
Os autores ressaltaram que o movimento sanitário que se desenvolvia a partir
do modelo teórico conceitual da saúde coletiva desde a década de 1940, articulado
com a Reforma Sanitária Brasileira possibilitou a ampliação do movimento que
passava desde então a crescer também na sociedade civil. O modelo teórico
adotado rompeu com a orientação da sociologia funcionalista dos Estados Unidos e
se aproximou das concepções do estruturalismo francês, da sociologia política
italiana e da medicina social da Inglaterra; a saúde coletiva, segundo Paim e
Almeida (1998), enquanto corpo de conhecimento colaborou com o estudo do
fenômeno saúde-doença em populações enquanto processo social, pois:
(...) investiga a produção e distribuição das doenças na sociedade como processos de produção e reprodução social; analisa as práticas de saúde (processo de trabalho) na sua articulação com as demais práticas sociais; procura compreender, enfim, as formas com que a sociedade identifica suas necessidades e problemas de saúde, busca sua explicação e se organiza para enfrentá-los (...) A saúde coletiva preocupa-se com a saúde pública enquanto saúde do público, sejam indivíduos, grupos étnicos, gerações, castas, classes sociais, populações PAIM e ALMEIDA (1998, p. 309-310).
130
Com relação a tal coisa a Constituição Federal de 1988 atribui a legalidade a
esse referencial teórico na medida em que aborda a saúde como uma concepção
ampla, de direito universal de cidadania, que resulta da articulação das condições de
vida e de trabalho inserida no plano das políticas sociais. Assim assinalados:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
4.4 A promoção da saúde no Brasil
Como ressaltamos anteriormente, os marcos legais e institucionais da
promoção da saúde no Brasil são contemporâneos da I Conferência Internacional
sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa em 1986, ano em que também foi
realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde no Brasil. O contexto político de
redemocratização possibilitou o envolvimento de grande participação de
profissionais, gestores e cidadãos que propuseram “as bases do que viria denominar
‘reforma sanitária brasileira’, cujos princípios e diretrizes muito próximos aos
conceitos centrais da PS foram incorporados na Constituição Federal de 1988”
(BUSS, P.M., CARVALHO, A. I. Desenvolvimento da promoção de saúde no Brasil
nos últimos vinte anos (1988-2008) Ver Ciência e Saúde Coletiva, 14(6) 2305-
2316,2009, p.2306).
Segundo Caravalho, Westphal e Lima (2007), o texto constitucional que
garantiu o direito à saúde como um componente da seguridade social propiciou uma
abordagem ampla, apontando ações de saúde que envolvessem a prevenção de
doença, proteção e promoção da saúde. A partir dos anos 1990 o SUS – Sistema
Único de Saúde - se responsabilizou por 70% dos brasileiros dependentes dos
serviços e pela normatização e fiscalização do sistema privado de saúde.
131
Os autores enfatizaram que, apesar das mudanças ocorridas na área da
saúde, as características neoliberais do governo dos anos de 1990, imprimiram
ações de saúde ainda baseadas no modelo biomédico, com práticas de saúde que
implementavam intervenções curativas e preventivas.
Ainda que na prática as mudanças ocorridas não atingissem as inúmeras
propostas da Reforma do Sistema de Saúde, vários progressos foram alcançados
sob a perspectiva do SUS, dentre os quais se destacaram: a descentralização das
decisões de saúde e a criação de movimentos municipais de saúde que facilitaram a
participação e controle popular sobre as questões de saúde (CARVALHO;
WESTPHAL; LIMA, 2007).
A promoção da saúde como política nacional surgiu em 1982 em um
momento de expansão e aprimoramento da atenção básica em saúde. O Programa
Saúde na Família (PSF), segundo os autores, foi o primeiro programa
(posteriormente transformado em política estruturada) baseado e organizado
segundo os preceitos da promoção da saúde, e foi cuidadosamente implantado pelo
Ministério da Saúde como uma estratégia para reorganizar as ações do modelo
assistencial de serviços. Essa estratégia se efetivava a partir da implantação de
equipes multiprofissionais nas unidades básicas de saúde e deveriam atuar sobre a
promoção, prevenção e recuperação da saúde, na recuperação e reabilitação de
doenças, porém, sobretudo, na manutenção da saúde da comunidade (BUSS,
CARVALHO, 2009).
O sucesso de programas de controle do tabagismo, a implementação de
debates sobre a promoção de saúde, a criação de revista especializada (Promoção
de Saúde), a confecção de propostas formais de políticas de promoção da saúde
proporcionaram, segundo Buss e Carvalho (2009), reconhecimento internacional dos
esforços empreendidos pelo Ministério da Saúde em cooperação com o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Os autores assinalaram que obedecendo à característica central da promoção
da saúde, o desenvolvimento de programas e ações vem se fortalecendo na
articulação tanto das distintas esferas governamentais (federais, estaduais e
municipais) e não governamentais, quanto com as organizações internacionais, mais
precisamente daquelas que integram a Organização das Nações Unidas.
132
Dada a complexidade e abrangência das ações em promoção da saúde, Buss
e Carvalho (2009) apresentam as iniciativas alinhadas de forma crítica da seguinte
maneira: nos espaços dos serviços de saúde e no espaço das políticas intersetoriais
e de desenvolvimento.
Sobre as ações que se desenvolveram no espaço dos serviços de atenção à
saúde, individuais ou coletivos, os autores destacaram:
· O Programa Saúde na Família, que deve atuar nas comunidades, nas
unidades básicas de saúde e nas residências através de equipe constituída
por um médico de família, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagens e
agentes comunitários.
(...) Esse programa se caracteriza como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde; por ter território definido, com população delimitada, sob sua responsabilidade; por intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; por prestar assistência integral, permanente e de qualidade; por realizar expressivos conjunto de atividade de educação e promoção da saúde.
· A Política Nacional de Alimentação e Nutrição pela qual o país adotou o
conceito de segurança alimentar e nutricional buscando garantir a todos o
direito ao acesso à alimentação básica, de qualidade e em quantidades
necessárias. As práticas estimuladas por essa política gira em torno do
estímulo: ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses e intercalado
com outros alimentos a partir do segundo ano; à implementação do código
internacional de marketing dos produtos substitutos ao leite materno; à
educação alimentar de escolares e fomento a serviço de cantinas saudáveis
nas escolas; à obrigatoriedade da rotulagem nutricional em produtos
embalados; à suplementação de vitamina A, à regulação da propaganda de
alimentos nos meios de comunicação; obrigatoriedade de adição de acido
fólico às farinhas e de iodo ao sal de cozinha.
· Outras iniciativas coordenadas pelo Plano Nacional de Promoção da Saúde
foram desenvolvidas em âmbito intersetorial ou no âmbito do sistema de
saúde: prevenção e controle do tabagismo; promoção da pratica de atividade
física e do esporte; prevenção ao uso de abusivo de álcool e outras
substâncias; prevenção dos acidentes de trânsitos; educação em DST/AIDS;
ações de comunicação na promoção de saúde; promoção da cultura da paz e
133
prevenção à violência; empoderamento e participação social; saúde ambiental
e desenvolvimento sustentável; promoção de equidade e qualidade de vida.
Sobre as ações que se desenvolveram no espaço das políticas públicas de
desenvolvimento, da intersetorialidade e da ação comunitária, Buss e Carvalho
(2009) destacaram:
· O Programa Bolsa Família (PBF), que constitui na transferência de renda à
famílias pobres e extremamente pobres, de maneira condicionada, com o
objetivo o combate à pobreza a partir de ações que envolveram os governos
federais, estaduais e municipais. A deliberação do recebimento do beneficio
fica a cargo das instâncias municipais, sendo entregue às mulheres
(responsáveis pela gestação e, geralmente, pelo cuidado da prole e da
economia doméstica) um cartão que possibilita o acesso ao recurso mediante
o compromisso de: manter crianças e adolescentes frequentando a escola;
cumprir a agenda de acompanhamento pré e pós-natal, assim como de
vacinação de crianças de até seis anos. Nesse sentido, fica clara a relação
entre promoção de saúde e o Programa Bolsa Família, que é operado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social. A articulação do PBF com iniciativas
setoriais locais, como, por exemplo, a implementação da agricultura familiar
ou com o desenvolvimento territorial sustentável (gerenciadas pelo Ministério
do Desenvolvimento Agrário) vem assinalando o desenvolvimento de
melhores níveis de saúde e nutrição das populações rurais.
· A estratégia das Cidades/municípios/comunidades saudáveis foi
implementada pela promoção da saúde e reconhecida e recomendada
mundialmente. Segundo os autores, tal estratégia ainda que extremamente
relevante ganhou expressão limitada no território nacional, efetivando-se
apenas em microrregiões, geralmente agregando parcerias municipais junto
às universidades da região. Iniciativas nos estados de São Paulo, Ceará,
Paraná e Rio de Janeiro de promoção da saúde foram planejadas e
desenvolvidas e denotam o esforço regional em levar adiante projetos e
programas inspirados nos princípios da promoção da saúde.
· Escolas promotoras da saúde se constituem em uma estratégia em expansão
no Brasil, contando com uma ampliação de projetos e programas que
envolvem os Ministério da Saúde e da Educação, os estados, municípios e
134
universidades, com o propósito de fomentar práticas saudáveis entre alunos e
professores da rede escolar
Como o foco de nosso trabalho recai sobre a promoção da saúde na escola,
iremos explorar mais detalhadamente esta estratégia de promoção da saúde.
4.4.1 Escolas promotoras de saúde
Os primeiros estudos sobre saúde escolar realizados no Brasil ocorreram a
partir de 1850, porém ganhou maior impulso pela influência do movimento higienista
a partir do século XX. Segundo Lima, as intervenções sobre a saúde escolar se
deram na confluência de três doutrinas: da política médica, do sanitarismo e da
puericultura. De acordo com tais políticas, segundo a autora, as condições físicas
dos locais, as condições de saúde dos envolvidos eram monitoradas pelos órgãos e
autoridades do Estado que ao mesmo tempo disseminavam as novas regras que
deveriam ser seguidas pelos cidadãos para garantir as condições ideais de saúde
(LIMA,1985).
A assistência à criança e ao adolescente ressaltada no início do século XX,
justificada em função da necessidade de cuidado para com aqueles que seriam os
construtores da nação brasileira, se baseava nas concepções higienistas e
normativas e se expandiu subsidiada em grande parte pelo campo filantrópico. O
discurso hegemônico sobre a importância da saúde de crianças e adolescentes não
foi acompanhado por uma correspondente atitude responsável do Estado brasileiro
que “oficializava o modelo em curso e a concepção da criança a ser assistida: a
deficiente social (pobre), deficiente mental e deficiente moral (delinqüente)”. O
resultado de fato em longo prazo implicou um quadro de desassistência, exclusão e
abandono (Ministério da Saúde, 2005).
Segundo Ippolito-Shepherd (2006), a inadequação dos programas de educação
para a saúde, pelo menos em parte, estava vinculada: à distância estabelecida entre
o saber que está sendo proposto e o saber constituído pela vivência dos estudantes;
à desconsideração dos processos afetivos e da inteligência emocional, em
detrimento do enfoque dos aspectos cognitivos e didáticos dos processos educativo;
à ausência dos estudantes e demais elementos da comunidade educativa na
135
escolha de temas e avaliações de processos, ou seja, falta de uma abordagem
técnica de alcance interativo e participativo.
Em consonância com o desenvolvimento técnico-científico, ocorrido durante o
século XX, a abordagem da saúde escolar no Brasil deixou de se apoiar no discurso
da lógica biomédica, da concepção de saúde como ausência de doença e
incorporou o discurso construído a partir de múltiplos olhares, de transformações
conceituais e metodológicas que integravam o conceito de promoção da saúde no
âmbito da saúde publica que assim se estendeu ao entorno escolar (IPPOLITO-
SHEPHERD, 2006).
Da articulação intersetorial para a efetivação de políticas de promoção da
saúde resultaram em inúmeras mudanças nos projetos e ações das políticas
públicas e privadas relacionadas à área da saúde. Em meados dos anos 1990, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu o conceito e a iniciativa das
Escolas Promotoras de Saúde. Essa abordagem tem característica multifatorial que
envolve o desenvolvimento de competência em saúde no contexto escolar,
pressupõe modificações no ambiente físico e social da escola e prevê a criação e a
articulação de vínculos de parceria com a comunidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2005).
Periago ressaltou no prefácio do quarto volume da série promoção de saúde que:
As Escolas Promotoras de Saúde constituem uma grande estratégia de promoção da saúde no âmbito escolar e um mecanismo articulado de esforços e recursos multissetoriais, orientados para o melhoramento das condições de saúde e bem-estar, ampliando, assim, as oportunidades para um aprendizado de qualidade e o desenvolvimento humano sustentável, para todos os integrantes das comunidades educativas (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p. 3).
Foram realizadas, até o ano de 2006, quatro reuniões dessa rede, em 1996
na Costa Rica, em 1998 no México, em 2002 no Equador e 2004 em Porto Rico,
alinhadas aos propósitos definidos pelas Metas do Milênio para o Desenvolvimento
(MDM) que foram adotadas na 55ª Assembleia Geral da ONU.
Os programas e intervenções educativas para a promoção da saúde no
âmbito escolar, segundo Ippolito-Shepherd (2006) devem levar em conta a complexa
rede de elementos que influenciam o comportamento humano. Devem estar
136
sustentados por uma visão multidisciplinar e integral de saúde, levando em
consideração a análise dos fatores sociais, econômicos e políticos que caracterizam
a rotina dos indivíduos.
Este componente da estratégia procura fortalecer a capacidade (empoderamento) de meninos, meninas e jovens, mediante processos educativos estruturados nas escolas que lhes facilitem adquirir e pôr em prática os conhecimentos, atitudes, valores, habilidades e competências necessárias para promoção e proteção da própria saúde, a de sua família e a da comunidade (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p. 37).
Qualquer programa de educação para a saúde se caracteriza por se basear
em um paradigma que concebe saúde como fonte de bem-estar e desenvolvimento
sustentável, transcendendo a ideia de saúde como ausência de doença. Tais
programas devem utilizar todas as oportunidades internas ou externas da
comunidade educativa, dê educação formal e informal, dos métodos alternativos e
tradicionais com a finalidade de desenvolver processo de educação para a saúde.
Os programas de educação para a saúde devem fortalecer a capacidade dos
estudantes (empoderamento) para promover transformações nas condições
determinantes da saúde, assim como promover maior interação entre a escola, pais
e mães, comunidade e até mesmo com os serviços de saúde locais, finalmente
promovendo o desenvolvimento e a manutenção de ambientes escolares saudáveis.
(IPPOLITO-SHEPHERD, 2006).
Pedrosa (2006) assinalou que a educação popular em saúde deve ser dirigida
por um posicionamento afirmativo que leve em consideração questões complexas
que envolvem os indivíduos e os contextos sociais.
A educação popular em saúde ganha expressões concretas nas ações dos sujeitos sociais, orientadas pela construção de vínculos afetivos e políticos-ideológicos com as camadas populares, promovendo a vivência coletiva em torno de movimentos que levam à emancipação, libertação, autonomia, solidariedade, justiça e equidade. A educação popular em saúde volta-se para a promoção de participação social no processo de formulação e gestão da política de saúde, sob os princípios ético-políticos do SUS: universalidade, integralidade, equidade e as diretrizes de descentralização, participação e controle social (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006, p. 43).
137
Desenvolvida e implementada como estratégia de promoção de saúde por
diversos países, estados e municípios, as Escolas Promotoras de Saúde têm o
intuito de fomentar tanto o desenvolvimento humano saudável, quanto interações
harmoniosas e construtivas. Orientadas para a promoção de aptidões e atitudes
positivas para com a saúde, preconizam que a escola tenha um espaço físico
adequado e seguro para que seja alcançado o ambiente psicológico adequado para
a aprendizagem. Tal organização tem como objetivo promover o desenvolvimento da
criatividade e da autonomia tanto dos alunos, quanto de toda a comunidade escolar
(HADARA, J. online. 2010)
As Escolas Promotoras de Saúde devem integrar práticas que promovam o
desenvolvimento de habilidades que colaborem para a adoção de estilos de vidas
mais saudáveis entre os integrantes da escola e da comunidade local. Devem
portanto:
(...) desenvolver ações que melhorem a auto-estima, a identidade e a resiliência das crianças e dos adolescentes, bem como de seus familiares e da comunidade. - Trabalhar junto com a comunidade no sentido de conquistar um ambiente físico e emocional saudável, não somente em relação à higiene, mas também em questões relacionadas à construção da paz e à prevenção de acidentes e violência; buscar a inclusão social e dos portadores de deficiência, de forma a assegurar um ambiente harmônico e estimulante para o desenvolvimento da criança e do adolescente (...) - Atuar, efetivamente, na reorientação dos serviços de saúde para além de suas responsabilidades técnicas no atendimento clínico, para oferecer uma atenção básica e integral aos pacientes e à comunidade. ... Neste processo, a participação das Universidades e das Sociedades Científicas é de fundamental importância para: divulgação do tema; formação, capacitação e sensibilização dos profissionais; realização de pesquisas e avaliações na área e participação efetiva em todos os campos da promoção da saúde (HADARA, 2010).
A descrição de inúmeras experiências em educação para saúde que tem sido
realizada nas escolas dos países latino-americanos. Discorrer sobre tais
experiências enriqueceria sobremaneira nossa apresentação, porém como nosso
intuito não contempla o aprofundamento desses estudos e sim visa apontar o grande
desenvolvimento da área, optamos por apresentar dados de uma pesquisa de
revisão bibliográfica, conforme podem ser observados a seguir.
138
Afonso, Tavares e Luiza (2013) fizeram um levantamento em artigos
científicos de dados primários ou de revisões que considerassem relatos ou
avaliações de experiências em educação para a saúde, durante o período de 1996 a
2009. As autoras buscavam nos relatos dos resultados das intervenções realizadas
a identificação da perspectiva da promoção de saúde proposta pela Carta de Otawa,
segundo a proposta de educação para a saúde apoiada nas diretrizes das Escolas
Promotoras de Saúde.
O número reduzido de estudos avaliativos das experiências de intervenção
nas escolas pode estar relacionado à seleção do âmbito acadêmico dos estudos e
de textos indexados. Sobre as publicações encontradas, as autoras ressaltaram que
os estudos, predominantemente baseados nos métodos qualitativos buscavam:
verificar a efetividade das ações; analisar a coerência conceitual das práticas
propostas com os eixos da promoção de saúde; verificar o processo de capacitação
dos atores envolvidos nas práticas.
Nos relatos das experiências realizadas, foi reiterada a concepção de escola
como
(...) elemento central nas estruturas de reprodução ou reorientação da organização social, lançando a possibilidade de recondução das práticas que favorecem a participação da coletividade, transformando a realidade e estabelecendo uma nova morfologia social e política, que fortaleça a discussão crítica da sociedade em torno do bem-estar coletivo (AFONSO, TAVARES, LUIZA, 2013).
Os estudos apontaram a necessidade da consolidação de ações dirigidas
pelas diretrizes da promoção de saúde levando em consideração as particularidades
de cada território, as políticas públicas individuais, explicitando propostas de
demandas locais que emergem das avaliações dos programas desenvolvidos.
O diálogo intersetorial foi reconhecido como central nas ações de
fortalecimento e implementação de programas a partir de colaboração institucional
extramuros da escola, assim como nas ações intersetoriais internas que promovam
capacitação permanente de equipes com finalidade de fortalecer os eixos de
trabalho prescritos na perspectiva da promoção da saúde.
Buss (2000) assinalou que a intersetorialidade, do ponto de vista conceitual,
busca ultrapassar as limitações da fragmentação na elaboração e implementação de
políticas e organização do setor de saúde, apoiando-se em uma perspectiva global
das questões relativas à saúde. Esta visão ampliada se constrói a partir da
139
integração dos conhecimentos produzidos em outros setores das políticas públicas
(educação, meio ambiente, habitação, transporte, trabalho, energia) e sobre as
particularidades dos contextos locais (aspectos sociais, políticos, culturais,
econômicos). Argumenta ainda o autor que todas essas áreas interagem entre si e
com a área da saúde, articuladas, utilizam os recursos sociais, determinam as
condições da qualidade de vida e as demandas dos serviços de saúde.
Se a perspectiva global de saúde demanda o reconhecimento da
complexidade das vinculações intersetoriais existentes em cada problema
identificado como objeto da política de saúde, “a ação intersetorial pode questionar
as consequências das diversas políticas sobre a saúde global da população ou
sobre um determinado problema concreto de saúde, considerado em determinado
território” (BUSS, 2000, p. 175).
No Brasil, o desenvolvimento de estratégias promocionais de saúde, tanto
na elaboração, quanto na implementação de políticas públicas, vem encontrando
dificuldades, que, segundo Buss (2006), estão relacionadas à: organizaçao
administrativa fragmentada e burocrática do Estado; predomínio de uma cultura
competitiva e setorial; ausência de política estratégica de desenvolvimento;
predomínio da racionalidade biomédica nas áreas da saúde. A superação das
limitações, bem como o alcance da intersetorialidade pela saúde nas políticas
públicas do Brasil, deve ser construída a partir de uma decisão suprasetorial,
política, operacionalizada a partir de planos institucionais, programáticos e
orçamentários – um pacto pela saúde/qualidade de vida.
Apesar das condições limitantes, nos últimos dez anos pode-se identificar um
progresso significativo no campo da promoção de saúde no Brasil e, segundo o
autor, tanto as bases políticas como de conhecimento assinalam projeções
ascendentes subsidiadas pelas áreas da ciência e tecnologia, políticas públicas e
pelos movimentos sociais.
Focalizar as questões que envolvem as condições de saúde/doença humana,
de acordo com uma visão sistêmica novo paradigmática, nos permite observar tanto
os diferentes movimentos que atuam sobre suas concepções de saúde, doença
quanto as formas de intervir sobre elas. Se, por um lado, observamos um movimento
de transformações no discurso sobre saúde e no campo das políticas públicas e
suas práticas, por outro, ao focalizarmos um problema específico estamos diante do
140
polo oposto desse pensamento sobre saúde, ou seja, um movimento crescente de
patologização dos problemas humanos, em consonância com o desenvolvimento
crescente de medicalização da sociedade. Se, por um lado, a ênfase nos aspectos
sociais oferece inteligibilidade para os fenômenos que ocorrem com o ser humano
em suas interações, por outro, o pensamento pautado em concepções positivistas
apontam diferentes abordagens para essas mesmas questões.
4.5 Medicalização
O termo “medicalização” foi utilizado inicialmente por Ivan Illich no final da
década de 1960 a partir de uma visão critica da medicina e se referia à extensão da
autoridade médica para além dos limites que lhes são legítimos (HOYWEGHEN,
1976).
Segundo Luz (1988), medicalização é um processo em que o modo de vida
dos homens é considerado pela medicina como algo que influencia a construção de
ideias, conceitos, regras e normas sobre as interações sociais. Esse processo está
estreitamente relacionado à ideia de não ser possível separar o conhecimento
produzido no âmbito científico, de suas proposições políticas e de intervenção social.
A autora ressaltou que as metas da medicalização são dirigidas a intervenções no
corpo social e que, nessa medida, se desenvolveu em um amplo campo semântico
apontando uma vasta gama de fenômenos.
Argumentou a autora que a expressão medicalização do corpo social pode
estar relacionada tanto à forma pela qual a evolução da tecnologia vem imprimindo
transformações na prática da medicina, através da influência da indústria
farmacêutica e de equipamentos médicos e das inovações diagnósticas e
terapêuticas, quanto às consequências envolvidas no jogo de interesses que
envolvem a produção do ato médico.
Em consonância com as proposições de Foucault, Luz (1998) ressaltou que o
fenômeno da medicalização social tanto surgiu como se desenvolveu,
historicamente, situado em sociedades disciplinares, e que possibilitou a ampliação
do campo da função da atuação médica para o plano político.
141
Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto
imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo
de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa
cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa
sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da
subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas
neuronais articulados que ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado
de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, “a suposta eficácia das
medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade
enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTAS, 2009, p. 565).
Desde esse ponto de vista propõe o entendimento de medicalização como um
evento articulado em um conjunto de práticas que recursivamente apontam o
medicamento como resolução rápida para qualquer problema da vida.
A autora assinalou que a medicalização tem sido um dos caminhos mais
rápidos e eficientes no enfrentamento do sofrimento psíquico e dos problemas que
emergem em nosso dia a dia. Ressaltou que tanto o uso abusivo de medicamentos,
quanto o crescente uso indiscriminado de psicofarmacos, estão relacionados com a
busca de soluções técnicas para a eliminação dos desconfortos e inquetações frente
à cobrança social de um estado de assertividade e de felicidade constante que está
atrelado às noções de status e sucesso difundidos em uma sociedade capitalista.
O individuo, aparentemente livre e soberano, parece ter se reduzido a uma marionete que realiza espasmodicamente os comportamentos que lhe são sutilmente impostos pelo campo sociocultural (...). O arsenal farmacológico, favorecido pela indústria farmacêutica, parece ser um grande aliado para o alcance deste estado de bem-estar pessoal e social (DANTAS, 2009, p. 565.)
O discurso tecnicista sobre a vida, segundo Dantas (2009), apresenta
similaridades com o discurso místico, na medida em que é construído à margem da
experiência do indivíduo comum e alimentado pela crença na objetividade e na
neutralidade científica. Tal discurso, desde esse ponto de vista, é sustentado por
narrativas fabulosas (em contraponto com o saber do senso comum), e ganha sua
sustentação por deter um elemento misterioso (desconhecido) que dá sentido à vida
e ao viver. Nesse sentido, também o discurso da medicalização pode ser entendido
como um discurso místico.
142
A autora assinalou que se no discurso místico os fenômenos ganhavam
inteligibilidade a partir do pensamento mágico, no discurso da medicalização a
subjetividade pôde ser explicada a partir da interação de substâncias e produtos
químicos, das explicações neurocientíficas sobre o funcionamento cerebral. Assim,
“questões existenciais são vistas como ‘sofrimentos’ que devem ser aliviados por
terapias, medicamentos ou distrações vultuosas nesta rede de consumo” (DANTAS,
2009, p. 569.)
As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo
conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que
acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução
dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação
do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de
informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma
como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos
e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através
dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos
conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos.
(DANTAS, 2009)
A autora assinalou que em nossa sociedade são fabricadas receitas para
tratamento dos sofrimentos humanos sem levar em conta o contexto turbulento em
que as relações sociais acontecem,
(...) como uma resposta quase que obrigatória e exclusiva em busca da solução mais rápida que nos traga o tão almejado bem-estar. São substâncias artificiais que com suas inúmeras promessas nos oferecem nada menos que soluções também artificiais e paliativas para o bom viver na atualidade. Em busca de alívio, cura e conforto nos privamos daquilo que seria originalmente humano: angústia, culpa, vergonha, tristeza, frustração e consciência de si (DANTAS, 2009, p. 578.)
Hoyweghen (1976), ao abordar a questão da medicalização na sociedade
ocidental contemporânea, ressaltou a importância em considerar a utilização
desmedida dos serviços médicos compatível com a atitude consumista dos
indivíduos na atualidade. Ressaltou o autor que, embora integrados ao processo da
medicalização, os médicos não mais atuam como principais impulsionadores deste
143
processo que, embora o centro de definição da medicalização se situe dentro da
medicina, fatores de mercado, como o marketing para o cuidado com a saúde, dos
produtos de biotecnologia e dos produtos farmacêuticos vão despontando como os
atuais propulsores da medicalização da sociedade. O autor enfatizou que o consumo
de medicamento está diretamente relacionado ao desejo humano de estar bem, e
que é este desejo, mediado pelos demais indivíduos e pelo meio cultural, que
precisar ser analisado e compreendido à luz da sociologia.
Esperamos que com nossa apresentação dos diferentes significados
atribuídos aos conceitos de saúde/doença e das práticas deles derivadas tenhamos
atingido o objetivo de evidenciar a complexidade da articulação entre as
especificidades do contexto social e a construção do conhecimento sobre os tais
conceitos.
4.5.1 Medicalização do fracasso escolar
A discussão sobre a medicalização de crianças e adolescentes vem se
fortalecendo cada vez mais através de pesquisas, debates que reúnem estudiosos
das mais distintas áreas implicadas com a educação e que assinalam os abusos do
uso de recursos medicamentosos para “tratar” os problemas que ocorrem no
contexto escolar.
É fato que a pedagogia nutrida pelos conhecimentos sobre o desenvolvimento
neurológico e psicológico do ser humano, como assinalamos anteriormente, ao
mesmo tempo em que pôde desenvolver métodos e técnicas que geraram práticas
que levavam em conta as mais diversas informações sobre as potencialidades dos
seres humanos, passaram também a assinalar seus “limites”.
Encontramos nos assinalamentos de Guarido (2011) a mais objetiva
justificativa para a manutenção desse pensamento e práticas de abordagem de
problemas que ocorrem na escola. A autora assinalou que a formação do campo
escolar, a partir da modernidade, se fundamentou na organização da atuação de
especialistas e do estado sobre a educação das crianças.
Se até o início do século XX a criança é basicamente objeto da pedagogia, é nesta que os primeiros médicos dedicados a enfrentar
144
os problemas graves do desenvolvimento infantil vão encontrar parceria fértil para propor formas de tratamento a essas crianças. (...) o campo de tratamento da criança se instala imbricado a certo ideal de educação do início do séc. XIX. (...) o domínio do saber sobre a criança passa cada vez mais do universo pedagógico ao universo médico-psicológico (GUARIDO, 2007, p. 155).
Abordando a questão da medicalização do sofrimento psíquico infantil e
refletindo sobre os efeitos desse processo sobre a educação, Guarido (2007)
ressaltou que o desenvolvimento da psiquiatria infantil seguiu o modelo da
psiquiatria de adultos, levando a marca da segregação, da institucionalização, da
utilização do paradigma biológico e do diagnóstico descritivo. Instituições médico-
pedagógicas para o tratamento de crianças se disseminaram no continente
americano e europeu entre os séculos XIX e XX, porém, segundo a autora, não
obtiveram sucesso na promoção de potencialidade de aprendizado ou pertencimento
social às crianças.
A infância na modernidade passou a ser reconhecida não apenas como uma
fase particular do desenvolvimento humano, mas também de constituição e preparo
de indivíduos saudáveis e capacitados para desempenhar adequadamente funções
sociais e de trabalho.
O discurso pedagógico, segundo Guarido, ganhou caráter normatizador, de
validação do saber especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo
substituída pela autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes
de orientar a educação.
Guarido (2011) afirmou que, principalmente sobre as influências do
movimento higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e
técnicas da psicometria e da psicologia do desenvolvimento, o comportamento de
crianças e adolescentes passou a ser observado a partir de especificidades
elencadas nos quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou de doença). Os
professores, que “foram também chamados a ser extensão do olhar especialista na
prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p 36.), passaram a identificar disfunções e
orientar familiares na busca de tratamento adequado para os problemas que
ocorriam com os alunos no contexto escolar.
A questão dos encaminhamentos para especialistas realizados pela equipe
escolar tem sido abordada por distintos estudiosos: Mannoni (1988), que criticou a
145
pedagogia, seus efeitos excludentes e o poder técnico do trabalho com crianças
institucionalizadas que acabam por preservar as práticas de ensino inadequadas; as
reflexões de Patto (2000) sobre a produção do fracasso escolar como consequência
da discriminação das classes trabalhadoras, justificada pelo discurso psicologizante
que culpabiliza as crianças e as famílias pelo comprometimento da performance do
escolar; Moyses e Collares (1997) ressaltaram a intensidade do discurso médico-
especialista na apreciação dos problemas de aprendizagem sob o ponto de vista de
transtornos, o que acaba simplificando questões complexas, excluindo a
responsabilidade da instituição escolar na co-construção dessa realidade;
Szymansk, (2001), que assinala a importância de o pesquisador identificar as
crenças e valores que norteiam a abordagem do grupo familiar para que se
estabeleça o discernimento necessário entre a “família pensada – definida pelo ideal
burguês e reafirmada pelo olhar técnico” e a “família vivida - reconhecida a partir das
experiências do cotidiano”, na abordagem de temas relativos aos desempenho das
funções de educação e cuidado das famílias.
Szymanski (2001) aponta que nos trabalhos com as famílias de classes
populares, pôde identificar nos relatos de seus integrantes sobre suas condições de
família, uma constante comparação da família que realmente interage no dia a dia
(família vivida), com a família tradicional, compatível com o modelo burguês, (família
pensada). Tal comparação impreterivelmente colocava a família da qual se fazia
parte em uma posição inferior a família do modelo tradicional.
A família pensada, que tem em sua composição o casal parental, à mãe cabe
o cuidado dos filhos e da casa, ao pai cabe o sustento de toda a família. A condição
da família vivida é sempre distinta. Se há a presença de um homem, que pode ser o
pai de uma das crianças, de algumas, ou até mesmo apenas um companheiro mais
recente da mãe, este homem, necessariamente, não é capaz de prover o sustento
do lar. Por vezes desempregado, por vezes em condição de sub-emprego ou ate
mesmo empregado porém com rendimentos que não custeiam todos os gastos da
família a mãe se vê obrigada a contribuir financeiramente no sustento do lar,
assume então o trabalho geralmente em período integral, se ausentando do convívio
da a família durante o dia e enfrentando a dupla jornada de trabalho. A essa
condição de sobrecarga de trabalho, as famílias das classes populares, geralmente
precisam lidar com o próprio julgamento de sua condição. Como conseqüência da
146
percepção da diferença na constituição da família, que enfrenta as demandas de
sobrevivência e desenvolvimento de seus membros, em um meio que se mostra
pouco favorável a estes processos, os integrantes podem desenvolver sentimentos
de inadequação e constrangimento.
Szimanky (2001) aponta para as dificuldades geradas pelas atitudes dos
profissionais que atuam diretamente com as famílias ao se orientarem por esse
modelo idealizado de relações familiares, pois tenderiam a não reconhecer como
viáveis as múltiplas possibilidades de convivência familiar. Segundo a autora para se
alcançar uma condição positiva nas praticas educativas, deve ser construída uma
relação de parceria entre a escola e as famílias dos escolares, em que cada parte
envolvida possa ser reconhecida em suas potencialidades, respeitando os “saberes”
próprios de suas culturas familiares multigeracionais e os “saberes” locais, de sua
comunidade, assim como seus limites. Reconhecer a diferença, apenas como
diferença, sem implicar nesse julgamento um valor de desigualdade colocaria o
posicionamento horizontal dos profissionais da escola em relação às famílias dos
alunos em consonância com a proposta da pedagogia de Paulo Freire à medida em
que traduz a essência ética da prática educativa, enquanto exercício de interação
humana (SZYMANSKI, 2001).
Collares e Moysés (1994) assinalaram que a divulgação crescente das
“patologias” promotoras do fracasso escolar são geralmente mal definidas, com
vagos e imprecisos critérios de diagnóstico, isto traz como consequências, por um
lado, a rotulação de crianças normais, que acabam introjetando essas definições a
cerca de si mesmas e por outro implementam a desvalorização da atuação do
professor que acaba se percebendo como menos apto para lidar com as disfunções,
abrindo espaço para a atuação de outros profissionais. O contexto da escola passou
de um espaço saudável, voltado para a aprendizagem, para um espaço clínico
direcionado para erros e distúrbios, e tal transformação não é proporcional a
qualquer mudança nos índices de melhoria do desempenho escolar.
Se, por um lado, como sintetizam Guanaes e Mattos (2007), os discursos
sobre saúde vêm se transformando, como assinamos no decorrer deste capítulo,
impondo transformações no campo das políticas públicas e nas práticas que dali se
desenvolvem, fundamentadas: na concepção de saúde como direito, em uma visão
ampliada que, além dos determinantes biológicos, consideram os aspectos
147
psicológicos e sociais; apontando uma assistência em níveis de promoção,
prevenção e recuperação da saúde; na defesa da participação popular, na
humanização dos atendimentos e eficiência do setor público na resolução de
problemas da população, ao focalizarmos as queixas escolares que em quase sua
totalidade se relacionam com problemas de aprendizagem e de comportamento
“inadequado” de alunos, estamos diante do polo oposto desse pensamento sobre
saúde, um movimento crescente de patologização dos problemas que ocorrem no
processo de ensino-aprendizagem em que o foco da disfunção recai sobre o aluno
ou sobre sua família.
O Conselho Federal de Psicologia, em uma cartilha que reúne material
construído a partir de discussões inter e intra x disciplinares de pesquisadores
interessados pelas questões relacionadas à educaçao, nacionais e internacionais,
assinalou que no Brasil encontramos um crescente aumento na compra e dispensão
de cloridrato de metilfenidato (droga controlada que pode provocar sérias e inúmeras
reações adversas) pelos órgãos públicos como estratégia de enfrentamento para
atenuar os sintomas daqueles alunos que foram diagnosticados como portadores de
Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA), que comumente é
acompanhado do diagnostico de dislexia. Um excessivo aumento de 1.284% (71.000
caixas em 2000 para 2.000.000 de caixas em 2010 – dados do Instituto de Defesa
de Usuários de Medicamentos - IDUM, 2010) durante cinco anos. Somado a esse
fato, o também crescente número de solicitações para a criação de convênios,
serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito municipal, estadual e
federal) para o tratamento dos supostos transtornos, indicam que essa forma de
abordar as questões das dificuldades de escolarização apontam um retorno às
concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que atribuem a
indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho alcançado nesse
processo (CRP, 2007).
As ações de promoção de saúde na escola que objetivam o cuidado com a
nutrição, atividade física, cuidado bucal, desenvolvimento físico não contemplam as
questões relacionadas às dificuldades de aprendizagem e problemas de
comportamento. Isto, se pensado a partir dos pressupostos da promoção de saúde
que vê o individuo na sua integralidade (física, psíquica, espiritual) e a saúde como
construída em um processo de interação do indivíduo com o contexto social, atuaria
148
no sentido de focalizar os problemas no âmbito da escola relacionados a: práticas
pedagógicas; precariedade das instituições escolares; precariedade de locomoção;
violência no entorno escolar. Ao invés de assumir esse novo paradigma, as
dificuldades identificadas nos alunos são orientadas por uma visão organicista, linear
em que apenas o indivíduo ou sua família se tornam o foco do problema e da
intervenção especializada.
A força do pensamento organicista, especializado em saúde se sobrepõe a
perspectiva de promoção de saúde quando focalizamos as questões relativas às
queixas escolares, ainda que identifiquemos nessa forma de entender e intervir
sobre a saúde uma forte influência do pensamento de Paulo Freire.
Esperamos que, a partir de nossa breve abordagem histórica da questão da
medicalização da queixa escolar, tenhamos atingido o objetivo de explicitar a
incompatibilização desse procedimento com as atuais perspectivas de novo
paradigma, de saúde pública, mais especificamente com a concepção de saúde
relacionada ao desenvolvimento humano integral construído a partir de sua
interação com o contexto social.
Finalizando nossa abordagem sobre os paradigmas orientadores de trabalho
em saúde, tomamos a síntese elaborada por Sicoli e Nascimento (2003), que
assinalaram que a promoção de saúde teve suas origens e concepções
desenvolvidas no âmbito da vigilância à saúde, juntamente com um movimento de
crítica à medicalização desse setor. Vejamos:
(...) a promoção de saúde supõe uma concepção que não se restringe a saúde à ausência de doença, mas seja capaz de atuar sobre seus determinantes. Incidindo sobre as condições de vida da população, extrapola a prestação de serviços clínico-assistenciais, supondo ações intersetoriais que envolvam a educação, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a alimentação, o meio ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, o lazer, entre outros determinantes sociais da saúde. (SICOLI; NASCIMENTO, 2003, 102 )
Segundo os autores, uma vez desenvolvido no âmbito da saúde coletiva um
novo paradigma configurou-se para pensar a saúde, desde a maneira de interpretar
as necessidades dos indivíduos até às ações em saúde, partindo de uma
perspectiva contextual, histórica, ampla e coletiva que objetive o empoderamento e a
participação social, contrapondo-se à perspectiva biológica, mecanicista, individual e
149
especializada, característica de políticas assistencialistas que implementam a
impotência dos indivíduos, na medida em que não garantem o acesso à informação
e tampouco ampliam o conhecimento e a capacidade de controle sobre saúde.
Como discorremos neste capítulo, o desenvolvimento do saber especializado,
fruto do pensamento linear, mecanicista promoveu o entendimento das dificuldades
de aprendizagem ou do comportamento “inadequado” na escola como um problema
focalizado no aluno e/ou em sua família. Ainda que essa forma de abordar as
dificuldades dos alunos em aprender ou em interagir com os demais integrantes do
sistema escolar tenha sido largamente refutada por pensadores e estudiosos de
distintas áreas (pedagogia, sociologia da educação, psicologia escolar dentre outras)
ainda encontramos na prática a prevalência da avaliação “diagnóstica” dos
problemas que emergem no contexto escolar. Ao não levarem em consideração as
particularidades institucionais da escola, tampouco a articulação desta com o
contexto social e sua complexa rede de influências políticas, econômicas e culturais,
essa maneira de avaliar os problemas sustenta e reproduz uma visão patologizante
dos problemas humanos que se apoia no paradigma biológico reducionista que
entende saúde como ausência de doença.
É nesse sentido que entendemos que o projeto promoção de saúde
desenvolvido na escola, que levou aos integrantes da comunidade escolar diferentes
informações sobre família (estrutura, desenvolvimento, desempenho de funções, sua
constituição a partir das interações com o contexto social, comunicação inter e entre
sistemas), pudesse ampliar a compreensão sobre os elementos (avaliações
imprecisas de déficit intelectual, comprometimento emocional, carência cultural,
transtorno de atenção e hiperatividade etc.) que, articulados, sustentam a definição
das queixas escolares que são dirigidas aos alunos e, geralmente, estendidas a
seus familiares (famílias desestruturadas, carência de valores culturais e morais
adequados, inabilidade para educação de seus filhos). Em nosso entendimento, ao
oferecer um olhar sobre as potencialidades e os recursos familiares, assim como
sobre as contraditórias demandas sociais que sobre as famílias se orientam,
estaremos oferecendo a possibilidade do reconhecimento de seu poder construtivo,
do valor das ações rotineiras do exercício das funções protetoras e socializadoras,
estaremos então proporcionando elementos para a ampliação do empoderamento
150
dessas famílias, trabalhando, assim, no paradigma da promoção de saúde, que não
é positivista.
151
5 OBJETIVO
5. 1 Objetivo Geral
Verificar a partir da realização de um programa de promoção de saúde na escola,
desenvolvido com professores, pedagogas e diretora e com pais e responsáveis, se
houve mudança com relação às suas percepções e expectativas de ação deles na
abordagem das queixas escolares.
5.2 Objetivos Específicos
1. Identificar a percepção dos integrantes do sistema escolar sobre as queixas
escolares antes e depois da intervenção.
2. Identificar a percepção dos pais e responsáveis sobre as queixas escolares
antes e depois da intervenção.
3. Conhecer as expectativas dos integrantes do sistema escolar em relação aos
procedimentos que o sistema familiar deve realizar ao identificar queixa escolar
antes e depois da intervenção.
4. Conhecer as expectativas dos pais e responsáveis pelos alunos em relação aos
procedimentos que os integrantes do sistema familiar devem realizar ao
identificar a queixa escolar antes e depois da intervenção.
5. Conhecer as expectativas dos integrantes do sistema escolar em relação aos
procedimentos que este sistema deve realizar ao identificar queixa escolar antes
e depois da intervenção.
6. Conhecer as expectativas dos pais e responsáveis pelos alunos em relação aos
procedimentos que os integrantes do sistema escolar devem realizar ao
identificar a queixa escolar antes e depois da intervenção.
152
6 MÉTODO
Esta é uma pesquisa de campo, um estudo de caso intrínseco, de natureza
qualitativa, na forma de análise das narrativas de acordo com o paradigma
sistêmico, que foi definido anteriormente por Vasconcellos, em 1995, como o novo
paradigma das ciências. Hoje é compreendido como paradigma da ciência
contemporânea emergente, em que o cientista assume os pressupostos da crença:
na complexidade em todos os níveis da natureza; na instabilidade do mundo em
processo de tornar-se e na intersubjetividade como condição de construção do
conhecimento do mundo (VASCONCELLOS, 2006; GRANDESSO, 2007).
Segundo Denzin e Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa se apresenta como
um multimétodo que utiliza uma abordagem interpretativa do objeto de estudo, pois
tem como objetivo alcançar a compreensão dos significados que as pessoas
atribuem aos fenômenos.
A pesquisa qualitativa vem sendo muito utilizada nas investigações orientadas
pela epistemologia construtivista, na medida em que possibilita o desenvolvimento
da investigação a partir de métodos que proporcionam a abordagem do fenômeno
no lugar em que ele ocorre, assim como o alcance tanto do sentido desse fenômeno
quanto da interpretação dos significados construídos nas interações (CHIZZOTTI,
2006).
As pesquisas de orientação qualitativa assumem o pressuposto de que a
investigação dos fenômenos humanos estão carregados de “razão, liberdade e
vontade”, condições que configuram características específicas, pois as pessoas
“criam e atribuem significados às coisas e às pessoas nas interações sociais e estas
podem ser descritas e analisadas, prescindindo de qualificações estatísticas”
(CHIZZOTTI, 2006, p. 29).
Para atuar em consonância com os pressupostos da análise qualitativa, o
pesquisador deve participar das experiências das pessoas para conhecê-las e
compreendê-las. Ao ouvir as histórias contadas pelas pessoas pode identificar as
crenças e ideias que as orientam em suas rotinas (GILGUN,1992).
Os estudos qualitativos se mostraram adequados às investigações
realizadas, já que dispõe de instrumentos que possibilitam o entendimento da rede
153
de interações existentes no contexto e na percepção dos sujeitos em relação aos
determinantes sociais de saúde, assim como o impacto destes em suas rotinas de
vida. Segundo as autoras Afonso, Tavares, Luiza (2013, p125.)
Esses elementos privilegiam conexões políticas que reafirmam a perspectiva central da participação dos sujeitos como agentes de mudança, sem perder de vista o compromisso, independente da dinâmica política, com a sustentabilidade dos projetos, envolvidos na nova proposta de saúde, tomada como um constructo sócio-histórico da sociedade moderna tardia. As poucas experiências apresentadas resumidamente neste trabalho confessam a importância da abordagem qualitativa, que considera o contexto em sua especificidade, integralidade e complexidade; destacam a importância da subjetividade (dimensão socioafetiva) dos sujeitos envolvidos e a extensão da intervenção à família como forma de favorecimento à inserção social e fortalecimento dos laços sociais.
6.1 Participantes
Os participantes desta pesquisa foram professores, pedagogos, a diretora,
pais e/ou responsáveis pelos alunos do 6º. ao 9º. ano do ensino fundamental em
uma escola da rede estadual de ensino no interior do Paraná. Em alguns encontros
realizados durante o desenvolvimento do
Programa de Promoção de Saúde na Escola também estiveram presentes: alunos
acompanhando os pais e alunos do curso noturno; estes, porém, não responderam
aos questionários avaliados na pesquisa.
Por se tratar de um programa aberto aos integrantes da comunidade escolar,
o número e as pessoas que participaram variaram tanto na aplicação do
questionário inicial e final quanto nos encontros do programa.
6.2 Local
154
Os encontros com os pais e/ou responsáveis pelos alunos e os
professores, pedagogos e diretora se deram no auditório e em salas de aula da
referida escola.
6.3 Instrumentos
Foram utilizados dois instrumentos para coleta de informações: um
questionário aplicado no primeiro e no último encontro; e o Programa de Promoção
de Saúde na Escola.
6.3.1 Questionário
O questionário continha perguntas referentes a quatro casos de queixa
escolar (vide Anexo C e D), sendo dois apresentados na aplicação inicial e dois
apresentados após a realização do Programa. Todos os casos eram reais tendo
ocorrido em outras escolas, cidades e período e cujas identidades dos envolvidos
foram preservadas. Esses fizeram parte da dissertação de mestrado da
pesquisadora (BERGAMI, 1999).
O questionário foi por nós denominado situacional por se referir a situações
reais, conforme explicitado acima. A utilização desse instrumento se justificou por se
tratar de situações pertinentes à realidade em que os participantes estavam
inseridos e que, portanto, poderiam informar sobre suas percepções e expectativas.
As questões tiveram como foco a percepção sobre a queixa escolar, a
expectativa de ação dos sistemas familiar e escolar e quem eram os envolvidos
nessa ação. As perguntas foram baseadas na nossa experiência como orientadora
de pais em escolas e no trabalho de mestrado.
Inicialmente, o caso era apresentado em projeção de slide e a seguir feitas as
perguntas tanto em slide como no papel em que recebiam. Era dada a orientação
para se dividirem em duplas, discutirem o caso e responderem às questões. Este
155
questionário foi aplicado em dois momentos, antes e depois do desenvolvimento do
Programa de promoção de saúde na escola.
6.3.2 Programa de Promoção de Saúde a Escola
A proposta das Escolas Promotoras da Saúde, uma iniciativa definida em
1995 pela Organização Pan-Americana de Saúde na região das Américas, por meio
da Iniciativa Regional, se desenvolveu pautada na articulação de três componentes
principais e articulados entre si: a educação para a saúde com enfoque integral;
criação e manutenção de entorno e ambientes saudáveis; provisão de serviços de
saúde, nutrição sustentável e vida ativa. Para tanto, sublinham a promoção da
“interação entre escola, comunidade, pais e mães de famílias, e os serviços
disponíveis no local” a fim de conseguir um enfoque integral pensando saúde num
sentido amplo, base da melhor qualidade de vida (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006,
p.37).
Com base na promoção dessa interação entre os envolvidos na comunidade
escolar, foi desenvolvido um Programa de Promoção de Saúde na Escola. Nosso
objetivo era apresentar temas que promovessem a reflexão sobre as percepções e
expectativas dos integrantes do sistema familiar e do sistema escolar a respeito do
desenvolvimento, das funções de cada parte e da interação entre eles.
A ideia inicial era promover grupos com pais e responsáveis, grupos com
professores, pedagogas e diretora e grupos de toda a comunidade escolar. No
entanto, os grupos com toda a comunidade contaram a presença de pais e
responsáveis, diretora e pedagogas, estando ausentes os professores.
Os temas foram apontados pelos participantes e desenvolvidos à luz da
Teoria Sistema Familiar. O Programa foi estruturado no formato de palestras
interativas e dinâmicas, recorrendo às situações vividas pelos participantes e
compartilhadas no grupo, conforme está sugerido na teoria que sustenta Promoção
de Saúde. A descrição completa do Programa está detalhada adiante, no
procedimento.
156
6.4 Procedimentos
A pesquisa de campo foi realizada em três etapas que serão listadas a seguir
e descritas posteriormente:
Fase I: Apresentação da pesquisa, entrega e recolhimento da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B), levantamento de temas a serem
desenvolvidos no programa, apresentação de casos de alunos com queixa no
contexto escolar e aplicação do questionário.
Fase II: Execução do Programa de Promoção de Saúde na Escola por meio de
palestras interativas e dinâmicas e entrega e recolhimento da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido uma vez que o programa era aberto e a
qualquer tempo as pessoas nele podiam ingressar.
Fase III: Apresentação de casos de queixa escolar semelhantes aos apresentados
na Fase I e reaplicação do questionário.
Fase I
Inicialmente foi realizado um encontro com a diretora da escola, quando foi
apresentada a proposta de desenvolvimento do programa e avaliada a possibilidade
de seu desenvolvimento. Nessa ocasião, foi agendada a reunião com os professores
e demais integrantes do sistema escolar e a reunião com pais e/ou responsáveis, a
fim de apresentar a proposta do Programa e a pesquisa para ambos os grupos.
A escola encarregou-se de enviar um convite aos pais e responsáveis por
meio de bilhete encaminhado pelo aluno de convidar verbalmente os professores.
A reunião agendada com os professores não se realizou devido ao não
comparecimento deles e a com os pais e responsáveis foi realizada. Nessa reunião,
além de apresentar o projeto de pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e
157
Esclarecido e proposta do programa, foi solicitado que os participantes elegessem
alguns temas pertinentes ao universo da família e da escola para serem
desenvolvidos e que escolhessem as datas prováveis dos encontros.
Para o encontro seguinte foram convidados professores, pedagogos e
diretora, pais e responsáveis, porém os professores não compareceram. Nessa
ocasião, foram apresentados os casos 1 e 2 e aplicado o questionário.
No primeiro encontro com os professores, foi apresentada a pesquisa, a o
Programa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os temas e datas
sugeridos pelos pais para as reuniões em conjunto. Também foi solicitada a
definição das datas das reuniões a serem realizadas somente com professores e
apresentados os dois casos seguidos da aplicação do questionário.
Fase II
Essa fase teve início com a realização do Programa de Promoção de Saúde
na Escola, no qual foram realizados 12 encontros, sendo 8 com pais, responsáveis,
pedagoga e diretora e 4 com os professores, pedagogas e diretora, conforme
descrito na tabela a seguir:
Tabela 1 – Descrição do Programa
No. Data Participante Tema Estratégia 1 13/04/10 Pais,
responsáveis, pedagoga e
diretora
História social da família e da escola
Palestra interativa
2 22/04/10 Professores, pedagoga e
diretora
Pensamento sistêmico e ciclo vital da família –
Jovens solteiros e casal novo
Palestra interativa
3 27/04/10 Pais, responsáveis,
pedagoga
Pensamento sistêmico, Ciclo vital da família e aspectos estruturais,
multigeracionais, contextuais da família.
Palestra interativa
4 04/05/10 Professores, Ciclo vital da família e Palestra
158
pedagoga e diretora
aspectos estruturais, multigeracionais,
contextuais da família.
interativa
5 15/05/12 Pais, responsáveis,
pedagoga
Ciclo vital da família e aspectos estruturais,
multigeracionais, contextuais da família.
Palestra interativa
6 11/08/10 Pais, responsáveis,
pedagoga
Comunicação Palestra interativa e dinâmica
7 26/08/10 Pais, responsáveis,
pedagoga
Comunicação cm foco na produção de sintoma e
comunicação não violenta
Palestra interativa
8 11/09/10 Professores, pedagoga e
diretora
Comunicação Palestra interativa e dinâmica
9 16/09/10 Pais, responsáveis,
pedagoga
Comunicação não violenta e Projeto de Lei Anti-
palmada
Palestra interativa
10 07/10/10 Pais, responsáveis,
pedagoga
Comunicação não violenta Palestra interativa
11 30/10/10 Professores, pedagoga e diretora
Comunicação não violenta Palestra interativa
12 11/11/10 Pais, responsáveis, pedagoga e
diretora
Resolução dos casos e habilidades para vida
Palestra interativa
Ressalte-se que o Programa de Promoção de Saúde na Escola era aberto à
comunidade escolar e a qualquer momento podiam ingressar novos participantes.
Dessa forma, em todos os encontros foram entregues o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido àqueles que chegavam pela primeira vez, assim como era
apresentada a perspectiva sob a qual o Programa estava sendo desenvolvido.
Fase III
O último encontro com os professores foi dividido em dois momentos: no
primeiro, foi desenvolvido um tema do Programa de Promoção de Saúde na Escola;
no segundo foram apresentados os dois casos e os questionários foram respondidos
159
pelos participantes fora do encontro e entregue posteriormente à coordenadora
pedagógica que os encaminhou à pesquisadora. Na reunião, os professores foram
convidados a participar do último encontro em que estariam os dois grupos. Nesse
dia, os pais inicialmente responderiam ao questionário e, na sequência, seriam
apresentados os encaminhamentos realizados na situação real dos casos
abordados; os professores, porém, não compareceram.
Em conformidade com o que foi citado acima, na reunião final em que
compareceram os pais, responsáveis, pedagoga e diretora, foram apresentados os
dois casos seguidos da aplicação do questionário e ao final foi apresentada a
resolução real dada aos casos na ocasião em que ocorreu o procedimento de
orientação de pais.
6.5 Considerações éticas
Nesta pesquisa, foram seguidos todos os pré-requisitos necessários
recomendados pela Resolução nº. 196/96 (Ministério da Saúde, 1996), que orienta o
desenvolvimento de pesquisas que envolvem os seres humanos.
Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Anexo B), no qual estavam dispostas as informações tanto sobre os objetivos e
procedimentos da pesquisa como de sua liberdade de interromper sua participação
quando achassem necessário, sem qualquer prejuízo.
No referido termo, estava exposta a maneira como seriam registrados os
dados durante os encontros e ressaltada a garantia da manutenção do sigilo sobre
qualquer dado que pudesse permitir sua identificação. Ficou também acordado que
as conclusões desse estudo estarão disponíveis com a pesquisadora ou na
Biblioteca da PUC-SP.
Também consta nesse termo a garantia da preservação da integridade física
e mental dos participantes, assim como o compromisso assumido pela pesquisadora
em fornecer o apoio psicológico caso houvesse necessidade.
160
O termo distribuído em duas vias aos participantes, depois de lido e
comentado pela pesquisadora, foi assinado, ficando uma via para o participante e
outra com a pesquisadora.
6.6 Análise dos dados
A análise dos dados está divida em duas partes: a primeira apresenta a
análise das falas dos participantes no Programa de Promoção de Saúde na Escola e
a segunda expõe os resultados da análise dos questionários aplicados antes e
depois do Programa. Concomitantemente está apresentada a discussão com os
autores referidos na parte teórica do trabalho.
A fim de identificar se houve ou não mudança na percepção e expectativa dos
pais e/ou responsáveis e professores, pedagoga e diretora após a intervenção do
Programa de Promoção de Saúde na Escola em relação à abordagem da queixa
escolar, a análise dos dados foi realizada em duas etapas. A primeira foi construída
a partir do conteúdo das conversações, perguntas e comentários dos pais e/ou
responsáveis e professores durante os encontros em que foi desenvolvido o
Programa. A compreensão do problema e as expectativas de atuação da família e
da escola diante da queixa escolar, foi abordada na segunda etapa por meio da
análise do questionário situacional.
A análise do Programa de Promoção de Saúde na Escola, bem como a dos
questionários, teve início com a leitura do conteúdo das transcrições dos encontros e
das respostas dos questionários respectivamente. A seguir foram identificadas as
falas que apontavam ideias que se repetiam e se relacionavam com os objetivos do
Programa e da pesquisa. Com base nesse conteúdo, foram construídas as
categorias e subcategorias de análise. Vale ressaltar que em ambas as análises, se
manteve a separação do que se referiu ao grupo de pais e responsáveis e ao grupo
de professores, pedagogas e diretora. Além disso, o procedimento de análise dos
questionários se deu considerando as respostas dos participantes antes e depois da
intervenção.
161
O passo seguinte foi agrupar as respostas que se relacionavam a cada
categoria. A partir da leitura das respostas agrupadas surgiram novas diferenciações
dentro das categorias e subcategorias que foram discriminadas e reunidas por
cores, de acordo com as tabelas a seguir:
Tabela 2 - Categorias e subcategorias da análise do conteúdo das falas dos
pais e responsáveis no Programa de Promoção de Saúde na Escola
Pais e responsáveis Categorias Subcategoria
1 Percepção e expectativa dos
pais em relação à família
1.1 Diferença cultural das famílias
1.2 Evolução histórica e social
1.3 Funções Familiares
Práticas educativas
Colocação de limites
Proteção á frustração Decisões
compartilhadas Função
cuidadora
Influecia cultural Influência das
instâncias exteriores à
família
Reflexões sobre a lei do castigo
físico
2 Percepção e expectativa dos pais em relação
aos filhos
2.1 Fase do desenvolvimento
3 Percepção e expectativa dos
pais em relação à escola e ao professor
3.1 Evolução histórica e social
3.2 Atuação do professor e da
escola
162
Tabela 3 - Categorias e subcategorias da análise do conteúdo das falas dos
professores, pedagogas e diretora no Programa de Promoção de Saúde na
Escola
Professores, pedagogas e diretora Categorias Subcategoria
1 Percepção e
expectativa dos
professores,
pedagogas e
diretora em
relação à família
1.1 Diferença cultural, social e
econômica
Sem julgamento
Com julgamento
Reflexão
1.2 Características das configurações
dos núcleos familiares na atualidade
Famílias intactas
Famílias em que houve
separação
Sofrimento Família
monoparental Avós no exercício da parentalidade
Pai e avós no exercício da
parentalidade tecendo críticas ao recasamento
da mãe Influencia
cultural
Influência das instâncias
exteriores à família
Reflexões sobre a lei do castigo
físico
1.3 Funções familiares
Família dos alunos
Negligência no acompanhament
o escolar Negligência no monitoramento
Desempenho de comportamento
163
que se constituem num
modelo disfuncional
Falta de interesse e incentivo para
com os filhos Ausência de percepção às
capacidades dos filhos
Delegação dos cuidados a terceiros
Substituição de carinho e atenção
por bens materiais
Imaturidade para educar
Família dos professores
Estabelecimento e monitoramento
de limites aos filhos e amigos
desses Ações
educativas, práticas de
cuidado, atenção e orientação
Dúvidas, questionamentos e inseguranças a
exercerem as funções da
parentalidade Modelo ideal Pais estabelecem
a educação dos filhos como prioridade
Mesma linguagem
Afeto sustentando as
práticas educativas
Pais apropriam-se da
posição de autoridade
164
Manutenção da função
reparadora e intervenções para
mudança na família são
realizadas a partir de um nível
macrossocial 2 Percepção e expectativa dos
professores, pedagogas e diretora em
relação aos alunos
2.1 Diferença cultural
2.2 Fase do desenvolvimento
Intensificação do convívio com
o grupo de iguais
Manutenção da lealdade ao
grupo
Diferenciação do grupo familiar
Assimilação de valores
Pseudoauto- nomia
Vulnerabilidade à droga e álcool
Angústia própria da
adolescência
3 Percepção e expectativa dos
professores, pedagogas e diretora em
relação à escola e ao professor
3.1 Interação com os pais e
responsáveis dos alunos
Providenciar a ida dos pais à
escola
Refletir e apreciar as
atitudes dos pais
Apoiar a família na busca de
serviço público
165
3.2 Interação com os
alunos
Aspectos promotores de
interação
Perceber as peculiaridades do
adolescente Cuidar do bem-estar do aluno
Ouvir e orientar Acessar recursos
diferentes dos medicamentosos para solucionar
os problemas que constituem a
queixa escolar Aspectos
limitantes da interação
Comportamento displicente dos
alunos Apreciação do
comportamento do aluno –
desqualificação da relação ou do
conteúdo Sentimento Estratégia
Tabela 4 - Categorias e subcategorias das respostas dos pais e responsáveis
ao questionário
Pais e responsáveis
Categorias Subcategoria 1 Percepção do
problema 1.1Família
Interação familiar
Vínculos afetivos Forma de educar
os filhos
Condições socioeconômicas
Genética 1.2 Ambiente 1.3 Escola
1.4 Aluno Psicológico
Desenvolvimento cronológico
Neurológico
166
Problema inespecífico de
saúde
2 Expectativa dos pais e
responsáveis em relação aos
procedimentos do sistema familiar
2.1 Ações de sistema familiar
Expressar afeto
Assessorar
Orientar
Ser exemplo
Colocar limites
Buscar e receber ajuda
profissional
Ação integrada entre escola e
família
2.2 Justificativas das ações do
sistema familiar
Orientadas pelo reconhecimento
do problema
É importante investigar o problema
A família é a responsável pelo
problema A família não tem
recurso para solucionar
O aluno é o responsável pelo
problema
Orientadas pelo reconhecimento
do recurso
A família é a responsável pela
solução O aluno é o
responsável pela solução
2.3 Envolvidos no procedimento
Família
Família e outros sistemas sociais
3 Expectativa dos pais e
responsáveis em relação aos
procedimentos do sistema escolar
3.1 Ações de sistema escolar
Chamar os pais
167
Investigar
Orientar Sem função específica
Encaminhamento Parceria
Promover cuidados ao
aluno
Medidas disciplinares
Medidas afetivas Aquisição de
recursos profissionais pela
escola
Desconsideração de ações do
sistema escolar
3.2 Justificativas das ações do sistema escolar
Orientadas pelo reconhecimento
do problema
É importante investigar o problema
O aluno é o responsável pelo
problema A família é a
responsável pelo problema
Orientadas pelo reconhecimento
do recurso
A família é a responsável pela
solução O especialista é o responsável pela solução A escola é
responsável pela solução
A parceria entre família e escola leva à solução
3.3 Envolvidos no procedimento
escolar
Escola e família
Escola, família e profissional especialista
Escola, família e aluno
Um sistema envolvido
168
Tabela 5 – A categorias e subcategorias das respostas dos professores,
pedagogas e diretora ao questionário
Professores, pedagogas e diretora
Categorias Subcategoria 1 Percepção do
problema 1.1 Família
Disfuncionalidad
e da Família
Investigação 1.2
Aluno Limite e
Agressividade
O aluno como problema
Vitimização Característica de
personalidade
Dificuldade de aprendizagem,
falta de concentração e
desinteresse
Socialização e desenvolvimento
1.3 Sistema
educacional
1.4 Percepção de múltiplas partes do problemas
1.5 Percepção Sistêmica do
problema
2 Expectativa dos professores, pedagogas e diretora em relação aos
procedimentos do sistema familiar
2.1 Ações de sistema
familiar
Função cuidadora
Investigar
Buscar ajuda de especialista
2.2 Justificativas das ações do sistema
familiar
Orientadas pelo reconhecimento
do problema
Problema requer ação
Diagnóstico sem finalidade
Orientadas pelo reconhecimento
do recurso
Família é a responsável pela
solução
169
Diagnóstico com finalidade
2.3 Envolvidos no procedimento
Família e outros sistemas sociais
Família
3 Expectativa dos professores, pedagogas e diretora em relação aos
procedimentos do sistema escolar
3.1 Ações de sistema escolar
Investigação
Investigar sem função específica
Investigar e encaminhar Investigar e acompanhar
Orientação aos pais
Impositiva Ponderada
Acompanhamento do aluno e
cobrança dos pais
Orientação aos professores
Ações inespecíficas
Ações disciplinares
Ações integradas
Relação entre professor aluno
Ações governamentais e comunitárias
3.2 Justificativas das ações do
sistema escolar
Orientadas pelo reconhecimento
do problema
O aluno é o responsável pelo
problema A família é a
responsável pelo problema
A escola é a responsável por
investigar o problema
Orientadas pelo reconhecimento
do recurso
O aluno tem recursos
Atenção do professor ao
aluno Pais participam
da solução
170
Ensino de qualidade requer o cumprimento de regras por
parte dos alunos 3.3 Envolvidos no
procedimento escolar
Escola e família
Escola, família e especialista
Apenas um sistema
envolvido
Desconsideração do envolvimento
da escola
Finalmente foram escritos os capítulos de análise do Programa de Promoção
de Saúde na Escola e dos resultados e a discussão do questionário, em que as
categorias foram descritas e exemplificadas com falas e, posteriormente,
confrontadas com a teoria.
Vale ressaltar algumas particularidades na análise do Programa de Promoção
de Saúde na Escola e do questionário, como, por exemplo, o escasso número de
falas dos pais e responsáveis no Programa, quando comparado ao volume de falas
dos professores, pedagoga e diretora.
Quanto à análise dos questionários, cabe informar que no agrupamento de
falas nas tabelas cada número de participante aparece duas vezes porque cada
pessoa ou dupla avaliou dois casos. Além disso, cada questionário foi respondido
por uma dupla de participantes, que significa que o número de resposta representa o
dobro de participantes. Isso ocorreu nas duas aplicações aos pais e na primeira
aplicação aos professores. A exceção foi a última aplicação aos professores em que
estes responderam individualmente.
171
7 ANÁLISE DO CONTEÚDO DAS FALAS DOS PARTICIPANTES DO
PROGRAMA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA ESCOLA
Os objetivos do Programa de Promoção de Saúde na Escola, conforme
mencionados anteriormente, são relacionados à veiculação de informação e têm,
como propósito, estimular a reflexão sobre diferentes questões que possam estar
relacionadas aos problemas que ocorrem com os alunos no contexto escolar. Nessa
medida, nossa atuação está alinhada às proposições do paradigma da promoção de
saúde,o qual ressalta a disponibilização de informações sobre saúde, como uma das
bases para que os indivíduos possam desenvolver a autonomia necessária, para
melhor agenciar os cuidados com sua saúde. Assim, atendendo essa orientação, o
programa desta pesquisa foi formatado em palestras interativas, na quais a
pesquisadora adotou uma postura não hierárquica, reconhecendo e valorizando o
ponto de vista de cada participante, ao mesmo tempo em que estimulava o
desenvolvimento de novas percepções a respeito da escola, da família e do aluno,
da interação entre eles e dos problemas que emergemnesse contexto, configurando
as queixas escolares.
A queixa escolar inicia-se na escola e é permeada pela percepção e
expectativa dos seus membros, sobre a criança, a família e a escola.
A partir da proposta de Vasconcelos (2006), sobre uma visão sistêmica novo-
paradigmática, que integra os pressupostos da intersubjetividade, da complexidade
e da imprevisibilidade, entendemos que a definição da queixa é identificada e
sustentada pela concordância, entre os integrantes do sistema escolar, sobre os
significados dos diferentes elementos que, articulados, constituem a identificação de
um problema. Esses significados, atribuídos à forma particular de o aluno
comportar-se, à maneira diferente de conduzir a vida escolar, à forma especifica de
dirigir a atenção, às particularidades da estratégia educativa dos pais e/ou
responsáveis, às especificidades relacionais da família, são articulados nas
interações que se estabelecem dentro desse sistema. Por isso, possibilitar reflexão,
a partir dessas percepções e expectativas, foi a estratégia adotada no trabalho, para
promover saúde e disponibilizar, aos envolvidos, uma possibilidade de vislumbrar
172
uma interação menos culpabilizadora, portanto, mais eficaz na solução dos
problemas.
Ao analisar o conteúdo das falas dos participantes do Programa, acessamos
as percepções e expectativas, no momento em que era proposto, ou disponibilizado,
um novo olhar, uma possibilidade de entrar em contato com outros significados,
atribuídos aos eventos que ocorrem nas interações que eles (participantes)
estabelecem em suas rotinas. Essa possibilidade, em nosso ponto de vista, dar -se -
ia a partir da apresentação de ideias relativas ao desenvolvimento histórico e social
da família, às interações inter e extras sistêmicas, ao ciclo vital, à comunicação, à
estrutura, à dinâmica da família, à comunicação não-violenta e às habilidades para a
vida.
Abaixo, está a descrição de cada encontro realizado e, na sequência, a
análise do conteúdo das falas dos pais e responsáveis e dos professores.
Conforme já mencionado no método, a transcrição, na íntegra, de todos os
encontros pode ser verificada no Anexo F. As categorias, apresentadas
anteriormente nas tabelas 2 e 3 no capítulo de método, serão a seguir descritas e
exemplificadas com as falas dos participantes.
7.1 Descrição do Programa de Promoção de Saúde na Escola
1º Encontro
Data: 13/04/2010.
Tema: História social da família e da escola.
Objetivo: Levar informações sobre as diferentes formas que a instituição familiar e
escolar assumiu nos distintos períodos da história, ressaltando que a abordagem
científica de cada momento influenciou a percepção da realidade social.
Público: Pais e responsáveis e a diretora.
Método: Palestra.
Neste encontro, foram desenvolvidos temas que apontavam as distintas
configurações na organização da família e da escola, foram ressaltadas as maneiras
173
pelas quais se desenvolviam a educação e os cuidados com os filhos, em diferentes
momentos históricos e sociais. Foi assinalado que as mudanças sociais, culturais,
políticas e econômicas demandavam mudanças na organização da família e da
escola, remetendo, assim, a um processo evolutivo recursivo, estabelecido entre
estes sistemas.
Também foram apontadas crenças que configuram o desenvolvimento do
saber cientifico e a influência deste na formação do senso comum que orienta as
interações sociais.
2º Encontro
Data: 22/04/2010.
Tema: Pensamento Sistêmico e Ciclo vital da família – Jovens solteiros e casal novo.
Objetivo: Desenvolver reflexão sobre as formas habituais de diagnosticar os
problemas, oferecer informações sobre a visão sistêmica da realidade e apresentar
as duas primeiras fases do ciclo de vida da família – Jovens solteiros e Casal novo.
Público: Professores, pedagogos e diretora.
Método: Palestra interativa.
No segundo encontro, foram desenvolvidos assuntos que demonstravam a
diferença entre uma apreciação de problema pautada nos pressupostos de uma
visão linear, especializada, rígida e uma visão sistêmica, que reconhece a
complexidade dos fenômenos. A partir de exemplos similares às situações vividas,
diariamente, dentro da escola, foram construídas reflexões e compartilhadas
opiniões que assinalavam as distintas maneiras de identificar e compreender os
problemas.
A reflexão sobre as ideias e crenças que orientam a percepção delimitada da
realidade pode apontar para a necessidade de ampliação da compreensão dos
eventos. A fim de facilitar essa compreensão, foram desenvolvidos os seguintes
temas: concepção sistêmica da vida, sistemas abertos, propriedades de interação
entre elese compreensão sistêmica dos eventos que ocorrem na família, na escola,
e em outros sistemas sociais, limitação de um único sistema (família, escola) para
resolução de problemas complexos, gerando culpabilização mútua, evolução do
174
sistema familiar e escolar ao longo do tempo, demandas atuais das funções
familiares.
Também foram abordadas as características das famílias,nas seguintes fases
do ciclo vital familiar: Jovens solteiros e Casal novo.
3º Encontro
Data: 27/04/2010.
Tema: Pensamento Sistêmico, Ciclo vital da família e Aspetos estruturais,
multigeracionais, contextuais da família.
Objetivo: Desenvolver reflexão sobre as formas habituais de diagnosticar os
problemas e oferecer informações sobre a visão sistêmica de realidade e ciclo vital
da família. Apresentar os conceitos das escolas estruturais, multigeracionais e
contextuais da Terapia Familiar e,a partir dos quais, refletir sobre a queixa escolar.
Público: Pais e responsáveis e pedagoga.
Método: Palestra interativa.
Neste encontro, foram retomados os aspectos do desenvolvimento social da
família, os conceitos de sistema aberto, família e escola como sistemas em interação
e as diferentes fases do ciclo vital familiar.
Foram abordadas questões relativas à transmissão multigeracional de
crenças e valores, lealdade, estrutura, hierarquia familiar – conceitos das escolas
Estrutural, Multigeracional e Contextual da Terapia Familiar. Esses temas foram
desenvolvidos com o objetivo de proporcionar uma ampliação da percepção da
queixa escolar.
4º Encontro
Data: 04/05/2010.
Tema: Ciclo vital da família e Aspectos estruturais, multigeracionais, contextuais da
família.
Objetivo: Contextualizar e assim ampliar a compreensão dos problemas que
acometem a família, ao longo do tempo. Refletir sobre a queixa escolar, a partir da
175
apresentação dos conceitos das escolas estruturais, multigeracionais e contextuais
da Terapia Familiar.
Público: Professores, pedagogos ediretora.
Método: Palestra interativa.
A pesquisadora destacou, do Ciclo Vital da Família, as fases: família com
adolescente, fase madura e fase última.
Os conceitos de diferenciação/ indiferenciação, triangulação, lealdades
familiares e estrutura familiar foram utilizados para compreender os diferentes
problemas que ocorrem com as famílias, entendidos como sintomas que apontam
para disfunções, como, por exemplo, aquelas que compõema queixa escolar.
5º Encontro
Data: 11/05/2010.
Tema: Ciclo vital da família, Aspectos estruturais, multigeracionais, contextuais da
família.
Objetivo: Contextualizar e assim ampliar a compreensão dos problemas que
acometem a família, ao longo do tempo, destacando a transmissão de valores
familiares. Refletir sobre a queixa escolar, a partir da apresentação dos conceitos
das escolas estruturais, multigeracionais e contextuais da Terapia Familiar.
Público: Pais e responsáveis e pedagoga.
Método: Palestra interativa.
Para abordar a fase da Família com adolescentes, destacaram-setemas
referentes à autonomia e sexualidade. Na fase “Lançando os filhos e seguindo em
frente”, foram enfatizados o luto e divórcio. Para finalizar a apresentação do Ciclo
Vital da Família, foi apresentada a fase tardia.
Os conceitos de diferenciação/ indiferenciação, triangulação, lealdades
familiares e estrutura familiar foram utilizados para compreender os diferentes
176
problemas que ocorrem com as famílias, entendidos como sintomas que apontam
para disfunções, como, por exemplo, aquelas que compõema queixa escolar.
6º Encontro
Data: 11/08/2010.
Tema: Comunicação.
Objetivo: Promover reflexão sobre a forma como se estabelece a comunicação,nos
diferentes sistemas sociais.
Público: Pais e responsáveis e pedagoga.
Método: Palestra interativa e Dinâmica.
Foi solicitado ao grupo que formassem duplas e, posteriormente, aqueles que
estavam à direita se encaminharam para a sala ao lado, permanecendo, na sala,
metade do grupo. A estedeu-se a orientação para contar um história à sua dupla,
quando esta retornasse. O grupo que saiu foi orientado a impedir que o outro
contasse sua história. Ao final do processo, cada parte contou qual foi sua
sensação, ao desempenhar o papel orientado.
Com base nos relatos da experiência dos professores, foram apresentados os
cinco axiomas da comunicação e ressaltadas as características de um processo
comunicacional bem e mal sucedido,destacando os ruídos e obstáculos que
atrapalham a comunicação, assim como os cuidados que são possíveis ser
tomados, para viabilizar uma comunicação de boa qualidade.
A cultura oferece elementos que, articulados traduzem crenças, valores e a
forma particular da organização do poder de uma sociedade e podem ser
identificados na comunicação estabelecida entre pessoas e diferentes grupos
sociais.
7º Encontro
Data: 26/08/2010.
Tema: Comunicação com foco na produção de sintoma e comunicação não violenta.
Objetivo: Estabelecer relação entre as diferentes formas de comunicação
intersistêmica e a produção de sintomas.
177
Público: Pais e responsáveis e pedagoga.
Método: Palestra interativa
Tendo como base os conceitos de comunicação e as referências da
comunicação não violenta, vistos no encontro anterior, foram focalizadas, nesse dia,
questões relativas à violência e drogadição, atendendo assim a demanda dos pais e
responsáveis, expressa no levantamento dos temas a serdesenvolvidos no
Programa.
8º Encontro
Data: 11/09/2010.
Tema: Comunicação.
Objetivo: Promover reflexão sobre a forma como se estabelece a comunicação,nos
diferentes sistemas sociais.
Público: Professores, pedagogos e diretora.
Método: Palestra interativa e dinâmica.
Foi solicitado ao grupo que formassem duplas e,posteriormente, aqueles que
estavam à direita se encaminharam para a sala ao lado, permanecendo a outra
metade do. A esta deu-se a orientação para contar um história à sua dupla , quando
retornasse. O grupo que saiu foi orientado a impedir que o outro contasse sua
história. Ao final do processo, cada parte contou qual foi sua sensação ao
desempenhar o papel orientado.
Com base nos relatos da experiência dos professores, foram apresentados os
cinco axiomas da comunicação e ressaltadas as características de um processo
comunicacional bem e mal sucedido destacando os ruídos e obstáculos que
atrapalham a comunicação, assim como os cuidados que são possíveis ser tomados
para viabilizar uma comunicação de boa qualidade.
A cultura oferece elementos que, articulados, traduzem crenças, valores e a
forma particular da organização do poder de uma sociedade e podem ser
178
identificados na comunicação estabelecida entre pessoas e diferentes grupos
sociais.
9º Encontro
Data: 16/09/2010.
Tema: Comunicação não violenta e Projeto de Lei Anti-palmada.
Objetivo: promover reflexão sobre os padrões comunicacionais estabelecidos nas
famílias, nas escolas e nas interações entre estes sistemas, estabelecendo um
paralelo entre comunicação não violenta e a comunicação alienante. Esclarecer as
dúvidas dos pais e responsáveis a respeito da Lei anti-palmada.
Público: Pais e responsáveis, pedagoga e diretora.
Método: Palestra interativa.
Ao abordar a comunicação não violenta, ressaltaram-seos elementos que
compõem a construção de uma comunicação eficaz ou, na ausência deles, a
comunicação alienante. A falta de empatia, preconceitos, acusação, culpabilização,
manipulação, sedução foram identificados como alguns dos elementos produzem a
comunicação alienante.
Uma psicóloga, com experiência na área da infância e juventude, compareceu
nesse encontro para apresentar e esclarecer as dúvidas dos pais e responsáveis
sobre o Projeto de Lei anti-palmada, que trata da garantia do direito de crianças e
adolescentes a uma educação sem o uso de castigos corporais ou tratamento
degradante.
10º Encontro
Data: 07/10/2010.
Tema: Comunicação não violenta.
Objetivo: Desenvolver habilidade para estabelecer uma comunicação não violenta.
Público: Pais e responsáveis e pedagoga.
Método: Palestra.
179
As questões relacionadas à lei da anti-palmadaforam retomadas, assim como
os elementos constituintes da comunicação não violenta.
A partir da apresentação do esquema de Comunicação não violenta, proposto
por Marshall Rosenberg, foi solicitado aos pais que pensassem em uma situação da
rotina e construíssem um esquema de comunicação não violenta para essa situação
e, posteriormente, isso seria discutido no grupo.
11º Encontro
Data: 30/10/2010.
Tema: Comunicação não violenta.
Objetivo: Promover reflexão sobre os padrões comunicacionais estabelecidos nas
famílias, nas escolas e nas interações entre estes sistemas, estabelecendo um
paralelo entre comunicação não violenta e a comunicação alienante. Público:
Professores, pedagogos e diretora.
Método: Palestra interativa.
Ao abordar a comunicação não violenta, ressaltaram-se os elementos que
compõem a construção de uma comunicação eficaz ou, na ausência deles, a
comunicação alienante. A falta de empatia, preconceitos, acusação, culpabilização,
manipulação, sedução foram identificados como alguns dos elementos produzem a
comunicação alienante.
12º Encontro
Data: 11/11/2010.
Tema: Resolução dos casos e Habilidades para vida.
Objetivo: Demonstrar uma abordagem da queixa escolar, pautada no pensamento
sistêmico e orientada pelos pressupostos da Terapia Familiar. Refletir sobre as nove
habilidades para a vida, sugeridas pela OMS, em 1997.
Público: Pais e responsáveis, pedagogos e diretora.
Método: Palestra interativa.
180
A conduta assumida nos casos utilizados no questionário situacional foi
apresentada e discutida com os participantes, ressaltando que a compreensão e o
encaminhamento do problema foram pautados nos pressupostos da Terapia Familiar
Sistêmica.
Compatível com as premissas de trabalho em promoção de saúde foram
apresentadas as habilidades para vida, sugeridas pela organização mundial de
saúde em 1997, a saber: autoconhecimento, relacionamento interpessoal, empatia,
lidar com estresse, comunicação eficaz, pensamento crítico, pensamento criativo,
tomada de decisão e resolução de problemas.
Como se pode observar, foram realizados oito encontros com pais e
responsáveis e seis com os professores. Em apenas um encontro, os grupos
estiveram reunidos, ao contrário da proposta inicial, que previa a realização de
quatro encontros com os dois grupos,simultaneamente. Isso se deu pela ausência
dos professores nesses grupos comuns.
7.2 Análise das falas dos pais e responsáveis do Programa de Promoção de
Saúde na Escola
Dos encontros realizados com os pais e responsáveis, identificamos as
percepções e expectativas deles em relação à família, aos filhos aos professores e à
escola.
7.2.1 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à família
No que diz respeito à família, a percepção e aexpectativa dos pais e
responsáveis, durante os encontros, apontavam para questões relativas à: diferença
cultural das famílias, evolução histórica e social e funções familiares.
181
7.2.1.1 Diferença cultural das famílias
A restrição de acesso à cultura, por parte da família, limita uma apreciação
complexa dos eventos com os quais se depara, conforme pode ser observado nas
falas abaixo:
1º Encontro
Participante: mas uma família que não tem, que não chegou a cultura lá na casa dela...
Como que ela vai ver, ter uma visão ampla disso tudo? Não tem nem condições...
Participante: às vezes ela (família) não tem uma estrutura cultural assim...
7.2.1.2 Evolução histórica e social
A diferença entre o exercício da parentalidade no passado e na atualidade,
destacada pelos pais e responsáveis foi: a rebeldia dos filhos, nos dias de hoje, o
acesso à informação, o sentimento de culpa por qualquer resultado negativo na vida
dos filhos e a menor disponibilidade de tempo dos pais para dedicar aos filhos.
1º Encontro
Participante: Aí que eu falo, antigamente tinha menos cultura e não existia tanta rebeldia, e
agora né... E a psicologia?
Pesquisadora: porque gente é tão idealizado, o papel de pai ou de mãe hoje, (...) o pai faz o
que pode e a mãe faz o que pode e um olha para o outro achando que podia dar mais, é
este o problema.
Participante: E lá na frente fala: Aonde foi que eu errei...
3º Encontro
Pai: Neste tempo tinha tempo para contar as histórias. Hoje em dia parece que a gente não
tem mais tempo, parece que tá todo mundo ocupado, que não tem tempo de ouvir as
histórias.
182
7.2.1.3 Funções familiares
Sobre o exercício da função educativa, os pais e responsáveis assinalaram
questões relativas à : práticas educativas, influência cultural e de instâncias
exteriores à família e reflexões sobre a lei do castigo físico.
Práticas educativas
Colocação de limite, monitoramento do comportamento dos filhos, proteção à
frustração, decisões compartilha das foram as práticas educativas assinaladas pelos
pais.
Colocação de limite
Os limites para as interações familiares e sociais são estabelecidos por meio de
negociação, diálogo, castigo físico, privação e “no grito”, como pode ser observado,
respectivamente, na ordenação das falas abaixo:
7ºEncontro
Participante: O meu fala que gosto eu gosto do meu quarto, ele tem 17 anos já tá
trabalhando aí roupa mistura a limpa com a do guarda- roupa, com a suja como ele
começou a trabalhar aí o que que eu fiz, eu vou lavá sua roupa e você vai me dar R$ 30,00.
Aí o negócio muda de figura, aí coloco a roupa em outro quarto lá, dobradinha lavada, e
deixo o ferro lá na hora que você for sair você passa veste e sai. Eu lavo e passo só a do
serviço do projeto e da escola, se vira se bagunçar vai não vai ser R$ 30,00 por mês vai ser
R$ 50,00. E se eu tenho que lavar o tênis vai ser R$ 70,00. Assim o meu salário vai todo por
mês. Não importa você já está com 18 anos.
Participante 4: eu tenho um adolescente de 14 anos, eu não me lembro de ter batido nele
desde pequeno, só que assim, a gente conversa muito (...)
183
Participante 1: ... meus filhos estão educados, levaram umas palmadinhas, (...) se deixar de
dar uma palmadinha os pais que vão apanhar mais tarde. (...)
Participante 4: aí eu tirava as coisas que ele gostava, computador, videogame,
conversava e tirava alguma coisa que ele gosta, ele adora computador videogame (...). Dali
a pouquinho ele vinha me pedir: Ai mãe posso usar o computador. Pode não...
Pesquisadora: (...) Um filho que fica em casa e deixa tudo jogado, as meias, que deixa o
livro junto com as meias, eu não sei onde ele conseguiu encontrar um exemplo desses deve
ser muito raro não é? (risos).
Participante: Na minha casa nem acontece isso. (fala irônica)
Pesquisadora: Então, entro lá em casa e qual é a primeira coisa que me fica?
Participante: Começa a gritar
A autoridade exercida pela figura paterna foi caracterizada ora como mais
rígida e determinada, ora com mais condescendente.
7º Encontro
Participante 4: (...) só que de vez em quando eu falo e ele não concorda, agora quando o pai
dele fala, é como se tivesse colocando o dedo na ferida dele sabe...
10ºEncontro
Pesquisadora: (...) Aí tem uma outraestatísticaque mostra que 64% das mães batem
nos filhos e que 44% dos pais batem nos filhos, agente tem que dar um desconto que as
mães ficam o tempo todo com os filhos são elas que colocam limites e acabam mais tempo,
ficavam né? Mas, geralmente a mãe fica mais. O que vocês acham disso?
Mãe: É o pai é mais bonzinho (risos).
Proteção à frustração
Cuidar para que o filho não tenha frustração também faz parte do repertório
das práticas educativas mencionadas pelos pais e responsáveis.
7º Encontro
184
Participante:E é isso eu imaginei né que quando eu era jovem e eu queria ir no show e meus
pais não deixaram.
Pesquisadora: E aí você fez diferente?
Participante: Aí eu pensei se ela ia sentir o mesmo que eu senti na época que não pude ir.
Decisões compartilhadas
Alguns limites são fruto de conversações estabelecidas entre os pais e entre
eles e os filhos.
7º Encontro
Participante: Eu já me coloquei no lugar da minha filha, ela queria ir num show... lá um show
que ia ter na Expoingá... (não dá para compreender o que a mãe esta dizendo). ... Daí ela
queria muito ir mas eu não queria deixar ela ir de jeito nenhum, porque era lá na Expoingá e
tal longe né? Maringá eu nem sei onde era direito. Ai as amigas estavam com o vizinho aío
pai dela não queria deixar ela ir, conversou, conversou e foi aíque ele resolveu deixar. Eu
conversei com ele sozinho em casa antes dela chegar da escola, daí eu falei para ele que
ah sei lá a gente entende um pouco e já teve uma época que quando eu era jovem eu era
louca por causa de uma banda lá. E eu queria muito ir e meus pais não deixaram então
acabei não indo né no show, como eu senti muito também eu pensei que ela também ia
sentir e aí nós deixamos ela ir. Aí ela foi de circular com os amigos dela lá e para buscar nós
fomos buscar ela. (...)
Função cuidadora
Ajuda e monitoramento foram as ações voltadas aos cuidados dispensados
para com os filhos, apontadas pelos pais e responsáveis.
7º Encontro
Participante: (...) Aíquando acabou o show nós fomos buscar ela e a amiga dela e deu tudo
certo. (...)
185
Participante 4: procurava ajudar ele quando ele precisava...
Influência cultural
Diferentes culturas trazidas pelas famílias de origem geram distintos valores
que orientam a educação dos filhos, podendo gerar conflitos.
3º Encontro
Mãe: É só que eu penso da seguinte maneira, eu vejo que é muito relativo, como você
colocou a família aí, família italiana, famílias na Índia e em Portugal. Hoje acontece muito
isso, também aqui mesmo, no Brasil, porque é muita mistura de origem, de raça, japoneses,
brasileiros, e isso acontece comigo, eu sou descendente de alemão com italiano e me casei
com um negro.Na minha família, todo mundo tem que tomar bênção antes de dormir,quando
se vai, quando se chega e de mão fechada.Na família do meu ex-marido, não. Quando o
meu filho vai dar bênção à avó ela diz de novo? Aí de novo não, então boa noite vô, aíde
novo? Então as crianças acabam como? Oscilando, sabe? O que elas são, no que elas
acreditam e acabam se perdendo e buscando lá fora um jeito diferente de ser ahhnão vou
ser nem assim e vou ser assado. Então, às vezes você vê uma criança e você diz :vou
conhecer a família ... mas é tudo muito relativo.
Mãe: É, por exemplo, eu sou muito rígida e as minhas crianças passaram 15 dias com os
pais deles nas férias. Aías crianças chegaram e disseram: E aí mãe, falô? Opa desculpas!
Bênção mãe. Rsrs, iam sair e falô mãe, tô saindo, ô mãe desculpas bênção.
Influência de instâncias exteriores à família
A escola e o Conselho Tutelar foram mencionados pelos pais e responsáveis
como agentes que influenciam nas práticas educativas, à medida que cobram deles
ações imediatas, que restringem as atitudes e atividades indesejáveis dos filhos.
3º Encontro
186
Pai: Pra mim é novidade. É novidade. ... quando a gente fala que tem que olhar a história da
criança então a gente ... então no dia a dia as pessoas querem uma resposta imediata, deu
uma martelada ali porque tem uma força, deu a impressão que deu resultado né? ... parece
que fez alguma coisa, e para a gente entender o contexto todo isso leva tempo. E o
problema é que àsvezes você não vê o resultado daquilo ... então a gente sofre na escola...
e as pessoas querem que ele seja como elas são ... porque as pessoas querem achar um
culpado
7º Encontro
Participante 12: eu converso muito com os meus filhos em casa ele é uma ótima criança, na
sala ele é um terror, quase toda semana eu estou aqui, aí a D. fala vou mandar o filho de
vocês prá promotora, chega lá eu sou obrigada a lavar banheiro de rodoviária, o que, que eu
tenho com isso, com o fato de ele não obedecer se eu converso com ele em casa, já não
posso bater, não é mesmo, aí chega uma hora se você chega a bater você acaba
machucando, aí eu vou lavar banheiro de rodoviária, certo, se eu não posso bater...
Participante: tem que mostrar este Estatuto, Conselho Tutelar, tem gente que tem uma visão
assim, o Conselho Tutelar se estiver trabalhando, mas não é assim o Conselho Tutelar, se a
criança apanha, sei lá, agora dela trabalhar o Conselho não vai prender o pai ou mãe
porque o filho está trabalhando, então tem uma imagem meio ruim do Conselho Tutelar.
Conselho tutelar prejudica os pais e apoia os filhos, mesmo assim esse negócio está sendo
mal explicado, mal interpretado, eu acho assim que tem...
Reflexões sobre a lei do castigo físico
A questão da restrição do castigo físico por parte dos pais, como recurso para
as práticas educativas, foi abordada pelos participantes que assinalaram dúvidas,
insegurança, medo e indignação, em relação à nova lei.
7º Encontro
Participante 1: (...) Então eu acredito naquele ditado, se você não der umas palmadinhas
hoje, amanhã é você quem apanha.
Participante 2: eu acho que está difícil, agora com essa questão das palmadinhas, não sei,
mas eu acho que tem hora que...
187
Participante 4: Só que eu acho assim, se precisou de uma palmadinha, uma palmadinha não
faz mal
Participante 7: Pai não pode bater nos filhos e quando os filhos batem nos pais como é que
fica?
Participante 8: Cada caso é um caso, nós somos em 7 irmãos, 3 apanharam bastante, 4
nunca precisaram levar uma palmada. Cada caso é um caso...
Participante 13: eu acho que a punição devia ser para os filhos não para os pais, já que a
gente não pode bater mais...
Participante: eu queria só complementar um pouquinho né, sobre a agressão física,
prá saber o que você acha enquanto psicóloga, porque isso tem que ser muito bem
estudado, porque isso tem mostrado dessa forma, porque assim, daqui uns 20 anos... 74%
dos pais que apanharam, daquia 20 anos são os filhos que vão estar batendo neles...
7.2.2 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação aos filhos
A percepção e a expectativa dos pais e responsáveis, em relação aos filhos,
focaram somente a fase do desenvolvimento na atualidade.
7.2.2.1 Fase do desenvolvimento
Ao falar da infância e da adolescência de hoje, os pais e responsáveis
enfatizaram indisciplina, falta de respeito, agressividade, hiperatividade e abuso do
uso do computador.
7º Encontro
Participante: Mas tem preguiça também só fica na frente do computador.
Participante 1: ... só que eu acho que as crianças de hoje estão muito indisciplinadas, com
os professores que a gente vê assim, sofrem muito. Lógico que não uma agressão física,
mas assim, (...) Hoje os adolescentes estão muito mal educados, hoje tem... o hiperativo,
hoje quase todas as crianças são hiperativas, porque hoje dentro de uma sala de aula. .
Participante 4: (...) E a gente vê adolescente de 13, 14 anos batendo no pai e na mãe...
188
7.2.3 Percepção e expectativa dos pais e responsáveis em relação à escola e
ao professor
Sobre a escola e o professor, os pais e responsáveis identificaram uma
mudança ocorrida no contexto escolar em relação à expectativa na atuação dos
professores e da escola.
7.2.3.1 Evolução histórica e social
Na evolução histórica e social, viu-sea diminuição de uma atividade que
promovia o desenvolvimento da atitude de respeito.
1º Encontro
Participante: Por que meio que aboliram o hino nacional? Porque antigamente tinha um
respeito tão grande, você chegava na escola já começava daí, do hino nacional e isso eu já
venho não só nessa escola mas de outras escolas, venho questionando isso e não se
resolve nada, e eu fico realmente muito triste, não só por mim,mas algumas pessoas que
me entendam também, que é um máximo né... Mas, eu fico preocupada realmente com
isso, porque já está o respeito ali, posição de sentido, vamos respeitar é um minutinho,
rapidinho, aí fala aí que demora não sei o que, não sei que... Poxa! É tão rápido, não é tão
demorado assim..
7.2.3.2 Atuação do professor e da escola
Ao identificarem em seus filhos comportamentos que diferem do
repertório cultural da família, a expectativa dos pais é que a escola providencie a
mudança de turma. Os pais também reconhecem a condição cuidadora e
orientadora do professor e esperam que ele, juntamente com aescola ofereçaensino
de qualidade.
1º Encontro
189
Pesquisadora: Mas gente, não é assim que a gente fala? Olha, começou ir para a escola,
começou a aprender o que não deve. Não é assim?
Participante: Quero que troca de turma...
Pesquisadora: Gente, professor é tão cobrado, é tanta exigência e tão pouco carinho e tão
pouco reconhecimento.
Participante: é uma mãe também...
3º Encontro
Pais: Qualidade de ensino.
Pais: Uma boa escola, bons professores .
7.3 Análise das falas dos professores, pedagogos e diretor do Programa de
Promoção de Saúde na Escola
Os professores, pedagogos e diretor apontaram percepções e expectativas
em relação à família, aos pais dos alunos, aos alunos, aos professores e à escola.
7.3.1 Percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em
relação à família e aos pais
Sobre a percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em
relação à família e aos paisforam ressaltadas questões relativas à: diferença cultural,
social e econômica, características dasconfigurações familiares na atualidade e
funções familiares.
7.3.1.1 Diferença cultural, social e econômica
190
Em relação à condição cultural, social e econômica das famílias e dos pais,os
professores ora identificaram, ora atribuíam valores a essas diferenças. A diferença
foi mencionada de três maneiras distintassem julgamento, com julgamentoe com
reflexão.
Sem julgamento
A diferença foi identificada sem qualquer juízo de valor, na fala abaixo:
Participante Z: a cultura deles, a crença ali da família, a mãe tá lá o pai tá lá, hoje eu vi que
eu fui conversar com o pai e com a mãe. Mas é a maneira de falar, não que está ofendendo
a gente...
Com julgamento
A diferença foi acompanhada de julgamento que envolve valores,
quandoidentificados pelos professores, sendo ressaltados níveis hierárquicos de
valores, níveis de adequação da atividade cuidadora e orientadora, níveis de
compreensão da performancedos filhos.
D- (...) outros vivem em outra realidade ...
Pesquisadora - Isso mesmo, a gente sabe por exemplo que “o estudo” é um valor, e que
também é transmitido pelas família, e tem famílias que valorizam outras coisas ...
D- Sim, ter as coisas ... levar a vida ... e estudar, fica aí sem valor...
D – ainda bem que você tá falando isso aqui e não pros pais...
Professora: Viu Nancy e também tem a conta de quando a pessoa simples, humilde
vai até os lugares ali elas não são bem tratadas, bem recebidas as coisas não se resolvem.
Sabe, fica assim: vem daqui atantos meses e não sei o que. Então a gente sente aqui na
escola se não tem o dedo de alguém aqui da escola, da gente aqui de estar telefonando,
marcando pressionando, não caminha. Não caminham, os coitados ficam patinando.
191
Reflexão
A reflexão que os professores fazem sobre as diferenças limita-se às
questões culturais e está pautada no respeito à diversidade cultural.
Participante I: (...) acho que tem tudo a vercom as famílias, com o que a gente vive, com o
que cada pessoa vive, só que a gente seesquece muito de toda essa carga cultural, dessa
história familiar.
Participante B: (...) a coisa da cultura que eu fiquei pensando assim, que na verdade
eu li, não sei aonde que eu li, que a gente não nasce humano, a gente se torna humano, e
aí eu falei a gente se torna humano dentro de uma cultura. Então, a carga dessa cultura que
ela vem trazendo é muito forte, né, e às vezes realmente a gente esquece, que a gente está
em contato com outro, que às vezes é o nosso aluno, especificamente aqui na situação e é
muito incrível como que...
7.3.1.2 Características das configurações dos núcleos familiares na atualidade
Os professores identificaram distintas características na composição e
organização das famílias naatualidade. Assinalaram características de famílias
intactas e de famílias em que houve separação entre os progenitores.
Famílias intactas
Das famílias intactas, os professores apontaram a jornada de trabalho de
ambos os pais, implicando: na limitação da dedicação aos filhos, na divisão do
trabalho doméstico e na dupla jornada de trabalho para as mulheres.
2º Encontro
192
Professor: Eu acho assim a questão hoje emergencial o pai e a mãe tem que pôr
comida na mesa então a prioridade dele acaba sendo o trabalho, para eles terem essa
condição de ter a comida na mesa.
4º Encontro
Professora: Os casais mais jovens já estão mais fáceis, eles já fazem essa divisão.
Professora Nadir: Só que hoje é diferente, a mulher sai para trabalhar.
Pesquisadora: É, hoje a mulher é responsável por dentro e por fora de casa, então tem que
haver a mesma mudança no papel.
Professora: É e às vezes, até o salário da mulher é maior do que o do homem.
Pesquisadora: É às vezes sim
Professora: É que àsvezes nós temos uma dupla jornada.
Professora1: Tem famílias que têm pai e mãe e uma relação violenta.
Famílias em que houve separação
O sofrimento das crianças durante o processo de separação eespecificidades
das famílias: monoparental, com avós no exercício da parentalidade, com pai e avós
no exercício da parentalidade e reconstituída foram as questões destacadas pelos
professores,nas famílias em que houve separação. Tais assinalamentos estão
ordenados abaixo.
11º Encontro
Professora1: Nancy, aí tem um agravante hoje que tem muitas famílias com pais separados
né?
Sofrimento
4º Encontro
Professora 3: É que quando chega ali, chega tão destruído né? Já passou por um monte de
situações lá em casa, da separação as crianças não sentem direito quando têm uma certa
idade ... sobre os pais. De uma maneira ou de outra, eles demonstram isso pra gente.
193
Família monoparental
2º Encontro
Participante Z: mas hoje os pais e mães que criam os filhos sozinhos né... é melhor do que o
casal hoje né, porque tem uma linguagem só...
Participante B: por que daí não dá o conflito, isso que eu to falando
Avós no exercício da parentalidade
2º Encontro
Participante I: você já pensou também a dificuldade que tem morando com os pais, os pais
já sofrem pra educar estas crianças, vão morar com as coitadinhas das avós que já, essas
avós não tem mais a energia...
Participante B: se fosse pra mulher velha ter filho, Deus tinha dado, minha sogra fala...ele dá
para as novas. Por quê? Para as novas aguentar o tranco.
Professora 3: aquele menino que veio para a 8ª série (...) morava com a minha avó, meu pai
mora em Arapongas e minha mãe mora em Apucarana e aí sobra para quem?
Pai e avós no exercício da parentalidade, tecendo críticas ao recasamento da mãe
4º Encontro
Professora 4: Eu sempre dizia que (...) quem virá para a escola buscar boletim já estava
chegando os avós, os bisavós, então tem avós muito novas.
Professora 4: Você perguntou da separação da mãe, do pai, aí veja bem né? Os pais não
se dão bem, separa então a mãe lógico vai viver uma vida do jeito que ela quer e tal,
arrumou namorado e tal casou, tem outra filhinha o pai por outro lado tem namorada, não
estácasado, mas tem namorada, ele vive uma vida de solteiro aí ele não quis ficar com a
mãe, ele quis voltar com o pai e quem é que cuida? A avó.
Professora 3: Aí eu pergunto para ele e ele diz :ah eu não lembro dela , foi há 4 anos, que o
meu pai se separou, mas é claro que lembra né? Por que é que ele quis vir morar com o pai
e agora não quer nem ouvir falar de voltar com a mãe?
194
7.3.1.3 Funções familiares
Os professores fazem uma apreciação das funções familiares, considerando
um modelo ideal próximo àquilo que observam nas suas próprias famílias e distante
do que observam nas famílias dos alunos.
Família dos alunos
O que marca a visão dos professores em relação às famílias dos alunos é a
crítica. Sobre a forma como os pais dos alunos desempenham as práticas
educativas e cuidadoras os professores ressaltam: negligência no acompanhamento
escolar, negligência no monitoramento, desempenho de comportamentos que se
constituem num modelo disfuncional, falta de interesse e incentivo para com os
filhos, ausência de percepção às capacidades dos filhos, delegação dos cuidados a
terceiros, substituição de carinho e atenção por bens materiais e imaturidade para
educar.
Negligência no acompanhamento escolar
2º Encontro
Diretora: Aí N. quando chega a época de boletim vem aquele monte, mas aí já aconteceu
tanta coisa que poderia ter sido evitada em um encontro desse...
Negligência no monitoramento
4º Encontro
Professora N: (...) Que coisa estranha ele falou, a mãe não deixa ele jogar porque ele não
sei o que, mais deixa ficar no clube até altas horas, até de madrugada, deixa ficar na praça
ou em outro lugar, então eu acho que assim que tem que proteger, eu sou a favor de dar a
195
liberdade, a pessoa tem que ter a individualidade dela ela tem que saber sobre o eu dela,
mas tem que ter uma certa vigilância
Desempenho de comportamentos que se constituem num modelo disfuncional
4º Encontro
Professora Nadir: É uma verdade a gente fala muito dos jovens hoje, ah porque os jovens
não sei o que, mais gente vamos deixar os jovens e analisar os adultos os velhos que vivem
nos bares, que ficam por aqui
Professora: que levam esse exemplo para a casa.
Professora: nós temos isso aqui Nadir, mãe que é drogada.
Professora N: muitos, agora aqui na 5ª E mesmo, as mães são traficantes, aí como ela vai
se espelhar?
Professora: Pegaram ela e fizeram ela tirar a roupa, que vergonha ai que dó.
Professora: Isso aínunca mais vai sair da mente da pessoa.
Professora: Vai ficar marcado, eu falei que você vai ser uma pessoa diferente, uma pessoa
do bem, uma menina de Deus.
Falta de interesse e incentivo para com os filhos
8º Encontro
Pesquisadora: Então é uma espécie de técnica, que eu vou apresentar pra vocês hoje, e os
pais estão bem interessados nisso ...
Professor – Os pais? Ah não sei não ...
D- mas está difícil prender a atenção deles ...daqueles que têm mais problemas ...
principalmente porque muitas vezes não tem incentivo, têm pais que não se interessam ...
nem sabem nem querem saber ...
Ausência de percepção às capacidades dos filhos
8º Encontro
196
Professora D - Isso mesmo. A gente aqui percebe coisas nas crianças que muitas vezes os
pais não percebem, que eles subjulgama capacidade dos filhos...
Delegação dos cuidados a terceiros
11º Encontro
Professora3: Nancy só um pouquinho. Já foram citados“n”motivos que podem levar a mãe
ou o pai a falhar, a deixar de desempenhar esse papel em relação aos filhos, mas ah eu
vejo sim também pessoas que são acomodadas. O que levou a essa acomodação? O
histórico de vida, a formação, sei lá, mas têm aqueles que preferem deixar para o outro
cuidar mesmo! (...)eu conheço uma pessoa assim que não precisa trabalhar fora, que pode
estar ali todo dia, abriu mão de cuidar dos filhos e deu para uma outra pessoa cuidar que
não é o pai da criança, acolheu como pai da criança, mas não é pai da criança.
Substituição de carinho e atenção por bens materiais
11º Encontro
Professora1: Mas também, Nancy, a questão do ter está muito assim né, aflorado e as mães
acham assim que dar, eu vejo assim menos de 5 anos fazendo reflexos no cabelo e mais
não sei o que as mães estão muito preocupadas em dar este tipo de coisas achando que
isso é o caminho.
Professora2: Eu também vi isso, não a minha família porque eu nem era (...) é muito ter é
muito dar até porque tem que comprar a sandália tem que ser lilás o negócio do cabelo tem
que combinar, a roupa tem que combinar tem que ir no salão fazer escovas e fazer reflexo e
não sei o que, é dar, dar, dar, dar. Gente!
Professor: Isso é relativo, porque muitas vezes esse dar é para substituir.
Imaturidade para educar
11º Encontro
197
Professora: É que hoje as mães são mães muito cedo, elas não têm um amadurecimento
(...) e não tem para ela ali é uma coisa e ela vai levando, não teve esse amadurecimento de
dar uma educação de dar um respeitar as pessoas.
Família dos professores
Contrapondo-se às observações que fizeram sobre as atitudes dos pais e
responsáveis pelos alunos, ao se referirem ao próprio desempenho como pais, os
professores apontaram adequação e eficácia no estabelecimento e monitoramento
de limites aos filhos e amigos desses e nas ações educativas, práticas de cuidado,
atenção e orientação. Apesar de ressaltarem suas competências nas práticas
educativas, os professores também reconheceram suas dúvidas, questionamentos e
inseguranças para exercer as funções da parentalidade.
Estabelecimento e monitoramento de limites aos filhos e amigos desses
2º Encontro
Participante Z: aí você vai podando, sabendo que ele está metido com isso aí, você vai
podar. Não vai?
Participante X: Então você está podando ele, assim né, cuidando, prá não ir, prá não vazar
pelos dedos né...
Participante Z: escapou, tchau.
2º Encontro
Participante I: sábado tinha um menininho lá na minha casa da 5ª série e o meu tá na 6ª, aí
ele dizia vou ficar por aqui mesmo, se convidando pra almoçar, não tá joia daqui uns
minutinhos o almoço tá pronto, mas você pega o telefone e liga pra sua vó, que ele está com
a vó e avisa que você está na casa do Junior e vai almoçaraqui, porque tua vó já deve ter te
procurado por todos os lugares. Ah não minha vó nem liga. Mas você estando aqui na minha
casa você vai ligar, daí ele ligou e eu fiquei assim na espreita, a mãe do Danieli falou pra eu
almoçar aqui, eu falei pera aí, peguei o telefone e falei ó vó eles estavam brincando aqui e
198
ele vai ficar pra almoçar e eu pedi pra ele ligar pra avisar a não tá bom, que bom que você
avisou porque eu já tinha ligado na casa do fulano, do ciclano não sei quem pruprupru...eu
falei pra ele isso, por isso que eu pedi pra ele ligar, porque se o meu tá fora de casa na hora
da comida eu já fico preocupada né, sai não volta e daí..
Ações educativas, práticas de cuidado, atenção e orientação
11º Encontro
(...) Eu vou conversando, eu vou ensinando e vou deixando fazer, eu estou ensinando, eu
penso que naquele momento, eu estou dando carinho eu dando amor. Por quê? Porque eu
estou ali com ela, estou ensinando, estou acrescentando de uma forma ou de outra, eu não
sou aquela tia que fica ali... mas eu estou ali ensinando e assim com outros sobrinhos (...) É
então eu penso que dar amor não é só abraçar e beijar, dar amor é você atender ao filho,
um exemplo bobo, ontem passou uma mulher vendendo sonho e meu filho gosta de sonho,
eu comprei o sonho e esqueci e não levei para casa na sacola sai fui ao cemitério e tal e de
lá liguei para o meu filho, filho abre aquela sacola que lá tem sonho que eu comprei pra você
ele falou oh mãe obrigada, e nisso eu acho que não tem um carinho? Não tem uma
preocupação, eu tenho isso comigo, tenho eu vejo a C. como mãe, a I., eu vejo a C. como
mãezona parece que ela é mãezona. A preocupação que ela tem com as filhas sabe, é
muito grande essa preocupação com as filhas.
Professora2: A I. (diretora) tem uns filhos que pelo amor de Deus e ela tem tempo? Não
tem, mas a qualidade da dedicação daquilo que ela faz realmente é qualidade.
Dúvidas, questionamentos e inseguranças a exercerem as funções da parentalidade
2º Encontro
Participante I: pode ser até invasão de privacidade, mas eu falei pro meu marido coloca
aquele sisteminha de registro de conversa, não sei se eu estou certo ou se eu estou errado,
mas a hora que ele não está lá eu entro pra ver o registro de conversas, ele sabe que tem o
registro lá, aí eu entro, ele sabe que tem o registro lá... aí eu entro e leio tudo.
Participante I: por isso que eu falo: Deus sabe o que faz, meu Deus e você não sabe, que eu
perdi o meu sábado, perdi não, gastei o meu sábado inteiro lendo aquilo lá e decifrar aquela
história, eu quero ficar por dentro, eu to perita já em decifrar aquele negócio lá...
199
4º Encontro
Professora: Como será que adolescente vê assim, porque eu fico assim numa marcação
cerrada quando tem um amigo eu pergunto quem é? Ele diz já vai levantar a ficha dele
mãe? Eu falo com certeza, eu vou levantar a ficha dele, e eu fico assim como será que eles
veem isso?
Professora: Será que juntou muitos valores?
Professora: Eu acredito eu sei lá eu acho que uma grande possibilidade.
8º Encontro
Pesquisadora - Isso, aquele tênis comunica pra todo mundo que ele pertence ao grupo Emo.
E isso, a gente já sabe que na adolescência é muito normal, porque eles estão naquela fase
de formar a identidade mais adulta, e vão acrescentando novas identidades aquela
identidade infantil. Isso é a tarefa da adolescência, eles mantêm, às vezes encobertos,
aqueles valores da família, vão experimentando novos valores, novos gostos, aquele dos
grupos, e depois fazem uma síntese, uma peneirada de acordo com cada um. Não é
pessoal, isso passa ...
Professora G - Passa mesmo.
Professora G – Nossa, eu quero crer que sim, às vezes parece que vai ser prásempre.
Professora G - Não ... pode ficar sossegada que isso passa sim ...
Professora G –Nossa, lá em casa quase fiquei maluca nessa fase.
Modelo ideal
Para o exercício das práticas educativas na família, os professores apontaram
características de um modelo ideal que se diferencia do que ocorre nas famílias dos
alunos e se aproxima do que se passa nas suas próprias famílias.
Nesse modelo, os cônjuges usam a mesma linguagem para educar os filhos,
pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade, o afeto sustenta as
práticas educativas, os pais apropriam-se da posição de autoridade, há
disponibilidade de tempo dos pais para manter a função reparadora do sofrimento do
filho, diante da frustração por um limite estabelecido e as intervenções, para
mudança na família, são realizadas a partir de um nível macrossocial.
200
Pais estabelecem a educação dos filhos como prioridade
11º Encontro
Professor: Eu acho assim, a questão hoje emergencial o pai e a mãe têm que pôrcomida na
mesa então a prioridade dele acaba sendo o trabalho, para eles terem essa condição de ter
a comida na mesa. Agora o que as senhoras falaram é bem a verdade, mas isso não exime
a família, o pai e a mãe de dar a educação necessária.
Professor: Por que é, eu acho que mesmo ele trabalhando fora,a questão do tempo,
a questão do tempo mais com um valor precioso que ele pode estar ali educando com o filho
(...).
Mesma linguagem
1º Encontro
Participante V: tem que ser a mesma linguagem, porque senão...
Participante B: por que daí não dá o conflito, isso que eu tô falando.
Afeto sustentando as práticas educativas
11º Encontro
Professora: Não,o que tem que mudar é a relação familiar de amor,né? Não é porque eu fico
o dia todo fora de casa que agora se for dar tapinha né? Porque antigamente a mãe tinha...
Eu posso ficar o dia inteiro dentro de casa se não quiser ser mãe, eu não vou dar a atenção
para os meus filhos, se não tiver essa relação de amor ,de compromisso posso ficar o dia
inteiro lá ... com os filhos.
Pais apropriam-se da posição de autoridade
11º Encontro
201
Professora 2: (...) Quando o pai trata a criança de 5 anos... A criança não está ouvindo mais.
A mãe também vive falando alto, não sei o que. Não para para falar: Agora eu estou falando,
você vai ter que ouvir. Sabe, essas coisas assim.
Manutenção da função reparadora e intervenções para mudança na família são
realizadas a partir de um nível macrossocial
11º Encontro
Professores: (não dá para entender o que dizem)... que hoje o pai pode,a mãe bate e sai
para o trabalho, antigamente não, tinha essa questão reparadora então eu acho que a gente
entra numa questão lá da semente da violência que é o sistema sócio- político e econômico
e muitas vezes nós acabamos tendo medidas paliativas. Nós estamos mexendo com as
folhas, mas a raiz do problema ...
7.3.2 Percepção e expectativa dos professores, pedagogos e diretor em
relação aos alunos
Evidenciaram-se, nas falas dos professores, em relação aos alunos, aspectos
das diferenças culturais entre eles e especificidades da fase de
desenvolvimento em que os alunos se encontram.
7.3.2.1 Diferença cultural
No discurso dos professores, não somente há o reconhecimentoda diferença
cultural entre eles e os alunos, como também ações que propiciam que a turma
reconheça e integre essa diferença, que se refere, em especial, à linguagem.
202
2º Encontro – Professores
Participante B: e eu achei muito engraçado que o menino estes dias... ele falou né, que a
gente considera palavrão, mas ele falou de uma forma tão normal prá ele, porque ele está
acostumado falar e ele falou pra mim, mas não falou prá me ofender e o outro menino falou:
professora, como que você aceita que ele fala isso? Eu falei, mas ele falou esta palavra?
Que eu já falei prá vocês que eu não gosto que fala palavrão na minha aula, mas ele falou,
me elogiando, aí o menino riu e falou: e é mesmo... Porque eu falei, eu não sei o que ele
falou, que depois ele disse: mas você é foda né professora?!Entendeu?! mas aquele você é
foda ele não estava me... ele estava me elogiando, e daí eu falei pro menino, eu entendi,
mas você não gostou da palavra, mas ele não está me ofendendo e aí eles ficaram meio
assim; como é que pode falar isso para a professora e a professora não dar bronca né...
mas, na hora eu entendi porque é o palavreado também deles, se eu pegar e falar: ó menino
você falou isso pra mim!aí o que, que vai virar? Eu não, eu entendi...
Participante V: Aívai pra coordenação, não vai adiantar nada. Aí eu falei, não... Entendi,
você não gostou da palavra, também não gosto, mas na verdade foi o jeito que ele fez prá
me elogiar. E aí ele deu risada,
Participante Z: e já aconteceu isso comigo, ele falou um palavrão, não sei se deve ser
tratado como um palavrão né..
Participante Z: outra palavra é caraio, não sei o que lá que eles falam, não sei o que lá,
caraio... Mas nada entende que tá ofendendo e não é.
Participante B: ah, então você entende da cultura deles...
Participante B: é a cultura de onde ele saiu.
Participante X: a liberdade dele poder falar.
Participante B: mas sabe, eu falei um negócio e ele entendeu o que eu falei e teve uns que
não entenderam, então prá mim muito mais interessa o que ele entendeu, o contexto do que
eu estava falando quando o aluno diz: você é foda, porque ele entendeu o que eu falei.
7.3.2.2 Fase do desenvolvimento
No que diz respeito à fase do desenvolvimento dos alunos, os professores
enfatizaram a adolescência e destacaram os seguintes aspectos:intensificação do
convívio com o grupo de iguais, manutenção da lealdade ao grupo, diferenciação do
grupo familiar, assimilação de valores,pseudoautonomia, vulnerabilidade à droga e
álcool, angústia própria da adolescência.
203
Intensificação do convívio com o grupo de iguais
Professora N.: Eu vejo os alunos daqui da 5ª série eles fazem churrasquinho com um quilo
de carne. Mas tem que fazer o churrasquinho, mas tem que unir, tem que estar junto.
Manutenção da lealdade ao grupo
Professores: E é uma fase que eles querem satisfazer o meio que ele está do que satisfazer
a mãe.
Professora D - é porque eles têmque fazer igual, eles acham que precisam fazer de tudo
igual, não tem individualidade. A gente vê coisas terríveis, aqueles “pearcis” mesmo que
esteja infeccionado, eles tá lá, a gente conversa, mostra que está fazendo mal, esta
infeccionado, ele até tiram um dia, mas amanhã está ali de novo.
Professora G - Como eles não têm individualidade? Têm que cumprir o quemanda a turma.
11º Encontro
Professora 1: Mas a gente tem sentido uma contaminação, o quietinho, o nerd, como eles
falam, o cdf, ele acaba fazendo isso, usando esse tipo de linguagem, né, de defesa para se
defender
Professora 3: Eu acredito que não tenha na família, mas de tanto, ele acaba levando ele
acaba aprendendo.
Diferenciação do grupo familiar
2º Encontro
Participante X: Nancy, mas esta permeabilidade deles é bem difícil de penetrar né. Não é?
Participante B: aí eu fico assim tentando ficar só como professora, mas eu tenho um de
catorze anos né, meu Deus, mas não tem jeito né...
Professora: Não tem uma toalha na mesa.
204
4º Encontro
Professores: E é uma fase que eles querem satisfazer o meio que ele está do que satisfazer
a mãe.
Assimilação de valores
2º Encontro
Participante B: (...) eles pegam isso tão facilmente e porque que eles não pegam aquilo que
a gente quer ensinar; matemática, português. Porque não aprende aritmética...
Participante V: é o filtro que eles vão fazendo...
Participante B: e depois que eles vão dar uma peneirada ..., e daí que eles vão seguir...
Participante B: toda hora na propaganda passa aquilo lá ... e aí eles brincam, daí ah você é
bichinha igual ao Serginho daí eles já levam para o outro lado, né. (...) prá ver que é
adolescente que está sugando toda estas coisas...
Participante B: eu acho que essa fase de adolescência, me corrige se eu estiver errada, até
uns 18, 17 anos, mais cedo eu acho que eles estão assim absorvendo, só absorvendo, da
sociedade, da família, da igreja, do pai, da mãe, da escola, só aqui, só sugando...
Pseudoautonomia
2º Encontro
Participante I: ele quis dormir lá, eu falei assim, se você não ligar prá sua vó, você não vai
dormir aqui, porque eu não vou deixar, como que você vai ligar, você vai dormir fora de casa
com 11 anos e tua vó vai ficar lá apavorada, a mesma história, a minha vó não liga, eu falei
liga sim, falei vamos lá, mas de jeito nenhum, não vai dormir fora de casa porque ele está de
castigo, nem era pra ele ter saído de casa não sei o que e já pruprupru... e abre o
portão...então, é outra sabe, outra cabecinha, isso com 11 anos imagina quando tiver com
14.
Participante: então, é outra cultura, é outra coisa, e a cabecinha deles acha que...
Participante I: é outra cultura, porque ele demonstrou que a vó não estava preocupada...
Participante I: mas a vó estava preocupada, ele quis mostrar que ele não tinha problema...
205
Vulnerabilidade à droga e álcool
2º Encontro
Participante: essas coisas que ele tá fazendo, são coisas de adolescente, próprio da idade
deles, ele não está partindo para um lado mais preocupante, agora se ele tivesse partindo
pra um lado mais preocupante de droga né...
4º Encontro
Professora Nadir: Eles não comem, não têm comida, eles só bebem.
Professora: Eles fazem uma festinha, a preocupação deles é quanto cada um vai levar.
Professora: Eles querem saber quem bebe mais.
Angústia própria da adolescência
2º Encontro
Participante B: é, mas eu acho que é um momento de muita angústia para o adolescente
também...
Participante B: ele sofre...
Participante V: não sabe se põeboné, ou se tira boné...
7.3.3 Percepção e expectativa dos professores em relação à escola e ao
professor
Naquilo que compete à escola e aos professores, os participantes ressaltaram
aspectos da interação que estabelecem com os alunos e seus pais e responsáveis.
7.3.3.1 Interação com os pais e responsáveis dos alunos
206
Nainteração dos professores com os pais e responsáveis, cabe aos
professores, conforme suas percepções e expectativas: providenciar a ida dos pais à
escola, refletir e apreciar aatitude dos pais e apoiar a família,na busca de serviço
público de assistência ao aluno.
Providenciar a ida dos pais à escola
Cabe aos professores chamar os pais na escola, para informar sobre o
comportamento do aluno e para orientar. Quando os pais não se mostram
disponíveis, também é função do professor pressioná-los para comparecer.
4º Encontro
Professora N.: ... a mãe foi chamada lá em maio no dia 20 de maio e disse que não poderia
dia 20 que poderia vir dia 24 de maio, tudo bem eu coloquei lá: mãe disse que só pode vir
no dia 24 de maio. Chegou no dia 24 de maio passou, quando foi ontem, segunda- feira, a
mãe não apareceu na escola e as professoras já haviam falado só entra se for com a
presença da mãe, a mãe não apareceu. Aí eu liguei e disse: olha, seu filho está aqui e só irá
entrar com sua presença. Eu vou te levar para o núcleo, fica enchendo o saco, e não sei o
que, não sei o que, a Marli falou leva. Mais ela veio, ela veio, foi até a sala para conversar
com outros professores, disse que puxou o menino, e disse eu vou para o núcleo
queencheção de saco, eu tenho que trabalhar e eu tenho que ficar aqui, e entrou na
coordenação e alguém chegou e falou para mim: Nadir ela falou que vai para o núcleo eu
disse pode deixar. Ficamos conversando, e eu falei: Você não está contente com a escola?
Você acha que nós perturbamos demais? Que você precisa ir trabalhar,que você não tem
tempo? Eu falei leva para outra escola eu falei. Você é livre, pode levar, você falou
agorapouco que vai para o núcleo e você vai para o núcleo reclamar o quê? Que nós
estamos te perturbando? Que estamos exigindo a sua presença aqui na escola para você
cuidar do seu filho? Faça isso, porque eu também vou para a promotora e vou falar que
você não quer cuidar do seu filho. Eu falei vai para o núcleo e vou para o promotor e vou
dizer que você não está tendo tempo e espaço para cuidar do seu filho, na hora ela
aquietou, ficou boazinha. É como você falou, aqui tem regras, ele não vem aqui para brincar,
vem para estudar então vamos colocar as coisas no lugar.
Professora: Mas ela vai ficar mais atenta não vai?
207
Professora: Depois da conversa ela vai ficar mais atenta, de vez em quando fica sabendo, o
que está se passando, porque a gente passa também entendimento também para os pais.
Professora: E ela vai lembrar sempre né, quando tiver que chamar a atenção do filho, olha
eu fui lá outro dia e passei vergonha, agora nós vamos ter que conversar aqui em casa para
resolver essa questão da escola.
Refletir e apreciar as atitudes dos pais
Quando o professor se depara com uma percepção do filho, distinta da que os
professores têm dele comoaluno, há um questionamento, a respeito da veracidade da
informação dos pais.
11º Encontro
Professora: Nancy, nós temos conversado com os pais sobre essa questão do rolo e
da conversa entre eles se atacando, e a gente tem ouvido muito assim, todos os pais que eu
tenho conversado falar assim: Ah,masem casa ele, a gente não permite que ele fale
palavrão, que ele ofenda, que ele briga com o irmão. Em casa não é assim então eu tô
sentindo contaminação talvez ele seja, talvez ele até não tenha, talvez a mãe tenha falado
que não tem.
Professora 2: Mentira dos pais.
Apoiar a família na busca de serviço público de assistência ao aluno
Cabe à escola intervir junto aos órgãosque oferecem serviços públicos, a fim
de garantir que o aluno receba assistência necessária.
11º Encontro
Professora: Viu Nancy e também tem a conta de quando a pessoa simples, humilde
vai até os lugares, ali elas não são bem tratadas, bem recebidas, as coisas não se resolvem.
208
Sabe, fica assim: vem daqui há tantos meses e não sei o que. Então a gente sente aqui na
escola se não tem o dedo de alguém aqui da escola, da gente aqui de estar telefonando,
marcando pressionando, não caminha. Não caminham, os coitados ficam patinando.
7.3.3.2 Interação com os alunos
Os professores identificaram aspectos que limitam e que promovem a
interação entre eles e os alunos. Essa interação ocorre em função da
observaçãoque fazem dos comportamentos dos alunos, da apreciação desses
comportamentos, da identificação dos sentimentos gerados, a partir dessa
observação e/ou apreciaçãoda estratégia adotada para interagir.
Aspectos promotores da interação
Dentre os aspectos que promovem uma boa interação é importante, segundo
os professores: perceber as peculiaridades do adolescente, preservar o bem-estar
do aluno, ouvir, orientar e acessar recursos diferentes dos medicamentosos, para
solucionar os problemas que constituem a queixa escolar.
Perceber as peculiaridades do adolescente
2º Encontro
Participante B: (...) Então a gente tem que ter uma flexibilidade assim, pra ver que é
adolescente que está sugando todas estas coisas...
Participante V: Eu acho que a gente não pode perder aquilo que a gente adquiriu lá no
passado, trazendo para o presente, mas também não deixando que estas crianças...
entendendo estas crianças. Que a gente tem que entender eles, mas até chegar nesse
entendimento, já passa por vários setores, já foi na sala, aí já foi para o corredor, já foi com
o amiguinho que agrediu, aí veio pra coordenação, aí foi com pedagogo não adiantou, aí já
vem na sala do diretor (...) tem uns que é demais, que é estranho.
209
Participante I: aí quando chega lá chora.
Cuidar do bem-estar do aluno
4º Encontro
Professora N: Eu acho que hoje em dia, Nancy você esta precisando fazer um cuidado,
porque olha tem tanta coisa ai, nós até fizemos na escola para os professores não
mandarem trabalhos em equipe para fazer fora da escola por quê? Nós temos muitos alunos
do sítio aí eles ficam aqui na cidade, nós da escola não temos condições de ficar vendo se
realmente eles estão aqui na escola, às vezes eles saem da escola para fazer alguma coisa
errada, eles ficam desprotegidos, então para evitar é bom que não dê trabalho. Os
professores já estão sabendo, se faz trabalho faz na sala
Professora: Porque geralmente é contra turno, e temos outros alunos para cuidar e como a
gente vai descuidar dos outros?
Professora: Mas a gente, nós estamos aqui para poder ajudar, uma coisa ajuda a outra e a
escola só faz isso só.
Professora Nadir: Eu falo mesmo a gente cuida muito das crianças, mais cuida mesmo.
Ouvir e orientar
Pesquisadora – (...) vejo como vocês valorizam o ouvir ...
Grupo 1 – É, eu valorizo muito, ...converso bastante com os alunos, tem uma aluna que tem
bastante dificuldade, estou com ela há muito tempo, e sempre ela bate papo comigo, sei que
está passando por muitos problemas ... e que não dá pra ajudar muito ... mas eu escuto o
que ela fala ... às vezes dou um conselho, uma orientação ... sei que isso ajudou no final das
contas, pois ela conseguiu se organizar melhor em tudo ...
Professora: (...) eu falei pense que você vai ser uma pessoa diferente, uma pessoa do bem,
uma menina de Deus
210
Acessar recursos diferentes dos medicamentosos para solucionar os problemas que
constituem a queixa escolar
12º Encontro
Professora: É assim, digamos que seja simples, que, às vezes, a pessoa acha que dá para
resolver de um jeito, mas que observando detalhes e tal o resultado pode ser positivo,
existem outros tratamentos que têm outros recursos que não só os medicamentos.
Esse posicionamento dos professores apareceu no último encontro,
após apresentação da resolução dada aoscasos, quando desenvolvida a pesquisa
de mestrado (BERGAMI, 1998).
Aspectos limitantes da interação
Os aspectos limitantes são marcados pela observação dos comportamentos
displicentes dos alunos, pela apreciação de que esses comportamentos
desqualificam a relação ou o conteúdo da comunicação com professores, pelos
sentimentos gerados nos professores a partir dessa apreciaçãoe pelas estratégias
adotadas pelos professores na interação.
Comportamentos displicentes dos alunos
8º Encontro
Grupo - Ah então temos vivido com um monte de ruídos (risos).
Grupo - Isso é o que não falta ...
Grupo - A gente, àsvezes, não consegue nem falar...
211
Apreciação do comportamento do aluno – desqualificação da relação ou do
conteúdo
8º Encontro
Pesquisadora: Então vocês ao me ouvirem estão recebendo isso de uma certa maneira. Ou
ainda, quando vocês estão lá, falando com os alunos, está implícita uma relação de poder.
Professora G – Pelo menos deveria estar, né? O que a gente percebeé que eles não têm
isso muito claro, não dão importância ...
Grupo 1 - É bem assim mesmo, a gente se sente super mal, quando estamos explicando
um conteúdo e os alunos ficam conversando, pedindo prá sair,práir no banheiro, parece que
eles não precisam saber daquilo que a gente tá ensinando.
Grupo2 – é, parece que tem que pedir por favorprá ser ouvido, e a gente ta ali, ensinando ....
Grupo 3 - parece que só é importante prá nós, prá eles é completamente
descartável....que estão ali obrigados ...
D- E não por vontade própria, muitas vezes a gente tem que convencê-los de que é
importante estudar, falar que não vão ter chances na vida sem o mínimo de estudo....e que
aqui é apenas o básico ... claro que não são todos ... mas têm alguns que são assim mesmo
... não estão nem aí ... pode falar o que quiser...
11º Encontro
Professora: Nancy, por exemplo, como trabalhar com uma criança que estáacostumada na
linguagem violenta né? Você entra na sala de aula boa tarde, numa boa, ninguém te ouve,
ninguém responde, ninguém te vê, como a gente pode estar trabalhando com essas
crianças para elas se acostumar a isso
Sentimento
Grupo 9 –Nossa, me sentia um nada, quando eu tentava falar e não prestava atenção ...É
como a gente se sente em sala de aula em alguns momentos ...
Pesquisadora - Isso mesmo ...
D- mas está difícil prender a atenção deles ...daqueles que têm mais problemas (...)
212
Pesquisadora - Então, bem eu queria pedir desculpas por colocar vocês diante de uma
situação que causou tanto mal-estar ...
Grupo - Imagina ...
Grupo - Não, não ... não tem problema, a gente passa isso todo dia quase ...
Estratégia
Professora G - Eu, por exemplo, se a classe esta bagunçando, falando alto, eu paro na
porta, fico olhando, e enquanto não for todo mundo pro lugar, ...enquanto não tiver silêncio
eu não entro na sala ... e todo mundo fica quieto ...
Grupo 4 – Mas, enquanto eles não ficam quietos eu não falo, tem uns que até ficam
com a cabeça longe... tá na cara, se a gente pergunta algo, responde: o quê? Mas pelo
menos não atrapalha ...
213
8 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme descrito no método, apresentaremos os resultados da análise do
primeiro e último questionário sobre o teste situacional aplicado aos pais e
professores antes e depois do Programa de Promoção de Saúde, na seguinte
ordem: concomitantemente pais antes/depois e da mesma forma professores
antes/depois. Apontaremos se houve ou não mudança na percepção de pais e/ou
responsáveis e professores após o desenvolvimento do programa a respeito de:
percepção dos problemas do aluno no contexto escolar, expectativa em relação ao
procedimento do sistema escolar e do sistema familiar na resolução do problema,
crenças e valores que permeiam essas expectativas e quem está envolvido nesse
fazer e como deve ser feito.
Cabe esclarecer que a interpretação dos resultados foi orientada pela visão
sistêmica novo-paradigmática que, segundo Vasconcellos (2006, p. 84), abrange: “o
paradigma da complexidade do universo, em todos os níveis; o paradigma da
instabilidade ou da auto-organização dos sistemas; o paradigma do construtivismo,
ou da construção subjetiva da realidade”. Essa posição impossibilita que o
cientista/profissional assuma apenas uma das dimensões.
As categorias apresentadas anteriormente nas tabelas 2,3,4 e 5 no capítulo
de método serão a seguir descritas e exemplificadas com as respostas dos
questionários, assim como serão apresentadas as discussões teóricas.
8.1 Análise das respostas dos questionários dos pais ou responsáveis
Entre as respostas dos pais ou responsáveis foram levantadas as seguintes
categorias: percepção do problema; expectativa dos pais e responsáveis em relação
aos procedimentos do sistema familiar; expectativa dos pais e responsáveis em
relação aos procedimentos do sistema escolar.
214
8.1.1 Percepção do problema
Essa categoria apresenta a definição de problema dada pelos pais e
responsáveis. A maneira particular de cada indivíduo interpretar a realidade,
estabelecer julgamentos e realizar apreciações sobre os distintos acontecimentos
que ocorrem em seu dia a dia está relacionada a inúmeros fatores que, articulados,
apontam a complexidade do ato de identificar um problema. Ao questionar os pais e
responsáveis participantes da pesquisa, sobre qual é o problema e onde ele está
localizado, obtivemos respostas que trazem consigo as crenças, a maneira rotineira
de apreciar as situações e focar elementos distintos da constituição do problema,
conforme descrito a seguir.
8.1.1.1 Família
A família foi um dos elementos apontados pelos participantes como
responsável pelo aparecimento e manutenção do problema nos dois momentos em
que foram aplicados os questionários, ou seja, antes e depois da intervenção,
apontando assim que não houve mudança na maneira de perceber a relação entre a
família e o problema.
Essa percepção dos pais está relacionada ao não cumprimento por parte da
família do que está proposto na Constituição Federal, de 1988, no Estatuto da
Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional a
respeito da responsabilidade da família com relação à proteção e desenvolvimento
de crianças e adolescentes. Assim prescreve a lei:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
215
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1998).
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1998).
Também assinala a oposição da família às normas apregoadas pelos
higienistas que desde a implantação do Estado moderno industrial pretendiam
adequar as funções da família às necessidades do Estado, propondo a
reorganização da família com a centralização no cuidado e educação para os filhos,
conforme menciona Costa (1999).
A família, ao não cumprir essas deliberações e normas, é chamada pelos
participantes de desestruturada. Cumpre esclarecer que a definição de estrutura
familiar cunhada por Minuchin (1990, p. 57) como “o conjunto invisível de exigências
funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”,
por vezes é distorcida ganhando apenas o significado de adequação/inadequação
ao cumprimento às normas higienistas. A ideia de “família desestruturada”, tão
assinalada pelos profissionais envolvidos com a educação, assistência social e
saúde como uma forma inespecífica de justificar o problema, também foi citada
pelos pais.
(Antes) 1: “O problema está localizado na sua própria família.
(Antes) 3: “e em casa”.
(Antes) 6: “... pode ter algum problema familiar”.
(Antes) 7: “Na criança e na família”.
(Antes) 8: “(...) na casa dele (...)”.
(Depois) 3: (...) muitas vezes dentro da própria família”.
(Depois) 4: “Muitas vezes dentro da família”.
(Depois) 5: “Na família”, “desestrutura familiar”.
(Depois) 6: “A família desequilibrada”.
(Depois) 8: “Na família”.
216
(Depois) 10: “A principio a criança pode ter um problema familiar”.
(Depois) 14: “Pode ser que na família há um problema emocional onde está desestruturado
o pilar que seria os pais (...)”.
(Depois) 15: “Tem que ser investigado (...) pode ser (...) no meio familiar”.
(Depois) 15: “Na família”.
(Depois) 16: “Pode estar na família”.
A interação familiar, a forma de educar os filhos, os vínculos afetivos, as
condições socioeconômicas e a genética sustentam a ideia da influência familiar no
problema escolar apresentado pelo aluno. As respostas foram classificadas em
cinco grupos, conforme apresentados a seguir:
Interação familiar
A falta de diálogo, o tratamento agressivo entre os membros da família, o
tempo escasso de contato com os pais e responsáveis em função do excesso de
atividades destes foram os aspectos apontados:
(Antes) 1 “O problema está localizado na sua própria família, talvez um diálogo (...)”.
(Antes) 1 “O problema é a falta de diálogo...”
(Antes) 4: “O problema é a falta de conversar com o filho, poucos pais procuram saber o que
está acontecendo com seu filho. Na família”.
(Depois) 6: “Falta de dialogo em casa com a família”.
(Depois) 7: “(...) falta de dialogo com a família”.
(Depois) 9: “ (...) por falta de diálogo entre pais e filho”.
(Depois) 3: “Dentro de casa (...) Se ouver agressividade entre os pais”.
(Depois) 11: "(...) ele traz a agressividade de fatos de sua família, como o pai e a mãe fazem
em sua casa, e com isso ele tem que ser agressivo na escola”.
(Depois) 12: “(...) esses problemas já vem de casa. Os pais brigam perto dos filhos, se
agridem fisicamente e coisas piores”.
(Depois) 13: “Agressividade em casa”.
217
(Depois) 14: “Pode ser que na família há um problema emocional onde está desestruturado
o pilar que seriam os pais, daí vem as agressividades, as ofensas”.
(Depois) 14: “Bom, esse é o meu caso que não consigo, resolver em casa, por isso preciso
de ajuda. Vem da família por ter tantos afazeres que às vezes o cansaço é tanto que
deixamos os filhos um pouco de lado, tudo isso é para chamar atenção dos pais”.
Os pais e/ou responsáveis, ao apontarem as referidas disfunções das
interações familiares, poderiam estar reproduzindo aquilo que Shymanski (2001)
assinalou como falta de discernimento entre a “família pensada” – definida pelo ideal
burguês e reafirmada pelo olhar técnico” e a “família vivida” - reconhecida a partir
das experiências do cotidiano”, na abordagem de temas relativos ao desempenho
das funções de educação e cuidado das famílias.
A família pensada, que tem em sua composição o casal parental, à mãe cabe
o cuidado dos filhos e da casa, ao pai cabe o sustento de toda a família. A condição
da família vivida é, por vezes, distinta, por vezes monoparental. A mãe se vê
obrigada a assumir parcial ou integralmente o sustento do lar, trabalhando
geralmente em período integral, ausentando-se do convívio da família durante o dia
e enfrentando a dupla jornada de trabalho. Nessa condição de sobrecarga de
trabalho, as famílias das classes populares, geralmente, precisam lidar com o
próprio julgamento de sua condição. Como consequência da percepção da
diferença na constituição da família, os integrantes podem desenvolver sentimentos
de inadequação e constrangimento (SHYMANSKI, 2001).
A relação entre os membros da família é assinalada como um fator que
influencia o comportamento problemático do aluno na escola. Como referimos
acima, por vezes a noção de estrutura familiar abstraída da interação que esta
mantém com o meio, foi tomada pelos participantes para apontar a disfuncionalidade
da família.
(Antes) 5: “... o problema está no relacionamento do dois (mãe e menino)”.
(Antes) 7 “(...) no relacionamento familiar (...)”
(Depois) 16: “(...) o problema pode estar na forma de conviver da família”.
218
Forma de educar os filhos
Os pais e responsáveis são culpabilizados pelo problema por deixar de
exercer adequadamente as funções parentais de orientação e de cuidado no tocante
a: estabelecer limite e disciplina, educar, incentivar, agir com violência e oferecer um
modelo disfuncional de interação.
As diferentes posições dos integrantes do grupo familiar aparecem nas
respostas insinuando o reconhecimento de uma hierarquia de poder na família. As
funções familiares são executadas, segundo Minuchin (1990), mediante de
diferentes subsistemas que exercem funções específicas. Há uma distinção
hierárquica de poder na família, sendo que os pais têm um nível diferente de poder
em relação aos filhos. O autor ressaltou que a maior autoridade na família deve
estar representada pelo subsistema parental. Isso fica evidente no assinalamento
dos participantes por meio da ressalva da necessária supremacia da autoridade
paterna.
Vale ressaltar que os pais participantes da pesquisa, à exceção de dois,
tinham filhos que não apresentavam problema no contexto escolar. Tal observação
aponta para o fato de que muitas das respostas foram elaboradas por pais oriundos
de famílias que provavelmente compartilham de uma cultura próxima à cultura
escolar, legitimando mais uma vez sua bagagem familiar cultural. Essa perspectiva
corrobora com os apontamentos de Bourdieu (1998), segundo os quais a cultura
escolar, legitimada socialmente, na verdade é a cultura imposta e legitimada pelas
classes dominantes, que, no contexto desta pesquisa, também inclui o grupo de
participantes.
(Antes) 5: “Falta de autoridade, porque deixam fazer tudo que eles querem, o problema já
vem de casa”.
(Antes) 6: Na família (...) exemplo familiar”.
(Antes) 7: “O problema é que ele não teve formação adequada em casa (...)”.
(Antes) 9: “Na formação (família)”.
(Antes) 9: “Nos pais, que não impuseram limite e autoridade”.
(Depois) 7: “(...) falta disciplina na família (...) e como educar”.
219
(Depois) 8: “Esta criança deve ter um problema na família (...) e diciplina (...) e no modo de
educar educação com violência”.
Vínculos afetivos
O problema pode, segundo os pais e responsáveis, expressar a reação do
aluno à ausência de amor, carinho, cuidado, incentivo e interesse paternos e
funcionar como um pedido de atenção.
(Antes)1: “(...) uma falta de carinho, sendo assim ele quer chamar a atenção (...), mas o
problema é o menino X família”.
(Antes) 7: “(...) quando ainda criança e falta de atenção quando adolescente. (...)”.
(Antes) 8: “Este é carente de amor dos pais, por isso ele se tornar uma criança agitada e
sem limite, e tudo que ele faz é para chamar atenção, o problema está em casa.”
(Depois) 3: “Falta de insentivo familiar ou responsáveis (...)”.
(Depois) 5: “(...) na família (...) falta de atenção dos pais”.
(Depois) 7: “falta de carinho e amor dos pais (...)”.
(Depois) 9: “ porque não tem atenção de sua família (...)”.
(Depois) 11: “falta de empenho da família para ajudar ele (...)”.
(Depois) 13: “Falta de atenção da família (...) o problema está em casa”.
(Depois) 16: “Eu acho que é falta de atenção pelos pais (...)”.
Observamos que na fala dos participantes fica implícito o conceito de família
burguesa que, de acordo com Galano (2006), conta com uma composição restrita
em que é possível o desenvolvimento do sentimento de individualidade, privacidade
e intimidade, reconhecendo as particularidades das crianças que devem ser
valorizadas, cuidadas e educadas.
Condições socioeconômicas
220
As questões relacionadas à moradia, situação financeira e de saúde foram
apontadas por um pai no primeiro questionário. Notamos que a resposta desse
participante foi a que mais se alinhou às diretrizes propostas pela promoção de
saúde que, segundo Sicoli e Nascimento (2003), supõe uma concepção que não se
restringe à ausência de doença, mas que inclui seus determinantes. Assim,
considera e envolve ações em diferentes setores, a saber: educação, saneamento
básico, habitação, renda, trabalho, alimentação, meio ambiente, acesso a bens e
serviços essenciais, lazer, entre outros determinantes sociais da saúde.
(Antes) 1: “Deveria saber se a família teria uma estrutura de moradia, financeira, se os pais
têm algum problema de saúde, porque tudo que se vive na casa é influenciado na vida de
cada um, principalmente das crianças”.
Genética
Ao contrário da resposta apresentada acima, em condições sociais, que
considera múltiplos fatores que atuam na condição de saúde, a resposta a seguir
aponta a genética como fonte do problema, expressando a crença de que as
disposições físicas transmitidas pelos genes determinam o comportamento do
indivíduo. Essa visão aproxima-se do paradigma bacteriológico que explica o
processo saúde-doença considerando uma relação de causa-efeito das doenças e
relegando o doente e o ambiente ao segundo plano, conforme afirmam Rosen
(1980) e Buss e Pellegrini (2007).
Essa maneira determinista de compreender a influência das disposições
genéticas foi reformulada por Maturana (1997), que integra em sua abordagem
sobre os seres humanos tanto os aspectos biológicos, como os sociais, explicitando
que “a célula inicial que funda um organismo humano irá mudando como resultado
de seus próprios processos internos, num curso modulado por suas interações
sociais” (MATURANA, 1997, p. 28).
221
(Depois) 7: “(...) na genética (...)”.
(Depois) 8: “(...) na família genética”.
8.1.1.2 Ambiente
Apenas um dos pais e/ou responsáveis participantes em cada etapa da
aplicação do questionário associou o problema do aluno a condições adversas no
meio em que vive e a contato com grupo marginal. A relação de interdependência
entre saúde e meio ambiente foi documentada na III Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde, que ressaltou as influências das dimensões sociais, culturais,
políticas e econômicas sobre as condições de saúde dos indivíduos (BUSS, 2000).
(Antes) 6: “(...) no meio em que vive (drogas) (...)”.
(Depois) 3: “(...) nas mas companhias”.
8.1.1.3 Escola
Os pais e/ou responsáveis parecem convictos de que a escola nada tem a ver
com o comportamento disfuncional do aluno. Isso fica evidente na ausência de
resposta no primeiro questionário associando sistema escolar e problema do aluno.
Aqui observamos uma ínfima diferença nessa percepção entre o primeiro e o
último questionário, uma vez que ao menos um participante ressaltou a possibilidade
dessa associação.
Partindo das ideias propostas por Bourdieu (1975) em que foram ressaltadas
as diferenças entre a cultura escolar e a cultura familiar das classes populares, e
assinado que a cultura escolar, na verdade, é legitimada e imposta pelas classes
dominantes. A cultura escolar parece tão fortemente estabelecida que a escola,
222
nesta pesquisa, parece ter ficado protegida de qualquer questionamento de
implicação com o problema do aluno.
(Depois) 16: “(...) pode estar na escola”.
8.1.1.4 Aluno
A ênfase na responsabilização do aluno pelo problema foi tão comum nas
respostas dos pais e responsáveis que deixou de ser citada, somente, por um pai no
último questionário. Isso denota que mesmo quando a família, o ambiente ou a
escola foram responsabilizados pelo problema, a ideia de que o aluno é responsável
também apareceu.
Este dado está compatível com o encontrado em uma pesquisa cujo resultado
apontou que os brasileiros, diferentemente dos demais sulamericanos, identificam
que a maior dificuldade em estudar é decorrente da falta de interesse pessoal dos
jovens. Tal pesquisa intitulada “juventude e integração sulamericana: diálogos para
construir a democracia regional”, coordenada pelo Ibase (Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas) e Pólis - Instituto de Estudos, Formação e
Assessoria em Políticas Sociais e realizada em conjunto com uma rede de parceiros
nos países pesquisados: Fundación SES (Argentina), Pieb (Bolívia), CIDPA (Chile),
Base-Is (Paraguai) e Cotidiano Mujer (Uruguai), ouviu 14 mil pessoas, 50% jovens
(18 a 29 anos) e 50% adultas (30 a 60anos), no período de agosto a outubro de
2008, em seis países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e
Uruguai.
Quando questionados sobre: “Qual é a maior dificuldade que um (a) jovem de
seu país enfrenta para estudar? “Falta de dinheiro para transporte e outros gastos”
foi o principal fator apontado na Argentina (30%), Chile (39%), Bolívia (43%) e
Paraguai (54%). No Uruguai “dificuldade de conciliar estudo e trabalho” aparece em
primeiro lugar (29%), à frente de “falta de dinheiro para transporte” (28%). No Brasil,
“desinteresse do próprio jovem” é apontado pelos entrevistados como a principal
223
dificuldade (36%), seguida por falta de dinheiro para transporte e outros gastos
(27%).
Diante deste dado os pesquisadores observaram que:
É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade ... Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (Disponível em: http://www.ibase.br/userimages/resumo_pesquisa.pdf) Acesso em 17 mar.2013.
A responsabilização do aluno pelo problema de seu fracasso escolar, e
apontada pelos pais é evidenciada na avaliação de jovens sobre dificuldades de
desenvolvimento escolar. Segundo nosso entendimento essa responsabilização
dirigida ao aluno pode ser explicada a partir do raciocínio de Nogueira e Nogueira
(2009), que assinalam o duplo efeito da legitimação provocada pela dissimulação
das bases sociais do sucesso escolar, que pode ser identificado tanto sobre os filhos
das classes dominantes, como das camadas populares.
Os primeiros que receberam de maneira difusa, desde muito cedo, a herança
cultural de suas famílias e classe social não se reconhecem como “herdeiros”, mas
identificam como naturais suas disposições, competências culturais e linguísticas,
como se tais aptidões fizessem parte de sua personalidade. O segundo grupo por
sua vez, ao ser incapaz de identificar o caráter arbitrário e impositivo da cultura
escolar, apresentaria a tendência a atribuir suas dificuldades à condição inferior que
lhe parece inerente ao ser comparado aos demais, assim os problemas que
precisariam superar seriam compreendidos então como da ordem intelectual (falta
de inteligência) ou da ordem moral (falta de vontade). Cumpre esclarecer que os
participantes desta pesquisa ao se identificarem com a cultura escolar avaliaram os
casos de alunos de famílias das classes populares atribuindo a ela a
responsabilidade pelo problema, assim reafirmando a cultura escolar.
Para responsabilizar o aluno pelo problema, os pais e responsáveis se
apoiaram na identificação de quatro aspectos: psicológico, desenvolvimento
cronológico, neurológico e problema inespecífico de saúde. O conhecimento dos
pais, construídos nas interações cotidianas, a respeito desses aspectos, expressam-
se em um discurso tecnicista sobre a vida.
224
Segundo Dantas (2009), esse discurso tecnicista sobre a vida apresenta
similaridades com o discurso místico, na medida em que é construído à margem da
experiência do indivíduo comum e alimentado pela crença na objetividade e na
neutralidade científica. Tal discurso, desde esse ponto de vista, é sustentado por
narrativas fabulosas (em contraponto com o saber do senso comum), e ganha sua
sustentação por deter um elemento misterioso (desconhecido), que dá sentido à vida
e ao viver. Nesse sentido, também o discurso da medicalização pode ser entendido
como um discurso místico.
A autora assinalou que se no discurso místico os fenômenos ganhavam
inteligibilidade a partir do pensamento mágico, no discurso da medicalização a
subjetividade pode ser explicada a partir da interação de substâncias e produtos
químicos, as explicações neurocientíficas sobre o funcionamento cerebral “questões
existenciais são vistas como ‘sofrimentos’ que devem ser aliviados por terapias,
medicamentos ou distrações vultuosas nesta rede de consumo” (DANTAS, 2009, p.
569).
As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo
conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que
acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução
dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação
do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de
informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma
como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos
e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através
dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos
conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos
(DANTAS, 2009). Nas respostas dos pais aos questionários fica evidente a
incorporação desse discurso ao nomearem o problema como sendo psicológico, de
desenvolvimento cronológico, neurológico ou inespecífico de saúde.
Psicológico
225
Envolve aspectos emocionais e cognitivos, a saber: busca por atenção,
carência afetiva, solidão, tristeza, agressividade, ausência de reconhecimento do
outro e de limite, dispersão e falta de interesse, atenção e concentração.
(Antes) 1: “(...) (ele quer chamar) atenção da professora e amigos se dispersando e
chamando atenção de todos, chegamos a conclusão que é um menino inteligente(...)”.
(Antes) 1: “(...) se torna um menino sem estrutura, indisciplinado, não tem respeito com o
próximo”.
(Antes) 2: “Na falta de interesse”.
(Antes) 3: “Por não prestar atenção na aula, acaba atrapalhando os outros amigos”.
(Antes) 3: “Um aluno mal educado e agressivo”.
(Antes) 4: “O problema é no Denis, porque não quer estudar”.
(Antes) 6: “Indisciplina, falta de limite, agressividade, falta de interesse”.
(Antes) 7: “Falta de atenção e aprendizado e comportamento de bagunça, falta de limite”.
(Antes) 8: “Ele é rebelde e revoltado com muita dificuldade de se envolver com pessoas, é
uma criança solitária e agressiva”.
(Antes) 9: “Ele é uma criança insubordinada”.
(Antes) 9: “Desrespeito e desconhecimento de autoridade hierárquica”.
(Depois) 1: “(...) psicologico, agressividade” (do aluno).
(Depois) 1: “(...) chamar a atenção para ele” (no aluno).
(Depois) 2: “(...) o problema é a falta de concentração muita agressividade” (no aluno).
(Depois) 2: “(...) com a falta de interesse a nada”.
(Depois) 3: “Falta de respeito e educação ao seu próximo”.
(Depois) 3: “(...) querendo chamar a atenção de varias formas, inclusive prejudicando a si
mesmo”.
(Depois) 4: “(...) falta de vontade de estudar”.
(Depois) 6: “(...) querendo chamar a atenção para si”.
(Depois) 7: “(...) para chamar atenção dos outros (...) por ser uma pessoa carente”.
(Depois) 8: “(...) queria chamar atenção (...) uma pessoa carente”.
(Depois) 9: “(...) chamar a atenção para si mesmo porque não tem atenção da sua família
(...)”.
(Depois) 11: "(...) ele traz a agressividade (...) e com isso ele tem que ser agressivo na
escola”.
(Depois) 12: “(...) ele na escola faz tudo que vê em casa. Mas ele se torna uma criança
triste, marcada e revoltada”.
226
(Depois) 13: “Problemas psicológico”.
(Depois) 13: “Chamar a atenção para ele”.
(Depois) 15: “O aluno quer chamar atenção”.
(Depois) 16: “O problema é emocional”.
Desenvolvimento cronológico
A referência ao desenvolvimento cronológico apareceu de duas formas
distintas: uma referindo-se à fase de desenvolvimento em que o aluno se encontrava
e o que era esperado para aquela etapa e outra ressaltando a discrepância de idade
em sala de aula resultante de repetências múltiplas.
(Antes) 2: “(...) (no aluno) prejudicaria a classe toda (...) o problema é com a idade, e esta
cursando a 6ª série”.
(Antes) 3: Está localizado nele mesmo, pois ele deve ter responsabilidade pela idade que
tem”.
(Antes) 10: “Adolescente indisciplinado e desambientado por ser repetente, o problema
pode ser a questão dele estar fora do seu contexto pois seus amigos estão dois anos a
frente, assim ele precisa de uma forma pra se enturmar e se destacar”
(Antes) 11: “(...) ter reprovado, e não acompanha a sua turma (...) ele está fora de contexto,
pois sua idade e faixa etária está asima dos outros alunos, ele para esconder isso ele brinca
na sala”.
(Depois) 9: (...) e porque e um adolecente e esta desenvolvendo sua maturação”.
(Depois) 10: “Pode ter um problema de saúde que muitas vezes só acaba sendo identificado
no inicio da vida escolar”.
-
Neurológico
227
O enfoque do aspecto neurológico citado pelos pais e responsáveis como
justificativa do problema apareceu tanto de forma genérica como específica, com
diagnóstico, como hiperatividade e déficit de atenção.
(Antes) 2: “Problema neurológico. No Carlinhos ...”.
(Antes) 6: “O problema a princípio está no Carlinhos. A criança pode ser hiperativa...”.
(Antes) 10: “Ele é hiperativo com déficit de atenção... Esse transtorno está localizado no
desenvolvimento do cérebro”.
(Depois) 7: “É uma criança imperativa”.
Problema inespecífico de saúde
No último questionário, o problema inespecífico na saúde do aluno também foi
assinalado como elemento determinante do problema.
(Depois) 9: “Ele deve ser envestigado si existe problema de saúde e outros mais”.
(Depois) 10: “Pode ter um problema de saúde que muitas vezes só acaba sendo identificado
no inicio da vida escolar”.
As noções de saúde e doença presentes nas respostas dos pais sobre o
problema estão de acordo com o paradigma denominado bacteriológico por Buss e
Pellegrini (2007).
Nessa forma de abordar a saúde e a doença, conforme Santos e Westphal
(1999), foram destacados os elementos: o curativismo, no qual a saúde é entendida
como ausência de doença em um indivíduo e justificava o diagnóstico e a
terapêutica que passam a agregar relevância em todo o processo; o mecanicismo,
noção de causalidade linear, uma disfunção mobilizada por uma causa; o
biologismo, doença e cura no nível biológico; o individualismo, o indivíduo como
objeto das ações em saúde, o qual seria tratado por outro indivíduo, sem relação
com o contexto social e histórico; e a especialização. Assim a prática sanitária
228
passou a “ser a busca da cura dos indivíduos que manifestaram alguma doença”
(SANTOS; WESTPHAL, 1999, p. 73).
É importante ressaltar que, nas respostas, os pais e responsáveis não
apontam uma interação entre elementos que constituem o problema como família,
ambiente, escola e aluno, o que indica a ausência de uma visão complexa na
maneira de compreender a situação.
O que observamos nas falas acima foi o predomínio de um pensamento
linear, característico de uma apreciação especialista sob o fenômeno que, segundo
Morin (2003) tem a característica de remover um objeto de seu contexto, de sua
totalidade, impossibilitando o reconhecimento de suas interligações com o ambiente,
colocando-o fechado dentro da disciplina, destituindo-lhe aleatoriamente tanto a
sistematicidade (relação da parte com o todo) quanto à multidimensionalidade.
Nas avaliações dos pais a respeito dos problemas dos alunos que foram a
eles apresentados nos casos, identificamos a influência do pensamento tecnicista
para justificar e explicar o fracasso da performance educacional do aluno. Os
aspectos apontados isoladamente pelos pais referiram-se às interações familiares,
aos vínculos afetivos, à forma como os filhos são educados, às condições
socioeconômicas da família, à genética, às companhias, à escola, ao estado
psicológico do aluno, ao desenvolvimento cronológico, à condição neurológica e a
problemas inespecíficos de saúde. Denota-se, assim, uma visão fragmentada dos
elementos que habitualmente sustentam a queixa escolar, impossibilitando a
percepção sistêmica e multidimensional do fenômeno.
8.1.2 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do
sistema familiar
Para identificar crenças dos pais e responsáveis sobre a maneira como a
família deveria participar da resolução do problema, questionamos o que deveria ser
feito, como e quem estaria envolvido nessa resolução. A partir das respostas, foram
229
identificadas três categorias: ações do sistema familiar, justificativa das ações do
sistema familiar e envolvidos no procedimento.
8.1.2.1 Ações do sistema familiar
As ações indicadas pelos pais e responsáveis antes e depois da intervenção
foram muito semelhantes, à exceção significativa de que somente no primeiro
questionário apareceram referências à colocação de limites e apenas no último
apontaram a ação integrada entre escola e família.
A função cuidadora da família foi apontada por diferentes ações, por vezes
articuladas entre si, a saber: expressar afeto, assessorar, orientar, ser exemplo,
buscar e receber ajuda profissional e colocar limites.
A família tem a visão de que deve ser ajudada na busca de uma orientação
especialista, a fim de ajustar sua estrutura e desenvolver habilidade para o exercício
adequado de suas funções. Isso é similar às observações de Szynasnki (2001) nos
seus trabalhos com as famílias de classes populares, em que identificou, nos relatos
de seus integrantes sobre suas condições de família, uma constante comparação da
família que realmente interage no dia a dia (família vivida), com a família tradicional,
compatível com o modelo burguês, (família pensada). Tal comparação
impreterivelmente colocava a família da qual se fazia parte em uma posição inferior
à família do modelo tradicional.
A busca da família pela instrumentalização de recursos para o exercício de
suas funções pode estar orientada pela identidade disfuncional que foi construída a
partir das diferentes interações que o grupo familiar realiza no seu dia a dia.
Compreendemos, a partir da crença de que a realidade é construída pelo encontro
das subjetividades individuais (VASCONCELLOS, 2006), que essa identidade
disfuncional da família foi construída nas suas interações cotidianas.
Esta ideia corrobora com o pensamento de Nogueira; Nogueira (2009) que
aponta que no contexto escolar (no qual este estudo se desenvolveu) o efeito da
230
legitimação provocado pela dissimulação das bases sociais do sucesso escolar atua
sobre as famílias das classes populares reforçando a tendência a atribuir suas
dificuldades à condição inferior que lhe parece inerente e compreendida como de
ordem intelectual ou moral. Enfim, uma visão que não percebe os determinantes
econômico, social, político e sobretudo, ideológico, da sociedade de mercado em
que se vive, daí naturalizar tudo.
Expressar afeto
Demonstrar carinho e amor, manter a união familiar e dar atenção ao filho
foram as expressões de afeto relatadas pelos pais.
(Antes) 3: “Dando amor, carinho e muita atenção e (…)”.
(Antes) 4: “Dar mais carinho e (...) a seus filhos (…)”.
(Antes) 6: “(...) procurar dar mais atenção ao filho, procurar ouvi-lo mais”.
(Antes) 7: “(...). Dando mais atenção, carinho, amor e responsabilidades. Dando mais
atenção, carinho, amor e contando benefícios a ele (...)”.
(Depois) 6: “(...) elogiar sempre (...) dando amor e carinho”.
(Depois) 7: “(...) tendo união na família”.
(Depois) 11: “Essa criança precisa de muito amor e carinho de todas que a rodeiam.
Principalmente dos pais que começou todo esse problema”.
(Depois) 12: “Esse menino tem que ter muito carinho dos pais”.
(Depois) 16: (...) com muito amor e compreensão”.
(Depois) 16: “Se unir mais, mostrar que ele não está sozinho e que eles o amam. (...) seria
feito com muito amor (...)”.
Assessorar
Conhecer e acompanhar as atividades e as pessoas que participam do dia a
dia do filho.
231
(Antes) 1:”Deveria os pais parar e prestar mais atenção sobre o filho, (...) os pais deveriam
saber quais as amizades (…)”.
(Antes) 6: “(...) procurar oferrecer outras atividades (como esporte, atividade física, (...)”.
(Antes) 8: “Acompanha sempre seu filho na escola”.
(Depois) 1: “(...) e oferece ajuda”.
(Depois) 15: “Acompanhar as atividades desse aluno. (...)”.
Orientar
Diálogo e conversa para orientar e resolver o problema.
(Antes) 1:”(...) deveria ter mais orientação para o mundo (…)”.
(Antes) 2: “(...) conversando com o filho”.
(Antes) 3: “(...) conversar com o filho”.
(Antes) 3: “(...) dialogo (…)”.
(Antes) 4: “(...) educação (…) na base do diálogo”.
(Antes) 5: “(...) deveriam conversar muito”.
(Antes) 7: “Dialogar para tentar chegar a uma solução para resolver o problema. (...)”.
(Depois) 1: “Conversar (...)”.
(Depois) 2: “(...) para quem com vive tem que ter calma e pulso forte”.
(Depois) 3: “(...) orientando melhor (...) através da conversa”.
(Depois) 5: “ (...) dialogo (...)”.
(Depois) 5: “(...) maior diálogo”.
(Depois) 6: “A família tem que ter mais dialogo com o menino, (...)”.
(Depois) 13: “Conversar”.
Ser exemplo
232
O comportamento dos pais é modelo para os filhos, assim, é importante que
atuem adequadamente.
(Antes) 1:”(...), o exemplo vem dos pais, (…)”.
(Antes) 3: “Procurando levar uma vida mais religiosa”.
(Depois) 3: “Se ouver agressividade entre os pais, procurar modificar suas atitudes (...)”.
(Depois) 14: “Os pais precisam mudar o comportamento para que o filho tenha outra visão”.
Colocar limites
Estabelecer regras para as interações e a rotina.
(Antes) 1:”(...) impondo regras (…)”.
(Antes) 3: “Dar disciplina de pequeno (…)”.
(Antes) 6: “Tentar colocar limites (...)”.
(Antes) 7: “(...) e colocando regras (com horário, limitar TV, internet, passeios)”.
As expectativas dos pais e responsáveis em relação às ações que o sistema
familiar deveria realizar para superar o problema dos alunos nos casos
apresentados, conforme consta nas subcategorias supracitadas, estão de acordo
com aquilo que Minuchin (1990) chamou de a principal tarefa do sistema familiar,
que consiste em dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover sentimento de
pertinência aos indivíduos.
Também cabe ao sistema familiar, conforme Minuchin (1990), manter uma
disposição hierárquica em que o subsistema parental ocupe o nível mais elevado
dessa hierarquia. Esta percepção de que a maior autoridade de poder no sistema
familiar deve ser exercida pelos pais é explicitada na expectativa dos participantes
de que os pais orientem, assessorem, sejam exemplos e coloquem limites em seus
filhos.
233
Minuchin (1990), ao tecer considerações sobre os padrões relacionais
estabelecidos entre os indivíduos que formam o subsistema conjugal, assinalou que
qualquer disfunção nesse subsistema compromete sobremaneira todo o
desenvolvimento familiar, uma vez que os filhos adotam esse modelo para as
relações de intimidade. As crianças veem nesse subsistema um modelo de
expressão de afeto, uma maneira de lidar com as dificuldades e a forma de
solucionar conflitos no grupo de iguais. A conceituação proposta pelo autor é
reproduzida nas respostas dos pais ao apontarem que eles devem ser exemplos
para seus filhos.
As regras que governam as trocas de informações e de energia entre os
subsistemas são representadas pelo tipo de fronteira estabelecido. Minuchin (1974)
ressaltou que tanto as fronteiras rígidas (extremamente rígidas), quanto as fronteiras
difusas (excessivamente permissiva) representam formas disfuncionais de demarcar
os limites relacionais entre os subsistemas e dificultam o intercâmbio de informações
entre os subsistemas circundantes. Consonante com a conceituação do autor sobre
as disfunções de fronteiras entre subsistemas familiares, os pais identificaram a
implementação do diálogo como uma ação que resolveria o problema.
Buscar e receber ajuda profissional
A busca de ajuda especializada pelo sistema familiar é dirigida à necessidade
de intervenção sobre a criança ou adolescente, seja tal ajuda jurídica, neurológica, e
psicológica. Tal procedimento da família pode estar orientada pelo que Morin (2003)
denominou princípio da objetividade e da racionalidade técnica, em que a realidade
é passível de ser compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada, disjuntiva,
reducionista, em que os problemas são fracionados assim impossibilitando qualquer
reflexão de uma perspectiva multidimensional.
Essa maneira de os pais assistirem seus filhos foi instituída inicialmente pelos
higienistas e eugenistas que focavam tanto as anormalidades físicas, psíquicas, bem
como tudo o que não estava de acordo com os padrões da burguesia. Segundo
Boarini (2003), os preceitos da higiene do corpo passaram a abranger os preceitos
234
da alma e a educação é considerada como o principal encaminhamento para
resolução de problemas.
Conforme pode ser constatado nas respostas abaixo, o psicólogo foi o
especialista, que na opinião dos pais mais pode contribuir para a solução do
problema do aluno. Tal percepção dos pais pode estar de acordo com a colocação
de Carvalho, Westfhal e Lima (2007) que assinalaram que o desenvolvimento da
área da psicologia, contribuiu para a consolidação dos preceitos higienistas,
recomendando rotinas disciplinares para o alcance dos bons hábitos, requeridos
para a boa educação, colaborando assim, para a normatização e domesticação da
sociedade.
(Antes) 2: “(...) procurar ajuda de profissionais” (familia).
(Antes) 4: “Chamar o conselho tutelar (…) (chamar) todos que podem ajudar”.
(Antes) 5: “O pai e a mãe tem que admitir o que esta acontecendo (…) escutar o que a
escola ta lhe oferecendo”.
(Antes) 6: “(...) procurar uma orientação profissional, com uma psicóloga”
(Antes) 7: “Diagnostico clinico com psicólogo, psicopedagogo, neurologista, fonoaudiolologa.
Encaminhamento aos profissionais competentes”.
(Antes) 8: “Ajuda urgente da orientadora e concelho de classe e pais e profs”.
(Depois) 1: “Procurar tratamento”.
(Depois) 3: “ (...) a familia procurar a ajuda de um orientador”.
(Depois) 5: “(...) tentar descobrir o motivo dessa agressividade da criança (...)psicologa”.
(Depois) 7: “(...) ajuda com profissional na área”.
(Depois) 7: “Pais deveria conversando com os professores”.
(Depois) 8: “Procurar um profissional nesta área”.
(Depois) 13: “Procurar tratamento. (...) ajuda psicológica”.
(Depois) 15: “Procurar ajuda especializada (médicos) psicólogos (terapeutas)”(...) levar o
aluno até clinicas especializadas”.
(Depois) 16: “Uma ajuda profissional para descobrir o que está acontecendo (...)”.
Ação integrada entre escola e família
235
Independente da ação que soluciona o problema, a parceria entre família e
escola foi assinalada pelos pais, somente após terem participado dos encontros.
Entendemos que tal resultado pode estar relacionado ao desenvolvimento do
Programa de Promoção Saúde realizado na escola.
Compatível com as ações de promoção de saúde, o Programa desenvolvido
buscou trazer aos participantes novas informações a respeito da: complexidade dos
fenômenos sejam eles físico, psicológicos, sociais; importância de contextualizar
historicamente as funções familiares; assinalamento das competências familiares;
relevância da abordagem colaborativa das interações entre sistemas para a
resolução de problemas; caráter constitutivo das interações humanas. A reflexão
sobre esses temas está de acordo com as Cartas de Promoção de Saúde (BRASIL,
2002), que sugere intervenções que atuem para aumentar o empoderamento dos
indivíduos e da comunidade, tornando-os agentes do encorajamento da ajuda
mútua no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo.
Também nas Cartas de Promoção de Saúde (BRASIL, 2002), encontramos
orientação para implementação das práticas que promovem a saúde, tais como: o
estímulo à autonomia comunitária e individual por meio do empoderamento da
comunidade e conhecimento sobre saúde e comportamento; fortalecimento de
ações intersetoriais, construção de competências para a promoção da saúde. O
Programa de Promoção de Saúde na Escola, promovido na própria escola
contemplando esses objetivos, no nosso entendimento, possibilitou aos pais
caminharem de uma percepção de ação isolada para uma ação em relação.
Ainda que essa percepção identifique dois sistemas envolvidos no problema,
não se configura como uma apreciação apoiada no princípio da complexidade que,
segundo Morin (2003), permite a identificação de diferentes dimensões do
fenômeno.
(Depois) 8:”(...) esta familha deve converça com os professores (...) deve se uni a escola e
a familha (...) para tentar rezouver”.
(Depois) 10: “A família deve junto com a escola encaminhar a criança para um
acompanhamento medico para então sendo descartado os problemas fisiológicos, buscar
novas soluções”.
236
(Depois) 10: “(...) é preciso saber porque das reprovações, a família poderia acompanhar
mais de perto a situação escolar e também emocional do menino porque muito dos
problemas podem ser resolvidos a principio dentro da família juntamente com o
acompanhamento da escola”.
(Depois) 15: “(...) reunião dos pais e professores e aluno”.
(Depois) 16: “(...) neste caso todos deveria se envolver pais e escola”.
8.1.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar
Ambos os grupos apresentaram justificativas para ações orientadas por dois
aspetos: pelo reconhecimento do problema e pelo reconhecimento do recurso. No
primeiro grupo, a família é culpabilizada por deixar de exercer adequadamente as
funções de cuidado e no segundo apenas uma resposta se refere a essa
inadequação. A ausência de cuidados com o filho e de recursos da família
apareceram nas respostas do primeiro questionário e não se repetiram no segundo.
O fato de a família destituída de recursos só ter aparecido no questionário
inicial pode estar relacionado à participação dos pais no Programa de Promoção de
Saúde na Escola.
Um dos pressupostos estruturais de promoção de saúde é a garantia, aos
indivíduos e aos grupos, de acesso contínuo à informação e às oportunidades de
aprendizagem para os assuntos de saúde (BRASIL, 2002). Na mesma linha, Buss
(2000, p. 171) destacou entre aspas, a questão de responsabilidade de diversas
organizações na divulgação dessas informações e ressaltou que este componente
ao avançar no desenvolvimento da ideia de empowerment, entendido como “o
processo de capacitação (aquisição de conhecimento) e de poder político por parte
dos indivíduos e da comunidade” também resgata a dimensão da educação em
saúde.
Na percepção de Maturana e Varela (2001), a vida se desenvolve permeada
por conversações, a existência humana ocorre inserida em um continuo fluir de
linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo sentido e significados
aos eventos.
237
Entendemos que a perspectiva da construção subjetiva da realidade traduzida
por Maturana e Varela (2001) explica o processo de empoderamento do indivíduo
por meio do acesso à informação transmitida na conversação. Assim o Programa de
Promoção de Saúde na Escola, nela desenvolvido, pretendeu levar informação aos
pais por meio de uma interação, não hierárquica, com a pesquisadora a fim de
ampliar o conhecimento deles a respeito dos problemas que ocorrem na escola. Isto
justifica, em síntese, associarmos a participação no Programa à ausência de
repostas que assinalam a falta de recurso da família para lidar com o problema.
Justificativas Orientadas pelo reconhecimento do problema
A investigação do problema, a família ou o aluno como centro do problema e
a ênfase na ausência de recursos da família foram as explicações citadas quando as
ações se justificam com foco no problema.
Identificamos nas respostas a seguir elementos do discurso tecnicista sobre a
vida, tais como o mecanicismo, em que a noção de causalidade é linear, uma
disfunção é mobilizada por uma causa; e o individualismo, no qual o indivíduo é tido
como objeto das ações em saúde, o qual seria tratado por outro indivíduo, sem
relação com o contexto social e histórico; e a especialização (SANTOS;
WESTPHAL, 1999, p. 73)
É importante investigar o problema
(Antes) 7: “(...) para investigar o problema”.
(Depois) 9: “(...) para ter uma explicação”.
(Depois) 15: “(...) para identificar o problema”.
A família é a responsável pelo problema
238
A família, segundo os pais ou responsáveis, se constitui como núcleo do
problema seja como geradora deste, seja como desprovida de recursos para a sua
solução.
Em nosso entendimento, as inadequações que os participantes ressaltaram
das famílias dos casos apresentados podem ter sido construídas a partir da
comparação do modelo de família burguesa, desconsiderando o contexto familiar,
escolar, social e econômico, no qual a família deve suprir as demandas de
sobrevivência e desenvolvimento dos seus membros, assim como observou
Szimansky (2001).
(Antes) 2: “(...) por ela ter problemas”.
(Depois) 3: “(...) muitas vezes a criança convive com a agressividade na família”.
A família não tem recurso para solucionar
(Antes) 1: “(…) às vezes não esta tendo a atenção necessária (…)”.
(Antes) 4: “(...) sem ela [educação] não vai pra frente”.
(Antes) 4: “(...) porque não está dando conta do problema”.
(Antes) 6: “(...) muitas vezes a família não tem diálogo”.
O aluno é o responsável pelo problema
A justificativa para identificar o aluno como responsável é construída com
base no pensamento linear em que os problemas humanos são localizados no
indivíduo sem levar em conta as relações que este estabelece com o meio (MORIN,
2003; GRANDESSO, 2000). Isso pode ser observado nas seguintes respostas:
(Antes) 2: “(...) para que ele entenda seu problema”.
239
(Antes) 6: "(...) pra identificar o que acontece com Carlinhos”.
(Depois): 5: “Tentar descobrir o motivo dessa agressividade da criança”.
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso
Justificar a ação do sistema familiar enfatizando o recurso coloca a família ou
o aluno como protagonista da solução. Tal pensamento parece estar orientado pelo
conceito de prevenção em saúde que, segundo Leavell e Clarck, (1976, p. 17 apud
CZERESNIA, 2003, p. 6) preconiza uma “ação antecipada, baseada no
conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o processo da doença”.
A família é a responsável pela solução
(Antes) 3: “(...) para não chegar a esse ponto (…) Procurando levar uma vida mais religiosa
que tudo seria bem melhor e diferente. Pois Deus é muito importante”.
(Antes) 5: “(...) para poder ter a melhor solução”.
(Antes) 7: “Porque a família tem que ser o fator comum e o apoio para essa pessoa
melhorar na escola”.
(Depois) 1: “Talves seja única forma de ajuda”.
(Depois) 1: “Pode ter uma saída”.
(Depois) 3: “A orientação é um dos melhores remédios”.
(Depois) 5: “Porque na conversação consegue chegar nas soluções”.
(Depois) 8: “(...) para poder ajudar”.
(Depois) 8: “(...)para tentar resolver”.
(Depois) 10: “(...)a sulução do problema”.
(Depois) 13: “Porque seria a única forma de ajudar”.
(Depois) 16: “Porque só assim poderia ajudar de forma correta”.
240
O aluno é o responsável pela solução
(Antes) 3: “(...) para tentar mudar o comportamento dele”.
(Antes) 8: “Porque vai percebe e sentir que ele não está bem”.
(Depois) 6: “(...)para ele se tornar um adulto diferente”.
(Depois) 12: “Para ele superar e atraso na vida dele. Que acaba custando muito caro”.
(Depois) 14: “(...) para que o filho tenha outra visão”.
(Depois) 15: “(...) para que ele percebesse a necessidade de mudança”.
(Depois) 16: “Porque mostrando que ele é importante ele vai começar a respeitar”.
8.1.2.3 Os envolvidos no procedimento
Quando questionados sobre quem estaria envolvido no fazer do sistema
familiar, os pais e responsáveis se dividiram em dois grupos, tanto no primeiro como
no último questionário. Parte dos participantes apontou a família como o único
sistema envolvido, e a outra parte acrescentou outros sistemas sociais, como a
escola, profissionais da área da saúde e da justiça.
Em qualquer das respostas, os pais e responsáveis reconhecem sua
responsabilidade em garantir à criança e ao adolescente os direitos propostos pela
Constituição da Republica Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Quando se referem
a outros sistemas reconhecem que a educação abrange processos formativos que
se desenvolvem em sistemas diferentes do sistema familiar, como, por exemplo, as
instituições de ensino, conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1998).
Família
241
(Antes) 1: “(...) os pais”.
(Antes) 2: “(...) os pais”.
(Antes) 3: “(...) os pais”.
(Antes) 3: “(...) família”.
(Antes) 5: “(...) o pai e a mãe”.
(Antes) 5: “(...) deveriam conversar”(a família).
(Antes) 6 “(...) família”.
(Antes) 7: “ A família”.
(Depois)3: “A família e procurando a ajuda de um orientador”.
(Depois)3: “A família”.
(Depois)5: “A família”.
(Depois)6: “(...) os pais principalmente, porque são eles os responsáveis pelos, seus filhos”.
(Depois)7: “Pai e mãe”.
(Depois)11: “Toda a família que que fazer um tratamento”.
(Depois)12: “(...) criança (...) todas que a rodeiam. Principalmente dos pais (...)”.
(Depois)13: “A família”.
(Depois)14: “(...) os pais”.
Família e outros sistemas sociais
Os profissionais referidos na ação conjunta com a família são, especialmente,
os integrantes do sistema escolar. Quando os pais ou responsáveis identificaram
mais algum envolvido focaram profissionais da saúde, como psicólogo, psiquiatra,
médico especialista e representante do sistema judiciário.
(Antes)2: “(…) conversando com o filho (…) os pais e professores”.
(Antes)4: “(…) os pais e os professores”.
(Antes)4: “(…) (família) chamar (…) conselho tutelar (…) todos que podem ajudar”.
(Antes)6: “(…) os pais e professores devem estar envolvidos”.
(Antes)7: “(…) os pais ou responsáveis, psicólogos, e pessoas capacitadas pela escola em
esta orientando esse jovem aluno”.
(Antes)8: “Pai, mãe, orientadora e psicóloga juntos nesse problema”.
242
(Antes) 8: “(…) família e escola. Os professores, a família e a psicóloga e um psiquiatra”.
(Depois)1: “Atravez de profissionais (…) A família”.
(Depois)5: “A família (...) psicologa”.
(Depois)6: “(…) a família (...) escola, pais e psicóloga”.
(Depois)8: “(…) (família) “procurar um proficional nesta aria”.
(Depois)9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista”.
(Depois)10: “(…) a família (...) escola (...) criança (...) médico”.
(Depois)10: “(…) menino, pais e professores”.
(Depois)15: “Pais/ alunos/ especialistas”.
(Depois)15: “(…) pais/ professores e aluno”.
(Depois)16: “(…) principalmente os pais e depois os professores”.
8.1.3 Expectativa dos pais e responsáveis em relação aos procedimentos do
sistema escolar
Da mesma forma que em relação ao sistema familiar, perguntamos aos pais e
responsáveis o que deveria ser feito pelo sistema escolar, como e quem estaria
envolvido nessa ação. Como resultado, obtivemos as três categorias: ações do
sistema escolar, justificativa das ações do sistema escolar e envolvidos no
procedimento.
8.1.3.1 Ações de sistema escolar
Os pais e responsáveis, tanto no primeiro como no último questionário,
acreditam que cabe ao sistema escolar chamar, investigar e orientar a família a
respeito do problema do aluno. Ao verificar o agrupamento dessas ações,
identificamos o continuum de um de processo de resolução de problema, porém é
importante ressaltar que em nenhum questionário tais ações foram citadas de forma
articulada, apareceram de forma isolada, em diferentes questionários.
243
Também faz parte das ações da escola promover cuidado ao aluno, seja por
meio de medidas disciplinares ou de expressão de afeto.
Alguns pais apontaram que a aquisição de recursos profissionais por parte da
escola é importante na resolução do problema, outros, porém, desconsideraram
qualquer ação desse sistema, depositando na família a responsabilidade exclusiva
pela solução.
Nas respostas descritas nas subcategorias, “chamar”, “investigar” e “orientar”,
fica implícito o reconhecimento dos pais a respeito da detenção do saber
especializado por parte dos integrantes do sistema escolar. Esse resultado está de
acordo com o que afirmou Guarido (2011) sobre as características atuais do
discurso pedagógico que ganhou caráter normatizador, de validação do saber
especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo substituída pela
autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a
educação. Os professores foram “chamados a ser extensão do olhar especialista na
prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151).
Chamar os pais
A atitude da escola de chamar os pais se refere apenas a essa ação
propriamente dita, sem explicitar a função desse chamado.
(Antes) 3: “Chamar os pais para conversar(...) através de bilhete ou telefone”.
(Antes)5: “Chamar os pais para que juntos resolvam o problema”.
(Antes)5: “Chamar a mãe (...) para ter uma conversa entre ele a mãe”.
(Depois) 11: “Chamar os pais para que eles ajudam em relação a ele”.
Investigar
244
O foco a ser investigado é a relação familiar, seja no que se refere à relação
entre pais e filhos ou entre o casal.
(Antes) 1: “(…) primeiramente a escola deveria entrar em contato com a família para saber
como é o convívio da criança com os pais para tentar solucionar o problema”.
(Antes) 2: “A escola tem que chamar a família para saber o que acontece em casa e
resolver o problema”.
(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e mdico especialista para ter uma
explicação”.
(Depois) 10: “Já a escola deve estar atenta e procurar identificar como é a relação dos pais
com esta criança e entre o próprio casal”.
(Depois) 15: “Discutir o problema com os pais e chegar a um consenso. (...) através de
reunião”.
Orientar
Assim como o “chamar” apareceu desconectado de sua função, o “orientar”
também não foi relacionado a uma finalidade específica em algumas respostas, em
outras sugere encaminhamento a especialista ou uma parceira entre pais e escola.
Sem função específica
(Antes) 4: “Mais reuniões com os pais (...)”.
(Antes) 6: “(…) oferecer palestras e orientação (...) . Poderia ser feito reunião com os pais”.
(Antes) 7: “Orientação dos pais ou responsáveis do problema.(...) conversar com os pais na
escola”.
(Depois) 1: “(…) conversar, pedir ajuda, reuniões”.
(Depois) 5: “Conversar com os pais” (a escola).
245
Encaminhamento
(Antes) 3: “Encaminhar para o psicólogo”.
(Antes) 7: “Encaminha-lo para conselho de pais e mestre e tomar providencia de comunica
sua familha (...) advertência, suspensão, conselho tutelar, ate mesmo encaminha-lo para
promotoria publica, na vara da infancia ou família”.
(Depois) 15: “(…) orientar os pais, indicar profissionais especializados (...) comunicação com
os pais”.
Parceria
(Antes) 2: “Comunicar aos pais para que seu problema seja resolvido conversando com o
filho os pais e professores”.
(Antes) 6: “A escola deve informar a família (...) orientação e dialogo entre a escola e a
família”.
(Antes) 8: “ (...) se unindo escola e familia”.
(Depois) 6: “Escola e pais juntos (...) psicóloga (...) um tratamento bem sério e bem feito”.
(Depois) 8: “(…) uni se a familha a escola e um proficional nessa area”.
(Depois) 9: “(…) deveria pais e aluno e professores [fazer] um acompanhamento mais
frequente e mais dialogo, mais cooperação de todos”.
(Depois) 11: “Ajudar a família, principalmente o aluno”.
Promover cuidados ao aluno
A escola deve atuar junto ao aluno por meio de medidas disciplinares ou
afetivas. As medidas disciplinares podem ser de punição ou de oportunidade de
desempenho de tarefas reconhecidas como positivas. A oportunidade e a expressão
do afeto carinhoso e amoroso só foram referidas no último questionário.
246
Ao indicarem que a escola deve em suas ações incluir a dimensão afetiva, os
pais percebem a importância de considerar as interações como elementos
construtivos da realidade. A dimensão do ato comunicativo, segundo Matura e
Varela (2001), dá-se em um continuo fluir de linguajar e emocionar, em que os
indivíduos vão atribuindo sentido e significados aos eventos. A vida se desenvolve
permeada por conversações.
Medidas disciplinares
(Antes) 4: “Mudar ou expulsar”.
(Antes) 8: “A escola deveria ser mais rígida com esse aluno (...)”.
(Depois) 3: “Exclui-lo do poder de liderança”.
(Depois)8: “(…) dar as disciplina para cada afazer cada um no seu horário a escola devia
tira de se brinca da sala”.
(Depois)16: “A escola poderia envolver ele em trabalhos e organização, ocupando o tempo
dele em algo que ele sentir-se útil. Sem achar-se melhor que os outros”.
Medidas afetivas
(Depois) 12: “Essa criança precisa de muito carinho e amor de todos que rodeiam”.
12: “Esse menino tem que ter muito carinho (...) dos professores e alunos”.
(Depois)16: “Dar uma atenção especial, não separadamente”.
Aquisição de recursos profissionais pela escola
247
A necessidade de a escola providenciar profissionais especializados para
solucionar o problema foi mencionada pelos pais e responsáveis em ambos os
questionários. Esta demanda está de acordo com os levantamentos do CRP (2007),
que aponta o crescente número de solicitações para a criação de convênios,
serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito municipal, estadual e
federal), para o tratamento dos supostos transtornos. Tratar as questões das
dificuldades de escolarização com os especialistas mostra um retorno às
concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que atribui a
indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho alcançado nesse
processo.
(Antes) 8: “A escola deveria colocar uma orientadora e uma psicóloga para solucionar o
problema”.
(Depois)7: “Ter psicologo e profissional na área para trabalhar com os alunos atividades
escolares, profissionais religiosos. E policiais”.
Desconsideração de ações do sistema escolar
Alguns pais e responsáveis responderam qual é o papel da família quando
perguntado o que o sistema escolar deveria fazer para solucionar a questão,
desconsiderando qualquer ação desse último sistema.
Sendo a conversação e a coordenação entre as pessoas elementos que
geram processos constitutivos de identidade e mundos sociais, como afirma Fried
Schnitman (2004), entendemos que a identidade da família como única responsável
pelo problema do aluno foi sendo construída, mantida e reforçada por meio da co-
criação de significados e ações através de/e na comunicação e ação conjunta
estabelecidas entre a família e os demais subsistemas sociais. Segundo a autora, o
processo generativo é alcançado a partir da compreensão e coordenação co-
constitutivas de diálogos, sentidos, narrativas e ações.
248
(Antes): 1: “(…) os pais deveria ter o controle sobre o filho impondo limites, colocando
respeito sobre ele, se o filho não tem um certo comportamento é devido a falta pai mãe”.
(Depois): 1: “(…) a família (...) procurar tratamento (...) atravez de profissionais”.
(Depois) 2: “(…) para quem com vive tem que ter calma e pulso forte”.
(Depois) 7: “Deve ser feito mais reuniões entre pais e alunos” Com trabalho e MAIS
autoridade”.
8.1.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar
As justificativas permitem alcançar as crenças que sustentam as ações
sugeridas pelos pais e responsáveis. Pudemos identificar que, assim como na
justificativa das ações do sistema familiar, os pais e responsáveis focaram o
reconhecimento do problema ou reconhecimento do recurso.
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema
A justificativa orientada pelo reconhecimento do problema apontou para a
necessidade de investigação e para o fato de o aluno ou a família ser o responsável
pelo problema. Comparando as respostas do questionário aplicado inicialmente e no
último, identificamos que somente no início foi citada a família como responsável
pelo problema.
A maioria das ações do sistema escolar identificadas pelos pais e
responsáveis denotava um conjunto de medidas (chamar os pais, orientar,
investigar) em que a escola transferia para a família a responsabilidade pelo
encaminhamento da solução do problema. Por consequência, o que justificou essas
ações considerou a família e o aluno responsáveis pelo problema ou pela solução,
isentando a escola de qualquer motivo para intervenção.
Partindo da crença da realidade como uma construção social, Anderson e
Goolishan (1991) concebem os seres humanos como sistemas geradores de
249
significados e de linguagem, que emergem em uma continua atividade recursiva e
intersubjetiva. Desse ponto de vista, tanto a construção de significados e
entendimentos quanto a condução dos sistemas humanos ocorrem em um processo
dinâmico de mudança e criação.
Ao assumirmos o princípio da construção intersubjetiva da realidade,
compreendemos que a crença dos pais e responsáveis de que a família ou o aluno
são os únicos responsáveis pelo problema foi construída e mantida pelas
conversações que se dão nas interações das famílias com os demais sistemas
sociais e determinam a condução para resolução.
É importante investigar o problema
(Antes) 3: “Para saber como é a convivência em casa”.
(Antes) 6: “A família pode não estar sabendo das atitudes do filho”.
(Depois) 15: “(orientar os pais, indicar profissionais especializados) p/ identificação do
problema”.
(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista para ter uma
explicação”.
O aluno é o responsável pelo problema
(Antes) 7: “(…) por que este individuo não pode prejudicar o andamento das coisas na sala
de aula”.
(Antes) 8: “(…) é uma criança agitada”.
(Antes) 8: “Ele pegou o ponto fraco da família e da escola”.
(Depois) 5: “Para poder entender as atitudes da criança, porque ela esta envolvida
indiretamente na situação”.
250
A família é a responsável pelo problema
(Antes) 7: “Cabe aos responsáveis os cuidados dos filhos”.
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso
As respostas que indicavam o reconhecimento do recurso apontaram ora a
família, ora o especialista, ora escola, ora a parceria entre família e escola como
responsáveis pela solução do problema. Somente nas respostas após o Programa
de Promoção de Saúde na Escola, esta foi citada como responsável pela solução.
Essas respostas trazem o reconhecimento da potencialidade para a resolução
por várias partes implicadas no problema, ainda que não estejam articuladas entre
si. Assim não se configura uma visão sistêmica do problema que, de acordo Capra
(1987, p. 259), “baseia-se na consciência do estado de inter-relação e
interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos,
psicológicos, sociais e culturais”.
A família é a responsável pela solução
(Antes)1: “(a escola deveria entrar em contato com a família) para tentar solucionar o
problema”.
(Antes) 2: “(escola tem que chamar a família)resolver o problema”
(Antes) 2: “(Comunicar aos pais) para que seu problema seja resolvido (conversando com o
filho os pais e professores)”.
(Depois) 7: “Para ter mais dialogo”.
O especialista é o responsável pela solução
251
(Antes) 3: “(psicólogo) porque os professores não consegue mudar uma cabeça de um
adolescente de 14 anos”.
(Depois) 6: “(…) um tratamento bem sério e bem feito pode se resolver”.
A escola é a responsável pela solução
(Depois) 12: “(...) para ele superar e atraso na vida dele. Que acaba custando muito caro”.
(Depois) 16: “(…) mas mostrando que ele é capaz e que ele pode ser melhor e amigo de
todos”.
A parceria entre família e escola leva à solução
(Antes) 4: “(…) os professores ajudar os pais, a escola e a família”.
(Antes) 5: “(...) porque não adianta os pais fazerem de um jeito e a escola de outro”.
(Antes) 6: “(...) para ajudar a solucionar o problema do aluno (...) para juntos (escola e pais)
encontrarem uma solução”.
(Depois) 9: “(…) mais cooperação de todos”.
(Depois) 15: “(Discutir o problema com os pais) para chegar a um consenso (...) para chegar
a uma solução”.
8.1.3.3 Os envolvidos no procedimento do sistema escolar
Alguns pais e responsáveis apontaram que quem deveria estar envolvido na
ação era a escola e a família; outros, a escola, a família e especialistas, outros
ainda, a escola, a família e o aluno e alguns assinalaram apenas um desses
sistemas. Ao se referirem a ações especializadas, mencionaram psicólogos,
religiosos e policiais.
252
Ao citar a família e os integrantes do sistema escolar como envolvidos
nessas ações, os pais e responsáveis reproduziram o que delibera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1998).
Escola e família
(Antes) 1: “(...) escola deveria entrar em contato com a família (...)”.
(Antes) 2: “ Os pais e a escola”.
(Antes) 3: “Professora coordenadora, pais”.
(Antes) 4: “(…) os professores ajudar os pais, a escola e a família”.
(Antes) 4: “Pais e professores”.
(Antes) 5:”A diretora e os pais”.
(Antes) 6: “A escola e a família”.
(Antes) 6: “ (a escola) poderia ser feito reuniões com os pais”.
(Antes) 7: “Orientadora, professora e pais ou responsáveis”.
(Antes) 7: “(…) famílias, orientador e conselho de pais e mestre”.
(Depois) 10: “A escola e pais”.
(Depois) 15: “(…) pais e professores”.
Escola, família e especialista
Collares e Moysés (1994) assinalaram que por influência do crescente
reconhecimento das “patologias” como promotoras do fracasso escolar, a escola
passou a ser um espaço clínico direcionado para erros e distúrbios. As autoras
observaram que essa transformação implementa a desvalorização da atuação do
professor que acaba se percebendo como menos apto para lidar com as disfunções,
253
abrindo espaço para a atuação de outros profissionais. Em nosso ponto de vista, os
pais e responsáveis comungam dessa mesma percepção a respeito dos
professores.
(Antes) 8: “(...) orientadora (...) pai e professores junto com uma psicóloga”.
(Depois)6: “Escola e pais juntos com a ajuda de uma psicóloga”.
(Depois) 7: “(…) psicologos e profissionais na area(...) religiosos e policiais (na escola)”.
(Depois) 7: Autoridas e com pessoas que fazem parte desse trabalho (...) pais e alunos”.
(Depois) 8: “(…) professores toda a familha e um profissional ”.
(Depois) 9: “(…) pais e família e também professor e medico especialista”.
(Depois) 16: “(…) a família, o professor e os amigos”.
Escola, família e aluno
(Antes) 2: “(…) o filho os pais e professores”.
(Antes) 5: (a escola) “chamar a mãe (...) ter uma conversa entre ele e a mãe”.
(Depois) 3: “Professores e alunos, também os familiares”.
(Depois) 5: “Escola (...) pais (...) criança”.
(Depois) 8: “Escola (...) paiz”.
(Depois) 9: “Pais e aluno e professores”.
(Depois) 11: “(…) a escola, os pais (...) ele” (a criança)”.
(Depois) 12: “(…) pais, professores e alunos”.
(Depois) 15: “(…) pais/ educadores e aluno”.
Um sistema envolvido
(Antes) 3: “(…) a família”.
(Antes) 8: “(…) pais tem que se envolver com força e vontade”.
254
(Depois) 6: “(…) escola”.
(Depois) 11: “Todos da família deve ser envolvidos”.
(Depois) 16: “(…) escola”.
8.2 Análise das respostas dos questionários dos professores
Entre as respostas dos professores foram levantadas as seguintes categorias:
percepção do problema, expectativa dos professores em relação aos procedimentos
do sistema familiar, expectativa dos professores em relação aos procedimentos do
sistema escolar.
8.2.1 Percepção do problema
A responsabilidade dos pais na interação com os filhos difere da
responsabilidade dos professores na interação com os alunos, o que permite ao
professor, diferentemente do que ocorre com a família, a possibilidade de se
perceber ou não integrante do sistema responsável pelo problema.
Os professores, ao definirem o problema, expressam a visão que
provavelmente orienta sua prática profissional, ou seja, as ideias, crenças e valores
a respeito dos aspectos constituintes do fracasso no desempenho escolar do aluno.
Na apreciação dos professores apareceram três tipos de raciocínio: um
apoiado na percepção de única causa, outro baseado na percepção de diferentes
causas e um terceiro que identifica a integração entre as múltiplas partes do
problema. A percepção de causa única indica como responsável pela origem e
manutenção do problema a família ou o aluno ou o sistema de ensino. Essa
percepção parece estar pautada nos pressupostos de uma visão linear de mundo
em que se analisa separadamente as partes dos todos complexos
(VASCONCELLOS, 2006). Essa visão linear de mundo está fundamentada nos
modelos explicativos racionais e técnicos próprios do pensamento positivista
(HENRIQUES, 2000).
255
A percepção que integra as múltiplas partes do problema, citada por somente
um participante, sugere a família, a escola e o aluno como elementos que,
articulados, constituem o problema. Ao considerar as diferentes facetas do
problema, os professores lançam mão de um olhar sistêmico sobre o fenômeno em
que, segundo Capra (1987, p. 250), “baseia-se na consciência do estado de inter-
relação e interdependência essencial de todos os fenômenos”.
Em nenhuma das apreciações pautadas pelo pensamento linear há referência
a si próprio – professor – como elemento implicado na constituição do problema,
nem mesmo a escola é citada. Somente o sistema de ensino é referido por um
participante no primeiro questionário.
Tomando como base o pensamento de Bourdieu (1983), poderíamos
compreender que as apreciações feitas pelos professores sobre os casos
apresentados estariam carregadas de valores construídos no campo social em que
estes se desenvolveram. Na medida em que professores e alunos advêm de
campos sociais diferentes - classe média, e classes populares - e que os
professores tomam como natural e superior a sua cultura, fica implícita em sua
avaliação a desqualificação, a desigualdade e disfuncionalidade do aluno e de sua
família. Este julgamento configura o que o autor denominou violência simbólica.
A seguir, estão explicitadas as respostas dos professores sobre os vários
elementos que constituem o problema.
8.2.1.1 Família
Assim como os pais e responsáveis, os professores colocaram a família como
um dos elementos constituintes do problema. No primeiro questionário, aplicado
antes da intervenção, há apenas ênfase à disfuncionalidade da família como
responsável pelo problema. No último questionário, aparecem essas respostas e
também a referência à necessidade de investigação.
Os professores, ao assinalarem as disfuncionalidades das famílias dos alunos
nos casos apresentados, parecem estar tomando como referência as medidas
256
normatizadoras de organização familiar que se desenvolveu, segundo Costa (1990),
num campo próprio de saber e de poder, o do desvio, da anormalidade.
Os professores destacaram a condição da estrutura familiar como
determinante da atuação do aluno na escola. A definição de estrutura familiar
propostas por Minuchin (1990, p. 57) como “o conjunto invisível de exigências
funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”.
Sua principal tarefa é dar apoio à individuação e, ao mesmo tempo, prover
sentimento de pertinência aos indivíduos.
O autor não descreve a disfuncionalidade familiar em função do modelo
tradicional da família burguesa. Aborda as funções familiares que são executadas
por meio de diferentes sistemas e esclarece que há uma distinção hierárquica de
poder na família, sendo que os pais devem ocupar um nível diferente em relação ao
dos filhos e enfatiza que a maior autoridade na família deve estar apresentada pelo
subsistema parental.
Disfuncionalidade da família
(Antes) 2: “(…) falta de estrutura familiar, (...) família sem estrutura”.
(Antes) 4: “(…) disparidade na relação familiar social(…)”.
(Antes) 4: “(…) falta de limite devido ao protecionismo da mãe”.
(Depois) 5: “(…) e nos pais que provavelmente não colocaram limites.”.
(Depois) 8: “A maioria dos problemas trazidos para a escola são vivenciados em casa”.
(Depois) 9: “Uma família estruturada poderia ajudar muito”.
Investigação
(Depois) 7: “Sem conhecer direito a família, não sabemos”.
257
8.2.1.2 Aluno
O aluno foi o foco do problema em grande parte das respostas tanto antes
como depois do programa. Falta de limites, agressividade e o próprio aluno como
problema foram referidos nos dois momentos de aplicação do questionário.
As descobertas e progressos tecnológicos, fundamentados pelo
conhecimento científico são divulgados pelos meios de comunicação de massa que
acabam influenciando a construção da ideia de que cabe às ciências a resolução
dos problemas de sobrevivência humana, dessa forma contribuindo para a formação
do imaginário social. As interações rotineiras das pessoas são permeadas de
informações que veiculam um vocabulário neurocientífico que orientam a forma
como as pessoas experimentam a vida e traduzem seus sentimentos, pensamentos
e motivações. Nesse sentido, a produção da realidade vai se processando, através
dessas práticas e discursos, incorporando essas novas maneiras de os indivíduos
conceberem, controlarem e experimentarem seus sentimentos e seus corpos
(DANTAS, 2009).
Quando os professores identificam o foco do problema localizado no aluno e
atribuem às características destes últimos a origem do problema, constroem rótulos.
Conforme discutimos na abertura desta categoria (Percepção do problema), ao
citarmos Bourdieu (1983), tais julgamentos são construídos a partir de valores e
princípios que se articulam no campo social no qual o professor está inserido.
Os professores, ao incorporarem o conhecimento produzido pelo olhar
especialista desenvolvido, principalmente sobre as influências do movimento
higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e técnicas da
psicometria e da psicologia do desenvolvimento, o comportamento de crianças e
adolescentes passou a ser observado a partir de especificidades elencadas nos
quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou de doença. A utilização do
saber especializado a respeito do comportamento dos alunos pode ser identificada
nas respostas dos professores ao referirem-se a eles como agressivos,
indisciplinados, desrespeitosos, com dificuldade de aprendizado, de atenção ou de
concentração. Isto corrobora com a opinião de Guarido (2011, p. 151) segundo a
qual os professores “foram também chamados a ser extensão do olhar especialista
258
na prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151), passaram a identificar disfunções e
orientar familiares na busca de tratamento adequado para os problemas que
ocorriam com os alunos no contexto escolar.
Collares e Moysés (1994) assinalaram que a divulgação crescente das
“patologias” promotoras do fracasso escolar são geralmente mal definidas, com
vagos e imprecisos critérios de diagnóstico, isso traz como consequências a
rotulação de crianças normais, que acabam introjetando essas definições negativas
a cerca de si mesmas.
Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto
imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo
de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa
cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa
sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da
subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas
neuronais articulados que, ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado
de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, afirma que “a suposta eficácia das
medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade
enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTA, 2009, p. 565).
Entre as respostas, os professores citam a falta de interesse do aluno como
um dos fatores geradores do problema. Em um estudo realizado na Argentina, Chile,
Brasil, Bolívia e Paraguai (IBASE; PÓLIS, 2008), o fato de os brasileiros
identificarem que a maior dificuldade em estudar é decorrente da falta de interesse
pessoal dos jovens chamou a atenção dos pesquisadores, pois difere-se
significativamente da opinião dos jovens de outros países. Sobre esses dados, os
pesquisadores ressaltaram que:
É possível que haja, nessa percepção, uma boa dose de julgamento moral negativo a respeito da juventude presente na sociedade (...). Mas também é possível que reflita o que muitos estudiosos têm anotado a respeito de uma crescente sensação entre os jovens de que a escola tem “perdido o sentido” ou que, pelo menos, esse sentido não parece tão claro ou seguro. (IBASE; PÓLIS, 2008, p.9, grifo do autor)
Limite e agressividade
259
(Antes) 1: “Falta de limite respeito as regras (...) disperso”.
(Antes) 1: “Indisciplina e Agressividade”.
(Depois) “Aluno indisciplinado (...)”.
(Depois) 4: “Agressividade (...)”.
(Depois) 4: “Indisciplina (...)”.
(Depois) 5: “Indisciplina, desrespeito”.
(Depois) 10: “(...) falta limite. (Des) necessidade de chamar a atenção, agressividade
controlada”.
(Depois) 11: “Aluno indisciplinado”.
(Depois) 12: “Comportamento inadequado(...)”.
O aluno como problema
(Antes) 3: “O aluno Denis”.
(Depois) 4: “(...) jeito de ser do aluno (...)”
(Depois)5: (...) na criança (...) o porque disso não é problema da escola (...) exemplo
tradicional que se tem na escola”.
(Depois) 10: “Adolescente confuso necessitando de ajuda – desestimulado, organização
interior”.
Vitimização
Somente no primeiro questionário foram apontados vitimização e
característica de personalidade como elementos constitutivos do problema.
(Antes) 1: “(...) vítima de agressividade”.
Característica de personalidade
260
(Antes) 4: “Mania de perfeição: em função de sua demora para fazer bem feito”.
Dificuldade de aprendizagem, falta de concentração e desinteresse
Os professores referiram-se à dificuldade de aprendizagem, de concentração,
falta de interesse, problemas de socialização e no desenvolvimento, apenas no
último questionário.
(Depois) 2: “(...) algum problema de aprendizagem este aluno deve ter (...)”.
(Depois) 3: “(...) e com baixo rendimento escolar (...) na aprendizagem (...)”.
(Depois) 4: “(...)/dificuldade de concentração (...) falta de concentração/psicológico”.
(Depois) 4: “(...) desatenção”.
(Depois) 7: “ na maioria das vezes isso se justifica porque não encontra atrativo na escola”.
(Depois) 9: “Falta de compromisso escolar”.
(Depois) 10: “Aluno com problema de concentração e (...) No sistema nervoso do aluno”.
(Depois) 10: “(...) desestimulado”.
(Depois) 11: “(...) desinteressado, acredito ter algum problema emocional”.
(Depois) 12: “(...) e aprendizagem deficitária (...)”.
(Depois) 12: “Aprendizagem comprometida”.
As respostas apresentadas acima baseiam-se nos diversos rótulos atribuídos
ao aluno. Diferentemente, a resposta a seguir escrita por um professor no último
questionário aponta um diagnóstico.
(Depois) 10: “TDH - hiperatividade – emocional abalado – cognitivo confuso com dificuldade
- organização espacial. O aluno pode ter TDH, quer chamar a atenção hiperativo e falta de
org (...) desajuste escolar e dificuldade do aluno”.
Identificamos nas respostas dos professores a legitimação das ideias dos
especialistas que apontam o aluno como portador de disfunções neurológicas,
psicológicas e de interações sociais. Se, por um lado, o saber construído na área da
psicologia contribuiu para o desenvolvimento desse olhar avaliativo e diagnóstico
das dificuldades que os alunos encontram no seu processo de aprendizagem - como
261
nos referimos na introdução desta subcategoria (Alunos) - observa-se hoje um
movimento diferente na área, que questiona a produção indiscriminada de
diagnóstico impreciso, que acaba implementando sobremaneira a utilização de
medicamentos no enfrentamento de problemas escolares.
O Conselho Federal de Psicologia, em uma cartilha que reúne material
construído a partir de discussões inter e intra disciplinares de pesquisadores
interessados pelas questões relacionadas à educação, nacionais e internacionais,
assinalou que no Brasil encontramos um crescente aumento na compra e
dispensação de Cloridrato de Metilfenidato (droga controlada que pode provocar
sérias e inúmeras reações adversas) pelos órgãos públicos como estratégia de
enfrentamento para atenuar os sintomas daqueles alunos que foram diagnosticados
como portadores de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA),
que comumente é acompanhado do diagnóstico de dislexia. Um excessivo aumento
de 1.284% (71.000 caixas em 2000 para 2.000.000 de caixas em 2010 – dados do
Instituto de Defesa de Usuários de Medicamentos - IDUM, 2010) durante cinco anos.
Somado a esse fato, o também crescente número de solicitações para criação de
convênios, serviços e programas de diagnósticos e tratamento (em âmbito
municipal, estadual e federal) para o tratamento dos supostos transtornos indicam
que essa forma de abordar as questões das dificuldades de escolarização apontam
um retorno às concepções organicistas, de caráter excludente e culpabilizador, que
atribuem a indivíduos e a grupos sociais a responsabilidade pelo desempenho
alcançado nesse processo (CRP, 2007).
Socialização e desenvolvimento
(Depois) 3: “(...) e no convívio escolar”.
(Depois) 5: “(...) no aluno que não se socializa e que atrapalha a aula”.
(Depois) 7: “Não gosta de estudar Perdeu dois anos da fase certa para estar na 6ª. série (...)
já está fora da faixa etária para a 6ª. série e ainda por estar no meio de alunos de 11 a 12
anos”.
(Depois) 9: “Pode estar na dificuldade de socialização com os demais alunos, dentro e ou
fora da sala de aula”.
262
(Depois) 10: “(...) desajustado na turma (...)”.
8.2.1.3 Sistema educacional
O sistema educacional é referido por um professor na primeira aplicação do
questionário.
Chama a atenção, a reduzida referência do professor ou da escola como foco
do problema ao contrário da maciça menção à culpabilização do aluno. Como
assinalado na subcategoria acima (Alunos), a ideia de interesse no contexto escolar
ser de responsabilidade dos alunos e que a falta dele (interesse) está somente a ele
(aluno) relacionada não se sustenta na educação pós-moderna que, segundo Gadotti
(2003), parte do princípio que antes de conhecer, o homem se interessa em conhecer, e é
desse interesse que se ocupa. O autor, identificando assim o caráter prospectivo do
conhecimento, acrescentou que a educação orientada pelos pressupostos da pós-
modernidade trabalha com o significado, com a intersubjetividade e a pluralidade, e
pretende que os conteúdos sejam focados de forma que sejam essencialmente significativos
para os alunos.
(Antes) 2: “O sistema de ensino hoje não está sendo suficiente para “seduzir” o aluno (...)”.
(Antes) 2: “ No próprio sistema educacional, (...)”.
8.2.1.4 Percepção de múltiplas partes do problema
Na opinião dos professores, a escola, o aluno, família e/ou a sociedade
podem fazer parte do problema e investigar a participação dessas pode ajudar a
identificá-lo.
(Antes) 2: “O problema está no sistema de ensino-familia e no aluno”.
263
(Antes) 3: Não dá pra definir ainda temos que fazer uma sondagem com professores pais e
especialista”.
(Depois) 1: “(...) dificuldade de relacionamento.(Pode ser família, Escola ou Sociedade)”.
(Depois) 1: “Acredito estar desmotivado e que na família está do mesmo jeito. Pois vivemos
num mundo capitalista, onde os bens materiais ainda vem na frente da educação”.
(Depois) 3: “Aluno indisciplinado e com baixo rendimento escolar (...) no menino na escola e
no convívio familiar”.
(Depois) 12: “(...) depende tem que ser analizado a criança e a familia”.
8.2.1.5 Percepção integrada das múltiplas causas do problema
A percepção integrada de causas múltiplas, conforme dito acima, requer a
identificação da integração de distintas partes implicadas na constituição do
problema, o que só apareceu na resposta de uma participante na aplicação do
último questionário. Cabe observar que essa pedagoga e professora esteve
presente em todos os encontros.
(Depois) 6: “ A agressividade, a falta de concentração comprometem o rendimento escolar
do aluno. A tendência de muitos é pensar que a culpa é do aluno e de sua família, mas
independente do que gerou essa situação, o importante é que o problema seja resolvido.
Para que isso aconteça, é fundamental uma ação conjunta da família, escola e outros
profissionais”.
(Depois) 6: “O aluno está em uma série que não corresponde à sua idade cronológica e está
vivendo um momento em que necessita de autoafirmação. Deve ser mais velho que a
maioria de seus colegas; isso pode contribuir para seu desinteresse e indisciplina,
explicando também sua liderança. Como seu rendimento e de seus colegas pode ficar
comprometido, é importante uma ação conjunta entre família, escola e outros profissionais”.
Como nos referimos no início da categoria “Percepção do problema”, esta
subcategoria pode ser compreendida como uma percepção sistêmica que, segundo
264
Morin (2003), não se opõe ao pensamento simplificador, porém o integra, é capaz de
unir a simplicidade à complexidade, denota o pertencimento ao metasistema ao qual
se integra sem desconfigurar sua própria simplicidade. O paradigma da
complexidade “obriga a separar e reduzir; (...) ordena reunir e distinguir (MORIN,
2003, p.75).
Esta compreensão mais abrangente dos eventos contribui para a criação de
ambientes favoráveis à saúde, que, com o reconhecimento das características
complexas da sociedade, tornam imprescindível a consideração dos elementos que
ligam a população ao meio ambiente. As relações estabelecidas entre indivíduos,
comunidades e meio ambiente podem resultar no encorajamento da ajuda mútua
tanto no cuidado de cada um quanto do corpo social mais amplo (BRASIL, 2002, p.
22).
8.2.2 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema
familiar
Para identificar crenças dos professores sobre a maneira como a família
deveria participar da resolução do problema, questionamos o que deveria ser feito,
como e quem estaria envolvido nessa resolução. A partir dessas respostas, foram
identificadas três categorias: ações do sistema familiar, justificativa das ações do
sistema familiar e envolvidos no procedimento.
8.2.2.1 Ações do sistema familiar
Para os professores a atuação da família diante do problema apresentado
pelo aluno requer que esta exerça adequadamente sua função cuidadora, faça uma
investigação e busque ajuda de profissionais e especialistas. Nesse aspecto não
houve diferença entre as respostas do primeiro e do último questionário.
265
Tomando Bourdieu (1998) como referencia, entendemos que o exercício
adequado da atuação da família está relacionado aos princípios e valores
articulados no campo social em que os professores se desenvolvem enquanto
pessoas. Pertencentes, geralmente, à classe burguesa executiva, os professores
acreditam que as estratégias escolares desenvolvidas pelos pais dos alunos dos
casos apresentados são pouco eficientes. Esse julgamento está baseado na
comparação que esses professores fazem sobre as estratégias escolares sem
considerar as especificidades sociais, econômicas e culturais da família.
Nas respostas dos participantes ficou implícito que os professores contam
com a participação da família para a conclusão de ações pedagógicas. Sobre isso,
Bourdieu (1998) refere que as ações pedagógicas realizadas de forma igualitária
tendem a reproduzir e legitimar as desigualdades preexistentes, uma vez que nem
todos detêm os instrumentos de decodificação dos códigos linguísticos dessa ação
comunicativa. Para uns, a cultura escolar soaria como uma cultura “natal”, para
outros como uma cultura “estrangeira”, demandando neste segundo caso intenso
esforço para efetivar essa interação.
As ações que os professores esperam que a família execute em relação aos
filhos estão de acordo com o que Minuchuin (1990) propõe sobre as funções
desempenhadas pelo sistema familiar, em que cabe à família tanto proteger seus
membros quanto habilitá-los para a interação com o meio social. Segundo o autor, o
funcionamento adequado do sistema familiar seria alcançado a partir de interações
flexíveis entre os subsistemas, organizados hierarquicamente, e cabendo ao
subsistema parental ocupar a posição de maior poder na família. Tal idéia é
reproduzida pelos professores quando afirmam que os pais devem dialogar, colocar
limite, orientar, estabelecer regras e obrigar a serem cumpridas, além de definir
valores.
Função cuidadora
266
Na expectativa dos professores, cabe aos pais orientar o filho, estabelecer
limite, dialogar, proporcionar atividade esportiva, ser exemplo, aplicar punições e
acompanhar a realização das atividades escolares.
(Antes) 2: “Impor limites, ter diálogo – respeito – valorização”.
(Antes) 3: “(...) formar rede manter mesmas regras”.
(Antes) 4: “Participar ativamente de todo o processo educacional, integrando-se a escola”.
(Antes) 4: “(...) a mãe deveria matricular o filho em outro colégio ou a mãe lecionar em outro
colégio ou em turnos diferentes, (...)”.
(Depois) 4: “Acompanhamento diário. (...) ajudar na organização do material e dos
conteúdos”.
(Depois) 4: “Ajudar no aprendizado do aluno e tentar descobrir a origem da indisciplina”.
(Depois)5: “Colocar regras, normas e obrigar serem cumpridas. (...) coloca-se regra (pacto),
se não cumprir merece castigo”.
(Depois)5: “Dar educação com exemplos. (...) pais ensinando e fazendo o que é certo”.
(Depois)6: “Em casa, a criança precisa de orientação e atribuição de responsabilidades, a
fim de que melhore sua organização. É importante também que ele ocupe parte do seu
tempo com alguma atividade física que goste muito”.
(Depois)8: “Familia participar mais da vida escolar. Trabalhar e resgatar valores”.
(Depois)10: “A família tem que se envolver mais”.
(Depois)10: “Entende-lo e conversar muito (...) mas precisa de ajuda para se concentrar nas
atividades e limites para respeitar os outros”.
Investigar
Investigar a causa do problema para se chegar a um diagnóstico é uma das
tarefas que a família deve ter diante do problema do aluno, segundo os professores.
Esse tipo de expectativa dos professores parece ser pautada pelos
pressupostos positivistas da ciência que, com o propósito de compreender o mundo
e seu funcionamento, através de seu método passou a analisar separadamente as
partes dos todos complexos, na busca de evidenciar claramente a causa de cada
267
fenômeno abordado. Instalou-se “a fragmentação do objeto de estudo, a
compartimentação dos campos do saber, as especializações” (VASCONCELLOS,
2006, p.78).
Nos primórdios da promoção de saúde, o saber especializado, centrado no
indivíduo, focalizando eventualmente a família ou grupos sociais, passou a buscar o
entendimento sobre os agentes causais e os fatores de risco das doenças. O
resultado desse processo viabilizou o desenvolvimento de sofisticadas técnicas de
exames complementares que programaram o aperfeiçoamento das ações
preventivas com base no diagnóstico precoce (BUSS, 2000). Nesse sentindo, com o
intuito de combater o problema enfrentado pelo aluno na escola, descrito nos casos
avaliados pelos professores, estes indicaram que investigar o problema deve ser
uma ação desempenhada pela família.
(Antes) 1: “Investigar o porque desta atitude do aluno”.
(Antes) 1: “Descobrir a causa dessa agressividade”.
(Depois) 3: “(...) Questionários sobre como é a convivência, através de reuniões.”
(Depois) 6: “Sempre é importante investigar se não há um problema físico causador da
desatenção (pode ser um problema auditivo, visual, neurológico, etc.)”.
(Depois) 7: “ Deve se fazer uma sondagem, escola família. Tentar detectar as causas desse
comportamento. (...) Uma parceria escola família para ajudar a criança temos que ouvir as
partes interessadas”.
(Depois) 9: “Estando atenta se seu comportamento é o mesmo em casa com vizinhos,
parentes, etc.”.
Buscar ajuda de especialista
A ideia de que a família deve buscar ajuda de um profissional especializado
foi amplamente assinalada nas respostas dos professores tanto antes como depois
da intervenção.
(Antes) 3: “Parceria c/ escola, e acompanhar, buscar ajuda especialista (...)”.
268
(Antes) 3: “Procurar ajuda com os órgãos competentes (...) Envolvimento pleno da família e
escola”.
(Depois)1: “Pessoas especializadas para resolver o problema (Psicólogas ...)”.
(Depois)2: “A família, primeiramente, deveria procurar um médico, fazer exames
laboratoriais, de visão e audição, para descartar a possibilidade de problemas físicos pois
persistindo uma psicopedagoga precisa ser procurada”.
(Depois)2: “A família,deva procurar um médico e fazer exames laboratoriais, de visão e
audição, para depois procurar um psicopedagogo (...)”.
(Depois)3: “Levar a especialistas – neurologista; psicólogo; psicopedagogo; exames –
visuais; audiométricos; neurológicos; pedagógicos”.
(Depois)3: “(...) Levar a especialista para exames diversos que auxiliarão num possível
diagnóstico (...) relatórios, questionários, exames, reuniões”.
(Depois)11: “Procurar ajuda medica para medicar. Talvez clinica neurológica ou psicológica.
A família deveria fazer o encaminhamento”.
(Depois)11: “A família deveria procurar ajuda psicológica”.
(Depois)12: “Procurar profissionais que propiciem o entendimento do problema e como
resolve-los”.
O encaminhamento da família ao especialista está congruente com o discurso
pedagógico de caráter normatizador, que valida o saber especializado sobre a
criança. De acordo com Guarido (2011), a autoridade familiar foi sendo substituída
pela autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a
educação.
Com o aumento do número de encaminhamento de aluno para especialista, o
que vem sendo abordado por distintos estudiosos, a saber: Mannoni (1988), que
criticou a pedagogia, seus efeitos excludentes e o poder técnico do trabalho com
crianças institucionalizadas, que acabam por preservar as práticas de ensino
inadequadas; as reflexões de Patto (2000) sobre a produção do fracasso escolar
como consequência da discriminação das classes trabalhadoras, justificada pelo
discurso psicologizante que culpabiliza as crianças e as famílias pelo
comprometimento da performance do escolar; Moyses e Collares (1997)
ressaltaram a intensidade do discurso médico-especialista na apreciação dos
problemas de aprendizagem e, sob o ponto de vista de transtornos, acaba
269
simplificando questões complexas, excluindo a responsabilidade da instituição
escolar na co-construção dessa realidade.
8.2.2.2 Justificativas das ações do sistema familiar
Na opinião dos professores, a justificativa para as ações que a família deve
realizar está permeada pelo reconhecimento da necessidade de uma compreensão
especializada para o problema, que envolve questões de saúde, desenvolvimento
psicológico, disposições cognitivas. A busca da família pelo diagnóstico foi
ressaltada em todas as respostas à exceção de uma. As respostas foram agrupadas
como orientadas pelo reconhecimento do problema e orientadas pelo
reconhecimento do recurso.
A partir de uma compreensão vaga e imprecisa sobre o problema, os
professores acreditam que a família deve agir no sentido de obter esclarecimento
sobre o que está acontecendo. Esta justificativa foi explorada na subcategoria
acima que explicita a função cuidadora da família (MINUCHIN, 1990).
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema
Houve no primeiro questionário uma resposta que justificou a ação
simplesmente por haver um problema. No último, os professores enfatizaram o
diagnóstico sem finalidade.
Problema requer ação
(Antes) 3: “Porque é um caso diferente”.
270
Diagnóstico sem finalidade
(Depois) 2: “ (...) descartar possibilidade de problema físico (...)”.
(Depois)2: “ (...) diagnosticar o seu (do aluno) problema”.
(Depois)3: Exames para detectar se não há problemas psíquicos, neurológicos, ou
pedagógicos. Também observar se não há um problema familiar que influencie na escola”.
(Depois) 7: “(...) para melhor entender essa situação”.
(Depois) 11: “Para descobrir o que esta afetando esse aluno”.
A busca da família pelo saber especializado, o diagnóstico, foi apontada tanto,
quando os professores identificam apenas o problema, como quando identificam os
recursos da família. Ao identificarem apenas o problema, os professores acreditam
que a família deve providenciar a elaboração do diagnóstico. Ao identificarem os
recursos, os professores ressaltam, além do diagnóstico, a necessidade de
providenciar também o tratamento.
Tais justificativas em nosso entendimento se relacionam com o que Collares e
Moysés (1994) afirmam sobre as transformações que ocorreram no contexto da
escola que passou de um espaço saudável, voltado para a aprendizagem, para um
espaço clínico direcionado para erros e distúrbios.
Guarido (2007), dando uma dimensão histórica desse processo, assinalou
que a formação do campo escolar, a partir da modernidade, se fundamentou na
organização da atuação de especialistas e do Estado sobre a educação das
crianças. Segundo ele,
Se até o início do século XX a criança é basicamente objeto da pedagogia, é nesta que os primeiros médicos dedicados a enfrentar os problemas graves do desenvolvimento infantil vão encontrar parceria fértil para propor formas de tratamento a essas crianças. (...) o campo de tratamento da criança se instala imbricado a certo ideal de educação do início do séc. XIX. (...) o domínio do saber sobre a criança passa cada vez mais do universo pedagógico ao universo médico-psicológico (GUARIDO, 2007, p. 155).
A autora assinalou que a medicalização tem sido um dos caminhos mais
rápidos e eficientes no enfrentamento do sofrimento psíquico e dos problemas que
emergem em nosso dia a dia. Ressaltou que tanto o uso abusivo de medicamentos,
271
quanto o crescente uso indiscriminado de psicofármacos estão relacionados com a
busca de soluções técnicas para a eliminação dos desconfortos e inquietações
frente à cobrança social de um estado de assertividade e felicidade constante que
está atrelado às noções de status e sucesso difundidos em uma sociedade
capitalista.
Nessa mesma linha de pensamento, Dantas (2009) apontou que em nossa
sociedade são fabricadas receitas para tratamento dos sofrimentos humanos sem
levar em conta o contexto turbulento em que as relações sociais acontecem,
(...) como uma resposta quase que obrigatória e exclusiva em busca da solução mais rápida que nos traga o tão almejado bem-estar. São substâncias artificiais que com suas inúmeras promessas nos oferecem nada menos que soluções também artificiais e paliativas para o bom viver na atualidade. Em busca de alívio, cura e conforto, nos privamos daquilo que seria originalmente humano: angústia, culpa, vergonha, tristeza, frustração e consciência de si (DANTAS, 2009, p.578).
Ao discutir o papel do medicamento na contemporaneidade enquanto objeto
imerso na desmesura tecnológica, Dantas (2009) assinalou que o atual uso abusivo
de medicamentos pode ser entendido como uma característica marcante de nossa
cultura ocidental. Guiada pelos preceitos absolutizantes das ciências naturais, nossa
sociedade sustenta o projeto moderno de entendimento técnico e reducionista da
subjetividade humana, em que esta é reduzida a um complexo de sistemas
neuronais articulados que, ao entrar em estado de desequilíbrio configura um estado
de adoecimento. Reafirmando esse pensamento, “a suposta eficácia das
medicações mostra-se como uma comprovação do entendimento da subjetividade
enquanto engrenagem, que cabe consertar ou ajustar” (DANTAS, 2009, p. 565).
Finalmente Luz (1998) argumentou que a expressão medicalização do corpo
social pode estar relacionada tanto à forma pela qual a evolução da tecnologia vem
imprimindo transformações sobre a prática da medicina, através da influência da
indústria farmacêutica e de equipamentos médico e das inovações diagnósticas e
terapêuticas, quanto às consequências envolvidas no jogo de interesses que
envolvem a produção do ato médico.
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do recurso
272
Em ambos os questionários, a família como responsável pela solução e a
realização do diagnóstico com uma finalidade foram as justificativas citadas quando
orientadas pelo reconhecimento do recurso. No primeiro questionário, porém, a
finalidade do diagnóstico foi inespecífica e no último teve como objetivo reduzir a
agressividade, indicar medicalização ou apontar outras soluções.
Hoyweghen (1976), ao abordar a questão da medicalização na sociedade
ocidental contemporânea, ressaltou a importância em considerar a utilização
desmedida dos serviços médicos compatível com a atitude consumista dos
indivíduos na atualidade. Ressaltou o autor que, embora integrados ao processo da
medicalização, os médicos não mais atuam como principais impulsionadores desse
processo que, ainda que, o centro de definição da medicalização se situe dentro da
medicina, fatores de mercado, como o marketing para o cuidado com a saúde, dos
produtos de biotecnologia e dos produtos farmacêuticos, vão despontando como os
atuais propulsores da medicalização da sociedade. O autor enfatizou que o consumo
de medicamento está diretamente relacionado ao desejo humano de estar bem, e
que é esse desejo, mediado pelos demais indivíduos e pelo meio cultural, que
precisar ser analisado e compreendido à luz da sociologia.
Família é a responsável pela solução
(Antes) 2: “Porque a família é a referencia para todo o processo”.
(Antes) 4: “... para o aluno não se sentir protegido com a mãe por perto”.
(Depois) 5: “ Porque eles são os pais e tem esse dever”.
(Depois)5: “É o melhor caminho”.
(Depois)9: “(...) a família tem mais tempo de convívio”.
Diagnóstico com finalidade
(Antes) 1: “Descobrindo a causa podemos lidar com o efeito”.
273
(Antes) 3: “Para resolver a situação (...)”.
(Depois)3: ”Para evitar diagnósticos escolares sem exames extras”.
(Depois) 4: “Para ver o rendimento/desenvolvimento”.
(Depois)6: “Isso costuma contribuir para redução da agressividade”.
(Depois)10: “(...) para ajudá-lo nas suas dificuldade”.
(Depois)11: “Para medicar”.
8.2.2.3 Os envolvidos no procedimento
A maioria das respostas dos professores no primeiro e no último questionário
apontou a família, juntamente com outro sistema social, como a escola ou os
especialistas como os envolvidos no processo de solução do problema. A visão de
que a família é a única responsável também foi citada por alguns participantes nos
dois momentos de aplicação do questionário.
Família e outros sistemas sociais
Ao identificarem diferentes subsistemas envolvidos na solução dos
problemas, os professores estariam se orientando por uma visão sistêmica do
problema que, segundo Morin (2003, p. 265), exprime:
(...) a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e a parte (...); conjunto das relações que se efetuam e se tecem num sistema; (...) o caráter constitutivo dessas interações - aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à ideia de sistema a sua coluna vertebral.
Destacamos que os professores em suas respostas assinalam aquilo que,
nas palavras de Sluzki (1997), se constituiria no sistema determinado pelo problema
em que uma conversação produzida por um sistema sobre um problema (descrição
consensual do que constitui um problema e as soluções possíveis) consolida o
274
sistema e o mantém em funcionamento. O autor utilizou como exemplo a rede
constituída pelos pais, professora e diretora da escola, que definiram o
comportamento hiperativo de uma criança como rebelde ou bobo e assinalou que,
ao estabelecerem uma rede que concorda com a descrição do problema, conformam
um sistema determinado pelo problema. Esclarecemos que nas respostas não
houve referência da função construtiva da interação entre os indivíduos implicados
na resolução do problema, mas está explicita a identificação dos indivíduos que
devem estar envolvidos nesse fazer.
(Antes) 1: “Os pais, a família e a escola”.
(Antes) 1: “Através do dialogo escola-familia-aluno”.
(Antes) 2: “Quem deveria estar envolvido seria a família com ajuda de um profissional
(psicóloga).
(Antes) 3: “Família/Especialista/Escola”.
(Antes) 3: “Família e escola”.
(Antes) 4: “Família, escola”.
(Depois) 1: “Todos estão envolvidos. (Pode ser família, Escola ou Sociedade)”.
(Depois) 2: “Tanto família, quanto escola (prof./coord.) deverão estar envolvido neste
tratamento e acompanhar este aluno”.
(Depois) 3: “Família atuante (participativa), posteriormente escola (sua equipe).”
(Depois) 3: “Família, equipe escolar, especialistas”.
(Depois) 4: “Família e equipe pedagógica”.
(Depois) 4:“Escola/família/conselhos psicológicos”.
(Depois) 6: “(...) é fundamental uma ação conjunta da família, escola e outros profissionais”.
(Depois) 6: “Os profissionais que com ele trabalham e sua família devem fazer o mesmo”.
(Depois) 7: “Família escola”.
(Depois) 10: “A escola e a família juntas”.
(Depois) 10: “Todos a sua volta professor pais”.
(Depois) 12: “Familia, coordenação pedagógica, professores envolvidos e a criança”.
(Depois) 12: “Escola/profs/pedagogo, família e adolescente”.
Família
275
Também encontramos nas respostas uma percepção que, em nosso
entendimento, é fruto de uma visão linear da realidade, que, conforme Vasconcellos
(1995), Morin, (2003) e Capra (1987), se mostra insuficiente para promover a
compreensão e o enfrentamento de problemas que se mostram tão complexos.
(Antes) 4: “(...) mãe (...) filho”.
(Depois) 5: “Principalmente família”.
(Depois) 5: “Família”.
(Depois) 9: “A família”.
8.2.3 Expectativa dos professores em relação aos procedimentos do sistema
escolar
Ações do sistema escolar, justificativa dessas ações e envolvidos no
procedimento foram as categorias que permitiram acessar o que os professores
pensam a respeito do seu papel e do sistema em que estão inseridos para a
resolução do problema do aluno.
8.2.3.1 Ações do sistema escolar
Na percepção dos professores, as ações desenvolvidas pelo sistema escolar
se referem a: investigar o problema, encaminhar a especialista, acompanhar o
aluno, orientar ou cobrar o envolvimento dos pais, orientar os professores, aplicar
ações inespecíficas, disciplinares e integradas.
O número de ações do sistema escolar foi menor entre as respostas dos
participantes no primeiro questionário, quando comparado às do segundo. Os
professores do primeiro apontam: investigação sem função específica, orientação
aos pais, sejam impositivas ou ponderadas e ações inespecíficas. No último
questionário, há respostas em todas as subcategorias à exceção de ações
inespecíficas. Nessa mesma linha, as respostas do primeiro questionário foram
276
curtas e diretas, enquanto às do último, mais completas e explicativas, sugerindo
maior dedicação do professor ao responder. Pode ser que a participação no
Programa de Promoção de Saúde na Escola tenha possibilitado a eles ampliar as
suas possibilidades de ação e comprometer-se com a reflexão sobre as ações do
sistema escolar.
Outra mudança, agora em relação às categorias de percepção do problema e
de ações do sistema familiar, foi que nesta categoria, os professores demarcaram a
interação entre a escola e a família nas ações, o que os colocou como participantes
ao invés de avaliadores ou culpabilizadores.
Nas categorias anteriores sobre percepção do problema e ações do sistema
familiar, assim como nas categorias levantadas na análise das respostas dos pais,
ficaram mais explícitos os conceitos Bourdieu (1983) do arbitrário cultural e da
violência simbólica, conforme já apontado ao longo do texto. As respostas
elaboradas após a participação no Programa, indicaram algo diferente, identificamos
um discurso em que os professores passaram a se ver como participantes. Ao ler as
respostas, é possível observar que o julgamento, dá lugar à interação, à parceria
entre pais, alunos, professores e profissionais especializados. Ainda que o
conhecimento técnico, especializado, que se soma a seu capital cultural, próprio do
seu campo social de classe média, descrita por Bourdieu (1983), esteja presente nos
comentários dos professores, observamos um posicionamento diferente.
Nesse sentido, nos cabe questionar o que tornou essa percepção possível
entre os professores. Será que a participação num Programa que se propôs dar voz
e espaço a eles e mostrar aspectos pouco reconhecidos anteriormente a respeito da
família do aluno colaboraram com essa mudança? Podemos inferir que de alguma
forma tenha colaborado na medida em que a interação dos participantes com a
pesquisadora promovendo o acesso a novas formas de abordar o problema escolar
pôde movimentar e transformar a compreensão e a perspectiva de ação do
professor.
A mudança a partir da interação pode ser compreendida apoiada nos
pressupostos da construção intersubjetiva da realidade. Segundo Anderson e
Goolishian (1991), os sistemas humanos como sistemas linguísticos, que, por deter
características relacionais, recursivas, são geradores de significados que emergem
constantemente como uma rede fluida de ideias interatuantes e ações correlatas.
277
Os autores utilizam uma concepção de linguagem como parte integrante do
processo humano criativo de interagir com a realidade, que permite o contato
significativo entre os seres humanos, tornando possível o “compartilhar” da
realidade. A linguagem, definida como ferramenta humana de utilização especifica,
só pode ser compreendida no contexto em que é produzida, pois “existir na
linguagem” significa existir em um processo de criação social de realidades
intersubjetivas que os seres humanos compartilham entre si em um determinado
tempo.
A linguagem foi abordada por Matura e Varela (2001) a partir de uma extensa
observação do ato comunicativo que se destacaram desse evento, ou seja, a
coordenação de coordenação de comportamentos entre os organismos envolvidos
por meio de uma acoplagem estrutural mútua. Observaram que as interações
recorrentes entre os organismos mobilizavam mudanças estruturais simultâneas –
uma coordenação de coordenações de comportamentos. Tais coordenações
coordenadas emergem em um fluxo contínuo de fazeres e de emoções que ganham
existência no viver juntos na linguagem. Assim, na perspectiva dos autores, a vida
se desenvolve permeada por conversações, a existência humana ocorre inserida em
um contínuo fluir de linguajar e emocionar, em que os indivíduos vão atribuindo
sentido e significados aos eventos.
A vida e a atuação humana se dão em um mundo que é definido por meio das
descrições que ocorrem nas interações, em linguagem, ou seja, vivemos e atuamos
socialmente em um multiverso de mundos descritos. Assim, toda ação humana se
dá na linguagem e toda ação na linguagem traz consigo o mundo criado a partir de
uma relação com os outros.
Investigação
Investigar o problema foi citado de forma isolada no primeiro questionário e
associado ao encaminhamento a especialista e/ou acompanhamento do aluno ou da
família, no último.
278
A ação de investigar pode ser compreendida como compatível com as
características da pedagogia tecnicista descrita por Saviani (2008), em que nem o
professor nem o aluno são reconhecidos como elementos principais no processo de
ensino. Este lugar de destaque é ocupado pelo especialista, supostamente
habilitado, neutro, objetivo e imparcial, capaz de conceber, planejar, coordenar e
controlar todo o processo.
Investigar sem função específica
(Antes) 1: “Conhecer bem o aluno (...) observa-lo”.
(Depois) 8: “ Identificar o problema, conversar com pais e com a criança”.
Investigar e encaminhar
(Depois) 12: “Conversar com pais para saber como é a família em si, seus relacionametos e
encaminhamentos necessários”.
(Depois) 12: “Conversar com o adolescente e família (...) aconselhar a procurar profissionais
especializados”.
Investigar e acompanhar
(Depois) 7: “Deve se fazer uma sondagem, escola família. Tentar detectar as causas desse
comportamento. (...) A escola faz acompanhamento, conversa 1º com a criança depois com
os pais”.
(Depois) 7: “Chamar a família para ver se existe algum problema em casa. (...) resolver o
problema de imediato chamando os pais”.
(Depois) 10: “Investigar e conversar com os pais e se possível psicóloga para ajudar esse
aluno a se organizar”.
279
A ação de investigar e acompanhar citada acima, assim como a de orientar os
pais referida abaixo, fundamenta-se, de acordo com Guarido (2011), nos princípios
do movimento higienista, da área preventiva da higiene mental, dos conceitos e
técnicas da psicometria e da psicologia do desenvolvimento. A autora assinalou que
o comportamento de crianças e adolescentes passou a ser observado a partir de
especificidades elencadas nos quadros descritivos de sintomas (sinais de desvios ou
de doença). Os professores “foram também chamados a ser extensão do olhar
especialista na prática cotidiana” (GUARIDO, 2011, p. 151), passaram a identificar
disfunções e orientar familiares na busca de tratamento adequado para os
problemas que ocorriam com os alunos no contexto escolar.
Orientação aos pais
A necessidade de orientação aos pais sobre o problema do aluno foi citada
pelos professores em ambos os questionários como uma ação que deveria ser
realizada pela escola. A orientação se apresentou segundo duas características:
uma impositiva, indicando o que deveria ser feito, e uma ponderada, que sugeria
uma direção e promovia uma reflexão.
Talvez a orientação aos pais possa ser justificada pelo discurso pedagógico,
que, segundo Guarido (2001), ganhou caráter normatizador, de validação do saber
especializado sobre a criança. A autoridade familiar foi sendo substituída pela
autoridade dos especialistas que se apresentavam como capazes de orientar a
educação, das crianças e adolescentes.
Impositiva
(Antes) 1: “Conversar com o aluno com os pais, mostrar que ele está errado, que deve
mudar”.
280
(Depois) 3: “Conscientizar a família e induzi-los a importância de realizar os exames e o
contato com especialista (...) Avisar que o menino estaria passando por um processo
avaliativo com diversos profissionais (...) relatório do comportamento e aprendizagem do
menino”.
Ponderada
(Antes) 3: “Orientar a família a procurar ajuda (...) ficar bem atenta (...)”.
(Antes) 4: “Estimular, motivar a participação dos pais (...) por meio de diálogo e atividade
escolar (...).
(Antes) 4: Conversar com a família, especialmente a mãe a respeito dessa relação de
protecionismo”.
(Depois) 2: “A escola precisa acompanhar, cobrar da família o encaminhamento ao medico,
e /ou psicopedagogo”.
(Depois) 11: “Orientar os pais que o filho precisa de ajuda (...) a escola ajuda nesse
encaminhamento”.
(Depois) 11: “Chamar os pais e ajuda-lo no encaminhamento a um profissional da
psicologia, após conversar com aluno e familia”.
Acompanhamento do aluno e cobrança dos pais
A ação de acompanhar o rendimento escolar do aluno e comunicar aos pais
seu desempenho cobrando cooperação e/ou encaminhamento, foi uma ação que os
professores apenas se referiram no segundo questionário.
(Depois) 4: “Acompanhar o rendimento junto com a família (...), levar todas as informações
da vida escolar do aluno e cobrar dos pais cooperação máxima”.
281
(Depois) 4: “Conversar com o aluno, encaminha-lo à psicólogo, mostrar seu rendimentos
aos país (...) com a ajuda de psicólogos e também acompanhamento dos pais sobre a vida
escolar do aluno”.
Orientação aos professores
Apenas no último questionário respondido pelos professores, foi ressaltado
que a escola deve orientar os professores quando um aluno estiver passando por
processo avaliativo.
Ao tomarmos a escola como um subsistema social integrado pelos indivíduos
que fazem parte desse sistema maior, entendemos que a orientação ao professor
propõe uma interação no próprio sistema escolar, diferentemente das outras ações
que aparecem dirigidas à família ou ao aluno.
(Depois) 3: “Avisar os professores que o aluno estaria passando por um processo avaliativo.
(...) relatórios constantes”.
Ações inespecíficas
As ações inespecíficas foram citadas somente no primeiro questionário, e
indicaram a oferta de atividades no contra turno escolar.
(Antes) 2: “ Oferecer atendimento diferenciado para o aluno (contra-turno)”.
Ações disciplinares
282
As ações disciplinares,referidas apenas no último questionário sobre tal,
sugeriam a imposição de regras e a punição para o não cumprimento delas.
(Depois) 5: “Fazer ele obedecer às normas, caso não siga regras à castigo (...) conversar e
estabelecer regras e sansões caso não se cumpra(...)”.
(Depois) 5: “ Estabelecer regras (...) cumprir as regras”.
Ações integradas
Mesmo já tendo escrito no início da subcategoria ações do sistema escolar
que houve mudança a partir da participação dos professores no Programa, vale aqui
retomar essa informação. Observamos uma transformação significativa entre a
ausência inicial e a presença na última aplicação do questionário de referência a
ações que ocorrem nas interações dentro do sistema escolar e dele com outros
sistemas sociais: ora focando a relação entre professor e aluno, ora enfatizando
ações governamentais e comunitárias.
Essa apreciação é compatível com a visão sistêmica de realidade na medida
em que reconhece os elementos que integram o sistema escolar, as interações que
eles estabelecem entre si e com o meio social. Segundo Capra (1987, p.259, 260)
esta visão:
(...) baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. (...) vê o mundo em termos de relações e de integrações. Os sistemas são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. (...) enfatiza princípios básicos de organização.
Relação entre professor/aluno
Aquelas questões que focaram a relação entre professor e aluno propuseram
que o professor esteja atento ao aluno, incentive, elogie e promova a integração
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deste com os demais, atue no sentido de transformar a situação disfuncional em
possibilidade de desenvolvimento, propicie oportunidade para que o aluno expresse
seus desejos e necessidades, ministre aulas mais interessantes, esclareça os
direitos e deveres do aluno.
Tais ações são compatíveis com o pensamento pedagógico da pós-
modernidade, descrito com Gadotti (2003), em que a educação é orientada pelos
pressupostos que trabalham com o significado, com a intersubjetividade e a
pluralidade, e pretende que os conteúdos sejam focados de forma que sejam
essencialmente significativos para os alunos. Opera a partir da noção de poder local,
de grupos pequenos, valorizando o imediato, a intensidade, o movimento, a relação,
o envolvimento afetivo, a solidariedade e a autogestão. Focaliza temas relacionados
ao belo, à alegria, à esperança, ao ambiente saudável. Orienta-se pelo conceito-
chave da equidade e seu pressuposto básico é a autonomia, ou seja, a capacidade
de cada individuo em se auto-gerir.
A educação pós-moderna parte do princípio segundo qual antes de conhecer,
ser humano se interessa em conhecer, e é desse interesse que se ocupa,
identificando, assim, o caráter prospectivo do conhecimento. Nas respostas abaixo
pode se observar a inclusão do professor na construção de um contexto que
desperte o interesse do aluno.
(Depois) 6: “Pela sua falta de concentraçao, é importante uma atenção especial do
professor, que deve intervir um maior numero de vezes incentivando-o a realizar as
atividades propostas e encontrando espaço para dialogar com o aluno. (...) a cada avanço o
aluno deve ser elogiado, e em momento de conflito, vale a pena tentar direcionar a sua ação
para outra situação. Atividades que contribuam para sua socialização devem ser
propiciadas. (...) o acompanhamento de um psicólogo é importante (...)”.
(Depois) 6: “Sempre é importante investigar se não há um problema físico causador da
desatenção (pode ser um problema auditivo, visual, neurológico, etc.). Várias oportunidades
devem ser dadas para que o aluno expresse o que sente e o que precisa. (...) Em relação à
sua desorganização e desatenção, precisa ser feito o mesmo que no caso anterior. É
importante proporcionar atividades em grupo nas quais ele possa exercer sua liderança,
possibilitando-lhe inclusive ser o aluno representante da turma”.
(Depois) 8: “Aulas mais interessantes para despertar o interesse”.
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(Depois) 9: “Conversas, mudança de sala, atividades que valorizam o individiduo,
estratégias com conteúdo de seu interesse, que possa integralo de maneira lúdica. Poderia
atribuir-lhe deveres (responsabilidade) com grupo realizando e cobrando tarefas”.
(Depois) 9: “Atividades ao ar livre recreativas/educacionais podem ajudar. Trabalhar junto
com a família tentando identificar a causa do comportamento”.
(Depois) 10: “1º. conversa para tentar ajudá-lo, 2ª. limite, dizer (deixar claro) (organizar seus
deveres e direitos)”.
Ações governamentais e comunitárias
Influenciada pelo princípio da intersubjetividade, a educação neste século tem
como traço mais original “o deslocamento da formação puramente individual do
homem para o social, o político, o ideológico” (GADOTTI, 2003, p. 269). A fim de
ampliar as possibilidades dos recursos profissionais e físicos e a mudança de hábito
de leitura, os professores citam a necessidade de ações governamentais e
comunitárias direcionadas à escola e à família.
(Depois) 1: “Ter um numero maior de profissionais nas diversas áreas, envolvimento de
todas à comunidade (...) + Pessoas especializadas + participação ativa da comunidade +
locais e horario de estudo + salas com menos alunos + ações governamentais”.
(Depois) 1: “Locais apropriados e horários flexíveis, incentivo da leitura desde os pais,
escola, sociedade ...ampliar horário e diversos curso: artes, musica, laboratórios, esportes,
hortas (...)”.
(Depois) 5: “ (...) acredito que é possivel trabalhar com esse tipo de aluno, mas não em uma
turma super lotada, como sempre acontece”.
8.2.3.2 Justificativas das ações do sistema escolar
Dois critérios nortearam as justificativas para as ações do sistema escolar, na
visão dos professores: ações orientadas pelo reconhecimento do problema e
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orientadas pelo reconhecimento do recurso. A partir desses critérios, identificamos
algumas crenças desses profissionais.
Justificativas orientadas pelo reconhecimento do problema
Entre as respostas orientadas pelo reconhecimento do problema do aluno
como justificativa da ação, as do primeiro questionário sobre tal trazem uma
conotação de responsabilização, seja do aluno, seja dos pais. Após o Programa de
Promoção de Saúde na Escola, as resposta com este foco ressaltaram o dever da
escola de compreender o que está acontecendo e fazer cumprir regras. Observamos
que, após a intervenção, a responsabilização ficou ausente e deu lugar à
participação da escola, ainda que focando o problema.
Assinalamos que as justificativas dos professores nos dois momentos foram
elaboradas, em nosso ponto de vista, a partir de um pensamento compatível com o
paradigma tradicional de ciência que, segundo Morin (2003), desenvolveu-se
apoiada no princípio da objetividade, tornando a realidade passível de ser
compreendida a partir de uma inteligibilidade parcelada, disjuntiva, reducionista, em
que os problemas são fracionados assim impossibilitando qualquer reflexão de uma
perspectiva multidimensional.
Ainda que numa visão lógica, linear, após o Programa, os professores
apontaram mais um responsável pelo problema e, nessa medida, também
responsável pela solução.
O aluno é o responsável pelo problema
(Antes) 1: “(...) Conhecer bem o aluno para saber o seu limite”.
A família é a responsável pelo problema
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(Antes) 4: “(...) pois eles (os pais) são os primeiros responsáveis e as possíveis origens dos
problema(...)”.
A escola é a responsável por investigar o problema do aluno e fazer cumprir regras
(Depois) 3: “Os professores também poderiam contribuir na investigação da causa do
problema”.
(Depois) 5: “Porque vivemos em sociedade e temos normas para seguir. (...) Para conseguir
ensino de qualidade”.
(Depois)7: “Porque é o papel da escola”.
(Depois)7: ”Porque a escola tem que fazer esse tipo de sondagem (...) porque 1 aluno na
maioria das vezes atrapalha sala toda deixa alunos professores todos da escola em
pânico”.
(Depois)12: “Entender o porque de tal comportamento”.
Percepções orientadas pelo reconhecimento do recurso
A análise das justificativas para ação nos permitiu identificar nas duas
aplicações dos questionários as seguintes crenças: o aluno tem recursos para
superar o problema e a atenção do professor ao aluno pode mobilizar esses
recursos. Os recursos familiares só são reconhecidos no último questionário, quando
mencionada a participação dos pais no processo de solução do problema do aluno.
O aluno tem recursos
(Antes) 3: “(...) ele tem que ser valorizado no que apresenta de bom”.
(Antes) 4: “(...) para o aluno não se sentir protegido com a mãe por perto”.
(Depois)10: “(...) descobrir como esse aluno adquire conhecimento”.