a política fiscal do governo lula em perspectiva histórica

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  • 8/14/2019 A Poltica Fiscal do Governo Lula em Perspectiva Histrica

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    TEXTO PARA DISCUSSO N 1169

    A POLTICA FISCAL DO GOVERNOLULA EM PERSPECTIVA HISTRICA:QUAL O LIMITE PARA O AUMENTODO GASTO PBLICO?

    Fabio Giambiagi

    Rio de Janeiro, maro de 2006

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    TEXTO PARA DISCUSSO N 1169

    * O texto se beneficiou dos comentrios feitos por Paulo Levy e Renato Villela acerca de uma verso preliminar do mesmo. Aresponsabilidade pelo contedo do artigo, porm, apenas do autor.

    ** Do BNDES, cedido ao Ipea.

    A POLTICA FISCAL DO GOVERNOLULA EM PERSPECTIVA HISTRICA:QUAL O LIMITE PARA O AUMENTODO GASTO PBLICO?*

    Fabio Giambiagi**

    Rio de Janeiro, maro de 2006

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    Governo Federal

    Ministrio do Planejamento,Oramento e Gesto

    Ministro Paulo Bernardo Silva

    Secretrio-Executivo Joo Bernardo de Azevedo Bringel

    Fundao pblica vinculada ao Ministrio do

    Planejamento, Oramento e Gesto, o IPEA

    fornece suporte tcnico e institucional s aes

    governamentais, possibilitando a formulaode inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasileiro, e disponibiliza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos

    realizados por seus tcnicos.

    Presidente

    Glauco Arbix

    Diretora de Estudos Sociais

    Anna Maria T. Medeiros Peliano

    Diretor de Administrao e Finanas

    Cinara Maria Fonseca de Lima

    Diretor de Cooperao e Desenvolvimento

    Luiz Henrique Proena Soares

    Diretor de Estudos Regionais e Urbanos

    Marcelo Piancastelli de Siqueira

    Diretor de Estudos Setoriais

    Joo Alberto De Negri

    Diretor de Estudos Macroeconmicos

    Paulo Mansur Levy

    Chefe de Gabinete

    Persio Marco Antonio Davison

    Assessor-Chefe de Comunicao

    Murilo Lbo

    URL: http:/www.ipea.gov.br

    Ouvidoria: http:/www.ipea.gov.br/ouvidoria

    ISSN 1415-4765

    JEL H30, H50, H60

    TEXTO PARA DISCUSSO

    Uma publicao que tem o objetivo de

    divulgar resultados de estudos

    desenvolvidos, direta ou indiretamente,

    pelo IPEA e trabalhos que, por sua

    relevncia, levam informaes para

    profissionais especializados e estabelecem

    um espao para sugestes.

    As opinies emitidas nesta publicao so de

    exclusiva e inteira responsabilidade dos autores,

    no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista

    do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou do

    Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues

    para fins comerciais so proibidas.

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    SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO 1

    2 OS DESAFIOS DA POLTICA FISCAL EM 2003 E AS NOVAS METAS 2

    3 A POLTICA FISCAL DO GOVERNO LULA 4

    4 A INFLEXO DA DVIDA PBLICA 14

    5 A PERMANNCIA DE ANTIGOS PROBLEMAS E A BAIXA QUALIDADE DO AJUSTAMENTO 22

    6 QUAL O LIMITE PARA O GASTO SOCIAL? 37

    7 UM BALANO DE LUZES E SOMBRAS 45

    APNDICE 49

    BIBLIOGRAFIA 50

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    SINOPSE

    Em 14 anos, entre 1991 e 2005, o gasto primrio do Governo Central aumentoude 14% para 23% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil. Este artigoapresenta uma descrio exaustiva da poltica fiscal implementada no GovernoLula, situando-a em perspectiva histrica, com nfase nas transformaesocorridas a partir dos anos 1980 e na continuidade das polticas adotadas a partirde 1999. Procura-se compensar a ausncia de uma viso analtica baseada em umamodelagem, pela tentativa de emular uma literatura rica na apresentao de dadose que identifica os traos dominantes das tendncias de longo prazo das variveisfiscais. O objetivo oferecer uma viso panormica, mas relativamente profunda,da situao fiscal do Brasil em meados da dcada de 2000. Destacam-se: a) aobteno de nveis de dficit pblico inditos desde que o indicador dasNecessidades de Financiamento do Setor Pblico (NFSP) comeou a ser apuradono Brasil; e b) a trajetria da relao dvida pblica/PIB, com uma ligeira quedadepois de 2002. No lado negativo do balano, mostram-se: a) o novo aumento darelao gasto pblico/PIB, repetindo o que vem ocorrendo quase sistematicamente

    desde o comeo dos anos 1990; b) a piora do problema previdencirio; c) a novaelevao da carga tributria; e d) a continuidade da rigidez oramentria e o baixovalor do investimento pblico. O artigo defende ainda a necessidade de se colocar umlimite expanso dos gastos sociais. A avaliao do Governo Lula, portanto, no quese refere s contas pblicas, ambgua, combinando elementos positivos com outrosque estiveram longe de ser satisfatrios, ligados expanso simultnea do gasto e dareceita, o que configura um tpico caso do que se conhece como spend-and-tax-policy.

    ABSTRACT

    In 14 years, between 1991 and 2005, the primary expenditures of FederalGovernment have increased from 14% to 23% of Gross Domestic Product(GDP) in Brazil. This paper exposes a long description in an historicalperspective of the fiscal policy implemented during the Lula Administration, withemphasis on the changes occurred since the 80s and on the continuity of thepolicies adopted after 1999. We try to compensate the lack of an analyticalframework based on a model, by emulating a literature rich in data and thatidentifies the dominant issues of the long term trends of the fiscal variables. Thepurpose is to offer a broad but relatively deep vision of the fiscal situation inBrazil in the middle of the current decade. Emphasis is put in: a) the lowestnumbers of PSBR since the indicator began to be collected in Brazil; and b) thetrajectory of the public debt/GDP ratio, with a moderate fall after 2002. In thenegative side of the balance, are shown: a) the new increase in theexpenditure/GDP ratio, repeating what is happening almost permanently sincethe beginning of the 90s; b) the worsening of the Social Security problem; c) thenew increase of the tax burden; and d) the continuity of the budgetary rigiditiesand the low level of the public expenditures. The article also defends the necessityof putting a limit to the increase of the social expenditures. The evaluation of theLula Administration regarding the fiscal accounts is ambiguous, with a mix ofpositive elements with other far from being satisfactory, related to thesimultaneous expansion of expenditures and taxes, which is a typical case of the

    so-called spend-and-tax-policy.

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    texto para discusso|1169|mar 2006 1

    1 INTRODUO

    O Brasil apresentou claramente dois pontos de inflexo na evoluo da poltica fiscalao longo dos ltimos dez anos. O primeiro deles foi em 1999, quando se fez umajustamento fiscal primrio, marcando um desses momentos divisores da polticaeconmica de um pas entre antes e depois de determinado evento. Entretanto, a

    dimenso dos ajustamentos patrimoniais na poca em curso impediu que essamelhora fiscal se traduzisse em uma mudana na trajetria da relao dvidapblica/PIB, que continuou aumentando nos anos seguintes. Por isso, o segundoponto de inflexo foi o ano de 2004, quando se espera encerrado um ciclo de dezanos de aumentos da relao dvida pblica/PIB, com o primeiro declnio dessecoeficiente desde 1994. O historiador que no futuro analisar as dcadas de 1990 e aatual da economia brasileira ter necessariamente de considerar esses dois anos comodois marcos importantes de um processo de transformao da situao do Brasil, apsduas dcadas de crises fiscais praticamente contnuas.

    O presente artigo trata da poltica fiscal do Governo Lula, complementando a

    anlise feita em Giambiagi (2002) acerca do Governo Fernando Henrique Cardoso(FHC) referente ao perodo 1995-2002. O propsito deixar um registro naliteratura acadmica de um dos perodos mais importantes para a consolidao dasmudanas fiscais implementadas no Brasil nos ltimos anos, com vistas superaodo problema representado pelo elevado peso da dvida pblica.

    Para evitar dar um tom indevidamente conjuntural anlise, que no seriacondizente com o espao de uma publicao acadmica especializada, faz-se umadescrio exaustiva dos fatos ocorridos na rea fiscal no perodo citado, situando-osem perspectiva histrica e com base em uma anlise que pretende ser rica naapresentao de dados. D-se nfase s transformaes ocorridas a partir do comeo

    dos anos 1980 e continuidade das polticas adotadas a partir de 1999. Busca-sesuprir a ausncia de uma viso analtica baseada em um esforo de modelagem pelatentativa de emular um certo tipo de literatura que procura identificar os traosdominantes das tendncias de longo prazo da poltica econmica neste caso,especificamente, no que se refere s variveis fiscais. Exemplos desse tipo so o artigoclssico de Fishlow (1986) sobre o desequilbrio externo na dcada de 1970; ou, nocaso das questes que dizem respeito s finanas pblicas, os trabalhos de Werneck(1986) e de Villela (1991) sobre os anos 1980; a descrio da questo federativa e datrajetria do processo de descentralizao nas ltimas dcadas feita em Afonso (1996);ou o relato da evoluo do sistema tributrio brasileiro ao longo do sculo XX, com

    destaque para o ps-guerra, de Varsano (1997). O objetivo dar ao leitor uma visopanormica, mas relativamente profunda, da situao fiscal do Brasil e dos problemasremanescentes nessa rea em meados da dcada de 2000.

    O texto est dividido em sete sees.1 Depois desta pequena introduo,apresentam-se rapidamente as principais medidas de poltica adotadas em 2003. Naseqncia, mostra-se o comportamento das principais variveis que compem ascontas pblicas, discutindo-se o resultado fiscal e primrio na terceira seo, e aevoluo da dvida pblica na quarta. A quinta seo aborda os principais problemas

    1. Este artigo foi concludo em janeiro de 2006.

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    ainda remanescentes em 2006 na rea fiscal. A sexta, em funo do que foi exposto notexto, defende a necessidade de se pensar em adotar limites para a expanso dos gastossociais. O artigo se encerra com os comentrios finais e um balano do perodo comoum todo.

    2 OS DESAFIOS DA POLTICA FISCAL EM 2003 EAS NOVAS METAS

    A poltica fiscal de 2003 foi fatalmente marcada pelos eventos ocorridos em 2002.Como se sabe, a dvida lquida chegou a 64% do PIB em setembro de 2002,reacendendo o temor de uma possvel moratria. Nesse contexto, o Governo FHCnegociou, com o apoio dos principais candidatos Presidncia da Repblica, umaextenso do programa com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) para 2003, como compromisso de gerao de um supervit primrio consolidado de 3,75% do PIBno primeiro ano do futuro governo.

    Uma vez definidos o resultado eleitoral e a composio do novo governo, este se

    viu pressionado por trs circunstncias. Primeiro, o valor do dlar, que, depois de tercomeado o ano de 2002 em R$ 2,30, tinha atingido uma cotao de quase R$ 4 em um contexto de risco-pas superior aos 2 mil pontos impactou em cheio ainflao, cuja taxa mensal chegou a ser de mais de 3% no final do ano. Segundo, aexpectativa de variao do ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo (IPCA)para 2003, captada nas sondagens do Banco Central (Bacen) junto aaproximadamente uma centena de instituies, tinha dado um salto de 5,5% para11,0% em menos de dois meses, prximo do final de 2002, no clmax de incertezaque cercava as polticas a serem adotadas a partir de janeiro. Terceiro, a dvidapblica, que j em 2001 tinha passado de 49% para 53% do PIB, apesar da queda

    registrada nos ltimos meses de 2002, tinha fechado o ano (2002) em 56% do PIB.Os dois primeiros elementos requeriam, claramente, uma forte elevao da taxa de

    juros reais, enquanto o terceiro fazia com que ela incidisse sobre uma base maior doque a do passado. A carga de juros, portanto, impunha a exigncia de um supervitprimrio elevado.

    Embora exerccios aritmticos simples mostrassem que, a longo prazo, com taxasde juros reais cadentes e um crescimento econmico robusto, supervits primriosmenores poderiam ser consistentes com a estabilizao ou mesmo o declnio darelao dvida pblica/PIB [Goldfajn e Guardia (2003)], na prtica em 2003 ogoverno se defrontava ainda com a desconfiana associada ao peso de oito anos

    consecutivos de elevao da relao dvida pblica/PIB. Havia portanto um plusnataxa de juros a vigorar em 2003, por conta da necessidade de vencer taisdesconfianas e demonstrar de forma inequvoca a manuteno do trip supervitprimrio elevado/metas de inflao/cmbio flutuante.

    Alm de ter indicado o ministro Antonio Palocci Filho visto pela maioria dosanalistas como um adepto da continuao da poltica de fortes supervits primrios para a pasta da Fazenda e o ex-presidente mundial do Bank Boston, HenriqueMeirelles, para a Presidncia do Bacen, o novo governo tomou rapidamente cincomedidas cruciais para a superao da situao de emergncia existente no comeo de

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    2003, caracterizada pela vigncia de inflao elevada, forte presso do cmbio e risco-pas altssimo:2

    anunciou as metas de inflao revistas (IPCA) de 8,5% para 2003 e 5,5%para 2004, representando forte reduo em relao aos 12,5% de 2002;

    aumentou para 26,5% a taxa de juros nominal Selic, para conseguir debelar aameaa inflacionria;

    elevou de 3,75% para 4,25% do PIB a meta de supervit primrio do setorpblico em 2003;3

    comprometeu-se, na Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) encaminhadaao Congresso em abril, a conservar a mesma meta de 4,25% do PIB de supervitprimrio durante todo o perodo de governo; e

    submeteu apreciao do Congresso duas Propostas de EmendaConstitucional (PEC) posteriormente aprovadas, referentes previdncia social e aosistema tributrio.

    Essas reformas estruturais, expostas com maiores detalhes em documento oficialda Secretaria de Poltica Econmica [SPE (2003)], podem ser resumidas nos seguintespontos:

    no caso da reforma previdenciria, aprovou-se a taxao dos inativos; adotou-se a idade mnima para a aposentadoria de 55 anos para as mulheres e 60 para oshomens para todos os trabalhadores da administrao pblica na ativa prevista naEmenda Constitucional de 1998 apenas para os novos entrantes; e aumentou-se oteto de benefcios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); e

    no caso da reforma tributria, renovou-se a Desvinculao de Recursos daUnio (DRU), permitindo ao governo certa margem de manobra para no ser tolimitado pelo peso das vinculaes; prorrogou-se a Contribuio Provisria sobreMovimentao Financeira (CPMF) de 0,38% sobre as transaes financeiras at2007; e, posteriormente, implementou-se a mudana na modalidade de cobrana daContribuo para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para substituir ataxao sobre o faturamento pela tributao do valor adicionado, o que na prticaveio a se revelar um poderoso instrumento de aumento da arrecadao a partir davigncia da mesma, em 2004.

    Com a recuperao da confiana, a cotao do dlar caiu, o risco-pas diminuiusubstancialmente, a trajetria de queda dos juros pde ser retomada a partir de

    meados do ano e a inflao (IPCA) fechou 2003 em 9,3%. Vejamos agora emmaiores detalhes como evoluiu a execuo da poltica fiscal a partir de 2003.

    2. A inflao em 12 meses, no primeiro semestre de 2003, chegou a 17% no caso do IPCA e a 20% no do ndiceNacional de Preos ao Consumidor (INPC).

    3. Sobre a importncia disso, ver Blanchard (2004).

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    3 A POLTICA FISCAL DO GOVERNO LULA

    Nesta seo, mostra-se a evoluo dos quatro principais agregados da estatstica dasNecessidades de Financiamento do Setor Pblico (NFSP), quais sejam: os resultadosprimrios a) do Governo Central; b) dos estados e municpios; e c) das empresasestatais; e a despesa de juros que junto com o primrio consolidado gera as NFSP e

    afeta a poupana do governo.3.1 GOVERNO CENTRAL

    O Governo Central teve uma melhora expressiva do supervit primrio nos anos2003-2005 em relao administrao precedente, confirmando o comportamentoda poltica fiscal nos anos anteriores, em que a funo de reao das autoridades aslevava a aumentar o esforo fiscal diante de aumentos da relao dvida pblica/PIB[Mello (2005)]. Depois de o supervit primrio ter sido de 2,1% do PIB na mdia de1999-2002 e de 2,4% do PIB em 2002, a varivel aumentou para 2,5% do PIB em2003 e em torno de 3,0% do PIB nos dois anos posteriores (Tabela 1).

    Analisando os resultados desagregados, nota-se que o supervit foi decorrncia dacombinao da existncia de nveis tanto de receita como de despesas maiores comoproporo do PIB em relao mdia dos anos anteriores. No caso da receita, aTabela 2 cujos critrios de apurao so ligeiramente diferentes em relao receita do Tesouro da Tabela 1 mostra de forma desagregada a pequena queda dereceita observada em 2003 e o forte incremento da carga tributria pelo aumento daCofins em 2004, com a definio do novo sistema de arrecadao com base no valoradicionado e a adoo de uma alquota que claramente esteve longe de ter sidoneutra em termos de arrecadao. Observe-se que a receita de Cofins por si saumentou 0,7 ponto percentual (p.p.) do PIB entre 2003 e 2004. Alm disso,

    destacam-se a maior receita do PIS-Pasep beneficiada pelo mesmo erro decalibragem da alquota por ocasio da mudana do sistema de arrecadao paravalor adicionado em 2003 e, principalmente, o forte aumento de tributao sobreas pessoas jurdicas via Imposto de Renda (IR) e Contribuio Social sobre o LucroLquido (CSLL) em 2005.

    No que se refere s despesas, os elementos mais importantes mostrados naTabela 1 foram:

    o novo aumento da despesa primria total do Governo Central incluindoas transferncias a estados e municpios de 21,6% do PIB em 2002, para 22,6%do PIB em 2005;

    as flutuaes dessa varivel ao longo do tempo, com forte queda no ajuste de2003 e aumento posterior;

    a diminuio da importncia relativa das despesas com pessoal, com umavariao negativa de 0,7 p.p. do PIB entre 2002 e 2005;4

    4. Em que pese essa constatao, observe-se a tendncia ao incremento da relao inativos/ativos no caso dos militares:enquanto no caso dos civis, para cada R$ 1,00 gasto com ativos em 2002 houve uma despesa de R$ 0,67 com inativos,proporo essa igual de 2005; no caso dos militares, para cada R$ 1,00 despendido com ativos houve um gasto deR$ 1,42 com inativos em 2002, que aumentou para R$ 1,78 em 2005, reflexo em boa parte das regras permissivas paraas pensionistas.

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    texto para discusso|1169|mar 2006 5

    o peso sistematicamente crescente das despesas do INSS, que aumentaramem todos os anos, de 6,5% do PIB em 2002 para 7,6% do PIB em 2005; e

    TABELA 1

    RESULTADO PRIMRIO DO GOVERNO CENTRAL

    [em % do PIB]

    Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005

    Receita bruta 18,58 22,43 23,91 23,06 23,75 25,26

    Tesouro/Bacen 13,48 17,28 18,63 17,87 18,44 19,65

    INSS 5,10 5,15 5,28 5,19 5,31 5,61

    (-) Transf. estados/munic. 2,83 3,81 4,17 3,87 3,82 4,34

    Receita lquida 15,75 18,62 19,74 19,19 19,93 20,92

    Despesas primrias 15,35 16,59 17,39 16,67 17,13 18,21

    Pessoal 5,16 5,24 5,45 5,02 4,74 4,77

    Ativos 2,66 2,70 2,83 2,61 2,56 2,58

    Civis 2,11 2,17 2,21 2,09 2,14 2,17

    Militares 0,55 0,53 0,62 0,52 0,42 0,41

    Inativos 2,21 2,30 2,36 2,37 2,16 2,19

    Civis 1,53 1,49 1,48 1,57 1,45 1,46

    Militares 0,68 0,81 0,88 0,80 0,71 0,73

    Transferncias 0,29 0,24 0,26 0,04 0,02 0,00

    Benefcios INSS 5,40 6,20 6,54 6,88 7,12 7,55

    Outras despesas (OCC) 4,79 5,15 5,40 4,77 5,27 5,89

    Despesas FAT 0,55 0,55 0,59 0,55 0,56 0,62

    Subsdios e subvenes n.d. 0,29 0,17 0,39 0,31 0,54

    Loas/RMV n.d. 0,20 0,26 0,29 0,42 0,48

    Despesas com Bacen n.d. n.d. n.d. 0,10 0,13 0,12

    Demais despesas 4,24 4,11 4,38 3,44 3,85 4,13

    Ajuste metodolgico (pgto.Itaipu) 0,00 0,14 0,12

    Discrepncia estatstica 0,12 0,07 0,02 0,03 0,03 0,05

    Supervit primrio 0,28 2,10 2,37 2,49 2,97 2,88

    Tesouro/Bacen 0,58 3,15 3,63 4,18 4,78 4,82

    INSS 0,30 1,05 1,26 1,69 1,81 1,94

    Memo:

    Gasto primrio totala

    18,18 20,40 21,56 20,54 20,95 22,55

    Coeficiente inativos/ativos 0,83 0,85 0,83 0,91 0,84 0,85

    Civis 0,73 0,69 0,67 0,75 0,68 0,67

    Militares 1,24 1,53 1,42 1,54 1,69 1,78

    Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN), Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG) e Bacen.a

    Inclui transferncias a estados e municpios.

    n.d. = no-disponvel.

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    6 texto para discusso|1169|mar 2006

    TABELA 2RECEITA DO GOVERNO FEDERAL[em % do PIB]

    Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005

    Imposto de importao 0,65 0,73 0,59 0,52 0,52 0,47

    IP 1,95 1,62 1,47 1,26 1,30 1,36

    Imposto de Renda 4,50 5,55 6,37 5,98 5,83 6,45

    Pessoa fsica 0,33 0,33 0,33 0,33 0,35 0,38

    Pessoa jurdica 1,49 1,74 2,52 2,17 2,21 2,65

    Retido na fonte 2,68 3,48 3,52 3,48 3,27 3,42

    Rendimentos do trabalho 1,53 1,67 1,67 1,70 1,78 1,85

    Rendimentos do capital 0,79 1,22 1,22 1,22 0,98 1,03

    Outros 0,36 0,59 0,63 0,56 0,51 0,54

    CPMF 0,43 1,27 1,51 1,48 1,50 1,51

    IOF 0,42 0,35 0,30 0,29 0,30 0,32

    Cofins 2,23 3,67 3,88 3,83 4,49 4,55

    PIS/Pasep 0,90 0,96 0,96 1,11 1,13 1,15

    CSLL 0,87 0,84 0,99 1,08 1,16 1,35

    Outras receitas 1,23 1,53 1,98 2,02 2,03 1,68

    Total receita federal 13,18 16,52 18,05 17,57 18,26 18,84

    Fonte: Secretaria da Receita Federal (SRF).

    o maior peso das outras despesas de custeio e capital (OCC), que passaramde 5,4% do PIB em 2002 para 5,9% do PIB em 2005, com fortes flutuaes aolongo do tempo.

    A Tabela 3 mostra a evoluo das mesmas variveis da Tabela 1, porm expressasno como proporo do PIB e sim com taxas de variao reais, utilizando o deflatorimplcito do PIB. Chamam a ateno: a forte queda real da despesa em 2003; osignificativo salto dela em 2004 e 2005; a regularidade do aumento das despesas comINSS; as flutuaes de OCC; e a reduo real da despesa com pessoal acumulada entre2002 e 2005, indicando que, apesar do noticirio sobre novas contrataes, nohouve nenhum boom nessa matria.5 Para entender este ltimo acontecimento, tilacompanhar os dados da Tabela 4.

    5. Ao analisar a dinmica da despesa com pessoal, natural lembrar a velha frase sobre a ida de Nixon China[Cukierman e Tommasi (1998)]. Da mesma forma que s um presidente conservador como Nixon poderia ter ido Chinanos anos 1970 sem ser acusado de comunista, poder-se-ia dizer que s um presidente como Lula, originrio dosindicalismo, poderia ter obtido a moderao que se verificou nos reajustes nominais do funcionalismo, particularmenteno contexto da elevada inflao de 2003. O prprio presidente reconheceu isso, implicitamente, naquele ano: Quandono se governo, usa-se muito de bravata, j que no se tem de executar. Mas quando se governo, no se pode fazerbravata. Estamos conscientes do nosso papel. Estou mexendo com a minha prpria base. So sindicalistas que votaramem mim. Mas por que estou fazendo isso? Porque o presidente da Repblica no tem de pensar no seu mandato, masno pas (discurso do presidente Lula na posse da diretoria da Associao Comercial de So Paulo, publicado em OGlobo, em 6 de abril de 2003).

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    TABELA 3TAXAS DE CRESCIMENTO REAL DO GASTO PBLICO DO GOVERNO CENTRAL[em % a.a.] 2003 2004 2005Gasto primrio totala 4,2 7,1 10,1Transferncias estados/municpios 6,7 3,7 16,2Benefcios previdencirios INSS 5,8 8,5 8,6Pessoal 7,4 0,9 3,1Outras despesasa 11,3 16,3 13,9PIB 0,5 4,9 2,3

    Fonte: STN.Nota: deflator implcito do PIB.a Inclui despesas do Bacen.

    TABELA 4OUTRAS DESPESAS DE CUSTEIO E CAPITAL: PODER EXECUTIVO[em % do PIB]rgo 2003 2004 2005 Diferena (2005-2003)Ministrio da Sade 1,49 1,59 1,67 0,18Ministrio da Educao 0,43 0,35 0,37 0,06Ministrio da Defesa 0,24 0,26 0,29 0,05Ministrio do Desenvolvimento Social 0,11 0,32 0,33 0,22Ministrio da Cincia e Tecnologia 0,10 0,11 0,13 0,03Ministrio dos Transportes 0,09 0,15 0,17 0,08Ministrio da Fazenda 0,09 0,09 0,11 0,02Ministrio da Previdncia Social 0,07 0,07 0,07 0,00Ministrio da Justia 0,06 0,07 0,07 0,01Ministrio das Cidades 0,06 0,05 0,05 0,01Ministrio do Desenvolvimento Agrrio 0,05 0,08 0,08 0,03Ministrio das Relaes Exteriores 0,04 0,05 0,06 0,02Ministrio da Agricultura 0,04 0,04 0,04 0,00Ministrio do Trabalho e Emprego 0,03 0,03 0,04 0,01Ministrio da Integrao Nacional 0,03 0,05 0,04 0,01Outros 0,19 0,16 0,19 0,00Total 3,12 3,47 3,71 0,59Ministrios sociaisa 2,18 2,44 2,56 0,38Memo: OCC restrito (Tabela 1) 3,44 3,85 4,13 0,69

    Fonte: STN.a Ministrios da Sade, Educao, Previdncia Social, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrrio e Trabalho e Emprego.

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    (que absorveu algumas despesas do de Educao) principalmente pelas atividadesligadas ao Bolsa Famlia. O destaque para o aumento de 0,38% do PIB do agregadodos Ministrios da Sade, Educao, Previdncia Social, Desenvolvimento Social,Desenvolvimento Agrrio e Trabalho.

    Um dado importante que deve ser citado que o valor nominaldo item edasdemais despesas da Tabela 1 teve a seguinte evoluo, em termos de variaespercentuais, pelo conceito de liberao efetiva:

    9% (crescimento negativo) em 2003; 28% em 2004; e 17% em 2005.Tal fato sugere que a crena muito difundida de que no haveria espao de

    manobra algum para implementar cortes na rubrica de OCC no se coadunainteiramente com os fatos, luz do esforo de ajuste implementado com xito em2003. Registre-se que, por ocasio do ajuste de 1999, j tinha sido observada uma

    contrao nominal importante desse item (10%, correspondendo na poca a umacontrao real de 15%), o que mostra o peso da chamada vontade poltica quandoela efetivamente se faz presente. O fato de o item demais despesas ter diminudo de4,4% para 3,4% do PIB entre 2002 e 2003 uma prova eloqente disso.

    Analogamente, se o item em 2006 ser prximo ao de 2002 como percentual do PIB,isso no se dar apenas pelas vinculaes, e sim porque houve decises discricionriasde gasto que obedeceram a uma determinao oficial nesse sentido.

    De qualquer forma, no h como negar que a presena de vinculaesimportantes limita, em parte, o raio de manobra das autoridades. Por exemplo, se nocontexto de um ajuste real provocado pela existncia de uma certa inflao, uma

    despesa indexada ao PIB como a da sade aumenta em termos nominais, aomesmo tempo que outra que obrigatoriamente deve seguir um percentual fixo daarrecadao de um certo tributo acompanha a receita, haver itens da despesa queforosamente iro crescer em termos nominais, maximizando a incidncia do ajustenaquelas rubricas no-vinculadas.9

    3.2 ESTADOS E MUNICPIOSO resultado primrio de estados e municpios continuou aumentando, comoproporo do PIB, na gesto 2003-2005, conservando tendncia manifestada desde ocomeo do ajuste, em 1999. Enquanto na mdia de 1999-2002 o primrio das

    unidades subnacionais foi de 0,6% do PIB e em 2002 foi de 0,8% do PIB, na mdiade 2003-2005 atingiu 1,0% do PIB (Tabela 5). Este aumento se deu em parte pelamaior receita de Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS),conforme mostra a Tabela 6, e pelas tambm maiores transferncias entre 2002 e

    9. Imagine-se, por exemplo, um caso no qual h uma necessidade de contrair a despesa em 0,5% do PIB, com o ajustetodo incidindo sobre OCC excluindo despesas do FAT e Loas/RMV de, por exemplo, 5,0% do PIB. Se 3,0% do PIBso rgidos devido s vinculaes, em vez de a contrao relativa ser de 10% desse universo do OCC, na prtica ela serde 25%, pelo fato de incidir sobre apenas 2,0% do PIB. O exemplo mostra a importncia de se rever, pelo menosparcialmente, o sistema de vinculaes, para permitir uma distribuio mais eqitativa dos nus do ajustamento, quandoeste se faz necessrio.

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    2005 do Governo Central para estados e municpios, que constam da Tabela 1 eaparecem desagregadas na Tabela 7.10

    TABELA 5RESULTADO PRIMRIO DE ESTADOS E MUNICPIOS[em % do PIB]Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005Estados e municpios 0,40 0,60 0,79 0,89 0,99 1,10Estados n.d. 0,45 0,64 0,77 0,91 0,89Municpios n.d. 0,15 0,15 0,12 0,08 0,21Memo: receita ICMS 6,99 7,52 7,80 7,65 7,83 7,98

    Fonte: Bacen.n.d. = no-disponvel.

    TABELA 6RECEITA DE ICMS[em % do PIB]Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005So Paulo 2,70 2,74 2,77 2,58 2,60 2,62Rio de Janeiro 0,67 0,76 0,77 0,72 0,74 0,69Minas Gerais 0,67 0,71 0,71 0,71 0,75 0,81Rio Grande do Sul 0,50 0,52 0,55 0,58 0,55 0,59Paran 0,35 0,40 0,43 0,43 0,44 0,45Bahia

    0,31

    0,34

    0,38

    0,38

    0,40

    0,41Santa Catarina 0,24 0,26 0,29 0,29 0,30 0,30

    Pernambuco 0,19 0,19 0,21 0,20 0,21 0,22Gois 0,18 0,21 0,22 0,24 0,23 0,22Esprito Santo 0,18 0,18 0,18 0,19 0,21 0,24Cear 0,15 0,17 0,18 0,17 0,17 0,17Mato Grosso 0,10 0,13 0,14 0,16 0,19 0,16Distrito Federal 0,10 0,13 0,13 0,14 0,15 0,15Mato Grosso do Sul 0,08 0,10 0,10 0,12 0,13 0,14Demais estados 0,57 0,68 0,74 0,74 0,76 0,81Total Brasil 6,99 7,52 7,80 7,65 7,83 7,98

    Fonte: Bacen/Confaz.

    10. No se fez uma desagregao similar s das outras tabelas para 1995-1998 porque, alm dos fundos constitucionais, osdemais itens praticamente no existiam na poca.

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    TABELA 7TRANSFERNCIAS A ESTADOS E MUNICPIOS[em % do PIB]Composio 1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005Fundos constitucionais 2,71 3,00 3,31 2,97 2,89 3,30Lei Complementar 87/96 0,25 0,35 0,30 0,25 0,24 0,25Demais 0,02 0,46 0,56 0,65 0,69 0,79Total 2,98 3,81 4,17 3,87 3,82 4,34

    Fonte: STN.A maior receita de ICMS a partir de 1999 capta os efeitos da recuperao da

    economia e de alguns eventos especficos. A receita nacional desse imposto passou de6,7% do PIB em 1998 para 7,8% do PIB em 2002 e uma estimativa de 8,0% do PIBem 2005. Destaque especial cabe para a melhoria registrada em alguns estadosespecficos. Mesmo j tendo como base de comparao a mdia de 1999-2002, entreesta e a posio de 2005 destaca-se o incremento da receita de ICMS de: Rio Grandedo Sul, pelo aumento de alquotas do estado, forado pela presso do gasto; MinasGerais, Paran, Bahia, Santa Catarina e Esprito Santo, em funo de medidas deadministrao tributria; e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, beneficiados peloboom agrcola posterior a 2002, que se irradiou pela economia local.

    A melhora do supervit primrio de estados e municpios esteve ligada tendncia ao aumento da participao do ICMS no PIB. Alm de alguns efeitosespecficos acima citados, tal melhora se explica, em boa parte, pelo fato de que umaparcela expressiva da receita dos estados e municpios est ligada evoluo daarrecadao do ICMS incidente sobre alguns itens especficos, como energia eltrica,

    telefonia e gasolina. No caso dos dois primeiros, eles tm suas variaes de tarifasindexadas ao ndice Geral de Preos do Mercado (IGP-M), que aumentou mais doque o IPCA no perodo, enquanto os derivados de petrleo acompanharam,aproximadamente, o aumento em dlares do preo do produto no mercadointernacional. Cabe lembrar que, na mdia de 2003-2005, os preos administradostiveram uma variao anual de 10,8%, maior que a do IPCA (7,5%). Alm disso,alguns estados importantes caso tpico, j citado, do Rio Grande do Sul, porexemplo aumentaram as alquotas especficas do ICMS incidentes sobre essesprodutos ou servios. O fato que a arrecadao de ICMS evoluiu acima do PIB.Como, de um modo geral, os estados e os maiores municpios do pas, que tinhamrenegociado suas dvidas no governo anterior, pagam na prtica um percentual fixo dareceita (na maioria dos casos, 13%), o que ocorreu foi que, ao ter de pagar o mesmopercentual sobre uma frao maior do PIB, o supervit primrio, expresso comoproporo do PIB, tambm aumentou.

    J no caso das transferncias a estados e municpios, a trajetria foi resultado daao de dois fatores diversos. Por um lado, a soma de transferncias de fundosconstitucionais e a compensao pela vigncia da Lei Kandir, que desonera asexportaes, em 2005 foi prxima de 2002. Por outro, houve um aumento dastransferncias ligadas maior incidncia de novas fontes de receita e/ou ao efeito dealguns fenmenos sobre fontes j existentes, como o maior valor real dos repasses

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    associados ao recolhimento da participao especial (royalties) pela explorao depetrleo e gs natural correspondente s unidades subnacionais. No balano, astransferncias como proporo do PIB entre 2002 e 2005 aumentaram ligeiramente,com algumas oscilaes ao longo do tempo (Tabela 7).

    3.3 EMPRESAS ESTATAIS A evoluo do resultado primrio das empresas estatais est ligada, em geral, trajetria das empresas federais (Tabela 8). E esta, por sua vez, ao que ocorre com aPetrobras. Em 2005, a Petrobras respondeu por aproximadamente 2/3 do supervitprimrio das empresas estatais federais.

    TABELA 8RESULTADO PRIMRIO DAS EMPRESAS ESTATAIS[em % do PIB]Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005Empresas estatais 0,07 0,85 0,73 0,87 0,64 0,86Federais 0,18 0,67 0,47 0,62 0,51 0,69Estaduais 0,23 0,18 0,26 0,24 0,13 0,16Municipais 0,02 0,00 0,00 0,01 0,00 0,01

    Fonte: Bacen.Isso faz com que, de certa forma, o resultado das empresas federais seja uma

    funo do preo do petrleo no mercado internacional, desde que os preosdomsticos dos derivados acompanhem,grosso modo, as cotaes do mercado externo.Tal ocorre porque, implicitamente, as receitas da Petrobras so indiretamente

    indexadas embora no formalmente s cotaes do produto no exterior,enquanto s uma parte das despesas a parcela adquirida fora do pas afetadapela alta das cotaes. O resultado que, quando o preo do barril aumenta, comoocorreu nos ltimos anos em relao a 2002, a receita sobe mais do que os custos daempresa. Observe-se, ento, que o supervit primrio das empresas estatais federaisaumentou de 0,47% do PIB em 2002, para 0,61% do PIB na mdia de 2003-2005,em que pese o fato de os investimentos das empresas estatais terem aumentado 0,09%do PIB nessa comparao, como veremos posteriormente.

    J no caso das empresas estatais estaduais e municipais, o grosso do ajuste jocorrera, devido fundamentalmente privatizao de vrias empresas, que fez

    desaparecer da estatstica fiscal uma fonte de prejuzos, bem como modernizaogerencial de muitas empresas estatais remanescentes, como algumas distribuidorasestaduais. Isso fez com que o resultado primrio das empresas estaduais e municipaispassasse de um dficit de 0,11% do PIB em 1998, para um supervit de 0,26% doPIB em 2002, o que representou uma variao de 0,37 p.p. do PIB entre os anosfinais do primeiro e do segundo mandato de FHC. No perodo 2003-2005, essasempresas conservaram um resultado primrio entre 0,1% e 0,2% do PIB, compequenas diferenas entre um ano e outro.

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    3.4 A DESPESA DE JUROS E A POUPANA PBLICAA taxa de juros real foi um elemento importante da dinmica da despesa de juros e,conseqentemente, da evoluo das NFSP ao longo do perodo (Tabela 9). A Selicreal do perodo 2003-2005 foi maior que a mdia de 1999-2002, com a diferena deque naquele perodo incidiu sobre uma dvida crescente como proporo do PIB,

    enquanto, diante dos ajustes patrimoniais ocorridos, nos ltimos anos incidiu sobreuma dvida de importncia relativa menor.

    TABELA 9TAXAS DE JUROS: SELIC[em % a.a.]Ano 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005Taxa nominal anual 33,0 19,8 19,2 23,4 16,3 19,0Variao IPCA 9,4 8,8 12,5 9,3 7,6 5,7Taxa real anual 21,6 10,1 6,0 12,9 8,1 12,6

    Fonte: Bacen.Na mdia dos trs anos 2003-2005, a despesa de juros nominais atingiu um

    valor da ordem de 8% do PIB, prximo ao do perodo 1999-2002, tendo sido emtorno de 9% do PIB durante os difceis anos de 2002-2003 e de 8% do PIB na mdiade 2004-2005 (Tabela 10). Com isso, e dado o aumento do supervit primrio namdia de 2003-2005 em relao a 1999-2002, as NFSP diminuram de uma mdiade 7% do PIB em 1995-1998, para 4% do PIB durante 1999-2002 e tambm 4% doPIB durante 2003-2005. Na prxima seo, abordaremos esse ponto com maioresdetalhes, uma vez que as mdias de 2003-2005 escondem importantes diferenas

    entre um ano e outro, associadas s grandes flutuaes da taxa de juros reais daTabela 9.

    TABELA 10NFSP: CONCEITO NOMINAL[em % do PIB]Composio 1995-1998 1999-2002 2002 2003 2004 2005NFSP nominais 6,67 4,39 4,58 5,07 2,66 3,29Resultado primrio 0,19 3,55 3,89 4,25 4,60 4,84 Governo Central 0,28 2,10 2,37 2,49 2,97 2,88 Estados e municpios 0,40 0,60 0,79 0,89 0,99 1,10 Empresas estatais 0,07 0,85 0,73 0,87 0,64 0,86Juros nominais 6,48 7,94 8,47 9,32 7,26 8,13

    Fonte: Bacen. A reduo do dficit pblico foi um componente importante da melhora da

    poupana do governo, mostrada na Tabela 11. Nesta, adota-se o conceito dasnecessidades de financiamento operacionais excludas as empresas estatais para, luz dos dados de investimento das Contas Nacionais (CN), chegar-se poupana

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    do governo.11 Esta, somada com a poupana privada obtida residualmente ecom a externa, gera por definio um montante de financiamento igual FormaoBruta de Capital Total (FBKT), incluindo o investimento e a variao de estoques.

    TABELA 11COMPOSIO DA POUPANA DOMSTICA[em % do PIB]Nec. financ. (operacionais)a Poupana domsticac

    Ano Supervitprimrio

    Juros reais Necessidadesfinanciamento

    Investimentogoverno

    b Governo Privada Domstica1995-1998 0,1 4,3 4,4 2,4 2,0 19,8 17,81998 0,4 6,9 6,5 2,8 3,7 20,5 16,81999-2002 2,7 3,3 0,6 2,0 1,4 15,6 17,02002 3,2 0,6 2,6 2,2 4,8 13,7 18,52003 3,4 6,9 3,5 1,7 1,8 22,2 20,42004 4,0 3,4 0,6 2,2 2,8 20,4 23,22005 4,0 7,5 3,5 2,5 1,0 23,8 22,8

    Fontes: Para necessidades de financiamento, Bacen. Para investimento do governo e poupana domstica, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica(IBGE).Nota: Poupana do Governo = Investimento do Governo (Contas Nacionais) Necessidades operacionais de financiamento do Governo Central, estados emunicpios = Investimento do Governo (Contas Nacionais) + Supervit primrio do Governo Central, estados e municpios Juros reais do Governo Central,estados e municpios.

    a Sem efeitos da desvalorizao cambial sobre o estoque da dvida mobiliria interna. As variveis de supervit primrio, juros reais e necessidades definanciamento referem-se apenas ao Governo Central, estados e municpios (excluem-se as empresas estatais).

    b Para o investimento do governo em 2004-2005, estimativa do autor.c Inclui a variao de estoques.Observe-se na Tabela 11 que s grandes flutuaes da despesa real com juros do

    Governo Central e dos estados e municpios, que oscilou entre um mnimo de 0,6%do PIB conforme o dado oficial informado pelo Bacen e um mximo de 7,5%do PIB na dcada atual, estiveram associadas flutuaes de magnitude similar dapoupana do governo. De qualquer forma, o aumento do supervit primrio dogoverno em relao situao pr-ajustamento (1998) permitiu um deslocamento(melhora) da poupana do governo de quase 3 p.p. do PIB entre aquele ano e 2005, oque parte importante da explicao para o incremento da poupana domstica de6,0 p.p. do PIB entre essas mesmas datas (1998 e 2005).

    4 A INFLEXO DA DVIDA PBLICAEsta seo se divide em trs subsees. Na primeira delas, apresenta-se a trajetria dadvida pblica em perspectiva histrica; na segunda, discute-se especificamente acontabilidade adotada pelo Bacen para mensurar a relao dvida pblica/PIB; e naterceira, mostra-se a importncia do componente de ajustes patrimoniais para opleno entendimento da evoluo da dvida total.

    11. Ver as notas explicativas da Tabela 11.

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    4.1 TRAJETRIA DA DVIDA PBLICAO ano de 2003 se iniciou com a divulgao dos nmeros fiscais finais de 2002,mostrando, na posio de final de ano, uma nova elevao da relao dvidapblica/PIB, pelo oitavo ano consecutivo, deixando o indicador acima de 55% doPIB, uma posio que em muitos pases poderia ser considerada como uma espcie de

    point of no return pelas dificuldades polticas associadas dimenso do supervitprimrio necessrio para honrar os juros de uma dvida to significativa [FundoMonetrio Internacional (2003)].12

    A Tabela 12 mostra esse processo de elevao da dvida pblica em perspectivahistrica. A varivel, nos ltimos 25 anos, teve ciclos caracterizados de forma muitontida. A primeira fase foi no comeo dos anos 1980, quando a dvida pblica erapredominantemente externa e a combinao da crise da dvida, a assuno de passivosexternos por parte do governo federal e a maxidesvalorizao real de 1983 queaumentou o tamanho relativo da dvida em moeda estrangeira levou a umaexploso do indicador, que mais do que dobrou de tamanho em termos relativos em

    apenas trs anos, chegando a um pico de 56% do PIB em 1984.TABELA 12EVOLUO DA DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICOa[posio de dezembro (% do PIB)]Ano Dvida interna Dvida externa Total Governo Central Estados e municpios Estatais1981 11,8 14,9 26,7 7,2 4,2 15,31982 14,4 18,0 32,4 8,8 5,4 18,21983 18,5 32,9 51,4 19,1 6,4 25,91984 22,3 33,2 55,5 21,6 7,0 26,91985 21,4 30,6 52,0 18,7 7,0 26,31986 20,4 28,7 49,1 19,9 6,5 22,71987 19,6 30,0 49,6 19,9 6,8 22,91988 21,2 25,8 47,0 18,9 6,6 21,51989 21,6 18,6 40,2 19,6 5,8 14,81990 18,0 23,0 41,0 16,9 6,6 17,51991 13,5 23,3 36,8 12,4 6,9 17,51992 18,4 18,7 37,1 12,1 9,2 15,81993 18,8 14,4 33,2 9,7 9,3 14,21994 21,5 8,5 30,0 13,0 9,9 7,11995 25,1 5,5 30,6 13,3 10,7 6,61996 29,4 3,9 33,3 16,0 11,5 5,81997 30,0 4,3 34,3 18,6 12,9 2,81998 35,5 6,2 41,7 24,9 14,2 2,61999 38,4 10,3 48,7 29,8 16,2 2,72000 39,2 9,6 48,8 30,6 16,0 2,22001 42,2 10,4 52,6 32,7 18,3 1,62002 41,2 14,3 55,5 35,3 18,5 1,72003 45,5 11,7 57,2 36,2 19,8 1,22004 44,2 7,5 51,7 32,5 18,9 0,32005 49,0 2,6 51,6 34,1 18,1 -0,6

    Fonte: Bacen.a Inclui base monetria como parte da dvida interna.

    12. Para uma discusso especfica sobre o caso brasileiro, ver Missale e Giavazzi (2004).

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    O segundo perodo, de queda da dvida pblica, foi de 1985 a 1994, ano dolanamento do Plano Real, e foi dominado por uma combinao de cincofenmenos:13a) a tendncia de longo prazo apreciao real do cmbio em relao aopico de 1983-1984, no auge da crise dos mercados internacionais que sucedeu moratria mexicana, o que contribuiu para reduzir o tamanho da dvida externapblica; b) o acordo da dvida externa de 1994, que representou um corte de 30% a

    35% de uma parcela da dvida externa; c) a existncia de diversos episdios desubindexao da dvida interna, com graus variados de explicitao, nas circunstnciasde altssima inflao prevalecentes no perodo; d) um fluxo relevante de senhoriagem,de 3% a 4% do PIB, que colaborava para financiar parte substancial do dficitpblico; e e) 32% de crescimento acumulado do PIB nesse perodo, contribuindopara a reduo do coeficiente dvida/PIB. Assim, a dvida lquida do setor pblicocaiu a 30% do PIB em 1994, j ento com um componente predominantementeinterno. A rigor, o que houve foi que, entre 1984 e 1994, a dvida interna seconservou,grosso modo, em 22% do PIB, enquanto a dvida externa pblica caiu de33% para menos de 9% do PIB.14

    O terceiro perodo, de aumento do endividamento pblico, foi inaugurado coma piora sensvel da situao fiscal em 1995 medida pela deteriorao do resultadooperacional de 6% do PIB em relao a 1994 combinada com o virtualdesaparecimento do financiamento via senhoriagem, que se tornou praticamenteinexpressivo aps a queda drstica da inflao. A partir de ento, a dvida pblicaelevou-se sistematicamente como proporo do PIB em todos os anos, chegando em2002, por coincidncia, aos mesmos 56% do PIB de 1984.

    Nesse processo, houve uma substituio de dvida externa privada por dvidapblica, medida que, na crise externa de 2001-2002, o Bacen forneceu divisas aos

    devedores privados para quitarem seus compromissos no exterior, abastecendo omercado de cmbio para no pressionar ainda mais a cotao do dlar e, para isso,endividou-se junto ao FMI. Somado desvalorizao real de 1999-2002, esseprocesso mais do que triplicou o peso relativo da dvida externa pblica em 2002 emrelao ao vale registrado em 1997. J a dvida interna praticamente dobrou deimportncia relativa entre 1994 e 2002.

    provvel que, no perodo 2003-2005, tenha se inaugurado uma nova fase doprocesso de evoluo da relao dvida pblica/PIB, marcado por uma queda damesma. A Tabela 12 complementada pela Tabela 13, que mostra uma composiomais detalhada da evoluo da dvida pblica nos ltimos anos, apresentando as

    informaes anuais no comeo e no final das duas gestes de FHC e em cada um dosquatro anos do Governo Lula.

    13. Para uma avaliao do endividamento pblico brasileiro em pocas mais distantes, ver Rocha (1997) e Issler e Lima(2000).

    14. Destaque especial cabe tambm para a notvel mudana ocorrida na composio entre as unidades de governo,uma vez que as empresas estatais eram responsveis por quase 50% da dvida pblica em 1984 e tiveram essaimportncia relativa diminuda para menos de 25% do total dez anos depois.

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    TABELA 13EVOLUO DA DVIDA LQUIDA DO SETOR PBLICO[posio de dezembro (% do PIB)]Composio 1994 1998 2002 2003 2004 2005Dvida interna 21,5 35,5 41,2 45,5 44,2 49,0Governo Central 6,7 20,8 22,9 26,2 25,8 31,7Base monetria 3,6 4,2 4,6 4,6 4,8 5,2Dvida mobiliria 11,7 34,5 37,8 44,4 42,2 49,4 Indexada ao cmbio 1,0 7,3 14,6 10,1 4,3 0,6 Outros indexadores 10,7 27,2 23,2 34,3 37,9 48,8Renegociao dvidas est./mun. 0,0 9,3 13,7 15,2 15,0 14,9Outros crditos 8,6 8,6 5,8 7,6 6,2 8,0Estados e municpios 9,6 13,5 17,1 18,6 17,9 17,3 Dvida renegociada 0,0 9,3 13,7 15,2 15,0 14,9 Outras dvidas 9,6 4,2 3,4 3,4 2,9 2,4Empresas estatais 5,2 1,2 1,2 0,7 0,5 0,0Dvida externa 8,5 6,2 14,3 11,7 7,5 2,6Governo Central 6,3 4,1 12,4 10,0 6,7 2,4Estados e municpios 0,3 0,7 1,4 1,2 1,0 0,8Empresas estatais 1,9 1,4 0,5 0,5 0,2 0,6Total 30,0 41,7 55,5 57,2 51,7 51,6Dvida fiscal 30,0 40,6 36,1 40,9 37,8 39,3Ajuste patrimonial

    -

    1,1

    19,4

    16,3

    13,9

    12,3 Privatizao - 3,3 4,0 4,0 3,5 3,4

    Outros ajustes - 4,4 23,4 20,3 17,4 15,7 Ajustes sobre dv. interna - 0,4 9,6 8,1 6,8 6,3 Ajustes sobre dv. externa - 0,5 8,0 6,3 5,2 4,1 Demais ajust. patrimoniais - 3,5 5,8 5,9 5,4 5,3

    Fonte: Bacen.A dvida pblica teve ainda um novo aumento, de 56% para 57% do PIB entre

    2002 e 2003 (a ser explicado posteriormente), mas uma forte queda em 2004. Umdado importante a ser ressaltado a reduo da exposio cambial dos ttulos dadvida interna, claramente um elemento que distingue o que ocorreu antes e depoisde 2003. A poltica do Governo Lula, de no renovar os ttulos cambiais e na prticasubstituir os mesmos por outro tipo de papis, fez ento diminuir gradualmente advida interna indexada ao cmbio, de 15% do PIB em 2002 para apenas 1% do PIBem dezembro de 2005.

    Paralelamente, o governo adotou uma poltica de recomposio das reservasinternacionais, obrigando-se a colocar novos ttulos de dvida interna para enxugar aliquidez que poderia resultar disso. Essa troca de dvida externa lquida por dvida

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    interna, somada ao efeito dos juros limitando a reduo da dvida total, explica oaumento da dvida mobiliria federal de 38% para 49% do PIB entre 2002 e 2005.Foi a contrapartida natural do virtual desaparecimento da dvida externa lquida dosetor pblico, mas a intensidade do processo implica que a dvida mobiliria tem hojeum peso inclusive maior que na crise de 2002, o que preocupante.

    A dinmica da dvida pblica esteve estreitamente associada ao que aconteceucom a evoluo das NFSP no conceito operacional, que o indicador que afeta a

    relao dvida/PIB, dado que as NFSP embutem um componente de atualizaomonetria que no tem impacto no sentido de pressionar o referido coeficiente. Nessesentido, o fato de os juros reais totais soma de juros da dvida externa pblica e

    juros reais da dvida interna terem passado, no conceito operacional, de 1,3% doPIB em 2002 para 7,1% do PIB em 2003 foi um elemento de presso importante,em que pese a pequena elevao do supervit primrio ocorrida no perodo (Tabela14). Note-se que as NFSP operacionais foram negativasem 2,6% do PIB em 2002 ou seja, houve um supervit total devido ao fato de que o supervit primrio foilargamente superior despesa real de juros. Em contraposio, as NFSP operacionaisforam de quase 3% do PIB em 2003, devido ao peso dos juros reais. A oscilao dos

    juros reais durante 2004 e 2005 explica, por sua vez, as variaes das NFSPoperacionais nesses dois anos.

    TABELA 14NFSP: CONCEITO OPERACIONAL[em % do PIB]Composio 2002 2003 2004 2005NFSP nominais 4,58 5,07 2,66 3,29Supervit primrio 3,89 4,25 4,60 4,84Juros internos 7,20 8,09 6,29 7,41 Reais 0,05 5,87 2,21 6,88 Atual. monet. 7,15 2,22 4,08 0,53Juros externos 1,27 1,23 0,97 0,72Juros nominais totais 8,47 9,32 7,26 8,13NFSP operacionaisa 2,57 2,85 1,42 2,76Juros reais 1,32 7,10 3,18 7,60

    Fonte: Bacen.a

    Para valores negativos, supervit operacional.

    4.2 O PROBLEMA DA METODOLOGIA DE CLCULOQuando o Bacen comeou a elaborar a estatstica da relao dvida pblica/PIB nocomeo dos anos 1980, ele se defrontou com o problema de que, ao contrrio do que feito nos pases com uma longa tradio de inflao baixa, no poderia, pura esimplesmente, no clculo da posio anual de fim de perodo, comparar a dvida em31 de dezembro expressa em termos nominais com o PIB do ano expresso tambmem termos nominais, sem nenhum tipo de ajuste da contabilidade estatstica. Issoporque o estoque do numerador expresso a preos de final de ano, enquanto que o

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    fluxo do PIB medido a preos mdios do ano. Dessa forma, na ausncia de ajustes,o resultado da comparao entre a dvida e o PIB tende a ser uma funo direta darelao preos de final de ano/preos mdios do ano, que uma funo direta dainflao. Qualitativamente, isso ocorre em qualquer pas onde a inflao no-nula,mas obviamente o efeito quantitativo maior quanto maior for a inflao.15

    Por essa razo, em uma poca como os anos 1980 e 1990, em que por diversasvezes o governo adotou planos de congelamento que incluam algum tipo de

    interveno nos ndices oficiais de preo, o Bacen optou por dispensar o uso de umndice oficial e usar como fator de ajuste um ndice de preos no-oficial,correspondente ao ndice Geral de Preos Disponibilidade Interna (IGP-DI),apurado pela Fundao Getulio Vargas (FGV). Como os ndices captam a mdia dospreos coletados entre o comeo e o final do ms e o que se desejava era ter umaproxypara os preos em 31 de dezembro, adotou-se o chamado IGP-Centrado,correspondente mdia geomtrica entre os IGPs dos meses de dezembro de um anoe de janeiro do ano seguinte. Uma vez obtido o ndice, multiplica-se o PIB do anopelo coeficiente IGP-Centrado em 31 de dezembro/IGP mdio do ano, calculando-seassim o PIB a preos de final do perodo, com o qual se coteja o dado de final doano da dvida pblica, gerando-se as estatsticas das Tabelas 12 e 13.

    Esse procedimento foi adotado sem problemas durante os anos de alta inflao,em que variaes de preos relativos eram de segunda ordem em relao dimensoda distoro maior que se evitava pelo fato de se adotar esse ajustamento contbil, emrelao alternativa de se compararem valores nominais do numerador e dodenominador da razo dvida/PIB. Aps o Plano Real e especificamente depois dasmudanas cambiais de 1999, a diferena de trajetrias entre os ndices de preos aoconsumidor e o IGP comeou a gerar distores importantes. Em um contexto em

    que uma parte importante da dvida pblica, direta ou indiretamente, estava indexada taxa de cmbio, a adoo de um procedimento de ajuste contbil para calcular oPIB a preos de final de perodo usando o IGP-Centrado minorava as mudanas darelao dvida/PIB, pelo fato de multiplicar o PIB por um fator de ajuste elevado,compensando em parte o aumento do numerador causado pela alta da cotaoR$/US$.

    O problema resultante disso que no ano seguinte, mesmo que a dvida noaumente muito a partir de dezembro, ao se multiplicar o PIB por um coeficienteIGP-Centrado/IGP mdio do ano relativamente pequeno, uma vez completado oajuste de preos relativos, o efeito de alta da relao dvida/PIB que o uso do IGP-

    15. Por exemplo, com inflao anual de 2%, a relao dvida/PIB que se verificaria na ausncia de inflao afetada poruma distoro associada a um fator de multiplicao de 1,01, aproximadamente, enquanto, com uma inflao de1.000%, esse fator, se a inflao mensal for constante, da ordem de 3,32, pois uma inflao anual de 1.000%corresponde a uma variao semestral dos preos de 232%. Se na ausncia de inflao a dvida de 50% do PIB, com2% de inflao anual ela tende a ser, na ausncia de ajustes contbeis, de 50% x 1,01 = 50,5% quase idntica e, com 1.000% de inflao anual, de 166% o que reflete, simplesmente, uma distoro metodolgica. Da anecessidade do ajuste contbil da estatstica da dvida, quando a inflao elevada.

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    Centrado no captou no primeiro ano acaba aparecendo no segundo. 16 Comoreconhece o prprio Bacen, responsvel pelo clculo da relao dvida pblica/PIB,elevaes significativas do IGP-DI posteriores a choques cambiais, usualmentesuperiores s registradas pelos ndices ao consumidor, embora favoream a reduo darelao dvida/PIB, tendem a apresentar efeito simtrico no perodo seguinte [Bacen(2004, p. 62)].

    Essas consideraes so importantes para interpretar a dinmica da dvidapblica a partir de 2002. Um elemento-chave entender que a experincia recenterevela que o deflator implcito do PIB segue muito mais de perto a variao mdia doIPCA no ano (mdia dos ndices de janeiro a dezembro contra a mdiacorrespondente do ano anterior) do que a do IGP (Tabela 15).

    TABELA 15TAXA DE VARIAO DOS NDICES DE PREOS MDIOS ANUAIS[em %]Ano IPCA IPA-DI IGP Deflator implcito do PIB1999 4,9 16,6 11,3 5,72000 7,0 18,1 13,8 8,42001 6,8 12,6 10,4 7,42002 8,4 16,7 13,5 10,22003 14,7 27,6 22,8 15,02004 6,6 10,5 9,4 8,12005 6,9 5,6 6,0 7,0Mdia 7 anos 7,9 15,2 12,4 8,8

    Fontes: IBGE e FGV.

    Vejamos ento de perto o que ocorreu nos ltimos anos. Em 2002, diante deuma variao janeiro-dezembro do IGP de 26%, o aumento do IPCA foi de 13%,enquanto em 2003 os dois ndices voltaram a evoluir relativamente juntos, comomostra a Tabela 16. Ao computar a evoluo dos ndices ms a ms e gerar o IGPmdio, isso implicou multiplicar o PIB do ano por um fator de 1,18 em 2002. Em2003, a adoo do mesmo procedimento gerou a multiplicao por um fator preosde final do ano/preos mdios de apenas 1,03. Em funo disso, o PIB de 2003 apreos de final do ano, em termos nominais, aumentou apenas 0,7% em 2003, em

    relao ao PIB de 2002 a preos de final de 2002 (Tabela 16). Conseqentemente,em que pese o fato de a variao de preos do IPCA ter sido de 9,3% em 2003 e de advida nominal ter aumentado apenas 3,6% e a economia ter crescido em termos reais0,5% fatos que, combinados, deveriam, a priori, ter diminudo a relao

    16. Imagine o leitor que em 31 de dezembro do ano ta dvida tenha um valor nominal de 100 e o PIB de 200, em um contextono qual o IGP-Centrado seja 10% superior ao IGP mdio do ano, o que gera ento uma dvida de 45,5% do PIB quando o PIB levado a preos de final do perodo (200 x 1,10). Se no ano t+1, com crescimento real da economia de 0, por hiptese, advida nominal se mantm constante, a inflao entre janeiro e dezembro de 2% e o deflator do PIB aumenta 5% em umcontexto em que o IGP tenha aumentado no ano anterior muito acima da mdia dos preos da economia captada pelo deflatordo PIB , a nova relao dvida/PIB se torna igual a 100/(200 x 1,05 x 1,01) = 47,1% do PIB, ou seja, a dvida cai em termosreais (pela inflao de 2%), mas a relao dvida/PIB se eleva!

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    dvida/PIB , o ajuste do coeficiente dvida/PIB de 2002, de 0,555, a um aumentonominal da dvida de 3,6% e a uma variao do PIB a preos de final do ano de 0,7%gerou uma dvida, em dezembro de 2003, de 55,5 x 1,036 / 1,007 = 57,2% do PIB.

    TABELA 16TAXAS DE VARIAO DEZEMBRO/DEZEMBRO[em %]Ano IPCA IGP Dvida pblica nominal Preos 31 dez./preos mdiosa PIB 31 dez.2002 12,5 26,4 33,3 1,18 26,32003 9,3 7,7 3,6 1,03 0,72004 7,6 12,1 4,8 1,05 16,02005 5,7 1,2 4,8 1,01 4,8

    Fontes: IBGE, FGV e Bacen.a IGP-Centrado em 31 de dezembro/IGP mdio.Em outras palavras, o aumento da relao dvida/PIB de 2003 em relao a 2002nada mais foi do que um efeito defasado de uma realidade o incremento real da

    relao dvida/PIB em 2002 em funo da desvalorizao que, a rigor, tinha severificado em 2002. A Tabela 17 corrige isso, que pode ser entendido como umadistoro, ao calcular a relao dvida/PIB utilizando o IPCA-Centrado em vez doIGP-Centrado para definir o PIB a preos de final do ano. Por esse procedimentoalternativo, que nos parece mais adequado pelo fato de o IPCA acompanhar mais deperto que o IGP o deflator do PIB o que razovel, uma vez que 3/4 do PIB estoassociados ao consumo , a dvida em 2002 teria aumentado mais do que peloindicador que utiliza o IGP-Centrado, chegando a 60% do PIB, mas teria comeadoa cair j em 2003 e no apenas em 2004.17 Observe-se que, como em 2005 a relaoentre o IGP e o IPCA se inverteu com este variando acima daquele no conceitodo Bacen (que adota o IGP-Centrado), a dvida se manteve praticamente estvelcomo proporo do PIB, enquanto que a utilizao do IPCA para levar o PIB apreos de 31 de dezembro teria revelado uma nova queda do indicador dvidapblica/PIB.

    TABELA 17DVIDA PBLICA: CONCEITO BACEN (IGP-CENTRADO) E CONCEITO ALTERNATIVO (IPCA-CENTRADO)[em % do PIB]Ano (dez.) Conceito Bacen

    (IGP-Centrado)

    Conceito alternativo(IPCA-Centrado)

    2002 55,5 60,12003 57,2 57,12004 51,7 52,22005 51,6 50,5

    Fonte: Elaborao do autor, com base no dado de dvida pblica do Bacen.17. Em 2001, os dois procedimentos geram uma dvida muito prxima entre si, de 52,6% do PIB no conceito oficial(usando o IGP-Centrado) e de 53,0% do PIB no conceito alternativo (utilizando o IPCA-Centrado).

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    4.3 OS AJUSTES PATRIMONIAISUm fator fundamental para explicar as mudanas da relao dvida pblica/PIB apartir de 1999 tem sido a evoluo do componente de ajustes patrimoniais dadvida (Tabela 13). O Bacen desagrega a dvida pblica no componente cujadinmica est associada evoluo dos fluxos (dvida fiscal) e no item de

    ajustamentos associados aos efeitos contbeis abaixo da linha privatizao,impacto do cmbio sobre as dvidas externa e interna e os chamados esqueletos(hidden liabilities).

    Lembremos que a cotao do dlar era da ordem de R$ 1,20 antes dadesvalorizao de janeiro de 1999 e fechou dezembro de 2002 em R$ 3,53, caindodepois para R$ 2,89 na posio final de 2003, R$ 2,65 em dezembro de 2004 efechando 2005 em R$ 2,34. Tal circunstncia afetou sensivelmente ao longo dotempo a parcela da dvida pblica externa e interna ligada ao dlar.

    Adicionalmente, o reconhecimento de antigas dvidas (os esqueletos), que foramuito significativo no perodo 1999-2002, no impactou a evoluo do estoque da

    dvida nos anos seguintes.O resultado disso foi que, embora a dvida fiscal tenha cado de 41% para 36%do PIB entre 1998 e 2002, a dvida total aumentou pelo delta dos ajustespatrimoniais, que passaram de um saldo lquido de 1% do PIB em 1998 paraestonteantes 19% do PIB quatro anos depois. J entre 2002 e 2005 ocorreuexatamente o oposto, isto , a dvida fiscal devido ao efeito dos juros aumentoude 36% para 39% do PIB, mas os ajustes patrimoniais cederam, de 19% para 12%do PIB no perodo, por conta da apreciao da taxa de cmbio. Como conseqncia,a dvida lquida do setor pblico, depois de ter aumentado de 56% para 57% do PIBentre dezembro de 2002 e dezembro de 2003, caiu para 52% do PIB em dezembro

    de 2005.18

    Observe-se que, com o passar dos anos, especialmente no contexto de umapoltica de reduo da vulnerabilidade externa baseada no pagamento de parte dadvida externa e na acumulao de reservas, a tendncia que, se a tendncia persistir,futuras variaes do cmbio tenham um efeito menor. Ou seja, como podemos ver naTabela 13, se em dezembro de 1998 variaes do cmbio afetavam uma dvidainterna indexada divisa norte-americana e uma dvida externa lquida que somadasrepresentavam 14% do PIB e em dezembro de 2002 tal soma tinha passado a ser de29% do PIB, em dezembro de 2005 essa base de incidncia das mudanas cambiaistinha diminudo para apenas 3% do PIB.

    5 A PERMANNCIA DE ANTIGOS PROBLEMAS E A BAIXAQUALIDADE DO AJUSTAMENTO

    Esta quinta seo destaca a continuidade da presena de antigos problemas, ainda noresolvidos, em que pesem as melhoras observadas em algumas reas das finanaspblicas nos ltimos anos. So eles: a) o aumento da relao gasto pblico primrio

    18. A estatstica dos ajustes da Tabela 13 reflete o peso dos estoques de variao patrimonial em relao ao PIB de cadaano. Uma reduo da varivel pode no implicar, portanto, um fluxo negativo, e sim apenas que o PIB aumentou emtermos reais entre um ano e outro.

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    do Governo Central/PIB no Governo Lula em relao ao governo precedente,repetindo o que ocorrera nas duas gestes de FHC; b) a presso crescente das despesasdo INSS, que corresponde a um item especfico associado ao ponto anterior; c) onovo aumento da carga tributria, fenmeno igualmente observado nos perodos1995-1998 e 1999-2002; e d) a continuidade da rigidez oramentria e a ausncia desoluo para o problema representado pelo baixo valor do investimento pblico.

    5.1 O AUMENTO DO GASTO PBLICOO gasto primrio total do Governo Central passou de 16,5% do PIB em 1994, antesdo comeo do Governo FHC, para 19,5% do PIB no final do primeiro mandatodeste e 21,6% do PIB no final do segundo, em 2002. Entre 2002 e 2005, a relaogasto pblico/PIB registrou um novo aumento, at 23% do PIB, pelo maiorcrescimento do numerador da frao (Tabela 18).

    TABELA 18TAXAS MDIAS DE CRESCIMENTO REAL DO GASTO PBLICO DO GOVERNO CENTRAL[em % a.a.] 1995-1998 1999-2002 2003-2005Gasto primrio totala 7,0 4,6 4,1Transferncias estados/municpios 6,6 11,0 4,0Benefcios previdencirios INSS 7,4 5,0 7,6Pessoal 2,0 4,2 1,8Outras despesasa 12,3 0,7 5,5PIB 2,6 2,1 2,5

    Fonte: STN.a Inclui despesas do Bacen. A principal razo para esse aumento foi o desempenho dos gastos

    previdencirios, a ser examinado na prxima subseo. As outras despesas, tirandopessoal, INSS e transferncias a estados e municpios, porm, tambm tiveram umaumento importante.

    Visto em perspectiva histrica, o aumento do gasto chama mais ainda a atenopelo fato de que ele deu continuidade a uma tendncia j anterior e bastantepronunciada. Em outras palavras, no se tratou de um aumento a partir de uma basedeprimida e sim de um novo incremento depois de mais de uma dcada de

    expansionismo fiscal. Esse mesmo gasto primrio total do Governo Central j tinha seexpandido fortemente at 1994, em relao aos 13,7% observados no comeo dosanos 1990 e continuou aumentando nos Governos FHC e Lula (Tabela 19).

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    TABELA 19GOVERNO CENTRAL: GASTO PBLICO PRIMRIO[em % do PIB]Ano Transferncias

    estados e municpiosPessoal Benefcios

    INSSOutros Total

    1991 2,6 3,8 3,4 3,9 13,71992 2,7 3,9 4,2 3,4 14,21993 2,9 4,5 4,9 3,6 15,91994 2,5 5,1 4,9 4,0 16,51995 2,8 5,6 5,0 4,2 17,61996 2,7 5,3 5,3 4,0 17,31997 2,8 4,7 5,4 5,3 18,21998 3,0 5,0 5,8 5,7 19,51999 3,6 5,1 6,0 4,9 19,62000 3,7 5,0 6,0 4,9 19,62001 3,8 5,4 6,3 5,4 20,92002 4,2 5,5 6,5 5,4 21,62003 3,9 5,0 6,9 4,8 20,62004 3,8 4,7 7,1 5,3 20,92005 4,3 4,8 7,6 5,9 22,61991 2,6 3,8 3,4 3,9 13,71991-1995 2,7 4,6 4,5 3,8 15,61996-2000 3,2 5,0 5,7 5,0 18,92001-2005 4,0 5,1 6,9 5,3 21,32005 4,3 4,8 7,6 5,9 22,6(2005-1991) 1,7 1,0 4,2 2,0 8,9

    Fontes: STN e, at 1995, SPE.Se observarmos o dado de 2005 expresso como proporo do PIB, veremos que

    entre 1991 primeiro ano para o qual se dispe de uma classificao desagregadados dados acima da linha em bases comparveis com a das estatsticas atuais daSTN e 2005, as principais rubricas de despesa apresentaram a seguinte trajetria:

    transferncias a estados e municpios: de 2,6% para 4,3% do PIB; pessoal: de 3,8% para 4,8% do PIB; INSS: de 3,4% para 7,6% do PIB; outras despesas: de 3,9% para 5,9% do PIB; Total: de 13,7% para 22,6% do PIB.Note-se, porm, que entre 2002 e 2005, especificamente, houve uma diferena

    importante, pois enquanto as duas primeiras rubricas cresceram pouco ou perderampeso relativamente ao PIB, as duas ltimas ampliaram a participao no produto.

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    Como tendncia histrica, cada um desses fenmenos referentes aos ltimos 15anos tem a sua explicao. No caso das transferncias a estados e municpios, o seuaumento foi uma conseqncia natural, por um lado, da maior receita do IR ao longodo tempo, da qual aproximadamente metade teve de ser destinada aos Fundos deParticipao; e, por outro, do surgimento de novas fontes de transferncia, como asligadas s compensaes da Lei Kandir ou ao Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef).O aumento na despesa com pessoal se explica integralmente pelo gasto com

    inativos, uma vez que estes representavam 0,9% do PIB em 1991 e hoje representam2,2% do PIB, variao maior do que a da despesa total com pessoal, o que mostra queno houve um inchao da estrutura administrativa no perodo. Essa afirmao valetambm para o perodo 2003-2004, como pode ser visto na Tabela 20. Observe-

    TABELA 20COMPOSIO DO QUANTITATIVO DE SERVIDORES[nmero de pessoas]

    1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

    Civis 1.189.648 1.230.846 1.224.216 1.236.985 1.235.658 1.226.954 1.225.641 1.230.358 1.249.159 1.275.565

    Ativos 654.877 647.480 632.200 615.651 605.206 594.626 591.992 593.707 598.683 613.690

    Inativos 534.771 583.366 592.016 621.334 630.452 632.328 633.649 636.651 650.476 661.875

    Aposentados 384.771 394.868 392.498 416.689 420.216 414.726 409.479 405.647 412.196 411.066

    Pensionistas 150.000 188.498 199.518 204.645 210.236 217.602 224.170 231.004 238.280 250.809

    Executivo 1.083.519 1.121.977 1.105.541 1.114.854 1.101.772 1.094.950 1.093.570 1.096.702 1.111.580 1.135.921

    Ativos 572.914 560.211 538.541 520.657 504.186 494.236 491.204 491.490 493.720 507.204

    Inativos 510.605 561.766 567.000 594.197 597.586 600.714 602.366 605.212 617.860 628.717

    Aposentados 365.719 379.272 374.047 396.666 396.178 391.885 387.080 383.302 388.728 387.291

    Pensionistas 144.886 182.494 192.953 197.531 201.408 208.829 215.286 221.910 229.132 241.426

    Legislativo 23.615 23.788 26.118 25.924 33.804 30.367 30.298 30.847 33.747 34.249Ativos 17.402 17.623 19.155 18.787 21.343 19.458 19.889 20.501 22.906 23.369

    Inativos 6.213 6.165 6.963 7.137 12.461 10.909 10.409 10.346 10.841 10.880

    Aposentados 4.221 4.078 4.771 4.798 8.685 7.424 6.978 6.887 7.256 7.262

    Pensionistas 1.992 2.087 2.192 2.339 3.776 3.485 3.431 3.459 3.585 3.618

    Judicirio 82.514 85.081 92.557 96.207 100.082 101.637 101.773 102.809 103.832 105.395

    Ativos 64.561 69.646 74.504 76.207 79.677 80.932 80.899 81.716 82.057 83.117

    Inativos 17.953 15.435 18.053 20.000 20.405 20.705 20.874 21.093 21.775 22.278

    Aposentados 14.831 11.518 13.680 15.225 15.353 15.417 15.421 15.458 16.212 16.513

    Pensionistas 3.122 3917 4.373 4.775 5.052 5.288 5.453 5.635 5.563 5.765

    Militares 588.754 598.640 602.885 564.915 614.116 624.414 626.418 583077 629.381 659.075

    Ativos 320.822 322.423 321.448 277.531 321.466 328.087 325.987 279.313 321.844 346.014

    Inativos 267.932 276.217 281.437 287.384 292.650 296.327 300.431 303.764 307.537 313.061

    Aposentados 117.509 122.512 124.801 119.013 128.252 128.630 129.387 129.801 130.394 130.941

    Pensionistas 150.423 153.705 156.636 168.371 164.398 167.697 171.044 173.963 177.143 182.120

    Ativos 975.699 969.903 953.648 893.182 926.672 922.713 917.979 873.020 920.527 959.704

    Inativos 802.703 859.583 873.453 908.718 923.102 928.655 934.080 940.415 958.013 974.936

    Aposentados 502.280 517.380 517.299 535.702 548.468 543.356 538.866 535.448 542.590 542.007

    Pensionistas 300.423 342.203 356.154 373.016 374.634 385.299 395.214 404.967 415.423 432.929

    Total 1.778.402 1.829.486 1.827.101 1.801.900 1.849.774 1.851.368 1.852.059 1.813.435 1.878.540 1.934.640Fonte: Ministrio do Planejamento. Exclui empresas pblicas, sociedades de economia mista, Bacen e pessoal de estados pago com transferncias federais.

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    se que, entre 1995 e 2002, o nmero de civis ativos sofreu uma reduo acumuladade 9%. J nos dois anos de dezembro de 2002 a dezembro de 2004, essa mesmarubrica, de fato, aumentou, mas apenas 3% no binio 2003-2004, algo que no podese afirmar que seja excessivo.19

    A maior expanso da despesa de OCC se deu no primeiro Governo FHC e seexplica, principalmente, pela combinao de cinco elementos: a) despesasassistenciais, que se expandiram consideravelmente com o aparecimento dos gastoscom a Loas; b) gastos com reforma agrria; c) incremento dos compromissos com aeducao, em funo das polticas setoriais do governo da poca; d) novas verbas paraa recuperao e construo de estradas, que se traduziram na poca em aumento dasdisponibilidades do Ministrio dos Transportes; e e) maiores demandas oramentriasassociadas Justia, dado que o oramento do Poder Judicirio sem contar pessoal passou de 0,10% do PIB para aproximadamente 0,25% do PIB entre 1994 e 1998[Alm e Giambiagi (1999, Tabela 9)].

    Naturalmente, esse padro de expanso fiscal requer um financiamento que oviabilize, o que nos remete ao tema da carga tributria, a ser analisado posteriormente.Vejamos o tema previdencirio com maiores detalhes, porm, na prxima subseo.20

    5.2 A PRESSO DA DESPESA PREVIDENCIRIAO aumento relativo da despesa previdenciria como proporo do PIB ao longo dosquatro anos do Governo Lula deu continuidade a uma tendncia iniciada em 1988 ano da aprovao da nova Constituio e que se caracterizou pelo seguintedenominador comum a cada um dos 18 anos transcorridos desde ento: a inexistnciade uma nica oportunidade em que a despesa do INSS tenha diminudo em relaoao ano anterior, expressa como proporo do PIB (Tabela 21). Em um ou outro ano

    especfico, ela se manteve como percentual do PIB, apenas para retomar a trajetriaascendente logo a seguir. O resultado disso que a despesa do INSS representava25% da despesa primria total do Governo Central em 1991 e atualmente passou aser de 34% do total. Em termos da relao entre a varivel e o PIB, a despesa doINSS evoluiu de 2,5% do PIB em 1988, para 4,9% do PIB no comeo do Plano Real(1994); 6,5% do PIB no final da Administrao FHC (2002) e uma previso de7,9% do PIB em 2006.

    19. O total do contingente de ativos incluindo militares aumentou 10% entre 2002 e 2004, mas pela reduoexcepcional e temporria do contingente de ativos militares em 2002, quando parte da tropa foi dispensada por falta deverbas, episdio rapidamente superado em 2003. Para o Executivo, o total de ativos caiu 14% entre 1995 e 2002 eaumentou 3% entre 2002 e 2004, enquanto para a soma dos ativos de Legislativo e Judicirio, esses percentuais forampositivos em ambos os casos, de 25% e 4%, respectivamente (Tabela 20).

    20. Naturalmente, uma questo crucial associada a esses pontos a baixa eficincia do gasto pblico. Sobre isso, emuma perspectiva relacionada com os pases emergentes, ver Herrera (2005).

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    TABELA 21DESPESAS DO INSS[em % do PIB]Ano % do PIB Ano % do PIB Ano % do PIB1988 2,5 1995 5,0 2001 6,31989 2,7 1996 5,3 2002 6,51990 3,4 1997 5,4 2003 6,91991 3,4 1998 5,8 2004 7,11992 4,3 1999 6,0 2005 7,61993 4,9 2000 6,0 2006 7,91994 4,9

    Fontes: STN e, para 2006, previso oramentria.

    A reforma previdenciria do Governo Lula no afetou essa tendncia, uma vezque ela incidiu apenas sobre o funcionalismo e, no caso do INSS, apenas reforou

    a curto prazo a receita pelo aumento do teto contributivo, o que explica parte doincremento da receita do INSS de 0,4 p.p. do PIB entre 2003 e 2005 na Tabela 1.21

    O aumento da despesa previdenciria no Governo Lula esteve associado a trscomponentes. O primeiro deles foi o aumento real do salrio mnimo (SM). Caberegistrar que dois de cada trs benefcios so pagos no valor do piso previdencirio,que por determinao constitucional igual ao SM. Como o peso dessas despesas nacomposio do total do gasto da ordem de 1/3, a regra de bolso relevante queum aumento real de 10% do SM equivale aproximadamente a um incremento real de3% a 4% da despesa previdenciria. Lembremos, porm, que a esse efeito deve seradicionado o incremento demogrfico natural que se produz todos os anos em virtude

    do envelhecimento gradativo da populao, que faz com que o nmero de idososaumente em torno de 4% a.a. O aumento real do SM, na posio de dezembro decada ano em relao ao final do ano anterior para poder captar os efeitos porperodos de governo, que se encerram sempre em dezembro e que j tinha sido de4,5% a.a. ou pouco mais de 42% acumulados nos oito anos do governo anterior, tersido de 7,7% a.a. no perodo 2003-2006 (Tabela 22). Conseqentemente, com a rigidez baixa da relao gasto do INSS/PIB associada ao aumento do nmero de beneficiriosno numerador e a presso adicional da remunerao real mdia resultante do fato de quemais de 60% do nmero de benefcios tiveram aumentos reais expressivos em funo dosreajustes do SM, a citada relao gastos do INSS/PIB continuou aumentando.

    Voltaremos a esse ponto na seo que analisa a composio do gasto social.

    21. Sobre a reforma previdenciria do Governo Lula, ver Pinheiro (2004). Para um diagnstico amplo sobre o problemaprevidencirio no Brasil, ver Beltro et alii(2004).

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    TABELA 22VARIAO DO SALRIO MNIMO JANEIRO-DEZEMBRO[em %]Ano Variao nominal do SM Variao IPCA Variao real do SM1995-1998a 16,7 9,4 6,71999-2002a 11,4 8,8 2,42003 20,0 9,3 9,82004 8,3 7,6 0,72005 15,4 5,7 9,22006b 16,7 4,8 11,42003-2006a 15,0 6,8 7,7

    Fonte: IBGE.a Mdia (em % a.a.).b Para o IPCA, estimativa do autor. Para o SM, R$ 350. A segunda causa para o aumento do dispndio do INSS foi a exploso das

    despesas com auxlio-doena. Estas, em 1998, correspondiam na posio de dezembroa 506 mil benefcios e no trinio 1999-2001 cresceram a uma taxa (fsica) da ordemde 4% a.a., dentro da normalidade. Entretanto, em 2002 tiveram um incremento de48%, chegando nos anos seguintes a 28% em 2003; 27% em 2004; e 8% em 2005.O resultado disso que o nmero de pessoas que recebiam benefcios por essa rubricaem dezembro de 2001, que era de 574 mil, foi ampliado para quase 1,5 milho depessoas quatro anos depois (Tabela 23). O fato reflete uma falha gerencial, pois evidente que essa varivel deveria guardar uma correlao com a evoluo dapopulao e no h nenhum indcio de que o nmero de doentes no Brasil tenha se

    multiplicado por quase trs vezes nesse perodo de quatro anos. A razo para essadeteriorao est na piora dos mecanismos de controle pelas falhas periciais: a)ausncia de realizao de concursos para a posio de perito do INSS; e b)terceirizao dos mecanismos de percia para mdicos credenciados, sem mecanismosde aferio adequados da prpria percia.

    Por ltimo, o aumento da relao despesa do INSS/PIB entre 2002 e 2006esteve associado ao que se poderia denominar efeito denominador, ligado ao aindarelativamente baixo crescimento da economia na mdia do perodo, de menos de 3%a.a. Mesmo quando no se considera o peso crescente dos benefcios assistenciais captados nas estatsticas fiscais na rubrica de OCC, e no na de benefcios do INSS e se computa apenas o agregado das despesas previdencirias e acidentrias daTabela 23, o nmero de benefcios, nos trs anos 2003-2005, expandiu-se a umamdia anual de 3,9%, enquanto que, nesse mesmo perodo, o crescimento mdio daeconomia foi inferior, de 2,5% a.a.

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    TABELA 23QUANTIDADE DE BENEFCIOS EMITIDOS DEZEMBRO[em milhares]Composio Benefcios dezembro Taxas de crescimento [de indivduos (%)] 2002 2005 1999-2002a 2003 2004 2005 2003-2005bPrevidencirios 18.153 20.394 3,7 3,5 5,1 3,3 4,0 Aposentadorias 11.787 13.053 3,1 3,0 4,0 3,3 3,5 Penses 5.356 5.776 3,2 2,2 3,4 2,1 2,5 Auxlios-doena 849 1.493 13,8 28,3 26,9 8,0 20,7 Outros 161 72 34,6 48,9 6,3 6,3 23,5Acidentrios 720 755 2,9 2,2 2,9 0,2 1,6Assistenciais 2.253 2.793 5,4 3,4 12,8 6,2 7,4Encargos prev. Unio (EPU) - 9 n.c. n.c. n.c. 17,9 n.c.Total 21.126 23.951 3,8 3,4 5,9 3,5 4,3

    Fonte: Ministrio da Previdncia Social.a Taxa mdia em 4 anos (em % a.a.).b Taxa mdia em 3 anos (em % a.a.).n.c. = no-considerada.5.3 O NOVO AUMENTO DA CARGA TRIBUTRIA

    Como resultado da presso contnua pelo aumento do gasto pblico, houve, comono poderia deixar de ser, uma nova elevao da carga tributria. Esse fenmeno podeser aferido de duas formas (Tabela 24):22

    a receita bruta do Governo Central passou de 15% do PIB em 1991 para19% do PIB no comeo do Plano Real, em 1994; 20% do PIB no final do primeiro

    mandato de FHC, em 1998; 24% do PIB no final do segundo mandato de FHC, em2002; e 25% do PIB em 2005;

    a carga tributria, medida pelas Contas Nacionais, passou de 24% do PIBem 1991 para 28% do PIB em 1994; 29% do PIB em 1998; 35% do PIB em 2002; euma estimativa de 37% do PIB em 2005.

    Em termos das causas desse aumento da carga tributria, as conclusesdependem da base de comparao adotada. Entre 1998 e 2003, por exemplo, areceita disponvel resultado lquido da adio ou subtrao de receitas oriundas deoutras Unidades da Federao (UF) do Governo Central passou de 51,7% para52,2% do total. Entretanto, na mdia de 2001-2003, essa participao caiuligeiramente, de 52,3% durante 1996-2000, para 51,6% do total no referido trinio.Em linhas gerais, portanto, razovel se falar em um movimento conjunto e

    22. Diversas estatsticas utilizadas neste trabalho consideram 1991 como o primeiro ano da srie. Em alguns casos porse tratar efetivamente do primeiro ano para o qual h certo tipo de desagregao disponvel e em outros porque 1990foi um ano atpico e inteiramente fora da curva para algumas variveis, devido receita once and for all queacompanhou o Plano Collor, pela possibilidade de pagar impostos atrasados com recursos retidos, que em ocasiesnormais no seriam recolhidos ao Fisco.

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    simultneo de elevao da receita tributria do Governo Central e tambm de estadose municpios, tanto a partir do ajuste de 1999, como entre 2002 e 2005.

    TABELA 24CARGA TRIBUTRIA[em % do PIB]Composio receita disponvel (%)

    AnoReceita bruta

    Governo Central

    Carga tributriaUnio Estados Municpios Total

    1991 14,6 24,4 54,7 29,6 15,7 100,01992 15,2 25,0 56,9 28,2 14,9 100,01993 17,3 25,3 57,8 26,4 15,8 100,01994 18,9 27,9 59,3 25,1 15,6 100,01995 18,3 28,4 51,4 30,4 18,2 100,01996 17,5 28,6 52,4 29,4 18,2 100,01997 18,4 28,6 52,9 28,7 18,4 100,01998 20,1 29,3 51,7 28,4 19,9 100,01999 21,7 31,1 53,2 27,0 19,8 100,02000 21,5 31,6 51,2 29,4 19,4 100,02001 22,7 33,4 50,5 29,6 19,9 100,02002 23,9 34,9 52,0 30,1 17,9 100,02003 23,1 34,0 52,2 28,5 19,3 100,02004 23,8 35,0 n.d. n.d. n.d. n.d.2005 25,3 36,5 n.d. n.d. n.d. n.d.1991 14,6 24,4 54,7 29,6 15,7 100,01991-1995 16,9 26,2 56,0 27,9 16,1 100,01996-2000 19,8 29,8 52,3 28,6 19,1 100,02001-2005 23,8 34,8 n.d. n.d. n.d. n.d.2005 25,3 36,5 n.d. n.d. n.d. n.d.

    Fontes: Para a receita bruta do Governo Central, STN. Para a carga tributria e a composio da receita disponvel, IBGE. Para a carga tributria de 2004-2005, estimativa do autor.n.d. = no-disponvel.Esse fenmeno favorvel aos propsitos arrecadadores das autoridades

    interessadas em ajustar as contas pblicas teve como contrapartida o surgimento ouagravamento de distores que prejudicam a eficincia da economia. Em primeirolugar, a elevada carga incidente sobre o setor formal da economia incentiva certosmecanismos de evaso e dificulta a contratao de mais mo-de-obra. Em segundo, acontinuidade de certas distores ao longo de mais tempo conspirou contra umaumento maior da taxa de investimento. Em terceiro lugar, em que pesem algunsavanos positivos, como a transformao da tributao de PIS-Pasep e Cofins emtaxao sobre o valor adicionado, permanecem vigentes impostos em cascata comoa CPMF. Por ltimo, mesmo algumas melhoras como a transformao de impostosem cascata para a cobrana de valor adicionado tm enfrentado obstculos, pela

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    existncia de casos em que o acmulo de crditos maior que o da taxao bruta apagar, sendo portanto um custo para o produtor e afetando negativamente acompetitividade brasileira no exterior.

    Em conseqncia, a carga tributria, cujo alto valor e cujos efeitos adversos eramapontados como entraves a um crescimento mais acelerado e a um maior estmulo s

    exportaes em 2002, continua sendo um problema srio, quase quatro anos depois.Isso dever exigir algum ajustamento parcial do sistema nos prximos anos, visando,principalmente: a) a diminuio de alguns impostos que continuam causandoproblemas para setores particulares, nos casos ainda existentes; b) o virtual fim daCPMF, mesmo que ela eventualmente possa permanecer com uma alquota nfima,de por exemplo 0,01%; c) a soluo para o problema dos crditos acumulados, noscasos em que eles ultrapassam o volume de impostos a pagar; e, mais genericamente,e) a reduo da carga tributria.

    5.4 A RIGIDEZ ORAMENTRIA E O BAIXO VALOR DO INVESTIMENTOPBLICO23

    Alm das questes anteriormente listadas gasto pblico crescente, agravamento doproblema previdencirio e aumento da carga tributria , o outro problemaremanescente nos anos 2003-2006 foi a continuidade da rigidez oramentria e obaixo valor do investimento pblico, um dos entraves a uma retomada sustentada docrescimento a um ritmo mais intenso, uma vez esgotada a capacidade ociosadisponvel em 2003 (Tabela 25).24

    TABELA 25INVESTIMENTO DA ADMINISTRAO PBLICA: CONTAS NACIONAISa[em % do PIB]Ano Investimento Ano Investimento Ano Investimento Ano Investimento1971 4,3 1981 2,7 1991 2,9 2001 2,21972 3,9 1982 2,4 1992 3,5 2002 2,21973 3,7 1983 2,0 1993 3,2 2003 1,71974 3,9 1984 2,1 1994 3,6 2004 2,21975 3,9 1985 2,5 1995 2,5 1976 4,0 1986 3,2 1996 2,3 1977 3,3 1987 3,3 1997 2,0 1978 3,1 1988 3,4 1998 2,8 1979 2,5 1989 3,2 1999 1,7 1980 2,3 1990 3,7 2000 1,9 Mdia da dcada 3,5 2,9 2,6 2,1

    Fonte: IBGE. Para 2004, estimativa do autor.a Unio, estados e municpios.

    23. H um quinto problema remanescente, alm dos pontos citados, representado pela continuidade da prtica de umataxa de juros reais muito elevada no Brasil. Abordar isso, porm, com o seu necessrio detalhamento, algo quedemandaria um outro estudo e est alm dos limites do presente trabalho.

    24. Sobre o tema do investimento pblico, ver o robusto e detalhado estudo de Afonso, Amorim e Biasoto Jr. (2005),rico na apresentao de uma grande diversidade de estatsticas sobre o assunto.

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    O Governo Lula apostou muitas fichas em duas iniciativas. A primeira foi a daschamadas Parcerias Pblico-Privadas (PPPs).25 Entretanto, a experincia internacionalsugere que essa modalidade de investimento, em primeiro lugar, aplica-seespecificamente a certo tipo de empreendimentos, no podendo ser de usogeneralizado; segundo, envolve uma engenharia financeira complexa, que requermuito tempo de preparao das operaes; e terceiro, costuma estar associada a

    projetos de longo prazo de maturao. Conseqentemente, difcil imaginar que,embora o projeto aprovado tenha tido uma srie de mritos, as PPPs poderiam ser ogrande fator de alavancagem da taxa de investimento da economia.

    A segunda iniciativa governamental de peso na rea do investimento pblico foi atentativa, inicialmente bastante alardeada, de excluir os investimentos estatais daestatstica. A idia sempre mencionada pelos defensores da tese era que os investimentosno poderiam receber o mesmo tratamento que os gastos correntes, por envolveremrepercusses patrimoniais diferentes para o setor pblico. O tema remete s origens dodebate sobre a contabilidade pblica e o clculo das Public Sector Borrowing Requirements(PSBR), expresso da qual se derivam as nossas NFSP, conhecidas vulgarmente comodficit pblico.26 Embora claramente as conseqncias de longo prazo de gastarrecursos correntes ou aplicar em investimentos no seja a mesma, haveria trs problemasbsicos com uma iniciativa desse tipo. O primeiro que o impacto em termos dedemanda agregada, no curto prazo, similar, de modo que retirar elementos do cmputodo dficit pblico seria uma forma de, na prtica, gastar mais, podendo prejudicar ocombate inflao. O segundo o impacto que uma iniciativa do gnero, baseada emcontabilidade criativa, poderia ter sobre a credibilidade da poltica econmica, apstodo o esforo de construo de reputao empreendido a partir de 1999. Por ltimo,resta a questo de como medir o valor do investimento a cada ms, para a contabilidadepatrimonial do setor pblico.27

    Havia alm disso, nesse debate, um equvoco original acerca de uma brecha queteria sido aberta ainda durante o governo anterior, associada suposio largamente mencionada na imprensa por jornalistas e membros do governo de queo acordo j vigente com o FMI permitiria retirar os investimentos da Petrobras daestatstica. Como essa empresa investe em torno de 1% do PIB, passava-se a idia deque poder-se-ia retirar 1% do PIB da estatstica fiscal, sem maiores conseqncias. Arigor, porm, o item 8 do Memorando de poltica econmica de setembro de 2002estabelecia que: (...) a meta de supervit primrio do setor pblico consolidado serreduzida pelo valor da despesa de investimento efetiva da Petrobras que exceder o nvelestabelecido no programa