a pirâmide e o agendamento

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SBPJor Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 9º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (Rio de Janeiro, ECO- Universidade Federal do Rio de Janeiro), novembro de 2011 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: A Pirâmide e o Agendamento: Uma Proposta de Compreensão Epistemológica da Teoria do Agenda-Setting Carlos Figueiredo 1 Resumo: A hipótese do Agendamento (agenda-setting) é um dos paradigmas mais frutíferos entre as Teorias do Jornalismo, capaz de absorver diversas contribuições teóricas. Defendendo inicialmente que os meios de comunicação podem não dizer à recepção como pensar, mas sobre o que pensar, a hipótese foi aperfeiçoando seus postulados com o passar do tempo e o acréscimo de contribuições de ouras vertentes, como a teoria do enquadramento (framing). Estudos mais recentes sobre a teoria do agendamento passaram a tratar dos efeitos cognitivos da teoria do a- gendamento a partir das ciências da cognição, enriquecendo a hipótese do agendamento. Contu- do, defendemos uma compreensão dos aspectos epistemológicos do agendamento a partir do entendimento da notícia enquanto forma de conhecimento a partir dos postulados teóricos de Adelmo Genro e Eduardo Medistch, que abarcam também a dimensão ética do noticiar. Palavras-chave: agendamento; notícia; conhecimento; epistemologia; pirâmide; ética. 1. Agendamento e Cognição Desde o primeiro estudo publicado sobre o agendamento (Agenda-Setting) e seus efeitos por McCombs e Shaw (1972), a teoria do agendamento vem recebendo grande quantidade de contribuições teóricas, e sendo objeto de reflexão quase quatro décadas depois. Os estudos que seguem essa perspectiva consideram que o campo jor- nalístico ao colocar um tema em sua agenda de forma insistente acaba transferindo-o para a agenda do público, fortalecendo a vertente teórica que encara os meios de comu- nicação como um local de “construção social da realidade” (BERGER e LUCKMANN, 1978). A teoria do agendamento saiu de um paradigma que defendia que a mídia podia 1 Jornalista, mestre em Comunicação Social e Doutorando em Sociologia pela Universidade Fede- ral de Pernambuco (UFPE).

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(Rio de Janeiro, ECO- Universidade Federal do Rio de Janeiro), novembro de 2011

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A Pirâmide e o Agendamento: Uma Proposta de Compreensão Epistemológica da Teoria do Agenda-Setting

Carlos Figueiredo 1

Resumo: A hipótese do Agendamento (agenda-setting) é um dos paradigmas mais frutíferos

entre as Teorias do Jornalismo, capaz de absorver diversas contribuições teóricas. Defendendo

inicialmente que os meios de comunicação podem não dizer à recepção como pensar, mas sobre

o que pensar, a hipótese foi aperfeiçoando seus postulados com o passar do tempo e o acréscimo

de contribuições de ouras vertentes, como a teoria do enquadramento (framing). Estudos mais

recentes sobre a teoria do agendamento passaram a tratar dos efeitos cognitivos da teoria do a-

gendamento a partir das ciências da cognição, enriquecendo a hipótese do agendamento. Contu-

do, defendemos uma compreensão dos aspectos epistemológicos do agendamento a partir do

entendimento da notícia enquanto forma de conhecimento a partir dos postulados teóricos de

Adelmo Genro e Eduardo Medistch, que abarcam também a dimensão ética do noticiar.

Palavras-chave: agendamento; notícia; conhecimento; epistemologia; pirâmide; ética.

1. Agendamento e Cognição

Desde o primeiro estudo publicado sobre o agendamento (Agenda-Setting) e

seus efeitos por McCombs e Shaw (1972), a teoria do agendamento vem recebendo

grande quantidade de contribuições teóricas, e sendo objeto de reflexão quase quatro

décadas depois. Os estudos que seguem essa perspectiva consideram que o campo jor-

nalístico ao colocar um tema em sua agenda de forma insistente acaba transferindo-o

para a agenda do público, fortalecendo a vertente teórica que encara os meios de comu-

nicação como um local de “construção social da realidade” (BERGER e LUCKMANN,

1978). A teoria do agendamento saiu de um paradigma que defendia que a mídia podia

1 Jornalista, mestre em Comunicação Social e Doutorando em Sociologia pela Universidade Fede-

ral de Pernambuco (UFPE).

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não ser capaz de dizer como o público pensa, mas tem o poder de estabelecer em que ele

pensa; para um modelo que advoga que os meios de comunicação através de seus con-

teúdos podem influir, sim, em como a recepção pode pensar em relação a atributos de

temas e pessoas famosas.

A verdade é que a teoria do agendamento nunca esteve fechada a novas contri-

buições, deixando espaço para indagações e colaborações de outras teorias, tornando

possível defender, em decorrência dessas características, que a teoria do agendamento é

uma hipótese e não uma teoria (HOHLFELDT,2001). Essa peculiaridade dos estudos

em agendamento leva a teoria a possibilidades abertas. Os estudos mais recentes dessa

tendência de pesquisa vem se ocupando dos efeitos do agendamento sobre a cognição

da recepção (KIOUSIS e MCCOMBS, 2004, p.37), e algumas pesquisas têm ventilado a

possibilidade de que mídia ao agendar um tema ou objeto ser capaz de não apenas dizer

o que e como pensar, mas também o que fazer em relação a temas agendados.

Trabalhando com o apoio de modelos das ciências da cognição e do aprendizado

Kiousis e McCombs (2004), ao estudarem o impacto do agendamento na atitude das

pessoas em relação a onze figuras públicas concluíram que a relação entre a saliência

que os meios de comunicações dão a uma figura política e a saliência que o público dá a

essas personalidades não só aumenta seu reconhecimento, mas está relacionada com o

aumento de atitudes fortes, dispersas ou polarizadas, em relação a essas figuras. O a-

gendamento de um tema aumenta o número de atitudes fortes em relação à questão. Ou-

tro achado desse estudo é que a saliência midiática é mediada por um fortalecimento da

dispersão de atitude, atitudes dispersas são aquelas não-neutras, mas sem uma visão ex-

tremamente positiva ou negativa do objeto. Ou seja, a importância que a mídia confere a

uma figura pública passa por um fortalecimento da dispersão de atitudes antes de fazer

parte da agenda pública.

As variáveis que devem ser levadas em conta são múltiplas nesse tipo de estudo,

realizado a partir de cruzamentos realizados em bando de dados de pesquisas de opinião

e número de citações de temas e figuras públicas. Não podem ser esquecidos fatores

como os efeitos do agendamento em pessoas que apresentam diferentes níveis de expo-

sição aos conteúdos jornalísticos e a quantidade de material jornalístico disponível sobre

o objeto para a recepção. Essas pesquisas dão uma contribuição valiosa para estudos

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relativos à exposição do público a temas agendados principalmente para os estudos so-

bre notícias políticas, mas faltam a esses estudos um pano de fundo filosófico que reco-

nheça a notícia como um tipo de conhecimento específico, diferenciando-a de outras

formas de conhecimento como as artes e a ciência.

Neste trabalho, pretendemos contribuir para uma reflexão sobre o tipo conheci-

mento que um tema colocado na agenda jornalística pode produzir. Para atingir esse ob-

jetivo será estabelecida uma ligação entre os estudos que tomam a notícia como uma

forma de conhecimento, conduzidos por Genro Filho (1987) e Medistch (1992, 1987), e

a teoria do agendamento para, a partir daí, entendermos como o agendamento de um

tema noticioso pode contribuir na produção de conhecimento, levando em consideração

a dimensão ética da tarefa de contribuir na construção da agenda do público.

2. Jornalismo: Uma Forma de Conhecimento

Quando tomamos o jornalismo como forma de conhecimento, comparações com

a ciência podem colocá-lo na situação de um conhecimento menor ou degradar o objeto

sem revelar nada sobre o mesmo. Jornalismo não é ciência, embora seja possível uma

ciência sobre o jornalismo. De acordo com Medistch (1997, p.2), a comparação do jor-

nalismo profissional com a ciência, se tomada dentro de um paradigma positivista em

que a ciência é entronizada como o saber absoluto e mais seguro, coloca o jornalismo

não só numa posição de conhecimento degradado, mas de um agente que degrada os

outros conhecimentos com o qual entra em contato. É preciso, portanto, compreender

melhor o tipo de conhecimento social produzido pelo jornalismo.

O primeiro esforço teórico visando o entendimento dessa nova forma de conhe-

cimento foi feito pelo ex-repórter e sociólogo Robert Park (1972), na primeira metade

do século XX. Park (1972, p.168) recorre à sistematização do conhecimento feita pelo

filósofo pragmático norte-americano William James em que as formas de conhecimento

são divididas em “conhecimento de” e “conhecimento acerca de”. A primeira forma de

conhecimento seria o saber baseado no senso comum, na experiência direta, na acumu-

lação e sedimentação de experiências pelo indivíduo e na acomodação destas ao mundo

pessoal e individual de cada ser humano. Esse conhecimento “identifica-se cada vez

mais com o instinto e a intuição” (PARK, 1972, p.173).

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O “conhecimento acerca de” seria um conhecimento mais preciso e confiável,

obtido através de métodos científicos. É um saber que “substitui a realidade concreta

por idéias e as coisas por palavras”, tornando inteligível e comunicável as leis de fun-

cionamento do mundo natural, a ordem real das coisas. O “conhecimento acerca de”

seria, portanto, o saber fundado na ciência e obtido por seus métodos. Mas, e a notícia?

Como encaixar dentro dessa sistematização o conhecimento obtido através dos métodos

próprios da prática jornalística?

Park argumenta que, por serem termos relativos, os dois tipos de conhecimentos

não são tão dessemelhantes no caráter e na função quanto se pode imaginar, podendo

ser localizados dentro de um contínuo onde são enquadrados todos os tipos de conheci-

mento, entre eles o jornalístico. A notícia teria, assim, um lugar próprio dentro desse

contínuo, ocupando uma posição intermediária em relação aos outros dois. Meditsch

(1997) critica essa sistematização por situar o jornalismo como uma ciência menor ao

relacioná-lo com a ciência e o senso comum. O jornalismo seria um conhecimento que

embora possa se abastecer dessas duas instâncias não é apenas senso comum, nem tam-

pouco ciência.

Outra crítica a Park é o seu enfoque funcionalista, inspirado nas teorias do soció-

logo positivista francês Durkheim (2008) que procura adaptar métodos das ciências bio-

lógicas ao estudo de fenômenos sociais. Dentro dessa perspectiva, a sociedade é tomada

como um organismo e cada instituição é comparada a um órgão com determinada fun-

ção dentro da sociedade. Um viés que permite pouca capacidade para transformação

social, visto que cada instituição teria que se limitar a cumprir sua “função” para garan-

tir a saúde do organismo social. Seguindo essa linha de raciocínio, Park (1972, p.176)

considera que a notícia realiza para o público (organismo social), as funções que a per-

cepção preenche na vida do indivíduo biológico. Park (1972, p.183) conclui que “a fun-

ção da notícia é orientar o homem e a sociedade num mundo real. Na medida em que o

consegue, tende a preservar a sanidade do indivíduo e a permanência da sociedade”.

Genro Filho (1987a) critica Park por tomar o senso comum, ou “conhecimento

de” como uma categoria a-histórica, isenta de contradições internas ao não levar em

conta as relações de poder e alienação que seriam intrínsecos a esse tipo de saber. Para

Genro Filho, Park acaba reificando o conhecimento derivado do senso comum ao des-

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crevê-lo como sendo algo natural e eterno. O conhecimento derivado do jornalismo não

teria para Genro uma correspondência com a percepção dos indivíduos, sendo no má-

ximo uma simulação dessa correspondência, uma vez que é um conhecimento mediado

por técnicas instituídas sistematicamente, diferente da percepção baseada na experiência

sem mediações tecnológicas. Ao não compreender a natureza contraditória tanto do sen-

so comum quanto da percepção, Park aborda, de acordo com Genro Filho (1987a), a

natureza epistemológica do jornalismo de forma equivocada, pois Park define o conhe-

cimento produzido por este como um mero reflexo empírico e acrítico, cuja única fun-

ção é integrar os indivíduos ao status quo, situando-o na “organicidade social vigente”,

tomando a sociedade burguesa como referência universal.

Meditsch (1997, p. 3) considera que a partir daí surge um novo tipo de aborda-

gem que toma o jornalismo como uma forma diferente de conhecimento, que não se li-

mita a apontar o que ele tem de semelhante com outros saberes, mas procura salientar

aquilo que existe de próprio e original no conhecimento desenvolvido a partir das práti-

cas jornalísticas. O jornalismo como forma conhecimento não revelaria nem pior nem

melhor a realidade do que a ciência, mas o faria diferente, sendo capaz, através de suas

potencialidades, de revelar aspectos da realidade que outros conhecimentos não estari-

am aptos a desvelar.

Tomando as categorias hegelianas do universal, do particular e do universal para

explicar as diferenças entre as formas de conhecimento, Genro Filho (1987) considera o

saber desenvolvido pelo jornalismo um conhecimento que tem na singularidade dos fa-

tos sua categoria central, diferentemente da ciência que se baseia na universalidade e da

arte que tem como esteio a particularidade, de acordo com a estética marxista de Luc-

kács. “A singularidade se manifesta na atmosfera cultural de uma imediaticidade com-

partilhada, uma experiência vivida de modo mais ou menos direta” (GENRO FILHO,

1987), ou seja, um conhecimento próximo ao senso comum. A particularidade, por sua

vez, surge ao contextualizar-se o fato no interior da cultura colocando-o dentro de uma

atmosfera subjetiva mais abstrata, tendo como ponto de partida “pressupostos universais

geralmente implícitos, mas de qualquer modo naturalmente constituídos na atividade

social”. (GENRO FILHO, 1987)

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As categorias hegelianas utilizadas por Genro Filho (1987) não são estanques,

mas se interpenetram dialeticamente, constituindo-se através de suas identidades con-

traditórias “em momentos que constituem a realidade objetiva e formam o concreto”. A

particularidade e a universalidade estão dissolvidas na singularidade dos fatos jornalísti-

cos, mas não desaparecem, estão sempre presentes. Assim, ao tomarmos “essas relações

como premissa teórica, podemos afirmar que o singular é a matéria-prima do jornalis-

mo, a forma pela qual se cristalizam e convergem as determinações particulares e uni-

versais”. (GENRO FILHO, 1987)

Estabelecido o tipo de conhecimento que o campo jornalístico desenvolve a par-

tir de suas práticas é possível acompanhar Meditsch (1997, p.9) na sua constatação de

que “o Jornalismo não é uma „ciência mal feita‟, simplesmente porque não é uma ciên-

cia e nem pode aspirar a ser tal”. A ciência parte de uma hipótese que pode ser compro-

vada através de uma experimentação controlada, um corte abstrato na realidade que

busca a resposta para questionamentos feitos com base em sistemas teóricos anteriores.

A ciência opera relações entre fatos, de onde nascem novas deduções que levarão a no-

vas hipóteses, conduzindo os cientistas a verificações empíricas que uma vez confirma-

das transformam-se em novas teorias num processo de acumulação infinito. O jornalis-

mo não parte de uma hipótese, mas de uma pauta, que do ponto de vista científico não é

uma experimentação controlada da realidade. Apesar de também ser um corte abstrato

na realidade, a pauta não parte do isolamento de variáveis, mas do objetivo de apreender

o fato de todos os seus pontos de vista relevantes, delimitando a possibilidade de abstra-

ção do conhecimento fornecido pelo jornalismo, e impossibilitando sua acumulação ao

infinito (MEDITSCH, 1992, p.55 – 56).

O jornalismo por sua fixação no imediato está ligado à lógica do senso comum, e

este, como qualquer saber, é repartido socialmente, permitindo que cada grupo o apro-

veite mais ou menos, de acordo com seu conhecimento prévio. Essa divisão social do

saber acontece de forma qualitativa (uns conhecem coisas diferentes dos outros) e quan-

titativa (uns conhecem mais coisas que os outros). O jornalismo tem que atingir, geral-

mente, a todos esses auditórios. A linguagem formal do campo científico é justificada

pela universalidade de seu auditório, todos dominam os conhecimentos prévios para li-

dar com as problemáticas postas pelos integrantes do campo. É um conhecimento opa-

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co, esotérico, disponível apenas para os iniciados. Já a universalidade proposta pelo jor-

nalismo segue o caminho oposto, refere-se a uma outra rede de circulação que pretende

“devolver a realidade á sua transparência coletiva”. O jornalismo traduz a linguagem

científica altamente formalizada, transformando-a em um conhecimento exotérico.

(MEDITSCH, 1997, p.8)

3. A Pirâmide e a Teoria do Agendamento

Um dos principais fatores que levam os meios de comunicação a acumular poder

político é a possibilidade de estabelecer a agenda pública, influenciando que temas o

público conhece e debate, como evidenciaram Maxwell McCombs e Donald Shaw

(1972) no primeiro estudo utilizando a abordagem metodológica da teoria do agenda-

mento. Os estudiosos perceberam uma enorme coincidência entre a agenda pública e a

midiática durante as eleições presidenciais americanas de 1968 entre eleitores indecisos

da comunidade de Chapel Hill, no estado da Carolina do Norte. A teoria proposta pelos

dois estudiosos norte-americanos viria se tornar uma das mais importantes e utilizadas

no estudo da influência midiática.

O cerne da hipótese do agendamento é a ideia de que a mídia pode fixar a agen-

da, ou seja, estabelecer o que é importante e estaria no centro das atenções em relação a

ações públicas. (MCCOMBS, 2006. p.11). A teoria do agendamento tem sua raiz na o-

bra Public Opinion, de Walter Lippman (1922), que nos anos 1920 já defendia que

grande parte das imagens do mundo que permeavam os debates públicos era construída

pelas informações jornalísticas. Lippman, contudo, acreditava que o campo jornalístico

não era capaz de formar adequadamente a Opinião Pública pelo fato de a natureza das

notícias formarem uma imagem distorcida do mundo. Isso aconteceria pelo fato de os

jornalistas não conseguirem muitas vezes quebrar o bloqueio da censura, terem como

fontes propagandistas governamentais ou militares e trazerem muitas vezes uma visão

estereotipada da realidade e agentes sociais. A Opinião Pública seria formada pelas fi-

guras formadas nas cabeças das pessoas fornecidas pela imprensa, que reforçariam idei-

as estereotipadas e que não corresponderiam à verdade. Para Lippman (1922), o conhe-

cimento oferecido pelo jornalismo colocaria a democracia em perigo.

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A agenda proposta pelos meios de comunicação é construída de acordo com a

visão de mundo proposta pela cultura jornalística, evidenciada nos critérios de noticiabi-

lidade. E essa visão do mundo faz com que muitas vezes o campo jornalístico dê mais

visibilidade a um fato que a outros, fazendo com que vários meios de comunicação a-

gendem o mesmo fato, o que na teoria do agendamento é chamado acumulação (HO-

HLFELDT, 2005, p.201) que é a capacidade do campo jornalístico de dar relevância a

um determinado tema dentro do imenso conjunto de acontecimentos que chegam diari-

amente às redações para serem transformados em notícia. Portanto, a tarefa de agendar a

sociedade possui uma dimensão ética, reconhecida, inclusive, por McCombs (MC-

COMBS, 2006, p.21).

A questão ética perpassa a tarefa de agendar o público, uma vez que a teoria do

agendamento provoca um deslocamento na questão do poder jornalístico, e coloca em

discussão o poder de dar visibilidade a fatos, instituições e pessoas, e negar essa propri-

edade a indivíduos e acontecimentos que não preencham determinados requisitos im-

postos pelos padrões jornalísticos. Bourdieu (1997, p.29) observa que os meios de co-

municação de massa se tornaram árbitros do “acesso à existência política e social”. No

mundo contemporâneo, alguma personalidade ou evento passa a existir socialmente

quando se transforma em notícia veiculada pela mídia. Schudson (2003, p.29) considera

esse poder o mais perceptível entre todos os outros alegados nos mais diversos estudos

sobre o tema. A seleção de notícias é uma das formas que o campo jornalístico possui

para dirigir a atenção do público, dessa forma o campo influi na percepção da audiência

de quais são os temas mais importantes do dia. Quando vários jornais acumulam maté-

rias sobre um mesmo tema fornecem pistas à recepção de sua relevância para o debate

público.

Apesar de enfatizar o poder dos meios de comunicação em influenciar a agenda

pública, a teoria do agendamento não é um retorno à teoria hipodérmica, que prega que

as pessoas aceitariam as mensagens midiáticas acriticamente tão logo fossem expostas a

elas. Contudo, a teoria do agendamento recupera o poder midiático que após as teorias

do duplo fluxo de comunicação (two step flow) passou para as mãos dos formadores de

opiniões, que influenciariam os demais acerca dos temas noticiados pelo campo jorna-

lístico (LAZARSFELD, 1986, p.32). A teoria do agendamento devolve o poder ao cam-

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po jornalístico, ao reconhecer que ele tem grandes possibilidades de influenciar a agen-

da pública. Entretanto, como enfatiza McCombs não é um retorno à teoria hipodérmica

que toma os membros da recepção como autômatos, prontos a aceitar todas as mensa-

gens midiáticas, mas reconhece o poder da mídia em estabelecer a agenda do público.

A capacidade da mídia de fixar a agenda pública estaria assentada no que Mc-

Combs (2006: p. 110) chama de necessidade de orientação, o público procuraria nos

meios de comunicação de massa informações sobre assuntos dos quais possuem pouco

conhecimento. Esse é o primeiro nível de estabelecimento da agenda, determinar o que

é relevante, o segundo nível é chamado de agenda de atributos, que verifica quais quali-

dades os meios de comunicação informativos atribuem aos objetos das notícias e sua

influência da avaliação midiática dos objetos no julgamento público dos mesmos. Este

segundo nível surgiu depois da contribuição da teoria do enquadramento aos estudos de

agendamento. (MCCOMBS, 2006, p. 173).

Para Sfez (2000, p.87), a teoria do agendamento estaria entre a teoria hipodérmi-

ca e a teoria dos usos e gratificações, tentando se livrar dos inconvenientes desses dois

marcos teóricos. A teoria do agendamento defende que há efeitos e que a mídia possui

poder, mas considera que o receptor procura os meios de comunicação em busca de gra-

tificações cognitivas como a necessidade de orientação, embora a teoria do agendamen-

to trate essa necessidade de forma mais flexível. A teoria dos usos e gratificações sai do

paradigma que questiona o que os meios de comunicação faz às pessoas para o que as

pessoas fazem com os meios de comunicação, minimizando o poder da mídia e colo-

cando muito peso no contexto social do receptor.

A necessidade de orientação, segundo Weaver (1980), seria um resultado do ní-

vel de interesse público sobre um determinado tema político conjugado com o interesse

que o indivíduo tem sobre ele. Altos níveis de necessidade de orientação sobre uma

questão política levariam a efeitos mais constantes do agendamento dos jornais sob a

recepção. A teoria do agendamento tenta resolver a questão da dominação do emissor

ou do receptor, de acordo com Sfez (2000, p.88), através do lugar ambivalente de uma

troca mercantil entre essas dominações. Defende também que a mídia não é toda pode-

rosa e capaz de reprogramar as mentes e corações da recepção, mas pode apresentar e-

feitos a longo prazo. McCombs considera que com o passar do tempo é comum que os

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meios de comunicação de massa transfiram sua agenda para o público, situando um te-

ma no seu repertório, transformando-o no foco de usa atenção e de seu pensamento, e

talvez de sua ação. Esse seria o nível inicial na formação da opinião pública (MC-

COMBS, 2006, p.25).

A tarefa de agendar, além de ser uma questão ética, também diz muito sobre a

competência jornalística em lidar com a singularidade dos fatos. O agendamento de um

tema possui um impacto epistemológico diferente do suscitado por uma matéria isolada

ou por uma reportagem mais detalhada. Para compreender a dimensão da notícia como

conhecimento em situações de agendamento, quando um tema se torna central na cober-

tura jornalística; recorremos à teoria marxista do jornalismo como forma de conheci-

mento de Genro Filho (1987).

Genro Filho usa a figura da pirâmide para explicar o conhecimento produzido

pelo jornalismo, que tem como categoria central a singularidade. Para o teórico, a pirâ-

mide invertida apesar de sua utilidade operatória para organizar o texto jornalístico ra-

pidamente, não dispõe as informações recolhidas pelo jornalista em ordem de importân-

cia, mas sim pela ordem da singularidade. Ou seja, a notícia é construída a partir dos

dados mais singulares acerca do fato, e não a partir dos mais importantes, como pregam

os manuais de redação. O lead seria a expressão mais aguda da singularização dos fatos

(GENRO FILHO, 1987b). O teórico critica a pretensão de que a pirâmide invertida sir-

va de base para uma teoria do jornalismo, pois ela encarna uma hipótese racional de o-

peração, que conduz a uma redação padronizada dos fatos e “não à lógica da exposição

jornalística e à compreensão epistemológica do processo” (GENRO FILHO, 1987b).

A teoria da pirâmide invertida, partindo do dado mais importante para o menos

importante, teria seu fundo de verdade, pois do aspecto descritivo o lead realmente re-

presentaria o momento jornalístico mais importante do texto, enquanto “apreensão sin-

tética da realidade ou núcleo singular da informação” (GENRO FILHO, 1987c). Ainda

de acordo com Genro (1987c), o lead é uma ferramenta e uma conquista importante do

fazer jornalístico, pois permite representar “a reprodução sintética da singularidade da

experiência individual. As formulações genéricas são incapazes de reproduzir essa ex-

periência”. Contudo do ponto de vista epistemológico, “a pirâmide invertida deve ser

revertida, quer dizer, recolocada com os pés na terra. Nesse sentido, a notícia caminha

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não do mais importante para o menos importante (ou vice-versa), mas do singular para o

particular, do cume para a base” (GENRO FILHO, 1987b). O autor usa a pirâmide para

expressar graficamente a notícia como forma de conhecimento (FIG 1).

FIG1 - Representação da Estrutura Epistemológica da Notícia

Fonte – www.adelmo.com.br/index3.htm

O triângulo eqüilátero (Figura A) representa uma notícia bem construída do pon-

to de vista epistemológico, que parte da singularidade do fato, mas mantém um equilí-

brio entre a particularidade e a singularidade do fenômeno. Para Genro Filho (1987b), a

qualidade noticiosa do jornalismo diário não estaria ligada apenas à eficácia da constru-

ção textual da notícia, mas também ao enfoque epistemológico. É preciso oferecer um

grau mínimo de conhecimento objetivo que deverá ser proporcionado pela significação

do singular, que necessita de um mínimo de contextualização do particular, para que a

notícia se efetive como conhecimento. Já a figura B representa a notícia sensacionalista.

O triângulo isósceles, de base estreita e ângulo agudo com os lados maior que a base,

representa a notícia extremamente singularizada que, para Genro Filho (1987b), mesmo

mobilizada para fins democráticos ou socialistas é sempre conservadora, por não con-

textualizar suficientemente o contexto (o particular), não permitindo assim uma ligação

com o universal.

A figura C, um triângulo isósceles com a base maior do que os lados, representa

uma abertura para a particularidade pela maior periodicidade do veículo que publicará a

notícia. Uma revista ou programa semanal de TV deve contextualizar de forma mais

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acentuada seu conteúdo, aumentando o espaço da particularidade. A figura D significa

uma contextualização ainda maior, apropriada para publicações mensais. Dessa forma

ao aumentar o nível de contextualização, o jornalista aumenta também a base do triân-

gulo. Genro Filho (1987b) faz outra representação gráfica para representar os pressupos-

tos ideológicos e ontológicos da notícia (FIG 2), que surgiriam enquanto projeções, e

não explicitamente.

FIG 2 - pressupostos ontológicos e ideológicos da notícia

Fonte- www.adelmo.com.br/index3.htm

Dessa forma X seria o núcleo singular da notícia, e Y a base de contextualização

particular. A projeção X‟ seriam os pressupostos ontológicos e ideológicos que orienta-

ram a produção da notícia, ou seja, seriam os valores enquanto Y‟ seriam os pressupos-

tos ontológicos e ideológicos que emanam ou são superiores pela notícia (GENRO FI-

LHO, 1987b). As projeções X‟ e Y‟ podem ser tomadas como respectivamente como os

pressupostos ideológicos dos valores profissionais que orientam e dão sentido ao senso

prático da profissão jornalística, e Y‟ seriam os valores carregados pela notícia que não

são pertencem apenas aos jornalistas, mas que estão disseminados em determinados se-

tores da sociedade, inclusive entre os profissionais da notícia.

Entendendo que a cobertura de um tema agendado pela imprensa diária é dife-

rente de uma notícia isolada dentro de uma edição de um jornal diário, é possível defen-

der que o caráter epistemológico dessa cobertura é diferente do da notícia isolada. O que

defendemos é que com várias suítes sobre um tema, o campo jornalístico tem a chance

de aumentar a base de contextualização particular, se a cobertura for feita seguindo de-

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terminadas normas do profissionalismo jornalístico em relação à apuração e investiga-

ção dos dados. Ou seja, acreditamos ser possível analisar o agendamento de um tema do

ponto de vista epistemológico. Em seus estudos sobre a compreensão da notícia Van

Dick (1990. p.247-248) defende que “somente a informação repetida e recorrente sobre

certos temas pode conduzir a uma transformação modesta ou à construção de modelos

situacionais recorrentes”, ou seja apenas um certo número de notícias repetidas sobre

um determinado tema pode transformar seguramente o quadro de conhecimento da au-

diência sobre a questão, o que acontece numa situação de agendamento.

Uma comparação com a reportagem é bem vinda, uma vez que o agendamento

não estava presente na representação gráfica de Genro Filho. Nilson Lage (2001, p.116)

considera que a reportagem está ligada à investigação, que vai além do que é esperado

na notícia diária. Já Genro Filho (1987b), sem discordar de Lage, se prende aos efeitos

na pirâmide epistemológica jornalística para caracterizar a reportagem, uma vez que

uma maior investigação aumenta a base da pirâmide, ou seja, sua particularidade, pelo

fato de a reportagem buscar sua significação na totalidade da matéria, concorrendo com

singularidade do fenômeno abordado e dos fatos que a configuram. A significação autô-

noma da reportagem pode ser estética como no caso dos autores do new journalism

(Genro Filho cita À Sangue Frio, de Truman Capote) ou informativa como no caso das

reportagens de revista ou programas jornalísticos de TV semanais, dedicados apenas a

um assunto a cada programa, que se aprofundam em determinado tema geralmente já

visitado pelo receptor em notícias de jornal, TV, rádio ou internet

Se uma reportagem pode aumentar o nível de contextualização, o que poderia ser

dito sobre o agendamento de um tema que toma grande espaço nos jornais durante perí-

odos mais dilatados de tempo, enriquecendo o conhecimento da audiência. Além disso,

um tema agendado dá a possibilidade aos repórteres de produzirem reportagens jornalís-

ticas sobre o tema, por exemplo, nas edições dominicais ou da segunda-feira quando o

material factual é mais escasso. Contudo, como frisa Moretzsohn (2007, p.238) a natura-

lização das rotinas leva à naturalização dos fatos, impondo o modo como se faz jorna-

lismo na atual conjuntura sócio-histórica como a única possível, sem acenar com um

quadro diferente. Moretzsohn (2007, p.241) lembra frases usadas comumente pelos pro-

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fissionais do campo como “jornalista não tem tempo para pensar” para justificar o modo

como a prática jornalística é aceita dentro das redações.

Defendendo o jornalismo, como uma prática herdeira do ideal iluminista do es-

clarecimento, Moretzsohn (2007, p.246) defende que este seja realizado como uma prá-

tica de suspensão da cotidianidade, permitindo que o jornalista suspender o cotidiano

possa questionar suas práticas profissionais e sair do processo de reificação das rotinas e

processos sociais que toma estes como dados pela natureza. Para que o ideal de Moretz-

sohn se concretize, é preciso que o jornalista receba uma formação universitária sólida,

permitindo que o profissional além de compreender os processos que constituem a soci-

edade, conheça os efeitos da rotina profissional nas empresas jornalísticas para que pos-

sa lidar de forma profissional e reflexiva com o dia-a-dia do trabalho prático.

4. Conclusão

Largamente usada no Brasil, a teoria do agendamento tem recebido permanen-

temente contribuições de várias outros enfoques teóricos como as teorias do enquadra-

mento e da produção da notícia (newsmaking), o que garante a vitalidade desse tipo de

pesquisa que se interroga de maneira constante sobre seus postulados. Contudo, a larga

aplicação empírica do agendamento pode ser enriquecida se essa tendência de pesquisa

for pensada a partir de uma base teórica que apresente as particularidades do jornalismo

como conhecimento e prática profissional, levando a uma reflexão que possa contribuir

não só para a pesquisa, mas para um melhoramento das práticas profissionais e para a

consolidação da importância da profissão.

Sendo uma das instâncias ativas na construção social da realidade, principalmen-

te em fatos de importância considerável para o exercício da cidadania como as notícias

sobre a esfera política, o campo jornalístico tem no poder de dar existência pública uma

grande responsabilidade. Entender as razões que permeiam a construção da agenda pú-

blica, seus impactos na sociedade é de grande importância para a compreensão do papel

dos agentes do campo jornalístico numa sociedade democrática. Também permite com-

preender suas qualidades e limites, estabelecendo o local de atuação específico do jorna-

lismo, seus direitos e deveres e, portanto sua dignidade, sem ser comparado injustamen-

te a outras áreas de produção do saber.

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As pesquisas sobre os efeitos cognitivos do agendamento midiático nos recepto-

res fornecem pistas interessantes sobre os efeitos que a exposição contínua à agenda pú-

blica pode causar. Levando em conta esses indícios, uma investigação sobre o tipo de

conhecimento produzido pelas notícias, preocupada com as condições e com os precei-

tos éticos que envolvem o processo de produção desse conhecimento, é de suma impor-

tância para fundamentar as pesquisas sobre possíveis efeitos do agendamento. O conhe-

cimento produzido pelo jornalismo tem efeitos, apesar da dificuldade da pesquisa empí-

rica de determiná-los, mas o pouco conhecimento das consequências, tendo em vista o

número de hipóteses sobre o tema na pesquisa de comunicação não invalida a obrigação

do esforço em busca do aprimoramento da ética e das práticas jornalísticas.

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