a percepção de si como sujeito-da-doença* · onde o estado se configura como objeto de...

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A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* REGINA HERZOG** É em fins do século XIX que se pode situar o nascimento da medicina moderna, pela gradati va valorização do saber médico enquanto "uma estratégia biopolítica". Segundo Foucault, com o advento do capitalismo a medicina ganha novo estatuto, na medida em que o corpo passa a ser visto como força de produção. Tal ascensão, entretanto, foi paulatina, começando como uma medicina do Estado (início do século XVIII), principalmente na Alemanha, onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se produz conhecimento; a seguir, passa por uma "medicina das condições de vida, do meio de existência"l que lhe confere um estatuto de ciência, até chegar, finalmente, a uma medicina da força de trabalho, que realiza um controle mais completo dos indivíduos, pela assistência e intervenção médicas. * Texto extraído do capítulo N de "Sujeito-da-doença ou doença do sujeito? Aconstrução do ser doente". Dissertação de mestrado em psicologia clínica, apresentada à PUC-RJ. No- vembro de 1987. ** Doutoranda em Psicologia, PUCIRJ. 1 FOUCAULT M., "Conferências (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro ." Mimeo, 1974, p . 17.

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Page 1: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

REGINA HERZOG

Eacute em fins do seacuteculo XIX que se pode situar o nascimento da medicina moderna pela gradati va valorizaccedilatildeo do saber meacutedico enquanto uma estrateacutegia biopoliacutetica Segundo Foucault com o advento do capitalismo a medicina ganha novo estatuto na medida em que o corpo passa a ser visto como forccedila de produccedilatildeo Tal ascensatildeo entretanto foi paulatina comeccedilando como uma medicina do Estado (iniacutecio do seacuteculo XVIII) principalmente na Alemanha onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se produz conhecimento a seguir passa por uma medicina das condiccedilotildees de vida do meio de existecircncial que lhe confere um estatuto de ciecircncia ateacute chegar finalmente a uma medicina da forccedila de trabalho que realiza um controle mais completo dos indiviacuteduos pela assistecircncia e intervenccedilatildeo meacutedicas

Texto extraiacutedo do capiacutetulo N de Sujeito-da-doenccedila ou doenccedila do sujeito Aconstruccedilatildeo do ser doente Dissertaccedilatildeo de mestrado em psicologia cliacutenica apresentada agrave PUC-RJ Noshyvembro de 1987

Doutoranda em Psicologia PUCIRJ

1 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro Mimeo 1974 p 17

144 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Nessa perspectiva a anaacutelise de Michel Foucault2 permite entrever como o saber meacutedico respalda um controle mais refinado do indiviacuteduo na nova racionalidade poliacutetica que se configura a partir do seacuteculo XIX tendo como objetivo maior a sujeiccedilatildeo do ser humano

Instituiacuteda como saber a medicina por seu discurso daacute uma configuraccedilatildeo concreta agrave sua praacutetica constituindo um sujeito-da-doenccedila3 que por sua vez assegura a hegemonia do saber meacutedico

A expressatildeo sujeito-da-doenccedila reflete segundo nosso ponto de vista uma intenccedilatildeo subjacente agrave constituiccedilatildeo da medicina moderna - a do exerciacutecio de um poder sobre o corpo lugar onde acontece a doenccedila Nesta perspectiva eacute para a doenccedila que o saber meacutedico precisa propor um atributo e natildeo para o indiviacuteduo Assim destituindo o lugar em que ocorre adoenccedilade um significado que possa transcendecirc-la para aleacutem da construccedilatildeo de um sujeito-da-doenccedila o que se institui eacute a ideacuteia de que todo indiviacuteduo ou seja todo sujeito eacute passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila

Feita essa ressalva a anaacutelise empreendida por Foucault principalmente em O nascimento da cliacutenica4 reafirma suas ideacuteias sobre como o sujeito eacute constituiacutedo pelas praacuteticas discursivas Natildeo obstante esta caracterizaccedilatildeo natildeo desconsidera que a construccedilatildeo do saber meacutedico de um sujeito-da-doenccedila shyconstruccedilatildeo esta que em uacuteltima anaacutelise instaura uma relaccedilatildeo de poder - natildeo deve ser entendida como um movimento unilateral no qual um dos poacutelos eacute criadordominante e outro criaccedilatildeodominado A este respeito Foucault aponta para as formas de submissatildeo engendradas pelo proacuteprio sujeito5

O objetivo desta reflexatildeo eacute discutir como a partir do discurso meacutedico o sujeito se percebe como passiacutevel de ser sujeitO-da-doenccedila eou sujeito-deshydoenccedila Para pensar essa questatildeo pretendo buscar na anaacutelise de Foucault subsiacutedios sobre os diversos tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos

Com esse objetivo seraacute delineado num primeiro momento o que entendo como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito Em seguida tomando o ponto de vista do sujeito seraacute analisado como a partir de um sentir-se mal

2 FOUCAULT M o nascimento da cliacutenica Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1980 p XVIII

3 HERZOG R Sujeito-da-doenccedila ou doenccedila do sujeito A construccedilatildeo do ser doente op cito

4 FOUCAUL T M O nascimento da cliacutenica op cito 5 FOUCAULT M Deux essais sur le sujet et le pouvoir in DREYFUS HL amp RABINOW

P Michel Foucault un parcours philosophique Paris Gallimard 1984

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 145

se passa da percepccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para a de sujeito-da-doenccedila atraveacutes de uma sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente

Tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos

Foucault cujaobraestaacute voltadagtara os diferentes modos de subjetivaccedilatildeo do ser humano em nossa cultura investiga atraveacutes de vaacuterias formas de resistecircncia como se exercem na atividade os diferentes tipos de poder7 que accedilambarcam o indiviacuteduo como um todo classificando-o impondo uma lei que precisa ser aceita e enfim transformando-o em sujeito

Determinando duas acepccedilotildees para o termo sujeito - sujeito submetido ao outro pelo controle e dependecircncia e sujeito ligado agrave sua proacutepria identidade pela consciecircncia ou conhecimento de si 8 - Foucalt considera que este termo implica uma forma de poder que subjuga e sujeita9

Para se constituir a possibilidade dessa forma de poder Foucault propotildee a existecircncia de trecircs tipos de objetivaccedilatildeo que transformam os seres humanos em sujeitos

O primeiro diz respeito aos diversos modos de investigaccedilatildeo que pretenshydem acientificidade por exemplo a objeti vaccedilatildeo do sujeito falante promovida pela filologia e outros ou do sujeito produtivo pela economia e anaacutelise das riquezas ou ainda a objetivaccedilatildeo do proacuteprio fato de estar vivo em histoacuteria natural ou em biologia

Um segundo tipo eacute designado como pratiques divisantes em que o sujeito eacute dividido no interior de si mesmo ou em relaccedilatildeo aos outros

O terceiro que Foucault se propotildee a investigar em sua obra se refere agrave maneira como um ser humano se transforma em sujeito como por exemplo o sujeito de uma sexualidade

Tomando como ponto de partida para sua investigaccedilatildeo as formas de resistecircncia aos diferentes tipos de poder ele identifica trecircs tipos de luta possiacuteveis contra as formas de dominaccedilatildeo as de exploraccedilatildeo e a forma que liga o indiviacuteduo a ele mesmo e assegura assim sua submissatildeo agraves outras1deg Sem negar que estas formas de luta podem ser travadas conjuntamente considera

6 FOUCAULT M Deux essais sur le sujet et le pouvoir op cit p 297 7 Idem p 300 8 Idem p 303 9 Idem p 303

10 Idem p 303

Val 1 Nuacutemero 21991 146 PHYS1S - Revista de Sauacutede Caletiva

que na atualidade a que predomina aquela contra a submissatildeo da subshyjetividade11

A partir da anaacutelise de uma teacutecnica de poder - o poder pastoral - Foucault indica como o Estado ocidental moderno passa a exercer um poder com caracteriacutesticas semelhantes agravequeles nos quais o poder ordena e se sacrifica por seu rebanhopovo se preocupa com o conjunto da comunidade mas tambeacutem com cada um separadamente age porque sabe tudo sobre todos Desta

o Estado moderno a exercer sobre a wna forma de poder que abrange todos os indiviacuteduos e o indiviacuteduo como um todo retoma assim os instrumentos com os quais o poder pastoral exerce o poder e os amplia pois passa a ver o indiacute viacuteduo sob uma nova oacuteptica e submetido um conjunto mecanismos especiacuteficos Assim o objetivo final eacute a sauacutede do indiviacuteduo no mundo e natildeo mais apoacutes a morte como se verificava no poder pastoral abrangendo vaacuterias instacircncias ~ bem-estar fiacutesico protcccedilatildeo seguranccedila Aleacutem disso se produz uma alnpliaccedilatildeo do poder que chega a ser exercido por estmturas complexas Como a medicina que englobava ao mesmo tempo as iniciativas privadas (venda de serviccedilos na base da economia do mercado) e certas instituiccedilotildees puacuteblicas como hospitais 12

Essa estrateacutegia aleacutem de reforccedilar amplia o exerciacutecio do poder pastoral que na religiatildeo se ateacutem agrave Igreja (instituiccedilatildeo eclesiaacutestica) Trata-se de uma conformaccedilatildeo que pennite que se desenvolva um saber sobre o homcm enquanto conjunto (a populaccedilatildeo) e enquanto indiviacuteduo

Esta breve exposiccedilatildeo sohre como se exerce na atualidade determinado tipo de poder fornece subsiacutedios para se pensar a questatildeo da percepccedilatildeo que o sujeito ter de si proacuteprio como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila eou sujeito-de-doenccedila De acordo com a anaacutelise de Foucault esta percepccedilatildeo deve ser apreendida dentro de uma visatildeo que remete agrave proacutepria constituiccedilatildeo do sujeito submetido e subjugado pelos modos de objetivaccedilatildeo

Dentro do escopo deste estudo eacute possiacutevel ver como o corpo sujeitado pela doenccedila expressa de uma forma concreta uma relaccedilatildeo de poder das mais refinadas O corpo se configura como o ponto para o qual convergem de um lado o exerciacutecio de um poder que lhe eacute externo e de outro a percepccedilatildeo de si como sujeito-que lhe eacute interna A relaccedilatildeo se manifesta por um compromisso por parte do Estado de cuidar desse sujeito e pela proacutepria participaccedilatildeo no Estado do sujeito que com seu corpo produz e trabalha Para uma comshypreensatildeo do ponto de vista do sujeito que seraacute privilegiado nesta reflexatildeo

11 Idem p 303 Idem 301)

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 147

necessaacuterio efetuar a anaacutelise desta relaccedilatildeo que procede em dois niacuteveis - de um lado o que aparece como condiccedilatildeo externa para a percepccedilatildeo de si como sujeito e de outro a articulaccedilatildeo interna do proacuteprio sujeito se percebendo_

Raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito

Com respeito agrave produccedilatildeo agrave necessidade de trabalhar para garantir posshysibilidade de consumo trata-se de uma situaccedilatildeo vivida pelo sujeito como deliberaccedilatildeo proacutepria interna Neste contexto o corpo passa a ter uma positividade suigeneris_ Em lugar de servir ao sujeito passaraacute a ser cuidado por ele culminando no que Baudrillard13 denomina de demagogia do corpo Para este autor a nova concepccedilatildeo de corpo liberado natildeo passa de um engodo na medida em que eacute direcionada responde agrave estrateacutegia de determinados sistemas (da medicina da religiatildeo qa economia poliacutetica) de acordo com seus objetivos a sauacutede a ressurshyreiccedilatildeo a produtividade racional a sexualidade liberada 14

Dentro desta perspectiva pode-se entender como a imagem do corpo enquanto significado para o sujeito se acha perpassada pelas diversas conshycepccedilotildees que lhe datildeo um sentido Entretanto dificilmente poder-se-ia vincular a compreensatildeo da noccedilatildeo de imagem corporal a uma explicaccedilatildeo pautada meramente nas preocupaccedilotildees pessoais do indi viacuteduo com o corpo destacada de um conjunto mais complexo devidamente inserida no acircmbito social A pershycepccedilatildeo da imagem corporal natildeo se reduz a um conhecimento de si destituiacutedo de injunccedilotildees externas

Todavia a afIrmaccedilatildeo de que o corpo simboliza tudo ou seja responde agrave estrateacutegia de vaacuterios sistemas deve ser matizada pois nela se verificam pontos de fratura Ainda que a imagem do pr6prio corpo seja decorrente da imagem imposta pelo sistema (pela sociedade) observa-se em vaacuterios contextos um sair da linha como se existisse algo de que a sociedade enquanto sistema natildeo daacute conta algo que a extrapola Esta questatildeo seraacute abordada mais adiante No entanto para completar este raciociacutenio pode-se traccedilar um paralelo com o pensamento de Mary Douglas antropoacuteloga que trata em sua obra Pureza e perigo 15 dos rituais de pureza eimpureza nas culturas primitivas

Vendo no ritual a expressatildeo de um conjunto de elementos aos quais o indiviacuteduo estaacute irremediavelmente ligado a autora relata como essa confishyguraccedilatildeo natildeo eacute tatildeo simples pois mesmo que o ritual formal de ocasiotildees puacuteblicas

13 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mono Paris Gallimard 1976 14 BAUDRILLARD l Lechange symbolique et la mort Paris Gallimard 1976 p 177 15 DOUGLAS M Pureza e perigo Satildeo Paulo Perspectiva 1976

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ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

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Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

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Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 2: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

144 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Nessa perspectiva a anaacutelise de Michel Foucault2 permite entrever como o saber meacutedico respalda um controle mais refinado do indiviacuteduo na nova racionalidade poliacutetica que se configura a partir do seacuteculo XIX tendo como objetivo maior a sujeiccedilatildeo do ser humano

Instituiacuteda como saber a medicina por seu discurso daacute uma configuraccedilatildeo concreta agrave sua praacutetica constituindo um sujeito-da-doenccedila3 que por sua vez assegura a hegemonia do saber meacutedico

A expressatildeo sujeito-da-doenccedila reflete segundo nosso ponto de vista uma intenccedilatildeo subjacente agrave constituiccedilatildeo da medicina moderna - a do exerciacutecio de um poder sobre o corpo lugar onde acontece a doenccedila Nesta perspectiva eacute para a doenccedila que o saber meacutedico precisa propor um atributo e natildeo para o indiviacuteduo Assim destituindo o lugar em que ocorre adoenccedilade um significado que possa transcendecirc-la para aleacutem da construccedilatildeo de um sujeito-da-doenccedila o que se institui eacute a ideacuteia de que todo indiviacuteduo ou seja todo sujeito eacute passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila

Feita essa ressalva a anaacutelise empreendida por Foucault principalmente em O nascimento da cliacutenica4 reafirma suas ideacuteias sobre como o sujeito eacute constituiacutedo pelas praacuteticas discursivas Natildeo obstante esta caracterizaccedilatildeo natildeo desconsidera que a construccedilatildeo do saber meacutedico de um sujeito-da-doenccedila shyconstruccedilatildeo esta que em uacuteltima anaacutelise instaura uma relaccedilatildeo de poder - natildeo deve ser entendida como um movimento unilateral no qual um dos poacutelos eacute criadordominante e outro criaccedilatildeodominado A este respeito Foucault aponta para as formas de submissatildeo engendradas pelo proacuteprio sujeito5

O objetivo desta reflexatildeo eacute discutir como a partir do discurso meacutedico o sujeito se percebe como passiacutevel de ser sujeitO-da-doenccedila eou sujeito-deshydoenccedila Para pensar essa questatildeo pretendo buscar na anaacutelise de Foucault subsiacutedios sobre os diversos tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos

Com esse objetivo seraacute delineado num primeiro momento o que entendo como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito Em seguida tomando o ponto de vista do sujeito seraacute analisado como a partir de um sentir-se mal

2 FOUCAULT M o nascimento da cliacutenica Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1980 p XVIII

3 HERZOG R Sujeito-da-doenccedila ou doenccedila do sujeito A construccedilatildeo do ser doente op cito

4 FOUCAUL T M O nascimento da cliacutenica op cito 5 FOUCAULT M Deux essais sur le sujet et le pouvoir in DREYFUS HL amp RABINOW

P Michel Foucault un parcours philosophique Paris Gallimard 1984

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 145

se passa da percepccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para a de sujeito-da-doenccedila atraveacutes de uma sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente

Tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos

Foucault cujaobraestaacute voltadagtara os diferentes modos de subjetivaccedilatildeo do ser humano em nossa cultura investiga atraveacutes de vaacuterias formas de resistecircncia como se exercem na atividade os diferentes tipos de poder7 que accedilambarcam o indiviacuteduo como um todo classificando-o impondo uma lei que precisa ser aceita e enfim transformando-o em sujeito

Determinando duas acepccedilotildees para o termo sujeito - sujeito submetido ao outro pelo controle e dependecircncia e sujeito ligado agrave sua proacutepria identidade pela consciecircncia ou conhecimento de si 8 - Foucalt considera que este termo implica uma forma de poder que subjuga e sujeita9

Para se constituir a possibilidade dessa forma de poder Foucault propotildee a existecircncia de trecircs tipos de objetivaccedilatildeo que transformam os seres humanos em sujeitos

O primeiro diz respeito aos diversos modos de investigaccedilatildeo que pretenshydem acientificidade por exemplo a objeti vaccedilatildeo do sujeito falante promovida pela filologia e outros ou do sujeito produtivo pela economia e anaacutelise das riquezas ou ainda a objetivaccedilatildeo do proacuteprio fato de estar vivo em histoacuteria natural ou em biologia

Um segundo tipo eacute designado como pratiques divisantes em que o sujeito eacute dividido no interior de si mesmo ou em relaccedilatildeo aos outros

O terceiro que Foucault se propotildee a investigar em sua obra se refere agrave maneira como um ser humano se transforma em sujeito como por exemplo o sujeito de uma sexualidade

Tomando como ponto de partida para sua investigaccedilatildeo as formas de resistecircncia aos diferentes tipos de poder ele identifica trecircs tipos de luta possiacuteveis contra as formas de dominaccedilatildeo as de exploraccedilatildeo e a forma que liga o indiviacuteduo a ele mesmo e assegura assim sua submissatildeo agraves outras1deg Sem negar que estas formas de luta podem ser travadas conjuntamente considera

6 FOUCAULT M Deux essais sur le sujet et le pouvoir op cit p 297 7 Idem p 300 8 Idem p 303 9 Idem p 303

10 Idem p 303

Val 1 Nuacutemero 21991 146 PHYS1S - Revista de Sauacutede Caletiva

que na atualidade a que predomina aquela contra a submissatildeo da subshyjetividade11

A partir da anaacutelise de uma teacutecnica de poder - o poder pastoral - Foucault indica como o Estado ocidental moderno passa a exercer um poder com caracteriacutesticas semelhantes agravequeles nos quais o poder ordena e se sacrifica por seu rebanhopovo se preocupa com o conjunto da comunidade mas tambeacutem com cada um separadamente age porque sabe tudo sobre todos Desta

o Estado moderno a exercer sobre a wna forma de poder que abrange todos os indiviacuteduos e o indiviacuteduo como um todo retoma assim os instrumentos com os quais o poder pastoral exerce o poder e os amplia pois passa a ver o indiacute viacuteduo sob uma nova oacuteptica e submetido um conjunto mecanismos especiacuteficos Assim o objetivo final eacute a sauacutede do indiviacuteduo no mundo e natildeo mais apoacutes a morte como se verificava no poder pastoral abrangendo vaacuterias instacircncias ~ bem-estar fiacutesico protcccedilatildeo seguranccedila Aleacutem disso se produz uma alnpliaccedilatildeo do poder que chega a ser exercido por estmturas complexas Como a medicina que englobava ao mesmo tempo as iniciativas privadas (venda de serviccedilos na base da economia do mercado) e certas instituiccedilotildees puacuteblicas como hospitais 12

Essa estrateacutegia aleacutem de reforccedilar amplia o exerciacutecio do poder pastoral que na religiatildeo se ateacutem agrave Igreja (instituiccedilatildeo eclesiaacutestica) Trata-se de uma conformaccedilatildeo que pennite que se desenvolva um saber sobre o homcm enquanto conjunto (a populaccedilatildeo) e enquanto indiviacuteduo

Esta breve exposiccedilatildeo sohre como se exerce na atualidade determinado tipo de poder fornece subsiacutedios para se pensar a questatildeo da percepccedilatildeo que o sujeito ter de si proacuteprio como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila eou sujeito-de-doenccedila De acordo com a anaacutelise de Foucault esta percepccedilatildeo deve ser apreendida dentro de uma visatildeo que remete agrave proacutepria constituiccedilatildeo do sujeito submetido e subjugado pelos modos de objetivaccedilatildeo

Dentro do escopo deste estudo eacute possiacutevel ver como o corpo sujeitado pela doenccedila expressa de uma forma concreta uma relaccedilatildeo de poder das mais refinadas O corpo se configura como o ponto para o qual convergem de um lado o exerciacutecio de um poder que lhe eacute externo e de outro a percepccedilatildeo de si como sujeito-que lhe eacute interna A relaccedilatildeo se manifesta por um compromisso por parte do Estado de cuidar desse sujeito e pela proacutepria participaccedilatildeo no Estado do sujeito que com seu corpo produz e trabalha Para uma comshypreensatildeo do ponto de vista do sujeito que seraacute privilegiado nesta reflexatildeo

11 Idem p 303 Idem 301)

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necessaacuterio efetuar a anaacutelise desta relaccedilatildeo que procede em dois niacuteveis - de um lado o que aparece como condiccedilatildeo externa para a percepccedilatildeo de si como sujeito e de outro a articulaccedilatildeo interna do proacuteprio sujeito se percebendo_

Raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito

Com respeito agrave produccedilatildeo agrave necessidade de trabalhar para garantir posshysibilidade de consumo trata-se de uma situaccedilatildeo vivida pelo sujeito como deliberaccedilatildeo proacutepria interna Neste contexto o corpo passa a ter uma positividade suigeneris_ Em lugar de servir ao sujeito passaraacute a ser cuidado por ele culminando no que Baudrillard13 denomina de demagogia do corpo Para este autor a nova concepccedilatildeo de corpo liberado natildeo passa de um engodo na medida em que eacute direcionada responde agrave estrateacutegia de determinados sistemas (da medicina da religiatildeo qa economia poliacutetica) de acordo com seus objetivos a sauacutede a ressurshyreiccedilatildeo a produtividade racional a sexualidade liberada 14

Dentro desta perspectiva pode-se entender como a imagem do corpo enquanto significado para o sujeito se acha perpassada pelas diversas conshycepccedilotildees que lhe datildeo um sentido Entretanto dificilmente poder-se-ia vincular a compreensatildeo da noccedilatildeo de imagem corporal a uma explicaccedilatildeo pautada meramente nas preocupaccedilotildees pessoais do indi viacuteduo com o corpo destacada de um conjunto mais complexo devidamente inserida no acircmbito social A pershycepccedilatildeo da imagem corporal natildeo se reduz a um conhecimento de si destituiacutedo de injunccedilotildees externas

Todavia a afIrmaccedilatildeo de que o corpo simboliza tudo ou seja responde agrave estrateacutegia de vaacuterios sistemas deve ser matizada pois nela se verificam pontos de fratura Ainda que a imagem do pr6prio corpo seja decorrente da imagem imposta pelo sistema (pela sociedade) observa-se em vaacuterios contextos um sair da linha como se existisse algo de que a sociedade enquanto sistema natildeo daacute conta algo que a extrapola Esta questatildeo seraacute abordada mais adiante No entanto para completar este raciociacutenio pode-se traccedilar um paralelo com o pensamento de Mary Douglas antropoacuteloga que trata em sua obra Pureza e perigo 15 dos rituais de pureza eimpureza nas culturas primitivas

Vendo no ritual a expressatildeo de um conjunto de elementos aos quais o indiviacuteduo estaacute irremediavelmente ligado a autora relata como essa confishyguraccedilatildeo natildeo eacute tatildeo simples pois mesmo que o ritual formal de ocasiotildees puacuteblicas

13 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mono Paris Gallimard 1976 14 BAUDRILLARD l Lechange symbolique et la mort Paris Gallimard 1976 p 177 15 DOUGLAS M Pureza e perigo Satildeo Paulo Perspectiva 1976

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ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

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Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 3: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

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se passa da percepccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para a de sujeito-da-doenccedila atraveacutes de uma sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente

Tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos

Foucault cujaobraestaacute voltadagtara os diferentes modos de subjetivaccedilatildeo do ser humano em nossa cultura investiga atraveacutes de vaacuterias formas de resistecircncia como se exercem na atividade os diferentes tipos de poder7 que accedilambarcam o indiviacuteduo como um todo classificando-o impondo uma lei que precisa ser aceita e enfim transformando-o em sujeito

Determinando duas acepccedilotildees para o termo sujeito - sujeito submetido ao outro pelo controle e dependecircncia e sujeito ligado agrave sua proacutepria identidade pela consciecircncia ou conhecimento de si 8 - Foucalt considera que este termo implica uma forma de poder que subjuga e sujeita9

Para se constituir a possibilidade dessa forma de poder Foucault propotildee a existecircncia de trecircs tipos de objetivaccedilatildeo que transformam os seres humanos em sujeitos

O primeiro diz respeito aos diversos modos de investigaccedilatildeo que pretenshydem acientificidade por exemplo a objeti vaccedilatildeo do sujeito falante promovida pela filologia e outros ou do sujeito produtivo pela economia e anaacutelise das riquezas ou ainda a objetivaccedilatildeo do proacuteprio fato de estar vivo em histoacuteria natural ou em biologia

Um segundo tipo eacute designado como pratiques divisantes em que o sujeito eacute dividido no interior de si mesmo ou em relaccedilatildeo aos outros

O terceiro que Foucault se propotildee a investigar em sua obra se refere agrave maneira como um ser humano se transforma em sujeito como por exemplo o sujeito de uma sexualidade

Tomando como ponto de partida para sua investigaccedilatildeo as formas de resistecircncia aos diferentes tipos de poder ele identifica trecircs tipos de luta possiacuteveis contra as formas de dominaccedilatildeo as de exploraccedilatildeo e a forma que liga o indiviacuteduo a ele mesmo e assegura assim sua submissatildeo agraves outras1deg Sem negar que estas formas de luta podem ser travadas conjuntamente considera

6 FOUCAULT M Deux essais sur le sujet et le pouvoir op cit p 297 7 Idem p 300 8 Idem p 303 9 Idem p 303

10 Idem p 303

Val 1 Nuacutemero 21991 146 PHYS1S - Revista de Sauacutede Caletiva

que na atualidade a que predomina aquela contra a submissatildeo da subshyjetividade11

A partir da anaacutelise de uma teacutecnica de poder - o poder pastoral - Foucault indica como o Estado ocidental moderno passa a exercer um poder com caracteriacutesticas semelhantes agravequeles nos quais o poder ordena e se sacrifica por seu rebanhopovo se preocupa com o conjunto da comunidade mas tambeacutem com cada um separadamente age porque sabe tudo sobre todos Desta

o Estado moderno a exercer sobre a wna forma de poder que abrange todos os indiviacuteduos e o indiviacuteduo como um todo retoma assim os instrumentos com os quais o poder pastoral exerce o poder e os amplia pois passa a ver o indiacute viacuteduo sob uma nova oacuteptica e submetido um conjunto mecanismos especiacuteficos Assim o objetivo final eacute a sauacutede do indiviacuteduo no mundo e natildeo mais apoacutes a morte como se verificava no poder pastoral abrangendo vaacuterias instacircncias ~ bem-estar fiacutesico protcccedilatildeo seguranccedila Aleacutem disso se produz uma alnpliaccedilatildeo do poder que chega a ser exercido por estmturas complexas Como a medicina que englobava ao mesmo tempo as iniciativas privadas (venda de serviccedilos na base da economia do mercado) e certas instituiccedilotildees puacuteblicas como hospitais 12

Essa estrateacutegia aleacutem de reforccedilar amplia o exerciacutecio do poder pastoral que na religiatildeo se ateacutem agrave Igreja (instituiccedilatildeo eclesiaacutestica) Trata-se de uma conformaccedilatildeo que pennite que se desenvolva um saber sobre o homcm enquanto conjunto (a populaccedilatildeo) e enquanto indiviacuteduo

Esta breve exposiccedilatildeo sohre como se exerce na atualidade determinado tipo de poder fornece subsiacutedios para se pensar a questatildeo da percepccedilatildeo que o sujeito ter de si proacuteprio como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila eou sujeito-de-doenccedila De acordo com a anaacutelise de Foucault esta percepccedilatildeo deve ser apreendida dentro de uma visatildeo que remete agrave proacutepria constituiccedilatildeo do sujeito submetido e subjugado pelos modos de objetivaccedilatildeo

Dentro do escopo deste estudo eacute possiacutevel ver como o corpo sujeitado pela doenccedila expressa de uma forma concreta uma relaccedilatildeo de poder das mais refinadas O corpo se configura como o ponto para o qual convergem de um lado o exerciacutecio de um poder que lhe eacute externo e de outro a percepccedilatildeo de si como sujeito-que lhe eacute interna A relaccedilatildeo se manifesta por um compromisso por parte do Estado de cuidar desse sujeito e pela proacutepria participaccedilatildeo no Estado do sujeito que com seu corpo produz e trabalha Para uma comshypreensatildeo do ponto de vista do sujeito que seraacute privilegiado nesta reflexatildeo

11 Idem p 303 Idem 301)

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necessaacuterio efetuar a anaacutelise desta relaccedilatildeo que procede em dois niacuteveis - de um lado o que aparece como condiccedilatildeo externa para a percepccedilatildeo de si como sujeito e de outro a articulaccedilatildeo interna do proacuteprio sujeito se percebendo_

Raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito

Com respeito agrave produccedilatildeo agrave necessidade de trabalhar para garantir posshysibilidade de consumo trata-se de uma situaccedilatildeo vivida pelo sujeito como deliberaccedilatildeo proacutepria interna Neste contexto o corpo passa a ter uma positividade suigeneris_ Em lugar de servir ao sujeito passaraacute a ser cuidado por ele culminando no que Baudrillard13 denomina de demagogia do corpo Para este autor a nova concepccedilatildeo de corpo liberado natildeo passa de um engodo na medida em que eacute direcionada responde agrave estrateacutegia de determinados sistemas (da medicina da religiatildeo qa economia poliacutetica) de acordo com seus objetivos a sauacutede a ressurshyreiccedilatildeo a produtividade racional a sexualidade liberada 14

Dentro desta perspectiva pode-se entender como a imagem do corpo enquanto significado para o sujeito se acha perpassada pelas diversas conshycepccedilotildees que lhe datildeo um sentido Entretanto dificilmente poder-se-ia vincular a compreensatildeo da noccedilatildeo de imagem corporal a uma explicaccedilatildeo pautada meramente nas preocupaccedilotildees pessoais do indi viacuteduo com o corpo destacada de um conjunto mais complexo devidamente inserida no acircmbito social A pershycepccedilatildeo da imagem corporal natildeo se reduz a um conhecimento de si destituiacutedo de injunccedilotildees externas

Todavia a afIrmaccedilatildeo de que o corpo simboliza tudo ou seja responde agrave estrateacutegia de vaacuterios sistemas deve ser matizada pois nela se verificam pontos de fratura Ainda que a imagem do pr6prio corpo seja decorrente da imagem imposta pelo sistema (pela sociedade) observa-se em vaacuterios contextos um sair da linha como se existisse algo de que a sociedade enquanto sistema natildeo daacute conta algo que a extrapola Esta questatildeo seraacute abordada mais adiante No entanto para completar este raciociacutenio pode-se traccedilar um paralelo com o pensamento de Mary Douglas antropoacuteloga que trata em sua obra Pureza e perigo 15 dos rituais de pureza eimpureza nas culturas primitivas

Vendo no ritual a expressatildeo de um conjunto de elementos aos quais o indiviacuteduo estaacute irremediavelmente ligado a autora relata como essa confishyguraccedilatildeo natildeo eacute tatildeo simples pois mesmo que o ritual formal de ocasiotildees puacuteblicas

13 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mono Paris Gallimard 1976 14 BAUDRILLARD l Lechange symbolique et la mort Paris Gallimard 1976 p 177 15 DOUGLAS M Pureza e perigo Satildeo Paulo Perspectiva 1976

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ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

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PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 4: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

Val 1 Nuacutemero 21991 146 PHYS1S - Revista de Sauacutede Caletiva

que na atualidade a que predomina aquela contra a submissatildeo da subshyjetividade11

A partir da anaacutelise de uma teacutecnica de poder - o poder pastoral - Foucault indica como o Estado ocidental moderno passa a exercer um poder com caracteriacutesticas semelhantes agravequeles nos quais o poder ordena e se sacrifica por seu rebanhopovo se preocupa com o conjunto da comunidade mas tambeacutem com cada um separadamente age porque sabe tudo sobre todos Desta

o Estado moderno a exercer sobre a wna forma de poder que abrange todos os indiviacuteduos e o indiviacuteduo como um todo retoma assim os instrumentos com os quais o poder pastoral exerce o poder e os amplia pois passa a ver o indiacute viacuteduo sob uma nova oacuteptica e submetido um conjunto mecanismos especiacuteficos Assim o objetivo final eacute a sauacutede do indiviacuteduo no mundo e natildeo mais apoacutes a morte como se verificava no poder pastoral abrangendo vaacuterias instacircncias ~ bem-estar fiacutesico protcccedilatildeo seguranccedila Aleacutem disso se produz uma alnpliaccedilatildeo do poder que chega a ser exercido por estmturas complexas Como a medicina que englobava ao mesmo tempo as iniciativas privadas (venda de serviccedilos na base da economia do mercado) e certas instituiccedilotildees puacuteblicas como hospitais 12

Essa estrateacutegia aleacutem de reforccedilar amplia o exerciacutecio do poder pastoral que na religiatildeo se ateacutem agrave Igreja (instituiccedilatildeo eclesiaacutestica) Trata-se de uma conformaccedilatildeo que pennite que se desenvolva um saber sobre o homcm enquanto conjunto (a populaccedilatildeo) e enquanto indiviacuteduo

Esta breve exposiccedilatildeo sohre como se exerce na atualidade determinado tipo de poder fornece subsiacutedios para se pensar a questatildeo da percepccedilatildeo que o sujeito ter de si proacuteprio como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila eou sujeito-de-doenccedila De acordo com a anaacutelise de Foucault esta percepccedilatildeo deve ser apreendida dentro de uma visatildeo que remete agrave proacutepria constituiccedilatildeo do sujeito submetido e subjugado pelos modos de objetivaccedilatildeo

Dentro do escopo deste estudo eacute possiacutevel ver como o corpo sujeitado pela doenccedila expressa de uma forma concreta uma relaccedilatildeo de poder das mais refinadas O corpo se configura como o ponto para o qual convergem de um lado o exerciacutecio de um poder que lhe eacute externo e de outro a percepccedilatildeo de si como sujeito-que lhe eacute interna A relaccedilatildeo se manifesta por um compromisso por parte do Estado de cuidar desse sujeito e pela proacutepria participaccedilatildeo no Estado do sujeito que com seu corpo produz e trabalha Para uma comshypreensatildeo do ponto de vista do sujeito que seraacute privilegiado nesta reflexatildeo

11 Idem p 303 Idem 301)

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 147

necessaacuterio efetuar a anaacutelise desta relaccedilatildeo que procede em dois niacuteveis - de um lado o que aparece como condiccedilatildeo externa para a percepccedilatildeo de si como sujeito e de outro a articulaccedilatildeo interna do proacuteprio sujeito se percebendo_

Raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito

Com respeito agrave produccedilatildeo agrave necessidade de trabalhar para garantir posshysibilidade de consumo trata-se de uma situaccedilatildeo vivida pelo sujeito como deliberaccedilatildeo proacutepria interna Neste contexto o corpo passa a ter uma positividade suigeneris_ Em lugar de servir ao sujeito passaraacute a ser cuidado por ele culminando no que Baudrillard13 denomina de demagogia do corpo Para este autor a nova concepccedilatildeo de corpo liberado natildeo passa de um engodo na medida em que eacute direcionada responde agrave estrateacutegia de determinados sistemas (da medicina da religiatildeo qa economia poliacutetica) de acordo com seus objetivos a sauacutede a ressurshyreiccedilatildeo a produtividade racional a sexualidade liberada 14

Dentro desta perspectiva pode-se entender como a imagem do corpo enquanto significado para o sujeito se acha perpassada pelas diversas conshycepccedilotildees que lhe datildeo um sentido Entretanto dificilmente poder-se-ia vincular a compreensatildeo da noccedilatildeo de imagem corporal a uma explicaccedilatildeo pautada meramente nas preocupaccedilotildees pessoais do indi viacuteduo com o corpo destacada de um conjunto mais complexo devidamente inserida no acircmbito social A pershycepccedilatildeo da imagem corporal natildeo se reduz a um conhecimento de si destituiacutedo de injunccedilotildees externas

Todavia a afIrmaccedilatildeo de que o corpo simboliza tudo ou seja responde agrave estrateacutegia de vaacuterios sistemas deve ser matizada pois nela se verificam pontos de fratura Ainda que a imagem do pr6prio corpo seja decorrente da imagem imposta pelo sistema (pela sociedade) observa-se em vaacuterios contextos um sair da linha como se existisse algo de que a sociedade enquanto sistema natildeo daacute conta algo que a extrapola Esta questatildeo seraacute abordada mais adiante No entanto para completar este raciociacutenio pode-se traccedilar um paralelo com o pensamento de Mary Douglas antropoacuteloga que trata em sua obra Pureza e perigo 15 dos rituais de pureza eimpureza nas culturas primitivas

Vendo no ritual a expressatildeo de um conjunto de elementos aos quais o indiviacuteduo estaacute irremediavelmente ligado a autora relata como essa confishyguraccedilatildeo natildeo eacute tatildeo simples pois mesmo que o ritual formal de ocasiotildees puacuteblicas

13 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mono Paris Gallimard 1976 14 BAUDRILLARD l Lechange symbolique et la mort Paris Gallimard 1976 p 177 15 DOUGLAS M Pureza e perigo Satildeo Paulo Perspectiva 1976

148 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 5: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 147

necessaacuterio efetuar a anaacutelise desta relaccedilatildeo que procede em dois niacuteveis - de um lado o que aparece como condiccedilatildeo externa para a percepccedilatildeo de si como sujeito e de outro a articulaccedilatildeo interna do proacuteprio sujeito se percebendo_

Raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito

Com respeito agrave produccedilatildeo agrave necessidade de trabalhar para garantir posshysibilidade de consumo trata-se de uma situaccedilatildeo vivida pelo sujeito como deliberaccedilatildeo proacutepria interna Neste contexto o corpo passa a ter uma positividade suigeneris_ Em lugar de servir ao sujeito passaraacute a ser cuidado por ele culminando no que Baudrillard13 denomina de demagogia do corpo Para este autor a nova concepccedilatildeo de corpo liberado natildeo passa de um engodo na medida em que eacute direcionada responde agrave estrateacutegia de determinados sistemas (da medicina da religiatildeo qa economia poliacutetica) de acordo com seus objetivos a sauacutede a ressurshyreiccedilatildeo a produtividade racional a sexualidade liberada 14

Dentro desta perspectiva pode-se entender como a imagem do corpo enquanto significado para o sujeito se acha perpassada pelas diversas conshycepccedilotildees que lhe datildeo um sentido Entretanto dificilmente poder-se-ia vincular a compreensatildeo da noccedilatildeo de imagem corporal a uma explicaccedilatildeo pautada meramente nas preocupaccedilotildees pessoais do indi viacuteduo com o corpo destacada de um conjunto mais complexo devidamente inserida no acircmbito social A pershycepccedilatildeo da imagem corporal natildeo se reduz a um conhecimento de si destituiacutedo de injunccedilotildees externas

Todavia a afIrmaccedilatildeo de que o corpo simboliza tudo ou seja responde agrave estrateacutegia de vaacuterios sistemas deve ser matizada pois nela se verificam pontos de fratura Ainda que a imagem do pr6prio corpo seja decorrente da imagem imposta pelo sistema (pela sociedade) observa-se em vaacuterios contextos um sair da linha como se existisse algo de que a sociedade enquanto sistema natildeo daacute conta algo que a extrapola Esta questatildeo seraacute abordada mais adiante No entanto para completar este raciociacutenio pode-se traccedilar um paralelo com o pensamento de Mary Douglas antropoacuteloga que trata em sua obra Pureza e perigo 15 dos rituais de pureza eimpureza nas culturas primitivas

Vendo no ritual a expressatildeo de um conjunto de elementos aos quais o indiviacuteduo estaacute irremediavelmente ligado a autora relata como essa confishyguraccedilatildeo natildeo eacute tatildeo simples pois mesmo que o ritual formal de ocasiotildees puacuteblicas

13 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mono Paris Gallimard 1976 14 BAUDRILLARD l Lechange symbolique et la mort Paris Gallimard 1976 p 177 15 DOUGLAS M Pureza e perigo Satildeo Paulo Perspectiva 1976

148 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

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as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 6: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

148 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

ensine um conjunto de doutrinas [no entanto] natildeo haacute razatildeo para supor que sua mensagem seja necessariamente coerente com aquelas ensinadas em rituais privados ou que todos os rituais puacuteblicos sejam coerentes uns com os outros nem todos os rituais privados 16

Assim a anaacutelise do rito deve levar em conta que existem outras crenccedilas que podem natildeo ser ritualizadas e que podem obscurecer totalmente a mensagem dos ritos As pessoas natildeo ouvem necessariamente a seus pregadores 17

Dessa forma mesmo do ponto de vista social algo escapa ao controle que eacute exercido por um determinado sistema Todavia eacute importante deixar bem marcado que do ponto de vista do indiviacuteduo as coisas natildeo ocorrem absolutashymente desta maneira

Nessa perspectiva o corpo do ponto de vista do indiviacuteduo eacute sua proshypriedade ou seja ele se vecirc como agente de sua vida e decide o que como e se quer fazer algo segundo suas necessidades internas Assim o indiviacuteduo se percebe como um corpo que produz e trabalha mas que em uacuteltima instacircncia eacute utilizado para servir agraves suas proacuteprias deliberaccedilotildees Por outro lado este indi viacuteduo tem o compromisso de que o Estado vai cuidar dele

Tendo explicitado as injunccedilotildees pela percepccedilatildeo de seu proacuteprio corpo resta voltar a atenccedilatildeo para este outro poacutelo possibilitador de uma percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila ou seja o que diz respeito ao compromisso de cuidado com a sauacutede Este garantido pelo Estado eacute de tal modo envolvente que do ponto de vista do indiviacuteduo eacute dado como natural Afinal desde antes de nascer jaacute se realiza um acompanhamento meacutedico do sujeito no preacute-natal O proacuteprio nascimento ocorre no hospital o nome eacute registrado no tabeliatildeo preshyvinem-se doenccedilas pela vacinaccedilatildeo promovem-se campanhas de higiene presshycreve-se uma alimentaccedilatildeo sadia acrescida de vitaminas fazem-se necroacutepsias de mortes natildeo definidas18

Nesse tipo de procedimento dentre outros reside o poder do Estado e a sua proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade Assim a tentativa de uma praacutetica de autogestatildeo da sauacutede que consiste na exaltaccedilatildeo simboacutelica do grupo e termina eventualmente num desvario de morte19 eacute extremamente perigosa para o

16 Idem 17 Idem 18 Sobre amedicalizaccedilatildeo da sociedade ver entre outros COSTA JF Ordem meacutedica e norma

familiar Rio de Janeiro Graal 1983 FOUCAULT M Conferecircncias (6) realizadas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro op cit ILLICH 1 A expropriaccedilatildeo da sauacutede necircmesis da medicina Rio de Janeiro Nova Fronteira 1975

19 BAUDRILLARD 1 Lechange symbolique et la mort op cito p 222

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

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implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

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PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 7: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 149

Estado ou para outras instituiccedilotildees como por exemplo a Igrej a pois retira dessas instacircncias o privileacutegio do poder sobre o indiviacuteduo

Tendo como proposta a administraccedilatildeo da morte - que enquanto uni vershysal da condiccedilatildeo humana soacute existe depois que haacute uma discriminaccedilatildeo social dos mortos20 - o objetivo principal da nossa cultura parece serseparaacute-la da vida com a promessa de sobrevida e eternidade pelas religiotildees verdade pela ciecircncia produtividade e acumulaccedilatildeo pela economia21

Fica caracterizado assim o que denominei como as raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito e que vai permitir apontar para a categoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Instituiacuteda pelo saberdiscurso meacutedico esta categoria encontra ressonacircncia na oacuteptica do proacuteprio sujeito Percebe-se como um corpo que eacute cuidado (pelo Estado) e que serve ao indiviacuteduo para o trabalho eou lazer A possibilidade deste corpo faltar a qualquer momento constitui uma grande ameaccedila Aprisionado por um discurso cientiacutefico que promete sempre a verdade e no caso especiacutefico algo que quase representa a imortalidade - pois um dia eles vatildeo descobrir a cura para esta doenccedila (sic) - se transforma a ameaccedila num desejo de se entrFgar nas matildeos deles (sic)

Tornar-se doente estou doente =sou doente =sou paciente

A condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila se estabelece na medida em que o indiviacuteduo eacute socializado nos padrotildees de normalidade impostos pelo saber meacutedico Entretanto de seu ponto de vista esta condiccedilatildeo estaacute presente na medida em que o sujeito se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si

Importa agora mostrar como a partir daiacute decorre o tomar-se doente do ponto de vista do sujeito Este tomar-se doente eacute um termo geneacuterico que abrange as trecircs formas que se apresentam numa sequumlecircncia estou doente sou doente sou paciente Vinculada agrave situaccedilatildeo de cronicidade esta sequumlecircncia no que tange agraves doenccedilas curaacuteveis toma outra forma Nestecaso do ponto de vista do indiviacuteduo o tomar-se doente eacute temporaacuterio estive muito mal mas agora estaacute tudo bem (sic) Assim num primeiro momento um sentir-se mal remete agrave afirmaccedilatildeo estou doente Com a cura a situaccedilatildeo foi ultrapassada fiquei doente mas natildeo estou mais logo natildeo sou doente

20 Idem p 221 21 Idem p 225

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

--

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 8: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

150 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 2 1991

Estou doente

A passagem dacategoria de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila para sujeito-da-doenccedila se daacute do ponto de vista do indiviacuteduo atraveacutes de um conjunto de fatores que pode ser englobado por um sentir-se mal22

Eacute necessaacuterio deter -se nesta expressatildeo Do ponto de vista do indiviacuteduo trata-se de uma sensaccedilatildeo que lhe eacute proacutepria singular logo referida ao seu universo privado Entretanto eacute uma sensaccedilatildeo partilhada com seus pares Assim a noccedilatildeo sentir -se mal estaacute evidentemente inserida num universo simboacutelico defInido aqui como a matriz de todos os significados socialmente objetivos e subjetivamente reais A sociedade histoacuterica inteira e toda a biografIa do indiviacuteduo satildeo vistas como aconshytecimentos que se passam dentro deste universo23

Tratando-se aqui de uma sociedade complexa em que coexiste uma pluralidade de sistemas simboacutelicos o sentir-se mal pode estar remetido a um ou vaacuterios sistemas em que o sujeito estaacute inserido (na religiatildeo na medicina ou em algum outro) Desta forma conforme apontado por Figueira24 eacute possiacutevel afIrmar que o habitante tiacutepico desta sociedade enfrenta periacuteodos de indecisatildeo e mesmo de confusatildeo diante da grande variedade de ideologias conflitantes de possibilidades de Weltanschauungen alternativas que propiciam diferentes leituras da realidade associadas a conjuntos de regras natildeo raro mutuamente exc1udentes25

Entretanto isto natildeo invalida a ideacuteia de que como correlato ao sentir-se mal tem-se a concepccedilatildeo de estou doente Ou seja como sou passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila este mal-estar fraqueza inchaccedilatildeo tonturas signifIcam que me encontro num estado traduziacutevel por estou doente A ida ao meacutedico confIrma esta ideacuteia ainda que ao mesmo tempo se possa ir a um terreiro fazer promessa ou alguma outra coisa Neste sentido parece que pelo menos na maior parte das vezes ou dos casos o discurso meacutedico enquanto um sistema simboacutelico predomina sobre os demais conferindo uma interpretaccedilatildeo abranshygente da vida humana26

22 Para uma anaacutelise mais profunda desta questatildeo ver BOLTANSKI L As classes sociais e o corpo Rio de Janeiro Graal 1984

23 BERGER P amp LUCKMANN T Aconstruccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes1983 p132

24 FIGUEIRA SA Notas introdutoacuterias ao estudo das terapecircuticas I Leacutevi-Strauss e Peter Berger in FIGUEIRA SA (coord) Sociedade e doenccedila mental Rio de Janeiro Campus 1978

25 Idem p66 26 Idem p 67

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

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implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 9: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 151

Eacute importante ressaltar que pode ocorrer a busca de vaacuterias outras terashypecircuticas inseridas em diferentes visotildees de mundo e que de certa forma di videm o estatuto de eficaacutecia com o saber meacutedico A despeito do que se pensa essa busca natildeo parece estar vinculada necessariamente a essa ou agravequela camada social A este respeito o que se pode verificar eacute que em determinadas camadas encontra-se de forma mais visiacutevel uma diversidade de discursos que remetem aos vaacuterios sistemas simboacutelicos coexistentes jaacute em outras camadas em funccedilatildeo de fatores diversos a crenccedila em outras formas de tratamento ou seja a busca de outras terapecircuticas provavelmente natildeo se mostra de forma tatildeo clara27

Isto faz pensar em outros motivos que levam a essa atitude De qualquer modo pode-se adiantar que tendo como pano de fundo a radicalidade da morte a busca de vaacuterias terapecircuticas - ou seja de vaacuterias interpretaccedilotildees para a doenccedila - corresponde a tentativas de resoluccedilatildeo da situaccedilatildeo de sentir-se mal

Quanto agrave ida ao meacutedico sua eficaacutecia reside como jaacute visto anteriormente numa promessa de cura eou numa proposta de adiamento da morte no interior de uma perspectiva eminentemente cientiacutefica Sem duacutevida o caraacuteter cientiacutefico de uma asserccedilatildeo goza na atualidade de grande forccedila parecendo sobrepujar outras perspectivas O paciente compartilha de uma crenccedila com os doutores que exigem simplesmente a obediecircncia aos seus preceitos Dificilmente algo se compara ao poder da verdade cientiacutefica - eacute maacutegica

Sou doente

Tendo relacionado o sentir -se mal a estou doente vamos estabelecer como se verifica a transformaccedilatildeo em sou doente Se do ponto de vista meacutedico o que caracteriza a transformaccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-dashydoenccedila em sujeito-da-doenccedila eacute a situaccedilatildeo de diagnoacutestico - exames cliacutenicos laboratoriais e outros - do ponto de vista do indiviacuteduo esta passagem se verifica a partir da designaccedilatildeo meacutedica de seu veredicto da traduccedilatildeo do significado de sentir-se mal em categorias meacutedicas uma cardiopatia uma nefropatia Situaccedilotildees que levam o indiviacuteduo a dizer sou cardiacuteaco sou renal sou diabeacutetico28

27 Estou me referindo agrave complexa sociedade urbana ocidental da atualidade Consideraccedilotildees acerca de outras sociedades natildeo satildeo pertinentes neste estudo e exigiriam uma investigaccedilatildeo dentro de outros moldes

28 A liacutengua portuguesa se presta a esta distinccedilatildeo Todavia em outros idiomas natildeo haacute deshymarcaccedilatildeo linguumliacutestica tatildeo niacutetida entre ser e estar

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

--

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

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PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 10: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

152 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

Este eacute o cartatildeo de apresentaccedilatildeo ainda que nem sempre haja um entenshydimento preciso do sentido e da implicaccedilatildeo dos termos pronunciados A constataccedilatildeo sou doente estaacute de tal forma incorporada agrave existecircncia como uma essecircncia de si que muitas vezes se verifica uma dissociaccedilatildeo entre a doenccedila na medida em que o indiviacuteduo se percebe como sujeito-da-doenccedila e o tratamento imposto de fora conforme aparece em depoimentos Imagine vocecirc aleacutem de ter de fazer esse tratamento natildeo tenho um rim (sic) Neste sentido o tratamento parece se referir a algo que natildeo diz diretamente respeito agrave pessoa

A percepccedilatildeo de si proacuteprio como sujeito-da-doenccedila provoca uma seacuterie de mudanccedilas para o indiviacuteduo Enquanto se percebe como homem normal ele se sente inserido na sociedade trabalha produz age Sentir-se em boa sauacutede que eacute precisamente a sauacutede - [eacute] quando se sente mais do que normal isto eacute natildeo apenas adaptado ao meio e agraves exigecircncias mas tambeacutem normativo capaz de seguir novas normas de vida29

Como sujeito-da-doenccedila a situaccedilatildeo se modifica O corpo natildeo corresshyponde nem responde agraves imposiccedilotildees da sociedade em que estaacute inserido

A constataccedilatildeo dessa diferenccedila e o reconhecimento de uma impossibishylidade (de produccedilatildeocriaccedilatildeo) estatildeo todavia embutidas na proacutepria situaccedilatildeo anterior ou seja na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Isto significa que a possibilidade de adoecer estaacute sempre presente O proacuteprio temor eacute reatualizado cada vez que algum proacuteximo adoece

Nesse sentido o acontecimento da doenccedila natildeo eacute imprevisiacutevel para o sujeito Sendo percebido como um acaso - daiacute a forma tatildeo comum de lamento por que foi acontecer logo comigo (sic) - o acontecimento estaacute inscrito na condiccedilatildeo de sujeito passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila Tanto que frequumlenshytemente se observa em seguida a esse lamento um outro por que natildeo aconteceu com fulano (sic) Tais desabafos parecem confirmar que a posshysibilidade da doenccedila para o sujeito eacute um fato A perplexidade contida na interrogaccedilatildeo estaacute referida ao proacuteprio fato e natildeo agrave sua contingecircncia

Soumiddot paciente

Assim ser cardiacuteaco ser renal em suma ser doente envolve uma seacuterie de bull consequumlecircncias que pertinentes ou natildeo remetem a uma situaccedilatildeo de marshyginalidade de diferenccedila

29 CANGUILHEM G o nonnal e o patoloacutegico Rio de Janeiro Forense-Universitaacuteria 1982 p 16l

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 11: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

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A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 153

Do ponto de vista do sujeito a ocorrecircncia de uma disfunccedilatildeo cria uma situaccedilatildeo de desequiliacutebrio no sentido de que o torna inepto para dar prosshyseguimento agraves suas atividades Quando a disfunccedilatildeo se refere a uma modificaccedilatildeo orgacircnica a inadequaccedilatildeo se vecirc reproduzida no proacuteprio corpo e o indi viacuteduo passa a se perceber impossibilitado de manter uma homeostase com seus proacuteprios recursos Apelando para o saber meacutedico o que era vivido como uma intershyrogaccedilatildeo quanto agrave sua proacutepria possibilidade de accedilatildeo passa a ser designado nomeado e tratado pelo meacutedico levando o indiviacuteduo a se colocar sob sua tutela

A questatildeo da tutela configurada nessa relaccedilatildeo (pois estar inepto requer tratamento) e que deve ser pensada tambeacutem de modo inverso (pois tratamento requer estar inepto) pode ser detectada em vaacuterios outros contextos como por exemplo na demanda de psicoterapia Nas palavras de Costa30 No presente momento tornou-se banal constatar que a fann1ia vai mal31 e que sem uma ajuda competente natildeo encontraria saiacuteda para os conflitos em que se debate 32

Neste contexto uma seacuterie de praacuteticas revezam-se na tarefa de assistecircncia agraves fann1ias desequilibradas33 A questatildeo segundo o autor natildeo eacute de negar o mal-estar dafann1ia mas discutir se os remeacutedios propostos ao inveacutes de sanaram o mal natildeo iratildeo perpetuar a doenccedila 34 Ao que parece estas praacuteticas terapecircuticas que assistem agrave fann1ia colocando-a sob tutela visam em uacuteltima anaacutelise ao maior controle sobre ela

Assim a tutela daacute assistecircncia (cuidados exames prescriccedilotildees requisiccedilotildees de exames) e cobra obediecircncia (normas a serem seguidas remeacutedios a serem tomados) Mas afinal o sujeito eacute socializado numa cultura em que a obediecircncia eacute dada como natural onde haacute a divisatildeo da sociedade entre os que mandam e os que obedecem35 O discurso meacutedico tem a prerrogativa de reforccedilar esta obediecircncia O que a tutela meacutedica reedita natildeo eacute o consentimento agrave dominaccedilatildeo - pois seria supocirc-la jaacute estabelecida - mas a obstinada vontade de produzishyla36 Natildeo se trata de uma obediecircncia qualquer irreverente mas sim integralshymente assumida e como tal requerendo uma participaccedilatildeo sui generis visto que

30 COSTA JF Ordem meacutedica e norma familiar op cito 31 Idemp1I 32 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria Satildeo Paulo Brasiliense 1982 33 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cit 34 Idem p17 grifos meus 35 CLASTRES P Liberdade mau encontro inominaacutevel in LA BOETIE E Discurso da

servidatildeo voluntaacuteria op cito 36 LEFORT C O nome de um in LA BOETIE E Discurso da servidatildeo voluntaacuteria op cito

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

157

PHYSIS

A PUBLIC HEAL TH JOURNAL

Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

158 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva

ARTIGOS A SEREM PUBLICADOS NOS PROacuteXIMOS NUacuteMEROS

1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

VERIANO TERTO IR RICHARD GUY PARKER

Page 12: A Percepção de Si como Sujeito-da-Doença* · onde o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se ... e certas instituições públicas como hospitais ... pensamento

154 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 1 Nuacutemero 21991

implica uma espera I~ciente dos resultados do tratamento que precisa seguir das inovaccedilotildees meacutedicas das descobertas que hatildeo de vir

Viacutetima de um saber que em nome da verdade pode se dizer ateacute ineficaz para curar mas que torna difiacutecil qualquer tentativa de rebeldia - sob pena de morte o doente se transforma em paciente sob todos os pontos de vista inclusive o seu

RESUMO

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila

Este artigo tem como objetivo retomar a anaacutelise de Michel Foucault sobre os tipos de poder que tornam os seres humanos sujeitos para pensar a questatildeo de como o sujeito se percebe a si proacuteprio como passiacutevel de ser um sujeito-dashydoenccedila~ O corpo sujeitado pela doenccedila expressa concretamente como se esshytabelece uma relaccedilatildeo de poder Procurando analisar essa configuraccedilatildeo tento caracterizar em primeiro lugar as condiccedilotildees externas para a percepccedilatildeo de si como sujeito e em seguida a articulaccedilatildeo interna ou seja como o proacuteprio sujeito se vecirc As raiacutezes sociais da percepccedilatildeo de si como sujeito remetem aos diversos discursos sobredo sujeito que correspondem a estrateacutegias de determinados sistemas (religioso da medicina e outros) Todavia do ponto de vista do sujeito a condiccedilatildeo para uma percepccedilatildeo de si como passiacutevel de ser sujeito-da-doenccedila estaacute presente na medida em que se vecirc de um lado cuidado pelo Estado e de outro cuidando de si A partir daiacute procuro mostrar como decorre o tornar-se doente termo geneacuterico que abrange trecircs formas sequumlenciais estou doente sou doente sou paciente

-ABSTRACT

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness

Using Michel Foucaults analysis ofthe types ofpower that make human beings subjects the artic1e considers the question of how a subject perceives himself as susceptible to being a subject-of-sickness The body made into subject by sickness is a concrete expression of how a relation of power is established ln analyzing this configuration the text characterizes both the external conditions for self-perception as subject as well as the internal condishytions that is how the subject sees himself The social roots of self-perception

A Percepccedilatildeo de Si como Sujeito-da-Doenccedila 155

as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

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Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

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1 A Construccedilatildeo Hist6rica do Homossexualismo no Seacuteculo XIX

JURANDIR FREIRE COSTA

2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

MAURiacuteCIO LoUGON

6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

ANA TERESA A VENANCIO

7 Homossexualidade Bissexualidade e HNAIDS no Brasil Uma Bibliografia Anotada das Ciecircncias Sociais e Afins

CARMEN DORA GUIMARAtildeES

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as a subject lead to different discourses about and by the subject which correspond to the strategies of particular systems (religious medicine and others)_ However fram the subjects point of view the conditions are laid for perceiving oneself as a subject susceptible to being a subject-of-sickness insofar as the subject sees himself on the one hand as being cared for by the State and on the other as caring for himself From this point the text endeavors to show how becoming sick (a generic term that encompasses three sequential forms I am sick [estou doente] I am a sick person [sou doente] I am a patient [sou paciente]) transpires

RESUME

La Perception de Soi comme Sujet-de-Ia-Maladie

Cet artic1e a pour but de reacutecupeacuterer I analyse que Miehel Foueault fait des types de pouvoir qui transforment le ecirctres humains en sujets Lauteur veut par lagrave permettre une reacuteflexion sur la question suivante eomment le sujet se perccediloit-il en tant quecirctre passible de devenir un sujet-de-la-maladie Le eorps assujeacuteti par la maladie exprime eoneretement la faccedilon dont s eacutetablit une relation de pouvoir Lauteur sefforee danalyser eette configuration en essayant de earaeteacuteriser dans un ptemier temps les eonditions externes qui permettent quon se perccediloive en tant que sujet et dans un deuxieme temps lartieulation interne eest agrave dire la maniere dont le sujet se voit lui-mecircme Les racines soeiales de la pereeption de soi en tant que sujet nous renvoient aux diffeacuterents discours surdu sujet qui correspondent aux strateacutegies de certains systemes sociaux (religieux meacutedical etc ) Toutefois du point de vue du sujet la condition neacutecessaire agrave ce quil se perccediloive comme passible de devenir sujet-deshymaladie se trouve preacutesente dans la mesure ou iI constate dun eocircteacute que lEtat le soigne et de lautre que lui-mecircme se soigne A partir de lagrave lauteur sefforce de montrer comment se manifeste ce pheacutenomene tomber malade II s agit en effet lagrave d un terme geacuteneacuterique qui englobe trois situations qui s enehainent ecirctre malade ecirctre un malade et ecirctre un patient

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Issue ndeg 2 Representation in Public Health

Introduction Interpretation and Representation in Public Health JOELBIRMAN 7

The Concept oSocial Representation and Its Utility in the Health-Care Field CLAUDINE HERZIlCH 23

Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

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4 Os Encargos da Morte

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Gender Relations Possession and Sexuality PATRIacuteCIA BIRMAN 37

Libertarian Individualism in the Social lmagery othe Sixties TANIASAlEM 59

Psychologism and Social Change TAcircNIA COELHO DOS SANfOS 77

Becoming a Body Therapist Social History as a Process o Self-Construction JANE A Russo 113

Subject Singularity and Interpretation in Psychoanalysis JOELBIRMAN 127

Perceiving Oneself as a Subject-of-Sickness REGINA HERZOG 143

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2 Sexualidade e Reproduccedilatildeo

MARIA ANoREacuteA LoYOLA

3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

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6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

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3 Estado Movimentos Sociais e Refonnas na Ameacuterica Latina uma Reflexatildeo sobre a Crise Contemporacircnea

CRISTINA POSSAS

4 Os Encargos da Morte

CLAUDINE HERZLICH

5 Os Caminhos da Mudanccedila A Desinstitucionalizaccedilatildeo da Assistecircncia Psiquiaacutetrica Puacuteblica

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6 Do Alienismo agrave Nova Psiquiatria Rupturas e Continuidades

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