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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO UPE FACULDADE DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO DE PERNAMBUCO FCAP MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL GDLS NEIDE MARIA DA SILVA A PARTICIPAÇÃO POPULAR E O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL - AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS PELA COMUNIDADE DE CARANGUEJO - TABAIARES - RECIFE Recife, junho 2012

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Page 1: A PARTICIPAÇÃO POPULAR E O DESENVOLVIMENTO LOCAL … · 2013. 4. 17. · A participação popular e o desenvolvimento local sustentável – as experiências vivenciadas pela comunidade

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO DE PERNAMBUCO – FCAP

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

SUSTENTÁVEL – GDLS

NEIDE MARIA DA SILVA

A PARTICIPAÇÃO POPULAR E

O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL - AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS PELA COMUNIDADE DE

CARANGUEJO - TABAIARES - RECIFE

Recife, junho

2012

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NEIDE MARIA DA SILVA

A PARTICIPAÇÃO POPULAR E

O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL - AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS PELA COMUNIDADE DE

CARANGUEJO - TABAIARES - RECIFE

Dissertação apresentada ao Mestrado

Profissional em Gestão do

Desenvolvimento Local Sustentável da

UPE – FCAP, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Gestão do Desenvolvimento Local

Sustentável.

Orientador: Ivo Vasconcelos Pedrosa

Recife, junho

2012

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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO DE PERNAMBUCO – FCAP

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

SUSTENTÁVEL - GDLS

NEIDE MARIA DA SILVA

A participação popular e o desenvolvimento local sustentável

– as experiências vivenciadas pela comunidade de Caranguejo

– Tabaiares – Recife

Dissertação apresentada ao Mestrado

Profissional em Gestão do

Desenvolvimento Local Sustentável da

UPE – FCAP, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Gestão do Desenvolvimento Local

Sustentável.

Data de aprovação 29/06/2012

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Rodolfo de Araújo Moraes Filho (Examinador Externo)

Prof. Dr. Moisés de Melo Santana (Examinador Externo)

Prof. Dr. Luiz Marcio Assunção (Examinador Interno)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço as companheiras e companheiros da ETAPAS (Equipe Técnica de Assessoria

Pesquisa e Ação Social) pela solidariedade e apoio.

Agradeço e dedico esse trabalho às lideranças comunitárias, aos moradores e moradoras

da comunidade de Caranguejo-Tabaiares, que lutam cotidiana e incansavelmente por

melhores condições de vida, acreditam e esperam por políticas públicas efetivas.

Agradeço ao meu orientador, professor Ivo Vasconcelos Pedrosa, pela disponibilidade e

reações rápidas e objetivas, contribuindo efetivamente durante todo o processo de

construção e conclusão desse trabalho.

Agradeço a minha família a compreensão pela minha ausência no convívio sempre tão

alegre e prazeroso.

E agradeço especialmente a Sergio, meu amor, pela paciência e espera na conclusão

desse..longo..processo.

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Silva, Neide Maria. A participação popular e o desenvolvimento local sustentável –

as experiências vivenciadas pela comunidade de Caranguejo -Tabaiares – Recife.

Recife, maio de 2012. 112 f. Dissertação (mestrado profissional em Gestão do

Desenvolvimento Local Sustentável). Faculdade de Ciências da Administração de

Pernambuco, Universidade de Pernambuco, Recife, 2012.

RESUMO

O contexto histórico das relações entre população e poder público no Recife, favoreceu

a escolha do presente objeto de estudo, cuja temática central é a participação de setores

populares, como possível alternativa para mudanças na qualidade de vida

socioambiental urbana, tendo como referências a cidade do Recife, suas experiências

participativas expressas no PREZEIS (Plano de Regularização de Zonas Especiais de

Interesse Social) e OP (Orçamento Participativo), como lócus de investigação a

comunidade de Caranguejo-Tabaiares tendo como enfoque analítico o Projeto DELIS

(Desenvolvimento Local Sustentável), desenvolvido entre 1999 a 2004. Desse modo o

estudo procurou compreender como as experiências participativas vivenciadas pela

comunidade de Caranguejo-Tabaiares contribuíram para fortalecer as organizações

locais e para a promoção de melhorias socioambientais na perspectiva do

desenvolvimento sustentável. O método de abordagem utilizado se voltou para o

enfoque qualitativo por meio de entrevistas semi estruturadas junto aos envolvidos, à

época, no projeto DELIS, a exemplo de lideranças comunitárias, técnicos sociais,

estudiosos do tema e gestores públicos, e a observação direta das atividades que tinham

relação com os temas desenvolvidos no período do estudo. As conclusões que emergem

é que as experiências participativas se revestiram de grande importância em relação aos

aprendizados adquiridos, tanto com relação às temáticas abordadas e incorporadas,

como na experiência individual e coletiva aprendidas, mas elas foram pouco eficazes no

atendimento às demandas urgentes e históricas da população. A esse respeito, o aceno à

resolução de problemas da comunidade pela via da participação, em um quadro de

poucos recursos, apareceu muito mais como um problema do que solução. Desse modo

observa-se que esse processo trouxe como resultado um quadro de desmobilização de

parte das lideranças comunitárias e descrédito nas ações do poder público e, mesmo, em

projetos dessa natureza, exigindo-se ações de longo prazo para reverter essa situação.

Por outro lado, o ambiente participativo instaurado propiciou o surgimento de novos

segmentos especialmente os grupos politicamente atuantes a exemplo dos jovens e

adolescentes. Isso tudo reforça a ideia discutida ao longo desse trabalho, de que o

alcance do desenvolvimento sustentável requer a formação de lideranças ativas, o

fortalecimento de espaços democráticos, a implantação de novos modelos organizativos

e a criação de instituições, todos concatenados com uma visão integral e interativa com

o meio ambiente.

Palavras-chave: Cidades. Participação. Desenvolvimento Local.

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Silva, Neide Maria. Community participation and sustainable local development -

experiences of the Caranguejo-Tabaiares community in Recife, Brazil. May 2012.

112 f. Dissertation (master's in Management of Sustainable Local Development).

School of Administrative Sciences, Universidade de Pernambuco, Recife, Brazil.

ABSTRACT

The historical context of the relations between the population and the administration of

the city of Recife (Brazil) led to the choice of the present topic of study, the main focus

of which is the participation of grassroots organizations as a possible alternative for

effecting changes in urban, socio-environmental quality of life, with the city of Recife

and its participatory experiences with the Regulation Plan for Zones of Social Interest

and the participatory budget used as reference. The site of investigation was the

community of Caranguejo-Tabaiares, with an analysis of the Sustainable Local

Development project carried out between 1999 and 2004. The aim of the present study

was to analyze how the participative experiences of the community contributed toward

strengthening grassroots organizations and effected socio-environmental improvements

from the standpoint of sustainable development. For such, semi-structured interviews

were held with individuals involved in the project at the time, such as community

leaders, social technicians, scholars on the issue and public administrators. Moreover,

direct observations were made of associated activities during the study period. The

participatory actions were of considerable importance to the learning process of the

actors involved on both the individual and collective levels with regard to the issues

addressed. However, these actions had little effect on meeting the urgent and

longstanding needs of the population. Thus, the attempt at solving the problems of the

community using a participatory approach with few resources appeared to be more of a

problem itself than a solution. This process ended up de-mobilizing part of the

community leaderships and discrediting the actions of city hall, even in projects of this

nature. Long-term actions are now needed to remedy this situation. On the other hand,

the participatory actions led to the emergence of new segments, especially politically

active youth groups. The notion discussed throughout the present study is that

sustainable development requires the formation of active community leaderships, the

strengthening of democratic venues, the implantation of new organization models and

the creation of institutions – all linked to an integral, interactive view of the

environment.

Keywords: Cities. Participation. Local Development.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa das RPAs – Regiões Político-Administrativas ..................... Pag.50

Figura 2 - Mapa da RMR – Região Metropolitana do Recife ........................ Pag.52

Figura 3 - Foto da Comunidade de Caranguejo-Tabaiares ........................... Pag.54

Figura 4 - Foto da Comunidade de Caranguejo-Tabaiares ............................ Pag.55

Figura 5 - Foto da Comunidade de Caranguejo-Tabaiares ............................ Pag.58

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADIE Área Relevante de Interesse Ecológico

ARCA Articulação Caxangá

CJC Centro Josué de Castro

COMUL Comissão de Urbanização e Legalização da Posse da Terra

DED Deutscher Entwicklungs Dienst

DELIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

ETAPAS Equipe Técnica de Assessoria Pesquisa e Ação Social

FASE Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional

FCAP Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco

FEACA Federação das Associações e Conselhos de Moradores da Casa

Amarela

FECOPE Federação Comunitária de Pernambuco

FEMEBE Federação Metropolitana dos Bairros

FEMOCOHAB Federação das Associações de Moradores dos Núcleos de COHAB e

Similares de Pernambuco

FIJ Federação Ibura Jordão

FNPP

FSM

Fórum Nacional de Participação Popular

Fórum Social Mundial

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMIP Instituto Materno Infantil de Pernambuco

LUOS Lei de Uso e Ocupação do Solo

NPC Núcleo de Planejamento Comunitário

ONGs Organizações Não Governamentais

OP Orçamento Participativo

PCB Partido Comunista Brasileiro

PPB Programa Prefeitura nos Bairros

PREZEIS Plano de Regularização de Zona Especial de Interesse Social

PT Partido dos Trabalhadores

RMR Região Metropolitana do Recife

RPA Região Político- Administrativa

SAC Sistema de Ação Comunitária

SACTES Serviço Alemão para a Cooperação Técnica e Social

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SJP Serviço de Justiça e Paz

URB Empresa de Urbanização do Recife

URBE Projeto para o Desenvolvimento Sustentável em Áreas Metropolitanas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................. 10

1.1 PERTINÊNCIAS DO ESTUDO .................................................................................. 11

1.2 OBJETIVOS E QUESTÃO DE PARTIDA .................................................................. 12

1.3 PERSPECTIVAS COM OS RESULTADOS DO ESTUDO E A ORGANIZAÇÃO EM

CAPÍTULOS .................................................................................................................... 13

2 A TRAJETÓRIA DE OCUPAÇÃO DAS CIDADES E A BUSCA DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .......................................... 15

2 A TRAJETÓRIA DE OCUPAÇÃO DAS CIDADES E A BUSCA DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .......................................... 15

2.1 A CIDADE E O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO .................................................... 15

2.2 OS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS E O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL .............................................................................................................. 17

2.3 A DIMENSÃO DA SUSTENTABILIDADE URBANA................................................ 19

2.4 A CIDADE E O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL ........................... 20

3 SOCIEDADE CIVIL E A EMERGÊNCIA DE ESPAÇOS DE

PARTICIPAÇÃO ................................................................................ 25

3.1 ORIGENS E CONCEPÇÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO .................................. 25

3.2 A PARTICIPAÇÃO E O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL .................................. 27

3.3 A PARTICIPAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS DE DIÁLOGO ................ 29

4 AS DISPUTAS PELO ESPAÇO URBANO NO RECIFE ................ 31

4.1 ORIGEM E FORMAÇÃO DA CIDADE ..................................................................... 31

4.2 A EXPANSÃO DA CIDADE E AS CONTRADIÇÕES URBANAS ............................. 31

4.3 O ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS ENTRE ESTADO E POPULAÇÃO ............. 33

5 A TRAJETÓRIA DAS EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS NO

PODER LOCAL NO RECIFE ............................................................ 35

5.1 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DAS AUDIÊNCIAS POPULARES .............................. 35

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5.2 PARTICIPAÇÃO NOS NÚCLEOS DE AÇÃO COMUNITÁRIA – BARRACÕES NOS

BAIRROS ........................................................................................................................ 38

5.3 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DO PROGRAMA PREFEITURA NOS BAIRROS - PPB

......................................................................................................................................... 41

5.4 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DO PROGRAMA PREFEITURA NOS BAIRROS E

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO .................................................................................. 43

5.5 PARTICIPAÇÃO PELO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NOS DIAS ATUAIS .... 45

5.6 PARTICIPAÇÃO NO PREZEIS ................................................................................. 46

6 A COMUNIDADE DE CARANGUEJO – TABAIARES NO

CONTEXTO NACIONAL E LOCAL ................................................. 49

6.1 CARACTERÍSTICAS E CONTORNOS GEOGRÁFICOS E SOCIAIS...................... 52

6.2 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DA POPULAÇÃO ......................................... 56

6.3 CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E O DELS .. 57

6.3.1 ANTECEDENTES DO PROJETO: A APROXIMAÇÃO COM A COMUNIDADE........ 57

6.3.2 IMPLANTAÇÃO DO DELIS ............................................................................................ 59

6.3.3 O DELIS, PRINCÍPIOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................................... 60

6.3.4 O DELIS E A RELAÇÃO COM OUTRAS FORMAS ORGANIZATIVAS ..................... 63

7 MÉTODO .......................................................................................... 64

7.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA DE APROXIMAÇÃO DA REALIDADE ............. 64

7.2 COLETA DOS DADOS .............................................................................................. 65

7.2.1 A ENTREVISTA ................................................................................................................ 65

7.2.2 A OBSERVAÇÃO DIRETA .............................................................................................. 66

7.3 LÓCUS E REFERÊNCIAS DO ESTUDO ................................................................... 66

7.3.1 O FOCO NA COMUNIDADE DE CARANGUEJO-TABAIARES .................................. 67

7.4 SUJEITOS DA PESQUISA ......................................................................................... 67

8 RESULTADOS E DISCUSSÕES - ANÁLISE DOS DADOS ........... 68

9 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ......................................... 91

REFERÊNCIAS ................................................................................... 96

APÊNDICE - DEPOIMENTOS DOS ENTREVISTADOS SEGUNDO

OS SEGMENTOS DA AMOSTRA ................................................... 101

ANEXO - PROJETO DELIS – DESENVOLVIMENTO LOCAL

SUSTENTÁVEL ................................................................................ 110

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1 INTRODUÇÃO

As tensões entre população e Estado estiveram presentes ao longo dos tempos

no Brasil e paulatinamente foram se modificando, dando lugar à constituição de espaços

de diálogo cuja centralidade seria a escuta da população com vistas à resolução dos seus

problemas urgentes e de longo prazo, cuja novidade seria a sua efetiva participação

(SADER, 1988). Estes formatos, institucionalizados ou não, muitos deles criados por

força da Constituição Federal de 1988, têm oportunizado a expressão das lutas das

organizações e movimentos sociais urbanos cujas pautas apontam alternativas pelo

direito a cidades justas e sustentáveis (RIBEIRO; CARDOSO, 2003).

No entanto, a criação de espaços de participação não significa que os pleitos e

as demandas historicamente construídas pela população sejam efetivadas, carecendo

entre outros requisitos, de organização, pressão e controle social (GOHN, 2010).

A não efetivação do atendimento às demandas por seu lado se explica por

várias razões, desde a infinidade de arenas de interlocução e diálogo criados, passando

pela complexidade e a dimensão dos problemas que se quer resolver, considerando-se a

própria desigualdade material na qual a população está submetida e ainda a direção das

opções e prioridades dos gestores públicos (SANTOS JUNIOR, 2001; BARBOSA,

2003).

Mesmo considerando esses limites, a participação dos setores excluídos, pode

ser uma oportunidade para a construção de relações mais igualitárias, permitindo de um

lado o aprendizado da população para lidar com esses formatos e, do outro, a

possibilidade de que a sua organização contribua para inverter prioridades construídas

historicamente pelos setores hegemônicos, tornando o acesso a bens e serviços mais

democráticos e menos desiguais (SANTOS; RIBEIRO; AZEVEDO, 2004).

Nesse contexto a cidade do Recife tem vivenciado experiências importantes

envolvendo organizações, movimentos populares e gestores públicos, desde as

experiências embrionárias dos anos 60, traduzidas posteriormente na criação de arenas

de diálogo entre o poder público e sociedade civil ou mesmo experiências

impulsionadas pela sociedade civil com enfoque territorial local.

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1.1 PERTINÊNCIAS DO ESTUDO

O contexto histórico das relações entre população e poder público no Recife,

favoreceu a escolha do presente objeto de estudo, cuja temática de fundo é a

participação de setores populares, como possível alternativa para mudanças na

qualidade de vida socioambiental urbana, tendo como referências a cidade do Recife,

suas experiências participativas expressas no PREZEIS (Plano de Regularização de

Zonas Especiais de Interesse Social) e OP (Orçamento Participativo) e como lócus de

investigação a comunidade de Caranguejo-Tabaiares tendo como enfoque analítico o

Projeto DELIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável). Essas opções se

revestiram de importância e significados entre os quais se destacam:

a) a escolha do Recife se deu pelo reconhecimento da existência de organizações e

movimentos sociais expressivos e atuantes, principalmente nas lutas em torno da

infraestrutura e melhorias urbanas;

b) a opção pelos dois espaços de participação PREZEIS e OP, como referências, se

deu pelo tempo de existência dos mesmos na cidade, congregando um perfil

formado por moradores e representantes de áreas de extrema exclusão social,

inclusive a comunidade escolhida para estudo. Convém destacar, no entanto, que

apesar de estes dois espaços estarem dialogando com a mesma base territorial

popular e terem os seus recursos provenientes da mesma fonte, eles não guardam

uma relação harmônica entre si reproduzindo e reforçando de algum modo, a

desarticulação e fragmentação existentes nas políticas públicas. Isso de certa

forma tem uma relação com as tensões decorrentes da priorização dada ao OP

pela gestão pública municipal, atual (2009-2012) e anterior, em detrimento do

PREZEIS, em função do primeiro se constituir como marca da gestão de uma

determinada força política;

c) a definição pelo estudo focado na comunidade de Caranguejo-Tabaiares parte da

compreensão de que esta comunidade não está isolada, mas inserida na dinâmica

participativa da cidade, vivendo as contradições e os resultados perversos do

processo de urbanização excludente, cuja expressão visível é a degradação

ambiental, as precárias condições de infraestrutura urbana e a ausência de

serviços básicos que impactam negativamente nas condições de vida da

população;

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d) o olhar sobre o projeto DELIS como foco de análise, se justifica pela

oportunidade de estudar uma experiência construída a partir da constatação da

precariedade vivenciada pela população, transformada positivamente na

elaboração de estratégias para reverter esse quadro adverso, expresso em um

projeto arrojado de participação. Nesse aspecto, a comunidade, relegada por

anos da atenção do poder público, experimentou no período que vai de 1999 a

2004 um momento de intensa atividade de participação política, motivada pela

intenção de um leque de atores de intervir de forma articulada naquele espaço

urbano. Essa opção foi fortalecida com a ascensão, ao poder público municipal,

de setores de esquerda, o que gerou expectativas tanto nas entidades de apoio

envolvidas no processo como na comunidade, na medida em que todos se

sentiram estimulados a se engajarem em espaços de participação, identificando

nesses, uma possibilidade de mudar as condições socioambientais existentes.

1.2 OBJETIVOS E QUESTÃO DE PARTIDA

O estudo teve como objetivo geral analisar em que medida as experiências

participativas vivenciadas pela comunidade de Caranguejo-Tabaiares contribuíram para

fortalecer as organizações locais e para a promoção de melhorias socioambientais na

perspectiva do desenvolvimento sustentável.

A problemática subjacente que o estudo buscou atender teve como questão de

partida o fato de que as experiências de participação promovidas, mesmo em

conjunturas políticas favoráveis como foi o caso da comunidade sob análise, na medida

em que não atendem às demandas efetivas da população, podem gerar descrédito e

desmobilização não reversíveis no curto prazo, impactando no curso natural

organizativo.

Assim o estudo teve como objetivos específicos:

a) analisar as relações de participação construídas entre sociedade civil e

poder local;

b) conhecer os problemas socioambientais de Caranguejo-Tabaiares e as

experiências construídas em decorrência da participação da população;

c) analisar as razões do não atendimento às demandas e propostas e os

resultados das experiências participativas no processo de organização da

comunidade.

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13

1.3 PERSPECTIVAS COM OS RESULTADOS DO ESTUDO E A ORGANIZAÇÃO EM

CAPÍTULOS

O presente estudo, portanto, tenta dialogar basicamente com algumas questões

consideradas importantes no cenário das questões urbanas: de um lado, a centralidade

na participação da população, que em última instância vem se configurando como uma

alternativa para a resolução dos problemas sociais cada vez mais crescentes, cujo

desafio é a constituição de espaços de participação democráticos e eficientes. E, do

outro, os próprios problemas sociais sempre mais complexos, exigindo respostas

efetivas e rápidas por parte dos gestores públicos municipais, que em última instância,

são considerados interlocutores privilegiados para o encaminhamento e resolução das

demandas trazidas por movimentos e entidades locais cuja expressão se configura na

implantação de políticas públicas (PEDROSA; MACIEL; ASSUNÇÃO, 2007).

Relacionando-se esses temas às questões atinentes à cidade numa perspectiva

de sustentabilidade, observa-se que eles estão intrinsecamente relacionados uma vez

que, para se alcançar o desenvolvimento sustentável, é de fundamental importância,

entre outros aspectos, a formação de lideranças ativas, o fortalecimento de espaços

democráticos, a implantação de novos modelos organizativos e a criação de instituições

que considerem a dimensão e a integralidade com o meio ambiente (SILVA, 2006).

Espera-se com esse trabalho publicizar a situação dessa população que vive no

foco do desenvolvimento e crescimento da cidade, embora invisível por entre prédios e

empreendimentos, explicitando os seus esforços e experiências organizativas. Ao

mesmo tempo espera-se contribuir com as discussões em torno de cidades sustentáveis,

desenvolvimento local e participação envolvendo entes públicos e população como

temas orientadores.

No que concerne à metodologia explicitada no corpo desse trabalho, este

estudo foi constituído a partir de um enfoque qualitativo, buscando entender o universo

de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes na perspectiva do

aprofundamento das relações sociais (MINAYO, 1994).

Para responder aos objetivos propostos, esse trabalho foi distribuído em seis

capítulos, de modo a revisitar a bibliografia que trata dos temas pertinentes, e

finalmente adentrar na análise dos resultados da pesquisa realizada.

Desse modo, após essa introdução, o segundo capítulo constrói a trajetória do

processo de ocupação das cidades, destacando os aspectos socioambientais, a

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14

emergência do conceito de desenvolvimento sustentável e sua relação com o

desenvolvimento local. O terceiro capítulo trata da organização da sociedade brasileira

na busca pela participação, enfatizando os aspectos legais trazidos com a elaboração do

novo marco constitucional brasileiro de 1988 e a emergência de espaços de diálogo que

garantem e fortalecem a noção de direito e de acesso às políticas públicas. O quarto

capítulo busca construir a trajetória de ocupação e resistência dos setores populares na

cidade do Recife. O quinto capítulo examina o surgimento de experiências embrionárias

participativas, envolvendo setores populares e poder público municipal, que de certa

forma inspiraram os modelos criados e adotados posteriormente que dialogam com o

objeto do presente estudo. O sexto capítulo caracteriza a comunidade que foi escolhida

para execução da pesquisa, situando os aspectos concernentes à situação

socioeconômica, geográfica e as experiências participativas construídas com foco no

Projeto DELIS. O sétimo capítulo informa o arcabouço metodológico utilizado. O

oitavo é composto pela apresentação dos resultados e a análise dos dados pesquisados.

No nono capítulo são expostas as conclusões a que se chegou com essa experiência de

estudo e as recomendações.

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15

2 A TRAJETÓRIA DE OCUPAÇÃO DAS CIDADES E A BUSCA DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Para entender a situação urbana que impacta fortemente as áreas populares

habitadas pelos setores mais excluídos socialmente, especialmente a comunidade

escolhida para estudo, convém analisar a trajetória de ocupação das cidades e a

emergência de novos conceitos que buscam avançar na ideia de sustentabilidade e

desenvolvimento local que orientam as análises e ações no contexto atual.

2.1 A CIDADE E O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

A cidade, segundo Carvalho (2008), é o resultado do processo civilizatório

caracterizado por complexas relações construídas entre a humanidade e a natureza e é,

portanto, o espaço geográfico resultante do modelo de desenvolvimento urbano-

industrial, cotidianamente destruído, construído, reconstruído pela ação do ser humano,

visando em última análise atender aos seus interesses e necessidades específicas.

Nesta perspectiva, mesmo que o ser humano tenha começado a viver nas

cidades há muitos séculos, a sua presença se intensifica por volta do século XIX com o

processo impulsionado pela Revolução Industrial, no qual parte significativa da

população rural se converteu em urbana. Desse modo Carvalho (2008) conclui que os

espaços construídos, decorrentes desse processo de expansão das cidades, se

formataram precariamente tanto do ponto de vista da infraestrutura e dos serviços

básicos, quanto da moradia, muitas delas construídas em áreas de encostas, em zonas

alagadas ou mesmo em palafitas, contribuindo assim para a existência de espaços

ambientalmente insustentáveis (CARVALHO, 2008).

No Brasil onde esta realidade é bem presente, há uma relação intrínseca com o

modelo de desenvolvimento historicamente adotado, baseado na acumulação de bens e,

portanto, na lógica da produção e do consumo exacerbados para uma parcela da

população. Assim este modelo tornou-se de certa forma o dinamizador econômico,

político e cultural no mundo de uma maneira geral e em particular, nos países

periféricos especialmente o Brasil (RIBEIRO, 2004). Esse desenvolvimento implantado,

que tem como pressupostos básicos o crescimento e a acumulação de riquezas, não tem

se preocupado com a destruição ou degradação ambiental e menos ainda que os

resultados desta riqueza tenham produzido pobreza e exclusão social (RIBEIRO, 2004).

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16

Esse modelo impactou fortemente o processo acelerado de urbanização

vivenciado pelo país a partir da metade do século XX, cujo resultado significou a sua

transformação de rural para urbano, com 84% da população vivendo nos grandes

centros (IBGE, 2010). Essa conjunção de fatores se expressa nas desigualdades

socioeconômicas traduzidas em um quadro contraditório no qual modernidade convive

com extrema exclusão social visível na extensa produção doméstica ilegal das cidades e

da moradia (MARICATO, 2001).

Neste sentido dados do Ministério das Cidades (2004), informam que o déficit

habitacional e as moradias precárias brasileiras atingem a casa dos oito milhões e as

favelas estão presentes em mais de 90% das cidades com mais de 500 mil habitantes.

Dados da mesma fonte concluem que a situação urbana brasileira, caracteriza-se pela

precariedade da qualidade de vida e a ausência de sustentabilidade nas cidades.

Contribuindo com esta avaliação, dados atualizados do IBGE (2010),

informam que 6% da população brasileira habitam os chamados assentamentos

irregulares como favelas, invasões e palafitas e que este número cresceu em relação ao

censo anterior. Em uma década, a população presente nesses lugares, passou de 6,5

milhões para 11,4 milhões de pessoas. A população está distribuída em 6.329

aglomerados irregulares (entendido como o conjunto de ao menos 51 domicílios

presentes em áreas ocupadas irregularmente e com precariedade de serviços públicos

essenciais ou com urbanização fora dos padrões), localizados em 323 municípios

brasileiros (IBGE, 2010).

Avançando nas discussões sobre o tema, observa-se que estas informações

guardam uma relação direta com o formato de desenvolvimento urbano adotado no

Brasil que, segundo Rolnik (2008), deixou à margem da urbanidade e da cidade um

contingente importante da população formada pelos setores de menor poder aquisitivo.

Além de excludente, segundo a autora, este modelo foi altamente concentrador, uma vez

que 60% da população urbana está situada em 224 municípios com mais de 100 mil

habitantes, dos quais 94 estão em aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com

mais de 1 milhão de habitantes.

Este formato de concentração territorial, que tem origem no modelo

econômico, segundo ainda Rolnik (2008), se expressa de modo intraurbano na medida

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em que os municípios afetados pelo crescimento e pelo dinamismo urbano promovem

qualidades urbanísticas que se concentram em setores restritos, voltados para uma

minoria com maior poder aquisitivo. Estes locais segundo a autora são áreas de

influência do mercado, reguladas por normas, leis e contratos que garantem a

legalização formal da propriedade para um setor privilegiado da sociedade.

Corroborando com esta análise, Grazia (2003) afirma que as cidades brasileiras

foram construídas sem um efetivo planejamento urbano, estimulando a consolidação de

um mercado imobiliário restritivo e especulativo no qual os interesses do lucro resultam

em uma apropriação desigual do território e dos bens produzidos.

Nessa mesma perspectiva Maricato (2001) aponta que em um quadro dessa

natureza, restam à maioria da população residente no espaço urbano, as terras vetadas

pela legislação urbanística e ambiental que, na maioria dos casos, não têm valor de

mercado no curto prazo. Estas ocupações, conclui a mesma autora, ignoradas pelo poder

público, trazem impactos para o meio ambiente e para os próprios moradores que ao

final são aqueles que mais sofrem com os efeitos de suas próprias ocupações.

2.2 OS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS E O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Apesar do quadro de problemas no âmbito das cidades, Ribeiro (2004) analisa

que a urbanização vivenciada no Brasil a princípio não seria um problema, se esse

processo tivesse sido acompanhado de uma visão sustentável do ambiente urbano,

prevendo-se formas racionais de ocupação do território e a oferta de moradias,

identificando-se a disponibilidade de insumos para o seu funcionamento, prevendo-se a

destinação e utilização dos resíduos produzidos e que tivesse havido preocupação com a

instalação de equipamentos sociais e serviços públicos, o que de fato não ocorreu. O que

aconteceu ao contrário foi que a população migrante, atraída pelos supostos benefícios

da cidade e obrigada a deixar o campo, não encontra nestes novos lugares as condições

adequadas e necessárias à reprodução da vida indo ocupar os espaços insalubres e

precários dos grandes centros urbanos (SANTOS, ULTRAMARI, DUTRA, 2004).

Essa situação é portadora de problemas ambientais e esses, segundo Coelho

(2010), impactam nas condições de vida dos moradores na cidade. No entanto, alerta a

mesma autora, que os problemas ambientais não atingem os espaços urbanos de forma

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igualitária trazendo geralmente mais problemas para os locais onde vivem as classes

sociais menos favorecidas do que aquelas de maior poder aquisitivo.

Centrando a análise na questão ambiental urbana, Rezende (2003) observa que

esta tem sido vista muitas vezes, pelo lado dos impactos resultantes do processo de

urbanização, especialmente relacionados com a industrialização. Avançando nas

discussões e trazendo mais concretude para o tema, a autora enfatiza que as mudanças

no ambiente construído, que trazem problemas para a qualidade de vida nas cidades ou

mesmo mudanças nas características originais dos bairros, foram preocupações das

associações comunitárias e não necessariamente dos ambientalistas, apontando neste

caso para uma certa ambiguidade ou mesmo distanciamento e não articulação dos

conceitos pelos atores sociais presentes nos territórios urbanos.

No entanto, a mesma autora aponta para a existência de análises que buscam

explicar este aparente distanciamento entre os temas, destacando que uma delas está

relacionada ao fato que tanto os estudos urbanos como os ambientais, vieram de origens

de conhecimentos distintos, somente buscando uma aproximação mais recentemente

com a introdução das discussões em torno do desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, essa visão que separa o ambiental do urbano, tem uma relação

com a forma e o momento em que o tema se insere no debate público. As temáticas

ambientais surgem atreladas às questões ecológicas, não as relacionando

necessariamente com a realidade daqueles que viviam em áreas de extrema exclusão

social (COELHO, 2010), Ou seja, a centralidade do debate estava voltada para a

preservação do ambiente natural o que não se coadunava com a realidade e práticas das

ocupações urbanas. Por outro lado, havia também a compreensão de teóricos, gestores e

mesmo de atores populares que compreendiam que o debate sobre o meio ambiente

estava fora do alcance dos problemas urgentes e prementes vividos pela população mais

pobre.

Buscando dar outra direção às discussões, observa-se que o debate que

reconhecia uma aparente divergência entre as questões urbanas e ambientais é

desnecessário, no momento em que se adota a noção ampliada de sustentabilidade,

conciliando, portanto, estas duas visões (SANTOS, ULTRAMARI, DUTRA, 2004).

Nessa direção, Rezende (2003) enfatiza que o surgimento do termo sustentabilidade, no

debate internacional conhecido a partir do Relatório Brundtland, reforça a necessidade

de uma maior inter-relação entre as políticas sociais, de crescimento econômico e de

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proteção do meio ambiente como forma de contribuir para uma maior articulação entre

o urbano e o ambiental.

2.3 A DIMENSÃO DA SUSTENTABILIDADE URBANA

O termo sustentabilidade relacionado com os temas eminentemente ambientais

foi ampliado incluindo a sustentabilidade social, econômica e financeira e considerando

a sua aplicação no espaço urbano (SANTOS, ULTRAMARI, DUTRA, 2004). Mesmo

considerando que as cidades apresentam limitações conceituais no que concerne ao

desenvolvimento sustentável, as áreas urbanas têm se tornado cada vez mais um tema

relevante no cenário atual (CAMARGO, 2004).

Essas discussões ganham repercussão durante as décadas de 80 e 90, motivadas

por fóruns e conferências internacionais promovidas pelas Nações Unidas. Neste

sentido, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

conhecida como ECO/92, chamava a atenção para o fato que o crescimento da

população urbana mundial em anos futuros, se concentraria nos centros urbanos do

terceiro mundo e destacava nas conclusões da Conferência, o fato que o aumento da

pobreza e da degradação ambiental traria um alto custo econômico e social para a

humanidade (DIAS, 2004; SCOTTO, 2008 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,

2000).

Desse modo, a ECO/92 aprovou um documento chamado Agenda 21, que

apontava para a necessidade de um pacto, na perspectiva de mudanças no padrão de

desenvolvimento global para o século XXI, especialmente nos países industrializados,

visando mudanças nos formatos de produção e consumo por eles adotados (LEROY,

2010). Nesta perspectiva, a Agenda indicava que os países desenvolvidos,

reconhecidamente responsáveis pela degradação ambiental e pela apropriação

indiscriminada dos recursos naturais, deveriam contribuir para a criação de um novo

modelo nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento através do repasse de

tecnologias e de recursos (LEROY, 2010). A agenda 21 é uma espécie de manual

(portanto não é um tratado nem tampouco uma convenção que obriga os estados

signatários a cumprir) que orienta as nações nos seus processos de mudanças para um

novo entendimento de sociedade (CAMARGO, 2008; LEROY, 2010).

Provavelmente esse acúmulo teórico e discursivo se materializou na realização

da Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos (Habitat II) em

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1996, momento em que é aprovada a Agenda Habitat, que define os princípios,

compromissos e ações estratégicas que devem ser seguidas por governos, sociedade

civil e iniciativa privada com vistas à construção de um desenvolvimento sustentável

nas áreas urbanas. Desse modo passam a ser consideradas na sustentabilidade urbana,

tanto as questões essencialmente ambientais, como aquelas relativas ao

desenvolvimento econômico local, a promoção da equidade, da justiça social, a gestão

urbana democrática e participativa, a moradia adequada para todos, questões

essencialmente urbanísticas e aquelas ligadas ao ordenamento territorial local e regional

(AGENDA HABITAT PARA OS MUNICÍPIOS, 2003; SANTOS, ULTRAMARI,

DUTRA, 2004). Ainda segundo a Agenda, a partir deste momento, o próprio conceito

de sustentabilidade urbana é ampliado considerando os assentamentos humanos e os

diferentes formatos de ocupação do território pela população.

Uma perspectiva de melhoria no ambiente urbano se deu com alguns avanços

institucionais a exemplo da aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257 de

julho de 2001), que oportuniza intervenções públicas em áreas periféricas visando à

garantia de cidades sustentáveis e a elaboração de Planos Diretores obrigatórios para

cidades com mais de vinte mil habitantes (CAMARGO, CAPOBIANCO, OLIVEIRA,

2004).

2.4 A CIDADE E O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

O processo de industrialização experimentado a partir do século XIX e

fortalecido em meados do século XX, como já foi assinalado anteriormente, contribuiu

para o aumento do número de pessoas que buscaram a cidade como possibilidade de

moradia e trabalho (SILVA, 2006). Nessa perspectiva, a cidade se constitui de certa

forma como lugar da produção e disseminação de novos valores trazidos pelo

crescimento da indústria e pela necessidade de novas adaptações (GONÇALVES,

2011).

Nesse cenário a cidade se constitui como um lugar da expressão dos problemas

trazidos com o processo de industrialização capitalista, dada a sua incapacidade de

garantir os benefícios do seu processo produtivo para o conjunto da população,

resultando em conflitos por parte daqueles que, se sentindo marginalizados desse

processo, passam a exigir do Estado demandas traduzidas em políticas para superar as

desigualdades sociais (CARVALHO, 2008; GONÇALVES, 2011).

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As respostas convencionais para essa situação seria o aumento da riqueza

ancorada nas teorias de crescimento econômico, como forma de superar as

desigualdades sociais. A esse respeito, o modelo de pensamento vigente, tanto nos

países industrializados quanto nos emergentes, era aquele calcado na abundância dos

recursos naturais, na produtividade do trabalho, no Estado de bem-estar e, no caso do

Brasil, no “Estado desenvolvimentista” (BUARQUE, 2008).

A partir dos anos 80 o conceito de crescimento econômico é fortemente

criticado porque, segundo Sachs (2008), ele não deve ser confundido com

desenvolvimento, uma vez que este último implica necessariamente na redução da

pobreza e das desigualdades sociais. Essa crítica subsidia de certa forma o conceito de

sustentabilidade, que incorpora novos elementos considerando a relação com o meio

ambiente (REZENDE, 2003). É nesse mesmo período, especialmente em meados dessa

década, que emergem com ênfase no Brasil, as discussões que colocam no centro do

debate o desenvolvimento com ênfase na dimensão local em uma conjuntura marcada

pela crise fiscal, com a delegação de responsabilidades para os municípios e o avanço

das visões liberalizantes, traduzidas na redução do papel do Estado e, por conseguinte,

no aumento de interferência do setor privado (SANTOS JUNIOR, 2001).

Essas análises aliadas à constatação de que as discussões no âmbito global não

apontaram para solução dos problemas sociais e econômicos mundiais, contribuindo

para o seu aumento e para a ampliação da pobreza e exclusão, possibilitaram a

emergência do conceito de desenvolvimento local e com ele, a possibilidade de novas

perspectivas na relação entre as políticas públicas mais abrangentes e os aspectos locais,

regionais, urbano rural e suas várias dimensões (BUARQUE, 2008).

Esse cenário favoreceu o surgimento de uma infinidade de iniciativas no Brasil

expressas em projetos de combate à pobreza, às desigualdades sociais, à exclusão,

implementadas por entidades não governamentais e governos municipais na perspectiva

da descentralização, favorecida pela Constituição de 1988 (SILVEIRA, 2008). A esse

respeito, Silveira (2008) aponta elementos importantes que foram embriões de

iniciativas de desenvolvimento local que vieram a se fortalecer posteriormente, a

exemplo da busca pela construção de parcerias entre organizações da sociedade civil,

poder público, entidades privadas, do impulso aos processos auto-organizativos, das

capacitações das populações locais, da valorização da participação social no

planejamento e na gestão de projetos, da busca de um modo de ação social em que o

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público fosse sujeito dos processos e não apenas beneficiários ou cliente de programas e

projetos, da ampliação da noção de políticas públicas como algo includente e não

reducionista das políticas governamentais. Esses elementos, segundo o autor apontavam

para mudanças em relação ao padrão vertical e centralizador que ocupou o cenário

antecedente aos anos 80.

Desse modo, o conceito de desenvolvimento local pode ser entendido como

Um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo

econômico e à melhoria da condição de vida da população em

pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Para ser

consistentemente sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar

e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as

oportunidades sociais, a viabilidade e competitividade da economia

local; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos

naturais locais, que são a base mesma da potencialidade e condição

para a qualidade de vida da população local. Esse empreendimento

endógeno demanda, normalmente, um movimento de organização e

mobilização da sociedade local, explorando as suas capacidade e

potencialidades próprias, de modo a criar raízes efetivas na matriz

socioeconômica e cultural da localidade (BUARQUE, 2008, p. 26).

O desenvolvimento local pode ser aplicado em diferentes territórios e

aglomerados humanos de pequena escala, desde comunidades até municípios ou micro

regiões homogêneas de porte reduzido, bacias ou ecossistemas (BUARQUE, 2008).

Mais que a definição de escala, um aspecto diferencial importante que passou a

ser valorizado nas experiências de desenvolvimento local, foi à busca por uma

intervenção territorializada, visando uma conjunção de projetos e ações articuladas e

continuadas, tendo como base a mobilização dos diferentes atores presentes nos

territórios. Nesta perspectiva não bastava apenas que as ações fossem desenvolvidas em

um determinado local, envolvendo diferentes parceiros, articulando um leque variado de

organizações e uma boa articulação entre as políticas setoriais, mas que houvesse uma

visão sistêmica desses aspectos, visando à modificação no território de intervenção com

a participação dos atores locais como protagonistas, garantindo-se a sustentabilidade em

todas suas dimensões e sentidos (SILVEIRA, 2008).

Na perspectiva do fortalecimento de experiências de desenvolvimento local,

Zapata (2008) observa que mesmo considerando que um leque de atores contribui

efetivamente para a implantação de experiências de desenvolvimento local, ela enfatiza

a importância da presença do poder público nesses processos, uma vez que na maioria

dos casos ele é o impulsionador da mobilização e da articulação de atores, em torno de

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um objetivo comum nos territórios. A autora informa que outros parceiros a exemplo de

organizações não governamentais, empresas ou mesmo indivíduos, podem iniciar um

processo de desenvolvimento local, mas destaca a importância do envolvimento dos

governos locais, o que possibilita que as iniciativas tenham um certo grau de

legitimidade e institucionalidade.

Essas experiências desenvolvidas em diferentes escalas e territórios, muitas

delas no âmbito das cidades, reforçam a urgência da construção de projetos e ações

sintonizados com os anseios da população, visando à construção de estratégias que

fortaleçam as condições para que a cidade seja o espaço escolhido pelas pessoas para o

atendimento de suas necessidades (SILVA, 2006). Nessa direção, as cidades têm

adquirido nos últimos anos, importância fundamental para o desenvolvimento

econômico e social do país, mesmo que esse potencial traga desafios para o

desenvolvimento sustentável uma vez que crescem nas mesmas proporções às demandas

e necessidades sociais e ambientais (RIBEIRO; CARDOSO, 2003).

No caminho das potencialidades, Maricato (2001) destaca que as cidades são

também espaços importantes para se buscar o desenvolvimento sustentável, uma vez

que são locais onde cada vez mais se localizam as atividades econômicas, sociais e

políticas. Nesta direção, Carvalho (2008) identifica a cidade também como lugar de

oportunidades, de se viver melhor e não apenas como o lócus de problemas que devem

ser combatidos e superados.

Essas questões apontam para a necessidade de uma melhor gestão do meio

ambiente urbano observando-se não apenas a preservação do ambiente natural, posição

marcada no início das discussões em torno do tema, mas considerando-se os aspectos

relativos a melhores condições de vida para a população que vive em áreas precárias e

mesmo degradadas, buscando-se a sua integração ao desenvolvimento e benefícios da

cidade (SILVA, 2006). Desse modo o que está posto é considerar o meio ambiente

preservado como também aquele já modificado pela ação dos seres humanos, buscando-

se a sua recuperação e integração (REZENDE, 2003).

No entanto, Maricato (2001) alerta que em um quadro de necessidades e de

criação de alternativas para atender às diferentes demandas da população excluída,

dificilmente serão resolvidos os problemas ambientais sem a busca de solução de outros

problemas correlatos, inclusive os de acesso à moradia e infraestrutura urbana de forma

adequada e articulada.

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Relacionando-se as conclusões das discussões feitas nessa sessão com a

realidade estudada, ou seja, das áreas que estão à margem dos benefícios e da atenção

do poder público, observa-se que o diagnóstico dos problemas é por demais conhecido

e, portanto, não é novo, nem de simples solução como observa Silva (2006). No

entanto, o que se configura como novidade, segundo o autor, é a tomada de consciência

da necessidade de solução de forma sustentável e nesse aspecto a participação dos

cidadãos e a opção dos gestores por fortalecer esse formato, aparece como potenciais

importantes. Nessa direção, Silva (2006) enfatiza que o olhar para a resolução dos

problemas urbanos pela ótica da democratização das cidades, articulando-se os diversos

atores, entre os quais sociedade e poder público, aparece como um caminho a ser

perseguido.

Isto posto reforça o entendimento de um desenvolvimento local efetivo como

condição essencial para que as pessoas tenham direito a uma vida digna, com

infraestrutura adequada, com acesso aos serviços públicos, o que não é visível no

quadro atual das cidades, dadas as condições desiguais de acesso aos seus benefícios.

Mesmo assim, o caminho das mudanças tem sido feito, a partir da organização da

sociedade se contrapondo a conjunturas adversas, por meio de sua inserção em espaços

propositivos, buscando fortalecer uma base organizativa o que poderá ser visto no

capítulo seguinte.

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3 SOCIEDADE CIVIL E A EMERGÊNCIA DE ESPAÇOS DE

PARTICIPAÇÃO

O tecido brasileiro vivenciou profundas modificações sociais, políticas,

culturais, econômicas, cujo eixo orientador foi uma maior expressão da sociedade

através de diferentes formatos, impulsionando mudanças de paradigmas que criaram

novos valores e comportamentos que impactaram a sociedade. Diante disso, se busca

analisar o contexto e as teorias que explicam o surgimento do conceito de participação e

os desdobramentos na constituição de espaços de diálogo e concertação que orientam o

presente estudo.

3.1 ORIGENS E CONCEPÇÕES ACERCA DA PARTICIPAÇÃO

A participação como tema tem uma longa trajetória de estudo no âmbito das

ciências sociais e políticas podendo ser observada em diferentes práticas da sociedade

civil embora com diferentes significados e compreensões.

Desse modo, o entendimento dos processos de participação vivenciados pela

sociedade civil e sua presença nas políticas públicas, segundo Gohn (2003), leva a

compreensão da trajetória de democratização da própria sociedade brasileira nas suas

lutas e conquistas por direitos e cidadania.

No entanto, a participação, ainda que bastante utilizada na modernidade por

diferentes matizes, não é um conceito uniforme e dependendo da época ou conjuntura

histórica, ela pode vir associada a termos como democracia, representação, organização,

conscientização, cidadania, entre outros (GOHN, 2003).

Para dar conta desses diferentes conceitos Gohn (2003) aponta alguns

parâmetros analíticos sobre o tema, a partir de diferentes abordagens: a) na primeira,

que ela conceitua como liberal, cuja centralidade estaria na liberdade individual, a

participação teria o objetivo de fortalecer a sociedade civil, para evitar a gerência do

Estado e não para que ela participasse da vida do Estado; para esta concepção, os

indivíduos são iguais e a participação seria um meio e um instrumento para a busca da

satisfação de suas necessidades; b) a segunda, a comunitária, seria de certa forma uma

derivação da concepção liberal, na qual o fortalecimento da sociedade civil se dá pela

integração dos órgãos representativos deliberativos e administrativos do Estado. Desse

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modo essa participação tem conotação institucionalizada, no sentido de que os grupos

organizados devem participar no interior dos aparelhos do poder estatal até que as

esferas públicas e privadas se fundam; c) a terceira, a autoritária seria aquela voltada

para a integração e o controle social da sociedade e da política; ela pode ser aplicada

tanto em regimes políticos autoritários de massa, de direita quanto de esquerda. Neste

caso as arenas participativas seriam as políticas públicas estimuladas verticalmente para

diluir os conflitos sociais.

Além dessas, Gohn (2003) afirma que existem outras formas de conceber a

participação, a exemplo das concepções democráticas, revolucionárias e democráticas

radicais.

No caso da concepção democrática, a soberania popular é o princípio

regulador. A participação é entendida como um fenômeno presente tanto na sociedade

civil como nas instituições formais políticas. O sistema representativo, através do

processo eleitoral é o critério supremo de organização dos indivíduos nas formas de

representação institucionalizadas (GOHN, 2003).

Na concepção revolucionária, a participação se organiza em coletivos para se

contrapor às relações de dominação e pela divisão do poder político, podendo se dar

tanto pela via do parlamento, quanto nos aparelhos burocráticos do Estado. O sistema

partidário tem um papel fundamental nessa concepção uma vez que tem como missão

formar quadros políticos para participar desses espaços (GOHN, 2003).

No entanto, uma visão mais radical da participação, segundo Gohn (2003),

questiona a democracia representativa e propõe a sua substituição pela democracia

participativa.

A concepção democrática radical da participação visa fortalecer a sociedade

civil, na perspectiva de encontrar caminhos que levem à constituição de uma realidade

mais justa, sem exclusões e desigualdades sociais. A marca de destaque desta concepção

é o pluralismo. Nesse sentido os partidos não são mais importantes que outros formatos;

pelo contrário, estão no mesmo nível dos movimentos sociais além de ser valorizado um

leque amplo de experiências associativas no processo participativo (GOHN, 2003).

Na participação democrática radical os entes principais são constituídos em

sujeitos sociais e não mais indivíduos isolados, nem membros de uma determinada

classe social e sim cidadãos. Nessa perspectiva a participação democrática radical se

articula com o tema da cidadania e participar significa criar uma cultura de dividir as

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responsabilidades na construção coletiva de um processo de responsabilidades com a

comunidade e esta, segundo Gohn (2003), deve ser vista como parceira, como parte e

não apenas como coadjuvante chamada para programas esporádicos.

Corroborando com essa concepção, Bava (1994) entende que a participação

deve ter caráter permanente e decisivo sobre as políticas públicas e não meramente

instrumental, na qual a população seria chamada a decidir sobre assuntos de

responsabilidade do poder público. O autor acrescenta que essa forma de participação

contribui para o estabelecimento de uma nova cultura política cuja ênfase foi dada com

a ascensão de governos do campo democrático.

A participação pressupõe, ainda segundo Gohn (2003), as lutas pela divisão de

responsabilidades dentro do governo. A esse respeito convém enfatizar a importância da

constituição de linguagem democrática, não excludente nos espaços participativos

criados, o acesso por parte da população de informações que digam respeito à

constituição de meio democráticos de comunicação. Especialmente porque essa

população já vive em uma situação de carência material que, aliada à ausência de

informação, as coloca em uma situação de vulnerabilidade e fragilidade nos processos

participativos diante dos seus interlocutores (LEITE, 2007).

Nesse sentido a participação abordada nesse estudo é a que se direciona para o

fortalecimento de um processo de vivência organizativa, voltada para os grupos sociais

populares, excluídos historicamente dos processos participativos, cuja expressão se

materializaria em um projeto de desenvolvimento que aponte para a possibilidade de

melhoria da qualidade de vida local em interação com a cidade.

3.2 A PARTICIPAÇÃO E O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL

O Brasil viveu um período de fechamento político nos anos 60 e a forma de

expressão da sociedade, para se contrapor ao estilo autoritário do Estado, se constituiu a

partir da afirmação do “direito a ter direitos”, na busca pela inclusão e justiça social,

criando novos valores e formatos democráticos (GOHN, 1991). Se nesse período a

sociedade estava sem muitas alternativas de expressão, em razão das limitações

impostas pelo regime militar instaurado, os anos 70 e 80 são momentos de

reorganização e abertura política respectivamente, resultando na consolidação

democrática e na emergência dos novos formatos organizativos (SADER, 1988).

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Estes formatos, conforme Sader (1988), se caracterizaram pela horizontalidade,

se contrapondo aos modelos verticalizados, presentes nas práticas dos partidos políticos

e sindicatos e atuando de forma autônoma na relação com o Estado. Assim as novas

formas organizativas se consolidam no cenário público, através do confronto e

reivindicação pelo acesso a bens, serviços básicos e equipamentos públicos e na pressão

por liberdades democráticas (SADER, 1988,).

O marco da organização da sociedade civil expressa em diferentes movimentos

sociais se viabilizou, com a inserção de suas demandas e reivindicações no texto da

Constituição Federal de 1988, no que diz respeito aos princípios de participação da

população nos processos decisórios, interferindo na elaboração das políticas públicas.

Desse modo a relação até então contestatória entre Sociedade Civil e Estado, deu lugar à

criação de mecanismos de interlocução mais horizontais, expressos nos canais ou

espaços de participação e diálogo, que nortearam e orientaram as discussões e

formulação de políticas públicas (LEAL, 2003; WARREN, 1999). Esta nova

institucionalidade cria inicialmente um ambiente favorável para o surgimento de

relações mais igualitárias, como também na reorientação de prioridades com vista à

inclusão de demandas sociais e alocação de recursos (GOHN, 1991).

Desse modo, esse marco regulatório propiciou um ambiente de mobilização

nacional pela garantia de espaços, cujo resultado foi à conquista da participação direta

dos cidadãos, em mecanismos como plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei e em

espaços institucionais (SANTOS JUNIOR, 2001; SANTOS, 2002; TEXEIRA, 2009).

No entanto, se as discussões em torno da Constituição fizeram, segundo Santos

Junior (2001), emergir uma agenda pública, caracterizada pela afirmação da

universalização dos direitos sociais de forma redistributiva em relação à renda e

democrática em relação à gestão pública, o mesmo autor afirma que, nesse período,

assiste-se à constituição de outra agenda de cunho neoliberal, com enfoque nas políticas

minimalistas de intervenção do poder público, se contrapondo àquela democrática. Ao

mesmo tempo ainda segundo o mesmo autor, intensifica-se o processo de

descentralização e municipalização das políticas públicas, impulsionadas de certa forma

pela elaboração das constituições estaduais e leis orgânicas, elaboradas pela primeira

vez, de forma autônoma pelos municípios, como decorrência natural dos trabalhos da

Constituição.

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Nesse cenário, Santos Junior (2001) identifica a emergência de um quadro de

forte contradição, uma vez que os defensores da descentralização queriam maior

interferência da sociedade civil na tarefa da definição e controle das políticas públicas

de forma autônoma e independente. Já os defensores da corrente neoliberal entendiam a

descentralização como desregulamentação do Estado, passando mais responsabilidade

para a sociedade civil e desobrigando o Estado de atribuições que lhes são próprias,

especialmente na área social (SANTOS JUNIOR, 2001).

Nessa perspectiva, avalia-se que houve avanços significativos na

descentralização político-administrativa, no momento em que são atribuídas aos

municípios maiores responsabilidades, no que se refere à execução das políticas

públicas, embora, ao mesmo tempo, estudos também apontaram, segundo Santos Junior

(2001), que o repasse de recursos para os municípios não acompanhou na mesma

intensidade, a descentralização de responsabilidades e funções.

3.3 A PARTICIPAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS DE DIÁLOGO

É nesse ambiente que ganha força o conceito de poder local, entendido, segundo

Gohn (2003), em duas dimensões, uma como sede político-administrativa do governo

municipal (especialmente suas sedes urbanas no caso das cidades) e outra como

dinamizador de mudanças sociais, através de novos formatos de participação e

organização popular. E isso segundo a autora, foi possível incorporando outras

dimensões para além da espacial-geográfica como o comunitário e o associativo.

Para a autora o poder local “é sinônimo de força social organizada enquanto

forma de participação da população, na direção do que tem sido denominado de

empoderamento da comunidade, ou seja, uma capacidade de gerar processos

autossustentáveis com a mediação de agentes externos” (GOHN, 2003, p. 35).

A discussão do poder local visto dessa forma remete a outro debate que

incorpora o tema da esfera pública, entendida por Gohn (2003) “como o lugar da

mediação institucional da participação organizada, da sociedade civil e de

representantes da sociedade política. Trata-se de uma arena para o cidadão expressar,

organizar e sistematizar suas demandas, reivindicações, projetos e ações coletivas num

processo de relação discursiva entre sociedade civil organizada e Estado e

eventualmente agentes de corporações do mercado, do poder econômico, onde há uma

clara interlocução pública, sobre assuntos públicos” (GOHN, 2003, p. 38).

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30

Nessa perspectiva a trajetória de organização da sociedade civil aliada às

esferas de poder sensíveis às questões participativas, contribuiu para a implantação de

projetos e propostas que fortalecem a participação da população, por meio de formatos

institucionalizados ou não, que envolvem sociedade civil e Estado, entre as quais se

destacam os conselhos de políticas públicas, os orçamentos participativos, entre outros

(TEXEIRA, 2009).

Relacionando o tema da participação com o desenvolvimento local, observa-se

que este último está intimamente associado ao fortalecimento de dinâmicas

democráticas, a constituição de esferas públicas e aos novos formatos organizativos

criados. Isso tudo está associado à construção de processos que sejam efetivamente

conduzidos por atores que estão presentes nas esferas locais, contribuindo com as suas

experiências cotidianas para que a participação tenha caráter inclusivo dos atores sociais

nas instâncias decisórias o que será apresentado nas sessões seguintes.

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4 AS DISPUTAS PELO ESPAÇO URBANO NO RECIFE

O Recife desde a sua origem convive com problemas de toda ordem -

ambientais, econômicos, sociais, entre outros - conformando um quadro de

desigualdades que marca fortemente a vida dos seus habitantes. De origem portuária, a

cidade foi marcada pela presença das águas, dos mangues, dos alagados

consubstanciados em ambientes insalubres para grande parte da população (BEZERRA,

1965). Essa situação se complementa na afirmação “por onde se penetre na cidade do

Recife, os alagados se apresentam acompanhados dos seus gêmeos, os mangues e os

mocambos” (BEZERRA, 1965, p. 21).

4.1 ORIGEM E FORMAÇÃO DA CIDADE

O cenário de alagados presentes no Recife, com o decorrer dos anos vai sendo

modificado pelos aterros frequentes, com diferentes finalidades, resultando na expansão

da cidade. Nesse particular convém salientar, que a presença dos holandeses (1630-

1654) muito contribuiu para a expansão da cidade, uma vez que eles tinham a

tecnologia para ocupar áreas alagadas, facilitada pela geografia do seu país

(ANDRADE, 1979).

Mesmo assim, até o século XVIII, o Recife possuía uma população inferior a

vinte mil habitantes, tendo sofrido modificações a partir desse período, influenciada por

fatores históricos e geográficos. Por volta do século XIX, Recife ascende ao status de

capital do Estado, momento em que se observa uma forte corrente migratória,

impulsionada pela implantação de refinarias de açúcar, consolidando de certo modo o

poder dos latifundiários e a centralidade na monocultura da cana de açúcar, período em

que se intensificam os aterros dos manguezais (ANDRADE, 1979).

4.2 A EXPANSÃO DA CIDADE E AS CONTRADIÇÕES URBANAS

A partir desse período e especialmente na metade do século XX, assiste-se ao

crescimento da população recifense, acirrando-se assim as contradições no espaço

urbano. Nesse aspecto Bezerra (1965) destaca que nesse momento se inicia a

discriminação com os segmentos mais pobres e, por conseguinte as primeiras

resistências dos mesmos em torno do direito à moradia. O que aconteceu nesse período,

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conforme Bezerra (1965), é que os chamados espaços secos da cidade não eram

suficientes para abrigar a população existente, demandando a maximização do espaço, o

que foi possível com a construção de moradias verticalizadas, as quais não eram

destinadas para os mais pobres. No entanto essas construções não estavam distantes dos

muitos alagados e manguezais existentes, que pouco a pouco foram sendo ocupados

pela população de menor poder aquisitivo. Essa conjunção entre território e espaço,

conforme afirma Bezerra (1965), fortaleceu a expressão convertida em prática á época,

de que a terra seca seria para os sobrados e a terra molhada para os mocambos.

Logo a expansão da cidade do Recife e o crescimento da população acentuaram

as contradições urbanas, uma vez que o aumento descomunal constatado, não teve a

necessária contrapartida de bens e serviços coletivos. Isso porque este crescimento não

foi, como em outras cidades brasileiras, resultante do processo de expansão da

economia urbana, mas decorrente de fluxos migratórios provenientes do êxodo rural,

ocasionado em parte pela seca, como também pela industrialização da produção

açucareira (ANDRADE, 1979).

A população que chegava ao Recife não tinha alternativa senão ocupar as áreas

de mangue e construir as suas moradias. Desse modo, Recife recebe um número de

pessoas maior do que o mercado poderia absorver, impactando assim nas condições de

vida e moradia dessa população (ANDRADE, 1979; CESAR, 1992).

As conclusões a que se chega é que na trajetória de ocupação do espaço urbano

do Recife, a população de maior poder aquisitivo sempre se voltou para a planície,

iniciando pelo núcleo central e aos poucos para áreas aterradas, ao contrário da

população pobre, que inicialmente ocupava as áreas alagadas na planície (abundantes,

mas sem interesse comercial) e, por força de processos de expulsão, se desloca para os

morros da zona norte da cidade em momento posterior (BEZERRA, 1965; LEITE,

2007).

No entanto, convém destacar que até a metade do século XIX, a ocupação

urbana do Recife se deu de modo pacífico pelo fato de não haver ainda naquele

momento, uma dinâmica de mercado especulativo desenvolvido. Nessa direção, os

proprietários urbanos até permitiam a ocupação dos terrenos, exigindo em troca a

manutenção e limpeza dessas áreas ou o pagamento do “Foro”, espécie de aluguel das

terras ocupadas. Mesmo assim, os moradores não tinham nenhuma garantia nos locais

ocupados uma vez que os proprietários poderiam expulsá-los a qualquer momento

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usando para isso a força policial ou mesmo o aumento da taxa de ocupação (BEZERRA,

1965; CESAR, 1992).

4.3 O ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS ENTRE ESTADO E POPULAÇÃO

No entanto, é a partir da metade do século XX que as disputas pelo espaço

urbano se acirram e as expulsões da população mais pobre são efetivadas, atendendo de

certa forma aos anseios das classes dominantes, respaldadas na ação do Estado que

buscava resolver os problemas urbanos, com a eliminação das habitações e a expulsão

dos moradores (BEZERRA, 1965). As moradias precárias expressas na existência de

mocambos eram vistas como problemas de higiene, relacionada à saúde pública e,

portanto, causadoras de todos os problemas. A expulsão da população pobre passa a ser

a principal diretriz das políticas públicas urbanas, sendo decretada então a proibição de

novas habitações (BEZERRA, 1965). Esta prática do poder público neste período se

alinhava com o modelo de planejamento urbano então vigente no país, fortemente

influenciado pelos padrões modernistas, que primavam pela higienização das cidades

focalizando na saúde pública, cujos efeitos acabaram incidindo na vida dos mais pobres,

que habitavam os locais mais vulneráveis e insalubres (BARBOSA, 2003; RIBEIRO,

2004).

Essa prática tinha apoio, do ponto de vista político, em uma conjuntura

impulsionada pelo Estado Novo, cujas características eram a repressão e a fragilidade da

sociedade civil (BEZERRA, 1965). Em Pernambuco a expressão dessa visão se deu

com a presença do interventor nomeado governador, Agamenon Magalhães, que

visando intervir nos padrões de uso do solo e urbanização criou a Liga Social contra o

Mocambo, cuja ação primeira foi a realização de um censo da população no qual

identificou que quase metade era constituída por habitações precárias e mocambos

(BEZERRA, 1965).

Segundo Bezerra (1965), “a criação da Liga ia de encontro àqueles que

esperavam uma ação mais ativa do Estado no tema urbano e a expressão “contra o

mocambo”, refletia a ira e o desprezo que a classe privilegiada tinha pelo fenômeno no

seu aspecto físico; não o desprezo preconcebido, não um ódio explosivo, porém um

ressentimento instintivo tradicional, atávico e muito de estético” (BEZERRA, 1965, p.

44).

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O discurso do governo era no sentido de propiciar à população mais pobre o

acesso à propriedade, tendo como objetivo a erradicação dos mocambos e a

transformação dos habitantes em proprietários. No entanto o que ocorreu na prática

entre 1939 a 1944, foi a demolição de 12.434 mocambos, o desalojamento de sete mil

famílias sem o direito a nova moradia e a construção de 5.415 casas, insuficientes para a

demanda. Alem disso como resultado dessa política, mais de 20 mil pessoas emigraram

do Recife para outras áreas do Estado. Uma parte significativa dos desabrigados migrou

para a zona norte da cidade, notadamente para a área de Casa Amarela (norte da cidade)

formada por morros, cujas terras não tinham grande valor econômico (BEZERRA,

1965: CESAR, 1992; SOUZA, 2007; LEITE, 2007).

O que se observa é que o governo, com a criação da Liga Social Contra o

Mocambo e sua política de remoção, estava de fato politizando o espaço urbano e

tratando as questões sociais como caso de polícia, não as relacionando com as questões

sociopolíticas que emergiam fortemente nesse período (BEZERRA, 1965).

Para se contrapor a essa situação a população começa a se organizar criando

entidades locais, cuja centralidade da ação estava voltada para a garantia da ocupação

das áreas alagadas e posteriormente melhorias urbanas (CESAR, 1992, BITOUN,

2007). Esta trajetória que passa inicialmente pelo surgimento de entidades locais, a

exemplo de Ligas de Defesa, Associações e Conselhos de Moradores, posteriormente

amplia a sua intervenção para as entidades mais gerais, como as Federações de Bairro

que congregam um conjunto de entidades locais e se organizam para reivindicar

questões mais gerais, criando as condições para uma maior aproximação com o Estado

(MONTENEGRO, AMORIM, SILVA, 1988).

Isso poderá ser observado na próxima sessão que buscará resgatar os espaços

de diálogo, criados nas gestões municipais como resultado dessa trajetória histórica de

resistência na ocupação do solo urbano, produzindo propostas, respostas, reações por

parte dos diferentes atores presentes no território e também como experiências

precursoras que foram à base e mesmo inspiração para a existência de experiências

participativas em momento posterior.

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5 A TRAJETÓRIA DAS EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS NO

PODER LOCAL NO RECIFE

As experiências de relação entre sociedade civil e poder público no Recife vem

de longas datas. No entanto as experiências embrionárias envolvendo governos

municipais, moradores e entidades locais comunitárias, datam da metade do século XX,

impulsionadas por Prefeitos que na ocasião marcaram as suas práticas buscando ou

sendo instigados a buscar uma maior aproximação com a população.

5.1 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DAS AUDIÊNCIAS POPULARES

Um marco referencial das primeiras experiências de relação entre população e

poder público local acontece nos anos 50 do século XX, com a instituição de

Audiências Populares, criadas pelo então prefeito Pelópidas da Silveira em 1955

(CESAR, 1992).

As Audiências Populares, ainda que não institucionalizadas, se caracterizavam

pelo diálogo entre o poder público local e a população de diferentes bairros através de

despachos coletivos, cuja centralidade era o conhecimento e a busca da resolução dos

problemas apontados pela população. No início dessa experiência eram comuns os

pedidos de natureza individual, que foram sendo modificadas no processo por demandas

mais coletivas, que atendiam às necessidades mais gerais dos bairros e até da cidade, a

exemplo de exigências de galerias pluviais, calçamentos, aterros e iluminação pública,

entre outros (CESAR, 1992, LEAL, 2003).

As audiências contribuíram para o surgimento de uma articulação entre os

bairros, permitindo uma visão mais ampla por parte dos moradores, dos problemas da

cidade em detrimento dos problemas individuais trazidos pela população (CESAR,

1992).

Esse período tem como marca do ponto de vista comunitário, o surgimento das

primeiras organizações expressas em associações de bairros, estimuladas em alguma

medida pelo prefeito ainda no processo eleitoral, quando na sua linha programática

estava incentivar o surgimento de organizações desse tipo, o que o coloca na condição

de protagonista na criação desse formato organizativo (CESAR,1992)). No entanto essa

constatação não existe sem controvérsias, uma vez que há quem defenda que as

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associações de moradores foram incentivadas à época pelo Partido Comunista Brasileiro

(PCB), no breve período em que este esteve na legalidade (CESAR, 1992).

Provavelmente essas afirmativas não estão de todo corretas uma vez que a

primeira organização comunitária registrada em cartório surgiu antes desse período em

1931, com o nome de Liga dos Proprietários da Vila São Miguel no bairro de Afogados

(CESAR, 1992). Na sequência surgiram os Comitês Democráticos de Bairro por

iniciativa do PCB em 1947, o Largo do Viveiro de Afogados em 1948, a Sociedade

Beneficente Mista 30 de Setembro no bairro da Mustardinha e ainda a Sociedade dos

proprietários do Largo de Pescadores da Estrada dos Remédios (CESAR, 1992). Essas

informações demonstram que estas entidades foram precursoras do surgimento de

entidades comunitárias que se constituíram depois, reforçando a tradição associativista

que marca tão fortemente a história da cidade do Recife (CESAR, 1992).

Em 1959 foram criadas várias Associações de Moradores ao mesmo tempo em

que é lançada a candidatura de Miguel Arraes à Prefeitura do Recife. O engajamento

das entidades comunitárias na campanha política teve como justificativa o fato que os

opositores a essa candidatura hostilizavam as associações comunitárias, criando assim o

interesse, por parte dessas organizações, de que vencesse aquele prefeito simpático às

suas causas (CESAR, 1992).

A gestão do prefeito Miguel Arraes em 1959 deu continuidade à anterior,

focando a sua ação na interlocução com a população, através da mobilização via

associação de bairros e do Movimento de Cultura Popular. No entanto, como inovação

nas ações dessa gestão, destaca-se a instituição do projeto Mutirão, voltado para obras

de infraestrutura. Nesse sentido vale destaque para uma experiência ocorrida no bairro

de Boa viagem, já habitado por moradores de classe media e alta. Foi feito um contrato

entre a Sociedade de Amigos de Boa Viagem (única associação do gênero naquele

período voltada para esse segmento), para realizar melhorias no bairro, como

pavimentação, arborização entre outros. Os moradores arcaram com a maior parte dos

custos enquanto a Prefeitura assumiu um terço dos recursos (CESAR, 1992).

Em 1963 Pelópidas da Silveira volta à Prefeitura tendo como preocupação

central de sua gestão, a participação e a organização popular. Para responder a essa

preocupação ele cria o Conselho das Associações de Bairro, que dura pouco tempo em

função do golpe militar que se instala, momento em que ele tem seu mandato cassado

pela Câmara Municipal (CESAR, 1992).

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Segundo Cesar (1992), o relacionamento entre os movimentos de bairro e o

poder público municipal nesse período foi bastante próximo o que possibilitou de certa

forma a participação dos setores mais excluídos e isso se deveu segundo a autora, ao

fato de esses prefeitos terem dado prioridade às questões que atingiam a população mais

pobre.

Essas experiências participativas foram encerradas e o período que se seguiu

foi marcado pelo autoritarismo, com forte centralidade no âmbito federal e um

distanciamento dos governos locais da população, com o desestímulo à participação, ao

mesmo tempo em que os municípios perdiam a sua autonomia. Os Prefeitos passam a

ser indicados de forma biônica1, pelos governadores dos Estados e estes, por sua vez,

são indicados pelo poder central. A marca dessas gestões nesse período é a execução de

grandes obras de infraestrutura na cidade, em detrimento do atendimento às

necessidades cotidianas locais e comunitárias das populações mais vulneráveis. As

cidades passam a viver um processo de extensa modernização cujos resultados foram à

ampliação da pobreza, miséria e exclusão (MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988;

CESAR, 1992; LEAL, 2003).

Apesar desse quadro desfavorável, já no início dos anos 70 começam a surgir

focos e núcleos de organizações populares, apoiados por setores da Igreja Católica,

inspirada na Teologia da Libertação, ou por organizações de apoio e assessoria que se

transformariam posteriormente em ONGs – organizações não governamentais - com

forte presença nas comunidades (MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL,

2003).

Como isso as Associações e Conselhos de Moradores que haviam sido

fortemente reprimidas pelo poder instituído, tendo muitas delas sido extintas e seus

representantes perseguidos, aos poucos vão se recompondo reaparecendo no cenário,

convertidas em outros formatos, como Grupos de Moradores, Comissões de Lutas,

reivindicando do poder público o atendimento de suas demandas, especialmente aquelas

relacionadas à ausência do Estado, a exemplo de projetos de urbanização. No entanto,

no final dos anos 70, os formatos de Associações e Conselhos de Moradores voltam a

ganhar a cena dos bairros, reorientados pelas lutas locais e ao mesmo tempo buscando

1 Denominação popular para os governantes nomeados e não eleitos. É uma referência a personagem

de filme de ficção científica da época, resultado de criação em laboratório.

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uma articulação em torno de pleitos e interesses comuns (MONTENEGRO, AMORIM,

SILVA, 1988; LEAL, 2003).

Essas experiências localizadas começam a aparecer mais coletivamente no

momento em que as diferentes Associações e Conselhos de Moradores se articulam em

torno de uma luta comum, como foi o caso do surgimento do Movimento Terra de

Ninguém, no bairro de Casa Amarela, em defesa da população daquela região, que

estava ameaçada de expulsão pela Imobiliária Rosa Borges. Este movimento propiciou a

criação da Federação das Associações e Conselhos de Moradores de Casa Amarela

(FEACA), que visava articular as organizações e mobilizar os 400 mil moradores

existentes em torno da luta pela posse da terra (MONTENEGRO, AMORIM, SILVA,

1988; LEAL, 2003).

5.2 PARTICIPAÇÃO NOS NÚCLEOS DE AÇÃO COMUNITÁRIA – BARRACÕES

NOS BAIRROS

Do ponto de vista político, o final dos anos 70 apontava que um cenário de

crise se avizinhava, trazendo riscos ao modelo de desenvolvimento econômico então

praticado, dada a sua ineficiência para resolver os graves problemas sociais brasileiros,

gerando insatisfação crescente por parte de amplos setores da sociedade. A crise de

legitimidade do Estado demandava a busca de saídas que tornassem a situação mais

aceitável, mascarando de um lado os problemas sociais e do outro buscando conter as

insatisfações cada vez mais crescentes (MONTENEGRO, AMORIM, SILVA, 1988;

LEAL, 2003).

Na perspectiva de controlar a situação em um quadro que dava sinais de

abertura política, é lançado pelo governo militar o projeto nacional conhecido como

“Desenvolvimento com Participação” que visava entre outros objetivos, criar um

caminho de negociação entre governos e organizações sociais, notadamente com

aquelas que gozavam de certa expressão e reconhecimento na sociedade (LEAL, 2003).

Naquele momento a organização de setores sociais começava a aparecer mais

fortemente e sua organização se dava tanto nos seus locais de trabalho, quanto nos

locais de moradia. É nesse contexto que o movimento de bairro começa a se fortalecer

com o discurso da relativa autonomia frente aos partidos políticos e com críticas às

formas tradicionais de atendimento às demandas sociais, fortemente marcadas pelo

assistencialismo (MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

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No âmbito local a expressão desse projeto nacional se traduzia em ações que

primavam pela participação das comunidades, contrariando em certa medida o que

vinha sendo efetivado pelos governantes na época de fechamento político, cuja marca

era o desestímulo à participação como foi anteriormente assinalado.

O que se observou nesse período foi a apropriação do discurso da participação

e de outros termos correlatos como conscientização, organização, transformação social

por parte dos governos, cuja ênfase estava não na essência dos termos e sim no controle

social da população e das respostas às suas demandas (LEAL, 2003).

Isso ficou evidente no discurso e na prática do prefeito Gustavo Krause que,

mesmo sendo nomeado (1979-1982), instituiu um formato de relacionamento com os

movimentos populares diferente dos anteriores, primando pelo diálogo e dando à sua

administração um caráter fortemente populista. Aliado às diretrizes nacionais construiu

a sua base discursiva na plataforma do movimento popular, cuja centralidade seria a

participação com compromisso com as camadas populares. Para isso o Prefeito criou

um programa cujo slogan era “levante a mão e defenda seu bairro” que teve como

resultado prático a criação de entidades de bairro onde não existia e o estímulo à criação

de entidades paralelas em locais onde havia mobilização. Isso fica evidente no fato que,

entre 1978 e 1982, foram criadas 44% das entidades comunitárias (MONTENEGRO;

AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

No que concerne à participação foram criados em vários bairros os Núcleos de

Planejamento Comunitários (NPCs) conhecidos popularmente como “Barracões”. Os

NPCs visavam o planejamento participativo e estavam subordinados ao Sistema de

Ação Comunitária (SAC), que era coordenado pela Secretaria de Planejamento e

Urbanismo e tinha entre os seus objetivos o estimulo à formação de grupos

representativos dos interesses coletivos das comunidades, por meio de associações de

moradores (MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

Desse modo a relação entre o poder público e as comunidades, se dava por

meio desses Barracões instalados nas comunidades, que tinham, entre as suas

atribuições, o conhecimento em profundidade das comunidades, a emissão de

documentos, a assistência jurídica, o atendimento médico-odontológico e a orientação

para o emprego. Nesse sentido esses barracões recebiam as demandas diretamente das

comunidades impedindo de certa forma que elas saíssem do âmbito local e ganhassem

as ruas (MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

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A gestão do prefeito seguinte Joaquim Francisco (1983-1985) fecha o ciclo de

prefeitos biônicos. A sua gestão foi na direção oposta do seu antecessor, uma vez que o

relacionamento direto com as comunidades foi substituído por uma articulação com a

classe política. Desse modo, a atenção se voltava para proposições advindas dos grupos

formadores de opinião, atendendo as demandas pontuais da comunidade e ampliando a

participação para o segmento empresarial. Neste sentido a cidade foi governada no seu

conjunto com forte centralização nas questões urbanísticas, não privilegiando as áreas

populares. As organizações populares não eram reconhecidas como atores importantes,

sendo atendidas na medida de sua pressão de mobilização. Não foram criados

mecanismos de interlocução na perspectiva da participação da população

(MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

Como essas duas administrações estiveram em um momento bastante particular

da conjuntura, caracterizada por um ciclo de fechamento e de abertura política, elas

foram fortemente marcadas por tensões e mobilizações por parte dos movimentos

populares de bairro, fortalecidos nas suas demandas e reconhecidos como atores

importantes no cenário. Neste ambiente emergem entidades locais ou de articulações

mais gerais com força de reorientar projetos e ações programáticas municipais

(MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

Neste contexto vale salientar a presença importante da FEACA (Federação das

Associações e Conselhos de Moradores de Casa Amarela) interferindo ativamente nas

propostas vindas do poder público para os bairros, como também do Conselho de

Moradores de Brasília Teimosa, criado em 1959, que, por meio de um amplo processo

participativo e articulado com entidades externas, conseguiu elaborar o projeto de

urbanização com ampla participação, chamado de Projeto Teimosinho (ETAPAS,

1989).

Este ambiente foi propício ao surgimento de outras articulações de bairro que

buscaram expressar os diferentes interesses populares, a exemplo da Federação das

Associações de Moradores dos Núcleos Habitacionais de COHAB (FEMOCOHAB),

em 1980, da Federação Comunitária de Pernambuco (FECOPE) em 1983, da

Assembleia dos Bairros (1980) que depois se transformou na FEMEB (Federação

Metropolitana de Bairros), Reunião dos Conselhos e Associações de Moradores do

Setor Sul, Comissão de Luta do Ibura que se transformou na FIJ (Federação Ibura

Jordão) em 1982, a Articulação Caxangá, transformada posteriormente em ARCA

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(Articulação Caxangá) e organizações nacionais a exemplo da CONAM (Confederação

Nacional de Associação de Moradores), da Central dos Movimentos Populares (CMP),

o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e União Nacional por Moradia

Popular (UNMP) (ETAPAS, 1989; LEAL, 2003; MARINHO, 2007).

5.3 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DO PROGRAMA PREFEITURA NOS BAIRROS -

PPB

Os anos 80 se caracterizam como um momento importante, do ponto vista da

criação de novos parâmetros e a compreensão de que a participação dos cidadãos era

fundamental para planejar os destinos das cidades. Este quadro foi fortalecido com a

consolidação democrática expressa nas primeiras eleições para prefeitos das capitais,

que trouxe avanços significativos do ponto de vista da relação entre governo e

sociedade (LEAL, 2003). Mesmo porque, até esse momento, segundo Leal (2003), as

gestões dos municípios brasileiros foram marcadas por um padrão de governança local,

fortemente centralizada e burocrática, resultante de características históricas do Estado

brasileiro, fortemente influenciado por traços autoritários e clientelistas.

Neste contexto as primeiras eleições municipais no Recife, se configuram

como um momento de grande importância no cenário brasileiro. O Prefeito eleito dentro

de um debate amplo e polêmico, cujo resultado fortaleceu o campo progressista à época,

foi Jarbas Vasconcelos que governou a cidade de 1986 a 1988 (MONTENEGRO;

AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

O seu programa de governo foi construído com o resultado das contribuições

dos diferentes grupos de trabalho, formados por técnicos e representantes de

organizações populares, que tinham como missão elaborar uma proposta que contivesse

tanto questões técnicas, como as reivindicações dos movimentos populares. Nesta

direção entre as proposições estava a constituição de uma gestão democrática, expressa

na constituição de espaços participativos que teriam como tarefa central, construir uma

proposta de relação entre os setores populares e o poder público (LEAL, 2003).

Como resultado, foi construído o programa de governo, cujo slogan era “É

Povo de Novo” que contemplava três princípios básicos: a) transparência das decisões e

ações dos órgãos governamentais; b) descentralização administrativa visando uma

maior aproximação da administração com a população e c) participação popular de

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forma direta ou indireta nas decisões de governo (MONTENEGRO; AMORIM;

SILVA, 1988; LEAL, 2003).

A expressão da participação e relacionamento do governo com a população se

traduziu na criação do PPB (Programa Prefeitura nos Bairros), coordenado pela

Secretaria de Ação Social. O modelo participativo introduzido com o PPB buscava a

construção de relações mais horizontais, com ênfase no controle do Estado por parte da

sociedade civil. Assim o formato de participação então adotado, buscava combinar

elementos da democracia participativa com democracia representativa, além de buscar a

inversão de prioridades com investimentos voltados para os setores mais desfavorecidos

socialmente (LEAL, 2003).

Para viabilizar esta proposta a cidade foi dividida em 12 Regiões Político-

Administrativas (RPAs), onde eram realizadas plenárias, espécie de fóruns temáticos

sistemáticos, amplos e abertos à participação, nos quais o Prefeito, seu secretariado e

técnicos, despachavam diretamente com os representantes das diversas organizações do

movimento popular por RPA. Cada entidade tinha direito a um voto e as federações de

bairro existentes, poderiam representar os interesses de suas filiadas nesses espaços

(LEAL, 2003).

Essas plenárias buscavam responder as demandas apresentadas pelas entidades

e eram espaços de informação sobre os mecanismos de funcionamento da Prefeitura,

dos problemas e das dificuldades. Elas encaminhavam as soluções relativas ao contexto

da cidade, tendo como estrutura responsável pelo gerenciamento, a Secretaria de Ação

Social que articulava institucionalmente as demais instâncias da Prefeitura. (LEAL,

2003).

A experiência instituída com o PPB foi interrompida com a eleição de Joaquim

Francisco, cujo mandato (de 1989 a 1990) foi complementado por Gilberto Marques

Paulo (1991-1992) como Prefeito, cuja marca de atuação foi a não valorização de

espaços de interlocução participativos entre sociedade civil e poder municipal, optando

pelo diálogo direto com a população. Segundo LEAL (2004) essa administração

representou um retrocesso na medida em que não deu segmento à lógica do governante

anterior procedendo a um verdadeiro desmonte dos programas e projetos em curso. Isso

ocorreu também pela fragilidade dos movimentos populares naquele momento, cuja

experiência de relação governos e sociedade civil estava apenas começando.

(MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

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43

5.4 PARTICIPAÇÃO PELA VIA DO PROGRAMA PREFEITURA NOS BAIRROS E

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

O retorno de Jarbas Vasconcelos (1993/1996) à Prefeitura do Recife em uma

nova conjuntura política, tanto no âmbito nacional como local, traz mudanças nos

conteúdos do relacionamento entre sociedade e gestor público. No âmbito nacional se

fortalece uma visão neoliberal e no âmbito local assiste-se a uma desarticulação do

campo das esquerdas, cujos resultados se expressaram em uma eleição marcada por

diferentes frentes e articulações partidárias.

A novidade nessa segunda gestão foi à incorporação ainda no percurso da

campanha política, dos setores médios e uma parte do empresariado local, os quais

tiveram forte influência na elaboração do programa e na montagem do governo. Essa

postura contrastava de certa forma, com a sua gestão anterior na qual o segmento

popular teve mais incidência na montagem da equipe de governo e no programa

(MONTENEGRO; AMORIM; SILVA, 1988; LEAL, 2003).

A forma de relacionamento com as comunidades continuou sendo por meio do

PPB, que tinha a mesma dinâmica de funcionamento com a realização de plenárias que

contavam com a presença da população e representes público municipal. As plenárias

tinham como objetivos fortalecer a prática da participação popular na cidade do Recife,

pela via da definição das políticas municipais, contribuição na elaboração do orçamento

e no controle da administração pública, além da promoção de atividades de caráter

pedagógico, que buscavam incentivar os cidadãos a intervir positivamente nos rumos de

sua cidade (LEAL, 2003).

A novidade dessa gestão foi a implantação em 1995 do Programa Orçamento

Participativo que passou a ser denominado OP/PPB, buscando relacionar ou mesmo

avançar para além do que havia sido construído no PPB. A implantação do OP/PPB

acontece em um momento de popularização da experiência exitosa da Prefeitura de

Porto Alegre, comandada à época pelo PT e iniciada em 1989, transformada em

referência de participação nacional e internacional, cujos resultados apontavam para a

construção de metodologias participativas e mais interferência na distribuição de

recursos, ancoradas na compatibilização de investimentos às demandas da comunidade

(RIBEIRO; GRAZIA, 2003; BARBOSA, 2003).

No caso do Recife a implantação do OP visava contribuir para que os

investimentos planejados e regionalizados por cada RPA fossem orientados por critérios

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que ajudassem a aplicar os recursos de forma racional, considerando a capacidade

limitada de financiamento por parte do poder público municipal. Ao mesmo tempo se

pretendia reorientar o enfoque, relacionando às demanda com às prioridades definidas

(LEAL, 2003).

Uma mudança importante nessa nova lógica do programa, foi a transformação

da antiga divisão político-administrativa da cidade do Recife de 12 RPAs para 06,

buscando com isso contemplar os interesses das entidades e potencializar a intervenção

do poder público (LEAL, 2003).

Em 1997 assume a Prefeitura do Recife o prefeito Roberto Magalhães (1997-

2000), cuja centralidade do governo estava baseada em três orientações: a) consolidação

da democracia; b) a ampliação da cidadania e c) investimento na competitividade local

(BARBOSA, 2003).

No entanto, a gestão se caracterizou pela implantação de várias obras

estruturadoras com ênfases para a abertura de vias, construção de viadutos e o

fortalecimento do conglomerado turístico, primando por uma visão empreendedora da

Cidade. A expressão dessa visão se materializou na elaboração do Projeto Capital que

visava identificar zonas de oportunidades envolvendo parcerias entre o setor público e

privado (BARBOSA, 2003).

Segundo (BARBOSA, 2003), o Projeto Capital era um pacto pela cidade

envolvendo diferentes atores articulados em torno do ideário de levar o Recife a

disputar um lugar no ambiente das cidades globais e para isso a gestão procurou ampliar

o debate envolvendo acadêmicos, gestores públicos, empresários e organizações

populares. No entanto, a tentativa de implantar esse projeto, segundo o mesmo autor,

encontrou por parte de setores da sociedade fortes reações, especialmente dos

segmentos mais excluídos socialmente que haviam participado de experiências

participativas anteriores, que se sentiam desprestigiados por parte do gestor público e

não considerados nos seus espaços de representação.

Do ponto de vista da participação a gestão manteve o PPB/OP herdado da

gestão anterior ao mesmo tempo em que reafirmou no discurso o interesse de manter os

espaços democráticos até então instalados (BARBOSA, 2003).

O final desse período foi marcado por fortes tensões entre o gestor público e as

organizações de representações da sociedade civil, por várias razões, entre as quais

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ausência de diálogo e falta de prioridades traduzidas no desprestígio das instâncias

decisórias existentes na cidade (BARBOSA, 2003).

5.5 PARTICIPAÇÃO PELO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NOS DIAS ATUAIS

A entrada do PT (Partido dos Trabalhadores) no Recife entre os anos 2000 e

2004, capitaneada pelo Prefeito João Paulo, sinalizou para a construção de um novo

modelo de gestão buscando intensificar os formatos de participação, tendo no OP uma

forte centralidade com novas bases conceituais e metodológicas (BARBOSA, 2005).

A implantação do OP no Recife fortalece a ampliação desse tipo de experiência

no conjunto dos municípios brasileiros, na medida em que oferece as condições para

que a população possa definir a utilização dos investimentos públicos. A origem do OP

segundo Barbosa (2005) está ligada de um modo geral a alguns fatores importantes

como a implantação da Constituição Federal, a história de organização da sociedade

brasileira, que em muitos lugares passou a pautar o tema do controle do orçamento

público e os partidos de esquerda, que queriam governar considerando a participação

popular. Nessa direção, Avritzer (2003) ao analisar a experiência de Porto Alegre afirma

que o OP é o resultado das experiências dos movimentos sociais e da vontade dos

gestores em investir em um novo tipo de relação.

A importância desse mecanismo de participação fica evidente com os

resultados da pesquisa feita pelo Fórum Nacional de Participação Popular (FNPP),

publicada em 2003, que identificou que entre 1997 a 2000 mais de 130 municípios

implantaram experiências de OP independentemente de opções e cores partidárias

(RIBEIRO, GRAZIA, 2003; AVRITZER, 2003).

Tendo como tônica a radicalidade democrática, o novo governo tinha como

perspectivas a ampliação da relação entre sociedade civil e poder público, ampliando e

modificando de certo modo os formatos anteriores.

A expressão da importância desse mecanismo de participação na gestão do

Recife se evidenciou pela criação de uma secretaria específica para tratar do tema,

Secretaria de Orçamento Participativo e Gestão Cidadã (BARBOSA, 2003).

O Orçamento Participativo é um mecanismo de participação popular,

constituído enquanto parte da decisão governamental, para que qualquer cidadão ou

cidadã possa contribuir na organização do orçamento público local. Ou seja, visa a

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incluir a participação da sociedade na deliberação e definição de prioridades de uma

parcela do orçamento público municipal, normalmente aquela relacionada com

investimentos (TEIXEIRA, 2009).

Os orçamentos participativos, de modo geral, funcionam através de ciclos e o

Recife segue a mesma lógica. O ciclo do orçamento participativo possui fases diferentes

que envolvem a definição da metodologia que será utilizada no processo; a mobilização,

divulgação e a formação da população para participar; a realização de plenárias

regionais e temáticas onde são escolhidas as prioridades (TEIXEIRA, 2009).

Entre os anos 2001 e 2008 esteve à frente do poder público municipal o

Prefeito João Paulo, do PT, por dois mandatos consecutivos. A partir de 2009 assume o

Prefeito João da Costa dando continuidade ao OP, o qual ajudou a consolidar enquanto

Secretário responsável pela pasta na gestão do Prefeito anterior (BARBOSA, 2010).

5.6 PARTICIPAÇÃO NO PREZEIS

As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) surgiram como uma designação

da legislação urbana para as localidades com precariedade de serviços de infraestrutura

e serviços urbanos, ocupadas historicamente por uma população pobre geralmente

ameaçada pela instabilidade de uma posse da terra precária (MARINHO, 1999).

Uma ação importante do gestor público municipal nos anos 80, cujos

resultados acompanham a dinâmica da cidade no que diz respeito à participação e o

direito ao espaço urbano, foi o reconhecimento da existência de favelas no Recife, então

ausentes do mapa da cidade. Com isso foram criadas vinte e sete áreas consideradas

especiais, onde vivia uma parcela significativa da população, com forte carência de

habitação e infraestrutura urbana. Com a criação da Lei de Uso e Ocupação do Solo

(LUOS) em 1983, estas localidades especiais ganharam o status de ZEIS, obrigando o

poder público a efetivar melhorias voltadas para a urbanização e legalização fundiária

(LOSTÃO, 2001).

Ao mesmo tempo a LUOS divide a cidade do Recife em Zonas e para cada

uma delas cria índices e tipos de uso diferenciados. Para as ZEIS se definiu que eram

locais caracterizados por assentamentos habitacionais, constituídas por ocupações

surgidas espontaneamente e habitada por uma população de baixa renda, demandando

por isso intervenções do poder público, principalmente urbanização e regularização

fundiária (SOUZA, 2007).

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A criação das ZEIS e o seu reconhecimento na LUOS não garantiu a realização

de intervenções mais estruturadoras, o que resultaria em melhores condições de vida

para a população. O que ocorreu de fato foram ações voltadas para a construção de

projetos habitacionais em 03 ZEIS (Coque, Coelhos e Brasília Teimosa) com recursos

do PROMORAR (LOSTÃO, 2001;SOUZA, 2007).

Diante disso os movimentos populares começam a se organizar articulados

com um conjunto de organizações não governamentais (ONGs), coordenadas pelo

Serviço Comunitário de Justiça e Paz, na perspectiva de transformar essa proposta vaga,

em um projeto de lei que de fato regulamentasse as ZEIS. Depois de dois anos de

discussões é elaborado o Projeto que é encaminhado para o executivo municipal e, em

março de 1987, foi sancionada a Lei nº 14.947, que se convencionou chamar de Lei do

PREZEIS (LOSTÃO, 2001;SOUZA, 2007).

A Lei busca a urbanização e regularização fundiária de assentamentos

populares, como forma de assegurar a inclusão desses no planejamento urbano,

retirando-lhes o estigma de cidade informal (LOSTÃO, 1991; SOUZA, 2007). Com a

Lei se constituíam sessenta e seis ZEIS, sendo que em trinta delas foram instaladas as

COMULs (Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra).

No período entre os anos 1993 e 1996, foram criadas novas ZEIS, tanto por

solicitação das comunidades como por indicação do dirigente municipal, o que não

aconteceu mais nas gestões subsequentes. Também foi feita a revisão da Lei do

PREZEIS, momento em que se institui o Fundo do PREZEIS pela Lei nº 15.790/93. O

Fundo do PREZEIS é um instrumento da política urbana que permite a captação e

gestão de recursos para a urbanização das ZEIS (SOUZA, 2007).

No período entre 1997 a 2000 o PREZEIS segundo Souza (2007), apresentou

baixo desempenho na elaboração de projetos urbanísticos para as ZEIS, como também

disponibilizou poucos recursos para o Fundo do PREZEIS, cujo acordo político

definido em 1996 indicava a colocação por parte do poder público municipal, de quatro

milhões de reais, o que não ocorreu. Segundo Souza (2007), a execução do fundo, entre

1997-2000, compreendeu um valor médio 40% menor que o anteriormente estimado.

No período pós os anos 2000 assiste-se a uma forte polarização entre gestores,

organizações e lideranças comunitárias em função da centralização do OP em

detrimento do PREZEIS. Mesmo se observando um aumento da execução de ações nas

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ZEIS, a compatibilização entre as ações do poder público e o PREZEIS não foi pensada,

aumentando com isso o conflito entre as lideranças comunitárias e poder público.

Com a Lei, se constituíram sessenta e seis ZEIS sendo que em trinta e sete

delas existem COMULs instaladas. A operacionalização do PREZEIS acontece

embasada em um modelo de gestão participativa por meio da constituição das COMULs

nas próprias comunidades, de Câmaras Temáticas e GTS (Grupos de Trabalho) que são

espaços de suporte técnico às COMULS e do Fórum do PREZEIS. Tem como inovação

um sistema de gestão compartilhado composto por representação do Poder Público,

ONGs (Organizações não governamentais) e a população (SOUZA, 2007).

Como a comunidade de Caranguejo-Tabaiares é uma ZEIS e tem COMUL

instalada, ela participa tanto das reuniões da COMUL que acontecem na comunidade

como das reuniões do Fórum do PREZEIS que se realizam mensalmente na sede da

URB – Recife.

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6 A COMUNIDADE DE CARANGUEJO – TABAIARES NO

CONTEXTO NACIONAL E LOCAL

O Brasil é um país marcado pelas desigualdades sociais cuja expressão

histórica e amplamente conhecida se caracteriza pela forte concentração de renda e terra

nas mãos de poucos, comprovada nos dados de que os 10% mais ricos da população

brasileira concentram 75% de toda a riqueza do país, enquanto os 90% mais pobres

ficam com 25% desta riqueza. Além disso, convém salientar, que a riqueza no Brasil se

expressa territorialmente, com recortes de gênero e raça (POCHMANN, 2007).

Se esta desigualdade está presente em todo território nacional, ela se visualiza

no Estado de Pernambuco, cujos dados do IBGE (2010), informam que o Estado se

coloca em quinto lugar em números absolutos, com pessoas vivendo em aglomerados

subnormais, nome técnico utilizado para designar quem habita em favelas, ocupações e

comunidades com no mínimo 51 domicílios (IBGE, 2010). Recife, capital do Estado de

Pernambuco, possuía uma população, em 2010, de 1.537.704 com 109 aglomerados

urbanos nos quais estão presentes 102.271 domicílios irregulares. Além de concentrar

um grande número de pessoas, as aglomerações são populosa e geograficamente bem

definidas como é o caso da área de Casa Amarela (situada na zona norte da cidade),

considerada a sexta localidade em concentração de moradores em condições precárias

de vida no país (IBGE, 2010).

A cidade do Recife possui uma extensão de 219 km2 e é formada por morros

(67,4%), planícies (23,3%) e águas (9,3%) e, do ponto de vista geográfico, possui

noventa e quatro bairros divididos em seis RPAs, cuja divisão seguiu critérios

geopolíticos, a partir da compreensão de que a descentralização dos serviços e bens

públicos para junto da população traria mais possibilidade de acesso aos serviços (Plano

Plurianual Municipal – 2006-2009).

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Figura 1 – Mapa das RPAs – Região Político-Admistrativa do Recife.

Atlas Municipal do Desenvolvimento Humano – Recife. 2005

A Região Metropolitana do Recife por sua vez possui uma população de

3.693.177 habitantes, que representa 43% do Estado, distribuída em 14 municípios, que

juntos representam uma área de 2.766 km2,

cuja densidade populacional é de 1.207

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hab./km2

(censo demográfico 2010 - IBGE). Dos catorze municípios da RMR, dez

apresentam uma população inferior a 200 mil habitantes. Os quatro maiores núcleos

urbanos da região metropolitana são Recife, Jaboatão dos Guararapes Olinda e Paulista,

se conformando como de alta integração entre eles (IBGE, 2010).

Figura 2 – Mapa das cidades da Região Metropolitana do Recife

Atlas Municipal do Desenvolvimento Humano – Recife. 2005

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A expansão urbana ocorrida no Brasil tem similitudes com a situação atual do

Recife, com altos índices de pobreza e exclusão marcada pelas desigualdades sociais,

econômicas, com problemas ambientais, de saneamento básico. Dada à forma de

ocupação do seu território, como já foi visto anteriormente, e a consequente resistência

da população, o Recife destaca-se pela existência de favelas e conglomerados urbanos,

imbricados entre os bairros habitados pela classe média, marcando fortemente a

diferença entre cidade formal e informal tão característica do cenário de algumas

cidades brasileiras (RIBEIRO, 2004).

Assim em todas as áreas nas quais se concentra a população de maior poder

aquisitivo, também estão lá disputando o espaço, as ocupações ou áreas populares.

Deste modo, nenhum bairro está distante mais de 1,2 km das muitas ocupações, áreas

populares e favelas existentes na cidade, o que se pode inferir que Recife tem como

característica marcante a democratização do espaço urbano (MARINHO, 1999;

BITOUN, 2007).

Se a cidade do Recife tem se destacado pela infinidade de problemas urbanos

como já foi bem exposto ao longo desse trabalho, ela também tem sido palco da

resistência e organização dos setores populares, entendidos como aqueles que

organizam as suas lutas e conquistas em torno do acesso ao solo urbano e à moradia,

com vistas a sua permanência no espaço ocupado (SOUZA, 2007).

Além disso, Recife também teve ao longo de sua história, gestores públicos no

âmbito do poder local, preocupados em transformar demandas em ações de melhorias

públicas, por meio do diálogo e de constituições de arenas de interlocução.

É nesta perspectiva que se coloca a comunidade de Caranguejo-Tabaiares,

ocupada em terras vetadas pela legislação urbana e ambiental, imprensada entre prédios

e comércios, que experimentou nos últimos anos inúmeras tentativas de melhorias,

tendo como centralidade a criação ou mesmo participação em espaços de diálogos com

o poder público, notadamente PREZEIS e OP e a construção de um projeto de

desenvolvimento local sustentável, DELIS.

6.1 CARACTERÍSTICAS E CONTORNOS GEOGRÁFICOS E SOCIAIS

Caranguejo -Tabaiares é uma ZEIS, cujo processo de ocupação teve início por

volta de 1910, se intensificando a partir dos anos 70, influenciada pela evolução do

processo de ocupação urbana, como também por efeitos de migrações internas na

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cidade. A luta pela permanência na comunidade foi apoiada desde o início pela Paróquia

Nossa Senhora dos Remédios (ETAPAS, 1998).

Situada no delta do Capibaribe, a comunidade é formada por duas áreas

cortadas pelo canal do ABC, mas unidas pelo mangue e seus problemas comuns, sendo

uma denominada Caranguejo, pela abundância desse crustáceo e a outra Tabaiares, em

homenagem ao campo de futebol, Tabaiares Futebol Clube, ocupado na época pela

população. A comunidade está situada no centro-oeste da cidade do Recife, às margens

do rio Capibaribe em duas RPAs sendo uma na Ilha do Retiro (RPA4) e a outra no

bairro de Afogados a RPA 5 (ETAPAS, 2005).

A área em que a comunidade está instalada possui sete hectares de extensão,

muito próxima do centro do Recife, estando localizada nas imediações do Sport Clube

do Recife (Ilha do Retiro), FCAP (Faculdade de Ciências da Administração de

Pernambuco, da Universidade de Pernambuco – UPE), SEBRAE (Serviço de Apoio a

Micro e Pequenas Empresas) e várias empresas de comércio e serviços, com destaque

para o ramo de automóveis e para o polo médico (Ilha do Leite), compondo o cenário

com níveis de pobreza bastante acentuados (ETAPAS, 2005).

Do ponto de vista ambiental, a comunidade possui uma importante

biodiversidade com a presença de mangues, embora em um quadro de extrema

insalubridade. Neste aspecto, o rio Capibaribe desempenha papel importante na

sobrevivência da população, uma vez que a gamboa do seu braço morto recebe o

deságue de canais da região, possibilitando a drenagem do local com materiais

orgânicos, que abastecem os viveiros e estes por sua vez contribuem para a melhoria da

renda da população (FASE, 2004).

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Figura 3 – Mapa da comunidade de Caranguejo-Tabaires

Google Earth – editado por Leonardo Nunes. 2012.

Uma área de destaque na comunidade é a da Ilha do Zeca com vegetação

arbórea, possuindo uma extensão de 25 ha formada por manguezais sendo considerada a

última ilha sem construção no Recife. Por muito tempo foi palco de muitos conflitos

judiciais em torno da situação fundiária do terreno, como também a sua destinação,

inclusive pelo mercado imobiliário. Depois de várias manifestações públicas

protagonizadas pela comunidade e seus apoiadores, ela foi transformada em ZEPA

(Zona Especial de Preservação Ambiental) na administração do Prefeito João Paulo. A

transformação da Ilha em ZEPA poderia possibilitar a recuperação dos ecossistemas

locais e a manutenção de sua sustentabilidade. A Ilha do Zeca poderia vir a ser uma

Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) ou uma Área de Relevante Interesse

Ecológico (ARIE) (Decreto Municipal no 23.825, de 23/06/2008).

No entanto a degradação ambiental, as condições de habitabilidade, a

precariedade da infraestrutura urbana e a fragilidade dos serviços básicos compõem um

quadro de problemas graves que impactam negativamente as condições de vida da

população. Esta situação se evidencia mais fortemente nas moradias, construídas com

material improvisado em área non aedificandi (segundo a LUOS nº 16.676/96) nas

margens do rio ou do canal e sobre palafitas (ETAPAS, 2005).

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Figura 4 – Foto da comunidade de Caranguejo-Tabaires

ETAPAS, 2000.

Do ponto de vista da organização do espaço físico, constata-se que o acesso à

comunidade é bastante difícil, com ruas irregulares, uma elevada densidade de

ocupação, insuficiente ventilação (dada a forma como são construídas as residências),

deficiente mobilidade e ainda ausência de áreas verdes e de lazer (ETAPAS, 2005).

No que toca aos serviços públicos de uma maneira geral, observa-se que a

energia elétrica está presente na totalidade da comunidade, embora apenas 56% dos

domicílios estejam ligados legalmente ao sistema (DIAGONAL URBANA, 2004).

No item abastecimento d´água, o acesso é precário, mesmo que quase a

totalidade das casas esteja ligada à rede geral de abastecimento, uma vez que uma

parcela significativa não possui rede interna (DIAGONAL URBANA, 2004).

Com relação à coleta de resíduos, este serviço funciona com certa regularidade

e eficiência, com a contratação, por parte de uma empresa que presta serviço à

comunidade, de dois moradores que fazem o recolhimento cotidianamente do lixo. No

entanto, dada às condições físico-ambientais, as ruas estão sempre repletas de resíduos,

proveniente da atividade produtiva de catadores de material reciclável e o canal ainda é

depositário de materiais de toda ordem jogados pelos moradores livremente

(DIAGONAL URBANA, 2004).

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No que diz respeito ao acesso ao transporte coletivo, o fato de estar em uma

área de grande fluxo comercial e de serviços garante à comunidade a sua mobilidade,

podendo recorrer ao ônibus e ao metrô (FASE, 2004).

Com relação aos equipamentos públicos, a comunidade é atendida por duas

escolas públicas voltadas para o ensino fundamental e os demais anos escolares são

cobertos por escolas existentes no entorno. Quanto ao atendimento à saúde, a

comunidade possui um posto de saúde resultado de uma parceria entre o Instituto

Materno Infantil (IMIP) e a Prefeitura do Recife.

6.2 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DA POPULAÇÃO

A população de Caranguejo-Tabaiares é composta por cerca 3.433 habitantes,

representando 895 famílias, sendo 52% formada por mulheres e 49% por homens. Os

jovens e adolescentes têm um peso significativo no conjunto da população com 34%, e

ampliando-se a faixa para de 0 a 24 anos, o percentual passa a ser de 55,7% (ETAPAS,

2005).

Os dados socioeconômicos com relação à educação constatam uma baixa

escolaridade já que 80% das pessoas residentes encontram-se no ensino fundamental e

com percentuais importantes de analfabetismo, especialmente os chefes de famílias,

representando em torno de 23%. No que diz respeito à saúde, os moradores são

acometidos por doenças próprias da sua condição de vida e acesso precário aos serviços,

a exemplo de infecções respiratórias, verminoses e doenças de pele (GONÇALVES,

2011).

No que diz respeito à ocupação dos moradores, pesquisa realizada pelas ONGs

ETAPAS e Centro Josué de Castro, em 2003, apontava que a taxa de desemprego entre

os moradores era em torno de 29% da PEA (população economicamente ativa). Como

agravante, entre aqueles que estavam ocupados à época predominava as atividades

precárias caracterizadas pela instabilidade, irregularidade e baixa remuneração

(ETAPAS, CJC, 2004). A mesma pesquisa apontava para a existência de 142

empreendimentos populares formados por empreendedores e suas famílias, constituídos

como alternativas de geração de trabalho e renda e com impactos importantes na

economia local. Esses empreendimentos estavam voltados para os setores de comércio,

serviço e pesca, pertencentes a 15 ramos de atividades diferentes, sendo a maioria

voltadas para o preparo e ou venda de alimentos (ETAPAS, CJC, 2005).

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57

Dada a localização da comunidade às margens do rio Capibaribe e a existência

de mangues, houve uma proliferação de atividades voltadas para a pesca e a

carcinocultura. Tentando conhecer essa realidade foi produzido um levantamento pelo

Centro Josué de Castro no mesmo período, no qual se identificou a existência de 14

criadores e 24 viveiros de camarão, ao mesmo tempo em que se constatou o não

crescimento da atividade, em função da poluição do meio ambiente e a falta de apoio

técnico.

6.3 CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E O DELS

Como já foi analisada anteriormente, a concepção originária de desenvolvimento

esteve associada eminentemente ao econômico não considerando outras dimensões que

garantiriam uma melhoria efetiva na qualidade de vida das pessoas.

Esta constatação impulsionou a emergência de experiências compartilhadas que

dialogavam com outras dimensões para além do econômico, expressas em diferentes

metodologias de apoio ao desenvolvimento local como: DLIS (Desenvolvimento Local

Integrado e Sustentável), ABCD (Asset Based Community Development), GESPAR

(Gestão Participativa para o Desenvolvimento Local), entre outras

(KRONEMBERGER, 2011), tendo todas, como linhas orientadoras, a participação da

comunidade local na tomada de decisões, o desenvolvimento de ações continuadas de

planejamento, a articulação de entidades e recursos governamentais e não

governamentais, o apoio ao empreendedorismo comunitário entre outros. É nessa

perspectiva que se coloca o Projeto DELIS.

6.3.1 ANTECEDENTES DO PROJETO: A APROXIMAÇÃO COM A COMUNIDADE

A realidade vivenciada pelos moradores de Caranguejo-Tabaiares tem

instigado a busca de alternativas para resolver os seus problemas por meio da criação de

entidades locais, do apoio externo de entidades públicas e privadas, da constituição de

parceiras das mais variadas formas e o envolvimento em espaços de diálogo e

articulação.

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58

Figura 5 - Foto da Comunidade de Caranguejo Tabaiares

ETAPAS, 2000.

A aproximação mais estruturada com a comunidade se deu a partir de 1996,

quando a ONG ETAPAS foi convidada pelo SEBRAE, a realizar em parceria, um

trabalho social na comunidade. O SEBRAE estava se instalando vizinho à comunidade

e tinha interesse de conhecê-la e aproximar o relacionamento. Convém informar que o

convite se deu pelo fato de essa organização desenvolver há algum tempo ações na

comunidade.

O trabalho teve como foco a realização de um diagnóstico socioeconômico

aplicando a metodologia de pesquisa-ação uma vez que a ETAPAS tinha um grande

conhecimento no tema. Ao mesmo tempo foi feito um levantamento das organizações

locais existentes e entrevistados os seus representantes, de modo a conhecer o potencial

existente e possíveis perspectivas. Os resultados dessa pesquisa propiciaram um maior

conhecimento externo da comunidade, ampliando o leque de parcerias que viria se

incorporar ao longo de todo o processo de organização vivenciado em seguida pela

comunidade. Convém registrar que na época da pesquisa foram identificadas

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organizações de cunho mais político em defesa das causas locais e outras ligadas à

cultura, ao esporte e às diferentes crenças (ETAPAS, 1998; FASE, 2004).

6.3.2 IMPLANTAÇÃO DO DELIS

A partir de 1999 a comunidade de Caranguejo-Tabaiares começa a vivenciar a

experiência de implantação do Projeto DELIS, protagonizado por 17 ONGs e uma

agência de cooperação internacional, DED/SACTES2. O projeto surgiu da constatação

por parte desse conjunto de organizações, muitas delas já desenvolvendo ações efetivas

na comunidade, da necessidade de encontrar alternativas eficazes que promovessem o

desenvolvimento nessa área, buscando com isso se contrapor às ações setorizadas e

atomizadas até então existentes. Ao mesmo tempo o surgimento do projeto guarda uma

relação com o momento de crescimento de experiências de desenvolvimento local,

notadamente na segunda metade de 1990, que passaram a ser desenvolvidas, com vistas

a chamar a atenção dos atores e entidades constituídas, dos problemas cotidianos

presentes nos territórios (SILVEIRA, 2008).

A atenção se voltava para os entes locais, notadamente governos municipais,

pela compreensão que eles seriam agentes importantes no processo de desenvolvimento

local tanto pelo seu lugar na execução das políticas, como pela sua capacidade de

articular e mobilizar diferentes atores sociais e políticos (ZAPATA, 2008).

O projeto pretendia, na linha da concepção sobre desenvolvimento local,

articular outros atores de diversos setores sociais a exemplo de lideranças comunitárias,

ONGs, academia e instituições governamentais, para o desenvolvimento de ações

conjuntas na comunidade, com vistas à sustentabilidade e ao fortalecimento do tecido

social, visando à melhoria da qualidade de vida da população local (ETAPAS, 2005).

Nessa perspectiva as organizações buscavam:

a) elevar a eficácia e os impactos da intervenção por meio da

articulação com outros atores,

b) promover o diálogo sobre temas ligados às políticas públicas e

desenvolvimento local,

c) investir na formação de redes de articulação,

2 Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (SACTES), instituição de cooperação, à época com sede

no Recife.

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d) buscar complementaridade e integração dos projetos de

cooperação.

Desse modo, estava subjacente que o modelo de intervenção pensado seria

multidisciplinar e primaria pela interação entre as diversas dimensões da realidade

sociocultural, ambiental, científica, tecnológica, espacial, politico-institucional e

econômica (FASE, 2004).

A ideia de desenvolvimento local construída por esse coletivo, com a

participação das entidades comunitárias locais, era a de “Melhorar a qualidade de vida

da população local, através de ações articuladas garantido a sustentabilidade e o

fortalecimento da organização social local” (FASE, 2004).

Nesse sentido os princípios construídos e que nortearam este projeto foram o

desenvolvimento de ações estruturadoras, o compromisso com a qualidade e eficiência

das ações, a garantia da participação das organizações locais nas discussões, execução e

controle das propostas e o desenvolvimento de ações integradas (FASE, 2004).

Desse modo esta proposta estava ancorada na compreensão de que

desenvolvimento local é um processo que mobiliza pessoas e entidades visando a

melhoria da qualidade de vida da população em uma determinada localidade, o que se

articula com a ideia sustentada por Jesus (2007) da necessidade de um esforço

concentrado e concertado que valorize as potencialidades e os recursos existentes.

6.3.3 O DELIS, PRINCÍPIOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS

A implantação do projeto DELIS na comunidade de Caranguejo-Tabaiares,

para além do que já foi informado anteriormente, se deu na perspectiva da constituição

de um projeto piloto que pudesse ser expandido para outras comunidades, que tivessem

similitudes nas suas características e problemas. Desse modo o processo de escolha da

comunidade se deu obedecendo a critérios como o status de ZEIS, tamanho do

assentamento e o grau de precariedade existente.

O enfoque metodológico adotado primava pela participação direta, propositiva

e cotidiana da população, dos seus representantes comunitários e a busca de interação

com um leque amplo de parceiros no âmbito do projeto DELIS.

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Por outro lado estava explícita a ideia de que o projeto não seria uma ação

pontual, mas de longo termo, gerando ações continuadas envolvendo a mobilização e

articulação de diferentes atores presentes no território.

Nesta perspectiva, os objetivos e os princípios construídos, se articularam com

o conceito de desenvolvimento local, constituído a partir de um plano de ação voltado

para a melhoria das condições de vida dos habitantes de uma localidade, de modo

sustentável estimulando a ampla participação de todos os atores relevantes no processo

(PEDROSA; MACIEL; ASSUNÇÃO, 2007).

Nessa direção, foi construído um planejamento estratégico com a participação

ampla de atores envolvidos, no qual estavam implícitos os objetivos, os eixos temáticos,

os resultados e as atividades que orientariam os processos de execução e avaliação do

projeto (em anexo).

Os princípios que orientaram as atividades desenvolvidas no projeto estão nas

informações resumidas a seguir:

1- Desenvolvimento da Cidadania - que objetivava construir uma base

associativa forte e ampliada de modo a garantir a participação efetiva e

igualitária de homens e mulheres no desenvolvimento local. Para isso

foram produzidas informações didáticas cujos resultados se

transformaram em material de comunicação que foram estimuladores

da mobilização e articulação na comunidade em torno dos grupos

existentes e dos canais e espaços participativos;

2 - Regularização Urbanística - que buscava criar as condições de melhoria

na infraestrutura e ao mesmo tempo contribuir para fortalecer a luta

pelo acesso à posse da terra. Nesse particular o trabalho de maior peso

foi a elaboração do plano urbanístico envolvendo poder público,

entidades não governamentais e a população;

3 - Desenvolvimento e sustentabilidade ambiental - que pretendia uma

melhoria na qualidade do meio ambiente local por meio da criação de

uma cobertura vegetal, de condições satisfatórias com relação ao

destino do lixo e mudanças nas práticas da comunidade. Nesse sentido

foram realizadas atividades voltadas para a educação ambiental

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envolvendo principalmente o público formado por jovens e

adolescentes;

4- Desenvolvimento e Sustentabilidade Econômica - buscava criar as

condições necessárias para o desenvolvimento econômico sustentável,

considerando as vocações individuais bem como as atividades

econômicas locais e do entorno. A esse respeito, importantes atividades

de diagnósticos e pesquisas foram realizadas visando conhecer a

situação da comunidade para poder desenvolver ações de incentivo e

geração de trabalho.

Assim a dinâmica impulsionada durante a execução do projeto possibilitou a

realização de diferentes instrumentos de formação, mobilização e incidência pública

buscando angariar mais adeptos para as demandas e causas da comunidade, conforme

quadro sintético a seguir:

1- reuniões na comunidade com os moradores como forma de sensibilizar e

informar sobre projeto e seus desdobramentos;

2- reuniões ampliadas do DELIS envolvendo moradores, lideranças

comunitárias, organizações da sociedade civil, de modo a conhecer

opiniões, construir posicionamentos e estratégias frente aos projetos

apresentados e desenvolvidos na comunidade;

3- reuniões com gestores públicos na perspectiva de conhecer os projetos e

ações previstas na comunidade de modo a possibilitar uma melhor

assessoria à comunidade, por partes das ONGs envolvidas;

4- oficinas de formação e troca de experiências, a exemplo da “oficina

DELIS”, realizada em Porto Alegre durante o FSM (Fórum Social

Mundial de 2003), como forma de difundir e compartilhar a experiência

desenvolvida no Recife;

5- seminários de discussão e aprofundamento dos temas concernentes ao

desenvolvimento local;

6- audiências públicas sobre o projeto, suas demandas e desdobramentos.

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63

6.3.4 O DELIS E A RELAÇÃO COM OUTRAS FORMAS ORGANIZATIVAS

A implantação do projeto coincide com as eleições municipais ocorridas em

2000, cujos resultados levaram ao poder local, pela primeira vez no Recife, o Partido

dos Trabalhadores e, dadas as articulações, geraram-se grandes expectativas com

relação ao atendimento do conjunto das demandas construídas. Nesse período o tema do

desenvolvimento local passa a influenciar não somente as instituições internacionais

como as locais e isso se evidencia com a proposta do SEBRAE em âmbito nacional ao

lançar o Projeto para o Desenvolvimento Sustentável em Áreas Metropolitanas - URBE,

no final dos anos 90. O projeto piloto voltado para sete regiões metropolitanas do Brasil

pretendia ser uma estratégia de inclusão social por meio do estímulo à cooperação e à

geração de capital social endógeno nas comunidades urbanas (SEBRAE, 2003).

No Recife, como o SEBRAE já era parceiro do projeto DELIS e conhecedor da

realidade da comunidade optou por implantar esse projeto em Caranguejo-Tabaiares. O

projeto URBE entendia que a superação da pobreza e das desigualdades sociais só seria

alcançada a partir de uma maior consolidação da democracia, da participação efetiva e

articulada entre Estado, mercado e sociedade (SEBRAE, 2003).

Por conta das condições de degradação socioambiental, a maior e mais

importante demanda expressa em reuniões e encontros realizados com a comunidade era

a implantação de um projeto estruturante que passasse pelo saneamento básico e pela

urbanização; por isso foi elaborado um plano urbanístico cuja concepção e desenho foi

discutido integralmente com os moradores.

No momento de implantação do DELIS existia um conjunto de organizações

comunitárias bastante diversificadas, formada por entidades comunitárias, notadamente

a União de Moradores de Caranguejo e Campo Tabaiares, a Associação de Moradores

de Caranguejo-Tabaiares, o Clube de Idosos Unidos Venceremos e o Clube de Mães,

que passaram a ser interlocutores nas discussões em torno do projeto. Além dessas

havia entidades religiosas a exemplo da Paróquia Nossa Senhora dos Remédios, o

Centro Espírita João Batista, com forte engajamento na comunidade, e os grupos

culturais e esportivos, motivando e mobilizando os moradores para as suas atividades.

Existia ainda os espaços participativos constituídos pela COMUL que passou a ser um

espaço articulador das lutas da comunidade e o OP que naquele momento estava se

estruturando.

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7 MÉTODO

Este estudo foi desenvolvido a partir de um enfoque qualitativo uma vez que

este guarda uma relação mais harmônica com os objetivos e estratégias do presente

trabalho. Nesta sessão será apresentado o arcabouço metodológico utilizado, com ênfase

para a abordagem, o método de coleta dos dados, os sujeitos escolhidos e a forma de

análise utilizada.

7.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA DE APROXIMAÇÃO DA REALIDADE

Vários autores, como Minayo (1994) e Triviños (2009), apontam para a

importância do método como parte importante no processo de conhecimento de uma

determinada realidade social e como condição para a construção do conhecimento.

Nesta direção, Minayo (1994) reforça a importância de o método estar embasado em

pressupostos teóricos e metodológicos que visam ao final o atendimento dos objetivos

propostos. Neste sentido, a autora identifica na pesquisa um caminho que se inicia com

uma pergunta ou por um problema com uma questão e percorre uma trajetória

metodológica produzindo análises provisórias e novas perguntas.

Na mesma direção, Richardson (1999) afirma a importância de um arcabouço

metodológico que oriente o pesquisador desde o momento em que surgem as ideias

iniciais do estudo, passando pelo levantamento das informações até a conclusão,

enfatizando a importância da pesquisa como contribuição para a sociedade e para a

humanidade.

Tendo como referências de análise as experiências participativas realizadas no

ambiente urbano em diálogo com um projeto de desenvolvimento local, em uma

comunidade específica do Recife, considerou-se que a abordagem qualitativa seria a

opção mais adequada para a pesquisa uma vez que, segundo Minayo (2009), ela

responde a questões muito particulares, se preocupando com aspectos da realidade que

não são quantificáveis, buscando entender, portanto, o universo de significados,

motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes que não podem ser reduzidas a

construção de variáveis.

Reforçando essa compreensão Triviños (2009) aponta vantagens da pesquisa

qualitativa pelo fato de ela não seguir uma sequência tão rígida exigida pela pesquisa de

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caráter quantitativo indo na direção contrária. As vantagens, segundo o autor, estão na

coleta e análise dos dados que não seguem padrões estanques. As informações que são

coletadas são interpretadas e isso pode orientar a busca de novos dados.

7.2 COLETA DOS DADOS

O estudo foi desenvolvido dando ênfases para o uso combinado e articulado de

dois instrumentos de pesquisa, a entrevista semiestruturada e a observação direta.

Além disso, seguiu-se o seguinte caminho metodológico e cronológico: a)

revisão bibliográfica e documental relacionados ao objeto de estudo (TCCs,

Dissertações e Teses), b) coleta de material referente ao PREZEIS, OP, DELIS e grupos

locais, disponíveis nas ONGs, poder público, organizações comunitárias locais

(relatórios, publicações, textos, material visual); c) pesquisas clipping service nos

jornais de circulação local e outros que eventualmente tenham se referido ao tema; d)

análise documental do material coletado para se estabelecer relações com os conteúdos

teóricos e o objeto de estudo; e) elaboração dos instrumentos da pesquisa; f) submissão

do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da UPE; g) realização de pré-teste para

adequá-lo aos objetivos e resultados previstos; h) realização do trabalho de campo; i)

análise das entrevistas e das observações realizadas j) elaboração da dissertação

propriamente dita.

7.2.1 A ENTREVISTA

No geral, as entrevistas podem ser classificadas em estruturadas e não

estruturadas a depender do interesse de maior ou menor direção na busca das

informações desejadas; no entanto há também as entrevistas semiestruturadas, nas quais

os temas são organizados por meio de um roteiro que tanto orienta na obtenção dos

dados como estabelece uma maior interação entre o entrevistado e entrevistador

(MINAYO, 1994).

Na mesma direção Triviños (2009) entende que a entrevista semiestruturada

parte de certos questionamentos básicos, embasados em teorias e hipóteses que dizem

respeito à pesquisa e que oferecem alternativas de novas interrogativas, resultantes de

novas hipóteses que surgem a partir das informações produzidas pelos entrevistados.

Desse modo, o entrevistado é estimulado, dentro das questões postas pelo entrevistador,

a participar na elaboração e conteúdo da pesquisa (TRIVIÑOS, 2009).

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A opção desse estudo foi pela entrevista semiestruturada que, segundo

MINAYO (1994), oportuniza ao entrevistador maior mobilidade no trato dos temas e ao

entrevistado maior interação e expressão de suas ideias. Na mesma direção, Triviños

(2009), privilegia esse instrumento porque ele valoriza o papel do pesquisador e

possibilita que o pesquisado tenha liberdade e espontaneidade de se expressar

enriquecendo assim o próprio processo investigativo.

7.2.2 A OBSERVAÇÃO DIRETA

A observação é uma técnica de obtenção de informações utilizada, segundo

Minayo (1994), como complemento das entrevistas, permitindo ao pesquisador o

conhecimento de forma mais aprofundada da realidade social e o seu contexto.

A importância dessa técnica de aproximação da realidade, segundo Minayo

(1994), reside no fato de ela permitir conhecer uma infinidade de aspectos e situações

da realidade que não seria possível apenas por meio de questionários e perguntas. No

entanto, Laville & Dionne (1999) chamam a atenção que a observação como técnica não

é uma contemplação passiva da realidade, mas deve respeitar certos critérios, atender a

determinadas exigências. Portanto não deve ser uma busca ocasional mas relacionada

aos objetos da pesquisa claramente explicitados (LAVILLE & DIONNE, 1999)

Tendo esses pressupostos teóricos como referências, a observação direta nesse

estudo se deu através de contato “in loco” com os aspectos da realidade dos sujeitos

sociais que se queria conhecer por meio da presença em atividades relevantes, a

exemplo de reuniões, encontros, assembleias e plenárias que aconteceram no decorrer

do trabalho de investigação, cujos conteúdos das discussões tinham relação com o tema

do estudo.

7.3 LÓCUS E REFERÊNCIAS DO ESTUDO

Para dar conta dos objetivos presentes nesse estudo optou-se por centralizar a

pesquisa no Recife, tendo como lócus de investigação a comunidade de Caranguejo-

Tabaiares na execução do Projeto DELIS e como referências de análises os dois espaços

de participação PREZEIS e OP.

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7.3.1 O FOCO NA COMUNIDADE DE CARANGUEJO-TABAIARES

A definição pelo estudo focado na comunidade de Caranguejo Tabaiares se

explica pelo fato de a comunidade ter participado efetivamente desses espaços de

participação acima mencionados, buscando com isso, pela via democrática direta,

mudar as condições de degradação ambiental, de precariedade urbana e de ineficiência

dos serviços básicos que impactam negativamente na qualidade de vida da população.

7.4 SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos em três segmentos, todos com

conhecimento da comunidade ou tendo vivenciado as experiências participativas em

foco no período estudado. O primeiro é constituído por lideranças comunitárias

envolvidas nas tentativas ou na execução de intervenções participativas; o segundo,

formado por gestores públicos envolvidos, à época, nos processos participativos

desenvolvidos na comunidade; e o terceiro, constituído por técnicos e estudiosos dos

temas que tenham participado ou apoiado iniciativas desenvolvidas na comunidade

naquele período. Resultam, portanto, em três olhares diferentes: o primeiro marcado

pelo pertencimento à comunidade; o segundo pela participação do Estado por meio dos

técnicos de seus aparelhos administrativos; e o terceiro caracterizado pela intervenção

das organizações da sociedade civil ou interessados pela comunidade enquanto

estudiosos dessa realidade.

Para maior compreensão e garantia da não identificação dos entrevistados, os

segmentos foram apresentados, no capítulo que trata da análise dos resultados,

codificados com abreviaturas conforme disposição abaixo:

LC: Liderança Comunitária

GP: Gestor Público

ET: Estudioso dos Temas

TS: Técnico Social

Complementarmente, os sujeitos foram distinguidos em cada segmento

acrescentando-se à abreviatura número arábico a exemplo de LC1, LC2, etc. de modo a

facilitar a inclusão das falas no corpo da análise. Os depoimentos, reunidos por

segmentos e sujeitos, encontram-se no Apêndice.

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8 RESULTADOS E DISCUSSÕES - ANÁLISE DOS DADOS

Avançando nas questões postas anteriormente e orientando esta parte do

trabalho para a análise do material recolhido, convém recordar que o sentido

fundamental do estudo era analisar em que medida as experiências participativas

vivenciadas pela comunidade, especialmente aquelas com enfoque e relacionadas ao

projeto DELIS, contribuíram para fortalecer as organizações locais e para a promoção

de melhorias socioambientais na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Ao retomar as motivações, buscando confirmar ou refutar sob o olhar dos

entrevistados, a escolha da comunidade de Caranguejo-Tabaiares como espaço para

implantação de uma experiência participativa e o ambiente que se instalou no período

estudado, conclui-se que ele foi influenciado por várias razões. Uma primeira que

chama a atenção é que a escolha do local, para além da questão concreta já tão

enfatizada como grau de precariedade, se deveu ao seu potencial plural organizativo e as

possibilidades de construção de uma dinâmica que modificasse as condições

socioambientais e de vida daquela população como bem expressa a fala abaixo de um

técnico social entrevistado.

Caranguejo foi escolhida por ser um espaço de maior organização da

sociedade. Era Caranguejo e suas formas de organização existentes e

outras que viessem a se constituir no caminho, como entidades de

pescadores, jovens, mulheres, catadores, com representações de

espaços públicos. Lá se tinha a possibilidade de constituir uma

dinâmica a partir do local para reestruturar as condições de moradia,

de trabalho e de vida da população (Técnico Social-1).

A segunda foi motivada pela vontade e mesmo indignação, de um grupo de

entidades que queria chamar a atenção da sociedade, para aquela situação de

precariedade e descaso que vivia a comunidade, cuja expressão foi a criação de uma

alternativa de intervenção articulada com enfoque no desenvolvimento local sustentável,

reforçada tanto pelos técnicos sociais provenientes das organizações criadoras do

projeto quanto das lideranças comunitárias.

A infraestrutura precária, ou mesmo a sua ausência, instigava as

entidades e ao mesmo tempo mexia com a autoestima dos moradores e

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dos representantes comunitários. Era a falta de pavimentação, de

esgoto, de acesso a todos os serviços públicos como [a coleta do] o

lixo e isso mexia muito com eles. Para conseguir uma conquista em

Caranguejo-Tabaiares você tinha que lutar ainda mais em relação a

outras comunidades; lá tinha que lutar quatro vezes mais, ou seja, lutar

em uma comunidade é difícil, em Caranguejo-Tabaiares é sempre

mais difícil ainda; então o surgimento do DELIS veio a responder a

esse grande desafio (Técnico Social- 2).

O DELIS foi um sonho para a comunidade. O projeto tinha uma

função de manter as pessoas na comunidade, desenvolver o que tinha

de melhor na comunidade, resgatar a sua luta, trabalhar com os

pescadores, trabalhar com todos os grupos. Era um sonho que era

muito difícil de se realizar porque a ideia era deixar as pessoas no

mesmo lugar, fazer a urbanização, abrir vias sem remoção (Liderança

Comunitária-1).

A terceira tem relação com a conjuntura favorável à implantação de

experiências focalizadas, nas quais as discussões do Desenvolvimento Local ganharam

espaço, tanto nas esferas práticas como acadêmicas e mesmo na cooperação

internacional, com parcerias com entidades locais. Logo, a conjuntura favorecia a

execução de experimentos inovadores podendo ser articulados tanto pelo poder público

como pela sociedade civil e a comunidade se enquadrava nessa ambiência.

A implantação do DELIS na comunidade surge em um contexto em

que as entidades (ONGs) que atuavam com o tema do

desenvolvimento local ou que não atuavam, mas estavam se sentindo

empurradas a atuar. Existia uma rede de cooperação financeira que

trabalhava com as ONGs e que pautava para as ONGs, impulsionava

estas entidades a trabalharem com esse tema, ou seja, não bastava

trabalhar, por exemplo, o empreendimento, a cooperativa, mas

necessitava que o empreendimento e a cooperativa se preocupassem

com o desenvolvimento do entorno, com o local. Nesse ambiente a

cooperação internacional pautava para a gente este tema, o Brasil

pautava para gente esse debate (Técnico Social-3).

A motivação fortalece a concepção do Projeto DELIS que se efetivou

embasada em uma visão estratégica, no momento em que iniciativas desse tipo

ganharam corpo na sociedade, com enfoque no local, em contraposição às teorias

globalizantes e como oportunidade de experimentações mais próximas da realidade

concreta. A esse clima externo favorável acrescentou-se o ambiente político municipal,

com a ascensão ao poder publico local, de forças comprometidas com os setores

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populares, entendidas como portadoras de mudanças em situações históricas de

exclusão como era o caso. E nesse momento inicial parecia haver certa sintonia entre as

compreensões da sociedade e de setores do poder público, como se pode observar em

trechos da entrevista a seguir com um gestor público da época do projeto.

Naquele momento havia a ideia que a partir de um território na cidade

a gente iria avançando para criar novas dinâmicas a partir desse

território; essa era a ideia que a gente trazia de desenvolvimento local.

Isso eu acho que tem dois elementos que a gente pode refletir a partir

de Caranguejo. Para o desenvolvimento do território é fundamental a

vontade política do poder público. E no caso de Caranguejo-

Tabaiares essa vontade política se apresentou no momento em que a

gente começou a discutir o plano de construção das vias públicas de

transporte urbano como também a prioridade que foi dada ao projeto

Capibaribe Melhor (Gestor Público-1).

Desse modo constata-se que do ponto de vista da concepção operou-se no

Projeto DELIS, sobretudo por parte da sociedade civil, com um referencial teórico e

político de que, com a ascensão do governo municipal de esquerda, cujas articulações

envolveram diferentes segmentos, inclusive as organizações sociais, estavam dadas as

condições favoráveis para um projeto desse tipo que buscava a melhoria real das

condições de vida da população.

Aparentemente o contexto era favorável porque a gente estava para

ganhar um governo de esquerda; o contexto era favorável porque você

tinha gente da área de saúde, os postos de saúde envolvidos, você

tinha ONGs, você tinha o poder público, você tinha todos os

ingredientes e era impossível não dar certo aquela experiência. Além

disso, tinha as ONGs com competências diferenciadas, gente com

experiência no meio ambiente que era a FASE, gente com

competência em desenvolvimento urbano e participação popular que

era a ETAPAS, gente como o CJC com elementos do

desenvolvimento econômico e ainda tinha a regularização fundiária

com o SJP. Parecia que tudo estava perfeito; precisava haver uma

orquestração do poder público (Técnico Social-5).

A esse respeito convém assinalar que foram feitos contatos e articulações com

representantes do poder público, que acenaram positivamente para o apoio e

envolvimento nas ações do projeto. No entanto, no percurso, houve um retrocesso, cujas

justificativas foram várias desde a concepção, passando pela complexidade dos

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problemas, os compromissos anteriores assumidos com outras comunidades e ainda a

limitação dos recursos, conforme se observa nessa fala do segmento do poder público.

A gestão estava se instalando e tinha também muitas expectativas,

interesses e compromissos com as causas populares, em atender as

demandas e necessidades da população mais pobre. No decorrer se foi

tomando pé da situação, da máquina, como também foi se priorizando

a resolução dos problemas de forma coletiva, já que a cidade já tinha

espaços de participação e a gestão também estava criando um canal

amplo e democrático. Os problemas históricos do Recife não são de

hoje, vêm de longo tempo e os recursos são limitados; então tem que

se priorizar (Gestor Público-2).

Ainda a respeito da concepção, o projeto DELIS visava intervir de forma

articulada em um território, de modo a modificar as condições de vida da população,

cujas expectativas por parte de todos os atores envolvidos, estavam voltadas para a

centralidade no protagonismo do poder público municipal. E esta intervenção estava

calcada no diagnóstico de que precisava melhorar a infraestrutura urbana e fortalecer o

tecido organizativo local, uma vez que estas eram as características visíveis a serem

enfrentadas.

No entanto, com o passar dos meses e dos resultados concretos das

articulações, as compreensões e avaliações diferentes sobre a concepção prática do que

seria desenvolvimento local começaram a emergir trazendo tensões entre organizações e

poder público. Nessa discussão setores do poder público e mesmo estudiosos do tema,

quando perguntados, se posicionaram dizendo que as experiências de desenvolvimento

local teriam mais efeito se aplicadas em áreas que tivessem uma base organizativa forte,

com condições básicas de infraestrutura instalada. E que um projeto dessa magnitude

viria a potencializar e ampliar as conquistas, o que não era o caso da comunidade

Caranguejo-Tabaiares. Nessa visão estava implícita também, especialmente pelo gestor

público entrevistado, a necessidade de considerar a temporalidade de um governo e a

necessidade de mostrar resultados em um curto espaço de tempo político.

Esse movimento de investir em uma área carente é politicamente

correto e ajuda a provocar uma reflexão se a gente vai fazer

Desenvolvimento Local em uma comunidade que está minimamente

desenvolvida ou naquela que tem mais necessidade. Eu diria que

politicamente a gente deve investir naquela que tem mais dificuldades

e precisa de mais tempo. No entanto, o debate sobre Desenvolvimento

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Local não vai nessa direção, ele exige para a sua aplicação e

efetivação, um mínimo de condições dadas para poder se verificar os

resultados (Estudioso dos Temas-1).

Você pode investir muito em uma comunidade, mas se ela não tiver

minimamente uma capacidade de organização, de autoestima, de nível

educacional para valorizar o que tem, ela não vai dar a

sustentabilidade que outras que já estão em outro estágio dariam.

Outras que têm um nível de escolaridade maior, nível de renda maior

vão responder. E na hora em que eu sou governo, eu preciso escolher

essa que vai dar mais resultados com os investimentos feitos, pois há

cobranças da sociedade se o gestor fez ou não fez nada (Gestor

Público-3).

No entanto os defensores das experiências participativas como estimuladoras

de processos, notadamente os técnicos e organizações comunitárias, defenderam que um

projeto de desenvolvimento local como esse, deveria ser levado para onde estava o foco

dos problemas, ou seja, para uma área carente de tudo, onde o mínimo era ainda

ausente, como era o caso da comunidade e que isso demandava tempo.

Então, analisando Caranguejo-Tabaiares, a gente propôs fazer um

projeto de desenvolvimento local e aquele que era o capital da história

e ele podia dar certo naquilo que a gente vislumbrava, de um plano

urbanístico pronto, uma intervenção urbanística pronta que precisaria

de tempo, de 10 ou mais anos e em um nível de pobreza como aquele,

não somente pobreza física, mas falta de participação, de inserção nos

espaços de discussão, de decisão política, de comportamento (Técnico Social-2).

As avaliações por parte dos técnicos não governamentais envolvidos

identificam que a postura do poder público contribuiu, em certa medida, para gerar

frustrações na população em função do tamanho das expectativas criadas. Evidencia-se

nessas avaliações, que o poder público não tomou para si, a tarefa de responder às

demandas apresentadas, relegando de certa forma, a responsabilidade para a sociedade

civil que teve o mérito de iniciar o projeto.

Houve um mau dimensionamento do que seria criar expectativas na

população principalmente por parte do poder público. Se houve um

acordo entre sociedade civil e o poder público de entrar conjuntamente

na comunidade, é obvio que era papel do poder público entrar com a

execução de ações que eram muito importantes para a vida e para a

autoestima daquela comunidade. Mas o poder público justifica a sua

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saída pela falta de dinheiro. Na verdade houve uma previsão de

diagnóstico mau feito, houve falta de planejamento por parte do poder

público. Então o poder público entrou com a intenção. Ele entrou com

a intenção de fazer alguma coisa, mas sem dinheiro (Técnico Social-

4).

No entanto, convém assinalar que a respeito das frustrações e desistências do

projeto em função das expectativas não atendidas, foram apresentadas ponderações,

contrárias ao exposto anteriormente e até autocríticas, argumentando-se que as

frustrações não foram geradas somente pelo poder público; também foram geradas por

parte das organizações da sociedade civil atuantes na comunidade, que criaram também

expectativas e no momento em que o poder público fez outras opções, elas também

desistiram e ao final não foram para o confronto como talvez fosse o seu papel.

Nós sabíamos desde o início que esse projeto seria muito difícil; aí,

quando entra a esquerda e o Prefeito diz que Caranguejo-Tabaiares

não era prioridade, ao invés de a gente ir lá na frente para o confronto,

para o embate a gente desanimou, mas a gente também criou

expectativas. E aí foi uma desanimação mais nossa do que da

comunidade, fomos nós que desistimos e não a comunidade. Então, se

a esquerda não tivesse ido para o poder, certamente a gente tinha

continuado brigando e muito com o Prefeito eleito. Quando a gente

vende uma ideia e no meio do caminho a gente se desanima, é obvio

que a comunidade vai se desanimar e na hora em que ela se desanimar

(em qualquer projeto isso acontece), quem está animando a história

não pode desanimar. E foi o que aconteceu com a gente; naquele

momento a gente se voltou para a frustração e não para aquele

momento inicial que nos motivou (Técnico Social-3).

A partir do exposto pode-se fazer uma relação com o conceito de

desenvolvimento local, defendido por Jesus (2007), como esforço coletivo, concentrado,

envolvendo diferentes atores, visando à melhoria das condições de vida das pessoas, por

meio da ativação das potencialidades e efetivos locais. A partir das avaliações até então

colocadas, parece que isso não aconteceu nesta experiência, uma vez que um dos entes,

o poder público, não protagonizou o papel que lhe seria mais propício e para o qual teria

mais legitimidade, que seria o de articular atores em torno de um objetivo comum.

No que concerne à estratégia do projeto em diálogo com outras esferas

participativas locais, esta foi fortalecida com a orientação de que bastava ocupar os

espaços existentes e outros que viessem a se constituir naquele momento, para que o

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processo de mudança ocorresse. Nesse sentido a visão institucionalista foi incentivada,

na medida em que ao longo do desenvolvimento do projeto, ou mesmo nos processos

organizativos locais, as lideranças comunitárias eram estimuladas a participar dos

espaços de discussão, que dialogavam naquele momento com a comunidade

especialmente no PREZEIS por meio da participação no Fórum do PREZEIS e na

comunidade através da COMUL. Isso como forma de fortalecer uma articulação maior e

obter resultados mais positivos. Essa estratégia encontrou respaldo teórico na concepção

de que a participação da população em arenas democráticas e participativas são os

meios para que as ações dos governos se traduzam em ofertas de bens e serviços

compatíveis com as demandas sociais (MARINHO, 1999).

Eu comecei a participar de todas as reuniões na comunidade, na

COMUL que era o lugar de saber das informações, de decidir de fazer

a ponte com a Prefeitura. Tinha uma reunião na URB e outra na

comunidade e ali a gente debatia tudo, todos os projetos para a

comunidade passavam por ali (Liderança Comunitária-1).

No entanto, os resultados na relação com essas estratégias, ficaram aquém do

esperado, pelo fato de a comunidade não estar na ordem de prioridades da gestão recém-

empossada, que argumentava que os custos eram extremamente elevados para uma ação

dessa ordem, como também e principalmente, porque a centralidade da interlocução do

poder público era o OP, e não o PREZEIS, apesar de este ter mais história na

comunidade.

Caranguejo - Tabaiares, mesmo estando dentro do sistema PREZEIS,

não tinha força dentro e na ordem de prioridades da Prefeitura naquele

momento. Caranguejo-Tabaiares sempre esteve atrás e, mesmo dentro

da URB (Empresa de Urbanização do Recife), que gerenciava o

PREZEIS, com gente próxima à comunidade, que poderia reverter um

pouco essa distância, isso não ocorreu (Estudioso dos Temas-2).

Esse período marcou os primeiros anos da gestão e o OP tinha a centralidade

das ações do poder público, porque ele era a o “carro chefe” da administração. Essas

informações se comprovam nos dados obtidos junto à Prefeitura do Recife que apontam

que entre os anos 2001 e 2004, a participação da população nas plenárias do OP chegou

a números importantes como: 42.800, 67.100, 69.500 e 51.250 respectivamente,

mostrando onde estava concentrada a energia e a força de mobilização na cidade do

Recife (BARBOSA, 2005). No entanto deve-se considerar que mesmo que o poder

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público municipal não tivesse outras prioridades e outros focos participativos, como já

foi assinalado, foi destacado em todas as entrevistas que as metas para atingir os

objetivos esperados pela comunidade eram muito elevadas do ponto de vista

orçamentário, o que não desobrigava o poder público de buscar alternativas. Logo para

se conseguir atingir essas metas era necessário se negociar com um campo mais amplo

de relações sociais inclusive o PREZEIS. No entanto, aquele momento foi bastante

difícil para o PREZEIS, pois foi o período de maior conflito entre as lideranças

comunitárias, sejam elas participantes do PREZEIS ou do OP.

A gestão desconheceu o que vinha sendo construído antes na

comunidade e na cidade e colocou o orçamento como carro chefe da

gestão, esquecendo-se dos outros espaços, como o PREZEIS. A

primeira coisa que fez foi diminuir os recursos do PREZEIS, que eram

de quatro milhões e fez isso sem conversar com ninguém,

privilegiando o OP em relação ao PREZEIS, que já tinha história

consolidada na cidade. E isso acirrou a briga entre as lideranças,

inclusive trouxe divisão, pois muitas das lideranças participavam do

OP e do PREZEIS, trazendo grandes problemas para a organização da

comunidade (Liderança Comunitária-2).

O PREZEIS quando a gente começou a participar era o grande modelo

de participação popular. Antes, você tinha o “Prefeitura nos Bairros”,

que funcionava só com algumas lideranças e o PREZEIS era a grande

novidade de ter uma reunião na Prefeitura com os gestores e depois

voltar para discutir com a comunidade. Aí, quando o PT ganhou a

Prefeitura, o OP ampliou esta participação. O PREZEIS é muito difícil

do ponto de vista da participação por ter somente duas pessoas, ou

melhor, dois titulares e dois suplentes. O representante da COMUL

não consegue fazer muita coisa só. E também tem essa rivalidade com

o OP (Liderança Comunitária-3).

A própria Prefeitura não se entendia e as disputas no âmbito

governamental recaíram negativamente sobre Caranguejo-Tabaiares.

O diálogo começou na URB onde estava o PREZEIS e depois foi para

a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que naquele momento

era composta de técnicos que tinham maior compreensão da

problemática e se tornaram aliados da comunidade, mas isso não

reverteu positivamente para Caranguejo-Tabaiares (Estudioso dos

Temas-3).

E mesmo a estratégia de ocupar os espaços de participação como o PREZEIS

esbarrou nas próprias exigências da Lei do PREZEIS, que indicava que para realização

de melhorias na comunidade era obrigatório primeiro, ter COMUL instalada e depois ter

projetos urbanísticos elaborados e Caranguejo-Tabaiares tinha apenas a COMUL

instalada.

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Caranguejo nunca esteve totalmente nas prioridades do PREZEIS; de

um lado, porque não tinha projeto urbanístico e, por outro, porque o

volume de recursos para mudar aquela situação urbana era muito

grande e os recursos do PREZEIS altamente limitados (Técnico

Social-3).

Na perspectiva de apresentar alternativas, se o PREZEIS não poderia

capitanear um resultado positivo para Caranguejo-Tabaiares e se as melhorias passavam

por outro lugar, julgou-se que isso poderia ser possível por meio da participação no OP.

Desse modo, as lideranças comunitárias foram estimuladas e foram criadas as condições

estratégicas de ocupação do espaço do OP. Para isso houve mobilizações para a

participação nas plenárias, articulações para a escolha de delegados e a participação no

COP (Conselho do Orçamento Participativo) que em última instância define a aplicação

dos recursos o que não surtiu os efeitos esperados, conforme a visão das lideranças

comunitárias e técnicos sociais.

A gente decidiu que devia estar nesse espaço para ter melhorias e foi

feito um trabalho de mobilização para a comunidade ir para o OP,

para eleger os 10 delegados com as propostas de ação da comunidade

que era saneamento básico e moradia, demanda forte da população.

Era difícil mobilizar as pessoas porque elas não acreditavam, mas a

gente mobilizava. A gente chegou a ter gente no COP mas na hora de

decidir as coisas de Caranguejo sempre era a mesma coisa: o dinheiro

não dava, tinha que urbanizar a comunidade toda (Liderança

Comunitária- 3).

Essa estratégia não deu certo porque Caranguejo-Tabaiares entrou

nesse espaço muito tarde e quem é retardatário na sua estratégia

continuará retardatário e Caranguejo-Tabaiares entrou na vida ativa,

no embate, muito tardiamente. Uma obra não se define unicamente

pela nossa presença e sim pela nossa capacidade de argumentação e

propostas (Estudioso dos Temas-4).

Caranguejo não foi prioridade porque o poder público deu prioridades

a certas áreas que tinham grupos políticos envolvidos no OP, ou de

alguns grupos dentro do partido, que estava na construção do governo

municipal. Naquele momento Caranguejo-Tabaiares não tinha

nenhum grupo político lá no poder, depois algumas correntes foram se

aproximando e criaram legitimação política. E aí, sim, Caranguejo-

Tabaiares passou a fazer parte das prioridades de determinados grupos

políticos e passou a participar do OP, mas mesmo assim nada foi feito

pela comunidade nesse momento (Liderança Comunitária-4).

Há um elemento dificultador no caso da comunidade na relação com a

participação no OP que é o fato de ela pertencer a duas RPAS, o que demanda um

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especial processo de articulação entre as lideranças das duas localidades, bem como a

construção de propostas previamente articuladas de modo a não criar e incentivar a

divisão, o que nem sempre foi possível.

Além desse, outro agravante foi identificado na estratégia de ocupação dos dois

espaços de participação: a relação entre o tamanho das necessidades e os valores de

recursos disponíveis nesses espaços. Como já foi informado anteriormente, as questões

da comunidade exigiam a realização de obras estruturantes, especialmente saneamento

básico e urbanização. Desse modo, a participação tanto no PREZEIS como no OP não

surtiram os efeitos desejados, justamente porque os valores disponibilizados nesses

lugares eram reduzidos, em comparação ao tamanho dos problemas e soluções

esperadas, mesmo em uma comunidade pequena como Caranguejo-Tabaiares. Vale

salientar ainda que além desses houve outros problemas relativos ao formato e natureza,

pois o PREZEIS tem uma ação mais focalizada, porém com poucos recursos e o OP

busca olhar para o conjunto da cidade, porém com ações atomizadas, não estruturantes e

com recursos infinitamente menores na relação com a demanda.

Para a participação no OP teve uma questão muito negativa, pois

aquela comunidade pertence a duas RPAS, então, ela já fica dividida.

Então para viabilizar alguma coisa a comunidade tem que está no OP

da Rpa4 e da Rpa5 e a outra questão é que os problemas de

Caranguejo são por demandas estruturantes e por serem estruturantes,

elas não vão se valer de ações que passam pelo PREZEIS e pelo OP

porque são ações muito pequenas para as demandas que a comunidade

tem (Técnico Social-4).

Neste aspecto, uma solução que se apresentou pelo próprio poder público, foi à

possibilidade de inclusão da comunidade em uma ação mais estruturante e com mais

recursos, a exemplo do Projeto Capibaribe Melhor. O projeto, segundo dados oficiais,

visa promover a dinamização urbana e socioeconômica dos moradores residentes na

bacia do rio Capibaribe, situado à jusante da BR-101 até a Avenida Agamenon

Magalhães. O projeto deverá ser desenvolvido durante cinco anos e envolve recursos da

ordem de 46,8 milhões de dólares, sendo 70% financiado pelo Banco Internacional para

a Reconstrução e o Desenvolvimento. O projeto abrangerá 56.349 famílias, totalizando

225.396 habitantes, sendo que 116.224 moram à margem direita do rio Capibaribe e

109.152 residem à margem esquerda (URB, RECIFE; GEOSISTEMAS, 2011).

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O Projeto, de uma maneira geral, trata de uma conjugação de intervenções de

caráter urbanístico, ambiental e social, promovendo a requalificação ambiental da bacia

do Capibaribe, no perímetro do projeto e a redução da vulnerabilidade urbana e social

da população.

Na verdade a inclusão de Caranguejo-Tabaiares se deu pelo

compromisso da Prefeitura com a comunidade. No desenho original

não tinha; o projeto não chegava até ali em Caranguejo; ele chegava

em um determinado ponto do rio Capibaribe; não chegava até o

mangue. Mas, como tinha aquela ação lá de DELIS e uma proposta de

urbanização, optamos por incluir a comunidade. Sabíamos que o

Projeto Capibaribe Melhor não iria cobrir toda a necessidade de

urbanização daquela comunidade. O projeto é bem específico para

determinados espaços de Caranguejo-Tabaiares e não para a

comunidade toda (Gestor Público-1).

As discussões até esse momento centraram-se na participação associada à

emergência do capital social que tanto influenciou as concepções de desenvolvimento

local sustentável, entendida como cooperação, ajuda mútua e organização social

(SILVEIRA, 2008). Essa concepção influenciou fortemente o desenvolvimento do

projeto e as ações desenvolvidas, a partir da compreensão de que quanto mais

participação mais oportunidade de reversão das condições de desigualdades sociais

territoriais históricas como era o caso da comunidade e, portanto, mais resultados

positivos.

A partir das estratégias construídas e das dificuldades analisadas, adentra-se na

análise das razões do não atendimento às demandas propostas e os resultados

alcançados com as ações desenvolvidas em Caranguejo-Tabaiares. Uma primeira

questão que emerge é a constatação e de certa forma uma crítica à centralidade da ação

do projeto em torno do poder público. Apesar de o projeto DELIS ter como centralidade

a ampliação de um leque de parceiros, o que se manifestou nas entrevistas, é que ele

teve um foco muito forte no poder público municipal, como sendo esse ente o

responsável direto pelos problemas históricos vivenciados pela população e como o

interlocutor privilegiado para o êxito e fracasso do projeto.

Neste sentido direcionar toda uma estratégia para o poder público é no mínimo

temerário, uma vez que esta visão não se adéqua a uma concepção mais ampla de

desenvolvimento sustentável cuja indicação é a conjunção de forças sociais articuladas

em favor de um objetivo comum (BUARQUE, 2008).

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O projeto DELIS centrou todas as suas fichas no poder público. No

seu surgimento, ainda no governo de Roberto Magalhães, se supunha

uma relação de confronto, pelo fato de nós não acreditarmos que o

projeto iria para frente, pela própria postura do Prefeito e do seu

partido, de pouco diálogo com a sociedade. Depois veio a surpresa

com a vitória do PT e então se acreditou que tudo seria feito, que

haveria prioridade do governo. Se investiu tudo nessa ficha e não se

pode contar com um único ator, com uma única ficha. Outras

experiências, que se desenvolveram em outras comunidades com o

apoio do empresariado, talvez com um tom mais cultural e menos

político como era o caso de Caranguejo-Tabaiares, confirmam essa

necessidade de ampliar o leque de parceiros (Técnico Social-1).

Um outro bloco de análise vai na direção contrária, ou seja, para a efetivação

de ações de desenvolvimento local sustentável consideram que é necessário, entre outras

questões, uma boa articulação no território com diferentes atores, que por vezes inicia

ou estimulam os processos como foi o caso dessa experiência, mas evidenciam e

defendem a primazia da presença do poder público. Esta visão é ancorada na

importância da incorporação de forma ativa e propositiva dos governos locais, com a

sua capacidade de ampliação de parceiras incluindo as econômicas legitimando e

fortalecendo a institucionalidade necessária (ZAPATTA, 2008). Essa concepção dialoga

com o depoimento a seguir:

Não acredito que possa existir desenvolvimento local sem o

envolvimento de fato do poder público. A comunidade, as ONGs, a

academia têm um papel a cumprir de ajudar a população a se

organizar e a se capacitar, mas se não tiver o envolvimento político e

financeiro efetivo do poder público, para alterar a qualidade de vida da

população não vai ter projeto de desenvolvimento local que funcione.

No caso de Caranguejo-Tabaiares a sociedade civil fez todo um

trabalho de construção da proposta do projeto, de organização da

comunidade e o poder público até entrou na ideia, mas de forma

pontual, atendendo pequenas demandas isoladas (Estudioso dos

Temas-5).

Mesmo considerando visões e interpretações que apontam para maior ou menor

presença do ente público em ações de desenvolvimento local, como foi exposto

anteriormente, explicações e avaliações complementares emergem das entrevistas, para

a ausência de um projeto de grande envergadura na comunidade de Caraguejo-

Tabaiares, tanto por parte da sociedade civil quanto de gestores governamentais. As

questões centrais estão relacionadas ao tamanho e à complexidade dos problemas

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vivenciados pela comunidade, especialmente aqueles de ordem estrutural, o que exigiria

intervenções amplas e articuladas com um projeto de urbanização e legalização

fundiária. Também se alegaram problemas relativos ao pouco espaço existente na

comunidade, demandando a compra ou desapropriação de terras complementares para a

elaboração de ações de peso, como também a indisponibilidade de recursos vultosos

para atender ao tamanho dos problemas existentes.

O problema de Caranguejo-Tabaiares é muito complicado e requer

muitos recursos para resolver os problemas naquele lugar. E imagine

em uma cidade pobre como Recife qual a Prefeitura que iria colocar

uma quantidade de recursos daquela monta para alterar a qualidade de

vida de uma única comunidade? O problema de Caranguejo-Tabaiares

é que tudo lá tem que ser refeito; é como se a comunidade devesse ser

reconstruída (Gestor Público-5).

O projeto DELIS que teve a sua importância, mas como projeto ele

era muito caro e uma cidade com as dimensões e os problemas do

Recife fica difícil um gestor jogar recursos em uma área relativamente

pequena quando com aquele mesmo dinheiro se poderia fazer 10

vezes mais em outras áreas (Técnico Social-1).

Houve um impedimento do ponto de vista urbanístico para que o

projeto não fosse para frente. A área não possibilitava uma

reestruturação que garantisse uma qualidade de vida sob a ótica da

habitação. Era muito dinheiro para alterar aquela situação (Gestor

Público-2).

Parte do que não deu certo em Caranguejo-Tabaiares tem a ver com

as condições geográficas e físicas da comunidade que ocupou aquela

região nas condições insalubres. O fundamental em toda a discussão é

que as exigências para alterar a qualidade de vida ali eram muito

grandes do ponto de vista financeiro (Gestor Público-5).

No entanto, mesmo considerando esses limites, surgem avaliações que

reforçam e justificam as dificuldades dos governos frente aos recursos limitados e

inversamente proporcionais às demandas, cada vez mais crescente e outras que

identificam ainda um baixo investimento público frente às mudanças necessárias no

quadro de exclusão existente nas áreas pobres, como é o caso da comunidade em estudo.

Nesse aspecto, no que pese a importância da participação como prática do exercício da

cidadania e o estímulo de governos, provenientes de diferentes matizes ideológicas

como um indicador de que sociedade pode ter mais interferência nas discussões

públicas, isso por si só não garante que as políticas se efetivem.

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Não se pode olhar uma comunidade isolada. Recife tem 1.500 mil

habitantes e aproximadamente perto de 700 mil pessoas vivem

precariamente. Para urbanizar todas as áreas precisaria de uma forte

articulação de recursos que não se tem, pois os recursos precisam

viabilizar outras áreas da cidade (Gestor Público-3).

O poder público nunca priorizou de fato essas áreas pobres; então

nunca vai ter recursos para urbanizar o conjunto dessas áreas e isso

não é um problema isolado de Caranguejo-Tabaires. Se nos anos

áureos do PREZEIS quando ele funcionava, quando estavam lá todos

os atores para fortalecê-lo, o orçamento do PREZEIS nunca passou de

quatro milhões por ano. Quatro milhões, para um universo de 420

comunidades dentro das 66 ZEIS; não seriam suficientes nem para

uma (Liderança Comunitária-4).

Após à análise dos resultados advindos do processo organizativo empregado no

período de desenvolvimento do Projeto, busca-se nesse momento adentrar na avaliação

buscando identificar as melhorias concretas tanto no acesso a serviços, quanto na

formação e fortalecimento do tecido social comunitário. Nesse sentido, um aspecto que

se evidencia é que as reações e respostas estão mais voltadas para os avanços nos

processos que nos resultados e são dadas ênfases, especialmente por parte da sociedade

civil (técnicos, lideranças comunitárias e mesmo estudiosos do tema), em praticamente

todos os depoimentos, para a relação exaustiva entre o tempo gasto desde o momento da

necessidade publicizada, passando pelo processo de organização comunitária até a

realização de ações ou eventuais melhorias.

Como já foi informado anteriormente, o projeto DELIS se estruturou em eixos

principais voltados para a infraestrutura urbana, reforço da organização comunitária,

melhoria do meio ambiente e geração de trabalho e renda. Observa-se que o tema da

melhoria da infraestrutura urbana foi o que mais mobilizou e o que menos trouxe

resultados práticos. No entanto, foram identificadas conquistas por todos os segmentos

entrevistados, cujas respostas foram organizadas a seguir:

a) construção da escola pública municipal Mércia de Albuquerque;

b) criação do Centro Público da Economia Solidaria;

c) melhorias nas instalações do posto público de saúde local;

d) mobilizações em favor do meio ambiente e a transformação da Ilha do

Zeca em ZEPA (Zona Especial de Proteção Ambiental);

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e) estruturação da sede da associação de moradores que passou a centralizar

as lutas e a organização da comunidade em torno do DELIS e de outros

formatos organizativos;

Entre as conquistas citadas, o processo de mobilização para a construção da

escola pública municipal, a melhoria nas instalações do posto de saúde e a construção

do Centro Público da Economia Popular e Solidária aparecem com mais destaque entre

os depoimentos:

Já houve 03 escolas na comunidade; no entanto, nenhuma delas estava

funcionando no final de 1999 quando começou o projeto DELIS. As

três escolas eram pertencentes à Igreja Católica e foram desativadas

enquanto escola e cedidas para outras finalidades. Uma foi cedida aos

desabrigados das enchentes de 1994 e as outras duas foram

desativadas depois de 25 de dezembro de 1999 e ocupadas por

famílias sem casa. A chegada do DELIS fortaleceu o movimento por

uma nova escola municipal. A primeira ação foi encontrar terreno,

depois licitar a obra. A escola começou a ser licitada em 2002.

Durante o processo houve um problema entre a Prefeitura e a empresa

contratada e a obra foi paralisada, sendo retomada em 2004 e a escola

foi concluída em 2006 (Liderança Comunitária-6).

O Posto de saúde foi reconstruído, foi uma demanda levada ao OP na

rubrica reconstrução que foi uma demanda da comunidade. Se pensou

em colocar o posto de saúde no Centro Público, mas depois se viu que

se perderia um equipamento público. O IMIP paga a infraestrutura

(aluguel, água, luz) e a PCR entra com o pessoal (agente de saúde,

médicos com 2 equipes de saúde da família (Gestor Público-4).

O Centro Público de Promoção do Trabalho foi pensado para os

pescadores. Seria o local de uma cozinha comunitária onde as

mulheres venderiam as comidas e os pescadores e seus filhos teriam

um espaço para capacitação para separação mesmo do pescado (Liderança Comunitária-3).

Além das diversas tentativas de diálogo junto ao poder público municipal e

estadual, aparecem como conquista no percurso desse processo organizativo, iniciativas

mais abrangentes que buscaram trazer benefícios e projetar a situação da comunidade

para esferas internacionais. A experiência mais expressiva citada ocorreu com a

elaboração do relatório denúncia, sobre as condições de moradia no Brasil, feito para a

ONU. Em 2004 o Relator Especial da ONU pelo direito à moradia, o indiano Miloon

Kothari, visitou várias cidades do Brasil para conhecer a situação de violação do direito

à moradia e o Recife foi incluído nesse roteiro. O relator fez visitas a diferentes

comunidades pobres, além de ter participado de audiência pública organizada pelas

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entidades e movimentos sociais urbanos na Assembleia Legislativa de Pernambuco,

momento em que foram apresentadas diferentes situações de violação de direitos nas

comunidades e entregues documentos entre os quais o da comunidade de Caranguejo-

Tabaiares. No entanto, essa iniciativa, considerada importante por publicizar os

problemas da comunidade, surtiu pouco efeito prático em termos de atração de

investimentos para a comunidade, uma vez que o relator não visitou Caranguejo-

Tabaiares e, portanto, não presenciou as precárias condições de vida e moradia da

população.

Para a audiência na Assembleia Legislativa, as ONGs prepararam um

documento denúncia com as condições não dignas de moradia. A

vinda do relator publicizou a situação de Caranguejo-Tabaires. O

relator levou os relatórios apresentados pelas comunidades para a

ONU. Foi uma oportunidade de fazer uma denúncia pública e

apresentar a situação de Caranguejo-Tabaiares. E acho que, enquanto

conquista para a comunidade, essa oportunidade foi positiva e o poder

público pelo menos balançou. A realidade era impactante e foi para a

ONU. No entanto, a situação de Caranguejo-Tabaiares foi abafada

pela situação mais precária que ele viu na Vila Imperial. Quando ele

mandou a devolutiva, ele colocou que as condições que ele viu,

especialmente na vida Imperial, eram sub-humanas. Como ele não

visitou Caranguejo-Tabaiares, as condições de Vila Imperial para ele

foram as mais graves. Imagine se ele tivesse visto as palafitas, as áreas

mais degradadas, os becos apertados, ele sairia também impactado. Se

ele soubesse que a morte de Neta, liderança comunitária, que ele

conheceu, que apresentou o documento de Caranguejo-Tabaiares na

Assembleia Legislativa, aconteceu porque ela foi limpar o bueiro na

comunidade e pegou leptospirose (Técnico Social-2).

Com relação aos resultados do ponto de vista do fortalecimento da organização

comunitária, as avaliações são bastante positivas. Um primeiro bloco traça um

diagnóstico apontando que antes dessas iniciativas coletivas, a prática das lideranças

comunitárias era marcada pelo isolamento e atomização e o projeto criou oportunidade

para que as lideranças se encontrassem, saindo do individualismo para pensar a

comunidade de forma coletiva e integrada. Outro bloco de análise, que de certa forma

avança no primeiro, identifica que o projeto contribuiu para a ampliação da organização,

criando oportunidades para a participação da população em espaços de discussão por

melhorias locais e uma maior inserção na discussão mais geral das políticas públicas.

Eu tenho algumas referências em relação à comunidade de

Caranguejo-Tabaiares. Nos primeiros contatos eu percebia que os

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representantes comunitários não tinham muito claro o seu papel,

líderes não tinham conhecimento do seu papel. Havia muita demanda

mas a luta deles era muito dispersa, a partir da luta particular de cada

grupo ou representações particulares. Eles não tinham clareza do que

seria uma luta coletiva. Eu percebia uma fragmentação. E também

existia as vaidades naturais de qualquer pessoa ou grupo; existia muita

dispersão, ingenuidade e carência de entender o caminho das pedras.

Aos poucos, algumas pessoas começaram a atingir um nível de

empoderamento interessante. Houve aqueles que despontaram como

líder e atingiram uma visão coletiva, de se reconhecer como cidadão,

ter uma visão coletiva (Estudioso dos Temas-5).

Eu sei que aquela população tem uma história de muito sacrifício,

porque tinha uma história de postura das pessoas de pouca

participação, de poucos resultados e de certa forma de muita disputa

entre as lideranças. Naquela área tinha uma influência de um poder

invisível, com a presença de políticos que traziam muitas disputas dos

interesses lá dentro. A luta para melhorar a vida na comunidade,

colocar um projeto de futuro, mostrar que aquela realidade podia

mudar se houvesse organização coletiva criou sangue novo e fez

surgir interesses por uma causa comum (Técnico Social-5).

A minha impressão na época, no início, era que Caranguejo-Tabaiares

era lugar sem muita união por parte das lideranças, mas que depois

surgiu um grupo de pessoas que puxava o processo de articulação

interna, com uma boa relação com as pessoas externas, com as ONGs,

com a cooperação internacional; que conseguia se relacionar bem com

essas organizações e que ajudou no processo de participação mais

autônoma, mais independente e que avançou (Gestor Público3).

A partir do exposto e aprofundando os aspectos positivos práticos, observa-se

que o projeto DELIS jogou um papel importante nas seguintes direções: na

disseminação da noção de direitos e portanto no incentivo para a busca da melhoria de

vida e comunitária, no estímulo ao trabalho articulado entre as lideranças na perspectiva

de trabalhar por um objetivo comum, no surgimento de novas lideranças, inclusive

incorporando o segmento formado por jovens e na introdução de temas e ações que se

traduziram em propostas.

Essa experiência levou para a comunidade o reconhecimento forte de

propriedade, das pessoas se sentirem indivíduos com direito e que

deve lutar por esses direitos e por melhores condições. O DELIS, com

toda a sua força, favoreceu a organização dos atores locais e fez com

eles compreendessem os seus direitos e que pudessem exigir esses

direitos (Técnico Social-4).

Como entraram muitos atores externos, eles trouxeram para a

comunidade muitas ações, ações sobre diferentes temas e propostas o

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que possibilitou a discussão de diferentes propostas sobre temas

ambientais, geração de renda, canais de participação, sobre direito,

gênero, educação ... Houve um investimento de muitos lugares e

favoreceu que a população tivesse acesso a coisas que não conheciam

e que estavam muito distante. Isso possibilitou que muitas pessoas

pudessem se envolver em diferente atividades (Liderança

Comunitária- 5).

Aproximou diferentes lideranças que há muito tempo não faziam

coisas juntas, obrigou de certa forma a aproximação, como também

trouxe outras lideranças que começam a aparecer que não eram muito

vistas (Liderança Comunitária- 2).

No entanto, todo esse avanço conquistado no primeiro momento do projeto

transformou-se, no entender de alguns entrevistados, em retrocesso, reforçando os

aspectos negativos diagnosticados no início e impactando na prática das lideranças

comunitárias, na medida em que, não havendo conquistas consistentes e esperadas, elas

se voltaram para os seus projetos individuais ou para ações pontuais, perdendo a ideia

do coletivo. Isso tudo, segundo essa concepção, trouxe rebatimentos negativos nos

processos de mobilização e expressão coletiva.

Tudo em Caranguejo-Tabaiares foi feito seguindo o que diz a

literatura, ou seja, que é importante estar organizado, que é importante

atuar coletivamente, que é importante ocupar os espaços de

participação para garantir intervenções, tudo isso foi feito lá; ou seja, a

cartilha foi seguida. A população começou a cobrar direito e não fez

isso individualmente, fez coletivamente, envolvendo atores externos e,

mesmo assim, pouca coisa se mobilizou; o que é muito negativo para

a comunidade e para as entidades que estavam lá. Ou seja, a cartilha

foi seguida, mas não se chegou a resultados concretos, que é o que

estimula as pessoas a estarem organizadas coletivamente, porque do

contrário elas vão atuar individualmente, a partir dos seus interesses e

vontades, que é o que aconteceu posteriormente (Técnico Social-4).

Essa avaliação de certa forma negativa, apresentada acima, não é consensual e

é contestada por outras visões que consideram que, no que pesem os poucos resultados

mensuráveis práticos desse processo, houve ganhos no curto prazo que vão acompanhar

a trajetória futura da comunidade, cuja centralidade está justamente na formação de

novas lideranças e organizações que continuarão no seu processo, demandando ações

por melhores condições de vida para a comunidade. E isso se evidenciou no surgimento

de novas experiências que foram desenvolvidas por organizações já presentes no

território ou por outras que surgiram ou se integraram ao processo. Isso de certa forma

foi contabilizado positivamente, mostrando que os formatos e as dinâmicas

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participativas parecem ter inspirado, estimulado e feito emergir outras ações na direção

da busca de alternativas de melhorias e fortalecimento do tecido organizativo local.

Lá surgiu um núcleo central que pensa a comunidade, que pensa o

desenvolvimento e isso é muito interessante. É um núcleo que envolve

jovens, que vieram de processos formativos; pessoas que vieram de

organização da luta pela posse da terra (Estudioso dos Temas-5).

Confirmando e avançando nessas afirmativas, duas experiências foram citadas

como resultados práticos do processo organizativo instalado, sendo uma voltada para as

discussões em torno do meio ambiente e outra focada no trabalho com jovens, tendo

sido esta última apontada como de forte conteúdo inovador.

A primeira experiência destacada foi voltada para o meio ambiente, realizada

em conjunto com a União de Moradores de Caranguejo-Tabaiares e pelas ONGs

ETAPAS, Centro Josué de Castro e FASE, na perspectiva de sensibilização do poder

público e da população local. O início de uma série de ações em torno desse tema se deu

com a realização de uma Oficina de Formação, no mês de julho de 2005, sobre “Meio

Ambiente e Direitos Humanos”, que contou com a participação de representações das

diversas instâncias de organização comunitária. Nesse momento, foi construído um

diagnóstico da situação ambiental de Caranguejo-Tabaiares, a partir das lideranças

comunitárias e de dados recolhidos de pesquisas secundárias sobre a comunidade.

Essa oficina subsidiou a realização da campanha “Meio Ambiente e Direitos

Humanos em Caranguejo-Tabaiares” que teve como objetivo publicizar a situação de

exclusão e negação dos direitos humanos e ambientais, vivenciados pela comunidade,

bem como mobilizar os moradores para pressão na garantia desses direitos. A campanha

buscou promover uma ação de caráter educativo na relação da comunidade com o lixo

produzido.

O processo da campanha culminou com a realização da Semana do Rio em

Caranguejo-Tabaiares, intitulada “Cuide do que é nosso, cuide do rio”, realizada no mês

de novembro de 2005, fechando um ciclo de discussões e debates. Essa experiência teve

sua avaliação positiva no que tange ao seu potencial organizativo, de mobilização e de

visibilidade.

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Essa experiência permite retomar as considerações feitas no tópico 2.4, em que

foi abordada a necessidade de uma melhor gestão do meio ambiente urbano observando-

se não apenas a preservação do ambiente natural, posição marcada no início das

discussões em torno do tema, mas considerando-se os aspectos relativos a melhores

condições de vida para a população que vive em áreas precárias e mesmo degradadas,

buscando-se a sua integração ao desenvolvimento e benefícios da cidade (SILVA,

2006). Desse modo o que está posto é considerar o meio ambiente preservado como

também aquele já modificado pela ação dos seres humanos, buscando-se a sua

recuperação e integração (REZENDE, 2003).

No entanto, como foi também mencionado no tópico 2.4, Maricato (2001)

alerta que em um quadro de necessidades e de criação de alternativas para atender às

diferentes demandas da população excluída, dificilmente serão resolvidos os problemas

ambientais sem a busca de solução de outros problemas correlatos, inclusive os de

acesso à moradia e infraestrutura urbana de forma adequada e articulada.

A segunda experiência enfatizada por muitos dos entrevistados e que apareceu

como ação mais estruturante no processo de organização da comunidade foi o trabalho

focalizado nos jovens, cujo resultado mais visível foi a montagem da biblioteca

comunitária.

Em 2004 foi feita uma visita da Faculdade de Ciências da Administração de

Pernambuco (FCAP) à comunidade para saber das suas necessidades, ao mesmo tempo

em que a Universidade expressou o desejo de contribuir por meio de sua especialidade

que é a educação.

Em 2005 a FCAP fez uma campanha de arrecadação de livros junto à

comunidade acadêmica, o que resultou na coleta de três mil livros para a implantação de

uma biblioteca no município de Igarassu. A biblioteca foi montada com 1.500 livros e

com aqueles que sobraram a FCAP teve a ideia de montar uma outra biblioteca indo

procurar a comunidade de Caranguejo-Tabaiares. A ideia foi levada, discutida e

aprovada pelas lideranças comunitárias e a biblioteca foi inaugurada ainda em 2005.

A biblioteca foi instalada em uma casa alugada e sustentada nos dois primeiros

anos, por ajuda do corpo técnico da Faculdade e outros apoios que contribuíram para o

pagamento de luz, água e aluguel. Ao mesmo tempo, foram treinados 08 jovens para

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gerir a biblioteca e para aprenderem a captar recursos, prevendo a sustentabilidade da

iniciativa. Os jovens também começaram a participar dos cursos de extensão da

Universidade melhorando o nível de escolaridade.

Hoje a biblioteca tem um leque de apoiadores e está, juntamente com o grupo

de Idosos Unidos Venceremos, construindo a sua sede própria.

A partir da situação socioambiental e localização geográfica de Caranguejo-

Tabaiares, buscou-se dialogar com o escopo teórico urbano relacionando-o com a

cidade do ponto de vista da sustentabilidade urbana, atualizando as discussões,

apontando os desafios, as ameaças e buscando identificar perspectivas, inclusive de

mobilização em torno do desenvolvimento local em novas bases. Desse modo,

relacionando essa parte do trabalho às discussões de ocupação, expansão e os rumos do

processo de desenvolvimento urbano dialogando com a comunidade estudada,

considerando que ela não está isolada e portando faz parte do contexto, observam-se

duas tendências que se confirmadas, pelo menos a primeira traria impactos para a

população em estudo, inclusive na sua divisão política e territorial.

Uma primeira é o crescimento da cidade e o adensamento das áreas centrais,

visível no processo de verticalização, levando à necessidade de ampliação para novas

áreas, atingindo populações pobres já consolidadas em áreas planas como é o caso da

comunidade em estudo; e a segunda é o adensamento das áreas periféricas atraídas para

onde estão os novos empreendimentos, como resultado do processo de crescimento do

Estado de Pernambuco.

Quem está estruturando hoje a superfície urbana e sobre qual modelo?

E a partir de quais recursos? O setor imobiliário cresce a olhos vistos

na cidade; a Lei dos 12 Bairros está restrita a uma parte da cidade; o

momento é de expansão e as áreas visadas serão aquelas com maior

potencial de acesso e Caranguejo-Tabaiares se encaixa nesse padrão.

Logo, aquela área está potencialmente ameaçada. Se antes a ameaça

era da sobrevivência pela insalubridade, pelas condições de vida, essa

ameaça passa a ser de outro tipo, silenciosa, mas muito forte e

articulada com os diversos interesses e conveniência de diferentes

atores (Estudioso dos Temas-1).

O que está acontecendo no entorno de Caranguejo-Tabaiares terá no

curto espaço de tempo forte impacto na comunidade e deveria ser

analisado o mais rápido possível pelas lideranças comunitárias e seus

apoiadores. A cidade precisa de obras para dar mobilidade urbana, a

margem do rio está ocupada cada vez mais por um padrão de

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construção de alto luxo, a estrada dos Remédios está saturada e o

clube Sport anunciou a desestruturação do estádio que será derrubado

para dar lugar a um shopping Center, com uma nova área de

atratividade de serviço e lazer; com isso a comunidade ganha um novo

contorno e estando situada em uma área de forte valorização urbana,

há, portanto, risco de desaparecer (Estudioso dos Temas-4).

A comunidade de Caranguejo-Tabaiares, conforme já foi assinalado ao longo

do estudo, está no entorno de grandes empreendimentos e na via da ampliação da

cidade. Recife é uma cidade de contornos geográficos pequenos e para responder a

necessidade de expansão, de mobilidade urbana, da construção de novas moradias, entre

outros, exigirá um processo de ampliação e a busca de novos espaços físicos. Nesta

direção parece importante a preocupação com o futuro daquela comunidade que poderá

ser impactada por processo de reordenamento no médio e longo prazo, agora com

formatos mais modernos e menos traumáticos do que no passado recente.

No momento parece que se assiste a um processo novo no que concerne à

ocupação do espaço urbano uma vez que a ocupação e desocupação se fazem de forma

bastante silenciosa. Se no passado as ocupações e remoções se constituíam como caso

de polícia, hoje envolvem supostamente processos mais avançados de negociação entre

as partes.

Eu tenho uma preocupação particular com as comunidades pobres que

estão situadas nas áreas planas, como é o caso da comunidade de

Caranguejo-Tabaiares. A minha preocupação é com a expulsão branca

dessa população, uma expulsão moderna do que era antes. Antes a

polícia chegava e derrubava as casas, os barracos; hoje não se faz mais

assim porque tem a Lei do PREZEIS, tem a imprensa que divulga

tudo. Mas hoje tem um problema que ninguém está atentando para ele;

é o interesse dos que têm dinheiro e chega nas comunidades para

negociar. Eles propõem melhorias, negociam, oferecem benefícios. E

essa negociação muitas vezes é feita com as lideranças comunitárias

que passam a convencer o restante dos moradores que aquilo é um

beneficio (Liderança Comunitária- 2).

Eu observo um crescimento da cidade de modo desordenado chegando

às comunidades planas, como já aconteceu com outras que foram

removidas. E isso é um perigo para as comunidades como

Caranguejo-Tabaiares, pela localização onde ela está, muito

valorizada pelo mercado imobiliário. E se isso acontecer dificilmente

estas áreas serão realocadas no entorno como indica, por exemplo, a

Lei do PREZEIS, inclusive pela ausência de espaços disponíveis

(Técnico Social-1).

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É importante enfatizar que alguns aspectos sobressaem-se nas entrevistas. Um

primeiro é a urgência de ações de organização e resistência da comunidade criando uma

sinergia e uma articulação com as outras áreas, organizações e com a cidade, cujo

caminho poderia ser a construção de um projeto de desenvolvimento local articulado, a

exemplo do que originou o presente estudo. A segunda é a preocupação que esse

processo ameace conquistas históricas como a Lei do PRESEIS, conforme foi lembrado

em algumas entrevistas.

A comunidade de Caranguejo-Tabaiares está em um entorno de

grande valorização e especulação imobiliária. Que outra área está em

um corredor de comércio e dos serviços como esta? Nesse sentido se a

comunidade não instituir condições de resistência plena de

permanência no local, em uma década aquele lugar vai sofrer um

processo clássico de transformação, cujo padrão de ocupação será de

classe média e alta com transformação do solo urbano e sua

regularização. Nenhum instrumento jurídico hoje está isento de um

ataque ameaçando a correlação de força na cidade. Eu digo isso

porque Caranguejo-Tabaiares é uma ZEIS, mas isso não é uma

garantia de sua permanência se não forem criadas as condições de

resistência propositiva por parte dos moradores, lideranças e seus

apoiadores (Estudioso dos Temas-4).

Relacionando os resultados das discussões feitas com a realidade da

comunidade estudada, que se encontra à margem dos benefícios e da atenção do poder

público, conclui-se, conforme já foi assinalado anteriormente no corpo do trabalho, que

o diagnóstico dos problemas é por demais conhecido e, portanto, não é novo, nem de

simples resolução; no entanto, o que se configura como novidade é a tomada de

consciência da necessidade de solução de forma sustentável e nesse aspecto a

participação dos cidadãos e a opção dos gestores por fortalecer esse formato, aparece

como potencialidades importantes que devem ser fortalecidas (SILVA, 2006). Desse

modo o processo instituído serviu como catalisador para uma maior tomada de

consciência da comunidade local acerca dos seus problemas e soluções.

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9 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O presente trabalho buscou trazer para o centro das discussões o tema da

participação social expressa na constituição de espaços participativos envolvendo

sociedade civil e poder público, como uma possibilidade de mudanças no quadro

socioambiental da comunidade de Caranguejo-Tabaiares, na perspectiva do

desenvolvimento local sustentável. Essa proposta se configurou na avaliação do projeto

DELIS, tomado como referência de análise, uma vez que ele foi um marco no processo

de forte mobilização da comunidade.

Nesta perspectiva, o presente trabalho se materializou na construção de um

arcabouço teórico sobre as questões urbanas, a realidade socioambiental e as

experiências participativas no âmbito do território local, afirmando e confirmando o

pioneirismo existente na cidade do Recife na relação com as comunidades populares.

Esse ambiente foi favorecido com o surgimento de experiências mais duradouras, no

caso, o PREZEIS, presente desde os anos oitenta na realidade da cidade, como também

o OP, com larga história, implantado posteriormente em novas bases conceituais e

metodológicas.

A propósito não se pode deixar de enfatizar e reafirmar a importância da luta

empreendida pela população local, ao longo de sua história pela ocupação e manutenção

na área, cuja expressão significativa foi a sua transformação em ZEIS, garantindo certo

fôlego no seu processo de resistência.

No que diz respeito às experiências participativas, fica evidente, ao longo das

análises, a sua importância e a sua inovação, inclusive na relação com as práticas de

gestores públicos sensíveis à construção de relações mais igualitárias. No entanto,

ficaram evidentes as contradições, na medida em que o atendimento às demandas da

população não aconteceu na comunidade na velocidade e na urgência de suas

necessidades. Essas dificuldades se materializaram na justificativa, apresentada pela

Prefeitura, de que a cidade tem demandas históricas e num quadro de exclusão

significativo, como o da comunidade estudada, o tempo necessário para a sua resolução

ultrapassa o período de uma gestão pública.

No entanto, a análise profunda dos problemas socioambientais da comunidade

constatou que a situação é de bastante precariedade, dada as condições morfológicas e

geográficas, confirmando assim um quadro de desigualdades e mesmo de violação de

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direitos, complementadas pela atuação do poder público, marcada pela ausência de

estratégia e de planejamento de longo prazo e uma prática constituída pela omissão, por

iniciativas pontuais e inacabadas.

Por outro lado, fica evidente que o não atendimento às demandas da

comunidade, apesar de um quadro altamente favorável, dos pontos de vista político e

conjuntural, guarda uma relação com o tamanho e a complexidade dos problemas

vivenciados pela comunidade, exigindo intervenções estruturadoras, amplas e

articuladas com um projeto de urbanização e legalização fundiária. A comunidade tem

dimensões pequenas e a implantação de um projeto que realmente impactasse

positivamente na vida das pessoas, exigiria a compra ou a desapropriação de terras

complementares pelo poder público. Além disso, exigiria a disponibilização de recursos

vultosos e exclusivos para atender ao tamanho dos problemas existentes.

Há, no entanto dois outros elementos que emergiram das análises e avaliações

que complementam as justificativas para o não investimento na comunidade. Um

primeiro seria a pouca visibilidade pública que uma iniciativa como essa, de alto custo

financeiro, aplicado em uma comunidade pequena e de certa forma escondida

geograficamente, daria ao Poder Público e a segunda é que as ações estratégicas da

Gestão não passavam pela ação direta em uma comunidade específica, como

Caranguejo-Tabaiares e sim por um sistema de participação via OP que no geral traz

impactos visíveis, mesmo que insuficientes no conjunto das necessidades.

As estratégias de ocupação dos espaços existentes, protagonizadas e

incentivadas pelo DELIS, esbarraram em limites políticos e econômicos. No caso da

ocupação do OP, o fato de a comunidade pertencer a duas RPAs exigiria uma boa

articulação entre as lideranças locais para se chegar ao espaço público com propostas

consensuadas, o que nem sempre foi possível. Como se isso não bastasse, os espaços

disponibilizavam recursos insuficientes, cujos valores eram inversamente proporcionais

ao tamanho das necessidades da comunidade. A esse respeito, o aceno à resolução de

problemas da comunidade pela via da participação, em um quadro de poucos recursos,

apareceu muito mais como um problema do que solução.

Uma das conclusões a que se chega é que as experiências participativas se

revestiram de grande importância em relação aos aprendizados adquiridos, tanto com

relação às temáticas abordadas e incorporadas, como na experiência individual e

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coletiva aprendidas, mas elas foram pouco eficazes do ponto de vista concreto de trazer

mudanças das condições de vida da população.

Um aspecto adicional que deve ser considerado é que nesse período de forte

mobilização, houve ao mesmo tempo muitas críticas aos processos participativos no que

eles demandaram de exclusividade e dedicação de tempo, trazendo por vezes uma

sensação de cansaço por parte dos participantes. As críticas se relacionaram à

quantidade de reuniões envolvendo ou promovidas por diferentes entes de governo,

entidades da sociedade civil, realizadas diuturnamente, o que trouxeram impactos para o

planejamento individual e comunitário. No âmbito individual, no momento de forte

efervescência dos processos participativos na comunidade, havia quase que

exclusividade da dedicação de tempo por parte das lideranças para as causas

comunitárias, em atividades internas e externas. Essa sobrecarga de ações de certa

forma impactou negativamente na organização local, uma vez que ela afastava as

lideranças do cotidiano, o que dificultava o retorno para a comunidade dos resultados

dessas representações. E a expressão do cansaço identificado se colocou ao final

basicamente na relação com os resultados efetivamente alcançados, uma vez que em

todos os formatos participativos com os quais a comunidade se envolveu, o retorno foi

bastante limitado.

Apesar desse quadro aparentemente desanimador, pode-se concluir que todo

esse processo participativo se não teve como resultado a efetivação de demandas no

tempo certo da necessidade, ele foi importante para todos os segmentos envolvidos.

Para as lideranças e entidades comunitárias, identifica-se o surgimento de uma nova

prática participativa traduzida na aquisição de novos hábitos, expressos no interesse em

interferir na melhoria das condições socioambientais, na ampliação de conhecimentos e,

sobretudo, no exercício dos processos decisórios. Para as organizações da sociedade

civil e entes públicos, esse projeto possibilitou a experimentação de uma ação concreta

articulada e arrojada além do estabelecimento de diálogo e parcerias. Neste sentido, o

projeto DELIS mostrou-se importante na disseminação da noção de direitos, no

estimulo ao trabalho articulado entre as lideranças, no surgimento de novas lideranças,

no aprendizado do trabalho em parceria, além de ter introduzido um leque de ações e

temas possibilitando a discussão de diferentes propostas.

Por outro lado, não se pode deixar de concluir que esse processo trouxe como

resultado um quadro de desmobilização de parte das lideranças comunitárias e

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descrédito nas ações do poder público e, mesmo, em projetos dessa natureza, exigindo-

se ações de longo prazo para reverter essa situação. A esse respeito, o projeto e seus

resultados não contribuíram para o fortalecimento das organizações locais ajudando até

de certo modo para a sua não integração. Por outro lado, o ambiente participativo

instaurado propiciou o surgimento de novos segmentos especialmente os grupos

politicamente atuantes a exemplo dos jovens e adolescentes, organizados a partir da

Biblioteca Comunitária, cujas ações apontam para novas perspectivas.

Nesse sentido, considerando o quadro de baixa mobilização e buscando apontar

recomendações, talvez a alternativa viável fosse investir nos jovens e adolescentes,

considerando-se que eles despontaram como saldo positivo do processo organizativo

instalado com o DELIS, na medida em que parte deles realiza ações concretas, a

exemplo da Biblioteca Comunitária, e tem refletido sobre a sua própria condição

juvenil. O grande desafio talvez seja encontrar dinâmicas que articulem interesses

particulares temáticos com as lutas mais gerais pelo direito a melhorias estruturais

urbanas, incorporando diferentes atores sociais e políticos que possam mobilizar o

conjunto e trazer impactos reais na qualidade de vida local.

O Projeto DELIS, atualizado em novas experiências e formatos, tendo como

centralidade as discussões em torno de aspectos socioambientais relacionados com o

adensamento, verticalização ou projetos de mobilidade urbana no entorno da

comunidade e seus impactos, poderia ser reeditado. Ou mesmo a motivação em torno do

Projeto Capibaribe Melhor, que tem perspectivas de implantação na comunidade,

poderia ser um caminho para a retomada do processo de mobilização, porém os dois

caminhos são incertos dada a descrença existente na comunidade.

Nesse sentido, uma estratégia seria buscar organizar o tecido social a partir da

articulação das entidades locais existentes em torno dos temas citados acima,

relacionado-os com a sustentabilidade urbana, constituindo um Fórum com o objetivo

da formação, concertação e diálogo para retomar o processo implementado

anteriormente agora em novos formatos. E o segundo, considerando que Caranguejo-

Tabaiares é uma comunidade pequena e de certa forma invisibilizada. Para mobilizá-la

em torno de temas tão complexos e desafiadores como estes, seria necessária a

construção de relações com outras comunidades e com outros atores, pois, isolada, será

muito difícil angariar adeptos para se contraporem aos interesses tão díspares na luta

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pela conquista do espaço urbano. Isso tudo leva a concluir que, do ponto de vista da

participação, existe um longo caminho cujo momento é de invenção e reinvenção.

Isso tudo reforça a ideia discutida ao longo desse trabalho de que o alcance do

desenvolvimento sustentável requer a formação de lideranças ativas, o fortalecimento de

espaços democráticos, a implantação de novos modelos organizativos e a criação de

instituições, todos concatenados com uma visão integral e interativa com o meio

ambiente.

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REFERÊNCIAS

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101

APÊNDICE - DEPOIMENTOS DOS ENTREVISTADOS SEGUNDO OS SEGMENTOS DA AMOSTRA

Sujeitos Depoimentos

Técnicos Sociais

S - 1 “Caranguejo foi escolhida por ser um espaço de maior organização da sociedade. Era caranguejo e suas formas de organização existentes e

outras que viessem a se constituir no caminho, como entidades de pescadores, jovens, mulheres, catadores, com representações de espaços

públicos. Lá se tinha a possibilidade de se constituir uma dinâmica a partir do local para reestruturar as condições de moradia, de trabalho e

de vida da população” (Técnico Social-1).

“O projeto DELIS centrou todas as suas fichas no poder público. No seu surgimento, ainda no governo de Roberto Magalhães, se supunha

uma relação de confronto, pelo fato de nós não acreditarmos que o projeto iria para frente, pela própria postura do Prefeito e do seu partido,

de pouco diálogo com a sociedade. Depois veio a surpresa com a vitória do PT e então se acreditou que tudo seria feito, que haveria

prioridade do governo. Se investiu tudo nessa ficha e não se pode contar com um único ator, com uma única ficha. Outras experiências, que

se desenvolveram em outras comunidades com o apoio do empresariado, talvez com um tom mais cultural e menos político como era o caso

de Caranguejo-Tabaiares, confirmam essa necessidade de ampliar o leque de parceiros” (Técnico Social-1).

O projeto DELIS que teve a sua importância, mas como projeto ele era muito caro e uma cidade com as dimensões e os problemas do Recife

fica difícil um gestor jogar recursos em uma área relativamente pequena quando com aquele mesmo dinheiro se poderia fazer 10 vezes mais

em outras áreas” (Técnico Social-1).

“Eu observo um crescimento da cidade de modo desordenado chegando às comunidades planas, como já aconteceu com outras que foram

removidas. E isso é um perigo para as comunidades como Caranguejo-Tabaiares, pela localização onde ela está, muito valorizada pelo

mercado imobiliário. E se isso acontecer dificilmente estas áreas serão realocadas no entorno como indica, por exemplo, a Lei do PREZEIS,

inclusive pela ausência de espaços disponíveis” (Técnico Social-1)

Técnico Social

- 2

“A infraestrutura precária, ou mesmo a sua ausência, instigava as entidades e ao mesmo tempo mexia com a autoestima dos moradores e dos

representantes comunitários. Era a falta de pavimentação, de esgoto, de acesso a todos os serviços públicos como [a coleta do] o lixo e isso

mexia muito com eles. Para conseguir uma conquista em Caranguejo-Tabaiares você tinha que lutar ainda mais em relação a outras

comunidades; lá tinha que lutar quatro vezes mais, ou seja, lutar em uma comunidade é difícil, em Caranguejo-Tabaiares é sempre mais

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102

difícil ainda; então o surgimento do DELIS veio a responder a esse grande desafio” (Técnico Social- 2).

“Então, analisando Caranguejo-Tabaiares, a gente propôs fazer um projeto de desenvolvimento local e aquele que era o capital da história e

ele podia dar certo naquilo que a gente vislumbrava, de um plano urbanístico pronto, uma intervenção urbanística pronta que precisaria de

tempo, de 10 ou mais anos e em um nível de pobreza como aquele, não somente pobreza física, mas falta de participação, de inserção nos

espaços de discussão, de decisão política, de comportamento” (Técnico Social-2).

“Para a audiência na Assembleia Legislativa, as ONG prepararam um documento-denúncia com as condições não dignas de moradia. A

vinda do relator publicizou a situação de Caranguejo-Tabaires. O relator levou os relatórios apresentados pelas comunidades para a ONU.

Foi uma oportunidade de fazer uma denúncia pública e apresentar a situação de Caranguejo-Tabaiares. E acho que, enquanto conquista para

a comunidade, essa oportunidade foi positiva e o poder público pelo menos balançou. A realidade era impactante e foi para a ONU. No

entanto, a situação de Caranguejo - Tabaiares foi abafada pela situação mais precária que ele viu na Vila Imperial. Quando ele mandou a

devolutiva, ele colocou que as condições que ele viu, especialmente na vida Imperial, eram sub-humanas. Como ele não visitou Caranguejo-

Tabaiares, as condições de Vila Imperial para ele foram as mais graves. Imagine se ele tivesse visto as palafitas, as áreas mais degradadas, os

becos apertados, ele sairia também impactado. Se ele soubesse que a morte de Neta, liderança comunitária, que ele conheceu, que apresentou

o documento de Caranguejo-Tabaiares na Assembleia Legislativa, aconteceu porque ela foi limpar o bueiro na comunidade e pegou

leptospirose” (Técnico Social-2).

Técnico Social

- 3

“A implantação do DELIS na comunidade surge em um contexto em que as entidades (ONGs) que atuavam com o tema do desenvolvimento

local ou que não atuavam, mas estavam se sentindo empurradas a atuar. Existia uma rede de cooperação financeira que trabalhava com as

ONGs e que pautava para as ONGs, impulsionava estas entidades a trabalhar com esse tema, ou seja não bastava trabalhar, por exemplo, o

empreendimento, a cooperativa, mas necessitava que o empreendimento e a cooperativa se preocupassem com o desenvolvimento do

entorno, com o local. Nesse ambiente a cooperação internacional pautava para a gente este tema, o Brasil pautava para gente esse debate”

(Técnico Social-3).

“Nós sabíamos desde o início que esse projeto seria muito difícil; aí, quando entra a esquerda e o Prefeito diz que Caranguejo-Tabaiares não

era prioridade, ao invés de a gente ir lá na frente para o confronto, para o embate a gente desanimou, mas a gente também criou expectativas.

E aí foi uma desanimação mais nossa do que da comunidade, fomos nós que desistimos e não a comunidade. Então, se a esquerda não

tivesse ido para o poder, certamente a gente tinha continuado brigando e muito com o Prefeito eleito. Quando a gente vende uma ideia e no

meio do caminho a gente se desanima, é obvio que a comunidade vai se desanimar e na hora em que ela se desanimar (em qualquer projeto

isso acontece), quem está animando a história não pode desanimar. E foi o que aconteceu com a gente; naquele momento a gente se voltou

para a frustração e não para aquele momento inicial que nos motivou” (Técnico Social-3).

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103

“Caranguejo nunca esteve totalmente nas prioridades do PREZEIS; de um lado, porque não tinha projeto urbanístico e, por outro, porque o

volume de recursos para mudar aquela situação urbana era muito grande e os recursos do PREZEIS altamente limitados” (Técnico Social-3).

Técnico Social

- 4 “Houve um mau dimensionamento do que seria criar expectativas na população principalmente por parte do poder público. Se houve um

acordo entre sociedade civil e o poder público de entrar conjuntamente na comunidade, é obvio que era papel do poder público entrar com a

execução de ações que eram muito importantes para a vida e para a autoestima daquela comunidade. Mas o poder público justifica a sua

saída pela falta de dinheiro. Na verdade houve uma previsão de diagnóstico mau feito, houve falta de planejamento por parte do poder

público. Então o poder público entrou com a intenção. Ele entrou com a intenção de fazer alguma coisa, mas sem dinheiro”(Técnico Social-

4).

“Para a participação no OP teve uma questão muito negativa, pois aquela comunidade pertence a duas RPAS, então, ela já fica dividida.

Então para viabilizar alguma coisa a comunidade tem que está no OP da Rpa4 e da Rpa5 e a outra questão é que os problemas de Caranguejo

são por demandas estruturantes e por serem estruturantes, elas não vão se valer de ações que passam pelo PREZEIS e pelo OP porque são

ações muito pequenas para as demandas que a comunidade tem (Técnico Social-4).

“Essa experiência levou para a comunidade o reconhecimento forte de propriedade, das pessoas se sentirem indivíduos com direito e que

deve lutar por esses direitos e por melhores condições. O DELIS com toda a sua força favoreceu a organização dos atores locais fez com eles

compreendessem sobre direito e que pudesse exigir direitos” (Técnico Social-4).

“Tudo em Caranguejo-Tabaiares foi feito seguindo o que diz a literatura, ou seja, que é importante estar organizado, que é importante atuar

coletivamente, que é importante ocupar os espaços de participação para garantir intervenções, tudo isso foi feito lá; ou seja, a cartilha foi

seguida. A população começou a cobrar direito e não fez isso individualmente, fez coletivamente, envolvendo atores externos e, mesmo

assim, pouca coisa se mobilizou; o que é muito negativo para a comunidade e para as entidades que estavam lá. Ou seja, a cartilha foi

seguida, mas não se chegou a resultados concretos, que é o que estimula as pessoas a estarem organizadas coletivamente, porque do

contrário elas vão atuar individualmente, a partir dos seus interesses e vontades, que é o que aconteceu posteriormente” (Técnico Social-4).

Técnico Social

- 5

“Aparentemente o contexto era favorável porque a gente estava para ganhar um governo de esquerda; o contexto era favorável porque você

tinha gente da área de saúde, os postos de saúde envolvidos, você tinha ONGs, você tinha o poder público, você tinha todos os ingredientes e

era impossível não dar certo aquela experiência. Além disso, tinha as ONGs com competências diferenciadas, gente com experiência no

meio ambiente que era a FASE, gente com competência em desenvolvimento urbano e participação popular que era a ETAPAS, gente como

o CJC com elementos do desenvolvimento econômico e ainda tinha a regularização fundiária com o SJP. Parecia que tudo estava perfeito;

precisava haver uma orquestração do poder público” (Técnico Social-5).

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104

“Eu sei que aquela população tem uma história de muito sacrifício, porque tinha uma história de postura das pessoas de pouca participação,

de poucos resultados e de certa forma de muita disputa entre as lideranças. Naquela área tinha uma influência de um poder invisível, com a

presença de políticos que traziam muitas disputas dos interesses lá dentro. A luta para melhorar a vida na comunidade, colocar um projeto de

futuro, mostrar que aquela realidade podia mudar se houvesse organização coletiva criou sangue novo e fez surgir interesses por uma causa

comum” (Técnico Social-5).

Lideranças comunitárias

Liderança

Comunitária -

1

“O DELIS foi um sonho para a comunidade. O projeto tinha uma função de manter as pessoas na comunidade, desenvolver o que tinha de

melhor na comunidade, resgatar a sua luta, trabalhar com os pescadores, trabalhar com todos os grupos. Era um sonho que era muito difícil

de se realizar porque a ideia era deixar as pessoas no mesmo lugar, fazer a urbanização, abrir vias sem remoção” (Liderança Comunitária-1).

“Eu comecei a participar de todas as reuniões na comunidade, na COMUL que era o lugar de saber das informações, de decidir de fazer a

ponte com a Prefeitura. Tinha uma reunião na URB e outra na comunidade e ali a gente debatia tudo, todos os projetos para a comunidade

passavam por ali” (Liderança Comunitária-1).

Liderança

Comunitária -

2

“A gestão desconheceu o que vinha sendo construído antes na comunidade e na cidade e colocou o orçamento como “carro chefe” da gestão

esquecendo-se dos outros espaços, como o PREZEIS. A primeira coisa que fez foi diminuir os recursos do PREZEIS, que eram de quatro

milhões e fez isso sem conversar com ninguém, privilegiando o OP em relação ao PREZEIS, que já tinha história consolidada na cidade. E

isso acirrou a briga entre as lideranças, inclusive trouxe divisão pois muitas das lideranças participavam do OP e do PREZEIS trazendo

grandes problemas para a organização da comunidade” (Liderança Comunitária-2)

“Aproximou diferentes lideranças que há muito tempo não faziam coisas juntas, obrigou de certa forma a aproximação, como também

trouxe outras lideranças que começam aparecer que não eram muito vistas” (Liderança Comunitária-2).

“Eu tenho uma preocupação particular com as comunidades pobres que estão situadas nas áreas planas, pela chegada do setor imobiliário,

como é o caso da comunidade de CT. O setor imobiliário não quer investir por enquanto áreas de morros, talvez só daqui a muitos anos;

então quem mora aí está livre. Mas a minha preocupação é com a expulsão branca dessa população, uma expulsão moderna do que era antes.

Antes a polícia chegava e derrubava as casas, os barracos; hoje não se faz mais assim porque tem a Lei do PREZEIS, tem a imprensa que

divulga tudo. Mas hoje tem o problema que ninguém está atentando para ele; é o interesse dos que têm dinheiro e chega nas comunidades

para negociar. Eles propõem melhorias, negociam, oferecem benefícios. E essa negociação muitas vezes é feita com as lideranças

comunitárias que passam a convencer o restante dos moradores que aquilo é um beneficio” (Liderança Comunitária-2).

Liderança O PREZEIS quando a gente começou a participar era o grande modelo de participação popular. Antes você tinha a Prefeitura nos Bairros,

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Comunitária -

3

que funcionava só com algumas lideranças e o PREZEIS era a grande novidade de ter uma reunião na Prefeitura com os gestores e depois

voltar para discutir com a comunidade. Ai quando o PT ganhou a Prefeitura, o OP ampliou esta participação. O PREZEIS é muito difícil do

ponto de vista da participação por ter somente duas pessoas, ou melhor, dois titulares e dois suplentes. O representante da COMUL não

consegue fazer muita coisa só. “E também tem essa rivalidade com o OP” (Liderança Comunitária-3).

“O Centro Público de promoção do trabalho – foi pensado para os pescadores. Seria o local de uma cozinha comunitária onde as mulheres

venderiam as comidas e os pescadores e seus filhos teriam um espaço para capacitação para separação mesmo do pescado” (Liderança

Comunitária-3).

Liderança

Comunitária -

4

“Caranguejo não foi prioridade porque o poder público deu prioridades a certas áreas que tinham grupos políticos envolvidos no OP, ou de

alguns grupos dentro do partido, que estava na construção do governo municipal. Naquele momento Caranguejo – Tabaiares não tinha

nenhum grupo político lá no poder, depois algumas correntes foram se aproximando e criaram legitimação política. E ai sim Caranguejo –

Tabaiares passou a fazer parte das prioridades de determinados grupos políticos e passou a participar do OP mas mesmo assim nada foi feito

pela comunidade nesse momento” (Liderança Comunitária-4).

“O poder público nunca priorizou de fato essas áreas pobres, então nunca vai ter recursos para urbanizar o conjunto dessas áreas e isso não é

um problema isolado de Caranguejo-Tabaires. Se nos anos áureos do PREZEIS quando ele funcionava, quando estavam lá todos os atores

para fortalecê-lo, o orçamento do PREZEIS nunca passou de quatro milhões por ano. Quatro milhões, para um universo de 420 comunidades

dentro das 66 ZEIS; não seriam suficientes nem para uma” (Liderança Comunitária-4).

Liderança

Comunitária -

5

“Já houve 03 escolas na comunidade, no entanto nenhuma delas estava funcionando no final de 1999 quando começou o projeto DELIS. As

três escolas eram pertencentes à Igreja Católica e foram desativadas enquanto escola e cedidas para outras finalidades. Uma foi cedida aos

desabrigados das enchentes de 1994 e as outras duas foram desativadas depois de 25 em dezembro de 1999 e ocupadas por famílias sem

casa. A chegada do DELIS fortaleceu o movimento por uma nova escola municipal. A primeira ação foi encontrar terreno, depois licitar a

obra. A escola começou a ser licitada em 2002. Durante o processo houve um problema entre a Prefeitura e a empresa contratada e a obra foi

paralisada, sendo retomada em 2004 e a escola foi concluída em 2006" (Liderança Comunitária-5).

“Como entraram muitos atores externos, eles trouxeram para a comunidade muitas ações , ações sobre diferentes temas e propostas o que

possibilitou a discussão de diferentes propostas sobre temas ambientais, geração de renda, canais de participação, sobre direito , gênero

educação ... houve um investimento de muitos lugares e favoreceu que a população tivesse acesso a coisas que não conhecia e que estava

muito distante. Isso possibilitou que muitas pessoas pudessem se envolver em diferente atividades” (Liderança Comunitária-5).

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Estudioso dos temas

ET - 1 “Esse movimento de investir em uma área carente é politicamente correto e ajuda a provocar uma reflexão se a gente vai fazer

Desenvolvimento Local em uma comunidade que está minimamente desenvolvida ou naquela que tem mais necessidade. Eu diria que

politicamente a gente deve investir naquela que tem mais dificuldades e precisa de mais tempo, no entanto o debate sobre Desenvolvimento

Local não vai nessa direção, ele exige para a sua aplicação e efetivação um mínimo de condições dadas para poder se verificar os resultados”

(ET-1).

“Quem está estruturando hoje a superfície urbana e sobre qual modelo? E a partir de quais recursos? O setor imobiliário cresce a olhos vistos

na cidade; a Lei dos 12 Bairros está restrita a uma parte da cidade; o momento é de expansão e as áreas visadas serão aquelas com maior

potencial de acesso e Caranguejo-Tabaiares se encaixa nesse padrão. Logo, aquela área está potencialmente ameaçada. Se antes a ameaça era

da sobrevivência pela insalubridade, pelas condições de vida, essa ameaça passa a ser de outro tipo, silenciosa, mas muito forte e articulada

com os diversos interesses e conveniência de diferentes atores” (ET-1).

ET - 2 “Caranguejo - Tabaiares, mesmo estando dentro do sistema PREZEIS, não tinha força dentro e na ordem de prioridades da Prefeitura

naquele momento. Caranguejo-Tabaiares sempre esteve atrás e, mesmo dentro da URB (Empresa de Urbanização do Recife), que gerenciava

o PREZEIS, com gente próxima à comunidade, que poderia reverter um pouco essa distância, isso não ocorreu”. (ET- 2)

ET - 3 “A própria Prefeitura não se entendia e as disputas no âmbito governamental recaíram negativamente sobre Caranguejo-Tabaiares. O diálogo

começou na URB onde estava o PREZEIS e depois foi para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que naquele momento era

composta de técnicos que tinham maior compreensão da problemática e se tornaram aliados da comunidade, mas isso não reverteu

positivamente para Caranguejo-Tabaiares” (ET-3).

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ET- 4 “Essa estratégia não deu certo porque Caranguejo-Tabaiares entrou nesse espaço muito tarde e quem é retardatário na sua estratégia

continuará retardatário e Caranguejo-Tabaiares entrou na vida ativa, no embate, muito tardiamente. Uma obra não se define unicamente pela

nossa presença e sim pela nossa capacidade de argumentação e propostas” (ET-4).

“O que está acontecendo no entorno de Caranguejo-Tabaiares terá no curto espaço de tempo forte impacto na comunidade e deveria ser

analisado o mais rápido possível pelas lideranças comunitárias e seus apoiadores. A cidade precisa de obras para dar mobilidade urbana, a

margem do rio está ocupada cada vez mais por um padrão de construção de alto luxo, a estrada dos Remédios está saturada e o clube Sport

anunciou a desestruturação do estádio que será derrubado para dar lugar a um shopping Center, com uma nova área de atratividade de

serviço e lazer; com isso a comunidade ganha um novo contorno e estando situada em uma área de forte valorização urbana, há, portanto,

risco de desaparecer” (ET-4).

“A comunidade de CT está em um entorno de grande valorização e especulação imobiliária. Que outra área está em um corredor de

comércio e dos serviços como esta? Nesse sentido se a comunidade não instituir condições de resistência plena de permanência no local, em

uma década aquele lugar vai sofrer um processo clássico de transformação, cujo padrão de ocupação será de classe média e alta com

transformação do solo urbano e sua regularização. Nenhum instrumento jurídico hoje está isento de um ataque ameaçando a correlação de

força na cidade. Eu digo isso porque Caranguejo-Tabaiares é uma ZEIS, mas isso não é uma garantia de sua permanência se não forem

criadas as condições de resistência propositiva por parte dos moradores, lideranças e seus apoiadores” (ET- 4).

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ET- 5 “Não acredito que possa existir desenvolvimento local sem o envolvimento de fato do poder público. A comunidade, as ONGs, a academia

têm um papel a cumprir de ajudar a população a se organizar e a se capacitar, mas se não tiver o envolvimento político e financeiro efetivo

do poder público, para alterar a qualidade de vida da população não vai ter projeto de desenvolvimento local que funcione. No caso de

Caranguejo-Tabaiares a sociedade civil fez todo um trabalho de construção da proposta do projeto, de organização da comunidade e o poder

público até entrou na ideia, mas de forma pontual, atendendo pequenas demandas isoladas” (ET-5).

“Eu tenho algumas referências em relação à comunidade de Caranguejo-Tabaiares. Nos primeiros contatos eu percebia que os representantes

comunitários não tinham muito claro o seu papel, líderes não tinham conhecimento do seu papel. Havia muita demanda mas a luta deles era

muito dispersa, a partir da luta particular de cada grupo ou representações particulares. Eles não tinham clareza do que seria uma luta

coletiva. Eu percebia uma fragmentação. E também existia as vaidades naturais de qualquer pessoa ou grupo; existia muita dispersão,

ingenuidade e carência de entender o caminho das pedras. Aos poucos, algumas pessoas começaram a atingir um nível de empoderamento

interessante. Houve aqueles que despontaram como líder e atingiram uma visão coletiva, de se reconhecer como cidadão, ter uma visão

coletiva” (ET-5).

“Lá surgiu um núcleo central que pensa a comunidade, que pensa o desenvolvimento e isso é muito interessante. É um núcleo que envolve

jovens, que vieram de processos formativos, pessoas que vieram de organização da luta pela posse da terra” (ET-5).

Gestores Públicos

Gestor Público

- 1

“Naquele momento havia a ideia que a partir de um território na cidade a gente iria avançando para criar novas dinâmicas a partir desse

território, essa era a ideia que a gente trazia de desenvolvimento local. Isso eu acho que tem dois elementos que a gente pode refletir a partir

de Caranguejo. Para o desenvolvimento do território é fundamental a vontade política do poder público. E no caso de Caranguejo - Tabaiares

essa vontade política se apresentou no momento que agente começou a discutir o plano de construção das vias públicas de transporte urbano

como também a prioridade que foi dada ao projeto Capibaribe Melhor” (Gestor Público-1).

“Na verdade a inclusão de Caranguejo – Tabaiares se deu pelo compromisso da Prefeitura com a comunidade. No desenho original não

tinha; o projeto não chegava até ali em Caranguejo; ele chegava em um determinado ponto do rio Capibaribe; não chegava até o mangue.

Mas, como tinha aquela ação lá de DELIS e uma proposta de urbanização, optamos por incluir a comunidade.Sabíamos que o Projeto

Capibaribe Melhor não iria cobrir toda a necessidade de urbanização daquela comunidade. O projeto é bem específico para determinados

espaços de CT e não para a comunidade toda (Gestor Público-1).

Gestor Público “A gestão estava se instalando e tinha também muitas expectativas, interesses e compromissos com as causas populares, em atender as

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- 2 demandas e necessidades da população mais pobre. No decorrer se foi tomando pé da situação, da máquina, como também foi se priorizando

a resolução dos problemas de forma coletiva já que a cidade já tinha espaços de participação e o poder público também estava criando um

canal amplo e democrático. Os problemas históricos do Recife não são de hoje, vem de longo tempo e os recursos são limitados, então tem

que se que priorizar” (Gestor Público-2).

“Houve um impedimento do ponto de vista urbanístico para que o projeto não fosse para frente. A área não possibilitava uma reestruturação

que garantisse uma qualidade de vida sob a ótica da habitação. Era muito dinheiro para alterar aquela situação” (Gestor Público-2).

Gestor Público

- 3

“Você pode investir muito em uma comunidade, mas se ela não tiver minimamente uma capacidade de organização, de autoestima, de nível

educacional para valorizar o que tem, ela não vai dar a sustentabilidade que outras que já está em outro estágio dariam. Outras que tem um

nível de escolaridade maior, nível de renda maior vai responder. E na hora em que eu sou governo, eu preciso escolher por essa que vai dar

mais resultados com os investimentos feitos pois há cobranças da sociedade que o gestor fez ou não fez nada” (Gestor Público-3).

“A minha impressão na época, no início, era que Caranguejo-Tabaiares era lugar sem muita união por parte das pelas lideranças, mas que

depois surgiu um grupo de pessoas que puxava o processo de articulação interna, com uma boa relação com as pessoas externas, com as

ONGs, com a cooperação internacional; que conseguia se relacionar bem com essas organizações e que ajudou no processo de participação

mais autônoma, mais independente e que avançou (Gestor Público-3).

Gestor Público

- 4

“O Posto de saúde foi reconstruído, foi uma demanda levada ao OP na rubrica reconstrução que foi uma demanda da comunidade. Se pensou

em colocar o posto de saúde no Centro Público, mas depois se viu que se perderia um equipamento público. O IMIP paga a infraestrutura

(aluguel, água, luz) e a PCR entra com o pessoal (agente de saúde, médicos com 2 equipes de saúde da família” (Gestor Público- 4).

Gestor Público

- 5

“O problema de CT é muito complicado e requer muitos recursos para resolver os problemas naquele lugar. E imagine em uma cidade pobre

como Recife qual a Prefeitura que iria colocar uma quantidade de recursos daquela monta para alterar a qualidade de vida de uma única

comunidade? O problema de Caranguejo-Tabaiares é que tudo lá tem que ser refeito; é como se a comunidade devesse ser reconstruída”

(Gestor Público-5).

“Parte do que não deu certo em CT tem a ver com as condições geográficas e físicas da comunidade que ocupou aquela região nas condições

insalubres. O fundamental em toda a discussão é que as exigências para alterar a qualidade de vida ali eram muito grandes do ponto de vista

financeiro” (Gestor Público- 5).

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ANEXO - PROJETO DELIS – DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

Objetivo Geral

Qualidade de vida da população melhorada, através de ações articuladas, garantindo a sustentabilidade e o fortalecimento da organização social.

Eixos Temáticos Objetivos Específicos Resultados Atividades

1 Desenvolvimento da

Cidadania

Ter uma base associativa fortalecida e

ampliada garantindo a participação

efetiva e igualitária de homens e

mulheres no desenvolvimento local

Estratégias de mobilização da

comunidade construídas;

Reuniões mensais na comunidade para

divulgar, socializar e discutir os processos em

curso;

Produzir uma “versão popular” do Projeto

DELIS

1.2 Jovens e adolescentes participando

no processo de desenvolvimento local;

1.2.1 Elaboração e divulgação de um jornal

informativo sobre os acontecimentos locais,

assuntos políticos, culturais e esportivos;

1.2.2 Realização de um concurso para definir

o título e os conteúdos do jornal;

1.2.3 Realizar oficinas de comunicação e

mobilização comunitária..

1.3 Reflexões sobre as mudanças nas

relações de gênero no processo de

desenvolvimento local garantidas.

1.3.1 Realizar oficinas com as mulheres para

discutir sua visão sobre o bairro, a história do

bairro e sua situação de vida e as prioridades

para um desenvolvimento local;

1.3.2 Realizar oficinas com homens para

discutir sua visão sobre o bairro, a história do

bairros, a sua situação de vida e suas

prioridades para um desenvolvimento local;

1.3.3 Realizar oficinas com homens e

mulheres para divulgar e discutir o resultado

das oficinas das mulheres e homens.

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1.4. Desenvolvimento institucional

das entidades locais e sensibilização

para o desenvolvimento local

garantidos.

1.4.1 Desenvolver o conceito de

desenvolvimento local a partir de cursos e

oficinas;

1.4.2 Realizar cursos e oficinas de

desenvolvimento institucional com o enfoque

no desenvolvimento local sustentável

1.5 Identidade sociocultural do local

desenvolvida.

1.5.1 Incluir no jornal um projeto que trabalhe

a história do local

2. Regularização

Urbanística

Regularização Urbanística buscava criar

as condições de melhorias na

infraestrutura e ao mesmo tempo

favorecer o acesso à posse da terra.

2.1 Infraestrutura urbana melhorada

na base do plano urbanístico.

2.1.1 Realização do plano urbanístico;

2.1.2 Aprovação do plano urbanístico;

2.1.3 Elaboração de projetos executivos;

2.1.4 Iniciação a execução do plano

urbanístico;

2.1.5 Realização de cursos de capacitação

profissional em obras de infraestrutura

urbana;

2.1.6 Melhoria habitacional (Programa Casa

Melhor) com as casas não removidas;

2.1.7 Regularização fundiária da terra.

2.2 Infraestrutura educacional

melhorada.

2.2.1 Construção da escola municipal;

2.2.2 Construção da escola comunitária;

2.2.3 Construção da creche;

2.2.4 Realização de campanhas de educação e

mobilização popular.

2.3 Infraestrutura na área de saúde

melhorada.

2.3.1 Fortalecimento do programa de saúde da

família na comunidade;

2.3.2 Melhorar as condições atuais do posto

de saúde;

2.3.3 Realização de oficinas, cursos e

palestras da medicina alternativa e

alimentação alternativa.

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3 Desenvolvimento e

Sustentabilidade

Ambiental

Qualidade do meio ambiente do local

melhorada, através de uma cobertura

vegetal ampliada, de condições

satisfatórias relativas ao destino do lixo e

práticas alteradas da comunidade.

3.1 Replantada vegetação de mangue

devastada e plantadas novas árvores

na comunidade;

3.1.1 Garantir que o partido urbanístico

contemple no projeto executivo a viabilização

das áreas verdes públicas para o convívio e o

lazer;

3.1.2 Buscar parcerias para a implementação

do projeto;

3.1.3 Implementação de campanhas para

sensibilizar e envolver os moradores nas

ações do projeto.

3.2 Plantas medicinais são plantadas e

disseminadas na comunidade.

3.2.1 Implementação de atividades para

sensibilizar e envolver os moradores;

3.2.2 Constituir um grupo por mulheres e

jovens responsáveis pela implementação

desse projeto/ação;

3.2.3 Buscar parcerias e contatar instituições

para desenvolver essas atividades.

3.3 Reduzido o volume de lixo

lançado nos canais e áreas públicas da

comunidade.

3.3.1 Implantação de uma campanha

sistemática visando sensibilizar e mobilizar os

moradores;

3.3.2 Desenvolvimento de ações educativas

com o grupo de catadores;

3.3.3 Implementação de um programa

demonstrativo de coleta seletiva na

comunidade;

3.3.4 Garantir que o partido urbanístico

contemple a inclusão de uma área destinada a

coleta seletiva;

3.3.5 Definição de estratégias com a

EMLURB para a implementação de sistema

de controle da acumulação do lixo que vem

de fora da comunidade, via canais;

3.3.6 Incentivar feiras culturais com a temática

ambiental nas escolas da comunidade.

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3.4 Dinamizar o gerenciamento dos

resíduos sólidos, de forma integrada.

3.4.1 Realizar oficinas com a ENLURB para

definir estratégias de intervenção;

3.4.2 Implementação de campanhas

incorporando a população local nas

atividades;

3.4.3 Potencialização de ações articuladas

entre as diversas instâncias do governo

municipal.

3.5 Programa integrado de educação e

sensibilização ambiental e sanitário

implementado.

3.5.1 Realização de oficinas visando

sensibilizar sujeitos para a criação de uma

brigada ambiental;

3.5.2 Realização de oficinas para a construção

de um comitê local para monitorar as ações

relativas ao meio ambiente;

3.5.3 Realização de atividades de capacitação

para potencializar as ações dos integrantes do

comitê local;

3.5.4 Apoiar as ações do projeto do Fundo

Comunitário;

3.5.5 Realização de oficinas com possíveis

facilitadores de atividades de educação

ambiental estruturando um plano integrado de

educação ambiental.

4 Desenvolvimento e

Sustentabilidade

Econômica.

Prover as condições necessárias para o

desenvolvimento econômico sustentável,

considerando as vocações individuais

bem como as atividades econômicas

locais e do entorno.

4.1 Potencial e a dinâmica econômica

local do entorno conhecido.

4.1.1 Elaboração de um diagnóstico das

atividades econômicas da industria, serviço e

comércio;

4.1.2 Elaboração de um estudo sobre as

atividades econômicas do entorno.

4.2 O acesso da população às

informações das ações e programas

econômicos governamentais e não

governamentais, são facilitados.

4.2.1 Sistematização e disponibilização de

informação sobre as linhas de crédito, as

capacitações e os programas econômicos de

origem governamental e não governamental.

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4.3 A mão de obra da comunidade é

qualificada e melhorada.

4.3.1 Participação de articulação política

conjuntamente com a Prefeitura do Recife,

SENAI para garantir a qualificação

profissional para a construção civil;

4.3.2 Promoção e articulação de cursos e

estágios profissionalizantes.

4.4 Empreendedorismo é estimulado

na comunidade.

4.4.1 Oferecimento de capacitação para a

criação de novos negócios adequados ao

mercado local.

4.5 As condições dos

empreendimentos locais são

melhoradas.

4.5.1 Oferecer capacitação para os

empreendedores adequados ao mercado local.

4.6 O Associativismo é fomentado na

comunidade.

4.6.1 Apoiar os catadores de lixo para melhor

as atividades econômicas de caráter coletivo;

4.6.2 Identificação de grupos com potencial

econômico de cunho associativista.

5 Desenvolvimento

Institucional do Projeto

Garantir uma gestão eficiente do projeto

garantido uma boa comunicação interna e

externa.

5.1 Comunicação interna do projeto

garantido.

5.1.1 Coordenação do projeto se reúne

mensalmente;

5.1.2 Realização de oficinas mensais com o

conjunto das entidades envolvidas;

5.1.3 Realização de reuniões mensais em

torno dos quatro eixos temáticos do projeto;

5.1.4Disponibilização de relatórios e oficinas

para todos os envolvidos.

5.2 Sistema de monitoramento e

avaliação instalados.

5.2.1 Realização de reuniões trimestrais de

monitoramento e avaliação.

Projeto DELIS 26/06/2001- planejamento DELIS.