gestao municipal, cidadania e participação popular

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Gestao municipal. cidadania e participac;ao popular Adolfo Ignacio Calderon Habitar no ABeD paulista Antonio Carlos Kfouri Saude do trabalhador Amarita C. Valerio Lagese Marisa Alves de Oliveira Sena Analise da politica previdenciaria brasileira na conjuntura nacional - da Velha Republica ao Estado autoritario Ana Maria Baima Cartaxo Dos intelectuais ao Estado lima Rezende Soares ERVICO # OCIAL& OCIEDADE 40 ANOXIII· DcZ.1992 ARTIGOS A crise dos projetos de transformac;:ao social e a pratica profissional do Servic;o Social Maria Ozanira da Silva e Silva o papel da etica na construc;ao do projeto politico-profissional do assistente social Claudia P. Diniz Correia Democracia en America Latina: experiencias y reflexiones Alberto Adrianzen Os sujeitos sociais em questao Luiz Eduardo W. Wanderley RESENHAS Dois novos peri6dicos portugueses Jose Paulo Netto )1 40

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Por meio do presente texto, tentaremos levantar algumas reflexoes em relacao a complexidade da articulacao do processo de participacao popular, tomando como referencia as experiencias da administrac;ao de Luiza Erundina na Prefeitura Municipal de Sao Paulo.

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Gestao municipal. cidadania e participac;ao popularAdolfo Ignacio Calderon

Habitar no ABeD paulistaAntonio Carlos Kfouri

Saude do trabalhadorAmarita C. Valerio Lages e Marisa Alves de Oliveira Sena

Analise da politica previdenciaria brasileira na conjunturanacional - da Velha Republica ao Estado autoritarioAna Maria Baima Cartaxo

Dos intelectuais ao Estadolima Rezende Soares

ERVICO#

OCIAL&OCIEDADE

40 ANOXIII· DcZ.1992

ARTIGOS

A crise dos projetos de transformac;:ao social ea pratica profissional do Servic;o SocialMaria Ozanira da Silva e Silva

o papel da etica na construc;ao do projeto politico-profissionaldo assistente socialClaudia P.Diniz Correia

Democracia en America Latina: experiencias y reflexionesAlberto Adrianzen

Os sujeitos sociais em questaoLuiz Eduardo W. Wanderley

RESENHASDois novos peri6dicos portuguesesJose Paulo Netto

)140

SERVICO SOCIAL & SOCIEDADERevista Quadrimestral de Servi~o SocialAno XllI - n2 40 - dezembro 1992

Comite editorial: Maria Carmelita Yazbek, Mariangela Belfiori Wanderley, RaquelRaichelis.

Conselho editorial: Aldaiza de Oliveira Sposati, Jose Pinheiro Cortez, M~ian~e~aBelfiori W anderley, Maria Carmelita Yazbe~, ~ana ~uclaMartinelli, Myrian Veras Baptista, Raquel Ralchelis e SergIOFuhrmann.

Capa: Carlos Clemen .Revisiio: Ana Maria Barbosa, Maria de Lourdes de Almeida, Marise Leal, Rita

de Cassia M. Lopes.

Servir;o Social & Sociedade aceita colaborayiles, reservando-se, porem, 0 direitode publicar ou nlio 0 material enviado a reda~ao.

Edi~ao, publica~ao e assinaturasCORTEZ EDITOR A

Rua Bartira, 387 - 05009-010 - Sao Paulo - SPFone: (011) 864-0111

Impresso no BrasilDezembro 1992

ART/GOS

Gestao municipal,cidadaniae

participa~aopopular*Adolfo Ignacio Calder6n**

Caracterizar a questao da participacao popular - tanto noprocesso de democratizacao como no govemo e na administracao doaparelho estatal - como "participacao induzida"l, constitui-se numageneralizacao que, apesar das suas limitacoes, consegue refletir 0

direcionamento dos processos que se vem observando na vida polfticado pals como decorrencia desta questao.

Certamente, este carMer "induzido" advem da tendencia queexiste no cenario polftico, orientada pela criacao e institucionalizacaode mecanismos de participacao popular; mecanismos estes que, apesarde serem institucionalizados dentro de uma perspectiva vertical, naodeixam de se constituir em instancias necessarias e imprescindlveisdentro do processo de redemocratizacao do Estado.

* Texto apresentado no IX Congresso Nacional dos Soci610gos e SeminarioLatino-americano de Sociologia, Sao Paulo, ago. 1992.

** Soci6logo, p6s-graduando em Ciencia Sociais na Pontificia UniversidadeCat6lica de Sao Paulo.

1. Ver textos e1aborados por Edson Nunes, em "Municipio y Democracia.Gobiemos Locales en Ciudades Intermediarias de America Latina". Colecci6n EstudiosUrbanos, Ediciones SUR, Santiago do Chile, 1991.

Essa tendencia, que parece acentuar-se cada vez mais, tomouseu primeiro impulso com a promulgac;ao da Constituic;ao de 1988,que, a partir da combinac;ao da democracia direta e democraciarepresentativa, estabeleceu novos mecanismos para exercer a soberaniapopular, assim como 0 plebiscito, 0 referenda e a iniciativa popula?

A participac;ao popular, entendida pela Federac;ao, por meio daConstituic;ao, como urn "principio democratico"3, esUisendo incorporadapelo aparelho estatal, tanto no ambito estadual como municipal,estabelecendo-se, com isso, novos espac;os onde diversos setores dasociedade civil poderao participar, direta ou indiretamente, no governoe na administrac;ao publica.

Neste sentido, atraves do presente texto, tentaremos levantaralgumas reflexoes em relac;ao a complexidade da articulac;ao doprocesso de participac;ao popular, tomando como referencia as expe-riencias da administrac;ao de Luiza Erundina na Prefeitura Municipalde Sao Paulo.

A vit6ria de Luiza Erundina nas eleic;oes municipais de 1988foi urn fato politico surpreendente, na medida em que conseguiuultrapassar, nos ultimos dias antes da eleic;ao, Paulo Maluf, candidatoapontado pelos institutos de pesquisa de opiniao publica como vencedordo processo eleitoral. Segundo urn estudo feito por Judith Muszynski4,Erundina venceu por urn margem muito pequena, 5.39 pontos per-centuais em relac;ao ao seu opositor mais pr6ximo, tendo sido inumerosos fatores que influenciaram sua eleic;ao.

No mencionado trabalho, pode-se observar que, apesar do votoantigovemo, do voto anti-Maluf e de alguns acontecimentos como arepressao a passeata dos professores universWirios, a invasao dasiderurgica de Volta Redonda pelo exercito e 0 espancamento demanifestantes na inaugurac;ao de uma estac;ao do metro no bairro de

2. Maria Vitoria Benavides, "Participa~ao Popular na Nova Constitui~o: UrnCorretivo a Representa~o Polftica", em Perspectivas, jan./rnar. 1990.

3. Ibid. p. 21.4. Judith Muszynski, "As Raz6es de urn Resultado Surpreendente: A Vit6ria

de Luiza Erundina", Serie Textos IDESP n. 35, Sao Paulo, 1989.

It~quera ~ fatores estes que, sem duvida alguma, tiveram impactoe infl~enclaram. nos resultados desse processo eleitoral -, a eleir;aode LUlZa Erundma nao pode ser reduzida a uma simples atitude deprotesto do eleitorado.

Segundo a autora deste trabalho, esses fatores influenciaram epermitiram que 0 PT explorasse todo 0 seu potencial. Ela consideraque, para podermos compreender a eleic;ao de Erundina, devemoscomec;ar por considerar 0 "apoio com 0 qual 0 partido conta ap6sanos de rnilitancia", bem como 0 fato de Erundina "ter se tornadoa partir de urn certo momenta da campanha, uma candidata vi<ivel:em quem 0 eleitorado progressista poderia apostar"5.

Urn primeiro aspecto a ressaltar seria precisamente que 0 votono partido, ou levando em conta 0 partido, foi tambem urn fator degrande influencia na sua eleic;ao. A ideia sobre a importancia daestrutura partidaria e a relac;ao voto x partido, tambem compartilhadapor Francisco de Oliveira6

, se sustentaria - de acordo com os dadosapresentados por Muszynski - no fato de que dois terc;os do eleitoradode Erundina se identificaram com 0 PT, dos quais urn terr;o do totalestava votando no partido, e 0 outro terc;o valorizava a associar;aoentre partido e candidat07•

A eleic;ao de Luiza Erundina e a vit6ria do PT no processoeleitoral de 1988 podem ser considerados fatos muito significativose relevantes na vida politic a do pais. Isso, nao s6 por ser Sao Pauloa maior metr6pole do Brasil, com doze rnilhOes de habitantes, comotamhem pelo fato de ser 0 PT urn partido novo, identificado comode "esquerda" e que, depois de ter participado em tres processoseleitorais, somente em 1988 conseguiu vencer na capital paulista. Atudo isso podemos acrescentar ainda outros fatores significativos, comoa eleic;ao de uma mulher para a Prefeitura da cidade, bem como 0fato de ela ser nordestina.

Com 0 PT na adrninistrac;ao e a consequente direr;ao dos rumosda cidade, acreditamos que se instalou em alguns setores da sociedadecivil 0 que poderfamos denorniar de "expectativa", que se deu em

5. Ibid. p. 29.6. Franciso de Oliveira, "Elei~es, Mais que Sirnplesmente ...", Novas Estudos

CEBRAP n. 23, mar. 1989.7. Muszynski, op. cit. p. 8.

varios nfveis e que se fundamentava principal mente nas seguintesquestoes: 0 que esta gestao fara de diferente? 0 que urn partido deesquerda podera fazer na administra~ao da cidade de Sao Paulo?

Tais expectativas atingiram tambem as ciencias politicas, quepassararn a questionar-se sobre a forma como seria administrada acidade, as medidas a serem tomadas para alcan~ar seus objetivos, asexperiencias que se poderiam resgatar dessa gestao e a transcendenciaque pudesse ter a administra~ao petista no panorama polftico do pais.

A partir da analise de alguns documentos elaborados pela ad-ministra~ao do PT, percebemos que esta reconheceu que 0 fato deestar dirigindo os rumos da cidade nao implicava, de forma alguma,a instaura~ao de urn govemo socialista ou algo semelhante. Forarncientes das lirnita~oes de poder que possuiam, tanto em rela~ao aogovemo estadual como federal; mesmo assim, propuseram-se a ad-ministrar a cidade dentro de uma nova perspectiva, pretendendo fazerpolftica de urn modo diferente. Ate que ponto foi diferente? Essaavalia~ao nao pretendemos fazer neste texto, mas, sim, acreditamosser import ante mencionar quais principios programMicos moveramessa administra~ao.

A gestao Erundina partiu do principio de que "Sao Paulo e umacidade de todos", sendo 0 seu objetivo "demonstrar que e possivelgovemar para todos"S, ou seja, e possivel govemar para a maioriada popula~ao da cidade. A marca distintiva dessa gestao foi - pelomenos teoricarnente - a vontade de atingir esse objetivo a partir deurna inversao das prioridades govemamentais, assim como da aplicagaodos recursos public os em beneficio dos setores sociais e dos bairros"historicamente marginalizados". Tudo isso se complementa com al-gumas ideias que fazem parte da ret6rica partidaria, que diz respeitoa moraliza~ao das a~oes do govemo, a realiza~ao de urn govemotransparente, democratico e com arnpla participa~ao popular.

No Jamal das Plenarias, informativo que a Prefeitura Municipalde Sao Paulo distribuia nas reuniaes entre a popular;:aoe os representantes

do govemo numa linguagem simples e bastante didMica, considerava-seque os objetivos acima mencionados contrariavam violentamente osinteresses das chamadas "classes dominantes", pelo fato de que estas"Nao conseguem mais apropriar-se e beneficiar-se das ar;:oesda prefeitura.Sao obrigados a aceitar que os recursos publicos sejam aplicados nasregioes mais carentes e nao somente no Morumbi e Jardins da Vida.(...)As classes ricas estavam acostumadas, alias, mal acostumadas, a decidiro que era born para a cidade 'deles'. Jamais quiseram permitir que 0

povo inteiro participasse das ar;:oesdo Governo, (...) A cidade funcionavas6 para eles. Agora esta funcionando para todos - e nao estao gostandonem urn pouCO,,9.Como pode-se perceber, dentro do discurso petista seincide muito na polariza~ao social, na divisao ricos/pobres e domina-dos/dominadores, atribuindo-se a essa administra~ao 0 papel de defensorados interesses dos pobres e da classe trabalhadora.

Os objetivos desse govemo, assim como os seus principiosnorteadores, encontram-se melhor explicitados nas diretrizes geraisque orientararn essa gestao:

"2.1. A recupera~ao da cidadania. Isto implica colocar 0 govemoa servi~o da coletividade e nao de interesses economicos minoritarios.Promover os direitos sociais, rompendo com as prMicas assistencialistasde submissao e de discrirnina~ao dos individuos.

2.2. Desenvolver a~oes polfticas mais amplas em defesa do nossomunicipio e dos demais, que vivem uma situa~ao de penUria financeira.Neste sentido se propoe a articula~ao de uma frente de prefeitos.

2.3. Buscar novas fontes de financiamento junto ao govemofederal e govemar com austeridade. Reorientar a aplica~ao dos recursospublicos municipais com vistas a solucionar os graves problemassociais. Reorientar a polftica tributaria municipal, fazendo recair maiorpeso sobre as classes de renda mais alta. Combater a corrup~ao comvigor.

2.4. Reestruturar a administra~ao municipal visando a raciona-liza~ao e moraliza~ao administrativas. Fazer 0 gerenciamento diretodos recursos, servi~os e obras, acabando com a privatiza~ao injustificadade servi~os.

2.5. Govemar com transparencia e participa~ao popular. Colocaro govemo municipal a servi~o das lutas por liberdade e democracia.

2.6. Democratizar 0 aparelho administrativo do Municfpio atravesda' cria~ao de mecanismos de participa~ao e controle popular e da'descentr.aliza~ao administrativa.

2.7. Estimular e fortalecer a organiza~ao da popula~ao emmovimentos sociais e conseIhos populares, respeitando sua autonomia.

2.8. Contribuir para que 0 servi~o publico se conscientize dasua condi~ao de servidor do povo e reconhecer seu direito a sindi-caliza~ao.

2.9. Contribuir para fortalecimento da autonomia e das prerro-gativas do Poder Lcgislativo municipal.

2.10. Colocar Sao Paulo no cenario intemacional das grandesmetr6poles, intensificando 0 estabelecimento de convenios intemacio-nais de coopera~ao tecnica e cultural"lO.

A participa~ao popular tern se constitufdo em bandeira reivin-dicativa, assim como em urn ideal comurn, entre as diversas tendenciasno interior do PT, apesar das divergencias existentes na forma comodeve ser articulada, inclusive na sua pr6pria concep~ao e conceitua-liza~ao.

Por meio da leitura de diversos documentos da PMSP, pressu-poe-se, em rela~ao a esta questao, a existencia de uma idealiza~ao aser atingida. No plano de govemo de 1989, estabeleceu-se como metaa ser alcan~ada a realiza~ao de urn govemo democrMico com "efetivaparticipa~ao popular". Nas diretrizes que orientaram essa gestao,propoe-se "govemar com transparencia e participa~ao popular", bemcomo "democratizar 0 apareIho administrativo" atraves da cria~ao de"mecanismos de participa~ao e controle popular". Em outros docu-mentos, fala-se de "consolidar os mecanismos de participa~ao nogovemo de cada regiao da cidade".

Meses depois de ter assumido a administra~ao da cidade, agestao petista passou a se autodenominar "Governo DemocrMicoPopular da Cidade de Sao Paulo", denomina~ao que oficialmente diz

respeito ao carMer democrMico do apareIho administrativo, na medidaem que abriu espa~o para a participa~ao dos setores populares, bemcomo dos interesses que· diz defender.

Ao myel dos documentos elaborados pela gestao do PT, obser-vamos que existiu uma preocupa~ao pela implementa~ao de mecanismosque articulem 0 processo de participa~ao popular na tomada dedecisoes, bem como na fiscaliza~ao e controle das obras da Prefeiturae dos bens e servi~os que esta oferece. Essa preocupa~ao tambem aobservamos na tentativa de implementar mecanismos que captem eincorporem as demandas e reivindica~oes coletivas.

A gestao estudada, ao asswnir a administra~ao em 1988, traziajunto ao seu discurso a inten~ao de "realizar urn govemo com amplaparticipa~ao popular". Partindo dessa inten~ao, inicialmente a gestaoErundina tentou articular, a partir de urn impulso voluntarista eespontanefsta, mecanismos que Ihe permitissem atingir os objetivostra~ados, mecanismos estes que num primeiro momenta nao tinhamnenhurn respaldo jurfdico-constitucional, podendo desaparecer ap6s 0

termino do seu mandato.Nesse sentido, na tentativa de incorporar e articular a participa~ao

popular na gestao municipal, a administra~ao do PT inicialmenteimpulsionou a cria~ao de uma serie de mecanismosll. Criaram-sealgumas instancias que tentaram estabelecer uma comunica~ao entreo govemo e a popula~ao, como os "nucleos de atendimento apopula~ao" (NAP), as Camaras de negocia~ao, os ConseIhos comentidades representativas da sociedade civil e movimentos sociaisorganizados, alem dos mutiroes, como forma de mobiliza~ao e en-volvimento da sociedade civil em a~oes conjuntas para resolverproblemas das necessidades coletivas. Assim mesmo criaram-se algumasinstancias que tentaram se constituir em canais de decisao no govemo,como foram as comissoes de macrorregiao, as Audiencias PUblicas,as Plenarias Populares Regionais etc. No documento "Participa~aoPopular na Administra~ao: Balan~o e Perspectivas 1989/1990", con-sidera-se que a a~ao tanto das Administra~oes Regionais (Ars) quantodas diferentes secretarias, em rela~ao a esta questao, passou pela"incorpora~ao de demandas e reivindica~oes da popula~ao, pela inser~aoda mesma em instancias de controle e fiscaliza~ao de servi~os espe-

11. Documento "Participa~o Popular na Administra~o: Balanyos e Perspectivas1989/1990".

cfficos e pelo acompanhamento na aplica~ao de recursos public os emareas especiIicas"12. Por outro lado, considera-se que estes processosdeterminam que esta forma de administrar a cidade seja consideradacomo "uma gestao participativa dos servi~os e 6rgaos municipais",representando "uma experiencia nova e arrojada, de administra~aoparticipativa"13.

Foi posteriormente, atraves da aprova~ao da lei orgarnca municipalpela Assembleia Municipal Constituinte, a 4 de abril de 1990, quea gestao da prefeita Luiza Erundina fez grandes avan~os em rela~aoa descentraliza~ao polftica e administrativa da Prefeitura Municipalde Sao Pualo. Esses avan~os tem-se dado tamMm em rela~ao aincorpora~ao da participa~ao popular na administra~ao municipal, namedida em que, atraves dessa lei, ela foi institucionalizada. Medianteessa lei criaram-se as Subprefeituras, os Conselhos de Representantes,as Audiencias PUblicas, 0 Plebiscito e 0 Referendum, estabelecendo-sedessa forma as bases jurfdicas para a realiza~ao de uma reform a noaparelho estatal. Tudo isso tendo como base a participa~ao direta docidadao, bem como a democracia representativa.

Atualrnente - na tentativa de complementar 0 especificado pelalei orgarnca municipal em rela~ao a questao da participa~ao popular- vem ocorrendo urna discussao em tomo do anteprojeto de lei doPrograma Integrado de Participa~ao Popular (PIEP). Nesse anteprojeto,pretende-se regulamentar as instancias deterrninadas pela lei orgarncamunicipal: audiencias publicas, plebiscito e referendum. Alem disso,propoe-se a cria~ao de comiss5es de gestao de equipamentos sociais,de conselhos regionais de cidadaos e de unidades de atendirnento einforma~ao. Esse projeto de lei foi elaborado, segundo esta gestao,visando "garantir a fiscalizayao e participayao do cidadao, na gestaodos serviyos e obras publicas municipais, e no aprirnoramento dademocracia local"14.

No documento anteriormente mencionado, considera-se que atra-yes da irnplementayao da lei orgarnca municipal pretende-se "Consagrarde forma definitiva e incontestavel a interferencia do povo nas decisoesdo govemo"15. E conveniente lembrar que a palavra povo, deixando

12. Ibid.13. Ibid.14. Documento do Programa Integrado do PIEP; "Participa~ao Popular/1991".15. Documento "Participa~o Popular na Administra~o: Balan~os e Perspectivas

1989/1990".

de lado 0 seu carater demag6gico, traz irnplfcita a ideia de participa~aoda sociedade civil. Falar em democratizar os mecanismos da gestaomunicipal irnplica falar - alem da descentralizayao administrativa -da abertura de canais de participayao para a sociedade civil em gerale nao somente para os setores populares. Com isso queremos dizerque a abertura desses canais servira como cenario para 0 estabelecimentodo jogo democratico, a mesma que traz no seu bojo a luta polfticademocratica, podendo participar livremente dela os representantes ouos cidadaos pertencentes aos diversos setores sociais. Assirn mesmo,falar em consagrar a participayao do "povo" nas decisoes do govemo,irnplica falar tamMm - alem da institucionalizayao da participayaodos "cidadaos" na administrayao da cidade - da abertura e institu-cionalizayao de novos canais de participayao polftica.

A irnplementayao de urn gestao participativa, considerando-se ainstitucionalizayao da participayao da sociedade civil, constitui-se emurn novo modelo de como administrar a cidade. Uma experienciamodema, pretensiosa, e que no atual contexto s6cio-polftico certamenteencontrara uma serie de obstaculos e dificuldades na sua irnplementayao.

Esse modelo de administrayao participativa sem duvida algumase constitui num dos mais avanyados e democratic os da sociedadecapitalista contemporanea, modelo esse que nos paises do TerceiroMundo, como 0 Brasil - independentemente do carMer popular ounao do grupo polftico que esteja na administrayao municipal -, abreurn novo espayo para que, atraves da luta polftica democratica, oscidadaos participem da gestao da cidade, incluindo nestes os chamadossetores populares. Tal modelo, que vem sendo irnplantando parado-xalrnente pela iniciativa da gestao petista, e urna medida que poderfamoschamar de revolucionaria, mas nao dentro dos padroes e da perspectivasocialista tradicional. Contrariamente, seria revolucionaria pelo fato demodernizar 0 aparelho administrativo de acordo com os modelos maisavanyados e democrMicos existentes no mundo capitalista e naosocialista.

Depois de tres anos e meio de govemo local, seria interessantelevantar algumas interrogayoes. Ate que ponto a questao da participa~aopopular se constituiu numa marca distintiva entre a gestao do PT eas outras gestoes? Ate que ponto e possivel falar que existiu urnaampla e efetiva participayao popular? A participayao popular foi urnfato ou simplesmente fez parte do discurso?

Participa~ao na cidade de Sao PauloEntraves e perspectivas

Se por urn lade a gestao Erundina fez grandes avanl):os natentativa de democratizar 0 aparelho municipal, por outro nao conseguiufugir da chamada "participal):ao induziada". Com isso queremos dizerque as polfticas elaboradas pela atual gestao em relal):ao a questaoda participal):aopopular nao fogem a tendencia de articular e impulsionaro processo participativo de forma vertical, partindo do aparelho estatal.

o fate de as al):oesda gestao petista se enquadrarem dentro dachamada participal):ao induzida, no atual contexto nao possui caraterpejorativo nem reduz 0 valor e a importancia do trabalho desenvolvidopor ela. Certamente, falar de participal):ao induzida nao implica ne-cessariamente a institucionalizal):ao de canais de participal):aode maneiraarbitraria e autoritaria, urna vez que estas podem ser institucionalizadasa partir de urn amplo processo de discussao com movimentos, orga-nizal):oes e instituil):oes democniticas da sociedade civil.

Ora, se a administral):ao do PT, apesar dos posicionamentosdivergentes existentes no seu interior, terminou por aderir a chamada"participal):ao induzida", nao podemos deixar de mencionar que estafoi muito mais ah~m, na medida em que demonstrou vontade polfticanao somente para a institucionalizal):ao de novos canais de participal):ao,mas, tambem, para a implemental):ao e concretizal):ao do processoparticipativo.

Urn fate marc ante durante a gestao Erundina foi precisamenteque, apesar dos incentivos a participal):ao, ela s6 tern conseguido uma"lirnitada repercussao das al):oesgovernamentais,,16. Por que esta limitadarepercussao? Sera que a responsabilidade foi somente da administral):aopetista? Quais foram os motivos?

Sem duvida, sac muitos os motivos que tern influfdo para quenao se tenha atingido urna ampla e efetiva participal):ao popular. Mas,para podermos compreender 0 porque, temos de perceber que aarticulal):ao de urn processo de ampla participal):ao, alem de ser urndos requisitos basicos para se poder falar de democracia como valor

16. Pedro Jacobi, "Politicas P6blicas e Alternativas de Inova~o da GestaoMUnicipal:0 Complexo Caso da Cidade de Sao Paulo", Caderno CEDEC n. 18, SaoPaulo, 1991.

em si17, constitui-se nurn processo muito complexo que foge da vontadeda "classe polftica", dos "intelectuais" e do pr6prio aparelho estatal.

Orientados a partir 'da importancia que possui a participa~aopopular dentro do processo de democratizal):ao, a classe polftica podeinduzir, a partir da estrutura do Estado, a participal):ao da populal):ao,pode criar e estabelecer mecanismos e canais de participal):ao, masde forma alguma essa vontade polftica implicara a existencia de umaampla participal):ao da sociedade civil, urna vez que, para a construl):aode urn processo participativo, necessita-se de agentes e elementosexternos, alheios a vontade polftica do Estado.

No plano te6rico, a articulal):aode urna ampla e efetiva participal):aopopular pode ser considerada como uma necessidade hist6rica, poremesta s6 podera se concretizar atraves da "luta de vontades polfticasconscientes e responsaveis,,18. Logo, nao se pode negar que a existenciade urna estrutura organizacional, que possibilite a participal):ao dasociedade civil, constitui-se num grande avanl):o na perspectiva dearticular urna ampla e efetiva participal):ao,mas, para sua concretizal):ao,e fundamental a existencia de "cidadaos que participem". Cidadaosresponsaveis e conscientes, farniliarizados com a luta polftica demo-cratica e capacitados para "participar da vida da cidade literalmentee, extensivamente, da vida da sociedade"19.

Urn obstaculo diffcil de ser superado por essa adrninistral):ao dizrespeito a faHa de amadurecirnento da consciencia de cidadania napopulal):ao,assirn como a ausencia de uma cultura polftica democratica20.

17. Francisco C. Weffort, Por que Dernocracia? Sao Paulo, Brasiliense, 1984.18. Ibid. p. 31.19. Dermeval Saviani, "Educa~o, Cidadania e Transi~ao Democratica", in Maria

de Lourdes M. Covre. (Org.), A Cidadania que niio Temos, Sao Paulo, Brasiliense,1986.

20. A cultura politica democratica e entendida como urn processo de forma~aode urn conjunto de valores e conhecirnentos, atraves dos quais a coletividade dariarespostas em rela~ao a politica. Politica que nao se restringe ao sufnigio universal,ao sistema partidano ou ao aparelho estatal, senao, vai muito mais alem, na rnedidaern que abrange diversas estruturas da vida em sociedade, envolvendo a questao daParticipa~ao e a tornada de decis5es nas diversas organiza~5es politicas e sociais e aforma como estas se vinculam as institui~5es que representam 0 aparelho estatal e 0

poder politico em geral. Ver JUlioCotler (Org.) Para afirmar La democracia, Institutode Estudios Peruanos, Lima, 1987.

Tentar implementar e concretizar esse projeto de participa~ao na gestaoda cidade perpassa pela necessidade do reconhecimento da popula~aoda sua condi~ao de cidadaos; isto significa que 0 processo participativos6 sera desencadeado na medida em que haja indivfduos que sepercebam nao apenas como moradores da cidade, mas, tambem, comocidadaos21.

Geralmente, quando se trata da constru~ao da cidadania, muitosautores e profissionais da area abordam essa questao partindo de urntipo-referencial teoricamente ideal de cidadao, aquele que, ciente deseus deveres e direitos, esta prestes a reivindica-Ios e lutar pelatransforma~ao da realidade. Mas a constru~ao da cidadania, no cotidianoda cidade, vem se mostrando uma questao muito complexa, que sedistancia desse tipo-ideal, tomando dire~oes pr6prias que nos levama questionar a configura~ao de urn novo perfil de cidadao a partirda pr6pria realidade brasileira.

Diante do atual contexto, acreditamos que possuir conscienciada condi~ao de cidadao nao implica, necessariamente, a existencia deuma compreensao que leve a a~ao e transfdrma~ao da realidade social.Pressupoe-se que, pelo pr6prio contexto s6cio-polftico-economico epela estrutura da nossa sociedade, torna-se cada vez mais diffcilexercer -se plenamente, e nao s6 nominalmente, a cidadania. Isso seconstitui em urn profundo problema; por tras das generaliza~oes quecostumam se realizar muito comodamente, encontram-se milhares dehomens, mulheres e crian~as que trabalham e lutam para conseguiros elementos basicos de subsistencia. Sao moradores da cidade que,alem de possufrem uma escassa cultura polftico-democratica - devidoa pr6pria trajet6ria polftica da sociedade brasileira -, encontram noseu cotidiano situa~oes adversas que lirnitam e absorvem 0 tempo ea capacidade necessarios para exercerem a sua cidadania. De certaforma, contribui tambem para isso 0 fato de que, na atual conjuntura,estamos assistindo a um recuo ao myel do movimento popular e umcerto ceticismo em rela~ao as propostas de transforma~ao social. Aslutas populares passaram a caracterizar-se por possuir objetivos rei-vindicat6rio-imediatistas, nao conseguindo articular-se com um projetopolftico de maiorabrangenci<t, que se torna cada vez mais diffcil deconcretizar devido a existencia de uma crise no panorama das solu~oespara os problemas estruturais do pafs. Ressaltamos ainda que, ao myel

dos partidos chamados de "esquerda", das organiza~oes polftico-sin-dicais e do movimento popular em geral, a transforma~ao da sociedadevia revolu~ao para a constru~ao de uma sociedade socialista vemsendo substitufda gradativamente pela ideia de transforma~ao da so-ciedade via democratiza~ao do Estado, uma vez que 0 socialismoreal, como sociedade ideal, esta deixando de ser um referencial desociedade, pois revelou-se inviavel.

Contudo, acreditamos que seria um erro considerar que 0 fatode ser cidadao "consciente" implique que 0 morador da cidade,mecanicamente, torne-se um lutador social, um revolucionario, ousimplesmente um cidadao que aja na reivindica~ao dos seus direitos.Supoe-se ser possfvel a existencia de uma consciencia de cidadaniaem deterrninados indivfduos, mas sao os problemas estruturais que seenfrentam na vida cotidiana que, entre outros fatores, podem impedirque ela se evidencie, pois reduzem a possibilidade do exercfcio dacidadania. Sendo a pr6pria sociedade, atraves das suas contradi~oessociais e seus problemas estruturais, quem exclui amplos setores sociaisda possibilidade de exercer a cidadania. Tudo 0 que ora foi explicitadofaz pressupor que no plano te6rico deve-se procurar compreender ecentrar a reflexao sobre a questao da cidadania e a participa~aopopular, a partir do cotidiano do morador da cidade, assim comotentar captar a realidade dos indivfduos dos chamados "setores popu-lares", no atual contexto de d.pidas transforma~oes.

Como mencionamos anteriormente, a ausencia de uma culturapolftico-democratica e em decorrencia a faHa de amadurecimento daconsciencia de cidadania, sao elementos que dificultam a constru~aoda democracia como valor em si, na medida em que lirnitam aspraticas participativas de amplos setores sociais.

A administra~ao estudada encontra grandes obstaculos em taiselementos, pois, para articular 0 processo de participa~ao popular naose precisa somente de cidadaos conscientes e responsaveis, mas tambemde cidadaos que estejam farniliarizados com as praticas democratic as.Este Ultimo elemento e diffcil de ser pensado num pafs como 0 Brasil,que nao possui tradi~ao democratica e cuja tradi~ao polftica se vemarcada "pel a ambigiiidade entre a democracia e 0 autoritarismo",onde a polftica do "golpe" tem-se tornado uma pratica comum ehabituat22.

Sem duvida alguma, a avalia~ao da participa~ao popular naopodera ser realizada a partir da perspectiva do fracasso da propostade urn partido, na medida em que as a~oes realizadas por esta gestaotern contribuldo para 0 fortalecimento do pr6prio "processo democra-tico".

Nao podemos continuar falando da ausencia da cultura democratic acomo algo eterno; e precise que se fale tambem da sua forma~ao apartir do pr6prio processo de produ~ao hist6rica. A forma~ao de umacultura democratic a da-se atraves de urn processo de acurnula~ao deexperiencias democraticas, na medida em que se aprende a viver emdemocracia, concebendo e identificando a sociedade e sua esferapolftica como democratic as, nas quais cada cidadao possua urn espa~opr6prio e urna responsabilidade ..

Neste sentido, as tentativas de articular urn processo com amplaparticipa~ao popular por parte da gestao petista - embora os resultadosnao possam ser observados de forma imediata - constituem-se emexperiencias que de alguma forma estao contribuindo para a forma~aode urna cultura democratica. Certamente, a sociedade brasileira estatendo as suas prirneiras experiencias na constru~ao da sua democracia.Portanto, acreditamos que as a~oes da atual gestao fazem parte dosprimeiros Passos rumo a democratiza~ao do Estado e da sociedade,e a forma~ao de urna cultura democratica.

Outro fate importante a ser mencionado e precisamente que, nodecorrer de quase tres anos de gestao municipal, a cria~ao e institu-cionaliza~ao de canais e mecanismos de participa~ao popular naoforam fruto de grandes processos de mobiliza~ao e pressao por parteda sociedade civil, tendo esse perfodo se caracterizado por urn baixonfvel de mobiliza~ao da popula~ao em geral e urna lirnitada participa~aopor parte dos diferentes setores sociais, inclusive dos chamados "setorespopulares" .

Nas avalia~6es realizadas pelas secretarias municipais que com-poem 0 Foro Intersecretarial de Participa~ao (PIS), tanto 0 baixo nfvelde mobiliza~ao da sociedade civil quanta a reduzida participa~ao nasinstancias e canais de participa~ao popular apresentam-se como duas

constantes. Isso tambem se evidencia ao fazermos uma rapida revisaodas consultas populares e audiencias public as realizadas no ano de1990.

A Secretaria do Bem-Estar Social (SEBES), no encontro realizadoem Cajamar, apontou como dificuldade para a articula~ao do processoparticipativo, nos diversos equipamen~o~ s~iais, ~ resistencia dapopula~ao a participar e a faHa de moblhza~~o; COnSl?erou-s~~ue ~sdemandas sociais, urna vez atendidas, nao motlvam mats a particlpa~aodas mesmas. Na avalia~ao feita pela Secretaria Municipal de Educa~ao,considerou-se que urna das dificuldades para articula~ao das praticasparticipativas nos Conselhos Municipais de Educa~ao, nos Conselhosde Representantes de Conselhos de Escola e nos pr6prios C~nselhosde Escola, foi precisamente a pouca participa~ao dos mOVlmentossociais, devido a desconfian~a sobre 0 poder real de decisao dasdiversas instancias. A Secretaria de Abastecimento, atraves do programa"Sacolao do Trabalhador", que pretendia organizar a popula~ao parao futuro gerenciamento desse programa, apontou como urn entrave areduzida participa~ao e a falta de compreensao da popula~ao sobrea necessidade de uma comissao de trabalho para os fins mencionados.Na Secretaria da Habita~ao, a resistencia dos setores mais organizadose considerada como urna dificuldade para poder dirlamizar a participa~aonos F6runs Regionais de Habita~ao. Diferentemente acontece nosprogramas de urbaniza~ao de favelas e nos program as de c?~i~os,onde existe a participa~ao somente das pessoas diretamente oeneflcl~das,nao sendo possivel articular a a~ao de movimentos de outros bam:ose setores. Nas experiencias de outras secretarias, como nas Plenanasde Transito e Transporte e os mutiroes educativos promovidos pelaCompanhia de Engenharia e Trafego (CET), nas quais t.amM~ ~ar-ticipam a Secretaria Municipal de Transporte e a Companhia Muruclpalde Transportes Coletivos (CMTC), apontam-se como obstaculos aresistencia da popula~ao a tomar parte e a faHa de mobiliza~ao dosmovimentos sociais. Considera-se que as a~6es que nao tragam re-sultados imediatos nao despertam 0 interesse da popula~ao. Os fatosanteriormente mencionados tambem sao apontados como dificuldadespela Secretaria da Saude em rela~ao aos Conselhos Municipais deSaude e as comissoes de gestao local. As campanhas do Or~amentoe Programa (OP) de 1991, da Reforma Tributaria e da Tarifa Zeroforam as prirneiras atividades realizadas de forma articulada entre as

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Secretarias e as Administra~oes Regionais. Essas campanhas se rea-lizaram atraves das consultas populares23. No OP-91 foram realizadas19 audiencias publicas em todo 0 municfpio, com urna participa~aode 6.529 pessoas, existindo urna maior participa~ao nas regioes pe-rifericas da cidade, como e 0 caso da Freguesia do 6, com 399participantes, Campo Limpo com 612 e Sao Mateus com 762. Nasregioes centrais e de classe media, 0 nu.mero de participantes tendea se reduzir, como na Lapa, com 123, e Pinheiros com 93 participantes.Como podemos observar, apesar da propaganda de divulga~ao viaradio, TV, cartazes, folhetos e faixas, 0 numero de participantes ternsido muito reduzido em compara~ao a popula~ao total do municipio,com quase 12 rnilhoes de habitantes. Na campanha a favor da "famosa"Tarifa Zero e do projeto de Reforma Tributaria, a participa~ao ternsido menor do que na campanha OP-91; foram realizadas 19 audienciaspublic as em toda a cidade, tendo somente urn total de 1.563 p~ti-cipantes. Tudo isso nos leva a constatar que, tanto a redUZldamobiliza~ao da popula~ao em torno das propostas da atual gestao,como a pequena atua~ao dos diversos setores sociais nos diversoscanais de participa~ao, foram fatos que tamMm obstaculizaram avontade polftica da adrninistra~ao Erundina em rela~ao a participa~aopopular. Muitos sao os fatores que contribuem para se encontrarrespostas ao porque dessas duas realidades; acredita-se que, alem dafalta de amadurecimento de urna consciencia de cidadania, esses fatosestao intimamente ligados ao pr6prio contexto s6cio-polftico-economicoque a sociedade brasileira atravessa, ao qual ja fizemos referenciasno item anterior. Nao ha duvida de que a adrninistra~ao petistaencontrou no atual contexto urn obstaculo diffcil de ser superado, 0mesmo que, direta ou indiretamente, veio contribuindo para umareduzida participa~ao da popula~ao.

23. Os Dlimeros que utilizaremos em rela,.ao a essas Ires campanhas foramobtidos do documento "Participa,.ao Popular. Avalia,.ao-1990", PIEP-~S, Sao Paulo,1990.

Apesar dos fatores ja mencionados, que obstaculizaram a vontadepolftica desta gestao com rela~ao.: ~articipa.~ao p~pular ~ a. faltade amadurecimento de uma conSClenClade cldadarua, a ausenCla deuma cultura polftico-democratica, a reduzida mobiliza~ao da sociedadecivil e 0 pr6prio contexto s6cio-polftico-econornico -, nao se podenegar que houve tamMm alguns outros obstaculos no ambito daestrutura partidaria, do aparelho estatal e do funcionalismo publico,que contribufram para que a maquina adrninistrativa nao desenvolvessetodo seu potencial.

As divergencias existentes no interior do PT em rela~ao aconcep~ao, conceitualiza~ao e as formas de articular a participa~aopopular foram problemas-chaves na atual administra~a024, que desen-cadearam uma faHa de propostas concretas de como viabilizar, a partirdo cotidiano da adrninistra~ao, as diretrizes tra~adas em rela~ao aparticipa~ao. Isto contribuiu para que, inicialmente, 0 espontanefsmoe 0 voluntarismo tenham marcado a rela~ao da adrninistra~ao com apopula~ao. Por outro lado, a faHa de propostas mais esclarecidasdeterrninaram a ausencia de uma equipe tecnica preparada para irn-plementar as polfticas e diretrizes desta gestao, trazendo como resultadoa realiza~ao de urn trabalho, inicialmente, desarticulado.

Certamente, tamMm influfram as divergencias polftico-ideol6gicasexistentes no seio do funcionalismo publico, neste caso referindo-seaos funcionarios public os rnilitantes ou simpatizantes de outras for~aspolfticas, os quais muitas vezes, por nao compartilharem das propostasda gestao, obtaculizaram os trabalhos por esta desenvolvidos. Urnoutro fato a mencionar e, precisamente, a resistencia do funcionalismopublico para romper com 0 adrninistrativismo e as rotinas tradicionaisde trabalho. Esta ultima questao, sem duvida, tera de levar a repensaras fun~oes e 0 papel que desempenha 0 funcionario publico dentrodo aparelho municipal, principalmente neste momenta em que se tentaimplementar a reforma adrninistrativa.

Estamos inseridos num mundo de rapidas transforma~oes, ondeas mudan~as dos contextos s6cio-polfticos e economicos tern sidomarcantes. Na atual conjuntura, como nos fala Antonio Flavio Pier-rucci25, a sociedade brasileira, apesar das suas contradi~oes, estavivenciando urn processo de democratiza~ao no qual estao se incor-porando amplos setores da sociedade e atingindo urna parcela maiorda popula~ao. 0 sufragio universal foi estendido tamMm para osjovens a partir de 16 anos; os analfabetos podem votar; 0 conhecidohorario eleitoral permite que diversos candidatos, inclusive os "des-conhecidos", tenham urn espa~o para manifestar-se etc.

Para conseguir articular 0 processo de participa~ao na gestao dacidade, faz-se necessaria, entre outras coisas, a vincula~ao de urnprocesso educativo-informativo paralelo orienta do a forma~ao de urnaconsciencia de cidadania. No caso da administra~ao estudada, nao ediffcil constatar sua vontade polftica. A mesma que, apesar de suaslirnita~oes, reconhece essas necessidades e desde 0 infcio de seumandato investiu nesse setor. Mas, apesar disso, pode-se verificar quesomente 0 seu trabalho nao e 0 suficiente.

Acredita-se que, tanto a participa~ao dos cidadaos na gestao dacidade, como a atividade educativa para a forma~ao de urna conscienciade cidadania, sao duas questoes que deixaram de ser M muito tempourna necessidade dos partidos chamados de "esquerda", com 0 intuitode fazer a revolu~ao. Contrariamente ao que muitos pens am, a forma~aode urna consciencia de cidadania e a abertura de novos canais departicipa~ao polItic a, constituem-se em uma necessidade basic a parao enriquecimento, reafirma~ao e sustenta~ao do sistema democratico.

Neste sentido, a implementa~ao da participa~ao na gestao dacidade, bem como a atividade educativa que esta implica, deveriamconstituir-se nao s6 nurna tarefa da Prefeitura, como tamMm de todasas institui~oes, organiza~oes e movimentos da sociedade civil que dealguma forma contribuem para a forma~ao de urna cultura polftica.Esta atividade educativa, se articulada ao myel da sociedade civil em

25. Palestra proferida na mesa-redonda: "Partidos Politicos, Representa~ao' eParticipa~ac", coordenada por Miguel Chaia, no VI Congresso dos Soci6logos, SacPaulo, out. 1991.

geral, sera uma via que poderia levar a supera~ao de muitos dosobstaculos encontrados pela gestao petista. Ate que ponto esta gestaopodera contar com 0 apoio das organiza~oes, movimentos e institui~oesda sociedade civil? Hipoteticamente, podemos afrrmar que af esta urnadas maiores dificuldades.

Para que esta administra~ao consiga esse apoio, acreditamos queseja necessario atingir urn consenso no seio da chamada "classepolftica" e das institui~oes, organiza~oes e movimentos democraticosda sociedade civil, a partir da ideia de que, no atual contexto, aparticipa~ao e a cria~ao de urna consciencia de cidadania deixaramde ser fatores desestabilizadores do Estado para se tornarem elementosnecessarios a democracia e a sociedade brasileira em geral. Essaprocura pelo consenso deve estar orientada, principalmente, na tentativade superar 0 "constrangirnento ideol6gico" que ainda persiste emmuitos setores da sociedade e da classe polftica em rela~ao a articula~aodo processo de participa~ao popular. Segundo Maria Vitoria Benavi-des26, esse "constrangirnento ideol6gico" surge na medida em que aideia de participa~ao popular muitas vezes e associada "a temoressobre uma suposta tenta~ao totalitaria", devido a esta lembrar processos"tfpicos de uma revolu~ao,m. a mesma que hipoteticamente irnplicaa participa~ao do povo na dire~ao. Vale mencionar que, no atualcontexto, essa associa~ao participa~ao popular-estrategia comunista naopossui maior fundamento, nao s6 devido ao colapso do socialismoburocratico no Leste europeu, mas tamMm pelo fato de que a questaoda necessidade da participa~ao esta sendo pleiteada por urna outraperspectiva, que engloba a questao da cidadania e 0 fortalecimentodo sistema democratico.

Na tradi~ao polftica brasileira, a instaura~ao de urn novo governo,ao menos aparentemente, em geral significa a nega~ao do governoanterior. Existem, como exemplo, a "Nova Republica" do governo Sarney,o "Brasil Novo" do governo Collor. No myel estadual, 0 "NovoTempo" dos governos Quercia e Fleury. E em myel municipal, 0

"Governo Democratico Popular" da gestao Erundina.Estamos quase no termino da gestao do PT, e podemos preyer

que, ao final do seu mandato, estara ainda no infcio todo esse processo

26. Maria Vitoria Benavides, op. cit.27. Francisco Weffort, op. cit. p. 117.

de implementa~ao de reforma administrativa da cidade. Caso 0 PTnao consiga a reelei~a028, caberia perguntar-nos: sera que 0 grupopolitico que assurnir a administra~ao da cidade dara continuidade aoprocesso de implementa~ao da reforma do aparelho administrativo,principalmente nos itens que dizem respeito a questao da participa~aopopu1ar? 0 fato de a reform a administrativa ser uma iniciativa dagestao petista limitara a continuidade da sua implementa~ao? Pensandonos partidos chamados de "direita": sera que estes se mostraraocoerentes com 0 seu pr6prio discurso de moderniza~ao e democrati-za~ao, possibilitando a continuidade das reformas administrativas?

Para dar continuidade as reform as administrativas do aparelhomunicipal, ap6s 0 termino do mandato da atual gestao, e necessarioque a que a suceda possua, dentre outras coisas, vontade politica.Esta vontade podera surgir a partir da afinidade politico-ideol6gicaque possa existir, ou dos interesses comuns que possam ter tanto 0PT como 0 grupo politico que 0 suceda na administra~ao da cidade.Esses interesses comuns poderao surgir, tamMm, a partir do consensoque se possa conseguir em rela~ao ao carater democrcitico das reformasem andamento. Caso nao exista essa vontade politic a, abre-se apossibilidade de obstaculizar 0 processo de reforma administrativa,principalmente no que tange a articula~ao da participa~ao dos cidadaosna gestao da cidade.

Antes de conduir, diremos que a existencia ou a aprova~ao deuma lei nao constitui uma seguran~a nem uma garantia da suaimplementa~ao; com isto, queremos dizer que a aprova~ao da LeiOrgarucll Municipal, e principalmente dos itens que dizem respeito achamada "participa~ao popular", nao constituem garantia de concre-tiza~ao ap6s 0 mandato da gestao petista. Infelizmente, essa e umagrande debilidade da nossa sociedade e da sua legisla~ao. Comoprincipal expoente temos a Constitui~ao e, para verificar, basta olharmosos arredores da pra~a da Se ou ler 0 famoso Estatuto da Crian~a edo Adolescente.

Apesar disso tudo, a existencia de uma lei que beneficie diretaou indiretamente os setores majoritarios da popula~ao constitui-se num

28. Pressup6e-se que caso urn candidato do PT seja eleito nas elei ••6es de1992, 0 PT teria maiores condi ••6es para implementar a Lei Organica Municipal edar continuidade as obras iniciadas durante a gesta:o Erundina.

grande avan~o na constru~ao de uma sociedade mais justa e democratica.Mas, diante de uma lei que s6 se encontra explicitada no papel ediante de uma classe politic a que faz pouco ou nada por implementa-Ia,resta a sociedade civil em geral organizar-se, pressionar e mobilizar-separa que as leis e os direitos civis, politicos e sociais deixem deconstar somente em documentos e tomem-se realidade. Neste sentido,a nao-concretiza~ao das reformas administrativas ap6s 0 mandato daatual gestao podera, talvez, acarretar como consequencia 0 fato deque estas reform as pendentes venham a constituir -se posteriormenteem bandeira reivindicativa dos chamados "setores populares" e dopr6prio PT, na luta pela democratiza~ao do Estado e da Sociedade.

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Habitar no ABeDpaulista

ou que politicas habitacionais foram adotadas pelasadministra~6es municipais do ABeD no periodo de

1989 a 1992.

Antonio Carlos Kfouri*

A regiao do ABCD paulista e nacionalmente conhecida por sero principal p610 industrial do pais e, devido a grande concentra~aooperaria iniciada na decada de 50 com a implanta~ao da industriaautomobilfstica, por ser 0 ber~o do novo sindicalismo brasileiro surgidono final da decada de 70. Alem do grande numero de industrias ede operarios, e tambem por isso, a regiao do ABCD paulista e localde moradia de uma parte expressiva da popula~ao da Regiao Metro-politana de Sao Paulo (RMSP), a maior concentra~ao de popula~aourbana do pafs, composta por 37 municfpios.

A popula~ao do ABCD, distribufda em 7 municfpios, represent aaproximadamente 15% da popula~ao total da RMSP. Exclufdo 0

municfpio de Sao Paulo, cuja popula~ao equivale e aproximadamente70% da popula~ao da RMSP, os demais 15% da popula~ao encontram-se

* Antonio Carlos Kfouri, arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismoda USP, esta realizando seu mestrado no Curso de Pos-Gradua~ao da FAU-USP, eprofessor-assistente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas,e arquiteto da Companhia Metropolitana de Habita~ao de Sao Paulo - Cohab-SP,atualmente comissionado junto a Prefeitura do Municipio de Sao Bernardo do Campocomo assessor da Secretaria de Obras, e e assessor teenico do movimento populardenominado Comissao da Terra do Jardim Oratorio em Mami-SP.