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DIMAS SOARES JÚNIOR A ORGANIZAÇÃO DE REDES DE UNIDADES PRODUTIVAS COMO INSTRUMENTO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL Londrina 2006

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DIMAS SOARES JÚNIOR

A ORGANIZAÇÃO DE REDES DE UNIDADES PRODUTIVAS COMO INSTRUMENTO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO

TERRITORIAL RURAL

Londrina

2006

DIMAS SOARES JÚNIOR

A ORGANIZAÇÃO DE REDES DE UNIDADES PRODUTIVAS COMO INSTRUMENTO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO

TERRITORIAL RURAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade Estadual de Maringá, em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, como requisito à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Profo. Dro. Rodne de Oliveira Lima

Londrina

2006

DIMAS SOARES JÚNIOR

A ORGANIZAÇÃO DE REDES DE UNIDADES PRODUTIVAS COMO INSTRUMENTO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO

TERRITORIAL RURAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade Estadual de Maringá, em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, como requisito à obtenção do título de Mestre, sob avaliação da seguinte Banca Avaliadora:

18 de janeiro de 2006.

___________________________________________ Profo. Dro. Rodne de Oliveira Lima (PPA-UEL)

(Presidente)

__________________________________________ Dro. Antonio Carlos Laurenti (IAPAR)

(membro)

_________________________________________ Profa. Dra. Márcia Regina Gabardo Câmara (PPA-UEL)

(membro)

à memória de meus pais, Dimas e Cecília

para Cecília

para Vinícius e Gabriel

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo.

Ao Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), nas pessoas daqueles que me ofereceram esta

oportunidade de treinamento, reiterando a confiança que nunca me foi negada.

Ao Márcio, João, Rafael e Simony, pela amizade, pelos ideais compartilhados, pela

disposição no trabalho conjunto.

Ao Sérgio, Rafael Figueiredo, Adenir e todos os(as) demais companheiros(as)

Extensionistas Rurais das Redes, pela amizade e aprendizado oferecidos, pelas experiências

transmitidas.

Ao Profo Rodne, que com sua orientação segura e serena, ofereceu-me a tranqüilidade

necessária para a realização desse trabalho.

Aos profissionais que gentilmente dedicaram parte de seu tempo nas entrevistas realizadas.

Aos membros da banca examinadora pela cuidadosa leitura e relevantes contribuições.

Ao Doretto, Laurenti, Tiago, Flávio, Mauro, Gil e Aníbal, pela amizade e confiança

oferecidos.

Ao Profo Paulo Lopes e ao Francisco, pela cordialidade e atenção que me foram dedicados

durante minha permanência no PPA.

Ao Frei Ildo Perondi a ao Armênio pela boa vontade em atender-me no complemento final

desse texto.

A Profa Cláudia Souza Passador pelo acompanhamento dos primeiros passos desse trabalho.

A Anaís e Paula, pelo entusiasmo motivador.

A Ewelyn e Cássia, pelo apoio sempre solícito.

As minhas irmãs, meus familiares e meus/minhas amigos/as, pelo carinho e respeito que

sempre me dedicaram, fundamentais para tudo que fiz e farei.

Nessuna carovana ha mai raggiunto l'utopia, però è l'utopia che fa andare le carovane

Nenhuma caravana jamais atingiu a utopia, mas é a utopia que faz as caravanas andarem

Provérbio magrebino

RESUMO

SOARES JÚNIOR, Dimas. A ORGANIZAÇÃO DE REDES DE UNIDADES PRODUTIVAS COMO INSTRUMENTO DE APOIO AO DESENVOLVIM ENTO TERRITORIAL RURAL . 2006. 142f. Dissertação (Mestrado em Administração) -Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2006.

A busca de novas estratégias para o desenvolvimento rural, as quais superem as limitações de abrangência e o viés tecnicista hoje predominantes, é uma forte preocupação das instituições públicas e privadas de pesquisa e desenvolvimento que atuam nesta área. Com o objetivo de contribuir nessa discussão, o presente estudo discute as possibilidades da organização de redes de unidades produtivas como instrumento de apoio ao desenvolvimento territorial rural, tomando como objeto de análise empírica o projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar, conduzido no Estado do Paraná, sob responsabilidade do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/PR). Para tanto, apresenta primeiramente em seus aspectos teóricos e conceituais, os enfoques de redes interorganizacionais e de desenvolvimento rural sob a ótica territorial. Partindo do referencial teórico analisado e de informações coletadas junto a sete especialistas envolvidos com o tema, cujas contribuições foram discutidas com o uso da técnica da análise de conteúdo, o trabalho caracteriza, teórica e conceitualmente, as Redes de Referências para a Agricultura Familiar e discute a sua pertinência às ações de desenvolvimento territorial rural, bem como os ajustes necessários para a sua adoção nessa perspectiva. Considerando aspectos relativos à formação de capital social, à valorização de atributos para a construção de territórios e ao incentivo do desenvolvimento endógeno, a pesquisa aponta a adoção da estratégia de redes de unidades produtivas como instrumento adequado às ações de desenvolvimento territorial rural. Constata também que as perspectivas da inovação tecnológica e gerencial; de aumento da competitividade territorial; de aprimoramento institucional associado à transformação dos sistemas produtivos; e a possibilidade de validação e transferência de inovações surgidas no meio rural, todos elementos presentes no projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar, qualificam-no como potencialmente útil às ações desenvolvidas sob o enfoque do desenvolvimento territorial rural. O texto aborda ainda as perspectivas futuras para o projeto Redes de Referências, considerando sobretudo os aspectos necessários para a sua adequação ao enfoque do desenvolvimento sob a ótica territorial. Tais aspectos são discutidos considerando o escopo atual do projeto, as mudanças de ordem metodológica e/ou operacional pertinentes e, ainda, os ajustes necessários no plano institucional para a sua implementação, oferecendo, assim, elementos que devem permitir uma melhor adequação da proposta às ações de desenvolvimento territorial rural. Palavras-Chave: redes interorganizacionais. redes de unidades produtivas rurais. desenvolvimento territorial rural.

ABSTRACT

A major concern of public and private development oriented organizations is the development of broad scope rural development strategies. Such strategies need the economic and social aspects of development, in additions to its technical aspects. In this dissertation I discuss the potential of reference farm networks as a conceptual tool to support the terroir development approach. The empirical basis was the project Reference Family Farms Network, conducted by Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) and Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/PR) in the State of Paraná, southern Brazil. I present the theoretical and conceptual bodies of the farm network approach and terroir development approach. On the basis of these approaches and on information from seven experts on rural development, I used the content analysis technique in order to assess the potential of the two theoretical bodies. As a result of this exercise, I propose adjustments in the methodologies so as to increase the adoption and the efficiency of the development strategy. The adjustments concerned mainly the increase in social capital, the construction of terroirs and incentives to endogenous development. In addition, I observe that some perspectives of the Family Farms Reference Network are highly valuable for the terroir development approach, namely the perspectives of technologic and management innovations, of the increase in the terroir competitiveness, and of the institutional improvement associated with the transformations of production systems. I also explore the prospect of the Family Farms Reference Network Project considering the requisites to convey it to the terroir development approach. Such requisites comprise methodological, operational, and even its very scope, which bring altogether and instutional/implemention consequences. They are, however, key elements for the improvement of terroir development in the context of rural development iniatives. Key-Words: interorganizational networks. rural firms networks. terroir development.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo geral de rede para o desenvolvimento de um sistema econômico local .51

Figura 2 – Territórios do Estado do Paraná, 2005.................................................................55

Figura 3 – Hierarquia, mercado e redes.................................................................................67

Figura 4 – A evolução dos conceitos de redes em uma perspectiva organizacional.............76

Figura 5 – Rede ciência, tecnologia e mercado de Callon ....................................................79

Figura 6 – Complementaridade de conhecimento na rede ....................................................82

Figura 7 – Visão geral da estrutura Redes de Propriedades de Referências do Institut de l’Élevage com o número de propriedades e de técnicos participantes ...............87

Figura 8 - Estrutura organizacional das Redes de Referências. ............................................94

Figura 9 – Etapas do trabalho das Redes de Referências ......................................................96

Figura 10 – Estrutura e distribuição regional das Redes de Referências para a Agricultura Familiar no Paraná..............................................................................................97

Figura 11 – Municípios onde existem estabelecimentos das Redes e principais atividades econômicas que compõem sistemas de produção em estudo .............................98

Figura 12 – Modelo de pesquisa adotado............................................................................107

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais características dos modelos de desenvolvimento rural exógeno e das abordagens endógenas .......................................................................................44

Quadro 2 – Territórios selecionados para trabalho no Estado do Paraná..............................55

Quadro 3 – Síntese dos aspectos epistemológicos considerados na análise de Vizeu ..........66

Quadro 4 – Tipologia geral de redes organizacionais ...........................................................71

Quadro 5 – Tipologias específicas de redes organizacionais elaborada a partir da contribuição de diferentes autores .........................................................................................73

Quadro 6 – Identificação das questões de pesquisa e dos objetivos contemplados nas diferentes questões do roteiro utilizados nas entrevistas com técnicos...........103

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Rede urbano-rural brasileira .................................................................................35

Tabela 2 - Evolução da população do Brasil, 1981– 99 ........................................................36

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Tipologia das regiões da OCDE segundo seu grau de ruralidade: participação relativa da população .........................................................................................140

Anexo B – Relação nominal dos técnicos entrevistados, com a indicação da instituição a qual vinculam-se, bem como da função e/ou das atividades desenvolvidas que os credenciam para a colaboração na pesquisa ......................................................141

Anexo C – Modelo do roteiro de entrevista utilizado com os técnicos ...............................142

SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CEDRAF - Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar

CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe

CNDRS - Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

DTR – Desenvolvimento Territorial Rural

EMATER/PR – Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural

FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação

FIDA - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola

GTZ – Sociedade Alemã de Cooperação Técnica

IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná

IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SEAB – Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná

SDT – Secretaria de Desenvolvimento Territorial / Ministério do Desenvolvimento Agrário

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

1.1 O PROBLEMA DE PESQUISA E SUA DELIMITAÇÃO............................................... 15

1.2 OBJETO DE PESQUISA................................................................................................... 18

1.3 OBJETIVOS DO TRABALHO ......................................................................................... 21

1.4 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ................................................................................... 22

1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO....................................................................................... 25

2 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL................ ......................................... 26

2.1 OS ANTECEDENTES DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL.............. 27

2.2 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS .................................................................... 32

2.2.1 Novos Enfoques para o Rural....................................................................................... 32

2.2.2 Territórios ...................................................................................................................... 39

2.2.2 Desenvolvimento ............................................................................................................ 41

2.3 PREMISSAS E POSSIBILIDADES PARA A OPERACIONALIZAÇÃO...................... 45

2.4 AÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL NO BRASIL E NO PARANÁ.................................................................................................................................. 52

3 REDES INTERORGANIZACIONAIS ............................................................................. 57

3.1 POR QUE REDES E PARA QUE ESTUDÁ-LAS ?......................................................... 57

3.2 ABORDAGENS PARADIGMÁTICAS PRESENTES NOS ESTUDOS SOBRE REDES ..................................................................................................................................... 62

3.3 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS .................................................................... 67

3.4 TIPOLOGIAS DE REDES................................................................................................. 71

3.5 REDES E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ........................................................................ 76

3.6 REDES E GESTÃO DO CONHECIMENTO....................................................................80

4 AS REDES DE REFERÊNCIAS PARA A AGRICULTURA FAMILI AR................... 84

4.1 ANTECEDENTES DO PROJETO E A EXPERIÊNCIA DO INSTITUT

DE L’ÉLEVAGE....................................................................................................................... 84

4.2 OBJETIVOS E OPERACIONALIZAÇÃO DAS REDES................................................. 88

4.3 METODOLOGIA DE TRABALHO UTILIZADA E ESTRUTURA ATUAL ................ 94

5 METODOLOGIA................................................................................................................ 99

5.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA............................................................................. 99

5.2 UNIVERSO DE PESQUISA, FONTES E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS............................................................................................................................ 100

5.3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES .................................................................................. 104

5.4 MODELO DE PESQUISA............................................................................................... 106

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................................... 108

6.1 REDES: CLASSIFICAÇÃO TEÓRICA E CONCEITUAL ............................................ 108

6.2 A ESTRATÉGIA DE REDES E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL 113

6.2.1 Adequação .................................................................................................................... 113

6.2.2 Potencialidades e Limitações ...................................................................................... 115

6.3 O PROJETO REDES E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL ..............118

6.3.1 Potencialidades ............................................................................................................ 118

6.3.2 Limitações .................................................................................................................... 121

6.4 PERSPECTIVAS PARA AS REDES.............................................................................. 123

6.4.1 Mudanças de escopo .................................................................................................... 123

6.4.2 Mudanças de ordem metodológica e/ou operacional................................................ 125

6.4.3 Mudanças de ordem organizacional .......................................................................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 131

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 133

ANEXOS ............................................................................................................................... 140

15

1. INTRODUÇÃO

1.1 O problema de pesquisa e sua delimitação

Não obstante caracterizar-se sob inúmeros aspectos como segmento econômico fundamental

para a economia do país, os agronegócios brasileiros vivenciam um período de contínuas

mudanças, diante das quais torna-se crucial a capacidade de adaptação e transformação de

seus diferentes agentes.

Se os últimos anos têm evidenciado sobretudo a transformação tecnológica do campo, com

contínuos incrementos na produtividade física da agropecuária, o momento atual aponta para

mudanças nos padrões de relacionamento entre os agentes econômicos presentes em distintos

segmentos das cadeias produtivas agroindustriais, entre as quais podem-se citar o aumento na

adoção de contratos na relação entre os agricultores e os demais segmentos das cadeias

(Zylbersztajn, 2005), e a expressiva utilização da terceirização como estratégia para execução

dos trabalhos agrários (Laurenti, 2000), fatos que fazem com que os estudos e análises

voltados à compreensão dos fenômenos do setor tenham de levar em conta novas abordagens

que não somente aquelas de viés tecnológico.

Neste contexto, evidencia-se a necessidade de enfoques que tomem em conta também

aspectos relativos à gestão das unidades produtivas rurais. Trata-se de investigar, por

exemplo, a natureza da organização e operacionalização de redes interorganizacionais, bem

como a própria visão de desenvolvimento, que passa a ser tomado dentro de uma abordagem

mais ampla privilegiando a construção territorial.

Diante destes fatos, os desafios inerentes ao desenvolvimento de sistemas de produção

agropecuários competitivos e sustentáveis ganham maior complexidade, exigindo respostas

efetivas nas agendas de trabalho de inúmeras organizações públicas e não-governamentais de

pesquisa e desenvolvimento que realizam ações neste campo.

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No estado do Paraná, uma das iniciativas conduzidas na perspectiva de oferecer tais respostas

é a implantação das “Redes de Referências para a Agricultura Familiar1” , trabalho iniciado

em junho de 1998 pela Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural

(EMATER/PR) e pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), sob os auspícios do projeto

de Estado “Paraná 12 Meses” (MANUAL, 1999).

O projeto propõe uma metodologia de pesquisa adaptativa, que tem por objeto a validação e a

difusão de tecnologias, apoiada em redes de estabelecimentos agropecuários – grupos de

estabelecimentos representativos dos sistemas de produção2 encontrados em uma dada região

agrícola, analisados e acompanhados com o enfoque sistêmico que, após experimentarem

intervenções para a sua melhoria, servem para o fornecimento de referências técnicas e

econômicas (PASSINI, 1997).

A partir do acompanhamento desses estabelecimentos, procura-se elaborar sistemas de

produção adaptados à região e passíveis de serem adotados por um maior número de

produtores. Os sistemas de produção são analisados no seu conjunto - produção animal,

vegetal, florestal; e recursos naturais, financeiros e humanos, avaliando-se sua viabilidade a

partir dos resultados econômicos alcançados pelos mesmos.

A integração entre agricultores, extensionistas e pesquisadores proporcionada pelas Redes

torna possível compreender o funcionamento e a evolução dos sistemas de produção no curto

e médio prazo e também fazer os ajustes e análises de sistemas inovadores, podendo-se ainda

1 Com o intuito de oferecer maior fluidez de leitura, tal projeto passa a ser designado simplesmente por Redes na continuidade deste documento. 2 Entende-se como sistema de produção a associação entre a categoria social do agricultor, a qual toma como critérios de definição o seu montante de capital fixo, a área explorada e a proporção entre a mão-de-obra familiar e contratada utilizadas; e as atividades predominantes em sua unidade produtiva, considerando como tal aquelas que participam com pelos menos 30% da receita bruta alcançada (p.ex. Empresário Familiar Café + Leite, Empresário Capitalista Soja + Milho + Trigo, etc.).

17

utilizar os estabelecimentos participantes do projeto como local de teste e validação de

tecnologias desenvolvidas em estações experimentais.

Em suma, as Redes propõem uma complementação; em algumas situações uma total

reformulação dos métodos, técnicas e procedimentos de pesquisa e extensão rural para que

seja possível, ao obterem-se referências e parâmetros técnicos e econômicos, subsidiar a

agricultura familiar em tecnologias apropriadas e novos arranjos de seus sistemas de

produção, os quais devem possibilitar a melhoria da renda e da qualidade de vida.

Entretanto, muito embora as Redes tenham oferecido alternativas no sentido de propiciar o

intercâmbio técnico entre os agricultores colaboradores3, e inúmeras ações de difusão de seus

resultados tenham sido desenvolvidas, utilizando-se para tanto publicações técnicas,

instrumentos clássicos da extensão rural como dias de campo e excursões, além de alguns

instrumentos inovadores, como os dias de porteiras abertas e outros (MIRANDA e

DOLIVEIRA, 2005), constata-se que o seu potencial de uso como estratégia de apoio às ações

de desenvolvimento rural ainda não foi plenamente explorado4.

Associado a isso, se tem o fato de que a concepção inicial do projeto, focada no setor

agropecuário, não previa o seu uso em estratégias de desenvolvimento rural mais amplas, tais

quais as ações de caráter multisetorial previstas nos projetos sob o enfoque do

desenvolvimento territorial rural, aspectos que tornam necessária a reflexão acerca do futuro

das Redes como estratégia de P&D, tomando em conta a possível disseminação do enfoque do

desenvolvimento rural sob a ótica territorial.

3 Os encontros regionais e estaduais dos agricultores colaboradores e as reuniões de restituições de dados para análise do desempenho individual e coletivo nas diferentes atividades ao longo das últimas safras são alguns dos exemplos dessas alternativas (MIRANDA e DOLIVEIRA, 2005). 4 Fatores de ordem administrativa que serão apresentados no capítulo 4 como, por exemplo, as dificuldades na alocação de técnicos para a constituição plena das equipes, certamente contribuíram para tanto. Contudo, a presente discussão estará naturalmente focada nos aspectos de ordem teórica, conceitual e operacional, os quais, acredita-se, também tenham sido relevantes, e o serão a cada dia mais, para esta situação.

18

É justamente tal reflexão que se busca no presente trabalho, no qual discute-se a possibilidade

de implantação de redes de unidades produtivas como instrumento de propostas de

desenvolvimento territorial rural.

Sendo assim, a questão de pesquisa que orientou essa pesquisa pode ser apresentada na forma

de duas interrogações complementares :

• As redes de unidades produtivas rurais podem se constituir em um instrumento útil

ao processo de desenvolvimento territorial rural ?

• Em que medida as Redes hoje implantadas podem ser ajustadas para que sua

utilização seja potencializada em um contexto mais amplo de desenvolvimento ?

Respondendo essas questões, o projeto tem a pretensão de servir a todos os diferentes agentes

atuantes em ações para o meio rural.

A seguir, apresenta-se o objeto da presente pesquisa, bem como seus objetivos, discutindo-se

alguns aspectos que justificam a sua realização.

1.2 Objeto de pesquisa

O objeto da presente pesquisa pode ser compreendido em dois diferentes níveis. No nível

teórico, trata-se de analisar a potencialidade de organização de redes interorganizacionais

como instrumento de desenvolvimento territorial rural. Já no nível empírico, trata-se de

analisar as Redes organizadas pela EMATER/PR e IAPAR em conformidade com a questão

de pesquisa acima enunciada.

19

Preliminarmente à discussão teórica conceitual, que será apresentada no espaço

apropriado, deve-se antecipar que no contexto desta pesquisa concebe-se redes

interorganizacionais segundo o conceito proposto por Migueletto (2001, p.48):

A rede é um arranjo organizacional formado por um grupo de atores, que se articulam – ou são articulados por uma autoridade - com a finalidade de realizar objetivos complexos, e inalcançáveis de forma isolada. A rede é caracterizada pela condição de autonomia das organizações e pelas relações de interdependência que estabelecem entre si. É um espaço no qual se produz uma visão compartilhada da realidade, se articulam diferentes tipos de recursos e se conduzem ações de forma cooperada. O poder é fragmentado e o conflito é inexorável, por isso se necessita de uma coordenação orientada ao fortalecimento dos vínculos de confiança e ao impedimento da dominação.

Também antecedendo a discussão no que diz respeito a territórios, cabe primeiramente

destacar as considerações de Villa Verde (2003), que afirma que, muito embora o verbete

território possa ser encontrado hoje em inúmeros textos sobre desenvolvimento, urbanismo,

agricultura familiar, regiões, etc., a noção de território encontra-se vulgarizada e o termo

perde gradualmente sua capacidade explicativa.

Para aquela autora, território aparece ora como sinônimo de um espaço definido política e

juridicamente, ora como a base física que abriga determinada sociedade ou grupo, ora como o

espaço em que se inserem atividades econômicas especializadas. No senso comum, território

liga-se a um determinado espaço, podendo abrigar uma nação, um grupo étnico, determinadas

espécies animais, formação geológica, etc. Diante de tal abrangência é fundamental que seja

definida a visão de território considerada no presente trabalho.

Seguindo o conceito proposto em Ministério (2005a, p.28), define-se território para fins do

presente estudo como:

...um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial.

20

Complementarmente, assume-se também a definição de território rural proposta por

aquele trabalho, qual seja:

São os territórios, conforme definidos anteriormente, onde os critérios multidimensionais que o caracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam a coesão social, cultural e territorial, apresentam explicita ou implicitamente a predominância de elementos “rurais”*. Nestes territórios incluem-se os espaços urbanizados que compreendem pequenas e médias cidades, vilas e povoados. *Ambiente natural pouco modificado e/ou parcialmente convertido a atividades agro-silvo-pastoris; baixa densidade demográfica população pequena; base na economia primária e seus encadeamentos secundários e terciários; hábitos culturais e tradições típicas do universo rural. (MINISTÉRIO, 2005a, p.28)

Deste modo, o termo território deve ser entendido como uma definição técnica a priori de

um tipo de região com certa homogeneidade em suas características socioeconômicas e

fisiográficas, que se constitui numa base a partir da qual possa se desenvolver o

consenso institucional necessário à formulação de políticas de desenvolvimento.

Considera-se, portanto, que as “fronteiras” dos territórios rurais estão continuamente sujeitas a

modificações em função da evolução dos arranjos locais, tanto de natureza produtiva quanto

política.

Finalmente, cabe apresentar o objeto empírico do presente estudo, as Redes de Referências

para a Agricultura Familiar, definidas como um conjunto de estabelecimentos agropecuários

representativos de determinado sistema de produção familiar, que após processo de

otimização, visando a ampliação de sua eficiência e sustentabilidade, conduzido por

agricultores e técnicos, servem como referência técnica e econômica para as outras unidades

por elas representadas.

Implantadas em onze regiões administrativas da EMATER/PR, as Redes contam em cada

região com um Extensionista Rural daquela empresa que é o responsável pelo

acompanhamento por vinte estabelecimentos, em média, técnico que se convencionou chamar

de Extensionista de Redes.

21

As regiões são agrupadas em três mesorregiões: Norte, Noroeste e Oeste/Sudoeste. Em cada

uma delas há uma equipe de três técnicos das áreas de sócio-economia, fitotecnia e zootecnia,

chamados de Articuladores Mesorregionais. Sua função primordial é dar apoio metodológico

e técnico aos Extensionistas de Redes, fazer a consolidação e análise das informações dos

sistemas de produção em estudo na mesorregião e promover a articulação com outros agentes,

em especial, com os órgãos de pesquisa. Pesquisadores do IAPAR, especialistas da

EMATER/PR e consultores estão cumprindo esta função.

A coordenação estadual, composta por técnicos do IAPAR, da EMATER/PR e da Unidade de

Gerenciamento do Paraná 12 Meses, é responsável pela unidade do trabalho e pela articulação

do projeto no âmbito da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, instituições

parceiras e de outras organizações e atividades ligadas ao desenvolvimento rural. Atualmente

participam do trabalho por volta de 200 agricultores.

1.3 Objetivos do trabalho

As Redes hoje instaladas concentram seus esforços no campo das tecnologias de produção e

gestão, pouco operando no contexto do desenvolvimento territorial rural, uma das premissas

que se coloca hoje para o crescimento sustentável no campo. Deste modo torna-se oportuno

discutir a forma de apropriação desta estratégia no sentido de uma proposta mais ampla de

desenvolvimento.

Assim, a pesquisa que originou esse trabalho teve os seguintes objetivos:

22

• Objetivo Geral:

Discutir e analisar as potencialidades e as limitações de utilização das redes de unidades

produtivas rurais como instrumento de desenvolvimento territorial rural.

• Objetivos Específicos

Caracterizar a adoção de redes de unidades produtivas no contexto rural, tal qual proposta no

projeto Redes de Referências, à luz das diferentes tipologias e abordagens paradigmáticas

existentes.

Discutir o método de implantação e condução hoje utilizado nas Redes de Referências,

avaliando a necessidade e possibilidades de ajustes em face de um contexto mais amplo de

desenvolvimento territorial rural.

Propor, a partir da análise dos resultados da pesquisa, um novo modelo de implantação de

redes de unidades produtivas rurais.

1.4 Justificativa da pesquisa

A importância dos agronegócios anteriormente indicada justifica o desenvolvimento de

esforços no sentido de buscar avanços nos processos de gestão organizacional das unidades

produtivas rurais. Novos programas de Estado para o campo devem tomar em conta a questão

da organização dos territórios, de forma que se torna importante estabelecer as reflexões

propostas neste estudo.

A implantação de redes interorganizacionais tem-se apresentado como uma estratégia

adequada para as empresas que buscam respostas frente às freqüentes e intensas

23

transformações verificadas no ambiente de negócios. (PECI, 2000; LOIOLA e MOURA,

1996).

Conforme afirmam Balestrin e Fayard (2003), citando levantamento internacional, o tema

redes interorganizacionais tem sido crescentemente estudado desde 1980, de modo que mais

de uma centena de artigos que o abordam explicitamente foram publicados em revistas

científicas da área de administraçao e sociologia das organizações, entre aquele ano e o ano de

1998. No Brasil, entre 1999 e 2003, 71 trabalhos foram apresentados em eventos e/ou

publicados em períodicos das áreas de administraçao, economia e sociologia rural; a

contribuição sobre o tema é crescente, avançando de quatro trabalhos no primeiro ano, para

23 contribuições no último ano da série. (SOARES JÚNIOR, 2004)

No que diz respeito às unidades produtivas rurais, paralelamente ao progresso no campo das

tecnologias de produção, faz-se necessário também o desenvolvimento de novas alternativas

de gestão, entre as quais, pode ser considerada a formação de redes com diferentes

finalidades.

No Estado do Paraná, o projeto Redes foi implantado segundo os preceitos metodológicos da

abordagem sistêmica de pesquisa e desenvolvimento rurais. Nela rejeita-se a idéia de que cada

componente de um dado sistema de produção agropecuário funcione isoladamente do meio

ambiente e independentemente dos outros componentes. A abordagem sistêmica é uma

abordagem holística, na qual os sistemas devem ser tratados no seu conjunto, com ênfase

principalmente na interação deste com o meio ambiente e na interação das partes que o

constituem.

Esta abordagem mostra-se adequada para a organização de redes, uma vez que o princípio de

interação é comum tanto quanto nas redes como nos sistemas. Constata-se, entretanto, que

24

esta estratégia não tem impedido que recaía sobre esta ação o risco presente em iniciativas

similares, qual seja, o de que

Freqüentemente as políticas públicas são formuladas e implementadas a partir de leituras parciais da realidade, procurando atender a setores sociais específicos, com pouca atenção às interdependências e às complementaridades. As iniciativas em regionalização de políticas tomaram rumos diversos, mas a maioria delas terminou por reforçar distorções econômicas e sociais. (MINISTÉRIO, 2005a, p.23).

Naquele mesmo texto afirma-se também que:

... o desenvolvimento sustentável dos territórios rurais depende também de diversos outros fatores, propiciados pelas políticas públicas e pela reação organizada da sociedade. Essas políticas deverão apoiar a formação de infraestruturas sociais e econômicas, favorecer o acesso aos serviços públicos essenciais e à assistência técnica qualificada, implementar mecanismos de desenvolvimento e de proteção social, promover o ordenamento territorial, incentivar a prática de inovações tecnológicas, sociais e institucionais e promover a diversificação econômica. As políticas de incentivo ao desenvolvimento territorial deverão conjugar, harmonicamente, as quatro dimensões fundamentais do desenvolvimento sustentável. (MINISTÉRIO, 2005a, p.25).

Vê-se, portanto, que a necessidade de incentivar a prática de inovações tecnológicas, sociais

e institucionais enquadra-se como um dos objetivos precípuos das Redes, razão pela qual

buscar-se-á nesta pesquisa estudar a viabilidade de ampliar tal abordagem para a consecução

de objetivos que a potencializem e levem-na para além da obtenção de sistemas de produção

agropecuários melhorados.

Ademais, a revisão bibliográfica elaborada confirma a pertinência da discussão de aspectos

teóricos e conceituais da implantação de redes interorganizacionais de unidades produtivas

rurais, uma vez que são raros os estudos sobre o assunto, os quais, em sua maioria,

privilegiam componentes empíricos, ou tratam da interação com segmentos a montante nas

cadeias agroindustriais.

25

1.5 Estrutura do trabalho

O estudo está organizado em seis capítulos, além desta Introdução. No capítulo 2 é

apresentada a revisão da literatura acerca do enfoque do desenvolvimento territorial rural,

organizado em quatro principais tópicos: discussão dos antecedentes que cercam o tema, seus

aspectos teóricos e conceituais, contemplando os conceitos acerca do rural do território e do

desenvolvimento, além das premissas e perspectivas para sua operacionalização e as ações em

curso para implantação de projetos sob tal enfoque no Brasil e no Paraná.

O capítulo 3 apresenta o referencial teórico referente às redes interorganizacionais. A

discussão está organizada de modo que primeiramente apresente-se o tema e justifique-se a

sua relevância para estudo, destacando-se a seguir as abordagens paradigmáticas utilizadas em

sua análise, os aspectos teóricos e conceituais envolvidos nos trabalhos que o contemplam e

as tipologias de redes. Dado o foco desta pesquisa, discute-se em maior detalhe na seqüência

duas situações particulares na utilização de redes, quais sejam, suas aplicações na inovação

tecnológica e na gestão do conhecimento.

O capítulo 4 apresenta em detalhe o objeto empírico do trabalho, o projeto Redes de

Referências para a Agricultura Familiar, oferecendo ao leitor elementos para melhor

compreensão dos resultados e discussão que serão trazidos no capítulo 6, posteriormente à

apresentação da metodologia empregada para a execução do trabalho, a qual está apresentada

no capítulo 5.

Finalmente, o capítulo 7 contempla as conclusões finais do estudo, trazendo ainda as

recomendações julgadas pertinentes.

26

2. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

Como lembra Veiga (1999), em texto no qual busca discutir a face territorial do

desenvolvimento, a associação do adjetivo territorial ao substantivo desenvolvimento deve ser

investigada inicialmente sob duas principais hipóteses. A primeira, de que tal associação

envolve uma revalorização efetiva da dimensão espacial da economia; a segunda, de que se

trata na verdade de mais uma das infindáveis iniciativas de se adjetivar desenvolvimento, sob

as mais diferentes argumentações.

O fato é, ainda segundo aquele autor, que se vivencia hoje uma mudança semântica no debate

público sobre desenvolvimento rural, marcada pela constatação coletiva de que as noções até

então utilizadas não mais correspondem à interpretação que se faz dos problemas enfrentados,

nem tampouco exprimem o caráter das soluções propostas, fazendo com que, em tais

situações, tal debate seja marcado pela imprecisão, fluidez e ambigüidade (VEIGA, 1999,

p.1318).

Assim, o desafio deste capítulo mostra-se redobrado, uma vez que além da noção de

desenvolvimento e território, também a noção de rural encontra-se em debate semelhante,

precisando ser claramente apresentada no que concerne a sua utilização no presente trabalho.

O capítulo é organizado de modo a oferecer primeiramente os antecedentes que trouxeram à

tona o debate acerca do desenvolvimento territorial rural5, procurando permitir que a leitura

seguinte, dos aspectos teóricos e conceituais que o fundamentam, dê-se em um contexto já

delimitado. Na seqüência, apresentam-se as premissas e possibilidades de operacionalização

que o enfoque oferece, descrevendo-se então algumas ações para a sua implementação no

Brasil e no Estado do Paraná.

5 Para maior fluidez no texto e maior comodidade do leitor, o enfoque do “Desenvolvimento Territorial Rural” será designado doravante pela abreviatura “DTR” no corpo deste documento.

27

2.1 Os antecedentes do Desenvolvimento Territorial Rural

A busca de novas abordagens para as políticas e ações visando o desenvolvimento rural no

contexto latino-americano parte, na visão de Schejtman e Berdegué (2004), de uma

lamentável constatação: não obstante os esforços empreendidos, a pobreza rural tem se

mantido constante nas últimas três décadas, afetando entre 20 e 86% da população rural,

dependendo do país considerado6, denotando a limitação e pouca eficiência das políticas até

então adotadas.

A persistência das desigualdades regionais e setoriais de natureza sociais e econômicas

também se evidencia no Brasil (MINISTÉRIO, 2005a), e no que diz respeito ao Estado do

Paraná, observa-se que o número de pessoas abaixo da linha da pobreza alcança 20,5% da

população rural, índice muito superior aos 8,6% verificados entre a população urbana

(DORETTO et al., 2003).

Diante dessas constatações, “... são cada vez mais numerosos aqueles que pensam que, se

queremos que os resultados sejam diferentes no futuro, devemos evitar seguir fazendo mais

do mesmo” (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2004, p. 8, tradução nossa). Com efeito, a

literatura sobre o tema aponta que a identificação de mudanças nos condicionantes externos

do desenvolvimento rural e de limitações na capacidade de respostas das políticas tradicionais

transcende em muito o âmbito da América Latina, onde tem sido disseminada por organismos

internacionais como o Banco Mundial, BID, FAO, CEPAL e IICA, bem como por agências

de cooperação como o GTZ e o FIDA, encontrando-se em marcha, obviamente com fatores

motivadores distintos, na União Européia, Estados Unidos e Canadá, locais nos quais pode-se

identificar uma convergência na busca de novos enfoques para tratar a questão

6 Há de se considerar que os diferentes parâmetros de delimitação dos espaços rurais adotados nesses paises também devem estar contribuindo para tal variação.

28

(ABRAMOVAY, 2003; BEDUSCHI FILHO e ABRAMOVAY, 2003; SCHEJTMAN e

BERDEGUÉ, 2004; VEIGA, 1999).

Entretanto, quais seriam efetivamente as mudanças de condicionantes externos e os pontos de

convergência possíveis de serem identificados nas novas políticas que se pretendem

implementar para o desenvolvimento rural ?

No que tange às novas características e condicionantes externos do desenvolvimento rural

latino-americano, Schejtman e Berdegué (2004) apontam e discutem nove principais fatores,

seis dos quais são agrupados aqui, destacando-os nos quatro tópicos seguintes:

i) Os efeitos da globalização, com a abertura das economias e os processos de

concentração e internacionalização das indústrias agroalimentares, notadamente no

segmento varejista;

ii) As mudanças na dinâmica do emprego rural com o crescimento do emprego rural

não agrícola;

iii) As demandas por participação e cidadania, bem como os processos de

descentralização administrativa decorrentes do avanço nos sistemas democráticos;

e

iv) As mudanças nos padrões culturais das populações rurais, especialmente entre os

mais jovens, em virtude do maior contato com o urbano e do avanço dos meios de

comunicação.

Já no tocante aos pontos de convergência, é possível identificar na literatura sobre o tema

dois aspectos principais. O primeiro diz respeito à importância assumida pelo debate sobre

desenvolvimento econômico e espaço, ao qual conjuga-se, como segundo aspecto, a

29

identificação dos aportes do chamado capital social, abordagens que naturalmente extrapolam

os limites do rural mas são úteis para a sua análise.

Segundo Veiga (1999), o debate sobre desenvolvimento econômico e espaço se apresenta

quando da identificação, em meados dos anos 80, de regiões européias nas quais a

combinação entre eficiência e altos níveis de emprego permitiam que se superasse a recessão

econômica então predominante no continente, trazendo a inevitável pergunta acerca da

possibilidade de que os modelos de desenvolvimento ali presentes pudessem ser replicados

para outros países e regiões.

Neste cenário, a experiência vivenciada na região da Emilia-Romagna, no nordeste da Itália,

tornou-se paradigmática7, despertando grande interesse e entusiasmo entre os estudiosos do

desenvolvimento rural latino-americano, porque na maioria dos casos incorporou os pequenos

e médios produtores, aproveitando a razoável distribuição de renda existente e as vantagens

de custos e flexibilidade de trabalho que esta condição permitia, ampliando desse modo o

número de agricultores pluriativos. Deste modo, fez com que estes produtores passassem a

desempenhar uma importante função tanto na etapa inicial como nas etapas intermediárias e

posteriores do desenvolvimento local, ao oferecer, entre outros fatores, a produção de

subsistência, a moradia e os recursos humanos para iniciativas empresariais endógenas,

adaptadas às condições locais (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2004)8

Conforme descrevem aqueles autores, para a análise destes casos exitosos de

desenvolvimento são resgatados pelos estudiosos italianos os aportes teóricos oferecidos pelo

7 Regiões como o “Vale do Silício” na Califórnia, a “Rota 128” nas cercanias de Boston, o Oeste de Flanders na Bélgica além de outras regiões italianas têm merecido atenção similares (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2004; VEIGA, 1999). As considerações no presente estudo estarão focadas na região mencionada, não somente pelo escopo do trabalho, mas sobretudo pelos fortes vínculos daquela experiência com a questão do DTR. 8 Veiga (1999) ressalta que os estudos sobre tal experiência, muito embora apontem o legado da agricultura familiar como condição necessária, colocam-no longe de ser condição suficiente. Entre outros fatores necessários são destacados aspectos de infra-estrutura e condições que estimulem o empreendedorismo dos agentes econômicos.

30

economista inglês Alfred Marshall, o qual, em seu clássico livro “Princípios de Economia”,

descreve as vantagens decorrentes do adensamento na localização das atividades produtivas

em “distritos industriais”, com a redução dos custos de produção pela presença de: i) um

conjunto de trabalhadores qualificados; ii) um acesso fácil a insumos e serviços

especializados; e iii) facilidade para a disseminação de novos conhecimentos, técnicas e

tecnologia, dada a existência de um fator intangível, uma ‘atmosfera industrial’ entremeada de

costumes e sensibilidades úteis.

Na discussão sobre desenvolvimento econômico e espaço soma-se à abordagem destes então

chamados novos distritos industriais o conceito de clusters também derivado dos princípios

marshallianos, definidos como sendo “...concentrações geográficas de companhias e

instituições em um campo particular” (PORTER, 1986. p.78). Tais concentrações oferecem a

possibilidade de, ao reunir componentes da cadeia de valor em um mesmo âmbito territorial,

gerar oportunidades de ganhos de eficiência coletiva decorrentes não somente das economias

externas descritas por Marshall, mas também de redução nos custos de transação e da ação

concertada.

Entretanto, para além dos aspectos de ordem meramente econômica capazes de influenciar a

localização e o desempenho de empresas e dos trabalhadores, o que os estudos sobre estas

experiências denotam é o papel desempenhado pela confiança, interconhecimento e interação

social entre os indivíduos, indicando que os motivos do êxito de tais iniciativas devem levar

em conta também aspectos relacionados à história, antropologia cultural e sociologia

(ABRAMOVAY, 2003; IPIRANGA, 2001). Dito de outro modo, destaca-se o fato de que

O importante é que um ambiente de cooperação entre empresas – no sentido da troca de informações, da preocupação comum com a formação dos trabalhadores, com a implantação dos serviços indispensáveis ao seu funcionamento e com a qualidade de vida numa certa região – é uma das bases essenciais para o processo de desenvolvimento. (ABRAMOVAY, 2003, p. 91)

31

É aqui que a discussão acerca do desenvolvimento econômico e espaço deve ser

complementada, sendo utilizado para tanto o conceito de capital social presente no trabalho

de Robert Putman, que o descreve como sendo “....características da organização social

como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da

sociedade, facilitando as ações coordenadas.” (PUTMAN, 1996, p.177) - o que, no caso

italiano estudado por aquele autor, resultaria na noção da comunidade cívica, na qual a

presença de espírito público e de participação dos cidadãos em um ambiente de relações

políticas igualitárias resulta em uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração.

Como constata Abramovay (2003, p.86), a noção de capital social nos permite observar que

“... os indivíduos não agem independentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de

maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta” 9.

O mesmo autor identifica na literatura recente sobre o tema a distinção de dois tipos de

vínculos entre os indivíduos. De um lado, os chamados laços de tipo cola, caracterizados

como sendo a confiança que se forma com base na identidade social dos atores. De outro, os

vínculos em formato de ponte, identificados na capacidade de determinado grupo ampliar o

círculo de relações em que se movem seus indivíduos para além daqueles que participam

imediatamente de sua vida social, vínculos estes que, quando conjugados ao comportamento

pró-ativo da burocracia do estado, potencializam as iniciativas em busca do desenvolvimento.

Temos assim apresentados os antecedentes que permeiam o enfoque do DTR, bem como os

elementos presentes nas discussões sobre desenvolvimento econômico e espaço e capital

social utilizados na sua elaboração. É chegado o momento pois de tentar-se melhor

caracterizar tal enfoque, o que será feito neste trabalho pela discussão dos aspectos teóricos e

9 O autor oferece como exemplo da manifestação do capital social no contexto rural as relações de confiança estabelecidas entre agricultores e agentes financeiros quando da formação de fundos de aval, os quais permitem que aqueles acessem recursos bancários que individualmente lhes seriam negados (ABRAMOVAY, 2003, p.86)

32

conceituais subjacentes a cada um de seus componentes, quais sejam a discussão acerca do

rural, dos territórios e do desenvolvimento.

2.2 Aspectos teóricos e conceituais

2.2.1 Novos enfoques para o rural

O conceito acerca do que é o rural encontra-se em franco processo de reconstrução no

ambiente acadêmico brasileiro. Tal reconstrução parte de um lado das limitações decorrentes

daquilo que Abramovay (2003) chama de “vício de raciocínio” na maneira como se definem

hoje no Brasil as áreas rurais, ao qual soma-se o estigma que identifica ruralidade como

sinônimo de atraso, deficiência e declínio, que devem ser superados com o avanço do

progresso e da urbanização, fenômenos estes comumente associados à noção do

desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2003; GRAZIANO DA SILVA, 1999; VEIGA, 2002b).

Assim, é possível identificar, como também o fazem Mendonça e Ortega (2005), duas

vertentes complementares e convergentes pelas quais se dá esta necessária reconstrução do

conceito do rural no país, as quais podem ser assim sintetizadas: uma, capitaneada nos

trabalhos de Abramovay, Veiga e colaboradores, enfatiza o acima mencionado “vício de

raciocínio” e procura, com base nos aspectos normativos da definição do rural brasileiro e em

análises comparativas internacionais, mostrar os vieses presentes em tal definição e as

conseqüências por eles acarretados, bem como identificar, também na literatura internacional,

quais seriam as características comuns possíveis de serem encontradas na ruralidade.

33

A outra, caracterizada nos estudos desenvolvidos por Graziano da Silva e equipe no âmbito do

projeto Rurbano, coordenado pelo Instituto de Economia da UNICAMP, busca, com base

sobretudo nos dados das Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílios (PNADs) do

IBGE, demonstrar a evolução e a importância das chamadas “ocupações não agrícolas” na

geração de trabalho e renda para a população rural brasileira10.

Abordando o primeiro grupo de estudos, cabe identificar o “vicio de raciocínio” já apontado

como tendo origem na natureza residual como são definidas as áreas rurais no Brasil: aquelas

que se encontram fora dos limites das cidades. Como o estabelecimento dos limites urbanos é

prerrogativa das prefeituras municipais torna-se comum encontrar áreas com um mínimo de

adensamento populacional, nas quais a associação à oferta, também mínima, de infra-estrutura

e serviços básicos, é suficiente para a caracterização do território, e de sua população, como

urbanas (ABRAMOVAY, 2003).

Legados de legislação datada de 1938, que “...transformou em cidades, todas as sedes

municipais existentes, independentemente de suas características estruturais e funcionais.”

(VEIGA et al., 2001, p.8), tais critérios levam à categoria de urbanas áreas de sedes

municipais que exercem mínima pressão antrópica sobre os ecossistemas, fazendo com que

em 70% dos municípios brasileiros a densidade demográfica seja inferior a 40 habitantes/km2,

enquanto, a titulo de comparação, a OCDE define como urbanas as áreas com densidade

populacional superiores a 150 habitantes/km2 11. Tais fatos fazem com que a metodologia

oficial de cálculo da taxa de urbanização no Brasil possa ser considerada, como o faz Veiga,

como anacrônica e obsoleta, exigindo a realização de novas tipologias capazes de melhor

10 boa parte dos trabalhos gerados no projeto pode ser acessada em http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/rurbapre.html 11 Analisando os critérios existentes internacionalmente para delimitação do rural, Abramoway (2003) identifica além do patamar populacional, vigente principalmente na Europa, o peso da mão-de-obra na agricultura, adotado, por exemplo, em Israel. A delimitação administrativa presente no Brasil encontra similar na América Latina somente no Equador, Guatemala, El Salvador e República Dominicana. Considerando a discrepância observada na classificação brasileira optou-se para melhor ilustrar a questão, por apresentar no Anexo 1 a tipologia completa das regiões da OCDE segundo seu grau de ruralidade.

34

captar a diversidade dos municípios brasileiros, como aquela que propõe este mesmo autor a

partir do estudo “Caracterização e Tendências da Rede Urbana no Brasil” , desenvolvido

pelo IBGE em associação com o IPEA e a UNICAMP.

Adicionando parâmetros relativos à caracterização dos municípios rurais, aos critérios

propostos naquele estudo, Veiga conclui que pode ser definida como urbana 56,8% da

população brasileira, contingente bastante inferior aos 81,2% da taxa de urbanização no ano

de 2000, calculada pelo IBGE sob os vieses contidos nos critérios acima discutidos. No

tocante ao número de municípios, somente 8,3% destes são classificados como urbanos,

cabendo a 81,4% a classificação de essencialmente rurais, como pode ser visto na Tabela 1, a

seguir.

35

Tabela 1. Rede urbano-rural brasileira.

Absoluto Relativo (%) Absoluta (milhões) Relativa (%)

URBANOS 455 8,3 96,3 56,8

12 Aglomerações Metropolitanas 200 3,6 57,4 33,8

37 Aglomerações Não-metropolitanas 178 3,2 22,7 13,4

77 Centros urbanos 77 1,4 16,1 9,5

RELATIVAMENTE RURAIS a 567 10,3 21,7 12,8

ESSENCIALMENTE RURAIS b 4485 81,4 51,6 30,4

BRASIL 5507 100 169,6 100

TiposPopulação (2000)No de municípios

a Relativamente rurais: possuem população entre 50.000 e 100.000 habitantes, ou inferior a 50.000 habitantes mas com densidade populacional superior a 80 habitantes/km2. b Essencialmente rurais: possuem, simultaneamente, população inferior a 50.000 habitantes e densidade populacional menor de que 80 habitantes/km2. Fonte: adaptado de Veiga et al. (2001) e Veiga (2002).

Já com os trabalhos do projeto Rurbano é possível identificar, a partir da evolução das

ocupações e renda das famílias, a dissociação do perfil rural como sinônimo de agrícola. Os

dados apresentados na Tabela 2, abaixo, indicam que o estancamento, entre 1992 e 1996, da

queda da população rural brasileira, a qual cresce entre 1996 e 1999 em taxa anual

ligeiramente inferior àquela verificada na população total, é acompanhado de uma forte

elevação na taxa de crescimento da população rural ocupada em atividades não-agrícolas, taxa

esta que cresce 6,1% ao ano no período 1996 – 1999, contra 1,3% de crescimento anual da

população total.

36

Tabela 2. Evolução da população do Brasil a, 1981– 99.

Absoluta % Absoluta % Absoluta % Absoluta %

URBANO 85,2 71,2 113,4 78,0 122,4 79,4 127,8 79,7 2,6c 1,7c 1,4c

Ocupados b31,7 - 46,6 - 50,4 - 52,7 - 3,6c 1,8c 1,5c

Agrícola 2,6 8,2 3,7 7,9 3,4 6,7 3,4 6,5 3,3c -1,6c-0,2

Não-agrícola 29,1 91,8 42,9 92,1 47,0 93,3 49,3 93,5 3,6c 2,0c 1,6c

RURAL 34,5 28,8 32,0 22,0 31,7 20,6 32,6 20,3 -0,7c 0,2c 1,1c

Ocupados b13,8 - 14,7 - 13,9 - 14,8 - 0,6c -0,2c 2,1d

Agrícola 10,7 77,5 11,2 76,2 9,9 71,2 10,2 68,9 0,4c -1,7c0,4

Não-agrícola 3,1 22,5 3,5 23,8 4,0 28,8 4,6 31,1 1,2c 3,7c 6,1d

TOTAL 119,7 - 145,4 - 154,1 - 160,4 - 1,8c 1,4c 1,3c

a não inclui a população das áreas rurais da região Norte, exceto Estado de Tocantins.b PEA restrita, que exclui os não-remunerados que trabalham menos de 15 horas na semana e os que se dedicam

exclusivamente ao auto-consumo.c,d,e indicam nível de significância estatística de 95%, 90% e 80%, respectivamente.

Fonte: adaptado de GRAZIANO DA SILVA, 2001, p.39.

População (milhão de pessoas e %) Taxa de crescimento (% ao ano)

1981 1992 1996 19991981/92 1992/99 1996/99

Entre 1981 e 1999 sobe de 22 para 31 o percentual de pessoas ocupadas residentes no campo,

dedicadas às atividades não-agrícolas, de forma que é possível afirmar que em 1999, três em

cada dez brasileiros ocupados residentes na zona rural dedicavam-se a atividades não-

agrícolas, as quais perdem a capacidade de explicarem sozinhas a dinâmica da produção e das

ocupações nos espaços rurais. O emprego doméstico, a construção civil, o trabalho nos

estabelecimentos públicos de ensino e no comércio de alimentos, eram, em 1997, os quatro

principais setores de atividades não-agrícolas nos quais encontravam-se engajadas as pessoas

residentes na zona rural (LAURENTI e DEL GROSSI, 2000, p.38)12.

Considerando a dinâmica própria destes e outros setores não-agrícolas empregadores da

população rural, é possível identificar as zonas rurais também como espaços de moradia ou

segunda moradia, respectivamente para a população de baixa e alta renda, localização de

pequenas e médias unidades fabris ou de serviços, atendendo também à clientela urbana,

como é o caso do lazer e do turismo rural.

12 Estes autores analisam a dinâmica do crescimento de tais atividades nas diferentes regiões do país identificando pontos de distinção e similaridade na intensidade e características desta transformação.

37

A importância das ocupações não-agrícolas nas áreas rurais pode ser constatada com

evidência ainda maior no cenário internacional, com a agricultura representando uma parcela

cada vez menor na geração de emprego e renda dos paises capitalistas centrais.

Abramovay (2003) aponta que, nos Estados Unidos, somente 10% do pessoal ocupado no

meio rural vive da agricultura, e mesmo nas localidades fundamentalmente agrícolas, menos

de 35% dos empregos estão na agricultura e agroindústrias, havendo, em 1991, 1,6 milhão de

domicílios agrícolas e 23 milhões de domicílios rurais não-agrícolas, ou seja, não

caracterizados como unidades de produção agropecuária. Situação similar é observada na

França, onde 90% dos domicílios em espaço predominantemente rural não contam com

nenhum trabalhador agrícola.13

A convergência destas duas vertentes de estudos aqui rapidamente apresentadas encontra-se,

portanto, na constatação taxativa de que o rural não pode mais ser visto como um setor

econômico associado exclusivamente à produção agropecuária, assim como as indústrias e

serviços são comumente associados ao setor urbano. A ruralidade deve ser tratada como um

conceito de natureza territorial, e não setorial, o que faz com que a unidade de análise para a

sua abordagem deva migrar dos sistemas agrários ou alimentares para as economias regionais,

fazendo do desenvolvimento das regiões rurais uma perspectiva de ordem espacial e

multissetorial, da qual a produção agropecuária é parte integrante, mas não exclusiva. Deste

modo, a ruralidade deve ser tomada como um espaço com características próprias, e não

como uma etapa a ser superada com o avanço do progresso e da modernização.

13 Na OCDE, a taxa de emprego agrícola varia de 2,4% do total na Grã-Bretanha, a um máximo de 11,6% na República Tcheca, com nítido declínio do emprego agrícola durante a década de 80, fazendo com que o emprego industrial apresente-se superior ao agrícola mesmo nas regiões essencialmente rurais (ABRAMOVAY, 2003).

38

Finalmente, cabe apresentar as três características presentes na ruralidade, as quais, conforme

afirma Abramovay (2003), têm sido evidenciadas de forma convergente na literatura

internacional. São elas:

i) A relação com a natureza, produto óbvio de um contato muito mais intenso que os

habitantes locais possuem com o meio natural vis a vis àquele possível nos centros

urbanos, condição esta que emerge não somente como um valor ético e afetivo,

mas também como promissora fonte de renda, como por exemplo nas iniciativas

voltadas ao chamado turismo rural14;

ii) Uma relativa dispersão populacional, salientada por exemplo na definição da

Divisão de Desenvolvimento Rural da FAO, que concebe como áreas rurais “...as

pessoas, a terra e outros recursos localizados em campo aberto e pequenas

cidades, fora da influência direta das grandes cidades” (ABRAMOVAY, 2003,

p.30), definição que, ressalta aquele autor, encontra resguardo etimológico na

palavra latina rus, que significa “espaço aberto”. É a característica que os critérios

de patamar populacional vêm buscando identificar para a definição de áreas rurais.

iii) A relação com as cidades, às quais o bem-estar econômico das áreas de

povoamento mais disperso está ligado, permitindo que se identifique nas áreas

rurais mais prósperas a ocorrência de estreitos laços econômicos com grandes

centros urbanos.

14 É nesta característica que se fundamenta a noção da multifuncionalidade da agricultura, atividade à qual caberia não somente a tarefa de produção de alimentos em quantidade e qualidade suficientes, como também a preservação do meio-ambiente e das paisagens rurais. Citando Jollivet, Abramovay (2003, p.27), lembra que o espaço rural constitui-se em argumento na negociação da reforma da Política Agrícola Comum da União Européia (UE), “... tendo os agricultores franceses descoberto que podiam se prevalecer da condição de seus gestores [...] para justificar que o Estado e a UE preservassem seus interesses nas negociações com o Estados Unidos”.

39

Conhecidos os novos enfoques associados à definição do rural, apresenta-se na seqüência a

discussão teórica associada à construção dos territórios.

2.2.2 Territórios

Como relatam Blume e Schneider (2003), o termo território tornou-se corriqueiro nas

produções acadêmicas, extrapolando os limites da Geografia, disciplina que reivindica a

primazia em sua utilização, para alcançar a Biologia, e mais recentemente, a Sociologia, a

Antropologia e a Economia, na busca que tais ciências realizam de proceder a uma leitura

diferencial do espaço.

A discussão emergente com a utilização do termo pode ser iniciada, como o fazem Rocha,

Schefler e Couto (2003), apresentando sua etimologia: originário do adjetivo latino

territorium, que deriva de territorialis – pedaço de terra apropriada. É este o sentido no qual é

empregado na etologia, ciência que o associa às idéias de dominação de lugar, de extensão e

limites, enquanto define territorialidade como a conduta de um organismo para tomar posse

de seu território e defender-se contra os membros de sua própria espécie, noções estas que

encontram-se próximas daquelas que o termo possui no senso comum.

De volta à geografia, constata-se no trabalho de Blume e Schneider (2003), que o uso da

noção de território ganha legitimidade e consolida-se no campo da geografia política ainda no

final do século XIX, cedendo espaço, especialmente depois da 2ª Guerra Mundial, ao conceito

de região. No Brasil, o conceito de região torna-se hegemônico a partir do momento em que o

Estado dele faz uso para qualificar os espaços brasileiros, compondo uma divisão regional

para fins de planejamento, procedendo a

40

...recortes funcionais em escala nacional, sendo que nestes foram estabelecidas unidades territoriais contendo espaços com uma hierarquia escalonada. Esta divisão ficou compreendida como a das grandes regiões ou das macrorregiões, onde as diferenciações do quadro natural do País tiveram grande relevância para o estabelecimento deste primeiro recorte. Sobre estas novas divisões foram estabelecidas as subregiões. Nas sub-regiões recortaram-se as zonas denominadas de fisiográficas que tiveram como prioridade considerações de ordem econômica e social. (BLUME e SCHNEIDER, 2003, p.6).

Segundo aqueles autores, diante da constatação de que os contornos regionais estabelecidos

vinham perdendo sua densidade explicativa no que diz respeito à dinâmica econômica

nacional, o uso do conceito de região passou a ser severamente questionado, tornando-se

obsoleto segundo seus críticos, os quais advogavam a necessidade de uma nova alternativa

analítica para os diferenciados modos de gestão e entendimento da formação do espaço.

Resgata-se então o conceito de território, incorporando ao mesmo novos elementos e novos

fundamentos. Para Santos (2000, p.96) o território pode ser entendido como sendo "...o chão

da população, isto é sua identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos

pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e

da vida, sobre os quais ele influi." Como destacam Rocha, Schefler e Couto (2003), também

Haesbaert (1997), contribui no entendimento deste conceito, descolando-o, tal qual Santos, da

questão de soberania do Estado sob o qual foi gerado no passado, para as dimensões política e

simbólico-cultural que hoje integram a sua definição e ampliam a sua capacidade analítica:

O território envolve, sempre, ao mesmo tempo, mas em diferentes graus de correspondência e intensidade, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. (HAESBAERT, 1997, apud ROCHA, SCHEFLER e COUTO, 2003, p.3).

A presença dos elementos de apropriação, domínio e disciplinarização, ressaltam a existência

das relações de poder na constituição e definição dos territórios, os quais não devem ser vistos

meramente como suporte das atividades econômicas ou como um espaço dado, mas sim como

espaços histórica e socialmente construídos que expressam o resultado das interações ali

41

presentes, definidos por e a partir de relações de poder (BLUME e SCHNEIDER, 2003;

VILELA, 2000).

Retomando o contexto do DTR, é oportuno ressaltar a proposição de Abramovay (2002) que

afirma que:

um território não consiste simplesmente em atributos naturais. Ele é construído segundo a capacidade dos atores de estabelecer relações organizadas – mercantis e não mercantis – que favoreçam não só a troca de informações e a conquista conjunta de certos mercados, mas também a pressão coletiva pela existência de bens públicos e de administrações capazes de dinamizar a vida regional (ABRAMOVAY, 2002, p.122).

Temos assim, que na perspectiva do DTR, o território deve ser encarado como espaço onde se

constata a identidade de uma população, o sentido de pertencer a, associado à interação dos

aspectos ambientais, econômicos, sociais e histórico-culturais, entre os quais destaca-se um

tecido social de bases históricas que transcende a análise econômica (ROCHA, SCHEFLER E

COUTO, 2003).

Finalizando o presente tópico é necessário destacar as evidentes dificuldades analíticas e

operacionais decorrentes da adoção da abordagem territorial como discutida aqui,

dificuldades estas que serão abordadas posteriormente, apresentando-se na seqüência deste

texto as implicações da noção de desenvolvimento presente no DTR.

2.2.3 Desenvolvimento

Como o pretendem novo e capaz para superar as limitações existentes em abordagens

anteriores, os formuladores do enfoque de DTR não poderiam prescindir da tarefa de

oferecer-lhe também uma nova perspectiva para o conceito de desenvolvimento ao qual

pretendem associá-lo.

42

Isto porque, a noção de desenvolvimento confundido com crescimento econômico, traduzido

em geral na dimensão do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo que seja ainda hoje utilizada, já

se mostrou por demais limitada para captar em plenitude o significado tão abrangente deste

conceito, bastando para isso lembrar, como sugerem Blume e Schneider (2003), da condição

de países do Oriente Médio, de elevado PIB per capita, em função da exploração petrolífera, e

precários indicadores sociais em decorrência da desigualdade na distribuição da renda. Sem

desmerecer a importância da base material para o desenvolvimento, fazia-se necessário

encará-la como um meio e não como um fim, a partir da constatação de que o crescimento

econômico não se associa diretamente ao processo de desenvolvimento (ABRAMOVAY,

2003).

Com efeito, a proposição, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), de indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com todos os

riscos reducionistas que possa implicar, em muito supera esta limitação, ao associar à noção

de desenvolvimento aspectos relacionados à qualidade de vida dos indivíduos, tais como

longevidade, acesso à saúde e à educação.

Neste sentido, faz-se oportuno resgatar as idéias de um dos mentores do IDH, o Prêmio Nobel

de Economia de 1993, Amartya Sen, para quem, como destaca Abramovay (2002),

desenvolvimento

...é o aumento da capacidade de os indivíduos fazerem escolhas. É esta visão do desenvolvimento que o faz exigir uma definição positiva de liberdade: liberdade não é apenas a ausência de restrições, o direito abstrato de ir, vir, comprar, vender, amar e ser amado. A liberdade – e portanto o desenvolvimento – não podem ser pensados fora das condições concretas de seu exercício. Não basta que a lei garanta certos direitos: o essencial é que os indivíduos tenham as capacidades, as qualificações, as prerrogativas de se deslocar, de participar dos mercados e de participar de relações humanas que enriqueçam sua existência. (ABRAMOVAY, 2002, p.114 – grifos no original)

43

Constata-se portanto que os desafios para o desenvolvimento, dentro da acepção sugerida,

entre as quais destaca-se o aumento na capacidade dos indivíduos fazerem escolhas, são por

demais ambiciosos, e tal ambição fica reforçada quando se agrega ao enfoque do DTR o

atributo de sustentabilidade, fazendo com que suas políticas devam, conforme Ministério

(2005a, p.25):

...conjugar harmonicamente as quatro dimensões fundamentais do desenvolvimento sustentável: a dimensão econômica, em que se destaca a competitividade territorial; a dimensão sociocultural, na qual sobressai a equidade e o respeito pela diversidade; a dimensão ambiental, onde se enfatiza o conceito de administração e gestão da base de recursos naturais e a dimensão político-institucional, em que ressalta o conceito de governabilidade democrática e a promoção da conquista e do exercício da cidadania. (MINISTÉRIO, 2005a, p.25 – grifos nossos).

Por fim, além de tomar em consideração o desenvolvimento humano e os princípios da

sustentabilidade, pretende-se que o enfoque do DTR assuma ainda uma perspectiva endógena

de desenvolvimento, ao contrário dos enfoques tradicionais caracterizados pelo caráter

exógeno de suas iniciativas. O Quadro 1 abaixo coteja as duas perspectivas de modo a

explicitar a distinção entre ambas15:

15 A concepção do modelo endógeno de desenvolvimento rural, suscita questões como, por exemplo, a amplitude das transformações possíveis nas áreas distantes da atração das regiões metropolitanas, ou ainda, sobre a construção dos vínculos em formato de ponte, presentes na concepção do capital social (p.31), bem como os mecanismos de mediação de interesses entre os indivíduos e diferentes atores sociais presentes. Respondê-las, contudo, foge ao escopo do presente trabalho.

44

Quadro 1. Principais características dos modelos de desenvolvimento rural exógeno e das abordagens endógenas 1.

Características Modelo exógeno Abordagens endógenas de desenvolvimento

Princípio chave Economia de escala e concentração.

Os recursos específicos de uma área (naturais, humanos e culturais) contêm a chave do desenvolvimento sustentável.

Força dinâmica

Pólos de crescimento urbano. As principais forças do desenvolvimento são concebidas como emanando de áreas externas às áreas rurais.

Empresas e iniciativas locais.

Função das áreas rurais

Produção de alimentos e outros produtos primários para a expansão da economia urbana.

Economias e serviços diversos.

Maiores problemas de desenvolvimento

Baixa produtividade e marginalização.

Limitada capacidade de áreas e grupos sociais participarem da atividade econômica e do desenvolvimento.

Foco do desenvolvimento rural

Industrialização e especialização agrícola. Estímulo à mobilidade de capital e trabalho.

Construção de capacidades (habilidades, instituições e infra-estrutura). Superação da exclusão social.

1 A utilização de modelo (singular) e abordagens (plural) tem um significado fundamental para o entendimento das diferenças entre ambos. A noção de desenvolvimento endógeno parte da premissa de que não existe um modelo único a seguir e, sim, princípios, e que as abordagens variam de lugar para lugar. Fonte: extraído de Mior (2005, p.38).

Destaca-se assim a necessidade de que o enfoque do DTR assuma a valorização dos recursos

naturais, dos recursos humanos e culturais, das empresas e das iniciativas locais, trabalhando

na construção de capacidades e na superação da exclusão social, assumindo os valores da

sustentabilidade e da visão ampliada do rural.

Agora que estão colocados e discutidos os aspectos teóricos e conceituais associados à

perspectiva do DTR, cabe apresentar as premissas e possibilidades para a sua

operacionalização.

45

2.3 Premissas e possibilidades para a operacionalização

Considerando os aspectos de ordem teórico-conceituais já discutidos, é oportuno destacar, não

na tentativa de estabelecer parâmetros, mas sim de estimular a reflexão, alguns elementos

relacionados à operacionalização de propostas sob o enfoque do DTR trazidos na literatura

consultada, ora como premissas, ora como possibilidades baseadas muitas vezes em

experiências internacionais.

Na perspectiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MINISTÉRIO, 2005a), aceita

como orientadora das reflexões realizadas nessa dissertação, pretende-se afirmar a

abordagem ampla dentro da qual fundamenta-se o enfoque do DTR, sustentada em diversos

aspectos complementares, partindo-se do pressuposto de que:

A perspectiva territorial do desenvolvimento rural sustentável permite a formulação de uma proposta centrada nas pessoas, que leva em conta os aspectos de interação entre os sistemas socioculturais e ambientais, e que considera a integração competitiva dos recursos produtivos [...] promove a superação da visão da participação como condições para a obtenção de compensações, pondo em destaque a cooperação, a co-responsabilidade e a inclusão econômica e social [...] encara a questão ambiental mais além da visão convencional de manejo de recursos naturais, a partir de uma perspectiva de proteção ambiental e de produção limpa [...] supera a visão de que a economia rural se reduz a uma economia agrícola e favorece uma economia territorial e [...] trata a questão da tecnologia não apenas como fator incremental da produtividade, mas promove conceitos de inovação tecnológica e competitividade territorial... (MINISTÉRIO, 2005a, p. 25).

Como sugere Vecchiatti (2003), quando se busca visualizar o desenvolvimento rural a partir

de uma abordagem territorial, deve-se ter em mente quais os tipos de articulações e interações

presentes no território trabalhado, que envolvem vínculos urbano-rural, a geração de

inovações, o desenvolvimento institucional e o dinamismo econômico.

Esta é a visão presente também no trabalho de Schejtman e Berdegué (2004, p.31), quando

propõem um conjunto de oito critérios orientadores para o desenho de estratégias e políticas

no âmbito de programas de DTR:

46

i) A transformação produtiva e o desenvolvimento institucional devem ser abordados

de forma simultânea;

ii) O rural deve ser considerado dentro de um contexto ampliado;

iii) O território deve ser considerado como um espaço com identidade e um projeto de

desenvolvimento concertado socialmente;

iv) A heterogeneidade entre territórios deve ser explicitamente considerada;

v) A diversidade de agentes do território deve ser convocada para a ação;

vi) Diferentes rotas de saída da pobreza devem ser consideradas;

vii) Deve-se levar em conta a complexa arquitetura institucional demandada para os

programas de DTR, e

viii) Os projetos devem ser formulados e administrados com horizonte de médio e

longo prazo.

Aspectos relacionados ao desenvolvimento das instituições16, perspectiva de longo prazo,

sustentabilidade, diversidade dos agentes que devem ser considerados nas ações para o DTR e

visão ampliada do desenvolvimento rural, são também reforçados nas diretrizes que devem ter

as políticas públicas articuladas sob este enfoque, as quais devem, segundo o Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MINISTÉRIO, 2005a, p.24):

i) Levar em consideração as quatro dimensões elementares do desenvolvimento:

economia, sociedade e cultura, ambiente, política e instituições;

ii) Atuar sobre situações presentes mediante mecanismos articulados a um projeto de

longo prazo;

16 No que tangem às limitações, problemas e potencialidades vinculadas ao funcionamento nesta perspectiva dos atuais Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, o debate tem sido amplo, estando presente em trabalhos como os de Abramovay (2003), Marinozzi e Moraes (2003) e Rocha, Schefler e Couto (2003) entre outros.

47

iii) Adotar um modelo de desenvolvimento que não comprometa as metas de bem-

estar e progresso das gerações futuras;

iv) Considerar as relações entre os diversos setores da sociedade, o que significa

romper com esquemas setoriais e favorecer um enfoque integral, e

v) Priorizar a articulação de uma economia territorial, na qual se reconheça a

multiplicidade, a complementaridade , a importância de outros setores produtivos

não vinculados à produção primária, os serviços ambientais e as externalidades

econômicas do território rural.

Como observa Ipiranga (2001, p.6), a dimensão política-institucional, a visão sistêmica,

holística e evolutiva, construída a partir das interconexões dos resultados entre as dimensões

econômica, sócio-cultural e ambiental, quando presentes nas propostas de desenvolvimento

devem almejar:

i) Resultados econômicos, com adequados níveis de eficiência através da capacidade

de usar e articular fatores produtivos endógenos para gerar oportunidades de

trabalho e renda, fortalecendo as cadeias produtivas locais e integrando redes de

pequenos negócios;

ii) Maior eqüidade social, que se contrapõe ao acelerado processo de “apartheid

social”, através da maior participação do cidadão e cidadã nas estruturas do poder,

tendo como referência a história, os valores e a cultura do território;

iii) Novas institucionalidades que, através da expressão política e maior representação

dos segmentos sociais, permitam a construção de políticas territoriais negociadas

entre os agentes governamentais, do mercado e da sociedade, gerando um entorno

inovador favorável às transformações da economia local e o resgate da cidadania;

e

48

iv) Compreensão do meio ambiente como ativo de desenvolvimento, considerando o

princípio da sustentabilidade em qualquer opção transformadora.

Na mesma perspectiva, porém sob a ótica de desafios, Abramovay (2003, p.93) indica sete

pontos que devem ser considerados na implantação de projetos de desenvolvimento rural,

quatro dos quais são aqui destacados:

i) Os projetos terão mais chance de sucesso quanto mais forem capazes de extrapolar

um único setor profissional, oferecendo a perspectiva de formação de uma rede de

atores, entre os quais os agricultores, trabalhando para a valorização dos atributos

de uma certa região17;

ii) O município é na maior parte das vezes uma unidade administrativa pouco

adequada para gerir a rede de relações necessárias ao desenvolvimento;

iii) O pressuposto fundamental para a formação de redes territoriais é a construção de

uma nova visão, inclusive sob o ponto de vista estatístico, do que significa o meio

rural; e

iv) As instituições de ensino superior no interior do país e as Universidades podem

exercer um papel decisivo na formação de redes territoriais de desenvolvimento,

propiciando, por exemplo, ações de estímulo ao empreendedorismo e estudos das

dinâmicas organizativas locais.

Sob um enfoque mais específico, é oportuno destacar ainda a proposição do MDA para a

dinamização econômica dos territórios rurais, no sentido de que sejam consideradas

17 Os trabalhos de Alcoforado (2003a e 2003b) aprofundam o debate e oferecem interessantes perspectivas neste sentido.

49

“...estratégias que enfatizem a melhoria da qualidade e a agregação de valor aos produtos

locais, a diversificação de atividades produtivas e a inovação tecnológica e gerencial como

caminhos para se alcançar melhorias significativas na eficiência e na competitividade

sistêmica ou territorial”. (MINISTÉRIO, 2005b, p.21 – grifo nosso)

Discutindo a condição brasileira à luz das experiências locais e aquelas acumuladas desde o

início da década de 90 pela União Européia no âmbito do Programa LEADER18 (Ligações

Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural), e pelos Estados Unidos, na execução

do Programa EZ/EC (Empowerment Zones and Entreprise Communities - Zonas de

Empoderamento e Comunidades Empresariais), Beduschi Filho e Abramovay (2003)

ressaltam a necessidade de que sejam estabelecidos Contratos de Desenvolvimento

Territoriais entre os atores locais e as diferentes articulações intermunicipais, como meio de

pôr fim à ótica de balcão, materializada em projetos com formatos de listas de compras, e não

de desenvolvimento, que hoje emanam dos planos municipais de desenvolvimento rural.

Na mesma linha de raciocínio, Veiga (2002b) discute possíveis ações no âmbito de tais

contratos, sugerindo então a

...formação de uma rede de solidariedade ativa entre as microrregiões rurais, que promova um efetivo intercâmbio de experiências, conquistas e conhecimentos. Essa rede deverá servir para a validação e transferência de inovações surgidas no meio rural . E a participação ativa na rede deverá ser exigida de todos os consórcios intermunicipais...”. (VEIGA, 2002b, p. 391 - grifo nosso).

18 Como observam aqueles autores o programa LEADER, “...trouxe à tona a necessidade de se utilizar uma abordagem territorial em face das crises experimentadas por inúmeras áreas rurais européias. A abordagem desta iniciativa, que privilegia o enfoque no planejamento com base na competitividade dos territórios, incorpora de forma inovadora os aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais nas suas ações. Além disso, com a experiência de mais de uma década e mais de mil projetos apoiados, a Iniciativa LEADER acumulou grande quantidade de lições aprendidas, que podem ser compartilhadas com outros países que estão se lançando na inovação de seus processos de planejamento”. (BEDUSCHI FILHO e ABRAMOVAY, 2003, p.8)

50

Assim, é oportuno resgatar o modelo geral de rede para o desenvolvimento de um sistema

econômico local proposto por Casarotto Filho e Pires (1999, p. 21), o qual, muito embora não

tenha ênfase rural, foi concebido a partir da experiência da Terceira Itália, que, pelos fatores

já apontados, mostra-se pertinente para o debate em tela. (Figura 1)

Ali é possível identificar-se a presença de diferentes agentes, cada um dos quais é apresentado

e tem suas funções discutidas na obra daqueles autores, estando entre esses os governos, as

instituições de pesquisa, as associações de pequenas empresas, bancos, etc. É possível

constatar ainda a ocorrência de instituições criadas com o propósito-fim de apoiar as ações de

desenvolvimento, como o fórum local, o observatório econômico, a cooperativa de garantia de

crédito e o centro catalisador de tecnologia, fato que vem ao encontro das necessidades acerca

dos aspectos institucionais apontadas ao longo deste tópico.

51

Figura 1. Modelo geral de rede para o desenvolvimento de um sistema econômico local.

Instituições de pesquisa

Governos Bancos

Redes de Grandes Empresas

Consórcios Legenda: Atores diversos: Grandes empresas, bancos, institutos de pesquisas, governos Instrumentos de integração Pequenas e médias empresas

Fórum Local de Desenvolvimento

Observatório Econômico

Associação de pequenas Empresas

Centro Catalisador de

Tecnologia

Cooperativa de Garantia de Crédito

Fonte: extraído de Cassaroto Filho e Pires (1998, p.21).

52

2.4 Ações para o desenvolvimento territorial rural no Brasil e no Paraná

A discussão sobre a perspectiva territorial de um projeto de desenvolvimento rural para o

Brasil surge de forma elaborada em um documento produzido por Veiga e colaboradores

(VEIGA et al., 2001) sob os auspícios do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento

Rural do MDA e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS). Ali

se encontram fundamentados todos os elementos componentes da abordagem territorial, sendo

propostas, entre outras estratégias para a operacionalização de um Plano Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentável, a adoção dos Contratos Territoriais de Desenvolvimento

acima discutidos.

Já em 2003, com o inicio do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, é criada no

âmbito do MDA, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) que segue, como

afirmam Mendonça e Ortega (2005, p. 15) “...a reorientação estratégica das políticas de

desenvolvimento rural que em linhas gerais converge no sentido da implementação de ações

definidas no 1º Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável (1º PNDRS), idealizado em

2002 pelo [CNDRS]. A abordagem territorial é o eixo central e o foco de atuação da SDT”.

Ainda segundo aqueles autores, com a criação da SDT identificam-se mudanças na linha de

financiamento de ações de infra-estrutura do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF), que adota como estratégia de atendimento o suporte ao

desenvolvimento de “territórios rurais”, com o apoio a iniciativas de caráter intermunicipal,

buscando unir os municípios em torno de um projeto de desenvolvimento territorial, através

da formação de novos arranjos intermunicipais.

53

Ao desafio de identificar e constituir os territórios a partir da composição de identidades

regionais como elemento aglutinador e promotor do desenvolvimento sustentável, a SDT

adota como critério a realização de consultas à Sociedade Civil e ao Governo, com aprovação

do respectivo Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável19 e do CNDRS,

assumindo, como pode ser visto em Ministério (2005a, p. 29), o fato de que “a revelação

definitiva de cada território somente ocorrerá quando a sua população, através dos atores

sociais, reconheça os seus elementos caracterizadores da coesão social e territorial, durante,

ou logo após o processo de construção de sua identidade e proposição de sua visão de

futuro” . Neste sentido, foram priorizados20 para apoio até outubro de 2005, 104 Territórios

Rurais, englobando 1.669 municípios, os quais devem articular-se visando a elaboração de

seus Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), a serem

construídos com a participação das organizações sociais e dos governos locais.

(MINISTÉRIO, 2005b e 2005d)

Para Mendonça e Ortega (2005) a estratégia da SDT/MDA é de que os PTDRS, partindo das

premissas já aqui apresentadas de priorização de ações descentralizadas que valorizem os

potenciais endógenos locais no processo de desenvolvimento desses territórios, possam

integrar ações de associativismo, comercialização e capacitação, além de outras políticas

públicas correlatas, na perspectiva de que seus limites sejam extrapolados, com a geração de

processos contínuos e sustentados de desenvolvimento.

No Paraná, o Decreto de no 1.791 de 05 de setembro de 2003 instituiu o Conselho Estadual

de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (CEDRAF), constituído por representantes

19 No caso do estado do Paraná, Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar, como será visto a seguir. 20 Adotando-se critérios como concentração de agricultores familiares, de famílias assentadas por programas de reforma agrária e de famílias de trabalhadores rurais sem terra, mobilizados ou não. (MINISTÉRIO, 2005b, p.16)

54

do Estado e de entidades profissionais e de classe, atribuindo-lhe, entre outras, as seguintes

competências (PARANÁ, 2003):

I. Contribuir para a formulação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento territorial, considerando as suas diversas dimensões e setores, buscando: [...] b) o ordenamento territorial como instrumento de gestão; [...] k) ampla participação e controle social das políticas públicas; [...] m) geração e apropriação de conhecimento científico, tecnológico, gerencial e organizativo; n) preservação ambiental e manejo sustentável dos ecossistemas regionais; o) elaboração e implantação do zoneamento ecológico e sócio-econômico dos territórios; e p) divulgação de experiências relativas ao desenvolvimento sustentável, através de redes de informação; II. Coordenar a implementação do PRONAF, em todo o Estado do Paraná, articulando com a Coordenação Nacional e com os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural – CMDR; III. Acompanhar o desenvolvimento dos programas governamentais voltados à agricultura familiar e ao desenvolvimento sustentável do Estado; IV. Estimular o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação e controle social, visando otimizar os esforços e fortalecer o desenvolvimento sustentável;...(PARANÁ, 2003, p.1 – grifo nosso).

Assim, já em sua primeira reunião, realizada em 09 de setembro daquele ano, o CEDRAF

aprovou a indicação dos quatro primeiros Territórios a serem trabalhados no Estado e de

cinco “pré-Territórios” a serem avaliados para seleções futuras. Hoje, são cinco os Territórios

constituídos, os quais abrangem 73, ou 18,3%, dos municípios do Estado, cuja distribuição é

indicada no Quadro 2, podendo ser visualizada na Figura 2, ambos a seguir.

55

Quadro 2. Territórios selecionados para trabalho no Estado do Paraná.

Território / Municípios No de Municípios

Data de definição no CEDRAF

CANTUQUIRIGUAÇU Campo Bonito, Candói, Cantagalo, Catanduvas, Diamante do Sul, Espigão Alto do Iguaçu, Foz do Jordão, Goioxim, Guaraniaçu, Ibema, Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras, Pinhão, Porto Barreiro, Quedas do Iguaçu, Reserva do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Três Barras do Paraná, Virmond.

20 09/09/2003

CENTRO – SUL Fernandes Pinheiro, Guamiranga, Imbituva, Inácio Martins, Ipiranga, Irati, Ivaí, Mallet, Prudentópolis, Rebouças, Rio Azul, Teixeira Soares

12 11/05/2005

PARANÁ CENTRO Altamira do Paraná, Boa Ventura de São Roque, Campina do Simão, Cândido de Abreu, Iretama, Laranjal, Manoel Ribas, Mato Rico, Nova Cantu, Nova Tebas, Palmital, Pitanga, Rio Branco do Ivaí, Roncador, Rosário, do Ivaí, Santa Maria do Oeste, Turvo.

17 09/09/2003

SUDOESTE Ampére, Barracão, Bela Vista da Caroba, Bom Jesus do Sul, Capanema, Flor da Serra do Sul, Manfrinópolis, Marmeleiro, Pérola Doeste, Pinhal de São Bento, Planalto, Pranchita, Realeza, Renascença, Salgado Filho, Santa Izabel do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste.

17 09/09/2003

VALE DO RIBEIRA Adrianópolis, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulysses, Itaperuçu, Rio Branco do Sul, Tunas do Paraná.

7 09/09/2003

Fonte: adaptado de Ministério (2005d).

Figura 2. Territórios do Estado do Paraná, 2005.

Fonte: cedida pela Área de Geoprocessamento da EMATER/PR.

Pinhão

Irati

Pitanga

Candói

Prudentópolis

Ivaí

Turvo

Cêrro Azul

Mal let

Ipi ranga

Adrianópolis

Guaraniaçu

Palmital

Imbituva

Goioxim

Cândido de AbreuRoncador

Iretama

Rio Azul

Nova Laranjeir as

Lar anjal

Inácio Martins

Verê

Teixeira Soar esCantagalo

Doutor Ulysses

Bocaiúva do Sul

Catanduvas

Rebouças

Mar quinho

Nova Cantu

Rio Branc o do Sul

Quedas do Iguaçu

Nova Tebas

Reserva do Iguaçu

Realeza

Planalto

Francisco Bel trão

Manoel Ribas

Mato Rico

Tunas do Paraná

Santa Maria do Oeste

Capanema

Ampére

Lar anjeiras do Sul

Mar meleiro

Itaper uçu

Renascença

Rio Bonito do Iguaçu

Dois Vizinhos

Campo Bonito

Virmond

Pranchita

Porto Bar reir o

Rosário do Ivaí

Ibema

Boa Ventura de São R oque

Três Barras do Par aná

Fernandes P inheiro

Salto do Lontr a

Altamir a do Paraná

São Jorge D'Oeste

Barracão

Foz do Jordão

Nova Prata do Iguaçu

Manfr inópol is

Pérola D'Oeste

Salgado F ilho

Enéas Mar ques

Tibagi

Ortigueira

Reserva

Ipor ã

Guaratuba

Guaraqueçaba

Umuarama

Cianorte

Antonina

Ventania

Vi la A lta

Ivaté

Chopinzinho

Mor retes

Icaraíma

Telêmaco Bor ba

Altônia

Curiúva

Rondon

Tapir a

Tapejar a

Mar iluz

Perobal

Imbaú

Coronel Vivida

Xambrê Cruzeiro do Oeste

Alto Piquiri

São João

Douradina

Tuneir as do Oes te

Pérola

Mar ia Helena

Paranaguá

Sul ina

Juss ara

Cidade Gaúcha Japurá

Cafezal do Sul

São Tomé

Francisco Alves

Guaporema

Brasilândia do Sul

Figueira

Matinhos

Pontal do Paraná

Esperança Nova

TERRITÓRIOS PARA DESENVOLVIMENTO - 2005

Escala: 1:3315554Data: 09/05/05

Divisão municipais

PRE-TERRITÓRIOSCaminhos do TibagiCONSAD Entre RiosLitoralSudoeste Ampliação

TERRITÓRIOSCantuquiriguaçuCentro-SulParaná CentroSudoesteVale do Ribeira

56

O processo de elaboração dos Planos de Desenvolvimento Territorial obedece a dinâmicas

diferenciadas em cada um destes Territórios, e o trabalho do CEDRAF no momento de

avaliação das propostas para recebimento de apoio financeiro por parte do PRONAF é

justamente na tentativa de melhor harmonizá-las aos princípios dos PTDRS aqui discutidos,

sendo empreendidos esforços também no sentido de aprimorar o funcionamento institucional

das instâncias de organização territorial 21.

A apresentação do enfoque do DTR realizada neste capítulo possivelmente tenha deixado

transparecer algo que, por via das dúvidas, deve-se aqui explicitar. Trata-se do risco de que

nos encontremos diante de um modismo, risco anunciado já no primeiro parágrafo do capitulo,

quando se ressaltava a necessidade de uma abordagem teórica que o sustente. Isto porque, em

sua operacionalização o DTR torna-se passível de transfigurar-se em uma mera carta de

intenções legada por seus formuladores, abandonando os seus aspectos inovadores aqui

discutidos.

Associado a isso, se tem o fato, salientado por Veiga (1999), de que ainda que a retórica do

desenvolvimento territorial seja indiscutivelmente melhor do que as anteriores, ainda

encontra-se longe de oferecer a combinação de teoria e prática que permita atestar a sua

efetiva funcionalidade.

É neste cenário de risco que o presente trabalho se coloca, pretendendo contribuir para a

viabilização das perspectivas positivas que o enfoque do DTR carrega consigo. O capítulo

seguinte apresenta os fundamentos do outro elemento teórico do trabalho, quais sejam as

redes interorganizacionais.

21 Informação pessoal do Secretario Executivo do CEDRAF. Esforços no sentido do fortalecimento da organização institucional nos Territórios são discutidos também em Assis e Ribeiro (2005) e Ministério (2005c).

57

3. REDES INTERORGANIZACIONAIS

Como ressaltam Cândido e Abreu (2000), as idéias e conceitos utilizados no estudo de redes

não são novos, estando desde a década de 30 presentes em diversas áreas de conhecimento,

como as Ciências Sociais (Antropologia e Psicologia), Biologia e Medicina.

Este capítulo tem por objetivo oferecer uma revisão crítica da literatura acerca dos temas

concernentes ao estudo das redes no campo das organizações. Em seu início tenta responder

duas questões fundamentais para o desenvolvimento deste estudo: por que as organizações

estruturam-se em forma de redes ? E, sendo assim, por que merecem ser estudadas como tal ?

Respondidas tais questões, discutem-se as diferentes abordagens paradigmáticas comumente

utilizadas nos trabalhos sobre redes, para, somente então, apresentar primeiramente os

aspectos conceituais relativos ao tema, trazendo-se em seguida diferentes tipologias utilizadas

para o estudo do mesmo, o que, espera-se, contribua para uma leitura melhor circunstanciada

destes dois importantes conteúdos.

O capítulo é concluído com a discussão da organização de redes sob a ótica da inovação

tecnológica e da gestão de competências, vertentes que se mostram importantes para a análise

da implantação de redes no contexto de unidades produtivas rurais, conforme o objeto de

estudo proposto no presente trabalho.

3.1 Por que Redes e para que estudá-las ?

Segundo vários autores, nos últimos anos tem sido ampliada sistematicamente a literatura

sobre análise dos relacionamentos interorganizacionais. Miles e Snow (1986) indicam que os

estudos sobre cooperação entre organizações tornaram-se um campo estruturado a partir da

58

década de 80, quando a competição internacional e o rápido desenvolvimento tecnológico

forçaram a reestruturação das empresas americanas.

Segundo Nohria e Eccles (apud BALESTRIN e FAYARD, 2003), existem três razões

principais para o aumento do interesse sobre redes nos estudos organizacionais:

a) a emergência da nova competição, como a que está ocorrendo nos distritos industriais italianos e do Vale do Silício. Se o velho modelo de organização era a grande firma hierárquica, o modelo da organização considerada característica da nova competição é a rede de relações laterais intra e interfirmas; b) o surgimento das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação), como por exemplo as bases de dados compartilhadas, o correio eletrônico, as intranets organizacionais, a internet, o groupware, tem tornado possível uma maior capacidade de interação entre firmas dispersas e c) a consolidação da análise de redes como uma disciplina acadêmica, não somente restrita a alguns grupos de sociólogos, mas expandida para uma ampla interdisciplinaridade dos estudos organizacionais. (NOHRIA e ECCLES, 1992 apud BALESTRIN e FAYARD, 2003. p.05).

Este crescente interesse no mundo acadêmico suscita um primeiro questionamento para o

mundo real: o que tem levado as organizações a buscarem as redes interorganizacionais como

forma de articulação e operação ? Novamente na academia, encontram-se algumas respostas.

Cândido e Abreu, por exemplo, enunciam que:

o homem é um ser eminentemente social e necessita durante toda a sua existência manter diversos tipos de relacionamentos e interações com outras pessoas. Este tipo de comportamento social pode ser estendido para os grupos sociais, dentro do princípio de que estes grupos são formados por pessoas. (CÂNDIDO e ABREU, 2000, p.01).

Contudo, é fácil observar que, conforme os próprios autores ressaltam, o princípio enunciado

acima justifica somente parcialmente os motivos que levam as organizações a procurarem

formas de atuação em rede junto a outras organizações, muitas vezes concorrentes, em

situações nas quais o isolamento as afastaria das condições ideais de sobrevivência e

desenvolvimento, uma vez que, sob a ordem capitalista, a busca pela maximização de lucros

pode muitas vezes identificar somente competição onde pode haver também colaboração.

Já quando se reflete acerca da máxima de que vivemos em um mundo em transformação...,

hoje com assento reservado nos lugares-comuns, constata-se que esta é inequivocamente

verdadeira, quando analisados, por exemplo, fenômenos como os impactos das modernas

59

tecnologias de informação e comunicação e da globalização financeira e dos mercados na

economia mundial. Talvez seja correto encontrar na soma destes fatores, necessidade social e

mudanças no ambiente empresarial a justa explicação para a emergência das redes

organizacionais.

Assim o faz Peci (2000), que reforça o seu ponto de vista discorrendo sobre o pensamento de

Lipnack e Stamps:

Na opinião [daqueles autores], três ondas dividem a humanidade em quatro grandes épocas, denominadas: era nômade, agrícola, industrial e de informação. Cada nova época de civilização traz em si a sua forma principal de organização. O pequeno grupo caracterizava a era nômade, a hierarquia cresceu com a agricultura, a burocracia nasceu na era industrial e a era de informação está trazendo a rede, “(...) uma forma de organização, como a hierarquia e a burocracia, um dos desenhos básicos que nós usamos para construir o nosso mundo social” (LIPNACK e STAMPS,1994:38) (Tradução nossa). No entanto, cada forma organizacional constitui-se sobre as outras, incluindo o passado. Particularmente, as redes são inclusivas pela própria natureza. Na era das redes, continuarão a existir hierarquias e burocracias, assim como continuam a existir fazendas e fazendeiros nos dias de hoje. (PECI, 2000. p.01).

A chamada era da informação traz consigo a emergência das redes enquanto forma

organizacional, e no tocante as mudanças ambientais, pode-se justificar as redes como

resposta a um ambiente cada vez mais concorrencial, sendo utilizada como “...estratégia para

enfrentar as turbulências e incertezas que caracterizam o ambiente contemporâneo,

decorrente do crescimento da competitividade, de crises e de movimentos de reestruturação,

tanto na esfera pública como na dos negócios” (LOIOLA e MOURA, 1996, p.57).

Neste novo ambiente, a necessidade de respostas cada vez mais rápidas para as mudanças

cada vez mais intensas, aumenta a interdependência entre as organizações, pois cresce a

necessidade de recursos especializados, processamento de informações, contato com clientes,

surgindo por outro lado as novas tecnologias de informação e comunicação para apoiar o

relacionamento interfirmas. (PECI, 1999).

Analisando tal fenômeno sob o ponto de vista dos modelos organizacionais, pode-se avaliar,

como já o fizeram Nohria e Eccles citados acima, e também o faz Peci (1999), que este novo

60

ambiente de negócios implica na inflexão no predomínio do modo fordista de produção e

gestão, caracterizado pela empresa hierarquizada e integrada verticalmente, em detrimento de

outras formas organizacionais, sendo a rede uma delas.

Da mesma forma Pereira e Pedrozo (2003), afirmam que o paradigma fordista de produção

vem dando lugar ao paradigma da especialização flexível, o qual enfatiza a busca da

agregação de valor, o emprego da ciência e da tecnologia, a diversidade da linha de produtos,

a capacidade de adequação da produção às oscilações de mercado, a produção em pequenos

lotes de produção de alta tecnologia, a flexibilização de plantas industriais e a poliqualificação

de trabalhadores.

Neste novo paradigma, conhecimento e tecnologia adquirem papéis centrais e as redes, ao

incorporarem princípios de gestão que estimulam a cooperação, facilitam o processo de

inovação e fortalecem as empresas participantes, permitindo com que estas possam continuar

competindo em um ambiente mutável, resguardadas por inovações em produtos, serviços e

processos.

Objetivamente, Lipnack e Stamps (apud CÂNDIDO e ABREU, 2000), identificam as

seguintes iniciativas, descritas abaixo segundo diferentes áreas de ação empresarial, que

justificam a atuação das empresas em redes:

1. Marketing : marketing conjunto, pesquisas de mercado, avaliação de necessidades

comuns, marcas comuns, serviços de exportação, etc;

2. Treinamento: conhecimentos especializados e habilidades gerais e específicas;

3. Recursos: aquisições conjuntas, armazenagem/estocagem conjunta, coordenação de

fornecedores, equipamentos especializados, serviços profissionais, etc;

61

4. Pesquisa e Desenvolvimento: desenvolvimento conjunto de produtos e/ou serviços,

desenvolvimento conjunto de processos, compartilhamento de pesquisa e inovações,

transferência e difusão de tecnologias etc;

5. Pesquisa: programa conjunto de qualidade, benchmarking, compartilhamento de padrões

internos, certidão de padrões internacionais, etc;

Ou seja , trata-se de buscar a colaboração para a aquisição de recursos e competências que

individualmente a organização não possui.

Este contexto é particularmente verdadeiro para as pequenas e médias empresas (PMEs), uma

vez que se torna impossível para estas possuírem a mesma capacidade que as grandes

empresas, no sentido de dominar todas as atividades, cada vez mais complexas, de um ciclo

de agregação de valor. Balestrin e Fayard (2003, p.05) afirmam que

a organização em redes representa uma opção estratégica para a competitividade frente as grandes empresas. Pois inseridas em um ambiente hipercompetitivo, as PMEs, na maioria das vezes, apresentam certas dificuldades, como baixo volume de compras, o que as impede de obter melhores preços e vantagens na compra de matérias-primas, custos de participação em feiras, custos de campanhas publicitárias, custos de reciclagem e treinamento da mão-de-obra, atualização tecnológica, acesso a linhas de crédito e financiamento, custos de aluguel, custos envolvidos na exportação de produtos, etc. Esses problemas dificilmente desaparecerão, contudo, podem ter seus efeitos neutralizados ou amenizados pela ação coletiva das PMEs. (BALESTRIN e FAYARD, 2003. p.05).

A organização em redes permite então que as PMEs ganhem maior escala, mais habilidades e

maior capacidade inovativa para fazer frente à competição.

Especificamente no contexto das PMEs, as redes possuem características que favorecem a

formação de um ambiente profícuo com geração de confiança entre as firmas (BALESTRIN e

FAYARD, 2003):

a) compartilhamento e discussão de informações sobre mercados, tecnologias e lucratividade;

b) suficiente similaridade entre processo e técnicas utilizadas, permitindo com que cada

participante possa entender e julgar o comportamento do(s) outro(s);

62

c) relações estabelecidas em longo prazo;

d) pouca diferença entre tamanho, poder ou posição estratégica dos participantes;

e) periódica rotação de lideranças para representar o conjunto de firmas;

f) recompensa financeira para as firmas e empregados dentro delas e

g) alcance de vantagem econômica pela experiência coletiva das firmas, pelo aumento das

vendas e pelos ganhos marginais.

Uma vez que já se conhecem as motivações que levam a estruturação de redes, é importante

para a compreensão do fenômeno saber quais as ferramentas que o mundo acadêmico tem

utilizado para melhor compreendê-lo, o que será feito a seguir com a discussão dos diferentes

paradigmas presentes nos estudos realizados sobre o tema.

3.2 Abordagens paradigmáticas presentes nos estudos sobre Redes

Os estudos sobre redes interorganizacionais tem sido conduzidos a partir de abordagens

distintas dentro da teoria organizacional, as quais, quando identificadas e descritas oferecem

maior clareza para a análise deste fenômeno. Identificá-las e descrevê-las foi o que buscou

Vizeu (2003), autor que oferece os principais fundamentos para este tópico.

Neste sentido, aquele autor caracteriza o que chama de distinção paradigmática em duas

principais vertentes, quais sejam: a orientação técnico-econômica de tradição norte-

americana e a abordagem fenomenológica de europeus não saxônicos, especialmente

franceses e italianos. (VIZEU, 2003)

63

Os trabalhos identificados sob a égide da orientação técnico-econômica norte-americana,

enfocam a organização de redes interorganizacionais sobretudo sob a ótica da estratégia

competitiva, tomando este tipo de organização como mais facilmente adaptável às pressões do

ambiente externo.

Tais trabalhos se distinguem entre si em decorrência de três diferentes referenciais teóricos

utilizados para a interpretação e análise das redes, como a economia dos custos de transação, a

teoria de dependência de recursos e o conceito de cluster.

Considerada um dos eixos teóricos da nova economia institucional22 a economia dos custos

de transação (ECT) possui caráter essencialmente micro-analítico, centrando-se nas

transações como unidade básica de análise, as quais podem ser definidas como sendo a "...

transferência de bens ou serviços por uma interface tecnologicamente distinta" (FARINA,

AZEVEDO e SAES, 1997, p.284). Desta forma, assume-se não só a existência de custos de

produção, como também aqueles vinculados às transações, os quais são definidos como "os

custos ex-ante de preparar, negociar e salvaguardar um acordo bem como os custos ex-post

dos ajustamentos e adaptações que resultam, quando a execução de um contrato é afetada

por falhas, erros, omissões e alterações inesperadas” (FARINA, AZEVEDO E SAES, 1997).

Sob este ponto de vista, como discorre Vizeu (2003, p.07), as redes são consideradas

como instrumentos eficazes de controle dos custos de transação, pois permitem uma melhor regulação de operações interfirmas comumente regidas pela lógica de mercado, e, ao mesmo tempo, não comprometem a capacidade de rápida adaptação às mudanças na ‘regras do jogo econômico’ (como por exemplo, mudanças no sistema de preços), dado que não se perde o caráter de firma autônoma. (VIZEU, 2003, p.07)

São deste modo caracterizadas como uma forma híbrida de realização das transações

econômicas, as quais combinariam virtudes do controle peculiares à forma organizacional

22 Embora Vizeu (2003) tenha identificado a ECT como vertente teórica presente nos estudos de redes, mais apropriado seria identificar nesta abordagem a presença da Nova Economia Institucional (NEI) , uma vez que os aspectos de ordem institucional, os quais encontram-se fortemente presentes nestes estudos, não são contemplados pela ECT e sim pelos trabalhos de outras vertentes teóricas que se fundem com a ECT no escopo da NEI .

64

hierárquica com os estímulos e a capacidade de adaptação às mudanças presentes nas

transações que são realizadas via mercado. (FARINA, AZEVEDO E SAES, 1997)

Já sob o ponto de vista da teoria da dependência dos recursos, “...as redes tem sido

consideradas como um importante mecanismo de obtenção de recursos produtivos, em

especial, os financeiros e tecnológicos, [atribuindo-se] ao incremento de recursos produtivos

a grande vantagem oferecida pela adoção do arranjo de redes por parte das pequenas e

medias empresas” (VIZEU, 2003, p.07).

A presença de tal abordagem nos estudos de redes pode ser vista como natural, uma vez que,

como ressaltam Sacomano Neto e Truzzi (2002), a dependência de recursos considera que as

organizações são dependentes dos recursos de que necessitam como novas tecnologias,

matéria-prima, recursos financeiros, e outros, sendo deste modo, dependentes também do

ambiente no qual atuam. O ambiente exerce uma influência crítica nas organizações,

sobretudo sob o fluxo de recursos críticos e escassos. A organização de redes seria então um

mecanismo para minimizar a vulnerabilidade e dependência ambiental, oferecendo melhores

condições de acesso aos recursos produtivos, especialmente os financeiros e tecnológicos.

Os estudos sob a orientação técnico-econômica fundamentam-se por fim no enfoque dos

clusters produtivos. Para melhor entendê-los, é oportuno reportar-se novamente a Vizeu

(2003), que analisando tais trabalhos indica que estes se organizam

em torno da idéia de cadeia de valor, idéia esta mais especificamente expressa pelo conceito de cluster. Para Porter (1998, p. 78) – um dos grandes difusores das idéias de cluster e de vantagem e estratégia competitiva – “clusters são concentrações geográficas de empresas e instituições interconectadas em um campo particular” nos quais “abarcam uma disposição específica de setores industriais e outras entidades importantes para a competição”. Nestes termos, os clusters representam uma espécie de amplo arranjo em rede onde participam importantes atores do processo produtivo. A concentração destes atores representa o pressuposto central do conceito de cluster, e, segundo seus difusores, também está ai o seu potencial competitivo, tendo em vista que a concentração de empresas e instituições de um mesmo setor produtivo permite o desenvolvimento de competências estruturais locais, especialmente quanto ao desenvolvimento de tecnologia e de uma adequada infra-estrutura de distribuição, fornecimento, mão de obra especializada e tantos outros recursos produtivos. (VIZEU, 2003.p.08).

65

Em síntese, por caminhos distintos, a abordagem técnico-econômica acaba por destacar as

redes como tecnologia organizacional, a qual oferece maior capacidade de adaptação às

mudanças e exigências impostas pelo processo de competitividade, dada a complementaridade

entre as competências das firmas participantes constituindo-se assim em um diferencial

estratégico que permite melhor responder a crescente complexidade nos mercados

competitivos. (VIZEU, 2003)

Por outro lado, abordagem fenomenológica de europeus não saxônicos, surge como

contraponto a interpretação que a corrente técnico-econômica faz do fenômeno das redes,

notadamente a partir dos estudos que buscavam interpretar e analisar o fenômeno na região da

chamada Terceira Itália. (VIZEU, 2003, p.09)

Para os autores identificados com esta vertente, a abordagem técnico-econômica para a

interpretação da ocorrência das redes terceiro-italianas mostra-se restrita seja pela não

valorização do contexto histórico – cultural, particularmente marcante na implantação das

redes naquela região, como também pela interpretação incorreta que faz do processo

colaborativo existente entre os participantes das redes.

Assim, quando inserida como elemento de análise, a questão da cultura adquire grande

capacidade explicativa para a ocorrência das redes, sobressaindo-se aos postulados

administrativos e organizacionais, permitindo com que o princípio de cooperação entre os

integrantes das redes seja interpretada não sob o interesse estritamente econômico, mas pelos

vínculos de afetividade e confiança característicos da cultura regional.

Sendo assim, tais estudos, destacam, ainda conforme Vizeu (2003) que a economia dos

distritos italianos na citada região tem maior relação com aspectos da cultura local do que

com prerrogativas administrativas e organizacionais. Isto faz com que ganhe importância o

interesse pelo enfoque, já discutido, da territorialidade, na análise do fenômeno de redes

66

interorganizacionais, uma vez que o tecido social derivado da identidade cultural dos

territórios onde se estabelecem as redes, seria mais explicativo de sua ocorrência de que o

imperativo tecnológico para o seu estabelecimento23.

O Quadro 3 trazido abaixo ilustra as diferentes perspectivas de estudo segundo a abordagem

aqui discutida:

Quadro 3. Síntese dos aspectos epistemológicos considerados na análise de Vizeu.

Abordagem técnico-econômica Abordagem histórico-cultural

Comportamento oportunístico (apropriado da Nova Economia Institucional)

Ênfase no âmbito histórico-cultural

Racionalidade cognitivo-instrumental Uso de perspectivas sociológicas subjetivistas

Determinismo ambiental Conceito de territorialidade (enquanto categoria culturalmente constituída)

Reificação de categorias organizacionais (estrutura; estratégia)

Consideração da esfera econômica como um enclave emerso de uma dimensão social mais ampla

Ênfase em fatores tecnológicos Consideração da confiança enquanto pressuposto intersubjetivo (reconhecimento mútuo e identidade)

Nenhuma ou pouca consideração do imperativo sócio-cultural

Consideração das relações interfirmas enquanto interações sociais efetivadas no mundo vivido (categoria fenomenológica)

FONTE: extraído de Vizeu (2003, p.12).

Corroborando a presente discussão, Cardoso et. al. (2002, p.09) identificam a partir dos

trabalhos de Powell e Smith-Doerr e de Smelser e Swedberg, duas linhas básicas de pesquisa:

23 Embora presente nos estudos de clusters, a questão da territorialidade é utilizada ali somente sob o enfoque das categorias tecnológicas, estruturais e econômicas, não abarcando questões de ordem cultural como o fazem os trabalhos desenvolvidos dentro da abordagem fenomenológica de redes. (VIZEU, 2003)

67

a primeira está relacionada mais claramente aos campos da Economia, da Estratégia Empresarial e da Teoria das Organizações, concentrando uma série de perspectivas que entendem as ‘redes’ como formas de governança – ou de ‘organização e coordenação’. A segunda vertente surge a partir da Sociologia, tendo no centro das preocupações o entendimento das redes enquanto fenômenos sociais. (CARDOSO et. al., 2002, p.09)

A Figura 3 apresentada por aqueles autores ilustra claramente a distinção apontada ao longo

deste tópico:

Figura 3. Hierarquia, mercado e redes.

Fonte: extraído de Cardoso et. al. (2002, p. 10)

3.3 Aspectos teóricos e conceituais

Etimologicamente, o substantivo feminino “rede” deriva do latim, tendo como um de seus

dezesseis diferentes significados o “entrelaçamento de fios, cordas, cordéis, arames, com

aberturas regulares fixadas por malhas, formando uma espécie de tecido" (FERREIRA,

1986).

68

Ainda segundo Cândido e Abreu (2000, p.2), “...Loiola e Moura ao analisarem os conceitos

de redes [...] apontam que os fios e as malhas dão a forma básica da rede e, que os fios

podem corresponder às linhas ou às relações entre atores e organizações, os quais

representariam as malhas ou os "nós"”.

Trazendo tal definição paro o plano técnico-operacional, é possível observar, como fazem

aqueles autores que

o termo "rede" denota comumente a idéia de fluxo, de circulação como por exemplo as redes de comunicação, de transportes, de água e esgoto e de telecomunicações. Neste sentido Loiola e Moura (op. cit.) apontam que existem dois tipos de rede: o primeiro caracterizado pelo fluxo unidirecional, com pontos de origem e de destino bem definidos e, o segundo as multidirecionais, onde os fluxos acontecem sem que haja necessariamente um centro propulsor, percorrendo as unidades que se complementam para formar a rede, o exemplo mais ilustrativo deste tipo de rede são as redes de computadores, como a Internet. (CANDIDO e ABREU, op.cit., p.02).

Verifica-se contudo que, conforme ressalta Olivares (2003), inexiste uma nomenclatura

uniforme para a definição de redes enquanto fenômeno presente no campo das organizações.

Expressões como organização-rede, redes-interorganizacionais, redes interempresas, network,

networking, redes estratégicas e redes integradas, surgem indistintamente em diferentes

estudos para identificar fenômenos muitas vezes similares.

Ainda que o mesmo autor afirme que “...em sentido amplo, as configurações de redes

consistem de interações ou relações entre colaboradores interdependentes que cooperam

para alcançar um objetivo.” (COHEN, apud OLIVARES,2003, p.02), a indefinição

conceitual é evidenciada em outros trabalhos como o de Peci (1999, p.01), quando esta

afirma que “...os termos “organização rede”, “formas rede de organização”, “rede

interempresas”, “redes organizacionais”, “especialização flexível” ou “quase-empresas”

têm sido freqüentemente utilizados para se referir à coordenação que se estabelece entre as

empresas”.

69

Parte desta indefinição conceitual pode ser atribuída à presença de diferentes abordagens

paradigmáticas no estudo das redes, como já discutido. Como lembra Peci (1999), quando

analisadas sob a ótica das relações sociais; da qual assume-se o pressuposto de que

internamente uma organização constitui-se de uma rede de pessoas, departamentos e setores

específicos mantendo uma constante rede de relações; qualquer organização pode ser

considerada uma rede, na medida em que estabelece relações com outros atores sociais,

fazendo com que deste modo as redes possam ser vistas também sob o aspecto

intraorganizacional.

De toda sorte, a exemplo de Peci (1999), destaca-se como constructo de análise no presente

trabalho as formas específicas de organizações baseadas em redes, como aquelas que buscam

maior capacidade de adaptação às mudanças por intermédio de redes estabelecidas com

outras organizações. Neste sentido, as redes podem ser divididas em intra e

interorganizacioanais, as quais englobam as alianças, como por exemplo joint-ventures,

consórcios, franchising, as fusões e aquisições, as organizações virtuais, os clusters

(aglomerados), etc. (CÂNDIDO e ABREU, 2000).

Já quando analisadas sob a ponto de vista da economia dos custos de transação, e da

dependência de recursos, associadas ao enfoque de redes enquanto formulação estratégica,

pode-se definir uma Rede Organizacional como uma estrutura, na qual podem participar empresas, que devido a limitações de ordem dimensional, estrutural e financeira, não podem assegurar as devidas condições de sobrevivência e desenvolvimento. São formadas por uma estrutura celular não rigorosa e compostas de atividades de valor agregado que, constantemente, introduzem novos materiais e elementos. (CÂNDIDO e ABREU, p.06, 2000)

Sob esta mesma ótica, Cardoso et al (2002) afirmam que as redes são definidas como formas

híbridas de organização entre o mercado (onde a coordenação do trabalho se dá a partir da

racionalidade estrita de transações independentes ao longo do tempo) e a hierarquia (onde a

coordenação se dá pelo poder formal).

70

Uma rede, ainda para aqueles autores, “...é uma coleção de atores que estabelecem relações

de troca de longo prazo, e que ao mesmo tempo não possuem legitimidade e autoridade para

arbitrar e resolver disputas que podem ocorrer durante a troca” (PADOLNY e PAGE apud

CARDOSO et al, p.09).

Em termos gerais, afirmam os autores supra citados, a organização em rede pressupõe a

existência de objetivos / interesses comuns ou complementares entre os participantes,

caracterizando-se por:

a) Ser compostas por diferentes atores/organizações que interagem entre si e detém, cada um,

um conjunto de recursos;

b) Manter as organizações participantes da rede com um razoável grau de independência

formal / contratual entre si;

c) Propiciar relações “não formais” de dependência significativa entre os participantes da

rede, as quais se aprofundam na medida em que dinamicamente se desenvolvem os laços entre

os participantes;

d) Manter as interações entre os nós da rede não em momentos únicos, mas repetidos ao longo

do tempo, configurando padrões e evoluindo.

Em suma, princípios como o de interação, relacionamento, ajuda mútua, compartilhamento,

integração e complementaridade, estarão sempre presentes na análise de redes, ainda que sob

diferentes enfoques conceituais.

71

3.4 Tipologias de Redes

Como lembram Farias Filho et al. (1999), alguns fatores são comumente utilizados para

classificar e diferenciar os tipos de redes. Entre estes estão a dependência estratégica criada

entre as partes envolvidas, a forma relacional, a flexibilidade e integração da produção, o grau

de compartilhamento das funções, os objetivos e a amplitude dos mesmos, o tempo de

duração da relação, os setores industriais envolvidos, o grau e tipo de ligação e os vínculos

entre as partes, as liderança de organizações centrais, etc.

Diferentes estudos oferecem tipologias para a análise de redes organizacionais. Olivares

(2003), apresenta os tipos gerais de redes, ressaltando que uma rede enquadra-se, ou possui

características, simultaneamente em mais de um dos tipos descritos:

Quadro 4. Tipologia geral de redes organizacionais.

Critérios Tipos de Redes Características

(redes constituídas por)

Local Organizações da mesma nacionalidade

Nacionalidade Internacional

Organizações de nacionalidades diferentes

Bi-rede Somente duas organizações participantes

Número de participantes Poli-Rede

Mais de duas organizações participantes

Privada Organizações de direito privado

Propriedade Pública

Organizações de direito público

Integrada

Organizações com processos de negócios conjuntos em várias áreas simultaneamente (p.ex. finanças, marketing, logística, etc.) Processos conjuntos

Específica

Organizações com processos de negócios em áreas ou assuntos específicos. (p.ex. somente vendas)

continua

72

Critérios Tipos de Redes Características

(redes constituídas por)

Física

Organizações que se preocupam principalmente com o aspecto físico da relação, tendo em conta fatores de localização, tamanho, infra-estrutura, etc.

Abstrato-concreto

Virtual Organizações preocupadas principalmente com a relação cibernética, informática

Interna Organizações que fazem parte do mesmo grupo empresarial

Âmbito da relação Externa

Organizações que pertencem a diversos grupos empresariais

Permanente Organizações que participam da rede por período pré-determinado

Tempo de duração Variável

Organizações que tem liberdade para entrar ou sair da rede a qualquer momento, logicamente com aviso prévio

Industrial Organizações que atuam no setor industrial

Comercial Organizações que atuam no setor comercial

Setor de atuação

Serviços Organizações que atuam no setor de serviços

Similar

Organizações que possuem características similares de dimensão, sejam grandes, médias ou pequenas Tamanho

Não similares Organizações que possuem diferentes tamanhos

Sede conjunta Organizações que atum operacionalmente no mesmo local ou sede

Integração de layouts

Sede independente Organizações que atum operacionalmente em sedes diferentes

Fonte: elaboração do autor a partir de Olivares (2003).

Enquanto tipologias específicas, ancorados em estudos desenvolvidos por diferentes

pesquisadores do tema, trabalhos como os de Olivares (2003), Farias Filho et al. (1999) e

Cândido e Abreu (2000), descrevem aquelas que são apresentadas no Quadro 5 a seguir:

Quadro 4. Tipologia geral de redes organizacionais. continuação

73

Quadro 5. Tipologias específicas de redes organizacionais elaborada a partir da contribuição de diferentes autores.

Autores Tipos de Redes Características

Interna Constituídas por uma organização vinculada internamente à outra com o propósito de obter benefícios de mercado oriundos da divisão interna

Estável Constituídas por organizações independentes, de diferentes proprietários, obedece em sua construção a ótica da cadeia de valor do segmento no qual atua

Dinâmica, modular ou virtual

Também obedecem a ótica da cadeia de valor em sua constituição, distinguindo-se pela ausência de relação permanente, com ampla flexibilidade de entrada e saída da rede

Miles e Snow

Poli-Rede Possuem mais de duas organizações participantes

Top-down Definidas quando uma organização constitui-se em provedora de uma organização maior, ou de outro modo, uma empresa de menor porte fornece direta ou indiretamente sua produção a uma empresa-mãe, por meio de subcontratações, terceirizações, estabelecimento de parcerias e demais outras formas de repasse da produção Casarotto

Filho e Pires Flexível

Presentes quando várias organizações se reúnem para criação de uma aliança, ou de um consórcio, com objetivos amplos ou mais restritos, simulando a administração de uma grande empresa, mas com muito mais flexibilidade de atendimento a produtos diferenciados

de Fornecedores Envolvem a subcontratação e/ou os acordos entre um cliente e seus fornecedores de insumos intermediários para a produção

de Produtores Abrangem os acordos de co-produção firmados entre várias organizações, os quais permitem que produtores concorrentes reúnam seus meios de produção com o propósito de ampliar sua carteira de produtos, bem como sua cobertura geográfica

de Clientes Correspondem aos contratos e acordos firmados entre as indústrias (produção) e seus distribuidores, canais de comercialização, revendedores com valor agregado e usuários finais (comércio e serviços), visando mercados específicos

de Coalizões-padrão

Envolvem de um lado empresas capazes de constituírem-se em definidoras de padrões globais em seus ramos de negócios, com o objetivo de vincular outras empresas a seu produto ou padrões de interface, estendendo as suas relações comerciais

Ernst

de Cooperação tecnológica

Criadas com o propósito de facilitar a aquisição de tecnologia para projetos e produção, capacitar o desenvolvimento conjunto dos processos e da produção e permitir o acesso compartilhado aos conhecimentos científicos genéricos oriundos da P&D

de Relações organizacionais de forma par

Envolvem duas organizações

de Relações conjuntas inter-organziacionais

Quando uma organização se relaciona independentemente com cada uma das organizações participantes da rede Van de Ven e Walter

Network interorga-nizacional Quando todas as organizações participantes se relacionam mutuamente entre si.

Veereck e Van Dierdonck

Global Multinacional Transnacional

Definidas de acordo com sua amplitude geográfica

Fonte: elaborado pelo autor.

74

Cabe considerar ainda a proposta de Zaleski Neto (2000) que apresenta duas modalidades

básicas de redes, modo competitivo e modo cooperativo, afirmando que redes formadas pelo

modo competitivo implicam na existência de mercado econômico competitivo, estando

sujeitas a normas que regulam seu comportamento. Sendo assim, por apresentarem

relacionamento antagônico, suas ligações tendem a serem vistas com suspeição pelos

diferentes lados envolvidos. Por outro lado, se tais redes permitem o desenvolvimento de

relações interorganizacionais de caráter mais permanente, as empresas envolvidas podem ser

acusadas de subverterem o mecanismo do mercado na tentativa de alcançarem vantagens

injustas. Tem-se então em redes organizadas no modo competitivo, empresas identificadas

como entidades que buscam suas metas particulares, procurando manter sua autonomia e

efetividade para além das redes que participam.

As redes formadas no modo cooperativo pressupõem, segundo aquele mesmo autor, que as

organizações envolvidas muito embora possuam suas metas particulares, entendem que o

benefício será maior quando perseveram na procura de um objetivo maior, com o qual a rede

tem compromisso. Buscando alcançar este objetivo, as organizações estruturam suas

atividades considerando as outras participantes, pois acreditam que esta atitude é mais efetiva

que a atuação dos mecanismos de mercado. As redes podem ser classificadas ainda segundo

Zaleski Neto (2000) segundo seu objetivo (produtora ou criadora de fatores); sua estrutura

(república ou reino; vertical ou horizontal) ou sua dinâmica (estática ou dinâmica).

As redes criadoras de fatores, classificação mais oportuna no contexto da presente proposta,

são aquelas que têm por objetivo catalisar os esforços coletivos na criação de infra-estrutura

adequada para uma determinada indústria, envolvendo associações comerciais fortes ou

centros de serviços (em redes mais desenvolvidas), com o apoio do governo local e de

universidades (ou de outras instituições educacionais e de pesquisa). As redes produtoras são

75

formadas por firmas que se engajam na produção conjunta e/ou desenvolvimento de

atividades de marketing partilhadas.

É possível ainda efetuar outras classificações, como o fazem Cândido e Abreu (2000, p.07),

baseando-se nas finalidades da rede, tais quais redes de inovação24, redes de relacionamento,

redes de informação, redes de comunicação e redes de pesquisa.

A Figura 4 a seguir ilustra a evolução dos conceitos de redes em uma perspectiva

organizacional, partindo da utilização da teoria de redes sob o enfoque das redes sociais. Nela

é possível identificar alguns dos tipos aqui descritos:

24 As redes de inovação podem ser enquadradas também no conceito de Redes Técnico-Econômicas descritas por Callon (VIEIRA e OHAYON, 2002). Contudo, dadas as especificidades e importância deste tipo de redes para o presente estudo, estas serão abordadas separadamente, no tópico a seguir.

76

Figura 4. A evolução dos conceitos de redes em uma perspectiva organizacional.

Fonte: extraído de Cândido e Abreu (2000, p.03)

3.5 Redes e inovação tecnológica

Como já mencionado, o acesso à tecnologia é um dos fatores que tem levado as empresas a

procurarem as redes como estrutura organizacional, movidas seja pela importância que este

Teoria de Redes

Redes Sociais

Redes Intrapessoais Redes Interorganizacionais

(Bilateral / Multilateral) Homogênea / Heterogênea

Formal / Informal )

Redes Alianças

• Redes Flexíveis de PME's (Redes de Subcontratação) • Redes de Inovação • Redes de Relacionamento • Redes de Informação • Redes de Comunicação • Redes de Pesquisa

• De Fornecimento • De Posicionamento • De Aprendizado

• Estratégica • Vertical • Horizontal • Transacional

• Joint Ventures • Consórcios • Acordos Cooperativos • Fusões e Aquisições • Franchising • Organização Virtual • Clusters (etc.)

Sociologia Antropologia Psicologia Biologia Molecular Teoria de Sistemas

Interação / Integração Relacionamento Ajuda Mútua Compartilhamento Complementaridade

Redes Intraorganizacionais (Características da sua cadeia de valor e do processo produtivo)

77

fator adquire no tocante à competitividade, seja pela maior dificuldade relativa de acesso ao

mesmo.

Deste modo, é natural que o estudo sobre redes tenha evoluído no sentido de abordar a

questão tecnológica, focando-se na inovação. Um dos autores que tem se dedicado a isto é o

francês Michel Callon, no qual fundamentam-se textos como os de Vieira e Ohayon (2002) e

Hasegawa e Furtado (2001), utilizados como referenciais para este tópico.

Segundo Vieira e Ohayon

As redes de inovação (networks) se inscrevem dentro do conceito de redes técnico-econômicas definidas por CALLON e seus colaboradores (1992) que coordenam atores heterogêneos e contemplam níveis institucionais tais como governo, institutos públicos, universidades e firmas industriais, que participam coletivamente do desenvolvimento e da difusão de inovações, via numerosas interações, organizando as relações entre o meio científico e tecnológico, o governo e os mercados, em prol das inovações tecnológicas. (VIEIRA e OHAYON, 2002, p.07).

Deste modo, as redes técnico-econômicas distinguem-se dos tipos apresentados até aqui, não

se enquadrando nos modelos

descritos por economistas (sistemas produtivos), de sociólogos (interações humanas) e de administradores (relações inteorganizacionais e gerenciais)[...]. [Trata-se de] um conjunto coordenado de atores heterogêneos, como por exemplo, laboratórios públicos (IPPs), centros de pesquisa técnica, empresas, organizações financeiras, usuários e governos que participam coletivamente na concepção e desenvolvimento, produção e distribuição, ou da difusão de procedimentos para a produção de bens ou serviços, alguns dos quais dão origem a transações de mercado (CALLON, 1992, p. 73, apud VIEIRA e OHAYON, 2002, p.08).

Como detalham Hasegawa e Furtado (2001), na concepção de Callon o ator possui um papel

ativo na rede, definindo-se como qualquer entidade capaz de transformar e de criar um

conjunto de intermediários. Estes, que desempenham um papel passivo na rede, são

caracterizados como sendo qualquer elemento que passa de um ator para outro, oferecendo

consistência para a relação entre ambos, podendo ser classificados em quatro tipos: textos;

artefatos técnicos (instrumentos científicos, máquinas, robôs, bens de consumo, etc.);

habilidades ou capacidades incorporadas em seres humanos e dinheiro.

78

Conforme descrevem Vieira e Ohayon (2002) e Hasegawa e Furtado (2001), a rede técnico-

econômica engloba três pólos principais, e dois pólos intermediários identificados pelo tipo de

ator e de intermediários envolvidos:

• Pólos principais:

1. Pólo Científico: constituído de universidades e centros de pesquisa independentes,

públicos ou privados. É caracterizado pela produção e validação do conhecimento científico

que disponibiliza à rede como intermediários.

2. Pólo Tecnológico: constituído por laboratórios de empresas, centros de pesquisa

cooperativos e plantas piloto. Caracteriza-se pela concepção e desenvolvimento de objetos

materiais destinados a servir propósitos específicos. Seus intermediários incluem patentes,

protótipos, softwares, normas, padrões, modelos, projetos piloto, etc.

3. Pólo de Mercado: constituído de usuários.

• Pólos intermediários:

1. Pólo Transferência: atuando entre os pólos científico e tecnológico, envolve os recursos

envolvidos na transferência de tecnologia, como as competências incorporadas e os

mecanismos de contratos.

2. Pólo Desenvolvimento/Comercialização: presente entre o setor tecnológico e o mercado,

abrange as atividades de produção, distribuição e manutenção.

A Figura 5 abaixo permite que se visualize a organização da rede técnica-econômica proposta

por Callon:

79

Pesquisadores Científicos

Tecnólogos Engenheiros

Usuários Compradores

Processos e Produtos

CIÊ

NC

IA

(C)

TE

CN

OLO

GIA

(T

)

ME

RC

AD

O

(M)

Produção de conhecimentos

certificados

Patentes, Protótipos, Normas, Softwares, etc.

Competências Incorporadas Contratos

Difusão de produtos

Transferência (CT)

Desenvolvimento Comercialização

(TM )

Operadores de Transferência

Empresas - Distribuição

LEGENDA

Pólos principais Pólos intermediários Intermediários Atores

Figura 5. Rede ciência, tecnologia e mercado de Callon.

Fonte: adaptado de Vieira e Ohayon (2002, p.09).

Importante também é distinguir os conceitos apresentados por Callon de redes de adoção,

aquelas em que atores e técnicas já estão estabilizados; e redes de concepção, aquelas em que

os atores e técnicas estão em co-evolução (VIEIRA e OHAYON, 2002), as quais podem ser

analisadas utilizando-se os mesmos conceitos já apresentados.

Por fim, outra abordagem presente no trabalho de Callon, importante para a análise do objeto

de estudo da presente dissertação, é aquela relativa ao papel atribuído ao poder público na

implantação das redes técnico-econômicas.

80

No caso das redes implantadas sob os auspícios do poder público, estas devem, segundo

aquele autor,

facilitar as alianças, as aproximações, a circulação de homens e equipamentos, a difusão de informações e outros, estimulando a diversidade, encorajando opções originais e sua experimentação progressiva no âmbito de operações conjugadas e cooperações amplas. Quando estabilizadas as redes, os poderes públicos devem se retirar para evitar favorece qualquer que seja o ator. Devem organizar a competição e lutar contra as irreversibilidades que surgem, especialmente atuando em áreas como direitos de propriedade, dosando proteção e divulgação. Uma ação típica dessa fase é a de compatibilizar padrões e tecnologias, de maneira a evitar o desaparecimento prematuro de participantes. (VIEIRA e OHAYON, 2002, p.11).

Já no caso de programas tecnológicos, o poder público deve tomar em conta o estágio no qual

a rede se encontra; incompleta, dispersa ou polarizada; para então pautar a sua intervenção, a

qual justifica-se não só em função do potencial da aproximação de parceiros, os quais a

princípio não estabeleceriam nenhuma ação coletiva, como também pela possibilidade de

criação de um instrumento para a avaliação dos impactos dos programas tecnológicos por

intermédio de seu monitoramento. Do mesmo modo, tal monitoramento oferece as evoluções

temporais que permitem uma leitura estratégica do funcionamento da rede, tornando possível

a definição de trajetórias tecnológicas possíveis e outras ações necessárias, ainda que as

mesmas sejam pontuais (VIEIRA e OHAYON, 2002).

Para a conclusão deste capítulo é oportuno, como já ressaltado, apresentar a perspectiva de

redes na gestão do conhecimento, outro componente importante para melhor avaliar a

implantação de redes junto a unidades produtivas rurais, o que será feito em seqüência.

3.6 Redes e gestão do conhecimento

Quaisquer que sejam os enfoques teóricos ou conceituais utilizados para o estudo de redes,

um aspecto não pode, inegavelmente, deixar de ser lembrado: o papel desempenhado pelo ser

humano no funcionamento deste tipo de organização.

81

Destaca-se então o pensamento de Peci (1999, p.12), quando esta advoga a centralidade do

papel desempenhado pelo homem no funcionamento de redes organizacionais, recordando

que se tratam de homens comuns, expostos a fluxos de informações e comunicações, em

diferentes processos econômicos e sociais, de modo que, para a autora, tais homens devem ter

sua ação potencializada.

Esta afirmativa traz consigo a perspectiva da rede operando também como espaço de geração

e troca do conhecimento indispensável para potencializar a ação de seus operadores, fato este

reconhecido como de suma importância para também sob o aspecto estratégico, pois como

lembra Peci (1999):

Segundo Castells (1996), o [...] conhecimento, seja este “explicito” ou “tácito” 25 é de suma importância para a sobrevivência da “empresa criadora de conhecimento”. Uma grande parte do conhecimento acumulado na empresa provêm do conhecimento tácito e da experiência, o que o torna difícil de ser codificado Os trabalhadores devem estar em contato um com o outro, a fim de comunicar entre si, para poder aproveitar essa fonte importante de conhecimento. Assim, o estabelecimento de redes interorganizacionais, ou intraorganizacionais, faz possível uma maior interação entre os trabalhadores, cientistas, funcionários etc. dentro ou fora da organização, levando numa maior troca de conhecimentos”. (PECI, 1999, p. 12).

Diante de tais afirmações, justifica-se o fato que organizações ingressem em redes em busca

de aprender e adquirir cada qual outros produtos, conhecimentos e competências, fazendo

como que autores como Pereira e Pedrozo (2003) sugiram inclusive a distinção entre redes de

conhecimento, formadas para tais objetivos e redes de negócios, quando a intenção é

maximizar a utilização de recursos complementares, tais quais os principais modelos de rede

já descritos aqui.

25 Cabe lembrar o enfoque de conhecimento oferecido pelo pensador japonês Ikujiro Nonaka. Nesta abordagem “... para entender a verdadeira natureza do conhecimento e da criação do conhecimento é necessário reconhecer que o conhecimento tácito (geralmente complexo, sistêmico, pessoal, difícil de formalizar e fortemente relacionado à ação, procedimentos, rotinas, idéias, valores e emoções) e o conhecimento explícito (expresso de maneira formal e sistemática e compartilhado em forma de dados, fórmulas científicas e especificações) são complementares e ambos tipos são essenciais para o processo de criação de conhecimento organizacional”. (BALESTRIN e FAYARD, 2003).

82

Mas quais seriam os aspectos da operação de redes favoráveis ao processo geração e fluxo do

conhecimento? Pereira e Pedrozo (2003) lembram que no contexto da rede, favorece-se o

sucesso do processo de aprendizagem por intermédio da interação sinérgica criada entre seus

membros. Ou de outro modo, ao entrar em redes, as organizações buscam alcançar recursos

complementares, fazendo da rede o mecanismo para a transferência de conhecimento e

relacionamento de capacidades. A figura de Nielsen apresentada por aqueles autores facilita a

compreensão deste processo:

Figura 6. Complementaridade de conhecimento na rede

Fonte: extraído de Pereira e Pedrozo (2003, p.10).

De maneira distinta mas não totalmente antagônica, Balestrin e Fayard (2003), ainda

reportando à teoria de Nonaka, observam que o conhecimento só é criado por indivíduos, não

sendo possível a sua criação em uma organização ou uma rede interorganizacional, cabendo a

estas

proporcionar um espaço de relações positivas e construtivas entre os atores e entre os atores e seu ambiente. Assim, as trocas de dados, de informação, de opinião, de colaboração e de mobilização sobre um projeto confrontado às necessidades e ao desconhecido convergem a um ambiente para a ampliação do conhecimento dentro das organizações. (BALESTRIN e FAYARD, 2003, p.07)

Empresa A

Base de Conhecimento

Conhecimento Específico da

empresa

Capacidadescomplementares

Conhecimento derede

Transferência deconhecimento

Conhecimento específico da

empresa

Capacidadescomplementares

Base de Conhecimento

Empresa B

-Single ou Double-loopAprendizado

83

A pesquisa de campo realizada por aqueles autores no âmbito de PMEs, confirmou a

configuração de redes como elemento que proporciona as condições favoráveis aos processos

de criação e ampliação do conhecimento organizacional reforçando deste modo a afirmação

de que

uma rede interorganizacional poderá proporcionar um ambiente favorável à existência de uma efetiva interação entre pessoas, grupos e organizações, ampliando interorganizacionalmente o conhecimento criado inicialmente pelos indivíduos. Essa dinâmica forma uma verdadeira comunidade estratégica de conhecimento (Fayard, 2003) em que o conhecimento, as práticas, os valores, os processos, a cultura e as diferenças dos indivíduos são compartilhados coletivamente em favor de um projeto comum. Para Corno et al. (1999) as redes representam o lugar onde os processos de aprendizado e de sedimentação do conhecimento tomam forma. (BALESTRIN e FAYARD, 2003, p.07).

Por fim, cabe reforçar a observação de Cardoso et al. (2002) de que as competências não

devem ser analisadas isoladamente, já que se encontram presentes não somente junto aos

diferentes integrantes da rede, como podem estar presentes também em entidades tais como

centros de pesquisa e universidades, as quais, quando inseridas na organização da rede podem

significar também a construção de vínculos de longo prazo, modelo de rede caracterizado na

descrição da rede tecnico-econômica de Callon.

Conhecidos os aspectos teóricos e conceituais associados às redes organizacionais, apresenta-

se no próximo capítulo o objeto empírico da pesquisa, qual seja, o projeto Redes de

Referências para a Agricultura Familiar.

84

4. AS REDES DE REFERÊNCIAS PARA A AGRICULTURA FAMIL IAR

Considerando que as Redes de Referências para a Agricultura Familiar constituem o objeto

empírico deste trabalho, é preciso oferecer elementos que permitam ao leitor conhecer em

maior profundidade este projeto desenvolvido pelo IAPAR e EMATER/PR, melhor

habilitando-o à leitura deste texto, especialmente em seus capítulos finais, quando serão

discutidos os resultados obtidos e apresentadas as conclusões e recomendações da pesquisa.

O capítulo organiza-se de modo a apresentar primeiramente um breve histórico da adoção

desta metodologia, ressaltando sobretudo a experiência francesa na qual foi baseada, trazendo

na seqüência os objetivos e os elementos fundamentais para sua operacionalização, a

metodologia empregada e sua estrutura atual. Para tanto, fundamentou-se na leitura e

adequação do Manual Operativo do Projeto (MANUAL, 1999), bem como dos trabalhos de

Passini (1997), Miranda et al. (2001), Miranda e Doliveira (2005), e também, no tocante à

experiência francesa, em Soares Júnior et al. (2000).

4.1 Antecedentes do projeto e a experiência do Institut de l’Élevage

O projeto Redes inicia-se no programa de pesquisa em Sistemas de Produção do IAPAR,

quando do desenvolvimento de metodologias para as etapas básicas da pesquisa em sistemas

de produção agropecuários, quais sejam, a tipologia de produtores, o diagnóstico dos sistemas

e a validação de tecnologias e de sistemas modificados. Neste sentido, oportunizado por uma

parceria existente desde 1988 com o Institut de l’Élevage, instituição francesa de pesquisa e

desenvolvimento na área de produção animal, foi identificada uma alternativa metodológica

para a fase de validação de sistemas, traduzida na proposta das Redes de Propriedades de

Referências, desenvolvidas por aquela instituição desde 1981. Inicia-se então o processo de

85

intercâmbio de técnicos do IAPAR e do Institut de l’Élevage, treinamento de pessoal,

instalação de duas redes de propriedades em regime experimental em 1994, e finalmente a

implantação da proposta integral em 1998, pelo IAPAR e EMATER/PR, no âmbito do projeto

Paraná 12 Meses (MIRANDA e DOLIVEIRA, 2005; SOARES JÚNIOR et al., 2000).

Criado e gerido pelos produtores desde a década de 60, o Institut de l’Élevage é o resultado da

fusão de três diferentes institutos técnicos voltados à produção animal, constituindo-se em um

dos quinze institutos e centros técnicos organizados por produtos sob a responsabilidade das

organizações profissionais dos produtores franceses (SOARES JÚNIOR et al., 2000). Tais

instituições cumprem três tarefas básicas: definir, juntamente com todos os parceiros que

atuam na especialidade, as orientações técnicas a serem difundidas, realizar experimentações

e investigações aplicadas e apoiar o desenvolvimento de seus setores por intermédio da

formação e informação.

As Redes de Propriedades de Referências surgem no então Institut Techinique Élevage Bovin

(ITEB), antecessor do Institut de l’Élevage, como proposta de um método de pesquisa

aplicada. O principal objetivo desse método é a descrição do funcionamento das propriedades

agropecuárias, a partir dos dados técnicos e econômicos observados e registrados. Esses

registros e observações são realizados em todas as atividades desenvolvidas nas propriedades

acompanhadas, visando a avaliação global dos sistemas de produção.

A forte parceria com as Chambres d’Agriculture26 garante, além do acompanhamento das

propriedades a campo para a coleta de informações, a participação dos profissionais daquelas

26Criadas em 1924, constituem-se em organismos consultivos e representativos dos agricultores presentes nos âmbitos departamental, regional e nacional, com representantes eleitos por seus pares, aspectos que as credenciam como instância consultiva, de intervenção e coordenação da execução das políticas propostas para o segmento, às quais vinculam-se, entre outros, os serviços de assistência técnica (SOARES JÚNIOR et al., 2000).

86

organizações nas análises dos dados, nas intervenções técnicas necessárias para aprimorar os

sistemas de produção e na difusão dos resultados. Um Comitê de Pilotagem, constituído por

representantes de entidades que atuam na área rural, define os temas a serem trabalhados e os

tipos de propriedades, cabendo a coordenação geral do trabalho ao Institut de l’Élevage.

As Redes de Referências são formadas a partir das realidades regionais, selecionando as

atividades pecuárias mais representativas, tais como bovino de corte, bovino de leite, ovinos

de carne, caprinos, entre outras. Em cada sede regional de programação o Comitê de

Pilotagem se reúne uma ou duas vezes ao ano para avaliar e legitimar as diretrizes de

trabalho, permitindo a participação da comunidade no processo decisório das grandes linhas

de ação das Redes. O técnico do Institut de l’Élevage (“animador”) participa e assume a

secretaria executiva do referido comitê.

Os “animadores” regionais têm dedicação exclusiva e um papel fundamental na condução do

processo, pois coordenam as ações previstas nos planos de ação e executam a organização dos

dados coletados no campo. É preciso habilidade e tempo para agregar os profissionais das

Chambres d’Agriculture visando as análises das informações obtidas, processá-las e, a partir

daí, definir a melhor forma de difundi-las. Frente a essa complexidade, cada animador é

responsável por apenas um ou no máximo dois tipos de Redes (exemplo: Redes de Bovino de

Leite e de Caprinos), o que permite elevar o grau de especialidade técnica dos profissionais e

ter maior agilidade nas respostas às demandas dos agricultores acompanhados. As Redes

contam com de cerca de 214 Eqüivalentes-Técnicos e 3.000 propriedades acompanhadas. A

Figura 7 oferece uma visão geral da organização do trabalho.

87

Figura 7. Visão geral da estrutura Redes de Propriedades de Referências do Institut de l’Élevage com o número de propriedades e de técnicos participantes.

Fonte: extraído de Soares Júnior et al. (2000, p.18).

88

4.2 Objetivos e operacionalização das Redes

Conforme Passini (1997) e Miranda et al. (2001), as Redes buscam como objetivo geral

propor e difundir sistemas de produção equilibrados nas suas atividades e fatores de produção

para aumentar sua rentabilidade, viabilidade, estabilidade e adaptabilidade pelos agricultores

de mesmo tipo sócio-econômico.

Já como objetivos específicos encontram-se:

i) O levantamento de demandas de pesquisa a partir de diagnósticos nos

estabelecimentos participantes;

ii) A realização de testes, ajustes e validação de tecnologias;

iii) A oferta de tecnologias e/ou atividades que ampliem a eficiência dos sistemas

de produção;

iv) A disponibilização de informações e a proposição de métodos para orientar

os agricultores na gestão da propriedade rural;

v) A utilização das propriedades participantes como pólos de difusão e

capacitação de técnicos e agricultores; e ainda

vi) A oferta de subsídios para a formulação de políticas de promoção da

agricultura familiar.

Para garantir o cumprimento de tais objetivos, o Manual Operativo do projeto (MANUAL,

1999) previa a sua implantação com a estrutura descrita a seguir. Deveriam ser constituídos

dois tipos de comitês, para definir as orientações e garantir o funcionamento do método, a

saber:

89

a) Comitês de Coordenação

Constituídos para este fim nas três instâncias de trabalho (regional, mesorregional e estadual)

representam a autoridade deliberativa que possui a atribuição de impulsionar o trabalho e

coordenar a reflexão dos comitês técnicos. São ainda os responsáveis por levantar as

preocupações das diferentes regiões de trabalho no que diz respeito ao: funcionamento dos

sistemas predominantes, futuro de certos sistemas existentes; interesse de sistemas

inovadores, definindo o conjunto de sistemas a serem prioritariamente estudados.

Devem ser compostos pela Comissão Regional do Projeto Paraná 12 Meses, com a

participação de parceiros do desenvolvimento (EMATER/PR, IAPAR, ONG's, prefeituras,

sindicatos, conselho municipal de desenvolvimento, cooperativas, associações de produtores,

etc.).

b) Comitês Técnicos

Responsáveis pela realização dos trabalhos de estudo prévio, proposição e priorização dos

sistemas de produção a serem estudados e escolha das propriedades. Em número reduzido, são

formados por técnicos e alguns agricultores da região (cooperativa, sindicatos, prefeituras,

EMATER/PR). Na realização de seus trabalhos, seus membros deverão respeitar a decisão do

comitê de coordenação na definição dos objetivos para as Redes.

No plano executivo, o trabalho é realizado nas três instâncias já descritas (regional,

mesorregional e estadual), com a seguinte proposta de atuação de cada agente prevista no

Manual Operativo (MANUAL, 1999):

a) Estadual

Em nível estadual um articulador do IAPAR e um da EMATER, diretamente ligados à

coordenação do Projeto Paraná 12 Meses, devem garantir o bom funcionamento das Redes.

90

São responsáveis pela animação das equipes mesorregionais e também por promover a

integração das Redes com outras instâncias do governo e fora dele. Suas principais atribuições

são :

i) Coordenar e planejar o funcionamento das Redes;

ii) Garantir a execução de métodos comuns aos diferentes estágios de elaboração

das referências. Isto supõe organização/formalização, melhoramento

permanente dos métodos utilizados na busca de referências e sua valorização

e o treinamento para seu uso;

iii) Garantir que haja trocas de informação e de experiências dos resultados entre

os técnicos das Redes;

iv) Harmonizar no plano estadual as formas de apresentação de resultados e de

documentos de difusão, colocando à disposição dos diferentes intervenientes

nas propriedades as referências obtidas, levando em consideração a prática

profissional de cada um;

v) Assegurar a formação de novos extensionistas de sistemas e a formação

contínua dos que estão em atuação, e

vi) Avaliar as ações em diferentes níveis.

b) Mesorregional

Em cada mesorregião deve ser constituído um centro de difusão. Este centro deve ser

composto por uma equipe formada por dois pesquisadores do IAPAR e um extensionista da

EMATER abrangendo as áreas de recursos naturais, difusão de tecnologias, sócioeconomia e

91

produção vegetal/animal, que terão a função de animação e coordenação dos trabalhos das

equipe de técnicos regionais referentes ao seu núcleo.

Este centro deve possuir como principal missão a aglutinação e o tratamento das informações

obtidas nas Redes. Para isso são organizados diversos suportes de difusão adequados à

utilização por parte de técnicos e agricultores. É nesta instância que são definidas e

organizadas as operações de comunicação necessárias.

O trabalho de acompanhamento técnico e econômico realizado por extensionistas locais junto

às Redes deve gerar informações que, recolhidas e trabalhadas nos centros de difusão,

constituirão um banco de dados. Os tratamentos específicos após o reagrupamento dos dados

das propriedades similares no plano de suas dificuldades, de suas orientações, de seu

funcionamento (propriedades do mesmo caso tipológico), adicionam indicadores úteis sobre o

funcionamento e/ou seus resultados, ano após ano para diferentes categorias de propriedades.

As principais atribuições das equipes dos centros de difusão são:

i) Ajustar e atualizar o zoneamento agroecológico e a tipologia das

propriedades do núcleo que coordenam;

ii) Propor os sistemas de produção a ajustar e os temas de estudo a aprofundar;

iii) Apoiar técnica e metodologicamente os extensionistas de sistemas e garantir

o uso correto e uniforme da metodologia;

iv) Realizar, juntamente com os extensionistas de sistemas, o diagnóstico das

propriedades;

v) Orientar o estudo/projeto das propriedades das Redes;

92

vi) Aglutinar e analisar os dados obtidos nas Redes pertencentes à mesorregião;

vii) Realizar os ajustes dos dados para definição das referências técnicas e

econômicas dos sistemas de produção;

viii) Sistematizar os resultados obtidos e escrever os casos típicos;

ix) Implementar e coordenar as pesquisas adaptativas através de unidades de

teste e validação (UTV’s);

x) Orientar e propiciar a elaboração de instrumentos para difusão dos resultados

das propriedades de referências.

c) Regional com Extensionistas de Ssistemas

No plano prático o trabalho deve ser conduzido à escala das regiões administrativas da

EMATER/PR, com um técnico por região, bem preparado no uso da metodologia e sobretudo

nos conceitos do enfoque sistêmico. Este técnico deve ter facilidade para transformar os

conhecimentos adquiridos em publicações e documentos de difusão.

Este extensionista, dedicado integralmente ao projeto, é encarregado do acompanhamento de

uma rede composta por 20 estabelecimentos agropecuários, dedicando metade do seu tempo a

ele, e outra metade à difusão das referências

São atribuições destes extensionistas:

i) Diagnosticar os estabelecimentos da rede;

ii) Elaborar, em conjunto com o agricultor, o planejamento dos estabelecimentos;

iii) Acompanhar a execução do projeto (fase de intervenção);

93

iv) Registrar os resultados obtidos durante a implantação e execução do projeto (estes

registros comporão a base de dados para a elaboração das referências técnicas e

econômicas desejadas, pois são compostas de indicadores agronômicos e de

administração);

v) Sistematizar resultados e elaborar os casos típicos;

vi) Organizar a instalação e acompanhamento de UTV’s ;

vii) Ajudar na elaboração de suportes de difusão;

viii) Participar na formação e apoio técnico aos extensionistas locais, e

ix) Promover a difusão das informações obtidas nas Redes.

A estrutura de trabalho descrita pode ser visualizada na Figura 8, a seguir, extraída de Passini

(1997), presente também em Manual (1999). Alguns aspectos fundamentais da metodologia

de trabalho utilizada, bem como de sua estrutura atual são apresentados na seqüência.

94

Figura 8. Estrutura organizacional das Redes de Referências.

Fonte: extraído de Passini (1997, p.121).

4.3 Metodologia de trabalho utilizada e estrutura atual

A metodologia de implantação do projeto Redes prevê inicialmente a elaboração de um estudo

prévio sobre a região onde se instalará o trabalho, procurando-se a caracterização dos recursos

naturais e condições sócio-econômicas. Faz-se também a tipificação dos agricultores

familiares, levando em conta as atividades econômicas mais importantes na geração de renda

em suas propriedades e sua categoria social, o que permite a identificação dos principais

Estadual M esorregional Regional

Equipe Sistemas

Extensionista de Sistemas Coordenar e planejar o funcionamento Atualizar tipologia Escolher propriedades das redes Apoio metodológico e técnico Diagnosticar propriedades Garantir a execução do método de aos Extens ionistas de s istemas Elaborar projetos forma homogênea Ajuste de dados para obtenção de Orientar a execução dos pro jetos Promover a evolução do método referê n cias R egistrar os resultados obtidos Promover a troca de informações e Elaborar suportes de difusão Formação de E xtensionistas e xperiências Implementar e conduzir as Difusão local Gerenciar o a cordo de Cooperação pesquisas adaptativas Or ganizar UTV s Avaliar as ações

Comitês de Coordenação e

Té cnico

Comitês de Coordenação e

T é cnico

Comitês de Coordenação e

Té cnico

Rede de Propriedades

Centro de Difusão

Coordenação

95

sistemas de produção, seja pela freqüência com que ocorrem, seja pelo potencial como opção

para o desenvolvimento regional.

De posse dessas informações, previa-se inicialmente que a Comissão Regional criada para

acompanhar a implantação do projeto de Estado Paraná 12 Meses, composta por

representantes do governo e de beneficiários do projeto, selecionasse os sistemas a integrarem

as Redes, mas este método de seleção nem sempre pôde ser obedecido. Com o auxílio de

Extensionistas Rurais da região são escolhidos os agricultores que representarão estes

sistemas de produção, em número mínimo de quatro por sistema.

Os estabelecimentos escolhidos passam por um diagnóstico expedito, com base em

informações dadas pelos agricultores e por observações feitas pelo Extensionista das Redes

em visita de campo. Este diagnóstico servirá de base para a formulação de um plano de

melhorias de curto prazo, que visa principalmente a redução de perdas e a correção de

possíveis incoerências entre os objetivos dos agricultores e suas famílias e o sistema de

produção adotado no estabelecimento.

No processo de implantação deste plano, dados e informações são registrados de forma a

permitir a confirmação dos resultados positivos em relação ao estado inicial. Também este

período de observações permite a ratificação e/ou retificação do diagnóstico inicial. Ao final

de um ano já há condições para a formulação de um projeto de longo prazo buscando a

otimização no uso dos recursos da propriedade para obtenção dos melhores resultados, de

acordo com os objetivos dos agricultores e suas famílias. As propostas elaboradas em

conjunto entre técnico e agricultor, são implantadas num processo que pode levar de três a

cinco anos, dependendo da complexidade do sistema atual e daquele que se pretende

construir. Durante todo este período registros técnicos e econômicos são efetuados.

Validadas as propostas implantadas, estes dados constituirão as referências técnicas e

96

econômicas que servirão para a orientação dos agricultores com características semelhantes

representados nas Redes. O encadeamento das etapas metodológicas descritas acima pode ser

visualizado na Figura 9.

Figura 9. Etapas do trabalho das Redes de Referências.

Fonte: extraído de Miranda e Doliveira (2005, p.13).

A execução de cada etapa do trabalho propicia a geração de diferentes produtos. A

caracterização regional oferece informações sobre os recursos naturais, o quadro sócio-

econômico, agrícola e agrário das regiões trabalhadas. O diagnóstico identifica problemas e

oportunidades relevantes para o desenvolvimento da agropecuária regional. Já as referências,

de sistemas e modulares, são em essência o produto mais característico do projeto. As

Caracterização Regional

Tipificação Seleção das Propriedades

DD II FF UU SS ÃÃ OO

Escolha dos Sistemas

Diagnóstico

Planejamento

SS U B S Í D I O S

•Políticas públicas

•Pesquisa •Extensão

Referências (Sistemas e Modulares)

97

primeiras, relativas aos sistemas de produção analisados como um todo, as segundas, tomando

em conta a análise individual das diferentes atividades agrícolas e pecuárias componentes de

tais sistemas.

São obtidos assim, não apenas materiais de difusão, tanto de tecnologias quanto de

informações econômicas e métodos de gestão para instrumentalizar agricultores e agentes da

assistência técnica na condução de suas atividades, como também subsídios para a formulação

de políticas públicas e organização das ações da pesquisa e da extensão rural.

A Figura 10, abaixo, mostra a atual estrutura e distribuição regional das Redes:

Figura 10. Estrutura e distribuição regional das Redes de Referências para a Agricultura Familiar no Paraná.

Fonte: extraído de Miranda e Doliveira (2005, p.11).

Cornélio Procópio Londrina

Paranava

í

Umuarama

Campo Mourão

Toledo

Cascavel

Francisco Beltrão

Pato Branco Coordenação estadual

Equipe mesorregional

Extensionistas das Redes

Curitiba

Paranavaí

Cornélio Procópio Londrina Apucarana

Maringá

Toledo

Cascavel

Francisco Beltrão

Pato Branco

Umuarama

98

Já na Figura 11, são apresentados os municípios nos quais o projeto vem sendo executado,

destacando-se as atividades econômicas mais importantes na composição dos sistemas em

estudo em cada região:

Figura 11. Municípios onde existem estabelecimentos das Redes e principais atividades econômicas que compõem sistemas de produção em estudo.

Fonte: extraído de Miranda e Doliveira (2005, p.12).

Apresentado o objeto empírico da pesquisa, cabe, no próximo capitulo, descrever a

metodologia utilizada para a sua realização.

Noroeste: Leite, Grãos,

Fruticultura,

Sericicultura,

Café, Mandioca.

Oeste: Leite, Grãos,

Peixe, Pequenas

Criações.

Sudoeste: Leite, Grãos,

Fruticultura,

Agroindústria.

Norte: Grãos, Café,

Fruticultura,

ORNA* (oficina

de costura).

* Ocupação Rural Não-Agrícola

99

5. METODOLOGIA

5.1 Caracterização da pesquisa

A presente pesquisa caracteriza-se, conforme Mattar (1996), como qualitativa, descritiva e

exploratória. Qualitativa no que diz respeito à natureza das variáveis pesquisadas. Descritiva

no tocante ao relacionamento entre estas variáveis, já que não se buscou estabelecer quaisquer

relações de causa e efeito. E, finalmente, exploratória quanto ao seu objetivo e grau em que o

problema de pesquisa foi enfocado, pois não se trata de uma investigação conclusiva acerca

da questão, e sim de um aprofundamento sobre o tema, suscitando possíveis investigações

posteriores com a formulação de novas questões.

Quanto à sua amplitude, o método de pesquisa proposto alcança uma das dimensões

apresentadas por Abramo (1979, p.39), qual seja, aquela que abrange pesquisas monográficas

e de profundidade com o exame do maior número possível de variáveis que interfiram no

problema pesquisado.

Assim, a opção pela pesquisa qualitativa deveu-se à natureza do problema de pesquisa

identificado, o qual, por sua amplitude e inter-relações presentes, demandava uma abordagem

ampla que permitisse o entendimento do fenômeno com toda a sua complexidade, condição

para a qual, conforme sugere Godoy (1995a, p.63), a análise qualitativa está entre as mais

indicadas.

Entre o que Godoy (2005, p.86) classifica de “frondosa árvore” das metodologias qualitativas,

o presente estudo caracteriza-se como “básico ou genérico”, uma vez que contém

características essenciais da metodologia qualitativa, mas não possui os requisitos que

possibilitariam o seu enquadramento em um tipo específico, como por exemplo um estudo de

caso, um estudo etnográfico, ou outro qualquer.

100

Citando Merriam, Godoy (2005, p.86) afirma que “...o estudo qualitativo básico tem como

objetivo descobrir e compreender um fenômeno, um processo, ou as perspectivas e visão de

mundo das pessoas nele envolvidas”, características que reforçam a escolha da abordagem

aqui utilizada.

Ainda segundo aquela autora, quatro características-chave devem estar presentes nos estudos

qualitativos básicos, três das quais ao menos são encontradas no presente trabalho:

i) O pesquisador está interessado em compreender quais os significados que os participantes atribuem ao fenômeno ou situação que está sendo estudada. ii) Busca-se compreender os significados que as pessoas constroem sobre [ ] as experiências [...] vividas, tendo o pesquisador como principal instrumento de coleta e análise de dados. Para coletar os dados são feitas entrevistas, realizadas observações ou analisados documentos. iii) O processo de condução da pesquisa é essencialmente indutivo , isto é, o pesquisador coleta e organiza os dados com o objetivo de construir conceitos, pressuposições ou teorias, ao invés de, dedutivamente, derivar hipóteses a serem testadas. A análise indutiva dos dados leva a identificação de padrões recorrentes, temas comuns e categorias. iv) O resultado da pesquisa é expresso por meio de um relato descritivo – detalhado e rico – a respeito do que o pesquisador aprendeu sobre o fenômeno. Tais resultados são apresentados e discutidos usando-se as referências da literatura especializada a partir das quais o estudo se estruturou. (MERRIAM apud GODOY, 2005, p.86-86 – grifos no original)

Caracterizada a pesquisa desenvolvida, descreve-se na seqüência o seu universo de trabalho,

bem como as fontes e os instrumentos de coleta de dados utilizados.

5.2 Universo de pesquisa, fontes e instrumentos de coleta de dados

Em seu componente empírico, o estudo está circunscrito ao Estado do Paraná, contemplando

o exame da iniciativa em curso no tocante à organização de redes de unidades produtivas

rurais, qual seja, o projeto Redes apresentado no capítulo anterior.

Já no que diz respeito ao seu componente teórico, muito embora a pesquisa bibliográfica para

a análise da potencialidade de utilização de redes interorganizacionais como instrumento para

o DTR tenha propiciado exame de material bibliográfico referente a situações nacionais e

101

internacionais, a discussão dos resultados obtidos focou-se também nas condições

paranaenses, ainda que sua transposição para outras realidades seja perfeitamente possível,

desde que sempre considerada a necessária observância às especificidades locais.

Além do levantamento e análise bibliográfica que permitiu o alcance do objetivo específico de

caracterizar a adoção de redes de unidades produtivas no contexto rural à luz das diferentes

tipologias e abordagens paradigmáticas existentes, a pesquisa contou também com um

levantamento de experiências, realizado conforme descrito a seguir, o qual possibilitou a

discussão do método de implantação e condução hoje utilizado no projeto Redes e a avaliação

da necessidade e das possibilidades de ajustes face um contexto mais amplo de DTR.

Para Mattar (1996, p.82-83), o levantamento de experiências coloca-se como método efetivo

de pesquisa exploratória dado o fato de que “...grande parte das experiências e dos

conhecimentos adquiridos não está escrita. Muitas pessoas, em função da posição

privilegiada que ocupam cotidianamente, acumulam experiências e conhecimentos sobre um

dado tema ou problema em estudo”.

Cooper e Schindler (2003) lembram que as entrevistas com especialistas encontram-se entre

as técnicas recomendadas nesta perspectiva, devendo ser conduzidas de modo a permitir que

se busque não só as idéias do entrevistado em relação a aspectos importantes do assunto

tratado, mas também a descoberta acerca daquilo que é importante dentro do campo de

conhecimento da pessoa, utilizando-se para tanto de um formato investigativo flexível, que

permita a livre manifestação do entrevistado, de modo que se explore em profundidade as

informações e os detalhes que surgem durante a entrevista.

Neste sentido, o levantamento de experiências foi conduzido pelo autor da pesquisa por meio

da realização de sete entrevistas semi-estruturadas, pessoais (face a face) e individuais, junto a

102

técnicos do Sistema Estadual de Agricultura e do Ministério de Desenvolvimento Agrário,

identificados no Anexo 2.

Como critério para a seleção dos entrevistados, considerou-se o grau de contato profissional

que os mesmos possuem com os temas em questão, avaliado por meio não somente de suas

atuais funções, mas também pelas atividades desenvolvidas que os credenciam para a

colaboração na pesquisa.

A condução das entrevistas foi norteada pelas orientações de Quivy e Campenhoudt (1992).

Partindo da necessidade de um ambiente e contexto adequados, foram realizadas nos

escritórios de trabalho dos entrevistados em dia e hora previamente agendados por meio de

contato telefônico ou por correio eletrônico, momento no qual foram expostos os objetivos do

trabalho e solicitada a colaboração.

As entrevistas foram iniciadas com uma exposição introdutória na qual reiteravam-se os seus

objetivos e as expectativas presentes com a colaboração do entrevistado. As intervenções

realizadas ativeram-se exclusivamente à condução do roteiro, o qual não foi necessariamente

obedecido no que diz respeito à seqüência de questionamentos. Realizadas em outubro de

2005, as entrevistas, que tiveram entre 19 e 36 minutos de duração, foram todas gravadas,

totalizando-se 199 minutos de gravação, posteriormente transcritos na íntegra.

No roteiro de entrevista utilizado (Anexo 3), procurou-se formular as perguntas da forma mais

aberta possível, tendo em mente o objetivo geral do trabalho, bem como um de seus objetivos

específicos. O Quadro 6 apresenta as questões presentes no roteiro, de modo a vinculá-las aos

objetivos propostos e às questões de pesquisa que lhe deram origem:

103

Quadro 6. Identificação das questões de pesquisa e dos objetivos contemplados nas diferentes questões do roteiro utilizado nas entrevistas com Técnicos.

Questões de Pesquisa Objetivos Questões no roteiro de entrevistas

1. Considerando a implantação dos projetos de desenvolvimento territorial rural atualmente em curso no estado, a organização de Redes de Unidades Produtivas Rurais poderia se constituir, no seu entendimento, em uma estratégia de ação pertinente para a consecução dos objetivos gerais destes projetos? Por quê?

As redes de unidades produtivas rurais podem se constituir em um instrumento útil ao processo de desenvolvimento territorial rural ?

Geral - Identificar as potencialidades e as limitações de utilização das redes de unidades produtivas rurais como instrumento de desenvolvimento territorial rural

2 e 3. Quais seriam ao seu ver as principais (2) potencialidades / (3) limitações contidas na implantação de Redes de Unidades Produtivas Rurais, sobre a ótica destes projetos?

4 e 5. Quais seriam ao seu ver as principais (4) potencialidades / (5) limitações contidas na implantação de Redes, tal qual hoje concebidas na proposta da EMATER/PR e IAPAR, sobre a ótica destes projetos? 6. Face as suas considerações anteriores e a atual experiência de implantação de Redes desenvolvida pela EMATER/PR e IAPAR, existiriam alterações a fazer no escopo da atual proposta? Quais seriam estas? 7. Além das eventuais alterações no escopo do projeto, seriam necessárias também, no seu entendimento, alterações de ordem metodológica / operacional? Em caso positivo, discuta estas alterações considerando as diferentes etapas de implantação das Redes.

Em que medida as Redes hoje implantadas podem ser ajustadas para que sua utilização seja potencializada em um contexto mais amplo de desenvolvimento ?

Específico II - Discutir o método de implantação e condução hoje utilizado no projeto Redes, avaliando a necessidade e possibilidades de ajustes face um contexto mais amplo de desenvolvimento territorial rural.

8. Além das eventuais alterações já mencionadas, seriam necessárias também, no seu entendimento, alterações de aspecto institucional no tocante a articulação das instituições responsáveis pela proposta.

104

5.3 Análise das informações

A técnica da entrevista pressupõe que na comunicação entre entrevistado (emissor) e

entrevistador (receptor), seja gerado um conjunto de significados que deve ser decifrado para

que seja procedida a sua análise. Conforme afirma Bardin (1977, p.32), “...qualquer

comunicação, isto é, transporte de significações de um emissor para um receptor, controlado

ou não por este, deveria poder ser escrito e decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo”,

as quais partem, como ressalta Godoy (1995b, p.23) “...do pressuposto de que, por trás do

discurso aparente, simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar”.

Diante disto, para a análise das informações obtidas nas entrevistas realizadas, optou-se pela

análise de conteúdo, definida por Bardin (1977) como sendo

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p.42).

Uma das funções apresentadas por aquele autor para este conjunto de técnicas mostrou-se

fundamental quando de sua escolha, qual seja, aquela que permite verificar por meio da

análise sistemática a confirmação, ou não, de questões ou afirmações provisórias, o que

reforça a possibilidade de utilização da análise de conteúdo também em documentos gerados

para fins específicos de pesquisa, como é o caso das entrevistas realizadas para o presente

trabalho (BARDIN, 1977, p. 39).

Como ressalta aquele autor, não existe um modelo único de análise de conteúdo, mas sim

algumas regras básicas que devem ser obedecidas para que seja alcançado o duplo propósito

de: i) compreender, tal qual um receptor da mensagem em condições normais, o sentido da

comunicação, mas também, ii) captar, no desvio de olhar do investigador, as mensagens

presentes ao lado da mensagem primeira, ou seja, não somente uma leitura literal, mas sim

105

uma leitura que ressalte questões subjacentes que permanecem em um segundo plano.

Metaforicamente, sugere Bardin (1977, p.41) tem-se o plano horizontal, com a análise

descritiva do texto e o plano vertical, no qual são feitas as inferências possíveis, atingindo

assim o objetivo para o qual a técnica se vale27.

Ainda segundo Bardin (1977), para a utilização da análise de conteúdo, prevê-se a execução

de três etapas fundamentais, com procedimentos de trabalho bem definidos, embora flexíveis.

Tais etapas são descritas abaixo considerando o contexto de sua adoção neste trabalho:

i) Pré-análise: é a fase de organização do trabalho com a preparação do material e

definição dos parâmetros que conduzirão a análise. Compreende a chamada leitura flutuante,

momento no qual procedeu-se um primeiro contato com a transcrição das entrevistas

degravadas, recordando-se detalhes na condução destas, estabelecendo-se ainda as primeiras

impressões e orientações sobre a análise que se seguiria. Neste momento também foram

recuperados os objetivos que suscitaram as entrevistas, definindo-se três categorias de análise

a partir das nove questões inicialmente formuladas.

Tais categorias foram assim denominadas: i) A estratégia de redes e o DTR: envolve a

discussão das limitações e potencialidades de adoção desta estratégia organizacional nos

projetos de DTR, correspondendo às questões 1, 2 e 3 do roteiro de entrevistas; ii) o projeto

Redes e o DTR: abarca as questões associadas à condução atual do projeto e sua associação ao

DTR, correspondentes aos itens 4 e 5 do roteiro; e, por fim, iii) Perspectivas para as Redes:

pautada nas três últimas questões do roteiro, abrange as perspectivas de futuro apresentadas

para o projeto, associadas ou não diretamente ao DTR.

27 A distinção que o autor apresenta entre a lingüística e a análise de conteúdo ajuda a melhor compreender esta última. Bardin (1977, p.44) ressalta que a lingüística, o estudo da língua, busca descrevê-la para interpretar o seu funcionamento, enquanto a análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça, buscando outras realidades através das mensagens.

106

ii) Exploração do material: trata-se da execução dos procedimentos definidos na pré-análise.

Aqui, as entrevistas foram analisadas novamente, retendo-se agora na separação e

classificação nas categorias acima descritas, as quais foram sendo permanentemente cotejadas

com o referencial teórico utilizado. Operacionalmente, foram identificados e grifados no

material transcrito das entrevistas os trechos correspondentes a cada uma das categorias, os

quais foram depois agrupados com o auxilio do editor eletrônico de texto, constituindo-se

assim no documento base utilizado na etapa seguinte.

iii) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: é a etapa na qual trabalha-se na busca

de padrões, tendências ou relações implícitas, significativas e válidas, que permitam a

realização de inferências que venham ao encontro dos objetivos do estudo. Procurou-se,

tomando como unidade de análise parágrafos e sentenças, ressaltar a estrutura lógica do texto

produzido com o entrevistado. Os resultados obtidos nesta etapa constituem a base do

próximo capítulo.

5.4 Modelo de Pesquisa

A Figura 12, a seguir, ilustra o modelo de pesquisa adotado, apresentando a combinação

utilizada de enfoques teóricos e diferentes fontes de dados para fazer frente aos objetos de

pesquisa descritos:

107

Figura 12. Modelo de pesquisa adotado.

Projeto Redes e sua associação às experiências com

DTR em implantação no

Paraná

Experiências com DTR e redes

interorganizacionais externas a

delimitação do estudo

Enfoque Teórico Objeto de Pesquisa Fonte de Dados

Red

es in

tero

rgan

izac

iona

is

Des

envo

lvim

ento

Ter

ritor

ial R

ural

Revisão bibliográfica

Questionários com Técnicos

108

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A estrutura deste capítulo obedece à seqüência dos objetivos específicos definidos para a

pesquisa. Assim, discute-se primeiramente, com base na literatura pesquisada, a

caracterização da adoção de redes de unidades produtivas no contexto rural, tal qual proposta

no projeto Redes, à luz das diferentes tipologias e abordagens paradigmáticas existentes.

Passo seguinte, com base nos aportes teóricos e nas entrevistas realizadas, é discutida a

adequação, as potencialidades e as limitações da adoção da estratégia de redes

interorganizacionais em projetos de DTR, bem como o método de implantação e condução

hoje utilizado no projeto Redes, avaliando na seqüência a necessidade e as possibilidades de

ajustes em face do contexto mais amplo do DTR.

Tal discussão apresenta-se pautada naquelas que foram as categorias de análise definidas para

o tratamento das informações obtidas nas entrevistas, seguindo a denominação já apresentada:

a estratégia de redes e o DTR, o projeto Redes e o DTR e perspectivas para o projeto.

Para cada um destes tópicos, a discussão organiza-se considerando elementos no plano

teórico, a partir da literatura pesquisada e no plano empírico, destacando as informações

obtidas nas entrevistas realizadas, complementando-se com a formulação do autor a partir

destas duas fontes de dados.

6.1 Redes: Classificação teórica e conceitual

Como pôde ser visto, movida por fatores como o novo ambiente competitivo e alavancadas

pelas modernas tecnologias de informação e comunicação, a implantação e operacionalização

de redes interorganizacionais obedece as mais diferentes finalidades específicas, que passam

109

pela realização de ações compartilhadas nas áreas de marketing, treinamento, pesquisa e

desenvolvimento, entre outras.

Distinguidas na teoria organizacional sob o prisma dos paradigmas teóricos utilizados para a

sua análise, a organização de redes vem sendo estudada sob duas diferentes abordagens

designadas como técnico-econômica e histórico-cultural. Entre estas, propõe-se que a

abordagem histórico-cultural seja a mais apropriada para a análise da atual

conformação das Redes de Referências para a Agricultura Familiar.

Com efeito, criadas por ação de um interveniente externo, no caso instituições públicas como

o IAPAR e a EMATER/PR, as Redes não necessitam para a consecução de seus objetivos -

com destaque para geração das referências técnicas e econômicas, de que os aspectos

associados à gestão operacional, à gestão estratégica ou de custos das unidades participantes

sejam definidos no âmbito da rede da qual participam.

Dito de outro modo, o agricultor participante continua a levar em conta na gestão de sua

unidade produtiva e em seu processo de tomada de decisão, fatores de ordem exclusivamente

individual, utilizando os produtos decorrentes de sua contribuição e participação no

dispositivo como insumos para o aprimoramento de seu sistema produtivo.

Assim, torna-se menos relevante analisar o funcionamento das Redes sob a ótica da estratégia

competitiva dos agentes participantes – os agricultores, perspectiva dominante na orientação

técnica-econômica, do que sob os aspectos da territorialidade, no qual a esfera econômica é

considerada em uma dimensão social mais ampla, e do reconhecimento mútuo e identidade

social dos atores, fatores relevantes para motivar e garantir a continuidade da participação no

projeto, aspectos esses subjacentes à abordagem histórico-cultural.

110

Já no tocante à sua tipologia, as Redes podem, seguindo dez os critérios gerais propostos por

Olivares (2003), serem classificadas como:

i) Nacionalidade - Local: reúnem organizações da mesma nacionalidade;

ii) Número de participantes - Poli-redes: participam mais de duas organizações;

iii) Propriedade - Público-privada: envolvem organizações de direito privado, sob a

coordenação de instituições públicas;

iv) Processos Conjuntos - Específica: a ação coletiva está voltada ao objetivo específico

de compartilhar dados e informações;

v) Abstrato/Concreto - Virtual : o compartilhamento de ativos e fatores físicos é

inexistente. Ainda que atualmente não esteja previsto este tipo de participação, em

última análise, o agricultor poderia participar do dispositivo de modo exclusivamente

virtual;

vi) Âmbito da relação - Externa: ou interorganizacional, envolve unidades produtivas

distintas;

vii) Tempo de duração - Variável: participantes tem liberdade de entrar e sair da rede a

qualquer momento;

viii) Setor de atuação – Agropecuária: participantes vinculados a este setor da

economia;

ix) Tamanho – Similares: no âmbito de uma rede, os agricultores participantes

possuem estrutura produtiva similar; e

111

x) Integração de layouts – Sede independente: participantes atuam operacionalmente

em diferentes locais.

Complementarmente, quando consideradas as tipologias específicas formuladas por diferentes

autores, as Redes podem ser classificadas como:

i) Miles e Snow - Rede dinâmica, modular ou virtual: distinguem-se pela ausência

de relação permanente, com ampla flexibilidade de entrada e saída da rede.

ii) Casarotto Filho e Pires - Rede flexível: voltada a um objetivo restrito, embora sem

o propósito de atendimento a produtos diferenciados.

iii) Ernst - Rede de cooperação tecnológica: criadas com o propósito de facilitar o

acesso à tecnologia de produtos e processos e permitir o acesso compartilhado aos

conhecimentos científicos genéricos oriundos da Pesquisa e Desenvolvimento.

iv) Van de Vem e Walker - Network interorganizacional: quando todas as

organizações participantes se relacionam mutuamente entre si.

v) Zaleski Neto – Rede do modo cooperativo: os agricultores envolvidos embora

possuam metas particulares, entendem que o benefício será maior quando

perseveram na procura de um objetivo maior, no caso a melhoria dos processos

produtivos.

vi) Pereira e Pedrozo – Rede de conhecimento: o aprendizado e a aquisição de

conhecimentos e competências sãos os fatores motivadores para o ingresso na

rede.

112

Deve-se destacar, contudo, que muito embora as Redes possam ser tomadas como

representantes de quaisquer dos tipos específicos acima descritos, nenhum desses capta, na

dimensão apropriada, a participação dos organismos públicos na implementação e

funcionamento do dispositivo, sendo mais adequados à leitura sob a ótica de um participante

individual.

Esta é a razão pela qual acredita-se que, a melhor maneira de definirem-se as Redes seja

como um tipo de rede de inovação, com uma lógica operacional próxima àquela presente

no modelo de redes técnico-econômicas proposto por Michel Callon.

Ali, estão contemplados níveis institucionais tais quais os institutos públicos, as universidades

e outros que “...participam coletivamente do desenvolvimento e da difusão de inovações, via

numerosas interações, organizando as relações entre o meio científico e tecnológico, o

governo e os mercados, em prol das inovações tecnológicas” (CALLON, 1992, p.73, apud

VIEIRA e OHAYON, 2002, p.07).

Como já discutido, Callon sugere que as redes técnico-econômicas distinguem-se dos tipos

descritos por economistas e administradores, já que envolve de forma coordenada agentes

heterogêneos, públicos e privados, voltados à “...concepção e desenvolvimento, produção e

distribuição, ou difusão, de procedimentos para a produção de bens ou serviços” (CALLON,

1992, p. 73, apud VIEIRA e OHAYON, 2002, p.08).

Aquele autor aponta explicitamente o papel do poder público no funcionamento da rede, na

qual deve atuar como animador e catalisador de ações coletivas, a exemplo do papel

desempenhado nas Redes pelo IAPAR e EMATER/PR.

Assim, ainda que tal classificação não possa ser realizada de modo pleno; existem distinções

entre os pólos propostos por Callon e aqueles efetivamente trabalhados nas Redes, acredita-se

113

que uma rede de inovação técnica-econômica, implantada no modelo proposto por aquele

autor é o tipo que mais se aproxima das estratégias de operacionalização hoje presentes nas

Redes.

6.2 A estratégia de redes e o desenvolvimento territorial rural

6.2.1 Adequação

Os estudos realizados para a presente pesquisa permitiram observar que, a adoção de redes

enquanto forma organizacional e o enfoque do DTR possuem como fatores motivadores, entre

outros, a necessidade de reação aos processos de globalização, abertura, concentração e

internacionalização das economias.

Se por um lado tais processos resultaram em um ambiente cada vez mais concorrencial, tido

como estimulante para a emergência das redes (LOIOLA e MOURA, 1996), por outro lado

são identificados como alguns dos condicionantes externos que levaram ao esgotamento dos

enfoques tradicionais de desenvolvimento rural, aos quais o DTR surge como proposta

alternativa (SCHEJTMAN e BERDEGUÉ, 2004).

No aspecto teórico, tais estudos não deixam margem de dúvida para afirmar-se que, a

estratégia de implantação e operacionalização de redes interorganizacionais, em seu

sentido amplo, constitui-se em instrumento adequado ao enfoque do DTR. Tal assertiva

sustenta-se em três principais aspectos, aqui apresentados e discutidos:

i) A formação do capital social, elemento marcante para o DTR, também pode ser

encontrada e intensificada com a operacionalização de redes, já que estas

favorecem o estabelecimento dos chamados laços de tipo cola, ao reforçar espaços

114

criados com base na confiança gerada pela identidade social dos atores. Favorecem

também os vínculos em formato de ponte, uma vez que propiciam aos

participantes a possibilidade de interações para além daquelas presentes em sua

vida social imediata, fato este que, sustenta Abramovay (2003), pode potencializar

as iniciativas em busca do desenvolvimento.

ii) A própria definição de território, reforça a idéia do estabelecimento de redes, no

caso sociais e interorganizacionais, uma vez que concebe território para além dos

aspectos naturais, definindo-os como espaços construídos a partir da capacidade de

estabelecimento de relações organizadas, mercantis ou não, por parte dos atores,

relações essas que favoreçam, entre outros aspectos, a troca de informações

(ABRAMOVAY, 2003).

iii) A perspectiva do desenvolvimento endógeno presente no DTR, qual seja a

valorização dos recursos naturais, dos recursos humanos e culturais, das empresas

e das iniciativas locais (IPIRANGA, 2001 e MIOR, 2005), também encontra

resguardo na estratégia de organização de redes, as quais podem constituir espaços

que estimulem, entre os seus participantes, a construção de capacidades úteis aos

processos de desenvolvimento.

No plano empírico, as análises obtidas nas entrevistas realizadas, foram unânimes no sentido

de confirmarem a pertinência da organização de redes para as ações de DTR. As

mudanças nos ambientes produtivos surgiram, entre os entrevistados, como fatores

motivadores para a adoção de tal estratégia:

115

...eu acho que, prá qualquer tipo de objetivo em comum, o trabalho em rede é interessante. Porque, ainda mais vendo que hoje as instituições, as organizações, as unidades, não tem condições de sozinhas competir com a tal da globalização. Porque você tem uma competição que vai além dos limites daquela região e tudo mais. Não tem como sozinho, individualmente, se viabilizar. Então eu acho que para qualquer atividade que tenha um objetivo comum, logicamente né! Trabalho em rede é fundamental no sentido de buscar complementaridade né! Um poder colaborar naquilo que é forte pro outro, os dois juntos, a rede, os dois chegarem lá. (6)28

Contudo, o que não deixa de ser surpreendente, uma vez que os entrevistados são em sua

totalidade técnicos da área de ciências agrárias, sobressaiu-se, como justificativa da

pertinência de tal estratégia organizacional nas ações de DTR, o capital social dela resultante,

fato que, como já mencionado, pode ser justificado também na literatura sobre o tema:

...além do objetivo que ela [rede] tem de construir referência para o desenvolvimento de tecnologias e validação, ela tem um componente que é a participação efetiva dos atores né! O processo de desenvolvimento territorial também pressupõe não só o resultado, mas que o processo seja participativo, portanto gerando formação de capital social né! Acho que neste aspecto, pelo que entendo, a rede também tem esta característica, a participação no processo, no crescimento do processo. (4) Considerando redes um processo assim de articulação, uma ferramenta de articulação para o desenvolvimento seja pro lado tecnológico, seja, de vida né! De desenvolvimento local territorial.[...] é técnica de gestão, na verdade, né! É técnica de gestão! De grupo de pessoas, é network, trabalho de grupo. Isso não é novidade e tem tecnologia. [...] soluções que a gente vê prá resolver problemas estruturais em áreas produtivas, em ambiente ou em territórios foram com o mesmo tipo de metodologia, de juntar esforços. Precisa ter um pacto com as pessoas, precisa fazer as pessoas almoçarem junto, é comer do mesmo prato, tem que ter um certo pacto aí, estar cooperando. Tem que melhorar o relacionamento interpessoal. (5)

6.2.2 Potencialidades e Limitações

Na literatura consultada, as potencialidades teóricas associadas à criação de redes destacam

a pertinência desta estratégia quando presente no universo das pequenas e médias empresas

(PMEs), estrutura produtiva equivalente àquela predominante nos territórios rurais

paranaenses.

Assim, a proposição de organização em redes para a aquisição de recursos e competências

que individualmente a organização não possui, ressalta-se como potencial para este público

28 Os números que surgem entre parênteses foram aleatoriamente escolhidos para designação do entrevistado.

116

já que as unidades produtivas deste segmento em geral encontram-se impossibilitadas de

dominar todas as atividades, cada vez mais complexas, de um ciclo de agregação de valor.

Deste modo, a organização de redes para unidades produtivas no contexto do DTR, representa

uma opção estratégica para a competitividade dessas frente as grandes empresas, permitindo

com que busquem superar certas dificuldades, como o baixo volume de compras, o que as

impede de obter melhores preços e vantagens na compra de matérias-primas, custos de

participação em feiras, atualização tecnológica, acesso a linhas de crédito e financiamento,

entre outros (BALESTRIN e FAYARD, 2003).

Outros aspectos apontados na literatura, dizem respeito à formação de um ambiente profícuo,

com geração de confiança entre as firmas, o qual favorece, entre outras ações, o

compartilhamento e a discussão de informações sobre mercados, tecnologias e lucratividade

(BALESTRIN e FAYARD, 2003); elementos que vem ao encontro dos aspectos

participativos do DTR.

Entre os entrevistados, em geral, a discussão acerca das potencialidades referentes à

implantação de redes de unidades produtivas como instrumento de apoio ao DTR, foram

contaminadas por observações referentes ao projeto em curso. A potencialidade identificada

efetivamente referente à implantação de redes com objetivos distintos das atuais, refere-se ao

fortalecimento do mercado local, o que vai ao encontro da premissa de desenvolvimento

endógeno acima discutido:

Eu acho que fortaleceria, [...] e eu acho que um reflexo mais diretamente vinculado à agricultura familiar e ao pequeno empreendedor vamos chamar assim o microempreendedor lá, local. Acho que abrirá a perspectiva de renda num modo geral no território, ampliará a perspectiva de renda e ocupação no sentido em que você poderia construir mecanismos de comercialização solidária, você poderia construir mecanismos de comercialização desses grupos com o setor público, dessas compras públicas, então você daria uma injeção na economia local que permitiria você criar espaços de renda maior e de trabalho.(7)

117

Finalmente, de modo paradoxal mas justificável, os entrevistados afirmam que as limitações

contidas na adoção de redes sob o enfoque do DTR residem no mesmo elemento apontado

como principal justificativa para a implementação de tal estratégia - o capital social:

Habilitação das pessoas. Trabalhar em redes exige consciência elevada, [...]. Exige algo maior, algo de espírito assim, no sentido de conseguir dividir, repartir, perdoar amar! [...] Isso a gente vai aprendendo na vida, não aprende na escola ou mesmo no berço em casa. Quando você divide você ganha né? E isso é lei, é interessante, tá na natureza! Então, as pessoas educadas e treinadas, sejam nas empresas, na escola, na família, são instituições básicas, tem que aprender isso em algum lugar. Então pra falar em desenvolvimento territorial, tem que falar de educação de base de princípio moral, ético nesse sentido, espiritual também.(5) Ah ! eu acho que tem uma limitação que sempre aparece. Bom, a gente tem uma cultura própria né! Uma propriedade, uma pessoa, uma instituição, tem uma tendência achar que tudo que faz, faz bem né! Lógico que faz melhor, que tá com a razão nas coisas. Então se tem uma dificuldade de se colocar na condição do outro, na posição do outro. [...] você tem essa dificuldade de se entender a lógica do outro. Um trabalho que se faz em conjunto o ideal é que... Bom o ideal é que todo mundo tenha a mesma disposição né? Mas como chegar nesse ideal, nesse equilíbrio, seu ponto de vista pode ser diferente do outro. Então... sempre vai ter um conflito aí né? O risco de conflito na competição e na dificuldade de enxergar da forma que o outro enxerga, acho que esses dois pontos são os mais limitantes. Mais chances de atrito e dificuldade.(6)

Configura-se portanto um dilema, pois se pode entender que a organização de redes de

unidades produtivas em projetos de DTR é desejável pelo capital social resultante, mas a

ausência deste, limita a adoção de tal estratégia. Tal fato justifica a presença de instituições

publicas como elementos articuladores de redes, características presentes no modelo de redes

técnico-econômicas acima apresentados.

Discutem-se na seqüência as questões afetas ao projeto Redes analisadas sob o enfoque do

DTR.

118

6.3 O projeto Redes e o Desenvolvimento Territorial Rural

6.3.1 Potencialidades

Do ponto de vista teórico, a maior facilidade de acesso ao conhecimento e à tecnologia, é

identificada como um dos fatores determinantes para a formação de redes interorganizacionais

(Loiola e Moura, 1996), constituindo-se também em um dos elementos centrais para a

organização e funcionamento das Redes.

Por si só, tal constatação já seria forte o bastante para associar o projeto Redes e DTR, mas a

leitura do segundo capítulo da presente dissertação acentua ainda mais a série de indícios que

apontam para o fato de que iniciativas com enfoque do DTR prescindem de instrumentos com

as características das Redes, as quais reúnem diversas potencialidades que podem vir a

transformá-las, de fato, em estratégias úteis às ações de desenvolvimento. Entre tais indícios

destacam-se:

i) A perspectiva territorial trata a questão da tecnologia não apenas sob a ótica dos

avanços incrementais de produtividade, mas busca promover a perspectiva da

inovação tecnológica e gerencial e da competitividade territorial

(MINISTÉRIO, 2005a), possibilidades já presentes – inovação, ou perfeitamente

ajustáveis – competitividade territorial, nas Redes já no atual desenho operacional.

ii) Como se configuram em iniciativas de aprimoramento institucional associadas

à transformação dos sistemas produtivos, as Redes já se encontram enquadradas

nos critérios orientadores para o desenho de estratégias e políticas no âmbito de

programas de DTR propostos por Schejtman e Berdegué (2004).

iii) Ao propor a adoção dos Contratos Territoriais de Desenvolvimento como

estratégia de implantação de ações para o DTR, Veiga (2002b) sugere a adoção de

119

redes, as quais caracteriza como “de solidariedade”, para a validação e

transferência de inovações surgidas no meio rural, objetivos específicos do

projeto hoje em marcha.

Ao discutir com os entrevistados as principais potencialidades contidas na implantação do

projeto Redes, sob a ótica dos projetos de DTR, discutiu-se, antes de tudo, os processos de

implantação e operacionalização das Redes como hoje se encontram estabelecidas, bem como

as expectativas decorrentes dos resultados alcançados, uma vez que a condição atual operou

como a base orientadora da reflexão suscitada pelas questões.

Deste modo, é oportuno recuperar o objetivo geral do projeto – proposição e difusão de

sistemas de produção melhorados, bem como alguns de seus objetivos específicos, como por

exemplo: o levantamento de demandas de pesquisa; a realização de testes, ajustes e validação

de tecnologias; a oferta de tecnologias e/ou atividades que ampliem a eficiência dos sistemas

de produção; a disponibilização de informações e a proposição de métodos para orientar os

agricultores na gestão da propriedade rural; a utilização das propriedades participantes como

pólos de difusão e capacitação de técnicos e agricultores e a oferta de subsídios para a

formulação de políticas de promoção para a agricultura familiar.

Assim, uma potencialidade identificada tem origem no próprio método de implantação das

Redes, o qual toma por base o acompanhamento e a melhoria dos sistemas produtivos em sua

condição técnica e econômica real, ou seja, trabalhando na condição concreta dos

agricultores, ou, como identificado por um entrevistado:

...baseado em uma realidade, baseado em uma coisa que já existe na comunidade. Não é uma coisa artificial que se coloca lá.(2)

Deste modo, outro aspecto valorizado como potencial colaboração das Redes aos projetos de

DTR, refere-se ao próprio elenco de informações técnicas e econômicas que são avaliadas,

geradas e difundidas no processo de condução do projeto – as referências:

120

Eu vejo o seguinte [...] o trabalho que nós possamos implementar, criando para o território referências, com essas propriedades tendo toda essa gestão [...] nos vamos contribuir, e muito, com as propostas que já tem vindo. Você pega o Território do Sudoeste, você vê o seguinte: já tem uma evolução de dez, quinze anos de discussões, tem avanços e retrocessos, mas na efetivação de atividades que criam modelos, que criam as referências, são muito poucas ainda. Nós já contribuímos com alguns produtos, mas eu acho que ainda tem muito mais. Tanto que nós estamos aí para elaborar mais propostas, mais sistemas sendo trabalhados para apresentar para aquele território...(1) Quando você vai falar em desenvolvimento territorial, as possibilidades são inúmeras, inclusive amplia o leque do técnico né, no aspecto tecnológico. Aí como o técnico faz, [...] como é que o cara vai conhecer o universo? Não conhece... Eu acho que se a Rede conseguir produzir, as referências facilitam [...] É esse o negócio hoje! O técnico perde menos tempo pra reproduzir aquilo depois. Então esse é o papel enorme de Rede, seja [na] tecnologia específica - simples, pequena e pontual, seja na técnica de safra ou que envolva uma safra, ou uma tecnologia de sistema.(5) Hoje, os projetos [de caráter territorial] carecem inclusive de informação técnica que poderiam ser geradas pelos indicadores né! Referências que poderiam ser geradas por ele [projeto Redes] tranqüilo.(4)

A identificação da geração de referências como potencial contribuição, surge também

associada a uma eventual ampliação no escopo do projeto, aspecto que será posteriormente

discutido:

Acho que na questão tecnológica, da geração da tecnologia, eu acho [o projeto] bem avançado. Às vezes está faltando se aproximar com a Rede, pra conhecer a própria tecnologia e se apropriar melhor da referência. E eu não sei se também, [...] a gente tem referências mais em áreas de propriedades individuais, e talvez a gente devesse analisar alguns projetos, projetos grupais, projetos cooperativos, não sei se caberia aí ou não? (4)

Foram valorizadas também contribuições indiretas que a implantação das Redes oferece,

como por exemplo, a caracterização física, edafo-climática e socioeconômica da região de

trabalho, um dos primeiros passos da metodologia de implantação:

Dentro do próprio território, acho que [poderiam implantar-se] as Redes de Referências [...]. Então já pode ser um ponto, uma demarcação de área, assim da Rede. Ao mesmo tempo, ela também pode trabalhar com microrregiões. Hoje, a constituição de territórios leva em conta a questão de microclima e tal. Mas é muito mais de relação de instituições. Então, não necessariamente o território é demarcado a partir do zoneamento agrícola [...] do zoneamento ambiental...(4)

Destaca-se, por fim, como potencial contribuição das Redes aos projetos de DTR, algo que

tal estratégia de trabalho deve oferecer às instituições que hoje lhe coordenam, IAPAR e

121

EMATER/PR, ambas com inegável papel a cumprir nos projetos estaduais a serem

implantados sob a ótica do DTR:

Eu acho que a proposta das Redes deveria ser ah...Uma proposta, não sei... básica. [...] Tanto pro Iapar, tanto pra Emater, pra eles desenvolverem toda a programação de trabalho, acho que em termos ideais era isso que tinha que ocorrer. Deviam ter Redes instaladas em todo o estado, levantando demanda de pesquisa pro Iapar e indicando caminhos prioritários pra Emater nesse trabalho de extensão, de difusão e de desenvolvimento. Eu penso que é um instrumento muito valioso pra se fazer isso aí, fazer uma leitura da realidade e fazer uma posição de caminho pra se seguir. Então eu acho que tem um papel enorme, um potencial enorme pra se fazer isso.(6)

6.3.2 Limitações

Naturalmente, a implantação das Redes também possui limitações no tocante à sua associação

aos projetos de DTR. Aqui, estas são indicadas com uma premissa que as avalizam: surgem a

partir de condições concretas, vivenciadas nos mais de sete anos de operacionalização

daqueles dispositivos de P&D.

Desse modo, uma limitação, abaixo descrita, decorre do tempo demandado para completa

execução da proposta:

O que nós temos aí é uma questão comportamental muito séria. Nós estamos num mundo cada vez mais exigente de rapidez de informação, da velocidade, da disponibilidade dessa informação pra ontem, não é pra amanhã, é pra ontem sempre, e isso leva a atropelar, pelo que nós temos da experiência nossa vivenciada até agora. Uma das limitações é esse tempo de fazer as coisas acontecerem. Tanto a proposta de trabalho, quanto ao seu momento certo de fazer a implantação, fazer a maturação e depois ter o resultado. O que demora dois, três anos no mínimo, até quatro, cinco anos em algumas situações. Algumas coisas eu vejo que são assim limitantes.(1)

Fatores vinculados à atual estratégia das Redes no tocante à comunicação foram também

lembrados como limitantes, surgindo posteriormente também entre os aspectos operacionais a

serem alterados:

...acho que a Rede tem um problema: nós erramos, nós colocamos muitos fios de comunicação, tinha que ter comunicação direta, [...]. Eu acho que não precisa ser nenhum doutor pra fazer isso [...]. Isso a gente errou um pouco né. A gente tentava trazer isso pro acadêmico pra depois voltar pro produtor [...] nós não temos competência pra fazer isso com agilidade, não estávamos estruturados ao processo de fluxo de informação.(5)

122

A estratégia de condução das Redes envolve o acompanhamento de propriedades, e tal

acompanhamento, se não for conduzido com rigor, pode acarretar no fato relatado abaixo,

mais no sentido de um risco de que como uma limitação efetiva:

...eu temo que o risco que se tem quando se trabalha com propriedade de referência [é] que essas propriedades acabem recebendo benefícios, estímulos, subsídios grandes e que isso não possa ser conseguido pros demais, ou seja, as propriedades de referências acabam construindo uma elite daí se quer os outros acompanhem ou aproveitem o exemplo dados por esta elite, sem dar aos outros as mesmas condições que foram dadas pra que esta elite se constituísse como elite né! no caso tecnológico ou de sistemas e tal. Então estes são riscos sempre presentes né ! Porque o que se começa a estar presente nesta propriedade de referência a toda hora apontando facilidades, acaba que daqui a pouco estas propriedades não são mais representativas daquela condição, daquela meta, daquela região, então isso são riscos que precisam sempre estar sendo levados em conta né.(3)

Contribuir para a formulação de políticas públicas para a promoção da agricultura

familiar é, entre os objetivos específicos das Redes, aquele que foi mais timidamente

alcançado. Em decorrência, tal fato é lembrado como limitante para a utilização da estratégia

em projetos conduzidos sob a ótica do DTR:

Não temos esse vinculo, essa capacidade de fazer com que as pessoas comprem a idéia e levem adiante [...]. Por isso que eu digo, que é um objetivo que a gente tem e que ainda não conseguiu atingir bem ainda, é esse da difusão das políticas públicas.(6)

Finalmente, surgem questões associadas à estrutura de funcionamento do projeto, as quais,

ainda que não possam ser encaradas como fatores limitantes em ações de DTR, devem ser

lembradas, no sentido de que sejam garantidos todos os recursos necessários em uma eventual

implantação de propostas de redes no âmbito de tais ações, fato não observado plenamente na

condução do projeto Redes sob os auspícios do programa de Estado Paraná 12 Meses:

Hoje nós temos uma limitação interna: é a questão dos recursos humanos, nós estamos pobres de recursos humanos.(2) Para mim, o fundamental é ter no mínimo senão uns três, ao menos dois [coordenadores mesorregionais], para poder trocar informações, mas ter essa condição da equipe, ao menos regional, efetivada para poder realmente dar consistência.(1) A gente poderia ter feito muito mais. Tem muita coisa pra se aproveitar [...] em termos de informações. Então, uma limitação acho que é a estrutura.(6)

123

Agora, como último tópico dessa discussão dos resultados obtidos, abordam-se as

perspectivas futuras para o projeto Redes sob a ótica de sua expansão para ações de DTR.

6.4 Perspectivas para as Redes

A discussão acerca das perspectivas futuras para as Redes é realizada a partir das opiniões dos

entrevistados, agregando-se, quando pertinente, aspectos de ordem teórica colhidos na

literatura pesquisada.

Tal discussão, abrange três considerações complementares, as quais envolvem as eventuais

necessidades de mudanças no escopo do projeto, ou alterações de ordem metodológica e/ou

operacional, e, por fim, mudanças no arranjo institucional para implementação da proposta,

hoje sob responsabilidade do IAPAR e da EMATER/PR, com a participação de representante

de seu financiador, o projeto de Estado Paraná 12 Meses.

6.4.1 Mudanças de escopo

Neste aspecto, as opiniões dos entrevistados não foram convergentes, identificando-se

distinções claras entre aqueles que vivenciam, ou vivenciaram, o “dia-a-dia” de condução do

projeto, daqueles que o conhecem, mas não acompanham cotidianamente os seus

procedimentos de trabalho.

Entre os primeiros, talvez por conhecerem com maior profundidade a amplitude da proposta e

as dificuldades observadas em sua implementação, prevalece a opinião de que o escopo do

projeto deve ser mantido:

124

...eu não teria grandes coisas a mudar em termos de grandes idéias nos objetivos do trabalho, da estratégia e tal. Só que o que tá faltando conseguir é implantar tudo o que se está construindo, porque é bem pretensiosa a proposta, vai além da questão do desenvolvimento tecnológico, vai além do processo de geração de referências, é definir políticas públicas, orientar por aí, e a gente não conseguiu fazer isso ainda, na forma que precisava. Talvez aí a gente tinha que pensar de uma forma, amarrar melhor o nosso papel, usar da melhor forma o nosso trabalho [...]. Fazer e fazer mais rápido. Acho que essas coisas [...] são questões assim que a gente pode melhorar, tem que ampliar mas [...] em termos gerais o que está aí, está proposto até hoje, não é uma mudança, mas sim uma questão de acrescentar às coisas que estão colocadas ali como proposta.(6) ...eu não vejo necessidade de mudar o escopo, acho que ele dá para ser mantido na parte de estratégias e metodologias do trabalho. Eu também não vejo assim grandes modificações, eu vejo pequenos aperfeiçoamentos que devem ser mantidos, [que não] são de estratégia, [são] de metodologia de trabalho.(2)

Já entre os demais entrevistados, os quais, por sua vez, encontram-se mais expostos à

discussão sobre a temática do DTR, a posição acerca da necessidade de ampliação do escopo

do projeto é clara. Para estes, conforme já antecipado, as Redes devem abranger não somente

unidades de produção agropecuária individuais, como também empreendimentos rurais

grupais, comunitários ou associativos. Devem também ampliar o foco de análise para além da

etapa de produção agropecuária em si:

Acho que o primeiro passo é avançar de sistemas agrícolas para sistemas não- agrícolas no meio rural ainda. Um outro avanço que eu acho que seria possível, e tranqüilo, é olhar, alargar a leitura da cadeia daqueles produtos que estão inseridos nesse sistema de produção, enxergar um pouco mais a cadeia desses produtos [...] e olhar um pouco mais também, olhar eles na perspectiva da comercialização, da cadeia, de estruturação da rede de distribuição e tal. Eu acho então [...] que como primeiro avanço, e dentro ainda da SEAB, dentro do que está hoje, na estrutura do Iapar, da Emater, talvez ela dê essa “alargada” então. Do agrícola dá um passo, um pouco mais rural, [...] do sistema para o produto na cadeia, enxergar um pouco mais isso.(7)

No plano teórico, é evidente a necessidade de que a estratégia de organização de redes deve

extrapolar os limites da produção agropecuária, buscando alcançar a perspectiva ampliada do

enfoque do DTR. O que ainda não é possível discutir, é a possibilidade de que isso seja feito

na condição atual do projeto Redes, no qual duas instituições, associadas eminentemente ao

desenvolvimento agropecuário, têm a responsabilidade de condução da proposta. Tal questão

será debatida quando apresentados os aspectos de ordem institucional vinculados ao futuro da

condução das Redes.

125

6.4.2 Mudanças de ordem metodológica e/ou operacional

As proposições para este tópico foram recolhidas nas entrevistas realizadas e serão

apresentadas considerando as diferentes etapas, já descritas, de implantação do projeto Redes.

Preliminarmente, cabe ressaltar uma questão que antecede o próprio processo de implantação

de Redes, a qual diz respeito ao perfil da equipe exigido para a sua condução:

E agora também tem o seguinte: tem que escolher as pessoas certas pra se fazer isso aí né ! Não é todo mundo, tem gente que nunca vai conseguir fazer. Isso também é uma questão até interessante de se colocar, eu penso né! Que numa rede de instituições tem que se escolher as pessoas certas pra se fazer essa costura. Não adianta, é uma coisa tem que fazer, então vamos botar um lá e pronto. Não... tem gente que não tem perfil pra isso, nunca vai conseguir fazer! É uma pessoa que dentro da instituição vai contribuir na rede, mas sempre trabalhando dentro dela, nunca vai ser um contato, não é um cara que vai iniciar um processo.(6)

Isto posto, a etapa de caracterização da região de trabalho, também mereceu sugestões,

associadas à amplitude das questões de natureza socioeconômicas hoje trabalhadas e à

temporalidade para a sua realização:

...eu acho que aquele diagnóstico inicial [deveria ser um] diagnóstico mais macro, talvez devesse incorporar algumas outras variáveis [...] tentar responder a pergunta: quais fatores são cruciais, ou foram cruciais no histórico do território, para levar a essa situação que está hoje ? ou seja, que conjugação de forças e de interesses econômicos principalmente estão presentes ali ? E tentar entender um pouco isso, então acho que um estudo um pouco mais nessa direção, e acho que [...] que tem que ser permanentemente monitorado; o diagnóstico é uma coisa permanente não é um corte só.(7)

A seleção dos sistemas de produção a serem acompanhados recebeu sugestões no sentido

de melhor vincular tal etapa aos processos de desenvolvimento territorial que estejam em

curso na região trabalhada, de modo que os resultados alcançados sejam não só mais

facilmente apropriados, no caso de sistemas vigentes, como possam também apontar sistemas

alternativos para o desenvolvimento territorial:

...veja bem, você pode focar aquele território ali e verificar quais são as prioridades daquele território, quais são as vocações daquele território e a partir desse referencial, você selecionar sistemas que venham contribuir mais efetivamente com esse desenvolvimento. Então, à medida que você tem um trabalho territorial, eu acho que essa é uma coisa que se dá para trabalhar melhor, quer dizer, eu tenho uma visão mais abrangente, mais ampla, mais regional ou micro regional, se eu tenho uma visão de prioridade [...] isso vai me ajudar a selecionar sistemas de uma forma mais adequada para poder trabalhar.(2)

126

Trabalhar com sistemas predominantes é correto né! Porque que a resposta em princípio acaba sendo maior, já que tem mais gente trabalhando neste sistema [...]. Então diria assim, que essas propriedades de referência deveriam também contemplar sistemas que não são ainda muito disseminados, mas que possam ter assim, [algo] concreto, potencial, pra se fazer, aquilo de transição, de sistema de transição [...] pra outro sistema de produção mais integrado, mais diversificado...(3)

Foi ressaltada ainda, a necessidade de que o cumprimento de tal etapa ocorra no contexto de

um processo de articulação maior, representado nos objetivos dos planos de desenvolvimento

concebidos para o território:

Então diria assim: as propriedades de referências [...] tem que guardar sintonia com as prioridades estabelecidas pelos planos de desenvolvimento territorial. Porque essas, as Redes de Referências, são as bases do assunto né! Vários sistemas de produção, digamos assim né! Então eu acho que precisa ter esta sintonia né! E além disso, essas Redes de Referências, essas propriedades que compõem as Redes, possam estar a serviço do conjunto dos atores que trabalham na capacitação e assistência técnica, porque o plano de assistência técnica vai compatibilizar a ação de vários atores...(3)

Para a seleção de agricultores colaboradores, foram destacadas sugestões as quais, se não

representam mudanças significativas na metodologia em curso, ressaltam a importância da

etapa e da obediência aos procedimentos de escolha, os quais associam, aos aspectos de

natureza técnica, também questões vinculadas ao perfil dos colaboradores e, explicitamente, à

perspectiva de sucessão na propriedade:

Um cuidado que eu acho que nós temos que ter também é nessa seleção [de agricultores]. Nós já temos todo um critério de todas as situações para saber como fazer uma boa seleção, mas infelizmente, às vezes nós erramos por mais que a gente escolha há percalços, há acidentes de trabalho que ocorrem [...]. Esse cuidado, com a experiência já acumulada, nós podemos aprimorar melhor essa seleção, rever alguma coisa nessa seleção, onde nós erramos. O que a gente imagina que seja o melhor, de repente não é o melhor, tem gente com muito mais possibilidades, potencialidades e características que serão favoráveis.(1) ...nós discutimos [...] alguns critérios na seleção do produtor [...] as características de personalidade dele, que nós na Rede colocamos alguns critérios que fossem considerados na seleção da pessoa em si, além de selecionar a propriedade, selecionar a pessoa. Eu sinto que não foram [os critérios de seleção da pessoa] talvez muito considerados, é um ponto a melhorar, porque além de selecionar o sistema ou a propriedade, você tem que considerar a personalidade do produtor. Como é que ele é, as suas relações ou o grau de extensão dele na comunidade, se ele se relaciona melhor, se comunica melhor, se ele abre mais a sua propriedade para visitas, se ele conta, digamos, suas experiências. Então, acho que esse é um ponto crucial para você maximizar os resultados desse trabalho.(2) Então, as próprias propriedades nas quais existem os jovens, eu acho que deveriam ser privilegiadas pelas redes de referências.(3)

127

As etapas de planejamento, ajustes e acompanhamento dos sistemas produtivos

mereceram ressalvas quando comparadas ao método hoje vigente. Os ajustes sugeridos

passam, em síntese, pela necessidade de que sejam incorporados, de modo mais enfático, os

aspectos de ordem ambiental e social, quebrando aquilo que pode ser considerado como um

viés tecnicista presente no projeto, melhor alinhando-o à perspectiva de sustentabilidade

destacada no enfoque do DTR:

Quando se falava em gestão da propriedade, só via a questão econômica e técnica, de ajuste de produção. E hoje, a gente está percebendo isso, nós estamos exercitando alguma coisa dentro do nosso modelo [...] é também a questão da gestão ambiental, e também da questão social da propriedade.(1) Eu acho que nós desenvolvemos muito mais nas questões técnicas, agronômicas, do que nas sociais e ambientais [...]. Acho que é uma coisa que a gente pode melhorar, avançar mais. As nossas análises neste aspecto.(6)

Por fim, as estratégias de restituição de dados e de comunicação adotadas foram aquelas

que mereceram mais sugestões, as quais apontam os limites atualmente presentes, sobretudo

na agilidade de execução, e indicam novos possíveis caminhos:

O público das instituições têm expectativa, porque isso cria essa expectativa com os parceiros que nós temos envolvido nas propostas, inclusive o produtor, que é o ator principal da história, ele também quer esse retorno o mais rápido possível, e aí a gente [deve] disponibilizar os meios de informação ou até criar meios digitais que possam divulgar uma resposta mais rápida.(1) ...nós temos que procurar uma velocidade maior na restituição de resultados. Nós temos que as coisas mudam muito velozmente, talvez até pela dificuldade inicial que nós começamos, [...] a gente era inexperiente, [...] eu acho que tem que ter uma velocidade maior em analisar e produzir os resultados, e, principalmente restituir resultados para essas unidades com mais agilidade.(2) ...eu acho que ainda tem um espaço imenso para se avançar ainda na questão de comunicação. [...] a Rede produz muita informação importante, mas elas, não sei eu tenho impressão, que elas [restingem-se] aos extensionistas, aos técnicos, e em última instância, os agricultores com sistemas similares àqueles. [...] daria para avançar bastante nessa questão de sistematização das informações e comunicação, acho que precisaria criar [...] uma câmara, uma rede virtual, então você tem uma rede material do campo, [e uma] rede virtual na Internet, que além do grupo técnico que participa da Rede de referência, pudesse ter uma rede de técnicos e Ong’s muito maior com uma participação aí de especialistas. Acho que essa Rede que é hoje uma rede física, ela podia vir a ser uma rede virtual, com debates, com seminários periódicos [em uma] TV Educativa, pela Internet...(7)

128

Chega então o momento de discutir o arranjo institucional que não só melhor habilita o

projeto Redes à realização das mudanças sugeridas, como também o coloca em condições de

fazer frente aos desafios mais amplos presentes nas ações sob o enfoque do DTR.

6.4.3 Mudanças de ordem organizacional

Neste aspecto, também com base nas entrevistas realizadas, devem ser lembradas

primeiramente as articulações de caráter macroinstitucional, as quais, embora obviamente

extrapolem os limites das Redes e o campo de ação de seus implementadores, seriam capazes

de garantir um funcionamento mais harmonioso de um dispositivo de P&D com tal

perspectiva e melhor combinam com o caráter das ações de DTR já discutidas:

...nós não temos nenhuma estrutura de governo que pensa essa escala mesorregional. Então, do ponto de vista de estrutura de governo, talvez devêssemos pensar como outros Estados que já tem uma estrutura nessa dimensão, [...] tem várias ações de políticas públicas, seja no governo federal, seja através do MDA, seja através do Banco do Estado, atuando em mesorregião, nessa estrutura meso. [...] se nós estivermos pensando esse desenvolvimento, a rede atuando nas dimensões além da agrícola, da rural, uma dimensão de território, é de pensar que tenha que ter uma articulação com saúde, com educação, com uma política dessa de inclusão social. Enfim, todas as ações do governo estadual pudessem ter um fórum para seu debate, a sua formulação e a otimização de estruturas e de recursos.[...] talvez pensar em alguma coisa desse tipo, então uma estrutura nova do governo do Estado e um fórum colegiado que abrigasse as forças da sociedade, as forças produtivas e o debate nesse fórum regional e estadual, onde pudéssemos formular um pouco melhor essas políticas. Eu acho que dá uma racionalidade melhor por aí.(7) Na medida que isso fosse possível, eu acho que uma questão seguinte que esse trabalho permitiria é você alinhar as políticas públicas. Eu acho que você conseguiria dar um certo alinhamento, seja nas políticas locais, você poderia imaginar daí o conjunto de municípios atuando em conjunto pra determinadas coisas, otimizando estruturas e recursos. Você poderia imaginar uma atuação conjunta do ponto de vista político, de representação nesse território, você poderia imaginar esse pacto no território permitindo um canal de diálogo com as políticas públicas do governo estadual e federal. Você poderia então alinhar essas políticas dentro do território, você poderia imaginar então que, exagerando num extremo, as políticas estaduais e federais fossem ajustadas às necessidades e à realidade regional.(7)

Outro tipo de articulação macroinstitucional também lembrada, esta ao alcance das Redes e de

seus implementadores, seria a aproximação, ou até vinculação do projeto, ao âmbito dos

129

consórcios e, especialmente, porque já consolidados em diversas situações, fóruns de

desenvolvimento territorial:

Outra coisa que está acontecendo na área institucional é o tal do consorcio. [...] é uma forma de organização [...] pra gerenciar projetos. Mais forte nisso é a [área da] saúde, que tem mais de vinte [consórcios] no Paraná. [...] é uma organização, no caso, de prefeituras. Hoje temos uma linha que está ampliando, você permitir o consorcio ainda do setor público, mais a prefeitura, governo federal, estadual. Não deixa de ser uma certa rede.(4) ...eu acho que nos territórios, seria importante que nesse fórum, nesses conselhos, nesses comitês, pudessem estar presentes os técnicos da Emater e do Iapar que trabalham na Rede de Referência.[...] fundamentalmente, acho que é isso que deve ser buscado pra poder compatibilizar e aprimorar o uso deste instrumento, e até que se possa constituir ou incluir dentro dessas redes, propriedades que sejam referência pra aquelas prioridades que o plano desenvolvido pro território aponta né.(3)

Por fim, cabe destacar uma proposição praticamente unânime entre os entrevistados, quando

considerada a necessidade de um novo desenho institucional para o projeto Redes, a qual,

ressalte-se, foi lembrada em situações de ampliação, ou não, do escopo das atividades

atualmente desenvolvidas.

Tal sugestão, diz respeito à ampliação no número de instituições participantes do projeto, e

não surgiu sem que fosse lembrada, também, a dificuldade operacional de tal prática:

...fazer parcerias entre instituições exige pré-disposição ao diálogo, pré-disposição aí em ouvir, ceder né! Fazer concessões, seja de ordem pessoal, seja de ordem institucional, em cima do objetivo maior né! Exige que você tenha esta visão mais ampla né! Que a gente é dificultado [para fazê-las] até na formação [universitária] que é segmentada [...]. Que a gente vai trabalhar em uma instituição dentro de uma linha muito segmentada né. Exige que você tenha esta visão de conjunto né! [...]. Então eu diria que é um exercício grande...(2)

Para justificar essa ampliação no número atores, foram apresentadas justificativas de

diferentes ordens, que passam pela atual condição interna de funcionamento do projeto, mas,

sobretudo, pela necessidade de sua ampliação.

Algumas das proposições neste sentido encontram-se transcritas abaixo para ressaltar a

diversidade das alternativas, e, conseqüentemente, dos ajustes possíveis de serem realizados

nesta perspectiva:

130

Bom, primeiro acho que devia ter mais parceiros sabe. Mais parceiros. [...] mais gente participando, porque acaba tudo virando Emater e Iapar, com algumas exceções [...] Mas seria mais interessante a gente ter mais instituições, parceiros [...]. Fora isso, ainda a liderança, a coordenação, a gerência do processo, nesse momento não vejo outra forma de fazer a não ser com essas duas instituições. Talvez, na medida que outros agentes forem se incorporando possa dividir também. Seria interessante.(6) Então, eu vejo que naquelas regiões tradicionais, aonde a Rede [...] já está aí há bastante tempo, [...] talvez pudéssemos pensar em passar o que está hoje, eu não sei precisaria avaliar bem, para cooperativas, prefeituras, com uma outra estrutura no campo, ou manter o que tem mas ampliar essa rede de uma forma exponencial, incorporando esses outros atores no sentido [...] da Rede ser apropriada por Ong’s etc. Então, mesmo daí os técnicos do Iapar e da Emater, que hoje dominam a ferramenta, seriam consultores, aí entre aspas, para o sistema poder se dedicar para esses territórios novos aí, no sentido de formar lá então uma nova capacidade.(7) ...a gente sabe das nossas limitações e das nossas necessidades, então eu acho que a gente tem que buscar mais ainda, eu vejo assim, a parceria das instituições oficiais. Eu acho que até é fácil de acontecer, por uma razão óbvia, por força até de questões operacionais, [...] se nós precisarmos falar em meio-ambiente e tivermos que chamar o IAP nós já temos a condição [...] não tem dificuldade se formos trabalhar com a Secretaria da Educação e a Secretaria de Saúde, também não vejo dificuldade. O que nós temos que tentar buscar mais é a iniciativa privada, para ela também fazer o seu papel. Nós temos muito aquele viés do setor produtivo, que é o nosso chão, que é a cooperativa, que a gente vê como primeiro momento, que também é um parceiro de primeira hora enfim, com a sua condição, a FETAEP, a FAEP, representação sindical que também é importante. Mas eu acho que nós temos mais serviços que podem vir a nos ajudar, seja lá o serviço do SENAR que tem contribuições que nós não aproveitamos ainda dentro deste modelo, eu acho que ainda esta disponível, o SEBRAE [...], associações comerciais e industriais que também estão disponíveis, todo esse serviço estão disponíveis e podem ajudar em campanhas por exemplo.(1) Acho que precisa se incluir nisso as prefeituras municipais [...] e outras entidades que possam existir em alguns desses territórios, vou citar alguns exemplos: as casas familiares rurais que tem em praticamente todos os territórios que trabalhamos no Paraná.(3)

O aprofundamento das discussões referentes ao detalhamento das adequações sugeridas nos

aspectos metodológicos e operacionais do projeto Redes transcende aos objetivos deste

estudo, contudo é possível afirmar que um novo modelo deve, em seu aspecto institucional,

considerar necessariamente a articulação direta deste dispositivo com as instâncias territoriais

existentes, como os fóruns, conselhos ou similares.

131

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o trabalho atingiu o seu objetivo geral de discutir as potencialidades e as

limitações da utilização das redes de unidades produtivas rurais como instrumento útil ao

enfoque do DTR, apresentando tanto no que diz respeito à estratégia de redes, como no que

tange aos projetos sob a ótica do DTR, justificativas que confirmam a pertinência de

associação destas abordagens.

No que diz respeito aos seus objetivos específicos, o estudo ofereceu a caracterização da

estratégia de redes, tal qual hoje presente nas Redes de Referências para a Agricultura

Familiar, indicando a abordagem histórico-cultural como aquela mais apropriada para a sua

análise, e o modelo de redes técnico-econômicas como sendo o que mais se aproxima de sua

conformação.

A discussão dos métodos de implantação e condução hoje utilizados no projeto Redes, avaliou

a necessidade e possibilidades de ajustes nos elementos metodológicos e operacionais, e

destacou as mudanças de ordem institucional passiveis de serem implementadas, oferecendo

elementos úteis para proposição de um novo modelo.

A revisão da literatura sobre os temas pesquisados confirmou a expectativa de que esses não

se encontram plenamente consolidados do ponto de vista teórico-conceitual, co-existindo

perspectivas de diferentes vertentes para o estudo de ambos.

A metodologia de trabalho mostrou-se apropriada. A realização das entrevistas de campo,

ofereceu ao estudo uma boa base de aplicação concreta, ainda que não tenha sido possível

encontrar, entre os entrevistados, o mesmo grau de conhecimento e domínio acercas das

temáticas, redes e DTR, em questão. Já a análise de conteúdo realizada, evidenciou de forma

circunstanciada as principais contribuições oferecidas em cada uma das entrevistas.

132

A limitações da pesquisa derivam-se principalmente de seu caráter exploratório, uma vez

que o aprofundamento naquele que é o tipo de rede identificado como mais pertinente à

situação, as redes técnico-econômicas, e na proposição de um novo modelo para as Redes de

Referências, devem ser objetos de pesquisas futuras sobre o tema.

133

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140

ANEXOS

ANEXO A - Tipologia das regiões da OCDE segundo seu grau de ruralidade: participação relativa da população.

Essencialmente Relativamente EssencialmenteRural (ER) Rural (RR) Urbana (EU)

Irlanda 62 - 38Turquia 58 30 12Noruega 51 38 11Suécia 49 32 19Finlândia 47 32 21Grécia 47 18 35Áustria 40 39 22Dinamarca 39 38 23Estados Unidos 36 34 30Portugal 35 24 41Islândia 35 8 57Canadá 33 23 44França 30 41 29Japão 23 34 43Austrália 23 22 55Espanha 19 46 35Reino Unido 15 17 68Suiça 14 25 61Itália 9 44 47Alemanha 8 26 66Bélgica 2 17 81Luxemburgo - 100 -Nova Zelândia - 61 39Holanda - 15 85

PaísPopulação (em %)1

1 Comunidades rurais: unidades locais com densidade populacional inferior a 150 habitantes/km2 (500 habitantes/km2 no caso do Japão): Essencialmente rurais: regiões onde mais de 50% da população vivem em unidades rurais. Relativamente rurais: regiões onde entre 15% e 50% da população vivem em unidades rurais. Essencialmente urbanas: regiões onde menos de 15% da população vivem em unidades rurais

Fonte: adaptado de Abramoway (2003, p.49).

141

ANEXO B - Relação nominal dos técnicos entrevistados, com a indicação da instituição a qual vinculam-se, bem como da função e/ou das atividades desenvolvidas que os credenciam para a colaboração na pesquisa.

NOME INSTITUIÇÃO FUNÇÃO e/ou ATIVIDADES

Adelar Antonio Motter IAPAR

Coordenador do Projeto Capacitação de Gestores de Processos de Desenvolvimento Local no Território da Cantuquiriguaçu

Antonio Celso Córdova de Souza EMATER/PR

Gerente de Desenvolvimento e Tecnologia, ex-Coordenador Estadual do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar.

Celso Daniel Seratto EMATER/PR

Diretor Técnico, ex- Extensionista do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar.

Diniz Dias Doliveira EMATER/PR Coordenador Estadual do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar.

Luiz Carlos Teixeira Lopes SEAB/PR Secretário Executivo do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (CEDRAF).

Márcio Miranda IAPAR

Coordenador Estadual do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar, Líder do Programa de Pesquisa em Sistemas de Produção.

Reni Antonio Denardi Ministério do Desenvolvimento Agrário

Delegado Federal do MDA no Estado do Paraná.

142

ANEXO C - Modelo do roteiro de entrevista utilizado com os técnicos.

Roteiro de entrevista

Nome do Entrevistado : Cargo/Função : Telefone : 1. Considerando a implantação dos projetos de desenvolvimento territorial rural atualmente em curso no estado, a organização de Redes de Unidades Produtivas Rurais poderia se constituir, no seu entendimento, em uma estratégia de ação pertinente para a consecução dos objetivos gerais destes projetos ? Porquê ? 2. Quais seriam ao seu ver as principais potencialidades contidas na implantação de Redes de Unidades Produtivas Rurais, sob a ótica destes projetos ? 3. Quais seriam ao seu ver as principais limitações contidas na implantação de Redes de Unidades Produtivas Rurais, sob a ótica destes projetos ? 4. Quais seriam ao seu ver as principais potencialidades contidas na implantação de Redes, tal qual hoje concebidas na proposta da EMATER/PR e IAPAR, sob a ótica destes projetos ? 5. Quais seriam ao seu ver as principais limitações contidas na implantação de Redes, tal qual hoje concebidas na proposta da EMATER/PR e IAPAR, sob a ótica destes projetos ? 6. Face as suas considerações anteriores e a atual experiência de implantação de Redes desenvolvida pela EMATER/PR e IAPAR, existiriam alterações a fazer no escopo da atual proposta ? Quais seriam estas ? 7. Além das eventuais alterações no escopo do projeto, seriam necessárias também, no seu entendimento, alterações de ordem metodológica / operacional ? Em caso positivo, discuta estas alterações considerando as diferentes etapas de implantação das Redes. 8. Além das eventuais alterações já mencionadas, seriam necessárias também, no seu entendimento, alterações de aspecto institucional no tocante a articulação das instituições responsáveis pela proposta. 9. Considerações complementares.

Universidade Estadual de Maringá Universidade Estadual de Londrina Programa de Pós-Graduação em Administração Projeto de Dissertação: A organização de redes de unidades produtivas como instrumento de apoio ao desenvolvimento territorial rural.