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1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 A Operação Lava Jato nas Revistas Veja e Carta Capital: uma análise de enquadramento nas frases destacadas no ano de 2014 1 Larissa Oliveira de LIMA 2 Plínio Marcos Volponi LEAL 3 Universidade do Estado de Minas Gerais, Frutal, MG Resumo A Operação Lava Jato parece ser o maior escândalo político midiático desde a recente redemocratização, superando as outras operações da Polícia Federal em densidade de investigação e de prisões de empresários e políticos. Este trabalho tem como objetivo investigar o processamento dos enquadres noticiosos da Operação Lava Jato em duas revistas nacionais: a Veja e a Carta Capital. Para tal foi utilizada a teoria do enquadramento (frame) em conjunto ao conceito de frases destacadas proposto por Dominique Maingueneau (2014). Para a análise, foram criados dois itens de observação: Categorização dos Fatos e Tipificação dos Envolvidos. As conclusões preliminares indicam que, apesar de visões políticas e editoriais distintas, os veículos possuem alguns enquadramentos semelhantes, por exemplo caracterizando o fato com um aspecto de reprovação ao utilizarem expressões como “golpe” e “esquema”. Palavras-chave: Operação Lava Jato; Revista Veja; Revista Carta Capital; Enquadres Noticiosos (news frame); frases destacadas. 1. Introdução O Brasil tem enfrentado uma das investigações mais complexas contra a corrupção, superando o escândalo do Mensalão de 2005 em quantidade de prisões e de densidade de investigação. A Operação Lava Jato, desencadeada em 17 de março de 2014 pela Polícia Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), tem como principal objetivo investigar e desmontar um esquema de lavagem e desvio de dinheiro. O assunto ganhou bastante visibilidade na mídia por envolver não apenas doleiros, grandes empreiteiras e políticos, mas por estar ligado também à maior estatal do Brasil: a Petrobras. 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares, da Intercom Júnior XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Bolsista FAPEMIG e Estudante de Graduação do 3º semestre do Curso de Comunicação Social da UEMG FRUTAL, email: [email protected] 3 Professor orientador do trabalho, vinculado ao Curso de Comunicação Social da UEMG FRUTAL e Líder do Grupo de Pesquisa LabDim Laboratório de Discursividades Midiáticas e Práticas Socioculturais, email: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

A Operação Lava Jato nas Revistas Veja e Carta Capital: uma análise de

enquadramento nas frases destacadas no ano de 2014 1

Larissa Oliveira de LIMA2 Plínio Marcos Volponi LEAL3

Universidade do Estado de Minas Gerais, Frutal, MG

Resumo

A Operação Lava Jato parece ser o maior escândalo político midiático desde a recente

redemocratização, superando as outras operações da Polícia Federal em densidade de

investigação e de prisões de empresários e políticos. Este trabalho tem como objetivo

investigar o processamento dos enquadres noticiosos da Operação Lava Jato em duas

revistas nacionais: a Veja e a Carta Capital. Para tal foi utilizada a teoria do enquadramento

(frame) em conjunto ao conceito de frases destacadas proposto por Dominique

Maingueneau (2014). Para a análise, foram criados dois itens de observação: Categorização

dos Fatos e Tipificação dos Envolvidos. As conclusões preliminares indicam que, apesar de

visões políticas e editoriais distintas, os veículos possuem alguns enquadramentos

semelhantes, por exemplo caracterizando o fato com um aspecto de reprovação ao

utilizarem expressões como “golpe” e “esquema”.

Palavras-chave: Operação Lava Jato; Revista Veja; Revista Carta Capital; Enquadres

Noticiosos (news frame); frases destacadas.

1. Introdução

O Brasil tem enfrentado uma das investigações mais complexas contra a corrupção,

superando o escândalo do Mensalão de 2005 em quantidade de prisões e de densidade de

investigação. A Operação Lava Jato, desencadeada em 17 de março de 2014 pela Polícia

Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), tem como principal

objetivo investigar e desmontar um esquema de lavagem e desvio de dinheiro. O assunto

ganhou bastante visibilidade na mídia por envolver não apenas doleiros, grandes

empreiteiras e políticos, mas por estar ligado também à maior estatal do Brasil: a Petrobras.

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares, da Intercom Júnior – XII Jornada de

Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Bolsista FAPEMIG e Estudante de Graduação do 3º semestre do Curso de Comunicação Social da UEMG –

FRUTAL, email: [email protected] 3 Professor orientador do trabalho, vinculado ao Curso de Comunicação Social da UEMG – FRUTAL e Líder do

Grupo de Pesquisa LabDim – Laboratório de Discursividades Midiáticas e Práticas Socioculturais, email: [email protected]

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Ao fazer a cobertura jornalística da operação, a mídia acaba por construir uma

realidade na mente de seus interlocutores. Isso porque, a população só é capaz de ficar por

dentro do que acontece no mundo se ela consumir algum tipo de meio de comunicação. Os

veículos destacam (ou omitem) os enquadramentos (frames), deixando visível que tipo de

informação foi passada ao leitor e de que maneira essa informação leva o leitor a pensar

sobre o assunto e de que modo a mídia contribui para a maneira que ele deve pensar.

Segundo Entman (1993, p.52):

Enquadramento envolve essencialmente ‘seleção’ e ‘saliência’. Enquadrar é

‘selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em

um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema,

uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de

tratamento’ para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p.52).

Essa construção da realidade recaí também sobre as “frases destacadas” e o conceito

de aforização, já que essa última ressignifica uma citação. Segundo Sírio Possenti em sua

apresentação para o livro de Maingueneau:

[...] tais frases (frases destacadas) adquirem o estatuto de aforizações. Não se trata

necessariamente de aforismos, muitos dos quais já nascem destacados (há autores

que os produzem em série), mas de frases com determinadas propriedades que são

postas a circular e que, eventualmente, são interpretadas como se não tivessem feito

parte de textos. (POSSENTI, S. in MAINGUENAU, 2014, p.07)

O presente artigo busca analisar como se dão os enquadres noticiosos (news frames)

em frases destacadas por revistas impressas, de modo a perceber as semelhanças e

diferenças referentes aos enquadramentos sobre a Operação Lava Jato produzidos pelas

revistas Veja e Carta Capital, e também como foi construída a realidade sobre o

acontecimento.

Através da análise de enquadramento de frases destacadas, parece ser possível

revelar o jogo midiático da construção da realidade veiculado pelas revistas. Segundo

TRAQUINA (2008, p. 15), “Lippmann (1992) defendia que os media são a principal

ligação entre os acontecimentos no mundo e as imagens que as pessoas têm na cabeça

acerca desses acontecimentos”. Sendo assim, fazer uma análise de enquadramento (framing

analysis) sobre a Operação Lava Jato possibilita desvendar o modo que a mídia construiu a

realidade acerca do escândalo tratado.

Este artigo contém os resultados parciais de uma pesquisa financiada pela

FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais). Os dados apresentados aqui

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correspondem apenas ao ano de 2014, ou seja, ano no qual a Operação Lava Jato foi

deflagrada.

2. Enquadramento Noticioso

Enquadramento pode ser definido, em linhas gerais, como a organização de

determinados termos, ou seja, quando o jornalista faz a escolha de enquadrar um

acontecimento de uma forma “X” e não de uma forma “Y”. Segundo Koenig (2004), “em

um nível muito simplista, enquadramentos estruturam quais partes da realidade se tornam

notícia”.

Goffman é o pesquisador reconhecido por desenvolver uma articulação teórica que

tratava sobre o enquadramento (frame):

Eu assumo que definições de uma situação são construídas de acordo com os

princípios de organização que governam os eventos [...] e o nosso envolvimento

subjetivo neles; enquadrar é a palavra que eu uso para referir a esses elementos

básicos como eu sou capaz de identificar (GOFFMAN, 1974, p. 10)

Ao elucidar o texto de Goffman, Porto (2004) afirma que:

Tendemos a perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que

nos permitem responder à pergunta: ‘O que está ocorrendo aqui?’ Neste enfoque,

enquadramentos são entendidos como marcos interpretativos mais gerais,

construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às

situações sociais. (PORTO, 2004, p. 78)

Já Koening (2004), é capaz de prover clareza ao interpretar a literatura de Goffman:

Em outras palavras, enquadramentos são estruturas cognitivas básicas que guiam a

percepção e a representação da realidade. Na totalidade, enquadramentos não são

produzidos conscientemente, mas são adotados inconscientemente no curso do

processo comunicativo. (KOENIG, 2004, p. 2)

Foi só em Entman que o conceito original de enquadramento foi integrado à noção

de hegemonia midiática. Nesse sentido, temos que:

Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e faze-los mais

salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular

do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma

recomendação de tratamento para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p. 52)

Pensando no conceito de enquadramento noticioso proposto por Entman, optou-se

por aplicá-lo em conjunto com a definição de frases destacadas encontrada em

Maingueneau.

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3. Aforização e Frases Destacadas

Sírio Possenti (in MAINGUENAU, 2014) questiona em seu capítulo de introdução

ao livro de Dominique Maingueneau se “‘Dizer uma frase’ é a mesma coisa quando ela faz parte

de um texto e quando ela é destaca? Quem fala, neste caso? E a quem? Como se constrói a

interpretação de frases que não são consideradas na continuidade de um texto?” A partir da

comparação entre as frases destacadas de um texto e as “mesmas” quando em seu contexto

original é capaz de mostrar que muitas vezes, quando um fragmento é destacado, ele acaba

por sofrer uma alteração. De acordo com Maingueneau (2014):

Por definição, a aforização é uma frase “sem texto”. No nível mais imediato, isso

significa que ela não é precedia ou seguida de outras frases com as quais está ligada

por relações de coesão, de modo a formar uma totalidade textual ligada a um gênero

de discurso. (MAINGUENEAU, 2014, p.30)

Diferentemente da aforização, a sobreasseveração não é uma citação, mas uma

modulação da enunciação que põe um fragmento de texto como destacável e que,

consequentemente, está candidato a ser descontextualizado. Sobreasseverar nada mais é que

antecipar um destacamento, de acordo com Maingueneau (2014):

Os atores da vida pública, por isso, tentam controlar os reempregos que serão feitos

de suas conversas, antecipar as práticas de destacamento dos jornalistas. Assim,

colocarão certos enunciados em posições salientes – mais frequentemente no final

da unidade textual –, de modo a torná-las destacáveis e a favorecer sua circulação

posterior. Como se sugerissem quais são os fragmentos que esperam ver repetidos.

(MAINGUENEAU, 2014, p.16)

As frases destacadas podem ser divididas em duas classes, de acordo com a natureza

de seu destacamento: se tratando de um enunciado naturalmente independente de contexto e

cotexto, como é o caso de provérbios, slogans, máximas, títulos de artigos, temos um caso

de enunciado constitutivo (aforização primária); ao se tratar de trechos extraídos de

fragmentos de um texto, temos então o enunciados destacados (aforização secundária).

Por meio do estudo das frases destacadas e de como elas foram enquadradas, é

possível compreender como se dão as práticas dos atores políticos e sociais através dos

discursos que eles modelam e põem em circulação. Segundo Baronas (2013):

Além de “máquina de recortar e fazer circular enunciados”, a mídia é também uma

potente máquina de (trans)formar enunciados e produzir simulacros, segundo a(s)

ideologia(s) dos grupos, organizações e instituições que os veiculam. Assim

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pensada, a mídia vai se patenteando muito mais como uma instância de circulação

de sentidos e interpretações do que propriamente de circulação de fatos.

(BARONAS, 2013, p. 59)

A proposta desse artigo é fazer um estudo de frases destacadas em conjunto com as

noções de enquadramento, de modo a perceber como se deu a cobertura das revistas Veja e

Carta Capital se tratando da Operação Lava Jato.

4. Operação Lava Jato

Desencadeada em 17 de março de 2014 pela Polícia Federal (PF) em conjunto com

o Ministério Público Federal (MPF), a Operação Lava Jato é uma investigação sobre

corrupção que tem como principal objetivo investigar e desmontar um esquema de lavagem

e desvio de dinheiro que envolve doleiros, grandes empreiteiras, políticos e a Petrobras,

maior estatal do Brasil. De acordo com o MPF4, o esquema já movimentou 6,4 bilhões de

reais em propina. Entre os crimes cometidos pelos envolvidos estão: sonegação fiscal,

evasão de dívidas, movimentação ilegal de dinheiro, corrupção de agentes e desvio de

recursos públicos.

O MPF, que já atuou em inúmeros casos emblemáticos de corrupção (Zelotes,

Carlinhos Cachoeira, Sanguessuga, Mensalão, Anaconda, etc.), alega que a Lava Jato “se

tornou a maior investigação sobre corrupção da história do país” (2015).

A operação leva esse nome devido a um posto combustível que era utilizado para

movimentar recursos ilícitos. Supostamente, a movimentação acontece desde o ano de

1977. O Posto da Torre, como é conhecido, pertence a Carlos Habib Chater, que operava

uma casa de câmbio no local.

Durante o esquema, as empreiteiras se organizavam em cartel de modo a substituir a

concorrência real por uma concorrência aparente. Elas combinavam preços superfaturados

em reuniões e decidiam qual das empresas ganharia o contrato.

Os agentes públicos e funcionários da Petrobrás eram “comprados”, como garantia

de que apenas as empresas do cartel fossem convidadas para participar das licitações. Esses

agentes favoreciam o cartel, acelerando contratações, vazando informações sigilosas, etc.

O esquema também contava com operadores financeiros. Eles eram responsáveis

por intermediar o pagamento da propina e por repassá-la, de um modo que tornasse o

dinheiro limpo. O fluxo de dinheiro saia das empreiteiras para os operadores através de

4 Disponível em <http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1>

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movimentações no exterior e contratos com empresas “de fachadas”; e, então, o dinheiro

passava dos operadores até os beneficiários por transferências no exterior e/ou pagamento

de bens. Alguns réus do processo assinaram acordos de delação premiada para explicar

detalhes da operação e receber, em troca, alívio nas penas. Dentre as colaborações, os

delatores descreveram o funcionamento do esquema, citaram políticos e empresários

envolvidos, admitiriam ter pagado e recebido propina para manter negócios com a

Petrobrás, descreveram o funcionamento do cartel, entregaram planilhas de pagamentos de

suborno e apontaram desvios de obras.

5. Analisando os Enquadramentos Noticiosos

Metodologicamente será utilizado o modelo para pesquisas em comunicação

sugerido por Lopes (2003) e revisado por Soares (2006), em junção ao conceito de

enquadramento noticioso proposto por Entman (1991):

A menos que as narrativas sejam comparadas, os enquadramentos serão difíceis de

ser completamente detectados e com segurança porque muitos dos elementos dos

enquadramentos podem aparecer como naturais, escolhas de palavras ou imagens

não-extraordinárias. A comparação revela que tais escolhas não são inevitáveis ou

não-problemáticas, mas são o centro da maneira que os enquadramentos noticiosos

ajudam a estabelecer a literatura de senso comum na interpretação dos assuntos.

(ENTMAN, 1991, p. 6).

Delimitamos que o objeto a ser estudado são os enquadres noticiosos referentes à

cobertura da Operação Lava Jato. O corpus da pesquisa será as frases destacadas em

matérias pelas revistas Veja e Carta Capital que fazem referência ao objeto.

A amostra das revistas refere-se ao período de 17 de março de 2014 à 31 de

dezembro do mesmo ano que possuam matérias relacionadas ao caso da Operação Lava

Jato, totalizando 11 exemplares da revista Carta Capital e 29 exemplares da revista Veja. O

ano de 2014 foi escolhido por ser o ano em que foi deflagrada a operação, desse modo, é

possível perceber como o caso foi enquadrado desde o início. Em 11 edições, a revista

Carta Capital contou com 11 matérias; e em 29 edições, a revista Veja contemplou 45

matérias sobre o objeto de estudo.

A escolha da revista Veja se deu, primeiramente, por ser a revista semanal de maior

circulação no Brasil. De acordo com Benetti:

Veja não se enquadra nos gêneros tradicionais de texto jornalístico, notadamente na

distinção entre jornalismo informativo e opinativo. Embora carregado de

informação, seu texto é fortemente permeado pela opinião, construída

principalmente por meio de adjetivos, advérbios e figuras de linguagem. Veja

construiu, de si mesma, uma forte imagem de legitimidade para proferir saber –

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frente a um suposto não-saber dos leitores, da população em geral e, em certos

momentos, das próprias fontes. (BENETTI, 2007, p. 42)

Mesmo possuindo uma circulação bem menor quando comparada a Veja, a revista

Carta Capital apresenta um ponto de vista editorial diferente. Segundo Santos:

A revista tem um tom bastante personalista. Diferentemente das demais semanais,

Carta Capital defende que os meios de comunicação como um todo assumam

publicamente suas afinidades político-partidárias, pois entende que agir desta

maneira é mais honesto com o leitor. (SANTOS, 2009, p. 51)

Por esse motivo, a revista Carta Capital foi escolhida e não revistas com maior

circulação, como Época e IstoÉ. As outras revistas com maior tiragem alistadas não

possuem caráter jornalístico de informação. Elas são segmentadas para um público

específico, como as revistas de televisão e celebridades (Caras, Contigo, Tititi, etc), as de

público feminino, como Ana Maria e Malu, ou para o público infanto-juvenil, como a

revista Recreio. De acordo com Benetti (2007), o leitor de Carta Capital possui um perfil

mais exigente e bem informado. O próprio texto de apresentação da revista afirma que “a

semanal respeita a inteligência do seu leitor e tem orgulho de afirmar-se progressista,

respeitadora da diversidade humana e defensora de um mundo mais justo para todos”.5

Como técnica de coleta foi feito primeiramente um levantamento das edições que

continham matérias sobre a Lava Jato, partindo da edição 2.365 da Veja e edição 792 da

Carta Capital, até as edições 2405 e 829, respectivamente. Posteriormente foi feita a leitura

preliminar de todos os exemplares, de modo a conhecê-lo em sua integridade e a fim de

identificar quais são seus aspectos mais relevantes, criando então, itens de observação

próprios e pertinentes ao assunto. Os itens definidos foram dois: (1) Categorização dos

Fatos e (2) Tipificação dos Envolvidos.

Em seguida, será feita uma análise descritiva; uma caracterização geral das

reportagens analisadas, como o número de matérias analisadas, frases destacadas, palavras-

chaves etc., possibilitando uma visão geral do que foi percebido. Isso facilitou a

compreensão e interpretação dos enquadramentos.

Interpretando os enquadramentos e analisando as semelhanças e diferenças entre os

enquadramentos tomados por cada revista, torna-se visível o modo como as reportagens

foram capazes de construir uma realidade para os leitores das revistas.

5 Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/editora/cartacapital>

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5.1 Categorização do Fato

O primeiro item a ser observado no estudo é a Categorização do Fato, que visa

entender qual foi a forma como as revistas classificaram o acontecimento. As tabelas a

seguir apresentam o enquadramento utilizado pelos veículos.

Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital

Pejorativa Golpe Sim Não

Pejorativa Crime Sim Não

Pejorativa Desfalque Sim Não

Pejorativa Esquema Sim Sim

Pejorativa Escândalo Sim Sim

Tabela 1 – Expressões pejorativas observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:

Categorização do Fato

Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital

Neutra Caso Sim Sim

Neutra Operação Não Sim

Tabela 2 - Expressões neutras observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:

Categorização do Fato

A revista Veja utilizou de seis expressões para categorizar o fato, enquanto a revista

Carta Capital utilizou de quatro expressões, sendo três em comum com o outro veículo. Dos

sete enquadramentos, apenas dois são neutros (“caso” e “operação”), todos os outros

(“golpe”, “crime”, “desfalque”, “esquema” e “escândalo” são pejorativos. Isso indica uma

semelhança entre os veículos, demonstrando considerar o acontecimento como ilegal,

desonesto, um ato imoral praticado com a intenção de ludibriar.

O termo pejorativo “escândalo”, por exemplo, aparece destacado na edição 794 da

Carta Capital: “O embate pré-eleitoral e a conduta de diretores da estatal dão fôlego ao

escândalo”. Já o termo neutro “caso” é utilizado em destaque na edição 2398 da revista

Veja, porém, vem acompanhado de um termo negativo (corrupção), tornando o cenário

pejorativo: “O alvo principal é Sergio Moro, o magistrado responsável pelo processo que

está desmontando o maior caso de corrupção da história”.

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5.2 Tipificação do Envolvidos

O segundo item de observação a ser analisado foi o da Tipificação dos Envolvidos

de modo a ressaltar como as revistas enquadraram os envolvidos, tanto coletivamente

quanto individualmente. As tabelas abaixo possuem um demonstrativo das expressões

utilizadas por cada revista.

Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital

Neutro Clube Sim Não

Neutra Colaboradores Sim Não

Neutra Nobres clientes do doleiro (Youssef) Sim Não

Neutra Poderosos Sim Não

Neutra Delator (Paulo Roberto Costa) Sim Não

Neutra Senadores Sim Não

Neutra Deputados Sim Não

Neutra Governo deles (Governo Dilma e Lula) Sim Não

Neutra Governadores Sim Não

Neutra Grupo fechado de pessoas Sim Não

Neutra Suspeitos Sim Não

Neutra Funcionários públicos Sim Não

Neutra Poucas pessoas privilegiadas que se ajudam Sim Não

Neutra Amigo de todos (Paulo Roberto Costa) Não Sim

Neutra Turma Não Sim

Neutra Vítima (Sérgio Machado) Não Sim

Neutra Grandes financiadores Não Sim

Neutra Políticos Sim Sim

Neutra Partidos Sim Sim

Neutra Empreiteiras Sim Sim

Neutra Empresas Sim Sim

Tabela 3 - Expressões neutras observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:

Tipificação dos Envolvidos

Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital

Pejorativa Sociedade Oculta Sim Não

Pejorativa Clube dos corruptos Sim Não

Pejorativa Sindicato do crime Sim Não

Pejorativa Máfia Sim Não

Pejorativa Grupo de criminosos Sim Não

Pejorativa Doleiro ecumênico (Alberto Youssef) Não Sim

Pejorativa Pagador de propina (André Vargas) Não Sim

Pejorativa Maus conselheiros (Nestor Cerveró e Paulo

Roberto Costa)

Não Sim

Pejorativa Cavalo de Troia (Dias Toffoli) Não Sim

Pejorativa Corruptores Sim Sim

Pejorativa Quadrilha Sim Sim

Tabela 4 - Expressões pejorativas observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:

Tipificação dos Envolvidos

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Segundo as tabelas, foram utilizadas pela revista Veja 23 expressões para tipificar os

envolvidos, enquanto a Carta Capital utilizou de apenas 14 expressões, e 6 expressões

foram comuns entre as duas revistas.

Apesar de uma grande gama de expressões neutras, essas eram utilizadas em

conjunto ternos negativos, criando narrativas não-neutras, em que o leitor facilmente vai

associar os envolvidos com atividades criminosas (“empresas”, “políticos” e “partidos”

associados a “sociedade oculta”, “clube dos corruptos”, “corruptores”, “máfia”,

“quadrilha”, “grupo de criminosos”). Quadrilha, por exemplo, refere-se a uma associação

de três ou mais pessoas, com o objetivo específico de cometer crimes. O termo máfia, por

sua vez, caracteriza uma organização que tem por finalidade fazer prevalecer seus interesses

e para tal faz uso de métodos inescrupulosos.

A revista Veja, por exemplo, em sua edição 2400, utiliza da expressão “golpe”,

destacando: “O golpe no clube do bilhão”. Nesse caso, vemos que os envolvidos estão

caracterizados pelo substantivo “clube”, que é neutro, mas está relacionado à palavra

“golpe”, que tipifica o fato como sendo ilegal. É um exemplo típico de expressão neutra

atrelada a um termo pejorativo, criando um cenário não-neutro.

Grande parte dos enquadramentos utilizados também revelam sempre se tratar de

um grupo de pessoas, não de indivíduos isolados, como demonstram as expressões “grupo

fechado de pessoas”, “grupo de criminosos”, “turma”, “poucas pessoas privilegiadas que se

ajudam”, por exemplo.

6. Considerações Finais

Ambas as revistas, Veja e Carta Capital, adotam enquadramentos muito semelhantes

em relação à categorização do fato e à tipificação dos envolvidos nas frases destacadas

analisadas. Pode-se afirmar que a revista Veja deu mais ênfase à Operação Lava Jato, em

uma proporção aproximadamente 2,6 vezes maior.

Algumas diferenças puderam ser percebidas em certos enquadramentos, devido à

distinção das linhas editoriais das revistas: Veja com uma postura mais conservadora e

Carta Capital como uma inclinação mais esquerdista. Porém, mesmo assim, fica evidente

que houve cautela e/ou reprovação contra os acontecimentos tratados nas matérias.

Não houve em nenhum dos veículos expressões positivas quanto aos itens de

observação analisados (Tipificação dos Envolvidos ou Categorização do Fato). Com termos

neutros e pejorativos, os veículos apresentaram uma postura de discordância.

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Os veículos apresentaram enquadramentos semelhantes nos dois itens de observação

analisados, tipificando os envolvidos em cenários pejorativos e não-neutros (mesmo quando

as expressões eram neutras, elas eram utilizadas em conjunto com termos negativos) e

caracterizando o fato com um aspecto de reprovação e ilegalidade.

O conceito de enquadramento atrelado às frases destacadas parece ser uma

alternativa para a análise dos discursos veiculados em meios de comunicação,

possibilitando a percepção de como a mídia é capaz de construir a realidade para o seu

leitor e de como esses enquadres podem contribuir para a maneira como o indivíduo deve

pensar por meio do destacamento.

Referências

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