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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016
A Operação Lava Jato nas Revistas Veja e Carta Capital: uma análise de
enquadramento nas frases destacadas no ano de 2014 1
Larissa Oliveira de LIMA2 Plínio Marcos Volponi LEAL3
Universidade do Estado de Minas Gerais, Frutal, MG
Resumo
A Operação Lava Jato parece ser o maior escândalo político midiático desde a recente
redemocratização, superando as outras operações da Polícia Federal em densidade de
investigação e de prisões de empresários e políticos. Este trabalho tem como objetivo
investigar o processamento dos enquadres noticiosos da Operação Lava Jato em duas
revistas nacionais: a Veja e a Carta Capital. Para tal foi utilizada a teoria do enquadramento
(frame) em conjunto ao conceito de frases destacadas proposto por Dominique
Maingueneau (2014). Para a análise, foram criados dois itens de observação: Categorização
dos Fatos e Tipificação dos Envolvidos. As conclusões preliminares indicam que, apesar de
visões políticas e editoriais distintas, os veículos possuem alguns enquadramentos
semelhantes, por exemplo caracterizando o fato com um aspecto de reprovação ao
utilizarem expressões como “golpe” e “esquema”.
Palavras-chave: Operação Lava Jato; Revista Veja; Revista Carta Capital; Enquadres
Noticiosos (news frame); frases destacadas.
1. Introdução
O Brasil tem enfrentado uma das investigações mais complexas contra a corrupção,
superando o escândalo do Mensalão de 2005 em quantidade de prisões e de densidade de
investigação. A Operação Lava Jato, desencadeada em 17 de março de 2014 pela Polícia
Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), tem como principal
objetivo investigar e desmontar um esquema de lavagem e desvio de dinheiro. O assunto
ganhou bastante visibilidade na mídia por envolver não apenas doleiros, grandes
empreiteiras e políticos, mas por estar ligado também à maior estatal do Brasil: a Petrobras.
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares, da Intercom Júnior – XII Jornada de
Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Bolsista FAPEMIG e Estudante de Graduação do 3º semestre do Curso de Comunicação Social da UEMG –
FRUTAL, email: [email protected] 3 Professor orientador do trabalho, vinculado ao Curso de Comunicação Social da UEMG – FRUTAL e Líder do
Grupo de Pesquisa LabDim – Laboratório de Discursividades Midiáticas e Práticas Socioculturais, email: [email protected]
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Ao fazer a cobertura jornalística da operação, a mídia acaba por construir uma
realidade na mente de seus interlocutores. Isso porque, a população só é capaz de ficar por
dentro do que acontece no mundo se ela consumir algum tipo de meio de comunicação. Os
veículos destacam (ou omitem) os enquadramentos (frames), deixando visível que tipo de
informação foi passada ao leitor e de que maneira essa informação leva o leitor a pensar
sobre o assunto e de que modo a mídia contribui para a maneira que ele deve pensar.
Segundo Entman (1993, p.52):
Enquadramento envolve essencialmente ‘seleção’ e ‘saliência’. Enquadrar é
‘selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em
um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema,
uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de
tratamento’ para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p.52).
Essa construção da realidade recaí também sobre as “frases destacadas” e o conceito
de aforização, já que essa última ressignifica uma citação. Segundo Sírio Possenti em sua
apresentação para o livro de Maingueneau:
[...] tais frases (frases destacadas) adquirem o estatuto de aforizações. Não se trata
necessariamente de aforismos, muitos dos quais já nascem destacados (há autores
que os produzem em série), mas de frases com determinadas propriedades que são
postas a circular e que, eventualmente, são interpretadas como se não tivessem feito
parte de textos. (POSSENTI, S. in MAINGUENAU, 2014, p.07)
O presente artigo busca analisar como se dão os enquadres noticiosos (news frames)
em frases destacadas por revistas impressas, de modo a perceber as semelhanças e
diferenças referentes aos enquadramentos sobre a Operação Lava Jato produzidos pelas
revistas Veja e Carta Capital, e também como foi construída a realidade sobre o
acontecimento.
Através da análise de enquadramento de frases destacadas, parece ser possível
revelar o jogo midiático da construção da realidade veiculado pelas revistas. Segundo
TRAQUINA (2008, p. 15), “Lippmann (1992) defendia que os media são a principal
ligação entre os acontecimentos no mundo e as imagens que as pessoas têm na cabeça
acerca desses acontecimentos”. Sendo assim, fazer uma análise de enquadramento (framing
analysis) sobre a Operação Lava Jato possibilita desvendar o modo que a mídia construiu a
realidade acerca do escândalo tratado.
Este artigo contém os resultados parciais de uma pesquisa financiada pela
FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais). Os dados apresentados aqui
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correspondem apenas ao ano de 2014, ou seja, ano no qual a Operação Lava Jato foi
deflagrada.
2. Enquadramento Noticioso
Enquadramento pode ser definido, em linhas gerais, como a organização de
determinados termos, ou seja, quando o jornalista faz a escolha de enquadrar um
acontecimento de uma forma “X” e não de uma forma “Y”. Segundo Koenig (2004), “em
um nível muito simplista, enquadramentos estruturam quais partes da realidade se tornam
notícia”.
Goffman é o pesquisador reconhecido por desenvolver uma articulação teórica que
tratava sobre o enquadramento (frame):
Eu assumo que definições de uma situação são construídas de acordo com os
princípios de organização que governam os eventos [...] e o nosso envolvimento
subjetivo neles; enquadrar é a palavra que eu uso para referir a esses elementos
básicos como eu sou capaz de identificar (GOFFMAN, 1974, p. 10)
Ao elucidar o texto de Goffman, Porto (2004) afirma que:
Tendemos a perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que
nos permitem responder à pergunta: ‘O que está ocorrendo aqui?’ Neste enfoque,
enquadramentos são entendidos como marcos interpretativos mais gerais,
construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às
situações sociais. (PORTO, 2004, p. 78)
Já Koening (2004), é capaz de prover clareza ao interpretar a literatura de Goffman:
Em outras palavras, enquadramentos são estruturas cognitivas básicas que guiam a
percepção e a representação da realidade. Na totalidade, enquadramentos não são
produzidos conscientemente, mas são adotados inconscientemente no curso do
processo comunicativo. (KOENIG, 2004, p. 2)
Foi só em Entman que o conceito original de enquadramento foi integrado à noção
de hegemonia midiática. Nesse sentido, temos que:
Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e faze-los mais
salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular
do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma
recomendação de tratamento para o item descrito. (ENTMAN, 1993, p. 52)
Pensando no conceito de enquadramento noticioso proposto por Entman, optou-se
por aplicá-lo em conjunto com a definição de frases destacadas encontrada em
Maingueneau.
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3. Aforização e Frases Destacadas
Sírio Possenti (in MAINGUENAU, 2014) questiona em seu capítulo de introdução
ao livro de Dominique Maingueneau se “‘Dizer uma frase’ é a mesma coisa quando ela faz parte
de um texto e quando ela é destaca? Quem fala, neste caso? E a quem? Como se constrói a
interpretação de frases que não são consideradas na continuidade de um texto?” A partir da
comparação entre as frases destacadas de um texto e as “mesmas” quando em seu contexto
original é capaz de mostrar que muitas vezes, quando um fragmento é destacado, ele acaba
por sofrer uma alteração. De acordo com Maingueneau (2014):
Por definição, a aforização é uma frase “sem texto”. No nível mais imediato, isso
significa que ela não é precedia ou seguida de outras frases com as quais está ligada
por relações de coesão, de modo a formar uma totalidade textual ligada a um gênero
de discurso. (MAINGUENEAU, 2014, p.30)
Diferentemente da aforização, a sobreasseveração não é uma citação, mas uma
modulação da enunciação que põe um fragmento de texto como destacável e que,
consequentemente, está candidato a ser descontextualizado. Sobreasseverar nada mais é que
antecipar um destacamento, de acordo com Maingueneau (2014):
Os atores da vida pública, por isso, tentam controlar os reempregos que serão feitos
de suas conversas, antecipar as práticas de destacamento dos jornalistas. Assim,
colocarão certos enunciados em posições salientes – mais frequentemente no final
da unidade textual –, de modo a torná-las destacáveis e a favorecer sua circulação
posterior. Como se sugerissem quais são os fragmentos que esperam ver repetidos.
(MAINGUENEAU, 2014, p.16)
As frases destacadas podem ser divididas em duas classes, de acordo com a natureza
de seu destacamento: se tratando de um enunciado naturalmente independente de contexto e
cotexto, como é o caso de provérbios, slogans, máximas, títulos de artigos, temos um caso
de enunciado constitutivo (aforização primária); ao se tratar de trechos extraídos de
fragmentos de um texto, temos então o enunciados destacados (aforização secundária).
Por meio do estudo das frases destacadas e de como elas foram enquadradas, é
possível compreender como se dão as práticas dos atores políticos e sociais através dos
discursos que eles modelam e põem em circulação. Segundo Baronas (2013):
Além de “máquina de recortar e fazer circular enunciados”, a mídia é também uma
potente máquina de (trans)formar enunciados e produzir simulacros, segundo a(s)
ideologia(s) dos grupos, organizações e instituições que os veiculam. Assim
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pensada, a mídia vai se patenteando muito mais como uma instância de circulação
de sentidos e interpretações do que propriamente de circulação de fatos.
(BARONAS, 2013, p. 59)
A proposta desse artigo é fazer um estudo de frases destacadas em conjunto com as
noções de enquadramento, de modo a perceber como se deu a cobertura das revistas Veja e
Carta Capital se tratando da Operação Lava Jato.
4. Operação Lava Jato
Desencadeada em 17 de março de 2014 pela Polícia Federal (PF) em conjunto com
o Ministério Público Federal (MPF), a Operação Lava Jato é uma investigação sobre
corrupção que tem como principal objetivo investigar e desmontar um esquema de lavagem
e desvio de dinheiro que envolve doleiros, grandes empreiteiras, políticos e a Petrobras,
maior estatal do Brasil. De acordo com o MPF4, o esquema já movimentou 6,4 bilhões de
reais em propina. Entre os crimes cometidos pelos envolvidos estão: sonegação fiscal,
evasão de dívidas, movimentação ilegal de dinheiro, corrupção de agentes e desvio de
recursos públicos.
O MPF, que já atuou em inúmeros casos emblemáticos de corrupção (Zelotes,
Carlinhos Cachoeira, Sanguessuga, Mensalão, Anaconda, etc.), alega que a Lava Jato “se
tornou a maior investigação sobre corrupção da história do país” (2015).
A operação leva esse nome devido a um posto combustível que era utilizado para
movimentar recursos ilícitos. Supostamente, a movimentação acontece desde o ano de
1977. O Posto da Torre, como é conhecido, pertence a Carlos Habib Chater, que operava
uma casa de câmbio no local.
Durante o esquema, as empreiteiras se organizavam em cartel de modo a substituir a
concorrência real por uma concorrência aparente. Elas combinavam preços superfaturados
em reuniões e decidiam qual das empresas ganharia o contrato.
Os agentes públicos e funcionários da Petrobrás eram “comprados”, como garantia
de que apenas as empresas do cartel fossem convidadas para participar das licitações. Esses
agentes favoreciam o cartel, acelerando contratações, vazando informações sigilosas, etc.
O esquema também contava com operadores financeiros. Eles eram responsáveis
por intermediar o pagamento da propina e por repassá-la, de um modo que tornasse o
dinheiro limpo. O fluxo de dinheiro saia das empreiteiras para os operadores através de
4 Disponível em <http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1>
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movimentações no exterior e contratos com empresas “de fachadas”; e, então, o dinheiro
passava dos operadores até os beneficiários por transferências no exterior e/ou pagamento
de bens. Alguns réus do processo assinaram acordos de delação premiada para explicar
detalhes da operação e receber, em troca, alívio nas penas. Dentre as colaborações, os
delatores descreveram o funcionamento do esquema, citaram políticos e empresários
envolvidos, admitiriam ter pagado e recebido propina para manter negócios com a
Petrobrás, descreveram o funcionamento do cartel, entregaram planilhas de pagamentos de
suborno e apontaram desvios de obras.
5. Analisando os Enquadramentos Noticiosos
Metodologicamente será utilizado o modelo para pesquisas em comunicação
sugerido por Lopes (2003) e revisado por Soares (2006), em junção ao conceito de
enquadramento noticioso proposto por Entman (1991):
A menos que as narrativas sejam comparadas, os enquadramentos serão difíceis de
ser completamente detectados e com segurança porque muitos dos elementos dos
enquadramentos podem aparecer como naturais, escolhas de palavras ou imagens
não-extraordinárias. A comparação revela que tais escolhas não são inevitáveis ou
não-problemáticas, mas são o centro da maneira que os enquadramentos noticiosos
ajudam a estabelecer a literatura de senso comum na interpretação dos assuntos.
(ENTMAN, 1991, p. 6).
Delimitamos que o objeto a ser estudado são os enquadres noticiosos referentes à
cobertura da Operação Lava Jato. O corpus da pesquisa será as frases destacadas em
matérias pelas revistas Veja e Carta Capital que fazem referência ao objeto.
A amostra das revistas refere-se ao período de 17 de março de 2014 à 31 de
dezembro do mesmo ano que possuam matérias relacionadas ao caso da Operação Lava
Jato, totalizando 11 exemplares da revista Carta Capital e 29 exemplares da revista Veja. O
ano de 2014 foi escolhido por ser o ano em que foi deflagrada a operação, desse modo, é
possível perceber como o caso foi enquadrado desde o início. Em 11 edições, a revista
Carta Capital contou com 11 matérias; e em 29 edições, a revista Veja contemplou 45
matérias sobre o objeto de estudo.
A escolha da revista Veja se deu, primeiramente, por ser a revista semanal de maior
circulação no Brasil. De acordo com Benetti:
Veja não se enquadra nos gêneros tradicionais de texto jornalístico, notadamente na
distinção entre jornalismo informativo e opinativo. Embora carregado de
informação, seu texto é fortemente permeado pela opinião, construída
principalmente por meio de adjetivos, advérbios e figuras de linguagem. Veja
construiu, de si mesma, uma forte imagem de legitimidade para proferir saber –
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frente a um suposto não-saber dos leitores, da população em geral e, em certos
momentos, das próprias fontes. (BENETTI, 2007, p. 42)
Mesmo possuindo uma circulação bem menor quando comparada a Veja, a revista
Carta Capital apresenta um ponto de vista editorial diferente. Segundo Santos:
A revista tem um tom bastante personalista. Diferentemente das demais semanais,
Carta Capital defende que os meios de comunicação como um todo assumam
publicamente suas afinidades político-partidárias, pois entende que agir desta
maneira é mais honesto com o leitor. (SANTOS, 2009, p. 51)
Por esse motivo, a revista Carta Capital foi escolhida e não revistas com maior
circulação, como Época e IstoÉ. As outras revistas com maior tiragem alistadas não
possuem caráter jornalístico de informação. Elas são segmentadas para um público
específico, como as revistas de televisão e celebridades (Caras, Contigo, Tititi, etc), as de
público feminino, como Ana Maria e Malu, ou para o público infanto-juvenil, como a
revista Recreio. De acordo com Benetti (2007), o leitor de Carta Capital possui um perfil
mais exigente e bem informado. O próprio texto de apresentação da revista afirma que “a
semanal respeita a inteligência do seu leitor e tem orgulho de afirmar-se progressista,
respeitadora da diversidade humana e defensora de um mundo mais justo para todos”.5
Como técnica de coleta foi feito primeiramente um levantamento das edições que
continham matérias sobre a Lava Jato, partindo da edição 2.365 da Veja e edição 792 da
Carta Capital, até as edições 2405 e 829, respectivamente. Posteriormente foi feita a leitura
preliminar de todos os exemplares, de modo a conhecê-lo em sua integridade e a fim de
identificar quais são seus aspectos mais relevantes, criando então, itens de observação
próprios e pertinentes ao assunto. Os itens definidos foram dois: (1) Categorização dos
Fatos e (2) Tipificação dos Envolvidos.
Em seguida, será feita uma análise descritiva; uma caracterização geral das
reportagens analisadas, como o número de matérias analisadas, frases destacadas, palavras-
chaves etc., possibilitando uma visão geral do que foi percebido. Isso facilitou a
compreensão e interpretação dos enquadramentos.
Interpretando os enquadramentos e analisando as semelhanças e diferenças entre os
enquadramentos tomados por cada revista, torna-se visível o modo como as reportagens
foram capazes de construir uma realidade para os leitores das revistas.
5 Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/editora/cartacapital>
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5.1 Categorização do Fato
O primeiro item a ser observado no estudo é a Categorização do Fato, que visa
entender qual foi a forma como as revistas classificaram o acontecimento. As tabelas a
seguir apresentam o enquadramento utilizado pelos veículos.
Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital
Pejorativa Golpe Sim Não
Pejorativa Crime Sim Não
Pejorativa Desfalque Sim Não
Pejorativa Esquema Sim Sim
Pejorativa Escândalo Sim Sim
Tabela 1 – Expressões pejorativas observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:
Categorização do Fato
Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital
Neutra Caso Sim Sim
Neutra Operação Não Sim
Tabela 2 - Expressões neutras observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:
Categorização do Fato
A revista Veja utilizou de seis expressões para categorizar o fato, enquanto a revista
Carta Capital utilizou de quatro expressões, sendo três em comum com o outro veículo. Dos
sete enquadramentos, apenas dois são neutros (“caso” e “operação”), todos os outros
(“golpe”, “crime”, “desfalque”, “esquema” e “escândalo” são pejorativos. Isso indica uma
semelhança entre os veículos, demonstrando considerar o acontecimento como ilegal,
desonesto, um ato imoral praticado com a intenção de ludibriar.
O termo pejorativo “escândalo”, por exemplo, aparece destacado na edição 794 da
Carta Capital: “O embate pré-eleitoral e a conduta de diretores da estatal dão fôlego ao
escândalo”. Já o termo neutro “caso” é utilizado em destaque na edição 2398 da revista
Veja, porém, vem acompanhado de um termo negativo (corrupção), tornando o cenário
pejorativo: “O alvo principal é Sergio Moro, o magistrado responsável pelo processo que
está desmontando o maior caso de corrupção da história”.
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5.2 Tipificação do Envolvidos
O segundo item de observação a ser analisado foi o da Tipificação dos Envolvidos
de modo a ressaltar como as revistas enquadraram os envolvidos, tanto coletivamente
quanto individualmente. As tabelas abaixo possuem um demonstrativo das expressões
utilizadas por cada revista.
Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital
Neutro Clube Sim Não
Neutra Colaboradores Sim Não
Neutra Nobres clientes do doleiro (Youssef) Sim Não
Neutra Poderosos Sim Não
Neutra Delator (Paulo Roberto Costa) Sim Não
Neutra Senadores Sim Não
Neutra Deputados Sim Não
Neutra Governo deles (Governo Dilma e Lula) Sim Não
Neutra Governadores Sim Não
Neutra Grupo fechado de pessoas Sim Não
Neutra Suspeitos Sim Não
Neutra Funcionários públicos Sim Não
Neutra Poucas pessoas privilegiadas que se ajudam Sim Não
Neutra Amigo de todos (Paulo Roberto Costa) Não Sim
Neutra Turma Não Sim
Neutra Vítima (Sérgio Machado) Não Sim
Neutra Grandes financiadores Não Sim
Neutra Políticos Sim Sim
Neutra Partidos Sim Sim
Neutra Empreiteiras Sim Sim
Neutra Empresas Sim Sim
Tabela 3 - Expressões neutras observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:
Tipificação dos Envolvidos
Tipo de Expressão Expressão Veja Carta Capital
Pejorativa Sociedade Oculta Sim Não
Pejorativa Clube dos corruptos Sim Não
Pejorativa Sindicato do crime Sim Não
Pejorativa Máfia Sim Não
Pejorativa Grupo de criminosos Sim Não
Pejorativa Doleiro ecumênico (Alberto Youssef) Não Sim
Pejorativa Pagador de propina (André Vargas) Não Sim
Pejorativa Maus conselheiros (Nestor Cerveró e Paulo
Roberto Costa)
Não Sim
Pejorativa Cavalo de Troia (Dias Toffoli) Não Sim
Pejorativa Corruptores Sim Sim
Pejorativa Quadrilha Sim Sim
Tabela 4 - Expressões pejorativas observadas nas frases destacadas em relação ao item de observação:
Tipificação dos Envolvidos
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Segundo as tabelas, foram utilizadas pela revista Veja 23 expressões para tipificar os
envolvidos, enquanto a Carta Capital utilizou de apenas 14 expressões, e 6 expressões
foram comuns entre as duas revistas.
Apesar de uma grande gama de expressões neutras, essas eram utilizadas em
conjunto ternos negativos, criando narrativas não-neutras, em que o leitor facilmente vai
associar os envolvidos com atividades criminosas (“empresas”, “políticos” e “partidos”
associados a “sociedade oculta”, “clube dos corruptos”, “corruptores”, “máfia”,
“quadrilha”, “grupo de criminosos”). Quadrilha, por exemplo, refere-se a uma associação
de três ou mais pessoas, com o objetivo específico de cometer crimes. O termo máfia, por
sua vez, caracteriza uma organização que tem por finalidade fazer prevalecer seus interesses
e para tal faz uso de métodos inescrupulosos.
A revista Veja, por exemplo, em sua edição 2400, utiliza da expressão “golpe”,
destacando: “O golpe no clube do bilhão”. Nesse caso, vemos que os envolvidos estão
caracterizados pelo substantivo “clube”, que é neutro, mas está relacionado à palavra
“golpe”, que tipifica o fato como sendo ilegal. É um exemplo típico de expressão neutra
atrelada a um termo pejorativo, criando um cenário não-neutro.
Grande parte dos enquadramentos utilizados também revelam sempre se tratar de
um grupo de pessoas, não de indivíduos isolados, como demonstram as expressões “grupo
fechado de pessoas”, “grupo de criminosos”, “turma”, “poucas pessoas privilegiadas que se
ajudam”, por exemplo.
6. Considerações Finais
Ambas as revistas, Veja e Carta Capital, adotam enquadramentos muito semelhantes
em relação à categorização do fato e à tipificação dos envolvidos nas frases destacadas
analisadas. Pode-se afirmar que a revista Veja deu mais ênfase à Operação Lava Jato, em
uma proporção aproximadamente 2,6 vezes maior.
Algumas diferenças puderam ser percebidas em certos enquadramentos, devido à
distinção das linhas editoriais das revistas: Veja com uma postura mais conservadora e
Carta Capital como uma inclinação mais esquerdista. Porém, mesmo assim, fica evidente
que houve cautela e/ou reprovação contra os acontecimentos tratados nas matérias.
Não houve em nenhum dos veículos expressões positivas quanto aos itens de
observação analisados (Tipificação dos Envolvidos ou Categorização do Fato). Com termos
neutros e pejorativos, os veículos apresentaram uma postura de discordância.
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Os veículos apresentaram enquadramentos semelhantes nos dois itens de observação
analisados, tipificando os envolvidos em cenários pejorativos e não-neutros (mesmo quando
as expressões eram neutras, elas eram utilizadas em conjunto com termos negativos) e
caracterizando o fato com um aspecto de reprovação e ilegalidade.
O conceito de enquadramento atrelado às frases destacadas parece ser uma
alternativa para a análise dos discursos veiculados em meios de comunicação,
possibilitando a percepção de como a mídia é capaz de construir a realidade para o seu
leitor e de como esses enquadres podem contribuir para a maneira como o indivíduo deve
pensar por meio do destacamento.
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figuras de linguagem como estratégias discursivas em Veja, Época, IstoÉ e Carta Capital.
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Dissertação (Mestrado) - Curso de Comunicação e Informação, Universidade Federal do
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