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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 A Luta Pelo Direito ao Nome Social: Uma Perspectiva Habermasiana de Como Questões Pré-Políticas Podem se Transformar em Questões de Interesse Coletivo. 1 Iasminny Thábata Sousa CRUZ 2 Márcio SIMEONE 3 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG RESUMO No interior de uma esfera pública democrática, os indivíduos discutem e deliberam sobre questões políticas, adotando estratégias para tornar a autoridade política sensível às suas deliberações. É nesse momento que questões pré-políticas que afetam os membros de uma sociedade podem se transformar em questões de interesse coletivo segundo uma perspectiva habermasiana. Nesse contexto, o sistema dos media desempenha importante papel quando publiciza questões menos conhecidas, alargando o debate de demandas como a luta pelo uso do nome social questão que vem sendo defendida há anos pelos transgêneros do país e que apela para o reconhecimento da cidadania desses atores. Para passar a ser de interesse coletivo, os participantes desta pauta tiveram que, pela comunicação, apoiar-se em soluções alternativas e causar modificações na forma de pressupostos semânticos e pragmáticos. Palavras-chave: Habermas; agir comunicativo; mundo da vida; nome social; transgênero INTRODUÇÃO O fundamento pré-político das sociedades é o modo de organização comum pelo qual funcionam as comunidades. Em que a troca de entendimentos padronizados existe entre seus indivíduos, atingindo desde decisões éticas, que tipo de escolhas seriam as mais assertivas, e os aprendizados culturais de integração da população. Diz respeito ao funcionamento da própria sociedade, da individualização através da socialização, em que a internalização de normas comportamentais é sinônimo de reconhecimento mútuo, e em que 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação para Cidadania, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Curso de Comunicação Social da UFMG da linha de pesquisa Processos Comunicativos e Práticas Sociais, email: [email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor Dr. do Curso de Pós Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais PPGCOM-UFMG, email: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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A Luta Pelo Direito ao Nome Social: Uma Perspectiva Habermasiana de Como

Questões Pré-Políticas Podem se Transformar em Questões de Interesse Coletivo.1

Iasminny Thábata Sousa CRUZ 2

Márcio SIMEONE3

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG

RESUMO

No interior de uma esfera pública democrática, os indivíduos discutem e deliberam sobre

questões políticas, adotando estratégias para tornar a autoridade política sensível às suas

deliberações. É nesse momento que questões pré-políticas que afetam os membros de uma

sociedade podem se transformar em questões de interesse coletivo segundo uma perspectiva

habermasiana. Nesse contexto, o sistema dos media desempenha importante papel quando

publiciza questões menos conhecidas, alargando o debate de demandas como a luta pelo

uso do nome social –questão que vem sendo defendida há anos pelos transgêneros do país e

que apela para o reconhecimento da cidadania desses atores. Para passar a ser de interesse

coletivo, os participantes desta pauta tiveram que, pela comunicação, apoiar-se em soluções

alternativas e causar modificações na forma de pressupostos semânticos e pragmáticos.

Palavras-chave: Habermas; agir comunicativo; mundo da vida; nome social; transgênero

INTRODUÇÃO

O fundamento pré-político das sociedades é o modo de organização comum pelo

qual funcionam as comunidades. Em que a troca de entendimentos padronizados existe

entre seus indivíduos, atingindo desde decisões éticas, que tipo de escolhas seriam as mais

assertivas, e os aprendizados culturais de integração da população. Diz respeito ao

funcionamento da própria sociedade, da individualização através da socialização, em que a

internalização de normas comportamentais é sinônimo de reconhecimento mútuo, e em que

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação para Cidadania, XVI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,

evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Curso de Comunicação Social da UFMG da linha de pesquisa Processos Comunicativos e Práticas Sociais,

email: [email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor Dr. do Curso de Pós Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de

Minas Gerais PPGCOM-UFMG, email: [email protected]

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existem obrigações e direitos para todos os membros dessa sociedade. Essas questões têm,

segundo destaca a teoria habermasiana, força linguística.

Como acordos comunicativamente obtidos e construídos a partir de consensos

racionalmente motivados, as questões pré-políticas são familiares e em princípio corretas,

consensuais, e mobilizadas ao redor de convicções comuns e inquestionáveis. Essa

perspectiva tem traço da herança de Kant, como explica Éric Maigret em que é preciso:

“(...) reabilitar o modelo crítico do século XVIII e a democracia burguesa, que

tinham feito do uso público da razão a condição de possibilidade da opinião, ela

mesma condição de realização da democracia. O raciocínio é o seguinte. O

solilóquio deixa o indivíduo diante de si mesmo e de suas identidades, ao passo que

a discussão sobre os negócios públicos o arranca de seus particularismos, o libera de

sua ‘grosseria’ [Kant]. Essa dinâmica frutífera da troca entre as pessoas privadas é a

substância de uma arena, o espaço público, que se intercala entre a sociedade e o

Estado como uma instância de legitimação centrada na lógica individual. ”

(MAIGRET, 2010, p.330)

A força linguística de uma comunidade existe também para uni-la ao redor de

opiniões e vontades plurais, organizando o sistema interno dessas comunidades. Mas, para

que essa equação funcione, é preciso que enxerguemos o outro como alguém que se iguala

a nós em direitos e deveres, e que a dinâmica social valide o discurso do outro a partir da

aceitação de proferimentos abertos à crítica.

Um dos problemas, no entanto, é quando não enxergamos no outro tal equivalência,

excluindo do convívio todos aqueles que não se adaptam bem ao conceito comum de

sociedade no que se considerem as hierarquias, a cultura, os laços de poder.

Nessa perspectiva, uma questão pré-política passa a ser uma demanda de interesse

coletivo quando seu entendimento dentro da comunidade é questionado (dissenso) e passa a

ter outros significados que não os usualmente aceitos. E são diversos os casos em que uma

hierarquia e mesmo moralidade pré-políticas são revistas, e cujas novas soluções para o

novo conflito são demandadas. A luta pela inserção de pessoas entendidas como

incapacitadas – que nascem com síndrome de Down, por exemplo; ou as reconfigurações

das estruturas familiares tradicionais, as inúmeras ações de despadronização de biotipos de

corpos e cabelos, as formas como se enxergam as crianças transgênero na sociedade, e

mesmo o uso indiscriminado dos recursos ambientais, ou o direito à cidadania e ao voto.

1. O agir comunicativo e o mundo da vida

Habermas sugere um modelo ideal de ação comunicativa e democracia deliberativa

na qual as pessoas interagem através da linguagem, organizam-se em sociedade e procuram

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o consenso de forma não coercitiva. O conceito do agir comunicativo do autor parte do

pressuposto que as decisões levam em conta os interesses interpessoais do bem-comum e da

reciprocidade e por isso não podem ser orientados por interesses pessoais, precisando, além

disso, satisfazer as condições de entendimento, cooperação e consenso.

“No agir comunicativo está em causa a possibilidade de usar, em contextos de

interação social e entre seus participantes, a promoção de consensos pautados no

entendimento, na cooperação e na produção de concordâncias, o que caracteriza a

própria linguagem. Nesse sentido, importa ao filósofo principalmente o uso

comunicativo da linguagem. Esta seria examinada por focalização pragmática, e não

pelos enfoques da sintaxe ou da semântica” (MAAR in DICIONÁRIO DE

COMUNICAÇÃO, 2014, p.15)

O agir comunicativo compreende aquelas ações orientadas para o entendimento e o

agente é o sujeito linguisticamente competente para agir na busca do consenso. “Trata-se de

uma tentativa de compreender as condições universais de produção de enunciados que

visem ao entendimento, uma vez que todas as normas de ação social são entendidas como

derivadas do agir voltado para o entendimento” (MACEDO, 1993, p. 38).

Outra perspectiva interessante de Habermas, é que para ele, o uso da razão é

imprescindível para a vida em sociedade. A racionalidade a que ele se refere diz sobre um

mútuo entendimento que devemos ter para que, durante deliberações, consigamos nos

posicionar de modo a conseguir convencer o outro daquilo que acreditamos ser o melhor.

Também por isso, as relações mediadas pelo agir comunicativo devem ser inteligíveis, sob

pena de ofuscar o entendimento.

Os indivíduos no interior de uma esfera pública democrática discutem e deliberam

sobre questões políticas, e adotam estratégias para tornar a autoridade política sensível às

suas deliberações. É nesse sentido que se estabelece uma dinâmica no interior da política

que não é movida só por interesses particulares e pela tentativa de concentrar poder com o

objetivo de dominar outros indivíduos, mas pelo contrário, na ideia de que o uso público da

razão se estabeleça a partir de uma relação entre participação e argumentação.

Em uma democracia deliberativa, o debate de questões pré-políticas pode se

transformar em questões de interesse coletivo no momento em que grupos afetados por

determinadas questões conseguem levar os discursos para além da mera participação no

processo eleitoral – podendo também atingi-lo.

Esse processo acaba por exigir uma participação mais direta dos indivíduos no

domínio da esfera pública, entendendo esfera pública como um espaço para a interação

diferenciado do Estado. Nesse espaço, os indivíduos interagem uns com os outros, debatem

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as decisões tomadas pela autoridade política, discutem o conteúdo moral das diferentes

relações existentes e apresentam demandas em relação ao estado.

A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas possui grande relevância, pois

pretende colocar fim à arbitrariedade e à coerção nas questões que envolvem toda a

comunidade, propondo uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadãos nas

discussões em torno da coisa pública. A ação comunicativa habermasiana depreende de

uma teoria social: a do mundo da vida, que é o mundo das relações em que o sujeito

estabelece com a cultura, a linguagem, a sociedade, seu mundo externo e interno.

O mundo da vida é o ponto de referência para o estabelecimento de formas

comunicativas e democráticas. Ele compreende a totalidade das ações interpretativas e

apresenta três dimensões distintas: o mundo objetivo (dos fatos), o mundo social (das

normas) e o mundo subjetivo (das experiências); presentes em cada ato de fala. Em outras

palavras:

“As relações intersubjetivas e as correspondentes pretensões de validade formariam

um âmbito objetivo de convicções partilhadas e vividas como experiências. Por essa

via, fundamentam-se orientações estabelecidas como resultado histórico de

inúmeras relações sociais de cooperação efetivados no processo de interação e de

entendimento recíproco, convertidas em processo de aprendizado por meio dos

quais se renovam se reproduzem de maneira ampliada (...). Nos termos próprios ao

plano do mundo da vida, a sociedade seria apreendida conforme o processo de

reprodução simbólica. Paralelamente, contudo, impõe-se a reprodução material das

sociedades, condicionadas seja pelo trabalho social econômico seja pela

administração política”. (MAAR in DICIONÁRIO DE COMUNICAÇÃO, 2014,

p.16)

Assim, o agir comunicativo permite a construção e reconstrução de significados na

vida social dos seres humanos. É essa troca de significados que torna possível a vida em

sociedade, ao criar um conjunto de expectativas através de normas e saberes comuns.

No mesmo movimento que ilumina alguma demanda pré-política de uma população,

outras demandas são deixadas de lado pela grande massa, ficando restritas à existência

dentro dos guetos particulares. É através da força dos media que se publicizam questões

menos conhecidas, e que se alarga o debate de determinada demanda.

A necessidade desse contato de atores “resultará do próprio interesse na perseguição

de planos de ação específicos de cada um” (HABERMAS, 1984). Isto só é possível porque

vivermos em um mundo que considera a linguagem como uma ação – de mudança,

inclusive, em que os indivíduos interagem juntos para a mudança simbólica de diversos

entendimentos conceituais. Segundo Habermas, as relações construídas transcendem o

contexto das interações em si e pressupõem um reconhecimento intersubjetivo dos atores,

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momento em que o uso massivo das redes sociais auxilia na agregação de públicos cujos

laços não negativos são mantidos entre pessoas socialmente similares (homofilia).

É assim que o sistema dos media oferece contribuições e impasses aos processos

deliberativos, pois envolvem articulação entre atores políticos e cívicos com a finalidade de

tomar decisões, compreender problemas coletivos e buscar alternativas capazes de

contemplar todos os envolvidos. As diferentes arenas deliberativas existentes na sociedade

contemporânea constituem o espaço que os media exercem suas dinâmicas.

Certamente, os meios de comunicação retiram da condição de invisibilidade várias

demandas, proposições e atores, exercendo entre eles uma função mediadora. Habermas

reafirma a centralidade dos meios de comunicação na esfera pública ressaltando o fato de

que eles alimentam os fluxos comunicativos e deliberativos que a sustentam, elaborando,

via mecanismos e estratégias próprios, articulações entre diferentes falas.

2. Aceitação de fala e dissenso

Dentro da teorização do autor, uma atenção essencial é dada às interações mediadas

pela linguagem, em que os proferimentos são tidos como “atos através dos quais um falante

gostaria de chegar a um entendimento com um outro falante sobre algo do mundo”. Por

meio de interações que são linguisticamente mediadas, Habermas nos convoca a possuir

certa compreensão do sentido e da validade das nossas ações, que prescindem de uma

moralidade e de uma razoabilidade. Ele nos explica que essa racionalidade não tem nada a

ver com “a posse do saber”, mas liga-se ao modo como os sujeitos que são capazes de

“falar e de agir empregam o saber”, como “o modo específico de empregar o saber decide

sobre o sentido da racionalidade, que serve como medida para sucesso da ação”.

É preciso que aceitemos essas falas dos outros como sendo portadoras de algum

sentido, moral e qualidade, para que as levemos em consideração e, juntos, construamos o

que são as tomadas de decisões corretas para cada situação da vida. Para Habermas, essa

ação vai ser possível apenas pela via linguística, em uma arena de deliberação não

necessariamente processual eleitoreira.

De outra forma, quando grupos se organizam nos media para dar a conhecer a

situação em que vivem e os desafios por que têm que passar, entram em choque as

demandas de certos indivíduos e o que antes era consenso. É uma luta para que, dentro da

lógica da ação comunicativa habermasiana, tais demandas sejam reconhecidas como

acampadas por cidadãos com direito à fala, sem nunca esquecer que esta demanda passará

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pelo crivo da crítica e da deliberação e só será de interesse coletivo quando, somadas as

forças de argumentação e de agendamento dos media, encontrar razoabilidade social.

É preciso reconhecer o outro como possuidor de direito de fala, ao mesmo tempo

que a demanda do primeiro precisa encontrar, na sociedade, certa razoabilidade. Ou, nas

palavras de Habermas: é preciso “abandonar o egocentrismo de uma orientação pautada

pelo fim racional de seu próprio sucesso e se submeter aos critérios públicos da

racionalidade do entendimento” (1990, pp 82-83).

Com o embate (dissenso), conceitos e entendimentos populares são revelados. A

partir disso, Habermas nos indica alguns caminhos para a interação: trabalhos de reparo

conceitual; a suspensão da validade do discurso do outro a partir de uma desqualificação do

outro e do “definhamento do solo comum de convicções compartilhadas”; a passagem para

discussões longas e possivelmente infrutíferas; a quebra dessa comunicação; ou, então, a

passagem para o agir estratégico.

Interessante é o fato de que tais dissensos ocorrem sempre através de uma

experiência, pois são elas que quebram a “rotina daquilo que é auto-evidente”, atravessando

expectativas, superando modos comuns de conquistas e opiniões, apresentando surpresas e

gerando novas consciências. Os fatores surpreendentes que nascem dessa interação

linguisticamente mediada explicam tomadas de decisões e ações práticas no mundo da vida.

Para que uma questão pré-política passe a ser de interesse coletivo, destacaríamos,

ainda, o poder que a globalização tem de fazer com que a interação ocorra com menos

fronteiras, em mais lugares e pessoas, e em menos tempo.

3. Luta pelo direito ao nome social

O decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, assinado pela presidenta da República

Dilma Rousseff dispõe “sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de

gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta,

autárquica e fundacional.” Na prática, as pessoas que se sentem no direito pela escolha do

nome social vão poder ser tratadas pela identidade de gênero que a representam e não pelo

gênero de nascimento.

Esta é uma luta que vem sendo defendida há anos pela população transgênero do

país e que ganha relevância tanto no debate público quanto nas pautas dos media atuais, que

têm acompanhado casos de pessoas que lutam pela troca do nome de nascimento pelo

social, e também os entraves legislativos sobre o tema.

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Um dos conceitos de nome social é descrito pela Resolução nº 232/2012 do

Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

que descreve ser este “o modo como a pessoa é reconhecida, identificada e denominada na

sua comunidade e no meio social, uma vez que o nome oficial não reflete sua identidade de

gênero ou possa implicar em constrangimento” (LEMOS, 2015).

Segundo o portal JusBrasil a primeira normatização do uso do nome social decorreu

da publicação da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde publicada em 2006 pelo

Ministério da Saúde, em que se descrevia a necessidade de “identificação pelo nome e

sobrenome, devendo existir em todo documento de identificação do usuário um campo para

se registrar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do registro civil”.

Esse entendimento visa a garantia de respeito às identidades de gênero e de orientação

sexual dos transexuais e travestis que optarem pela mudança de nome em documentos

oficiais. Credita um tratamento de dignidade humana, e o direito de usufruir de toda uma

lógica governamental de acesso a políticas de inclusão social.

Com a negativa ao direito à identificação plena de si como sujeito, esses indivíduos

são colocados na invisiblidade e regras de constrangimento social são ditadas a eles.

Quando esses grupos se organizam nas esferas públicas de deliberação e pressionam para

que um direito pré-político como este da identidade faça parte dos debates públicos,

passamos a conhecer casos como o de Thammy Miranda, filho mais velho da artista

Gretchen, que aos 33 anos passa pelo processo de redesignação sexual e que decidiu, em 29

de junho deste ano, pela mudança do seu nome nos documentos.

Thammy passou por uma cirurgia de retirada dos seios no final de 2014, e antes da

operação já tomava injeções de hormônios masculino. A declaração sobre a mudança do

nome foi feita pela rede social Snapchat, que publica fotos e vídeos curtos. Na descrição do

anúncio, ela escreveu: "Estou fazendo a mudança de documento e quero a opinião de vocês.

Deixo Thammy ou coloco Tommi?"

O nome social reconhece a cidadania desses atores e demonstra em ações práticas

como uma situação de exclusão (da educação, do trabalho, da vida social e cultural),

transforma-se em uma arena de revelação de cidadania. Para passar a ser de interesse

coletivo, os participantes desta pauta tiveram que, pela comunicação, apoiar-se em

soluções alternativas para questões sociais (como a notícia de que a OAB passou a permitir

que os advogados transexuais usem seus nomes sociais como meio de identificação nas

carteiras profissionais), e causar modificações na forma de pressupostos semânticos e

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pragmáticos – posto que muitas vezes estes atores foram levados à marginalidade devido o

direito ao nome negado.

Casos famosos como o de artistas como Thammy, o uso de redes sociais e a ação

dos media dão ainda mais luz às demandas de organizações coletivas como a Rede Trans

Brasil e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade. Nesse processo, os media contribuem

para a distribuição dos sentidos coletivos, e, porque a maioria das coisas ditas no dia a dia

não atinge o nível de problematização, essa também é uma de suas funções.

Abaixo, exemplos de como as lutas pela identidade de gênero se manifestam com

presença nas redes sociais e também nos meios de comunicação:

Rede Trans Brasil:

Fonte: facebook.com, página RedeTransBrasil

Instituto Brasileiro de Transmasculinidade:

Fonte: facebook.com, página Ibrat

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Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades:

Fonte: ceert.org.br

Catraca Livre:

Fonte: catracalivre.com.br

Revista QUEM:

Fonte: revistaquem.globo.com

Pela visão habermasiana, a luta pelo nome social encontraria debate e deveria passar

pelo crivo das críticas. Isso é, de fato, o que ocorre. Após o decreto da presidente Dilma

Rousseff, que permitiu o uso do nome social de trans e travestis, 29 deputados de dez

partidos protocolaram um Pedido de Decreto Legislativo (PDC) para vetar a decisão. A

própria sociedade respondeu ao ato lançando uma campanha nas redes sociais pela

manutenção da conquista. No protesto, internautas publicam e compartilham fotos usando a

hashtag #NomeSocialÉDireito.

A página (abaixo) que representa a campanha no Facebook conta com mais de 20,3

mil participantes.

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Fonte: facebook.com, página Nome Social é Direito

CONCLUSÃO

Diante de tantas questões que envolvem a sociedade contemporânea atual, o modelo

teórico de Habermas mostra que entender um ‘ato de fala’, significa que, pelo menos, dois

sujeitos, lingüística e interativamente competentes, compreendem identicamente uma

mesma impressão. E é este entendimento que pode possibilitar a obtenção de um consenso,

um consenso que seja aceito como válido para todos os participantes do discurso, fundado

na ação e na razão comunicativa. Um entendimento que reconhece que os indivíduos devem

considerar o outro como igual em relação à capacidade de argumentação e avaliação dos

atos de fala.

Os ensinamentos defendidos por Habermas nos mostram o caro papel da linguagem

e da razão na transformação dos aspectos pré-políticos em questões de interesse coletivo,

mesmo sabendo que:

“a maior parte daquilo que é dito na prática comunicativa cotidiana não atinge o

nível da problematização, fugindo à crítica e à pressão desenvolvida pela surpresa

das experiências críticas, porque vive de um adiantamento de validez,

proporcionado por certezas consentidas preliminarmente, ou seja, por certezas do

mundo da vida” (HABERMAS, 1990, p.89)

Apesar de todas as esferas que compõem o amplo processo deliberativo estarem

ligadas, nem todas operam em igualdade. No entanto, na construção de questões coletivas

que se encontram dentro de uma democracia deliberativa, o importante não são somente os

processos comunicativos que se estabelecem nos contextos formais de deliberação, a

amplificação alcançada e o grau de visibilidade do debate, mas também aqueles contextos

marginais e invisíveis em que os indivíduos aprendem, a longo prazo, a expor publicamente

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seus dilemas, a identificar problemas latentes, a demarcar posições e a justificar opções

diante dos outros.

Nessas situações, os media tiram da invisibilidade essa população que precisa ser

reconhecida como igual para que, a partir da deliberação, sigam mais juntos e fortes,

oferecendo contribuições e impasses aos processos deliberativos, pois envolvem articulação

entre atores políticos e cívicos com a finalidade de tomar decisões, compreender problemas

coletivos e buscar alternativas capazes de contemplar todos os envolvidos. As diferentes

arenas deliberativas existentes na sociedade contemporânea constituem o espaço que

os media exercem tais dinâmicas

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